Ladeiras históricas da Vila de Monsaraz estão a ser arrasadas
As Ladeiras históricas de Monsaraz estão a ser objecto de obras que estão a arrancar todos os vestígios
que ainda restavam das antigas calçadas medievais, recorrendo a maquinaria pesada do exército. A
operação, promovida pela Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, e financiada com fundos
públicos e comunitários, está a decorrer em três ladeiras, antigos acessos à vila histórica, anteriores à
construção da actual estrada asfaltada, e como tal parte integrante de todo o conjunto monumental,
classificado como monumento Nacional, e com uma Zona Especial de Protecção (DL 35443, DG 1 de 0201-1946; 516/71 de 22 de Novembro e DG (II Série), n.º 187, de 14-08-1951; DG, n.º 274, de 22-11-1971, decreto
n.º 516/71). Parte das obras estão incluídas na referida zona especial de protecção, especialmente
aquelas localizadas mais próximas das portas de acesso à Vila Fortificada, e que estão prestes a ser
“arranjadas” da mesma forma.
A maquinaria pesada usada nos trabalhos de arrasamento dos antigos caminhos de acesso à vila de Monsaraz
O trabalho consta do arranque puro e simples da calçada existente, e da sua base de assentamento
(cerca de 40 cm) sendo depois os materiais petreos britados e cilindrados e posteriormente passados
com máquina niveladora, ou seja, a recuperação de caminhos históricos está a ser feita como se se
tratasse de uma vulgar estrada. Os trabalhos decorrem a nível acelerado, estando já “tratados” cerca de
dois quilómetros de calçadas. O trabalho está a ser feito sem qualquer acompanhamento arqueológico,
sendo portanto incalculável o que se pode ter perdido de conhecimento cientifico sobre estes antigos
acessos, alguns dos quais poderiam ter sido parte integrante das chamadas canadas reais, ou mesmo
acessos mais antigos, remontando às ocupações pré-históricas do então castro fortificado.
Aspectos da calçada antes e depois de ser arrancada pela pá da maquina, sem nenhum acompanhamento arqueológico.
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Diversas fases do trabalho: arrancamento da calçada antiga, britagem, posterior nivelamento e cilindramento; aspecto final do
trabalho - da antiga calçada só ficou pó e terra batida.
Aspecto de uma das ladeiras antes e depois do trabalho. São visíveis os troços de calçada que desapareceram.
Para além do arranque da calçada, os antigos caminhos estão a ser alargados, sendo para isso limpa
toda a vegetação, com desbaste de azinheiras e eliminação dos rochedos naturais que ladeavam os
caminhos, onde durante séculos os caminhantes se sentavam para descansar das agruras da subida. De
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salientar ainda que as barreiras, estabilizadas pelo tempo e pela vegetação natural, estão a ser formadas
em talude, como se de um vulgar caminho se tratasse.
Aspectos dos alargamentos e da nova configuração das barreiras
Aspectos dos “trabalhos” com desbastes de azinheiras.
Parte dos muros de pedra de xisto, que suportavam as centenárias ladeiras, construídos com uma
técnica que os preservou durante os anos, estão pura e simplesmente a ser demolidos e as suas pedras
a serem integradas nos enrocamentos das futuras “estradas”.
Curva da antiga ladeira de acesso à porta de Évora, imediatamente antes da “Rocha da Noiva”, onde segundo a tradição as
noivas se sentavam a descansar antes de chegarem à igreja da Vila. Até este ponto todos os maciços rochosos
desapareceram. Terá a “Rocha da Noiva” o mesmo destino?
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Os mesmos caminhos, antes e depois das obras. São visíveis os maciços de pedra que foram arrasados, os restos de
calçada antiga então existente, e os centenários muros de suporte demolidos e integrados no material onde irá ser implantada
a futura “estrada”.
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Outra ladeira onde os maciços rochosos que ladeavam a ladeira desapareceram. O caminho, que tinha uma dimensão de
acordo com a sua antiga função, foi alterado sem nenhuma razão. O que era um antigo caminho, agradável, carregado de
história e de historias, está agora transformado numa vulgar rua onde toda a antiga pavimentação desapareceu.
Em simultâneo, como se de um ataque concertado à imagem da encosta Norte de Monsaraz se tratasse,
um privado arrasou parte de outra ladeira histórica, a “Ladeira dos Bandalhos”, para abrir um acesso
automóvel a um terreno na encosta, onde a câmara aprovou um duvidoso projecto de Arquitectura,
envolvido em polémica por suspeita de actos ilegais, que já levaram de resto o caso aos tribunais. O
referido acesso está a ser executado em plena reserva ecológica, parte sobre a referida ladeira, e parte
num local onde nunca antes houve qualquer caminho. A obra em causa, cuja polémica remete para o
anterior executivo camarário e deu origem à demissão de um vereador do PSD, voltou recentemente a
dar nova polémica com outro vereador da mesma formação politica que se disse “enganado” ao reparar
que aprovou o projecto anteriormente reprovado, por alegadamente lhe terem sido subtraídas
informações. A obra, supostamente uma recuperação de uma ruína, para além da construção do
caminho atrás referido, está neste momento em fase de movimentações de terras anormalmente
grandes para uma pequena recuperação, que passam por alterações profundas dos perfis do terreno
para posterior construção de duas plataformas artificiais, uma para a construção em causa e outra para
implantação de uma zona de circulação de veículos, que antes nunca tinham tido acesso àquele nível da
encosta. Tudo isto, em plena reserva ecológica, onde nem o coberto vegetal pode ser mexido.
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Aspecto da ferida aberta na vegetação natural da encosta do castelo de Monsaraz que se avista ao fundo
Inicio da ladeira os bandalhos onde foi aberto o caminho de acesso ao terreno em plena encosta
Plataformas artificiais criadas para implantação da “ruína” recuperada. São visíveis os cortes que alteram o perfil do terreno.
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Aspectos dos trabalhos de alteração dos perfis dos terrenos por escavação e aterro.
A nova estrada de acesso ao local antes inacessível pela encosta.
Todas estas obras vão ter um impacto visual profundo e negativo na encosta de Monsaraz, contribuindo
assim para a degradação da imagem e da paisagem do promontório onde se implanta a monumental vila
Alentejana.
As ladeiras em causa, foram recentemente integradas numa rede de percursos denominados “Percursos
do Imaginário”, por sua vez integrados numa “Rede Europeia de Turismo de Aldeia”, e foram limpos e
sinalizados com financiamentos comunitários. Os trabalhos de limpeza e divulgação dos percursos foram
financiados pelo programa “LEADER” e resulta de uma parceria alargada que integra a ADIM
(Associação de Defesa dos Interesses de Monsaraz) um grupo de empresários de Monsaraz e Telheiro,
e a própria autarquia Reguenguense. Todo este trabalho desapareceu assim debaixo da maquinaria que,
diariamente e sem oposição de ninguém, continua a demolir e a triturar restos de história e de
património, parte dele classificado. Os percursos eram regularmente utilizados por praticantes de
pedestrianismo, que de todo o pais e mesmo do estrangeiro vinham participar em passeios, livres ou
organizados, pelos locais sinalizados, conforme se documenta nas fotos que se anexam.
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Caminheiros calcorreando os percursos do Imaginário. È visível o aspecto das ladeiras antes e depois da intervenção. Onde
antes haviam muros, calçada e vegetação natural, agora existe uma camada de pó e pedra partida - os restos das antigas
calçadas históricas de acesso à vila.
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Impacto visual actual da intervenção nas ladeiras históricas, onde já são visíveis as feridas introduzidas na paisagem. As
ladeiras, que não passavam de estreitos carreiros dissimulados na vegetação, são agora muito visíveis com as barreiras
limpas de vegetação e a ausência de muros de suporte em xisto, que têm sido demolidos. A fase seguinte, que deverá ser a
construção de uma nova estrada, mais larga e calçada de novo, com novos muros de suporte, provavelmente em betão, terá
um impacto visual que não foi certamente medido nem previsto.
Mapa com a localização das intervenções. A Norte as três ladeiras onde a Câmara Municipal de Reguengos está a
intervir e a Sul a ladeira dos bandalhos, onde decorre a intervenção particular que envolve grandes movimentações de
terreno e a abertura de um caminho em plena reserva ecológica.
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