UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE METODOLOGIA DO ENSINO
A LEITURA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES
DE DIFERENTES DISCIPLINAS DAS SÉRIES FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
MARIA VITÓRIA DA SILVA
SÃO CARLOS
2007
Livros Grátis
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
ÁREA DE METODOLOGIA DO ENSINO
A LEITURA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE
DIFERENTES DISCIPLINAS DAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Maria Vitória da Silva
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal de São Carlos, na
área de Metodologia de Ensino, na linha de pesquisa
Formação de Professores, como parte dos requisitos para
obtenção do Título de Mestre em Educação
Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira
SÃO CARLOS
2007
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
S586Le
Silva, Maria Vitória da.
A leitura na escola : concepções de professores de
diferentes disciplinas das séries finais do Ensino
Fundamental / Maria Vitória da Silva. -- São Carlos :
UFSCar, 2007.
157 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2007.
1. Educação. 2. Professores - formação. 3. Processo
ensino - aprendizagem. 4. Ensino fundamental. 5. Leitura na
escola. 6. Práticas de leitura. I. Título.
CDD: 370 (20a)
BANCA EXAMINADORA
ProP Df! Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira
ProP Df! Hilda Maria Monteiro
ProP Df! Cláudia Raimundo Reyes
~
Dedico esse trabalho àqueles que na forma de um mosaico me
compõem, tão diferentes e tão iguais: minha família.
Meu pai – Seu Benedito – cuja lembrança o mantém ao meu lado na
minha caminhada;
Minha mãe – Dona Josefa – pelo exemplo de determinação, coragem
e amor;
As minhas irmãs e meu irmão – Vanda, Vilma, Verônica, Vasti e
Adriano pelos momentos de partilha tanto nas adversidades quanto
nas vitórias, vibrando sempre com o sucesso do outro;
A minha cunhada e meus cunhados – Valdeci, Rubens, Marcos,
Rafael – que se tornaram meus irmãos;
E aos meus sobrinhos – Erick, Lucas, Joana, Daniel e Ana Vitória –
pela alegria e inocência da infância que alimenta continuamente os
nossos sonhos.
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, a personificação do amor... pelo dom da vida...
A meus pais, Benedito e Josefa, exemplo de humanidade, de alegria e de amor ...
A Minhas irmãs, Vanda, Vilma, Verônica e Vasti e meu irmão Adriano pela amizade,
cumplicidade e crença de que juntos podemos mais...
A Consuelo e Joana, amigas próximas, como irmãs... as primeiras a conhecerem o embrião
desta dissertação – o projeto de pesquisa ...
À Profª. Drª. Rosa Maria Anunciato de Oliveira, minha orientadora, pelas possibilidades de
aprendizagem, ao seu lado pude crescer como ser humano, como estudante, como
profissional...
Às Profas. Dras. Hilda M. Monteiro e Claudia R. Reyes pelas importantes contribuições na
qualificação e defesa desta dissertação...
Às professoras e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de São Carlos – Área de Metodologia de Ensino pela convivência, pelas reflexões,
pela competência e responsabilidade na condução das atividades, pelas oportunidades de
crescimento...
Aos servidores da Secretaria do PPGE e do DME pela atenção e ajuda no encaminhamento
das várias solicitações ao longo do curso;
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia pelo apoio financeiro, pela concessão de
afastamento das atividades e pelas diversas e constantes oportunidades de aprendizagens ao
lado dos colegas de trabalho.
À Prefeitura Municipal de Feira de Santana, especificamente, à Secretaria de Educação do
município também pelo apoio prestado nesta caminhada.
Às professoras e professores da Escola Municipal Dr. Colbert Martins da Silva, pelo incentivo
e participação na pesquisa, pelo respeito e amizade com que me acolheram na escola como
coordenadora: Alaíde, Aldaci, Aurora, Consuelo, Gerson, Geruza, Goretti, Josilda, Laura,
Marina, Núbia e Nora.
Às amigas e amigos que me aqueceram ao longo desses dois anos e meio com muito carinho,
brincadeiras, incentivos, respeito e amor; que fizeram com que cada dia fosse diferente dos
outros: Carol, Rosilda, Adriana, Selva, Sydione, Graça, Ligia, Alessandra, Ana Paula, Fred,
Murilo, Marcos, Pitanga, Caio e Vitor.
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse
amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios
e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que
transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustendo dos pobres,
e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse
amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata
com leviandade, não se ensoberbece,
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita,
não suspeita mal:
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha: mas havendo profecias, serão aniquiladas;
havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; (...)
I Aos Coríntios Cap. 13
RESUMO
No exercício da docência, professores das Séries Finais do Ensino Fundamental têm se
deparado com um número significativo de alunos que não apresenta habilidades básicas de
leitura necessárias para a aprendizagem dos conteúdos específicos das diversas disciplinas.
Nessa perspectiva, levantamos a seguinte questão de pesquisa que direcionou o presente
trabalho: Como os professores das diversas disciplinas das séries finais do Ensino
Fundamental concebem a leitura e o seu ensino? Para responder a esse questionamento
traçamos como objetivo geral – compreender as concepções de leitura que permeiam a prática
pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental. O
referencial teórico se pauta nos estudos de Imbernón, Pacheco e Flores, Nóvoa, Mizukami,
entre outros, os quais têm apontado importantes contribuições para o debate e construção de
conhecimentos sobre a formação docente e o desenvolvimento profissional do professor e nos
e nos estudos de Chartier, Kleiman, Silva, Solé, etc., que concebem a leitura como um
processo contínuo, complexo e plural, fornecendo importantes aportes para a sua discussão no
campo da educação. Os procedimentos metodológicos foram norteados pelos princípios da
pesquisa qualitativa em educação, especialmente, a valorização da voz dos professores,
procurando compreender suas concepções, seus conhecimentos e crenças como base do seu
trabalho com o ensino. Foram utilizados como instrumentos para a coleta dos dados a
entrevista semi-estruturada e a análise de materiais escritos (planos de curso, roteiros de aula e
atividades escritas). Participaram da pesquisa cinco professores experientes das disciplinas:
Ciências, Geografia, História, Matemática e Português – que ensinam em uma escola de 5ª a
8ª série do Ensino Fundamental localizada na zona rural do município de Feira de SantanaBA. Os dados coletados foram agrupados em cinco dimensões de análise, a saber: definição
de leitura, relação escola e leitura, relação leitura e conteúdo específico, relação do aluno
com a leitura e o processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas.
Como resultado, é possível destacar que os professores apresentam, nas dimensões mais
conceituais, uma concepção ampla, contínua e dinâmica sobre a leitura. Nas dimensões que
envolvem o aluno e a sala de aula, verifica-se uma certa distância entre o que eles falam e o
que a teoria propõe. Entretanto, percebe-se nas práticas relatadas pelos professores indícios de
um movimento de busca, de inovação das práticas cotidianas. Reconhecem a necessidade do
trabalho em grupo, envolvendo toda a escola, em torno da aprendizagem da leitura.
Destacamos a formação contínua, que acontece no exercício da docência e no trabalho em
grupo na escola, como uma possibilidade para o professor construir estratégias que
contribuam com o desenvolvimento do aluno no que se refere às habilidades de leitor
competente.
Palavras- chave: Leitura, Formação de Professores e Séries Finais do Ensino Fundamental
ABSTRACT
In the exercise of the teaching, teachers of the Final Series of the Fundamental Teaching have
come across a significant amount of students that doesn't present necessary basic reading
abilities for the learning of specific contents of the several disciplines. In that perspective, we
brought up the following research question which guided the present work: How do the
teachers of several disciplines of the Fundamental Teaching final series conceive the reading
and its teaching? To answer to that questioning we figured out as general objective, to
understand the reading conceptions that permeate the teacher's pedagogic practice of the
several disciplines of the Fundamental Teaching final series. The theoretical referential is
ruled in the studies of Imbernón, Pacheco and Flores, Nóvoa and Mizukami, which have been
pointing important contributions for the debate and construction of knowledge on the
educational formation and the teacher's professional development and also in the studies of
Chartier, Kleiman, Silva, Solé, which conceive the reading as a continuous process, complex
and plural, supplying important contributions for its discussion in the education field. The
methodological procedures were orientated by the principles of the qualitative research in
education, especially the valorization of the teachers' voice, trying to understand their
conceptions, their knowledge and faiths as basis of their work with the teaching. As data
collection instruments were used the semi-structured interview and the analysis of written
materials (course plans, class script and written activities). Five experienced teachers of the
disciplines Sciences, Geography, History, Mathematics and Portuguese took part in the
research. They teach from 5th to 8th series of the Fundamental Teaching at a school located in
the rural area of the municipal district of Feira de Santana, Bahia. The collected data were
contained into five analysis dimensions, that is, reading definition, school and reading
relationship, reading and specific content relationship, the student's relationship with the
reading and the teaching process and reading learning in different disciplines. As result, is
possible to stand out that the teachers present in the most conceptual dimensions, a wide,
continuous and dynamic conception about the reading. In the dimensions that involve the
student and the classroom, a certain distance is verified between what they speak and what the
theory proposes. However, it is noticed in the practices reported by the teachers, indications of
a search movement for innovation of the daily practices. They recognize the need of the group
work involving the whole school around the learning of the reading. We stand out the
continuous formation that happens in the exercise of the teaching and in the group work in the
school, as a possibility for the teacher to build strategies that contribute with the student's
development in what refers to a competent reader's abilities.
Key-words: Reading, Teacher Education and Final Series of the Fundamental Teaching
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
9
Capítulo 1
1. DELINEANDO A TEMÁTICA: POR QUE A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL?
11
Capítulo 2
2. LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS SÉRIES FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
18
2.1 O universo da Leitura: da decodificação à prática social
2.2 Formação de professores: desafios no exercício da docência
2.2.1 O exercício da docência: alguns limites e possibilidades no ensino da leitura
21
28
31
Capítulo 3
3. O PERCURSO DA PESQUISA:ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS
37
3.1 Problemática e objetivos
3.2 Pressupostos teóricos e metodológicos
3.3 Conhecendo os participantes da pesquisa
37
38
46
Capítulo 4
4. CONCEPÇÕES DE LEITURA: DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES NO
COTIDIANO DA SALA DE AULA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO 50
FUNDAMENTAL
4.1 Concepções de leitura em diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino 51
Fundamental
51
4.1.1 Ciências
67
4.1.2 Geografia
74
4.1.3 História
89
4.1.4 Língua Portuguesa
101
4.1.5 Matémática
Capítulo 5
5. UM DIÁLOGO NECESSÁRIO: A LEITURA NA ESCOLA NA PERSPECTIVA
DOS PARTICIPANTES E DA LITERATURA EDUCACIONAL
5.1 – Definição de leitura
5.2 – Relação escola e leitura
5.3 – Relação leitura e conteúdos específicos
5.4 – Relação do aluno com a leitura
5.5 – O processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas
5.6 – Leitura e formação de professores: algumas palavras...
114
116
119
125
129
132
141
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
147
REFERÊNCIAS
150
APÊNDICES
154
Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da
Biblioteca Comunitária da UFSCar
S586Le
Silva, Maria Vitória da.
A leitura na escola : concepções de professores das
séries finais do Ensino Fundamental / Maria Vitória da Silva.
-- São Carlos : UFSCar, 2007.
157 f.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São
Carlos, 2007.
1. Educação. 2. Professores - formação. 3. Processo
ensino - aprendizagem. 4. Ensino fundamental. 5. Leitura na
escola. 6. Práticas de leitura. I. Título.
CDD: 370 (20a)
BANCA EXAMINADORA
ProP Df! Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira
ProP Df! Hilda Maria Monteiro
ProP Df! Cláudia Raimundo Reyes
~
Dedico esse trabalho àqueles que na forma de um mosaico me
compõem, tão diferentes e tão iguais: minha família.
Meu pai – Seu Benedito – cuja lembrança o mantém ao meu lado na
minha caminhada;
Minha mãe – Dona Josefa – pelo exemplo de determinação, coragem
e amor;
As minhas irmãs e meu irmão – Vanda, Vilma, Verônica, Vasti e
Adriano pelos momentos de partilha tanto nas adversidades quanto
nas vitórias, vibrando sempre com o sucesso do outro;
A minha cunhada e meus cunhados – Valdeci, Rubens, Marcos,
Rafael – que se tornaram meus irmãos;
E aos meus sobrinhos – Erick, Lucas, Joana, Daniel e Ana Vitória –
pela alegria e inocência da infância que alimenta continuamente os
nossos sonhos.
AGRADECIMENTOS
Ao meu Deus, a personificação do amor... pelo dom da vida...
A meus pais, Benedito e Josefa, exemplo de humanidade, de alegria e de amor ...
A Minhas irmãs, Vanda, Vilma, Verônica e Vasti e meu irmão Adriano pela amizade,
cumplicidade e crença de que juntos podemos mais...
A Consuelo e Joana, amigas próximas, como irmãs... as primeiras a conhecerem o embrião
desta dissertação – o projeto de pesquisa ...
À Profª. Drª. Rosa Maria Anunciato de Oliveira, minha orientadora, pelas possibilidades de
aprendizagem, ao seu lado pude crescer como ser humano, como estudante, como
profissional...
Às Profas. Dras. Hilda M. Monteiro e Claudia R. Reyes pelas importantes contribuições na
qualificação e defesa desta dissertação...
Às professoras e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de São Carlos – Área de Metodologia de Ensino pela convivência, pelas reflexões,
pela competência e responsabilidade na condução das atividades, pelas oportunidades de
crescimento...
Aos servidores da Secretaria do PPGE e do DME pela atenção e ajuda no encaminhamento
das várias solicitações ao longo do curso;
À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia pelo apoio financeiro, pela concessão de
afastamento das atividades e pelas diversas e constantes oportunidades de aprendizagens ao
lado dos colegas de trabalho.
À Prefeitura Municipal de Feira de Santana, especificamente, à Secretaria de Educação do
município também pelo apoio prestado nesta caminhada.
Às professoras e professores da Escola Municipal Dr. Colbert Martins da Silva, pelo incentivo
e participação na pesquisa, pelo respeito e amizade com que me acolheram na escola como
coordenadora: Alaíde, Aldaci, Aurora, Consuelo, Gerson, Geruza, Goretti, Josilda, Laura,
Marina, Núbia e Nora.
Às amigas e amigos que me aqueceram ao longo desses dois anos e meio com muito carinho,
brincadeiras, incentivos, respeito e amor; que fizeram com que cada dia fosse diferente dos
outros: Carol, Rosilda, Adriana, Selva, Sydione, Graça, Ligia, Alessandra, Ana Paula, Fred,
Murilo, Marcos, Pitanga, Caio e Vitor.
Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse
amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios
e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que
transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustendo dos pobres,
e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse
amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata
com leviandade, não se ensoberbece,
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita,
não suspeita mal:
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha: mas havendo profecias, serão aniquiladas;
havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; (...)
I Aos Coríntios Cap. 13
RESUMO
No exercício da docência, professores das Séries Finais do Ensino Fundamental têm se
deparado com um número significativo de alunos que não apresenta habilidades básicas de
leitura necessárias para a aprendizagem dos conteúdos específicos das diversas disciplinas.
Nessa perspectiva, levantamos a seguinte questão de pesquisa que direcionou o presente
trabalho: Como os professores das diversas disciplinas das séries finais do Ensino
Fundamental concebem a leitura e o seu ensino? Para responder a esse questionamento
traçamos como objetivo geral – compreender as concepções de leitura que permeiam a prática
pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental. O
referencial teórico se pauta nos estudos de Imbernón, Pacheco e Flores, Nóvoa, Mizukami,
entre outros, os quais têm apontado importantes contribuições para o debate e construção de
conhecimentos sobre a formação docente e o desenvolvimento profissional do professor e nos
e nos estudos de Chartier, Kleiman, Silva, Solé, etc., que concebem a leitura como um
processo contínuo, complexo e plural, fornecendo importantes aportes para a sua discussão no
campo da educação. Os procedimentos metodológicos foram norteados pelos princípios da
pesquisa qualitativa em educação, especialmente, a valorização da voz dos professores,
procurando compreender suas concepções, seus conhecimentos e crenças como base do seu
trabalho com o ensino. Foram utilizados como instrumentos para a coleta dos dados a
entrevista semi-estruturada e a análise de materiais escritos (planos de curso, roteiros de aula e
atividades escritas). Participaram da pesquisa cinco professores experientes das disciplinas:
Ciências, Geografia, História, Matemática e Português – que ensinam em uma escola de 5ª a
8ª série do Ensino Fundamental localizada na zona rural do município de Feira de SantanaBA. Os dados coletados foram agrupados em cinco dimensões de análise, a saber: definição
de leitura, relação escola e leitura, relação leitura e conteúdo específico, relação do aluno
com a leitura e o processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas.
Como resultado, é possível destacar que os professores apresentam, nas dimensões mais
conceituais, uma concepção ampla, contínua e dinâmica sobre a leitura. Nas dimensões que
envolvem o aluno e a sala de aula, verifica-se uma certa distância entre o que eles falam e o
que a teoria propõe. Entretanto, percebe-se nas práticas relatadas pelos professores indícios de
um movimento de busca, de inovação das práticas cotidianas. Reconhecem a necessidade do
trabalho em grupo, envolvendo toda a escola, em torno da aprendizagem da leitura.
Destacamos a formação contínua, que acontece no exercício da docência e no trabalho em
grupo na escola, como uma possibilidade para o professor construir estratégias que
contribuam com o desenvolvimento do aluno no que se refere às habilidades de leitor
competente.
Palavras- chave: Leitura, Formação de Professores e Séries Finais do Ensino Fundamental
ABSTRACT
In the exercise of the teaching, teachers of the Final Series of the Fundamental Teaching have
come across a significant amount of students that doesn't present necessary basic reading
abilities for the learning of specific contents of the several disciplines. In that perspective, we
brought up the following research question which guided the present work: How do the
teachers of several disciplines of the Fundamental Teaching final series conceive the reading
and its teaching? To answer to that questioning we figured out as general objective, to
understand the reading conceptions that permeate the teacher's pedagogic practice of the
several disciplines of the Fundamental Teaching final series. The theoretical referential is
ruled in the studies of Imbernón, Pacheco and Flores, Nóvoa and Mizukami, which have been
pointing important contributions for the debate and construction of knowledge on the
educational formation and the teacher's professional development and also in the studies of
Chartier, Kleiman, Silva, Solé, which conceive the reading as a continuous process, complex
and plural, supplying important contributions for its discussion in the education field. The
methodological procedures were orientated by the principles of the qualitative research in
education, especially the valorization of the teachers' voice, trying to understand their
conceptions, their knowledge and faiths as basis of their work with the teaching. As data
collection instruments were used the semi-structured interview and the analysis of written
materials (course plans, class script and written activities). Five experienced teachers of the
disciplines Sciences, Geography, History, Mathematics and Portuguese took part in the
research. They teach from 5th to 8th series of the Fundamental Teaching at a school located in
the rural area of the municipal district of Feira de Santana, Bahia. The collected data were
contained into five analysis dimensions, that is, reading definition, school and reading
relationship, reading and specific content relationship, the student's relationship with the
reading and the teaching process and reading learning in different disciplines. As result, is
possible to stand out that the teachers present in the most conceptual dimensions, a wide,
continuous and dynamic conception about the reading. In the dimensions that involve the
student and the classroom, a certain distance is verified between what they speak and what the
theory proposes. However, it is noticed in the practices reported by the teachers, indications of
a search movement for innovation of the daily practices. They recognize the need of the group
work involving the whole school around the learning of the reading. We stand out the
continuous formation that happens in the exercise of the teaching and in the group work in the
school, as a possibility for the teacher to build strategies that contribute with the student's
development in what refers to a competent reader's abilities.
Key-words: Reading, Teacher Education and Final Series of the Fundamental Teaching
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
9
Capítulo 1
1. DELINEANDO A TEMÁTICA: POR QUE A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL?
11
Capítulo 2
2. LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS SÉRIES FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
18
2.1 O universo da Leitura: da decodificação à prática social
2.2 Formação de professores: desafios no exercício da docência
2.2.1 O exercício da docência: alguns limites e possibilidades no ensino da leitura
21
28
31
Capítulo 3
3. O PERCURSO DA PESQUISA:ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS
37
3.1 Problemática e objetivos
3.2 Pressupostos teóricos e metodológicos
3.3 Conhecendo os participantes da pesquisa
37
38
46
Capítulo 4
4. CONCEPÇÕES DE LEITURA: DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES NO
COTIDIANO DA SALA DE AULA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO 50
FUNDAMENTAL
4.1 Concepções de leitura em diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino 51
Fundamental
51
4.1.1 Ciências
67
4.1.2 Geografia
74
4.1.3 História
89
4.1.4 Língua Portuguesa
101
4.1.5 Matémática
Capítulo 5
5. UM DIÁLOGO NECESSÁRIO: A LEITURA NA ESCOLA NA PERSPECTIVA
DOS PARTICIPANTES E DA LITERATURA EDUCACIONAL
5.1 – Definição de leitura
5.2 – Relação escola e leitura
5.3 – Relação leitura e conteúdos específicos
5.4 – Relação do aluno com a leitura
5.5 – O processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas
5.6 – Leitura e formação de professores: algumas palavras...
114
116
119
125
129
132
141
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
147
REFERÊNCIAS
150
APÊNDICES
154
9
APRESENTAÇAO
O presente trabalho busca elementos que contribuam com a discussão na área de
leitura e formação de professores nas Séries Finais do Ensino Fundamental e que apontem
algumas possibilidades para o desenvolvimento do trabalho com leitura nas diversas
disciplinas.
Para situar o leitor na rede de idéias que constitui este trabalho, o caminho percorrido
foi demarcado em capítulos que se complementam num diálogo permanente com o intuito de
direcionar ao lugar que se pretende chegar, não como o término de uma caminhada, mas como
o descortinar de novos horizontes.
O primeiro capítulo busca delinear o percurso realizado para a definição da temática
pesquisada e seus desdobramentos. Destaca-se no caminho a relação da pesquisadora com o
tema leitura, a partir das necessidades impostas pela realidade concreta em que esteve inserida
ao longo da formação inicial, nos primeiros anos de exercício da docência e como formadora
de professores alfabetizadores.
No segundo capítulo, são discutidos trabalhos sobre a literatura de leitura e a formação
de professores, especificamente nas séries finais do Ensino Fundamental, tendo em vista que
uma das questões que se coloca hoje, para a formação dos professores desse nível de ensino, é
a relação entre os conteúdos específicos e o processo de ensino da leitura.
No terceiro capítulo são apresentadas as escolhas teóricas e metodológicas, que
fundamentam este trabalho, como também, os objetivos que nortearam a pesquisa, os
instrumentos utilizados para a coleta dos dados e algumas informações sobre os participantes
que possibilitam ao leitor um olhar mais sensível e aberto às questões levantadas e aos
resultados encontrados.
A apresentação dos dados coletados, buscando apontar o que revelam os participantes
em relação às concepções de leitura e suas implicações no processo de ensino, está organizada
no quarto capítulo. Os dados coletados foram organizados em cinco dimensões de análise
visando desvelar as concepção de leitura dos professores por meio das relações da leitura com
a escola, o aluno, o conteúdo especifico e o processo de ensino e aprendizagem nas diferentes
disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental
O quinto capítulo, procura estabelecer relações entre a literatura sobre leitura e
formação de professores e os dados analisados. Por meio dessa relação busca-se repensar
práticas, redimensionar concepções, rever posturas, refletir sobre a teoria e a prática num
10
movimento de retroalimentação por meio do diálogo entre a produção teórica e as concepções
expressas nas falas dos participantes da pesquisa.
A questão central da pesquisa perpassa pelas concepções de leitura que norteiam a
prática pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino
Fundamental e pelo reflexo dessas concepções no cotidiano da sala de aula, partindo do
pressuposto de que a leitura é responsabilidade de toda escola e não apenas do professor de
Língua Portuguesa.
Este trabalho se constitui na possibilidade de contribuições para as discussões sobre a
formação de professores e o processo de leitura. É necessário observar que formação de
professores e leitura são duas áreas em expansão, com uma enorme produção acadêmica, cuja
aproximação, devido as suas especificidades histórico-contextuais, podem auxiliar na
compreensão das aprendizagens do professor e no desenvolvimento do processo de ensino e
aprendizagem do conteúdo especifico das diferentes disciplinas que compõem currículo
escolar.
11
1 . DELINEANDO A TEMÁTICA: POR QUE A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS DO
ENSINO FUNDAMENTAL?
Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem
com o coração. O essencial é invisível aos olhos.
(Saint-Exupéry)
O presente capítulo busca delinear o percurso realizado para a definição da temática
pesquisada e seus desdobramentos. Nossas escolhas, na maioria das vezes, têm uma relação
intrínseca com a nossa trajetória histórica, nossas vivências, nossas experiências, seja para
negar ou para reforçar, seja para reproduzir ou para superar.
A leitura sempre foi um tema que me inquietou tanto nos aspectos teóricos como nos
práticos. Durante a graduação em Pedagogia, no período de 1991 a 1996, tive a oportunidade
de ter professores envolvidos em projetos de pesquisas com leitura e participar de encontros e
seminários para discutir questões relacionadas ao ato de ler. Paralela a graduação lecionava
em uma turma de alfabetização de adultos, como professora efetiva da rede de ensino do
município de Feira de Santana - BA, e constantemente, deparava-me com conflitos buscando
estabelecer relações entre teoria e prática.
Ao concluir a graduação, decidi especializar-me em alfabetização. O contato com o
tema tornou-se mais intenso, mais reflexivo. A participação em palestras proferidas por
pesquisadores da área, entre os quais destaco: Delia Lerner, Eliana Yunes, Angela Kleiman,
Ezequiel Teodoro da Silva, Maria Helena Besnosik, Emília Ferreiro, Magda Soares etc., como
também o estudo de referenciais teóricos desses autores e de outros citados no decorrer deste
trabalho, contribuíram para uma busca constante de um conhecimento mais sistematizado
sobre a leitura. Começava a perceber que a leitura não era um simples ato de decodificação,
de responsabilidade apenas da alfabetização e das séries iniciais do Ensino Fundamental, mas
um processo complexo que se estende por todo o processo de escolarização do indivíduo,
extrapolando a esfera acadêmica.
De 1998 a 2002, atuei como formadora nos cursos de Capacitação de Educação de
Jovens e Adultos1 promovidos em parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana
– UEFS.
1
PAS – Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos; PRONERA – Programa Nacional de Educação nas
áreas de Reforma Agrária; PRAJA – Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos; Programa de
Alfabetização nas Áreas Atingidas pela Seca.
12
A partir de 1998, por meio de um convênio entre a Prefeitura do referido município e a
universidade, fui transferida da escola para a Pró-Reitoria de Extensão, a fim de integrar a
equipe do Programa Alfabetização Solidária - PAS.
Uma equipe multidisciplinar composta por professores e bolsistas das licenciaturas em
Pedagogia, Biologia, Letras, História, Geografia e Matemática construiu uma proposta
interdisciplinar para o desenvolvimento das ações do PAS – curso de capacitação de
alfabetizadores com carga horária de 80 horas no município de Feira de Santana; reuniões
pedagógicas com os alfabetizadores “in loco”2; oficinas pedagógicas nos municípios a partir
das necessidades expostas pelos alfabetizadores; visitas as salas de aula, além da proposta de
seleção de alfabetizadores que constava de prova escrita, análise de currículo e entrevista.
O curso de capacitação fornecia subsídios teóricos-metodológicos das diversas áreas
do conhecimento, fundamentos da educação e planejamento. Todas as discussões eram
voltadas para a sala de aula de jovens e adultos.
Nas reuniões de planejamento, a equipe estudava, discutia e socializava questões
voltadas para o processo de alfabetização de jovens e adultos por meio da literatura sobre a
aquisição da leitura e escrita da criança e da escassa produção sobre a educação de jovens e
adultos na época.
Permeada pelo compromisso político que envolve o fazer pedagógico, a nossa
proposta de trabalho não se restringia a ensinar o aluno a decodificar, mas buscava associar
em um processo contínuo a leitura de mundo à leitura da palavra. Um processo que envolvia
“uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra
escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo.”
(Freire 2006, p.11).
Devido a minha formação e experiência como professora nessa modalidade de ensino,
atuei em todas as áreas, mas me envolvia de maneira profunda e prazerosa nas áreas de
alfabetização matemática e lecto-escrita. O trabalho com a leitura e a escrita ancorava-se em
autores como Geraldi, Soares, Cagliari, Ferreiro, Freire, Solé entre outros.
Se em outros momentos históricos a alfabetização de jovens e adultos se reduziu
apenas a ensinar o aluno a “desenhar” o nome ou a decodificar frases simples, na atualidade
os meios tecnológicos da comunicação e da informação se multiplicaram, trazendo em seu
bojo novos objetivos, novas necessidades, novas exigências, modificando o conceito de
alfabetização e criando outros.
2
Atuávamos nos municípios de Jeremoabo, Adustina, Canudos, Teofilândia e Itatim
13
Nesse sentido, a concepção de alfabetização que norteava o trabalho da equipe e que
também permeia esta pesquisa é a de que o processo de alfabetização deve compreender não
apenas a memorização das relações entre as letras e os sons, ou seja, o domínio da técnica da
leitura e escrita, mas também a compreensão do que lê, atribuindo significado, interagindo,
inserindo-se em redes de comunicação. Portanto, deve-se “alfabetizar letrando”, visto que
letramento é a condição de quem é capaz de usar competentemente a leitura e a escrita nas
práticas sociais do seu cotidiano. (SOARES, 2000)
Concomitante as atividades no PAS, em 1999, por meio de concurso, assumi a
coordenação pedagógica de uma escola Estadual de Ensino Médio, na zona urbana do
município de Feira de Santana-BA. Durante as reuniões de Atividades Complementares (AC),
os professores sempre apontavam os entraves para “trabalhar o conteúdo programático”
devido às dificuldades dos alunos para ler e escrever.
No segundo semestre de 2002, quando terminou o convênio entre a prefeitura e a
universidade, retornei para a rede de ensino e assumi a coordenação pedagógica de uma
escola municipal que atende alunos da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Essa escola está
localizada na zona rural, num local de difícil acesso. Os alunos enfrentam sérias dificuldades
de acesso à escola, tanto pelas suas condições econômicas, quanto pela distância. Mesmo
contando com transporte escolar (dois ônibus), eles precisam acordar muito cedo e/ou chegam
em casa muito tarde, pois precisam caminhar muito até o local onde embarcam no ônibus. A
comunidade atendida, na sua maioria, tem baixa escolaridade, e para os alunos o contato com
a escrita faz-se quase que exclusivamente nas escolas.
Na primeira reunião pedagógica, os professores (todos licenciados nas respectivas
áreas em que estavam lecionando) apontaram que o maior problema da escola era que os
alunos não sabiam ler. A partir dessas informações foram realizadas algumas atividades de
leitura e escrita que se caracterizaram como uma avaliação diagnóstica. Essas atividades
foram elaboradas por mim (na condição de coordenadora pedagógica da escola) e aplicadas
pelos professores nas 5ª séries. Após a análise dos dados coletados por meio dessas atividades
foi detectado que 60% dos alunos apresentavam dificuldades para ler (liam apenas palavras ou
frases simples, com pouca compreensão...) e escrever ortograficamente. Ao final do ano, esses
dados se comprovaram por meio do elevado índice de reprovação que correspondeu a 47% e
de evasão com 18 %. Os dados não foram diferentes para a 6º série, pois apenas 47% dos
alunos conseguiram ser promovidos para a série subseqüente. É importante destacar que esses
alunos já traziam em seu histórico escolar, reprovações sucessivas e apresentavam defasagem
idade/série.
14
Em 2003, após várias discussões ficou acordado que a escola deveria criar estratégias
para sanar as dificuldades que esses alunos apresentavam. Assim, ficou decidido que todos os
professores deveriam trabalhar com leitura em suas aulas, ou seja, deveriam ler para seus
alunos, realizar leituras coletivas e solicitar que alguns alunos lessem individualmente.
Entretanto, essas ações não seriam suficientes para solucionar o problema, seriam necessárias
atividades sistemáticas que pudessem levar os alunos a refletir sobre a construção da
linguagem escrita. Partindo dessa reflexão, um grupo de professores e a coordenação
pedagógica decidiram elaborar um projeto de alfabetização para ser desenvolvido com as 5ª e
6ª séries, nas disciplinas diversificadas (Religião, Cultura Regional e Prática de Saúde). Como
essas disciplinas eram lecionadas por professores de outras áreas (dois professores de
Matemática, dois de Ciências, um de Educação Artística, dois de Geografia e um de História)
para complementar a carga horária semanal, muitos dos professores desenvolviam um
trabalho sem seqüência, pontual e sem muito significado para eles e para o aluno. Eles
próprios se sentiam incomodados com o trabalho que estavam fazendo, o projeto da
alfabetização se apresentou como um norte para eles e como uma possibilidade de ajudar os
alunos que tinham dificuldades com leitura.
Todo o trabalho realizado no Projeto foi planejado no coletivo. A partir de temas
relacionados com o cotidiano dos alunos, selecionavam-se textos diversos para elaboração de
atividades sistemáticas que envolviam práticas de leitura e escrita para serem desenvolvidas
por dois professores em cada turma.3 As atividades eram seqüenciadas e um professor dava
continuidade à atividade desenvolvida pelo outro.
Na avaliação do projeto, os professores apontaram que alguns alunos estavam
conseguindo organizar melhor a disposição da escrita no caderno, como também melhoraram
a caligrafia, e conseqüentemente, conseguiam ler o que escreviam; demonstraram maior
interesse em realizar as atividades, pois começavam a perceber que conseguiam compreender
o que estavam fazendo; houve uma elevação da auto-estima; começaram a perguntar aos
professores como se escrevia determinadas palavras ou em outros momentos procuravam no
dicionário – demonstrando assim, uma preocupação em escrever ortograficamente nas
diversas disciplinas.
A vivência como professora e coordenadora em escolas de bairros periféricos da Zona
Urbana e Zona Rural do município de Feira de Santana/BA, as quais agregam alunos que
pertencem a grupos de baixa condição sócio-econômica e pouca escolaridade, me colocou em
3
Na maioria das turmas não coincidia ser o mesmo professor que ensinava Religião e Cultura Regional na 5ª
série e Religião e Práticas de Saúde na 6ª série.
15
contato direto com um elevado número de alunos nas séries finais do Ensino Fundamental e
no Ensino Médio que apresentavam dificuldades para compreender o que liam, não
conseguindo fazer uso efetivo da leitura e da escrita no seu cotidiano, quando pedido para ler
um bilhete, escrever um endereço, fazer uma lista de compra, etc.
Esse mesmo fenômeno é apresentado em revistas de educação4 e diversos dados
estatísticos publicados em jornais5 e avaliações internacionais6, boletins de educação, etc.
Parece que a escola tem negligenciado o seu papel de incluir, e conseqüentemente,
contribuído para exclusão social, uma vez que milhares de alunos têm saído de seus muros –
isso no mínimo – sem o domínio da competência lingüística. (PISA, 2000).
A sociedade atual, por meio das tecnologias da informação e da comunicação,
possibilita ao indivíduo o acesso à leitura e à escrita de maneira dinâmica e em algumas vezes
ostensiva. As informações estão presentes nos diversos portadores de textos veiculados em
cartazes e informativos de propagandas; na televisão que além das mensagens escritas, trazem
nos diversos programas as marcas do texto escrito por meio da oralidade. Nesse contexto,
parece paradoxal para a formação do indivíduo no que se refere à aquisição do código escrito
que isso seja delegado apenas à escola; pois muitas vezes a escola não acompanha essa
dinâmica, devido à falta de recursos adequados para o desenvolvimento de atividades
significativas, à falta de espaço de discussão para formação continuada do professor, às
deficiências no processo de formação inicial, etc.
A sociedade contemporânea por meio da multiplicidade de informações impõe ao
indivíduo que mesmo não dominando o código escrito, conviva com práticas leitoras.
Entretanto, nem todos os alunos que ingressam na escola têm uma convivência sistemática
com práticas de leitura e escrita, cabendo, então, à escola propiciar situações que insiram
esses alunos em eventos de letramentos.
O contato com o referencial de leitura para trabalhar na alfabetização e nas séries
iniciais do Ensino Fundamental, teve grande relevância para o desenvolvimento do meu
trabalho como coordenadora, pois começava a levantar hipóteses sobre a necessidade de que
todo professor da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental deveria se conscientizar da sua
responsabilidade junto ao professor de Língua Portuguesa para contribuir com o processo de
letramento de seus alunos.
4
Revista de Educação: ano 27, nº 231, julho de 2000.
Folha de São Paulo, 21/12/2002 – Especial 5
6
Relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), 2000
5
16
Solé (1998) destaca que os professores, enquanto leitores experientes7, (na perspectiva
de letramento – enquanto fenômeno mais amplo do que a decodificação) utilizam suas
estratégias de leitura de forma inconsciente no seu cotidiano. Entretanto, na ação pedagógica
essas estratégias não são transpostas para atividades de leitura com seus alunos, para que
possam ser ensinadas e que contribuam para dotar o aluno dos recursos necessários para
melhorar suas próprias estratégias. O ensino das estratégias de leitura deve permitir que o
aluno planeje a tarefa geral de leitura (seja na escola ou no cotidiano), tendo em vista seus
objetivos.
De acordo com a autora, é necessário ensinar as estratégias de compreensão leitora
para formar leitores autônomos, capazes de aprender a partir dos textos, de estabelecer
relações entre o que lê e o que faz parte do seu acervo pessoal, de transferir o que foi
aprendido para outras situações.
Mas com que objetivo o processo de ensino da leitura deve ser responsabilidade de
todos os professores? Para que investir tempo na leitura se o aluno deve chegar nas séries
finais do Ensino Fundamental dominando a leitura? Língua Portuguesa não é a disciplina que
deve trabalhar com essa questão? Deixar de trabalhar o conteúdo programático para trabalhar
leitura não seria uma irresponsabilidade do professor? Como trabalhar a leitura nas diversas
disciplinas?
Esses questionamentos suscitados no cotidiano da escola permeiam o fazer pedagógico
do professor, pois a leitura perpassa todas as áreas do conhecimento e se tornou um
importante instrumento de comunicação não apenas dos conhecimentos escolares, mas
também de conhecimentos que são veiculados nas esferas sociais em que o indivíduo está
inserido. Por meio da leitura dos conteúdos escolares o professor pode possibilitar ao aluno
estabelecer relações, desvelar horizontes, rever conceitos e valores, se posicionar, se
conformar ou mudar. Para tanto, esse processo, denominado de leitura crítica, não pode se
limitar a um simples procedimento, mas sim, transcender para uma reflexão crítica sobre a
realidade com seus desafios para a superação.
Nesse sentido, Freire (1991) afirma que a leitura crítica se constitui como um
importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos
movimentos sociais que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação social.
Assim, pode-se afirmar que o acesso à leitura e à escrita possibilita ao indivíduo uma melhor
7
Leitor que têm um tempo e uma diversidade de leituras maior que o aluno; que tem experiências de leitura
diversificadas; que faz inferências no texto a partir de outras leituras.
17
qualidade de vida e a participação em diversos setores da sociedade atual. Além de ser
inclusivo, o processo de leitura é político.
Nessa perspectiva, no âmbito escolar de 5ª a 8ª série, emergem diversos
questionamentos sobre o que pode ser feito no conjunto das disciplinas e das atividades
programadas para proporcionar a esses alunos a continuidade do seu processo de letramento,
para que construam conhecimentos que lhes possibilitem o efetivar da competência lingüística
e, conseqüentemente, evitar reprovações sucessivas e posterior evasão escolar.
É importante ressaltar que nos últimos anos, as produções teóricas publicadas sobre
leitura, na sua maioria, referem-se à alfabetização e as séries iniciais do Ensino Fundamental.
Muitas dessas produções chegam aos professores das séries finais do Ensino Fundamental,
mas como não apresentam de forma explícita uma relação direta com as séries que lecionam,
não são consideradas. Vários desses trabalhos divulgados fornecem importantes indícios para
a reflexão e discussão sobre a leitura nas séries finais do Ensino Fundamental. Assim, afirmo
que a leitura nessas séries é um tema fecundo o qual necessita de mais produções na área,
visando o desenvolvimento de pesquisas que contribuam com o debate, e consequentemente,
com a construção de novos conhecimentos.
O próximo capítulo apresenta uma discussão sobre a produção teórica da área de
leitura e formação de professores, buscando conexões entre essas duas áreas de conhecimento
em expansão nos últimos anos.
18
2. LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
O que torna belo o deserto é que ele esconde
um poço em qualquer lugar
(Saint-Exupery)
Atualmente o tema leitura tem permeado os grandes debates na área de educação. O
campo de estudo se ampliou, pesquisas têm sido desenvolvidas na área, seminários são
organizados para socialização de experiências, etc. Entretanto, parece que essas discussões,
pautadas em referenciais teóricos, não são suficientes para transformar práticas e parece não
existir uma transposição do que tem sido produzido na academia para a escola. Pode-se,
ainda, afirmar que o processo de leitura é compreendido por muitos professores como um
processo estanque que se limita ao período de alfabetização e as séries iniciais do Ensino
Fundamental. Nesta visão, a leitura torna-se um conteúdo específico da Área de Língua
Portuguesa nos cursos de Letras e nos cursos de Pedagogia para formação de professores de
Educação Infantil e Séries Iniciais.
Tais afirmações fundamentam-se, como já foi citado anteriormente, no contato com
escolas de Ensino Fundamental e Médio na cidade de Feira de Santana - BA e nos resultados
de avaliações realizadas por órgãos oficiais do governo (SAEB, INEP). Esses dados têm
demonstrado que o nível de leitura e escrita no Brasil precisa melhorar significativamente
para que o aluno torne-se um leitor autônomo, capaz de aprender, de buscar informações e de
organizar seu próprio conhecimento por meio da leitura.
Quando os alunos ingressam na 5ª série do Ensino Fundamental apresentando
dificuldades para ler e escrever, conseqüentemente, apresentam dificuldades em compreender
os conteúdos específicos das disciplinas que compõem o currículo escolar. Essa problemática
costuma agravar-se nas séries subseqüentes. Neste contexto, vários questionamentos são
suscitados: Se o aluno ingressa na 5ª série do Ensino Fundamental com dificuldades para ler e
escrever, o que pode ser feito, pelos professores dessa série, para melhorar essa
aprendizagem? Como o professor das séries finais do Ensino Fundamental pode contribuir?
Na perspectiva dos docentes, de quem é a responsabilidade de trabalhar a leitura e a escrita na
escola? Os professores das diferentes disciplinas devem se responsabilizar apenas pelo
conteúdo específico da sua área?
19
Esses questionamentos parecem fáceis de responder, mas quando analisados a partir da
complexidade do sistema escolar, percebemos que não é um problema que pode ser sanado ao
apontarmos de quem é a responsabilidade, ou indicarmos de quem é a “culpa” do aluno não
dominar a lecto-escrita (aluno? professor? escola? família? sociedade? mídia? etc.), ou ainda,
de apresentarmos receitas mirabolantes para que sejam aplicadas pelos professores, sem levar
em consideração os fatores culturais, sociais, históricos e econômicos que influenciam a
comunidade escolar.
A falta de “compreensão leitora” – expressão utilizada por Solé (1998), que se refere
ao processo de apreensão e construção de significados ao que lê8 – do aluno extrapola os
muros da escola, mas é dentro deles que precisamos buscar alternativas, soluções,
possibilidades para um trabalho mais solidário e, portanto, mais produtivo. É na escola que
podemos pensar um ideal partindo de um contexto, constituído a partir das reais necessidades,
e consequentemente, intervir para mudar a realidade concreta. De acordo com Smole e Diniz
(2001, p.69):
Um dos diversos desafios a serem enfrentados pela escola é o de fazer com
que os alunos sejam leitores fluentes, pois grande parte das informações de
que necessitamos para viver em sociedade e construir conhecimentos são
encontrados na forma escrita.
Entre as diversas metas a serem perseguidas pela escola fundamental,
deve merecer atenção especial que os alunos aprendam
progressivamente a utilizar a leitura para buscar informação e para
aprender, podendo exprimir sua opinião própria sobre o que leram. Ao
final do ensino fundamental, é preciso que os alunos possam ler textos
adequados para a sua idade de maneira autônoma e aprender sobre
diferentes áreas do conhecimento através da leitura, estabelecendo
inferências, fazendo conjecturas, relendo o texto e conversando com
outras pessoas sobre o que foi lido.
O aluno, ao ingressar na 5ª série, deve ter o domínio inicial desse procedimento, mas
cabe à escola, ao professor que atua nesse nível de ensino, contribuir para que o aluno
continue desenvolvendo, de maneira progressiva, suas habilidades de leitor competente e lhe
forneça instrumentos para que a leitura se torne um processo efetivo que o ajude no
desenvolvimento de novas aprendizagens.
8
Solé (1998) com base em Palincsan e Brawn (1984) aponta que essa compreensão depende da clareza e
coerência do conteúdo do texto, da familiaridade da sua estrutura e do nível aceitável do seu léxico, sintaxe e
coerência interna; do grau em que o conhecimento prévio do leitor lhe possibilite atribuir significados ao
conteúdo do texto; e das estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão, possibilitando-o perceber
o que entende e o que não entende no texto lido.
20
O desenvolvimento da aprendizagem da leitura nas séries finais do Ensino
Fundamental encontra grandes obstáculos para ser concretizado na prática pedagógica desses
professores. São professores especialistas que, no seu processo de formação inicial, estiveram
voltados para uma determinada área do conhecimento, sem uma preocupação mais sistemática
dos diversos saberes necessários à prática educativa. Esses saberes envolvem, numa
articulação dialética, o conhecimento específico da disciplina, o conhecimento pedagógico,
aspectos políticos, sociais, culturais, psicológicos e éticos.
Na tentativa de melhorar ou atualizar a prática pedagógica, as propostas de formação
continuada por meio de cursos de curta duração, apresentam-se como uma possibilidade.
Entretanto, a forma como têm sido realizadas não atende às necessidades do cotidiano escolar.
Segundo Mizukami, et al. (2002), esses cursos, quando muito, fornecem informações que,
algumas vezes, alteram apenas o discurso dos professores e pouco contribuem para uma
mudança efetiva. Com base nos estudos e pesquisas realizados por Candau, André, Torres e
outros, as autoras apontam e discutem novas perspectivas de formação continuada que foram
ou estão sendo construídas nos últimos anos:
[...] a formação continuada busca novos caminhos de desenvolvimento,
deixando de ser reciclagem, como preconizava o modelo clássico, para tratar
de problemas educacionais por meio de um trabalho de reflexividade crítica
sobre as práticas pedagógicas e de uma permanente (re) construção da
identidade do docente. ( MIZUKAMI, et al.2002,p.26)
Dentre os diversos modelos descritivos sobre a formação docente ou aprendizagem da
docência, destaca-se os estudos sobre o conhecimento para o ensino. Quais os tipos de
conhecimentos que o professor deve ter ou tem para exercer a docência? Como ele aprende
esses conhecimentos? Quais e como são os processos de aprendizagem desses tipos de
conhecimento? A leitura é um tipo de conhecimento necessário para o exercício da docência?
Sobre o conhecimento para o ensino:
Shulman (1987,1986) propõe dois referenciais para a investigação do papel
do conhecimento no ensino, dos fundamentos da base de conhecimento para
o ensino e dos processos pedagógicos de reflexão e de ação envolvidos no
exercício da docência: a base de conhecimento pessoal e o processo de
raciocínio pedagógico. Esses referenciais implicam os diferentes tipos de
conhecimentos para a docência, assim como os processos pelos quais esses
conhecimentos são construídos e utilizados. (MIZUKAMI, et al. 2002, p.6667)
21
Discutir a leitura como um tipo de conhecimento que deve fazer, ou que faz parte da
base do conhecimento do professor pode representar contribuições para os estudos sobre o
exercício da docência dos professores das séries finais do Ensino Fundamental.
No decorrer deste capítulo, discutiremos concepção de leitura, concepção de formação
de professores e o exercício da docência como espaço propício de aprendizagens para o
ensino da leitura nas séries finais do Ensino Fundamental, apesar das limitações.
É importante destacar que a melhoria da qualidade da escola, no que se refere à
aprendizagem dos alunos, além do empenho dos professores, da construção e sistematização
de conhecimentos na área, de propostas inovadoras, está atrelada a implementação de
políticas públicas voltadas para as reais necessidades dos alunos, professores e escola.
2.1. O universo da Leitura: da decodificação à prática social
O conceito de leitura que temos na contemporaneidade é a síntese das múltiplas
concepções que foram construídas ao longo da história da humanidade. Buscando a
etimologia da palavra leitura, verificamos que vem do latim lectum de legere, que significa
arte de ler; acto ou o efeito de ler. Ler, do latim, legere, é conhecer, interpretar por meio da
leitura e compreender.
Partindo dessa definição, é viável afirmar que a leitura é uma atividade de
compreensão das diversas mensagens existentes no ambiente em que o indivíduo vive. Não só
o código escrito constitui o universo da linguagem, diversos signos estão a todo o momento
perpassando a existência da humanidade. Nessa perspectiva, é possível inferir que ler não se
resume apenas a leitura de palavras escritas, mas de imagens, sons, códigos pictóricos,
ideogramas, entre outros.
Na multiplicidade de linguagens, destaca-se a leitura do código escrito como o objeto
de análise e reflexão deste trabalho, comungando com Solé ao definir a leitura como “um
processo mediante o qual se compreende a linguagem escrita. Nesta compreensão intervém
tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor, suas expectativas e conhecimentos
prévios.” (SOLÉ, 1998, p.23).
É importante destacar, que por um longo período, a leitura foi compreendida como a
mera decodificação de símbolos escritos. Essa visão simplificada sobre o processo de leitura,
contribuiu para reforçar uma visão ingênua desse processo, limitando a leitura a um simples
procedimento de decodificação. Hoje, tal visão não atende as necessidades, uma vez que
22
sociedade atual, denominada de sociedade letrada, a escrita se constitui como parte essencial
do cotidiano. Sem deixar de envolver um procedimento de decodificação, ela extrapola para
uma dimensão maior, para uma prática social.
Sobre essa mudança, Kramer (2006) ao fazer uma análise das contribuições de Roger
Chartier para as práticas de leitura e escrita no Brasil, aponta que a partir da década de 90, a
obra desse autor tem uma importância decisiva para a mudança conceitual no campo da
leitura. Segundo a autora, os trabalhos teóricos no referido campo têm se apropriado dos
conceitos de Chartier “para realizar a análise das práticas escolares, entendendo-as como
práticas culturais de leitura e escrita (Chartier, 1990; 1996), mais do que práticas escolares ou
instrucionais.” (KRAMER, 2006, p.40).
Na sociedade contemporânea marcada pelo avanço da tecnologia da informação e da
comunicação, o indivíduo necessita cada vez mais dominar não apenas os rudimentos da
leitura e da escrita resultantes da apropriação do sistema escrito, como também, fazer uso
dessa tecnologia nas práticas cotidianas. A vida cotidiana é marcada pelo uso do código
escrito e por práticas letradas ainda que em contextos de oralidade - por exemplo, um
noticiário de jornal, uma novela ou uma música. Segundo Marcuschi (2001), essas práticas
são gêneros textuais que apresentam uma concepção discursiva escrita e um meio de produção
sonoro. A lecto-escrita enquanto fato histórico:
[...] se tornou um bem social indispensável para enfrentar o dia-dia, seja nos
centros urbanos ou na zona rural. Neste sentido, pode ser vista como
essencial à própria sobrevivência no mundo moderno. Não por virtudes que
lhes são imanentes, mas pela forma que se impôs e a violência com que
penetrou nas sociedades modernas e impregnou as culturas de modo geral.
Por isso friso, que ela se tornou indispensável, ou seja, sua prática e
avaliação social a elevaram a um status mais alto, chegando a simbolizar
educação, desenvolvimento e poder. (MARCUSCHI, 2001, p.16-17)
Diante do exposto, é possível afirmar que os usos da escrita têm adquirido,
ideologicamente, um valor social até superior à oralidade, impondo um déficit ao indivíduo
que não domina esse conhecimento, o qual é adquirido em contextos formais de ensino, ou
seja, na escola. Assim, a escola, enquanto “a mais importante das agências de letramento”
(KLEIMAN,1995,p.20), deve se responsabilizar pelo processo de aprendizagem da leitura e
escrita dos alunos, deve se preocupar com suas leituras, com o material que estes têm para
ler, com o que justifica o fato de aprenderem. Faz-se necessário que os professores se
apropriem do que tem sido produzido sobre o tema, por meio de grupos de estudos que podem
acontecer dentro da própria escola nas atividades complementares, com o intuito de enfrentar
23
os dilemas da sala de aula, referentes a esse conhecimento, com maior preparo e
maleabilidade.
A compreensão da leitura depende do conhecimento de mundo, do conhecimento
prévio de cada indivíduo e das leituras anteriores. É uma atividade interativa, em que o leitor
vai modificando sua visão de mundo a partir do diálogo com o texto. É importante destacar
que cada leitura é única e exige habilidades e conhecimentos diferenciados, a depender do
tipo de texto como, por exemplo: um problema matemático, uma descrição de rochas, um
poema, uma história em quadrinhos, um romance, um texto jornalístico, uma receita, um
manual de instruções, um parecer, uma lei, entre outros. Esses textos compreendidos como
‘ato de fala impresso’ se constituem em atos de comunicação. Portanto, o diálogo com um
texto, independente do gênero, como qualquer outro ato de comunicação não é neutro.
A propósito do diálogo que se estabelece entre o leitor e o texto escrito,
especificamente do livro, Bakhtin (2006, p. 127-128) diz o seguinte:
O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da
comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de
diálogo, e além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser
estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem
contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas
diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem
influência sobre os trabalhos posteriores, etc.) Além disso, o ato de fala sob a
forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na
mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros
autores: ele decorre portanto da situação particular de um problema
científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é
de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande
escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e
objeções potenciais, procura apoio, etc.
Dessa forma, não dá para pensar na leitura sem pensar na complexidade em que ela
está inserida. A leitura, enquanto ato de comunicação verbal, proporciona desvelar o mundo,
abrir novos horizontes, lazer, descoberta, inquietação, busca, e tantas outras coisas. Mas,
também proporciona alienação, imposição, submissão, entre outros. Quem lê viaja, viaja sim,
por um universo sem fronteiras para mundos concretos por meio de produções científicas ou
para mundos imaginários por meio de um estilo de produção literária, para ampliar suas
concepções reconstruindo-as ou reforçando-as. Nessa perspectiva, Chartier (2001), afirma que
a leitura autoriza novos pensamentos, especificamente, a leitura silenciosa por não estar
sujeita ao controle comunitário ou de qualquer autoridade. Tal leitura permite o desvio, a
subversão.
24
Há um controle comunitário sobre a leitura em voz alta, que desaparece com
a leitura silenciosa. Esta última é um primeiro perigo, pois permite a cada
um desenvolver seus próprios pensamentos a partir dos textos recebidos sem
possibilidade de controle por parte da comunidade ou da autoridade. Isto
vem reforçar um segundo perigo já mencionado: o de tomar a ficção como
realidade, confundir dois mundos, o mundo do texto e o mundo do leitor. O
controle comunitário traduz-se no fato de que o texto não é o mundo do
leitor, em que há uma distância, que na ficção pode não divertir nem ser um
mundo onde o leitor individual exista ou esteja presente. Ambos os perigos,
de tomar o fictício como real e fundir o mundo do texto com o mundo do
leitor, foram percebidos nos séculos XVI e XVII pelas autoridades e, desta
maneira, a figura do poder, por um lado, e a figura do leitor silencioso, por
outro, são antagônicas, como dois extremos de uma relação de obediência e
de imposição. (CHARTIER, 2001, p.156-157)
Nesse sentido, a leitura é um instrumento, e porque não dizer, um instrumento
ideológico capaz de libertar ou aprisionar, dependendo de como é utilizada, para que e por
quem. De acordo com Silva (2003) a leitura quando realizada criticamente pode propiciar ao
leitor fundamentos para a tomada de decisões, como também, a percepção das injustiças, das
desigualdades e das contradições sociais, fatores que, entre outros, contribuem para que as
políticas de leiturização no Brasil sejam descontínuas, pontuais e irrisórias, não conseguido
sanar a grande carência de leitura da sociedade brasileira.
Pensar no tema leitura, hoje, é pensar em paradoxos: simples e complexo, uno e
múltiplo, consciência e alienação, libertação e opressão, prazer e desprazer, tendo em vista
que a leitura não é uma prática neutra. Britto e Abreu (2003) ao se referirem aos discursos
sobre leitura que circulam na nossa sociedade, permeados pelas relações de poder que
necessitam reafirmar posições sociais, culturais e identitárias, apontam que:
“Esquece-se” que a leitura não é prática neutra, que no contato de um leitor
com o texto estão envolvidas questões culturais, políticas, históricas e
sociais, que as diferentes leituras são condicionadas por diferentes formas de
inserção nas formas da cultura. (BRITO e ABREU, 2003, p.118)
Por trás de cada signo uma multiplicidade de sentidos se revela, autorizado ou não
pelo autor. Esses sentidos muitas vezes também são construídos pelos meios de produção aqui se referindo a estética do material escrito. Mas é o leitor, que como já foi citado,
independente da autorização do autor, pode ou não subverter o sentindo de um texto. Nesse
aspecto “o leitor é co-produtor do sentido do texto” (FRANCHI, 1989, p.196).
Partindo desse pressuposto, e do que já foi exposto anteriormente, faz-se necessário
repensar a concepção de leitura que permeia a escola atual. A leitura na escola, independente
do nível de ensino, não pode continuar sendo vista como um simples procedimento que os
alunos dominam ou não dominam. Não pode ficar sendo filtro seletivo ou instrumento
25
discriminatório dentro das escolas e, consequentemente, fora dela. Como também, enquanto
objetivos de ensino e conteúdo, não pode ficar restrita a uma disciplina ou série específica:
Ler, escrever e falar em público é tarefa ontológica, intrínseca, eterna da
escola, de todos nós educadores. Tratam-se de tarefas fundamentais para
“prepará-los para a vida”, bem mais importantes, creio eu, do que “preparálos para o mercado de trabalho”, mercado este cada vez mais inexistente. Se
os alunos dizem, ao ver um mapa; “isso é geografia”, ao fazer uma conta;
“ué é aula de matemática!?”, ou estranham quando pedimos para escreverem
sobre o que falamos como se “isso fosse aula de português”, é porque eles
simplesmente estão reproduzindo uma construção ideológica/científica que
nós construímos ao longo dos anos escolares. Aliás, eles são a nossa cara.
(KAERCHER, 2006, p.77-78)
O trabalho com a leitura em sala de aula, além de extrapolar os limites disciplinares,
deve extrapolar, também, as concepções redutoras sobre o processo de leitura que tem sido
incorporado no discurso de alguns professores – despertar o gosto pela leitura. Essa visão tem
sido veiculada pelos discursos oficiais de leiturização em “que a palavra leitura não sai do
universo literário [...] A partir da concepção leitura=literatura e literatura=narrativa, abre-se o
espaço para o discurso do prazer de ler, como possibilidade de gostar de ouvir (ou de contar)
histórias.” (SANTANA, 2005, p.1).
Aqui, a posição não é ignorar a importância do prazer de ler, ou ser contra as políticas
de leiturização no Brasil9, mas refletir sobre a sua concretização nos espaços escolares:
O chamado “prazer da leitura”, tão proclamado nos discursos e nas
propagandas oficiais dos governos, permanece fora das salas de aula, como
uma meta inatingível nos contextos escolares. E torna-se uma meta
inatingível em decorrência de concepções redutoras de leitura, presentes no
imaginário dos professores. Além disso, as atmosferas controladoras e
quantitativistas da educação escolarizada brasileira também levam as
crianças ao desprazer, ao desgosto, à desleitura. Na escola tudo tem que ser
medido, quantificado, repetidos pelos toques das didáticas cartilhescas,
deixando pouco ou nenhum tempo ou espaço para a alegria, criatividade,
fantasia e imaginação. Daí também a didatização da literatura – esta arte, na
escola, infelizmente, perde a sua natureza de fruição para se transformar em
objeto de dissecação e de estudo (vocabulário, gramática, escolas literárias,
vida de autores etc.). (SILVA, 2003, p.19-20)
Ressalta-se que essas políticas, refletem de certa forma, a posição dos teóricos da área
no sentido de democratização do livro às crianças, jovens e adultos que não tinham acesso a
esse tipo de material impresso – o livro de literatura. Essas políticas são sementes que foram
plantadas em terra fértil, que têm germinado e que aos poucos têm se desenvolvido, mas,
9
Por políticas de leiturização estou considerando os programas de distribuição de livros como o PNBE –
Programa Nacional de Biblioteca Escolar e o PNLD – Plano Nacional de Livro Didático.
26
precisam de condições adequadas para a reprodução dos frutos: a continuidade e execução das
políticas, a formação contínua do professor, as condições materiais e o incentivo por parte de
todos os envolvidos no processo de democratização do saber. Além dessas condições, faz-se
necessário a dignificação do trabalho docente. A esse respeito Silva (2003, p.30) se posiciona
afirmando que as condições materiais (livros, computadores, bibliotecas, etc.) podem facilitar
a melhoria da leitura na escola, “entretanto, sem professores com dignidade profissional e
salarial, sem um status de respeito na comunidade, todas as parafernálias audiovisuais e
eletrônicas viram lixo dentro da escola”.
Cabe destacar, que por visão simplista e reducionista, compreende-se o discurso de
muitos professores sobre o prazer pela leitura destituído de atividades planejadas para esse
fim, para eles o gosto de ler se dá apenas pelo processo de leitura de literatura, do contato com
o livro. Ao contrário, desenvolver o prazer pela leitura nos alunos também implica trabalho
pedagógico, pois o mesmo não se dá de forma espontânea. Não adianta o professor dizer que
gosta de ler, que ler é importante, que ler abre novos horizontes, que a leitura é um ato
prazeroso, e no seu cotidiano o discurso ficar no vazio, devido à falta de coerência entre o que
ele diz e o que ele faz. Caso o professor “não seja um leitor assíduo, rigoroso e crítico, são
mínimas ou nulas as chances de que possa fazer um trabalho condigno na área da educação e
do ensino da leitura” (Silva 2003, p. 28). O aluno percebe na fala do professor a sinceridade
de suas palavras. Em muitos casos faltam exemplos de leitura, faltam indicações de livros,
faltam leituras na sala de aula realizadas pelo professor enquanto modelo de leitor.
O professor enquanto modelo de leitor tem sido uma questão que inquieta muitos
estudiosos da área. Kramer (2006) aponta que no Brasil várias pesquisas discutem a
importância do papel da leitura na formação do professor10. Segundo a autora:
Várias pesquisas destacam o papel da leitura e da escrita na sistematização
do pensamento, na organização da conduta, na experiência cultural, ou seja,
na formação dos professores. Mostram que muitos professores não se
tornaram leitores, não aprenderam a usufruir o texto, não escrevem,
deixaram de ler ou de gostar de ler e têm medo de escrever. Concluem que
as estratégias de formação precisam incluir alunos e professores e criar
condições concretas de leitura literária e de escrita, com as crianças, com os
adultos. (KRAMER, 2006, p.43)
Destacamos que a leitura enquanto prática social não pode se limitar apenas ao
discurso do prazer de ler, relacionado na maioria das vezes a um único gênero textual. A
leitura precisa ser planejada e orientada para que o aluno possa adentrar nesse universo,
10
Kramer (1993); Kramer e Jobim e Souza (1996) e Kramer e Oswald (2001)
27
especialmente os alunos que apresentam dificuldades. O prazer pela leitura deve estar
associado a outros objetivos, a outras dimensões que envolvem a leitura em toda a sua
complexidade na sociedade contemporânea.
Os objetivos de uma leitura podem variar de acordo com o leitor, com o gênero textual
e com a situação. É importante que o professor tenha clareza desses objetivos para planejar e
desenvolver o trabalho com seus alunos em sala de aula.
Ao discutir o que o professor pode fazer antes da leitura para ajudar a compreensão
dos alunos, Solé (1998), reforça a necessidade de definir aonde se quer chegar com a leitura
de um texto. Assim, a autora, aponta alguns objetivos que precisam ser levados em
consideração nas situações de ensino da leitura: ler para obter uma informação precisa; ler
para seguir instruções; ler para obter uma informação de caráter geral; ler para aprender; ler
para revisar um escrito próprio; ler por prazer; ler para comunicar um texto a um auditório; ler
para praticar a leitura em voz alta; ler para verificar o que se compreendeu. Esses objetivos
não têm classificação hierárquica, estão diretamente ligados aos gêneros textuais e não são os
únicos, cabe ao professor definir os objetivos e quais os procedimentos cabíveis para seu
alcance. Sobre o assunto, Solé (1998, p.90) afirma que “como podemos fazer diferentes coisas
com a leitura, é necessário articular diferentes situações – oral, coletiva, individual e
silenciosa, compartilhada – e encontrar os textos mais adequados para alcançar os objetivos
propostos em cada momento”.
Todas essas situações são importantes para o ensino e a aprendizagem da leitura.
Como já afirmamos anteriormente, o ensino da leitura deve acontecer ao longo de todo o
processo de escolaridade do indivíduo, sendo responsabilidade de todo docente, independente
da área de formação e atuação. Entretanto, não basta apenas selecionar os objetivos e as
situações de leitura; faz-se necessário um planejamento que direcione as ações a serem
desenvolvidas em sala de aula. Um plano de ação que estabeleça estratégias de leitura. Com
base nos estudos de Solé, (1998) e Kleiman, (1999), as estratégias de leitura podem ser
definidas como procedimentos de ordem geral que ativa o conhecimento do sujeito para uma
determinada situação de leitura, podendo ser transferida para outras situações sem maiores
dificuldades. É uma ajuda guiada pelo professor, visto que o desenvolvimento do leitor
competente não acontece espontaneamente. As estratégias não são prescrições, mas detalham
e direcionam as ações no processo de leitura.
Kleiman (1999) discute um conjunto de orientações que podem ser utilizados nas aulas
de leitura das diversas disciplinas, visando o engajamento cognitivo do aluno em situações de
leitura: contextualização do texto, ativação do conhecimento prévio, construção de mapa
28
textual, leitura individual com objetivo pré-definido, verificação de hipóteses de leitura. Essas
situações podem contribuir com o desenvolvimento da competência leitora, uma vez que
direcionam e motivam o aluno, colocando-o numa condição de co-autor do texto, inferindo
sentidos a partir de suas leituras anteriores.
No entanto, para que essas ou outras orientações possam fazer parte do cotidiano da
sala de aula, não como receitas, mas como possibilidades, sendo reformuladas a partir da
realidade concreta de cada escola, os profissionais da educação, especialmente os professores,
precisam de uma formação que lhes propicie saber analisar e saber analisar-se, a partir de uma
reflexão prático-teórica levando em consideração os diversos elementos que compõem o
processo de ensino e aprendizagem. Uma formação que de acordo com Nóvoa (2002),
possibilite ao professor possuir saberes, mas, sobretudo, compreendê-los para poder intervir.
2.2. Formação de professores: desafios no exercício da docência
Ao longo da história da educação observamos que o processo de formação de
professores se modificou de acordo com as necessidades e exigências do momento histórico,
social, político, econômico e cultural. Os estudos desenvolvidos nas últimas décadas sobre a
formação de professores indicam um movimento de valorização de todos os elementos que
fazem parte do processo de ensino e aprendizagem inseridos na complexidade do contexto
concreto de sala de aula, que reflete as condições materiais da sociedade.
Vivemos na era de predomínio da tecnologia da informação, que impõe novos valores,
novas formas de aprendizagem ao profissional docente. De acordo com Imbernón (2006, p.
14) “[...] o mundo que nos cerca tornou-se cada vez mais complexo, e as dúvidas, a falta de
certezas e a divergência são aspectos consubstanciais com que o profissional da educação
deve conviver, como acontece com profissionais de qualquer outro setor”. Assim, a formação
de professores não pode mais estar centrada nos velhos moldes de transmissão de
conhecimento:
Durante muito tempo, a formação baseou-se em conhecimentos que
poderíamos denominar “de conteúdo”. A perspectiva técnica e racional que
controlou a formação durante as últimas décadas (a preferência pelo
metodológico) visava um professor com conhecimentos uniformes no campo
do conteúdo científico e psicopedagógico, para que exercesse um ensino
também nivelador. (IMBERNÓN, 2006, p16)
29
Diante do exposto, faz-se necessária a superação desse paradigma, denominado de
racionalidade técnica, pautado em modelos estanques que concebe o professor como objeto de
um processo organizado por um especialista, não levando em consideração as condições
sócio-econômicas, políticas, culturais e ideológicas que permeiam a comunidade escolar.
Divergindo desse paradigma, muitos teóricos como Imbernón, Marcelo, Nóvoa,
Mizukami, Flores e Pacheco, entre outros, concebem a formação do professor numa
perspectiva permanente e evolutiva, ou seja, como “[...] um processo de desenvolvimento para
a vida toda [...]” (MIZUKAMI, et. al, 2002, p.13). Esse processo acontece em várias fases
(formação inicial, iniciação a docência e formação contínua), em que uma não se sobrepõe a
outra, e em espaços com características diferenciadas e interdependentes. É um processo
vivido individual e coletivamente que inclui um amplo conjunto de fatores que engloba
aspectos cognitivos, afetivos, sociais, culturais e econômicos, como também as experiências o
longo do seu processo de escolarização, as crenças e os valores pessoais.
A partir desta compreensão, no processo de formação devem perpassar saberes
fundamentais que possibilitem ao professor construir sua própria prática de forma reflexiva,
capaz de resolver problemas, de trabalhar com o inesperado e com a diversidade, de acolher o
novo. Saberes que levem os professores a questionar e transgredir teorias pedagógicas e
visões de conhecimento compartimentalizado em disciplinas curriculares que dão a falsa idéia
de completude na formação inicial.
O cotidiano escolar apresenta aos educadores inúmeros desafios que se manifestam
como o novo, como o inesperado que exige do professor uma postura reflexiva capaz de
tomar decisões na busca de superações. Nessa perspectiva, Nóvoa (2002, p. 37) aponta que:
[...] surge a necessidade de construir uma visão dos professores como
profissionais reflexivos, que rompa com determinações estritas ao nível da
regulação da actividade docente e supere uma relação linear (e unívoca)
entre o conhecimento científico-curricular e as práticas escolares. Os
professores devem possuir capacidades de autodesenvolvimento reflexivo,
que sirvam de suporte ao conjunto de decisões que são chamados a tomar no
dia-a-dia, no interior da sala de aula e no contexto da organização escolar.
Como já foi citado, a formação inicial apesar de constituir uma das faces do
desenvolvimento pessoal e profissional do docente, por si é insuficiente para atender as
exigências desse perfil requeridas pelas condições materiais. A formação docente e
profissional que se constitui, hoje, a partir da idéia de aprendizagem permanente, encontra
na formação contínua um dos pilares que sustenta a possibilidade de romper com a inércia
30
das práticas pedagógicas rígidas que permeia o cotidiano escolar. Tal possibilidade centra-se
na reflexão sobre a própria prática pautada na relação teoria-prática:
A formação deve apoiar-se em uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática
docente, de modo a lhes permitir examinar suas teorias implícitas, seus
esquemas de funcionamento, suas atitudes, etc., realizando um processo
constante de auto-avaliação que oriente seu trabalho. (IMBERNÓN, 2006,
p.55)
Atualmente, a formação contínua do professor tem buscado a superação do pólo
dicotômico entre teoria e prática, especialista e professor, universidade e escola,
conhecimento acadêmico e conhecimento escolar. Candau (1996), como base nos trabalhos
de Nóvoa, Huberman, Tardif, Lessard e Lahaye, afirma que a formação contínua do
professor deve levar em consideração a escola como lócus, a valorização do saber docente e
o ciclo de vida dos professores:
O locus da formação a ser privilegiado é a própria escola; isto é, é preciso
deslocar o lócus da formação continuada de professores da universidade para
a própria escola de primeiro e segundo graus.
Todo processo de formação tem de ter como referência fundamental o saber
docente, o reconhecimento e a valorização do saber docente.
Para um adequado desenvolvimento da formação continuada, é necessário
ter presentes as diferentes etapas do desenvolvimento profissional do
magistério; não se pode tratar do mesmo modo o professor em fase inicial do
exercício profissional, aquele que já conquistou uma ampla experiência
pedagógica e aquele que já se encaminha para a aposentadoria; os problemas
necessidades e desafios são diferentes e os processos de formação
continuada não podem ignorar essa realidade promovendo situações
homogêneas e padronizadas, sem levar em consideração as diferentes etapas
do desenvolvimento profissional. (CANDAU, 1996, 146).
A formação do professor como um processo contínuo encontra no espaço escolar,
mediante os dilemas e solicitações impostos pela dinâmica social, política, cultural e afetiva
que envolve a escola, um terreno fértil para elaboração de propostas, discussão e estudos de
temas relacionados às necessidades reais, construção de novos conhecimentos, entre outros,
ou seja, um espaço em que se pode responder aos problemas por meio de uma prática
reflexiva, decorrente de um processo de reflexão que envolve: “o conhecimento-na-ação, a
reflexão-na-ação e a reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação” (MIZUKAMI, et.al,
2002, p.16). Esse processo de reflexão permite ao professor analisar seu fazer pedagógico,
percebendo-se como sujeito da sua própria formação, visto que os desafios postos pela prática
abrem espaços para a busca de explicações plausíveis em diversos referenciais teóricos, que
31
ao se confrontarem com a prática, possibilitam novas (re)elaborações, adaptações, rejeições,
etc.
No processo de formação “in lócus”, mesmo existindo um profissional, que por meio
de um planejamento pautado nas necessidades do contexto escolar, coordene a mediação entre
os conhecimentos teóricos/professor/ prática, a formação deixa de ser algo exterior ao sujeito
e ao contexto, pois o ponto de partida é a própria prática.
2.2.1
O exercício da docência: alguns limites e possibilidades
No exercício da sua profissão, o professor das séries finais do Ensino Fundamental,
tem se deparado, como já foi citado anteriormente, com alunos que não apresentam
habilidades básicas para ler e compreender textos simples. Tal situação suscita
questionamentos diversos e ao mesmo tempo exige medidas urgentes e eficazes.
Em cada área do conhecimento existe uma especificidade, uma característica própria,
para expressar idéias, termos e sinais específicos que se diferenciam uns dos outros e exigem
um planejamento diferenciado por cada professor, mas que ao mesmo tempo seja articulado
por um fio condutor, a leitura. Assim, cabe a todo professor a responsabilidade pelo ensino da
leitura:
[...] numa primeira instância, ensinar a ler é alfabetizar, levar o aluno ao
domínio do código escrito, ensinar a ler continua sendo levar o aluno ao
domínio de códigos mais elaborados e mais especializados. A quem cabe
ensinar o significado corrente de posto que?11 Em princípio, costuma-se
atribuir tarefas desse tipo ao professor de Português, mas qualquer professor,
de qualquer área, é, pelo menos também em princípio, um leitor da língua
portuguesa, e como tal, pode fazer uma tal ponte entre o significado
construído pelo aluno e o significado corrente da expressão. (GUEDES E
SOUZA, 2006. p. 138)
A leitura compreendida como um conteúdo transdisciplinar, que perpassa todas as
áreas não é apenas responsabilidade dos professores das Séries Iniciais do Ensino
Fundamental ou do professor de Língua Portuguesa. Nessa visão, o professor independente da
área de atuação “deve projetar o trabalho da leitura para os vários anos de trabalho no Ensino
Fundamental.” (FRANCHI, 1989, p.196)
11
Referência à interpretação de um aluno de 5ª série depois de ler o Poema “Soneto da fidelidade” e comparar o
amor com fogo na gasolina.
32
O exercício da docência se materializa no ato de ensinar – ato que “requer do
professor uma predisposição para compreender a complexidade da prática (...)” (PACHECO e
FLORES , 1999, p.41). O trabalho com leitura nas séries finais do Ensino Fundamental tem
sido um desafio para os professores que trabalham com essas séries, visto que durante o
processo de formação inicial, de acordo com Silva (2003), a leitura tem sido ao longo da
história um conteúdo totalmente relegado nos cursos de licenciatura, não possibilitando uma
reflexão, nem instrumentos para que o professor na realidade concreta da sala de aula possa
tomar decisões coerentes com as necessidades dos alunos.
A leitura como qualquer outro conteúdo ou procedimento de ensino não é atividade
neutra, portanto, necessita que o professor tenha consciência da complexidade que envolve
seu fazer pedagógico, visando mudanças na condição dos alunos que apresentam dificuldades
na aprendizagem da leitura.
Nesse sentido, emergem os seguintes questionamentos: Por que os professores não
conseguem ajudar esses alunos? Por que o professor na sua prática pedagógica cumpre um
programa que não atende as reais necessidades desses alunos? Será que ensinar o conteúdo
específico de uma disciplina é suficiente para ajudar esses alunos? O que a escola faz para
atender as necessidades desses alunos? A quem satisfaz a saída de alunos da escola com certas
dificuldades que deveriam ser sanadas ao longo do processo de escolarização? O que esconde
a dificuldade de leitura do aluno?
Alguns desses questionamentos, não serão esgotados, poderão suscitar outros
questionamentos, abrir novos debates etc. Na busca pelas respostas, é possível apontar que o
problema perpassa pelo ensino da leitura, responsabilizando apenas o professor. Uma resposta
simplista que não leva em consideração o contexto em que se realiza o fazer pedagógico do
professor.
Ensinar não é transferir conhecimentos, não se resume a preparação de uma aula com
um determinado conteúdo que deve ser memorizado pelo aluno. O exercício da docência é
complexo, pois agrega sujeitos concretos e historicamente constituídos e se desenvolve num
movimento dialético entre as dimensões cognitivas, sociais, afetivas e culturais.
A dificuldade de leitura que os alunos das séries finais do Ensino Fundamental
apresentam não é um problema que pode ser explicado apenas pelo viés da aprendizagem ou
do ensino destituído das demais dimensões, pois se apresenta tanto como uma dificuldade de
origem como também de saída, ou seja, a maior parte dos alunos que ingressa na 5ª série com
dificuldades de leitura, sai dos muros da escola sem sanar essa dificuldade. Assim, os
33
diferentes níveis de aprendizagem da leitura desses alunos se constituem em elementos de
diferenciação, classificação e desigualdade.
O processo de ensino é marcado por contradições e resistências tanto individuais como
grupais, devido aos interesses e expectativas dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, é
interessante destacar, que a escola enquanto instituição social cumpre uma função específica –
a socialização das novas gerações. Perez Gómez (1998), com base nas correntes sociológicas
da educação, afirma que esse processo de socialização é complexo e dialético, pois tem como
objetivos preparar as novas gerações para sua incorporação ao mundo do trabalho e para a
intervenção na vida pública:
Preparar para a vida pública nas sociedades formalmente democráticas na
esfera política, governadas pela implacável e às vezes selvagem lei do
mercado na esfera econômica, comporta necessariamente que a escola
assuma as vivas contradições que marcam as sociedades contemporâneas
desenvolvidas. O mundo da economia, governado pela lei da oferta e da
procura e pela estrutura hierárquica das relações de trabalho, bem como
pelas evidentes e escandalosas diferenças individuais e grupais, impõe
exigências contraditórias aos processos de socialização na escola. O mundo
da economia parece requerer, tanto na formação de idéias como no
desenvolvimento de disposições e condutas, exigências diferentes às que
demanda a esfera política numa sociedade formalmente democrática na qual
todos os indivíduos, por direito são iguais perante a lei e as instituições.
(PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.15)
Ao cumprir, ou tentar cumprir esses objetivos, a escola transmite e consolida uma
ideologia cujos valores camuflam a realidade, levando os membros da comunidade escolar a
aceitar como resultado natural às diferenças individuais de origem dos alunos. Essas
diferenças não são apenas econômicas ou de classes, se referem também à linguagem, à
estrutura familiar, à raça, ao gênero, às expectativas que os alunos apresentam em relação à
escola, etc. Para o autor, essas diferenças de origem se transformam em diferenças de saída,
uma vez que a escola por meio de um currículo homogeneizador não leva em consideração
tais diferenças.
Entretanto, esse processo de socialização não acontece de forma tão linear, pois a
escola enquanto um espaço que reflete os interesses de diversos segmentos – alunos,
professores, pais, funcionários, comunidade em que está inserida, sociedade – ultrapassa a
função reprodutora, tornando-se um espaço de tensões e conflitos. Pérez Gómez (1998)
afirma que na escola existem espaços de relativa autonomia que podem ser utilizados para
desequilíbrio da função reprodutora das desigualdades sociais. Para o autor, apesar de
consolidado o currículo comum, a escola gratuita e obrigatória até os dezesseis anos em
34
determinados países – no caso do Brasil a obrigatoriedade se estende a toda a Educação
Básica, – a função social da escola deve se concretizar a partir da substituição da lógica da
homogeneidade pela lógica da diversidade:
Defender a conveniência de um currículo comum e compreensivo para a
formação de todos os cidadãos não pode supor de modo algum a lógica
didática da homogeneidade de ritmos, estratégias e experiências educativas
para todos e cada um dos alunos/as. Se o acesso destes à escola está
presidido pela diversidade, refletindo um desenvolvimento cognitivo,
emocional e social evidentemente desigual, em virtude da quantidade e
qualidade de suas experiências e intercâmbios sociais, prévios e paralelos à
escola, o tratamento uniforme não pode supor mais do que a consagração da
desigualdade e injustiça de sua origem social. (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.21)
A escola deve apresentar um modelo didático flexível e plural que permita atender as
diferenças de origem, como também a partir da reconstrução do conhecimento e da
experiência que o aluno assimilou antes e paralelo ao seu processo de escolarização.
Compreender a função social da escola e seus efeitos na vida do sujeito em sociedade
é uma possibilidade para o desenvolvimento de uma prática pedagógica crítica que se realiza
num movimento dialético entre o reproduzir e o transformar as práticas escolares, e
consequentemente, as práticas sociais. Nesse sentido, Freire (1996, p.43) afirma que “a prática
docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o
fazer e o pensar sobre o fazer”.
O exercício da docência configura-se como um espaço de reflexão, de (re)construção,
de busca de alternativas, de realização da práxis. Um espaço fértil para a realização de
diversos estudos sobre a formação de professores. Com base nas tendências que têm
permeado a formação do profissional hoje – pensamento do professor, reflexão como
orientação conceitual, problematização do saber do professor, entre outras –, Mizukami
(2002, p. 43) aponta que:
(...) o conhecimento se constrói a partir de hipóteses que se estruturam e se
desestruturam. O conhecimento docente também se constrói: com a quebra
das certezas presentes na prática pedagógica cotidiana de cada um de nós.
Portanto, é preciso intervir para desestruturar as certezas que suportam essas
práticas. Deve-se abalar as convicções arraigadas, colocar dúvidas,
desestabilizar. A partir da desestruturação das hipóteses, constroem-se novas
hipóteses, alcançam-se novos níveis de conhecimento.
Neste movimento de reflexão sobre a prática e de construção e reconstrução do
conhecimento para a docência, o professor “[...] necessita não só de conhecer o conteúdo
específico da disciplina/área que leciona, mas as técnicas e destrezas pedagógicas,
35
conhecimentos estes que (re)constrói ao longo do seu processo gradual e permanente de
profissionalização” (FLORES e PACHECO, 1999, p.31).
Nessa perspectiva, faz-se necessário conceber o professor como sujeito que constrói
conhecimentos e não apenas reproduz. Compreender os professores como sujeitos do
conhecimento, abre espaço para a discussão sobre os saberes da prática, ou seja, sobre os
diferentes tipos de conhecimentos que constituem a base de conhecimento profissional para o
ensino. Mizukami (2004, p.4) pautada nos estudos de Shulman define que:
A base de conhecimento para o ensino consiste de um corpo de
compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários
para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender, em
diferentes áreas do conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino.
Essa base envolve conhecimentos de diferentes naturezas, todos necessários
e indispensáveis para a atuação profissional. É mais limitada em cursos de
formação inicial, e se torna mais aprofundada, diversificada e flexível a
partir da experiência profissional refletida e objetivada. Não é fixa e
imutável. Implica construção contínua [...].
Os saberes que compõem essa base contemplam conhecimentos científicos, escolares,
curriculares, pedagógicos, valores, normas, etc. Segundo a autora, Shulman agrupa esses
conhecimentos em três categorias: (i) o conhecimento do conteúdo específico corresponde ao
conhecimento da disciplina ou área que o professor leciona. Esse conhecimento por si só não
garante a aprendizagem do aluno. Envolve compreensões de fatos, conceitos, processos e
procedimentos referentes à área; (ii) o conhecimento pedagógico geral inclui conhecimentos
de teorias e princípios relacionados a processos de ensinar e aprender, conhecimentos dos
alunos, de contextos educacionais, de outras disciplinas, etc; (iii) e o conhecimento
pedagógico do conteúdo é construído constantemente pelo professor ao ensinar a matéria, se
constitui de maneira interdependente, a partir dos outros tipos de conhecimentos explicitados
na base, ou seja, a partir da utilização do conhecimento do conteúdo específico considerando
os propósitos de ensino. Nesse sentido, é um conhecimento específico da docência que se
aperfeiçoa, enriquece e melhora ao longo do exercício da docência.
Reitera-se aqui, a importância dos diversos tempos e espaços para construção da
formação do profissional professor e de sua base de conhecimentos para a docência,
reafirmando que a formação contínua, que ocorre em cursos esporádicos e no exercício da
docência, não pode prescindir da formação inicial. Essa construção
É uma construção que tem uma dimensão espácio-temporal, atravessa a vida
profissional desde a fase da opção pela profissão até a reforma, passando
pelo tempo concreto da formação inicial e pelos diferentes espaços
36
institucionais onde a profissão se desenrola. É construída sobre saberes
científicos e pedagógicos como sobre referências de ordem ética e
deontológica. É uma construção que tem a marca das experiências feitas, das
opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e
descontinuidades quer ao nível das representações quer ao nível do trabalho
concreto. ( MOITA, 2000, p.116)
Se a formação inicial e os cursos de formação contínua – que na sua maioria são
pontuais e descontextualizados da realidade particular de cada escola – têm se apresentado
como limites para que os professores realizem um trabalho efetivo de mediação entre leitura e
conteúdos específicos; a formação contínua que acontece por meio do exercício da docência,
da reflexão sobre a prática, da socialização de práticas bem ou não sucedidas, das reuniões de
AC12, se constitui em possibilidades para a superação do que está posto.
Partindo desses referenciais que subsidiam, direcionam, e apontam o lugar de onde se
fala nesta pesquisa, o mapa traçado continua sendo seguido. No próximo capítulo será
apresentado o caminho que foi percorrido, os instrumentos que foram levados para auxiliar na
apreensão dos dados e os diversos caminhantes que como o olhar sobre si e sobre o outro
contribuíram para que a jornada chegasse ao local determinado.
12
Atividades Complementares – determinada quantidade de horas aulas destinadas a reuniões pedagógicas por
área de ensino para planejamento de atividades.
37
2. O PERCURSO DA PESQUISA: ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS
Aprendi (o caminho me ensinou) a caminhar cantando
como convém a mim e aos que vão comigo.
Pois já não vou mais sozinho.
(Thiago de Mello)
A escolha dos pressupostos teóricos e metodológicos se apresenta como um ponto
central em uma pesquisa, tendo em vista que tais escolhas envolvem uma visão de mundo, de
homem, de sociedade, posicionamentos epistemológicos, éticos e políticos que norteiam todo
o processo de uma pesquisa. Tais afirmações não significam dizer que esses pressupostos se
caracterizam como o aspecto mais importante de uma pesquisa, visto que a mesma se
constitui de elementos interdependentes, em que um não se sobrepõe ao outro. Saber o
percurso não significa saber o que vai ser encontrado ao longo do caminho ou ao final desse
percurso. Significa que um mapa foi traçado para guiar, para orientar, e por que não dizer,
para traçar um novo percurso quando as adversidades aparecem e o mapa inicial não é mais
suficiente para a continuidade do percurso traçado.
O caminho percorrido em uma pesquisa precisa ser direcionado. O que queremos, de
onde partimos, onde pretendemos chegar, com quem vamos, que instrumentos levamos, o que
sabemos sobre o lugar onde queremos chegar. Essas questões se referem ao planejamento de
uma pesquisa e contribuem de maneira determinante, para a sua concretização. Nesse sentido,
a seguir, será mapeada a trajetória do percurso realizado nesta pesquisa.
2.1 Problemática e objetivos
No exercício da docência, o professor das séries finais do Ensino Fundamental tem se
deparado com um elevado número de alunos que não apresentam habilidades básicas de
leitura, que possam contribuir como ferramentas para a aprendizagem dos conteúdos
específicos das diversas disciplinas e também não conseguem fazer uso efetivo da leitura e da
escrita no seu cotidiano.
Diante dessa problemática que tem suscitado vários questionamentos e inquietações
por parte de todos os envolvidos com o processo educacional, tendo em vista que esses alunos
tendem a fracassar na escola, destacamos a questão que norteou o presente trabalho: Como os
38
professores das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental concebem a
leitura e o seu ensino?
Buscando responder esse questionamento, definimos os seguintes objetivos:
A - Objetivo Geral
• Compreender as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica do
professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental;
B - Objetivos Específicos
• Analisar como os professores das diversas disciplinas compreendem a leitura
para comunicação e construção do conteúdo específico;
• Analisar como os professores de diferentes disciplinas concebem a leitura a
partir das seguintes dimensões:
ƒ
Definição de leitura;
ƒ
A relação leitura e escola;
ƒ
A relação leitura e conteúdo específico;
ƒ
A relação do aluno com a leitura;
ƒ
A leitura e o processo de ensino e aprendizagem.
2.2. Pressupostos teóricos e metodológicos
É importante ressaltar que os pressupostos teóricos e metodológicos não são uma
camisa de força, mas um leque de possibilidades que no confronto com a realidade ajuda a
desvelar novos horizontes, redimensionar concepções, negar ou confirmar teorias, construir
conhecimentos.
Definir os pressupostos para esta pesquisa, foi um processo permeado por muita ânsia,
angústia e inquietações. Desde o início (elaboração do projeto) ficavam claros meus
pressupostos teóricos em relação à leitura, mas o referencial de leitura por si só era
insuficiente, pois o que me inquietava era o trabalho com leitura realizado em sala de aula
pelo professor das disciplinas específicas. Que pressuposto iria subsidiar os dados
encontrados durante a coleta? Didática - o processo de ensino? Formação de professor?
Linguagem? Particularmente tinha resistência a trabalhar com formação de professores, talvez
pela descrença que pairava na minha prática profissional ao desenvolver um trabalho com
39
professores altamente pessimistas, talvez pela pouca experiência. Quem sabe em outro
momento poderei buscar essas causas e discuti-las como um processo de formação. Aqui
resume-se apenas a mera ilustração.
Discussões em sessões de orientação, discussões em sala de aula durante as
disciplinas, debates na apresentação de trabalhos em congressos – ENDIPE, CIPA, COLE,
ANPED13, Seminários de Dissertações e Teses realizado na UFSCar em 2005 e 2006, etc., –
leituras e revisões bibliográficas, foram aos poucos delineando meu quadro teórico, que se
constitui no referencial pautado nos estudos Nóvoa (2002), Imbernón (2006), Mizukami
(2002;2004), Flores e Pacheco(1999), Tardif (2001), Candau (1996) entre outros, os quais têm
fornecido importantes contribuições para o debate e construção de conhecimentos sobre a
formação docente e o desenvolvimento profissional do professor. De acordo com esses
autores, o processo formativo do professor se dá numa perspectiva permanente e evolutiva
que acontece em várias fases (formação inicial, iniciação a docência e formação contínua,
exercício da docência) e em espaços com características diferenciadas e interdependentes.
Esse processo é individualizado e inclui um amplo conjunto de fatores englobando aspectos
cognitivos, afetivos, sociais, culturais e econômicos, como também experiências ao longo do
seu processo de escolarização, crenças e valores pessoais.
O professor é concebido como um sujeito do conhecimento que domina um conjunto
de saberes específicos do seu trabalho. Nesse sentido, Tardif (2001, p.115), afirma que o
professor:
[...] não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros,
não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no
sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos
significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e
um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele
a estrutura e a orienta.
Com base na fala do autor, retificamos a concepção do professor que norteia este
trabalho de pesquisa, o professor como sujeito, como ator que atribui significados ao seu fazer
pedagógico a partir do seu conhecimento construído ao longo do seu processo de
escolarização e do exercício da docência.
No que se refere à leitura, buscamos autores cujas concepções convergem para a
perspectiva da leitura como um processo complexo, plural, permanente e progressivo. Assim,
13
ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e prática de Ensino, Recife – PE, 2006; CIPA – Congresso
Internacional de Pesquisas Autobiográficas, Salvador, BA, 2006; COLE – Congresso de Leitura, Campinas,
2003 e 2005; ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, Caxambu – MG,
2006.
40
encontramos em Chartier (1999; 2001), Foucambert (1994), Kleiman (1999; 1995), Kramer
(2006), Solé (1998), Silva (2003; 1993), entre outros, um referencial de leitura que leva em
consideração o leitor enquanto sujeito que modifica o sentido do que lê. Sujeito que interage
com o texto de acordo com a sua visão de mundo, seus conhecimentos prévios. Sujeito que
nas palavras de Jouve é um leitor real que “apreende o texto com sua inteligência, seus
desejos, sua cultura, suas determinações sócio-históricas e seu inconsciente.” (JOUVE, 2002,
p.15).
A complexidade desse processo, apontada pelos autores citados, fornece subsídios
para afirmarmos que a leitura deve ser trabalhada nas diversas disciplinas que compõem o
currículo escolar, não ficando apenas a responsabilidade para o professor ou “à área de Língua
Portuguesa, já que todo professor depende da linguagem para desenvolver os aspectos
conceituais de sua disciplina.” (BRASIL, 1998, p.31). Além das áreas, a leitura, deve ser
trabalhada em todos os níveis do processo de escolarização do indivíduo, assim, é
imprescindível que todo professor tome para si a tarefa de formar o leitor capaz de aprender
por meio da leitura. De acordo com Solé (1998, p.19)
[...] o ensino da leitura não é questão de um curso ou de um professor,
mas questão da escola, de projeto curricular e de todas as matérias
(existe alguma em que não seja necessário ler?). Para aprendizagem
deste conteúdo, a coerência, a continuidade e progressão da
intervenção ao longo da escolaridade são condições necessárias,
embora não suficientes.
Concebendo a leitura como uma questão da escola e que a formação de professores
acontece também no exercício da docência, neste trabalho, leitura e formação de professores
são discutidas como processos interdependentes que não se justapõe, mas que se
complementam no cotidiano escolar, especificamente nas séries finais do Ensino
Fundamental, em que a leitura é vista como um meio de comunicação e construção do
conhecimento específico de cada disciplina.
Segundo Kleiman (1999), a leitura e a escrita precisam ser vistas pelos professores das
diversas disciplinas como atividades de linguagem fundamentais para o desenvolvimento do
indivíduo na sociedade contemporânea.
É importante destacar que a investigação que ora se delineia não tem a intenção de
apenas descrever uma realidade (um aspecto do cotidiano escolar), mas de apreendê-la,
partindo da visão de que essa realidade por ser construída na interação entre os indivíduos se
modifica a cada instante. Nessa perspectiva, que caminho metodológico seguir? Quais os
41
procedimentos e instrumentos que poderiam fornecer os dados desejados. Que abordagem
escolher?
O ser humano em sua constituição é em parte determinado pelas condições sociais e
históricas em que está inserido e em parte determina essas condições. Neste sentido Edwards
(1997, p.15) afirma:
O sujeito está determinado por suas condições cotidianas de vida, pela classe
à qual pertence, pelo grupo imediato através do qual pertence a ela, pelo
lugar que ocupa na divisão do trabalho, por seu lugar na família, e por sua
história escolar... em parte. Em parte, porque o sujeito também contribui
para a constituição de todas essas situações.
Assim, por acreditar que o ser humano - “o professor” - em seu desenvolvimento
profissional, se constitui nas relações sociais que estabelece ao longo da sua vida, que está
sempre aprendendo, (re)aprendendo, construindo, (re)construindo sua história pessoal, afetiva,
profissional e social, fica evidente a necessidade da escolha de uma abordagem que leve em
consideração aspectos como intersubjetividade, contexto social, histórico, cultural e
econômico em que os indivíduos estão inseridos, entre outros. Entretanto, nenhuma
abordagem é suficientemente capaz de apreender tais aspectos, tendo em vista que a realidade,
como já afirmamos anteriormente, é passível de mudanças e de difícil apreensão. Algumas
abordagens se aproximam mais dos nossos pressupostos, e mesmo não apreendendo todos os
elementos, nos possibilitam um diálogo com a realidade pesquisada. Para tanto,
independentemente da abordagem, faz-se necessário “que o trabalho de pesquisa seja
devidamente planejado, que os dados sejam coletados mediante procedimentos rigorosos, que
a análise seja densa e fundamentada e que o relatório descreva claramente o processo seguido
e os resultados alcançados.” (ANDRÉ, 2001, p.57).
Levando em consideração o exposto, privilegiamos o enfoque de pesquisa descritivo
interpretativo norteado pelos princípios da abordagem qualitativa.
Sobre a pesquisa qualitativa Bogdan e Biklen (1994), apresentam cinco características
que permeiam essa abordagem: a fonte direta de dados é o ambiente natural e o pesquisador
seu principal instrumento; os dados coletados são descritivos; os pesquisadores têm um
interesse maior pelo processo do que pelos resultados ou produtos; a análise dos dados tende a
seguir um processo indutivo e o significado que as pessoas dão as coisas e a sua vida são de
importância vital para o pesquisador.
Os autores apontam que nem toda pesquisa qualitativa apresenta essas cinco
características com a mesma intensidade, podendo, portanto, variar de acordo a perspectiva da
investigação.
42
Compreendendo também que nenhum instrumento de coleta de dados por si só fornece
todos os elementos de uma determinada realidade, faz-se necessária a articulação de alguns
procedimentos e técnicas metodológicas visando apreender como os professores
compreendem e vivenciam com seus alunos as práticas de leitura no cotidiano escolar. Assim,
para a coleta de dados utilizamos a entrevista semi-estruturada e a análise de material escrito.
A opção pela entrevista semi-estruturada, deve-se ao fato dela se caracterizar como
uma técnica de pesquisa qualitativa que, segundo Fraser e Gondim (2004), favorece a relação
intersubjetiva do entrevistador com o entrevistado e permite uma melhor compreensão dos
significados, dos valores e das opiniões dos atores sociais a respeito de situações e vivências
pessoais. A entrevista foi utilizada com vistas a apreender a problemática sob a perspectiva
dos professores sobre o trabalho de leitura no Ensino Fundamental enquanto responsabilidade
de toda a escola ou apenas do professor de Língua Portuguesa e quais as práticas por eles
desenvolvidas em suas aulas para contribuir com o desenvolvimento do processo de leitura de
seus alunos.
Para o desenvolvimento das entrevistas elaboramos um roteiro (Apêndice B) com base
nos objetivos propostos. A fim de verificar se o roteiro atendia nossas expectativas, se seria
necessário uma reelaboração do mesmo, se a forma como estava organizado poderia desvelar
os dados que pretendíamos discutir, decidimos realizar uma entrevista piloto. Essa entrevista
foi realizada no segundo semestre de 2005. Foi feito um contato com uma professora da rede
municipal de ensino de São Carlos, licenciada em História, que trabalhava com uma terceira
série do Ensino Fundamental e com o ensino de História de 5ª a 8ª série. Informada do
objetivo da entrevista a professora se prontificou a participar.
Com os dados em mãos observamos que, de certa forma, o roteiro atendia aos
objetivos propostos, mas algumas questões necessitavam ser reelaboradas, visto que
direcionavam o professor a responder apenas “sim” ou “não”. Sendo necessário que fossem
feitas questões complementares no momento da entrevista. Mapeadas as lacunas no roteiro,
procurou-se preencher os espaços visando capturar nas entrevistas dados que pudessem nos
dar elementos para uma reflexão consistente e coerente com a realidade vivenciada pelos
professores, perpassando pelo imediato e o distante, o abstrato e o concreto.
Ressaltamos que este trabalho tomou a leitura nas séries finais do Ensino Fundamental
como objeto de estudo, recortando como campo da pesquisa uma escola da Rede Municipal
de Ensino, situada na zona rural do município de Feira de Santana, no estado da Bahia, que
atende aproximadamente 500 alunos da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental egressos de
escolas das séries iniciais do Ensino Fundamental da região. O quadro de funcionários é
43
composto por um diretor, dois vice-diretores - eleitos por votação direta pela comunidade
escolar, um coordenador pedagógico e dezesseis professores, todos licenciados nas
respectivas áreas de atuação14. O espaço físico da escola é bem conservado, conta com 9 salas
de aula, uma sala que funciona com biblioteca e sala de vídeo, um laboratório de informática,
8 banheiros, copa, sala de professores e secretaria. Em 2005, por meio de uma parceria entre o
governo do Estado e a prefeitura Municipal foi implantado o Ensino Médio na escola. Assim,
o prédio passou por uma reforma, visando atender da melhor forma possível às duas redes de
ensino. A escola só funciona no diurno, sendo que pela rede municipal funciona no matutino e
no vespertino com onze turmas (quatro turmas de 5ª, três de 6ª, duas de 7ª e uma de 8ª ) e na
rede estadual só funciona no vespertino, com uma turma por série.15
É interessante destacar que todos os professores da escola se prontificaram a participar
da pesquisa, demonstrando interesse na temática. Tal interesse pode estar associado à busca
de procedimentos pedagógicos para trabalhar com a leitura na sala de aula, visto que esses
professores apontavam nas reuniões pedagógicas (quando eu era coordenadora) que
precisavam encontrar formas diferenciadas para trabalhar com os alunos, que na sua maioria,
apresentavam dificuldades para ler as questões, compreender um problema, ler um texto e
interpretar, etc.
Mas a dúvida permeava a escolha dos participantes. Que critérios utilizar? Como já foi
citado no capítulo anterior, decidi então trabalhar com professores experientes, que tinham
mais de sete anos de experiência no exercício da docência. Tal escolha teve por base os
estudos de Huberman (1992). Para esse autor, os professores estariam numa fase em que se
afirmam perante os colegas com mais experiências, se percebem pertencendo a um corpo
profissional, se sentem mais independentes. A estabilização acompanha um sentimento de
“competência” pedagógica, o encontro de um estilo próprio de ensino, que é construído ao
longo do exercício da docência, frente aos desafios que o cotidiano escolar impõe. Essas
características eram refletidas na postura dos professores participantes da pesquisa, como
também, apresentavam elementos importantes para a busca de respostas a questão de pesquisa
que direciona esse trabalho.
Em comum acordo com o que defende Edwards (1997), concebemos o professor não
como um mero transmissor de conteúdos, mas como um sujeito com intenções, aspirações,
desejos e concepções. A autora considera “que a identidade do sujeito é multifacética e
incoerente, e que os sujeitos são heterogêneos entre si, ainda que pertençam ao mesmo grupo
14
15
Esses dados são referentes apenas à escola municipal.
Dados referentes ao ano de 2006.
44
social e se considere que estão determinados16 pelas mesmas estruturas.” (grifo da autora,
p.15). Assim, o professor, apesar de pertencer ao mesmo grupo profissional e compartilhar,
em determinados momentos, objetivos comuns de ensino e aprendizagem, na prática
pedagógica, esses elementos vão interagir como diferencial na concepção de leitura e,
consequentemente, no seu processo de ensino.
As entrevistas utilizadas na pesquisa foram realizadas com professores (um por
disciplina, a saber: Ciências, Geografia, História, Matemática e Língua Portuguesa) que
lecionavam na referida escola, no período de fevereiro a maio de 2006. A princípio cogitou-se
a possibilidade de que essas entrevistas fossem realizadas na própria escola, mas a idéia se
tornou inviável, pois os professores não tinham horário livre durante o turno de trabalho.
Após algumas visitas à escola, ficou acordado que essas entrevistas seriam realizadas na
residência dos professores, exceto a entrevista com o professor de História que foi realizada
na própria escola no horário do almoço. Foram realizados dois encontros com cada professor,
sendo que no primeiro encontro abordamos questões relativas à concepção de leitura, questões
mais conceituais. No segundo encontro, abordamos questões mais práticas, relacionadas ao
fazer pedagógico, ao processo de ensino da leitura e a discussão do material escrito. Todas as
entrevistas foram gravadas e depois transcritas.
Paralela às entrevistas, foi realizada a análise do material escrito (planos de curso,
roteiro de aula e atividades escritas), juntamente com o professor, a fim de identificar quais os
cuidados que ele toma no planejamento das atividades de leitura de texto e conseqüentemente
na execução desse planejamento para ajudar a compreensão do aluno, ou seja, o que ele faz
antes, durante e após a atividade de leitura. Esse material escrito ficou restrito apenas a
discussão do plano de curso dos professores de Língua Portuguesa e de Geografia. Os outros
professores não dispunham desse instrumento. Em relação às atividades, foi possível analisar
algumas questões escritas elaboradas pelos professores e que já tinham sido respondidas pelos
alunos em sala de aula. Durante a análise procurei sempre questionar o que significava para o
professor aquela atividade. Qual era o objetivo da atividade? Como eram feitas as orientações
para a execução dessas atividades?
É pertinente destacar que na elaboração do projeto cogitou-se a possibilidade da
realização de algumas observações, mas foi descartada devido à percepção de que os
professores por me conhecerem poderiam superficializar as situações didáticas para atender
apenas aos meus objetivos. Todos conheciam muito bem o meu trabalho devido ao vínculo
16
Para a autora o indivíduo está determinado em parte, pois ele se constitui nas situações e ao mesmo tempo
contribui para constituição das situações.
45
empregatício ao longo de dois anos, atuando como coordenadora e professora na referida
escola e por meu projeto ter se originado a partir das inquietações vivenciadas com eles.
Destaco também que permeava um clima de muita amizade, fator que ao longo do
trabalho me deixou muito constrangida. Como coordenadora pedagógica da escola, tive a
oportunidade de conhecer em parte algumas das “histórias secretas, sagradas e de fachadas”
(CLANDININ & CONELLY, 1996, p.25, apud MIZUKAMI, 2003, p.54). vivenciadas pelos
professores.
As histórias sagradas são constituídas por percepções da prática apoiadas em
teorias e partilhadas por professores, elaboradores de políticas públicas e
teóricos.
As salas de aula, segundo os autores, são, em sua maioria, lugares seguros,
geralmente livres de interferência e de julgamento externo, onde os
professores são livres para viver histórias da prática; essas histórias vividas
constituiriam as histórias secretas.[...]
Por fim, quando os professores saem de suas classes, eles frequentemente
vivem e contam histórias de fachada, nas quais eles se retratam como
experts e que são compatíveis com a historia oficial da instituição. As
histórias de fachada possibilitam aos professores, cujas histórias são
marginalizadas pelas práticas dominantes, manter suas histórias secretas.
(MIZUKAMI, 2003, p.54)
O contato direto com os professores, enquanto membro (quando atuei como professora
na referida escola) tinha me permitido adentrar em alguns momentos nos seus lugares
secretos. “Quando as histórias secretas vividas são contadas aos outros, isso ocorre,
geralmente, em outros lugares secretos, por exemplo, sala de professores” (Idem). Agora
enquanto pesquisadora não me era permitido revelar, não sabia se tinha autorização para
comentar ou instigar para que fossem revelados. Acredito que se tivesse trabalhado com
professores que não conhecia, teria sido um pouco mais fácil adentrar nessas histórias.
Acredito também que a falta de experiência enquanto pesquisadora contribuiu para esse
constrangimento.
Para a descrição e análise dos dados, após a transcrição da fitas, o material foi lido e
(re)lido com o intuito de perceber elementos importantes na fala dos professores que
pudessem responder as questões e atingir os objetivos propostos, como também, a
possibilidade de desvelar as mensagens implícitas e as contradições. Após a leitura o material
foi organizado em cinco dimensões: definição de leitura, relação de leitura e escola, relação
leitura e conteúdo específico, relação do aluno com a leitura e leitura e o processo de ensino e
aprendizagem. Para facilitar o processo de análise foi elaborado um quadro por disciplina com
as referidas dimensões (apêndice C), com o intuito de orientar as análises e não perder
46
elementos importantes nos dados. Os dados foram apresentados por disciplina para em
seguida ser construído o capítulo de discussão entre as concepções dos professores e a
literatura educacional.
2.3 Conhecendo um pouco os participantes da pesquisa
Os participantes da pesquisa, professores em exercício, foram selecionados levando
em consideração aspectos como tempo de serviço, área de atuação, local de trabalho e série
que lecionavam. Buscando ter uma visão diversificada em relação à percepção de leitura do
professor por área do conhecimento, selecionamos as seguintes áreas e as respectivas
disciplinas:
linguagem/língua
portuguesa,
naturais/ciências,
exatas/matemática
e
humanas/geografia e história.
Todos os professores lecionam na referida escola e têm características comuns, mas
como todo indivíduo, possuem diferenças que precisam ser levadas em consideração no
desenvolvimento do fazer pedagógico.
Na tabela A é possível observar algumas das características em comum que os
professores apresentam: carga horária semanal – todos têm ou tinham 40 horas semanais;
fizeram a licenciatura na mesma instituição – UEFS; todos têm Pós-Graduação em nível de
especialização, com exceção da professora de Matemática que atualmente está fazendo um
curso de Teologia e participa do PROFA – Programa de Formação de Professores
Alfabetizadores; na escola municipal lecionam as disciplinas para qual tem habilitação;
São professores que participam de cursos de formação contínua nas suas áreas
específicas, mas que também, estão abertos a cursos em outras áreas que lhes possibilitem
articular com o conteúdo da disciplina que lecionam, a saber: Novas tecnologias, Gestão
Escolar, Leitura e escrita, Meio Ambiente, entre outros.
Em relação aos vínculos empregatícios, apenas a professora de Matemática leciona em
uma única Rede de Ensino – a municipal – , os demais se dividem entre a rede municipal e a
estadual, em turno oposto, trabalhando com níveis de ensino diferentes – na Educação de
Jovens e Adultos EJA, a professora de Geografia e no Ensino Médio, os demais professores.
47
Quadro A – Características gerais dos professores participantes da pesquisa
Característi Professor
– Professor – Professor – Professor –
-cas
Geografia
Ciências
Português
Matemática
Licenciatura
Licenciatura
Licenciatura
Licenciatura
em Ciências
Graduação Curta
em
em
Letras em
/habilitação
Estudos Sociais
Vernáculas
Matemática
em Biologia
Universidade
Universidade
Universidade
Universidade
de
de Estadual
de Estadual
Estadual
de Estadual
Instituição
de
de Feira
de Feira
Feira
de Feira
que estudou
–
– Santana
– Santana
Santana
– Santana
UEFS
UEFS
UEFS
UEFS
Ano
de
1985
1982
2000
1998
conclusão
Políticas
do
Língua
Biologia
Portuguesa e
Especializa- Planejamento
_
aplicada
à
Pedagógico
/
Gramática/
ção / Ano
saúde/ 2000
2006
2004
Tempo de
25 anos no 14 anos no
serviço na
11 anos
município e 15 município e 8 anos
rede
no estado
25 no estado
municipal
Carga
horária
20h semanais 20h semanais 40h semanais
semanal na 20h semanais
escola
municipal
Português e Matemática e
Disciplinas
Geografia
Ciências
Redação
Geometria
que leciona
Séries que
5ª a 8ª série
5ª e 6ª série
5ª e 6ª
5ª a 8ª série
leciona
20h semanais
Carga
–Aposentouhorária
se no ano 20h semanais _
semanal na 20h semanais
anterior/tempo
rede
de serviço
estadual
Disciplinas
Literatura
e
que leciona
_
Biologia.
Redação
/
escola Geografia
estadual
Professor
História
–
Licenciatura
em História
Universidade
Estadual
de
Feira
de
Santana
–
UEFS
1992
História
do
Brasil/1998
15 anos
20h semanais
História
6ª a 8ª série
20h semanais
História,
Geografia
Filosofia
Sociologia
e
Apesar do tempo de serviço conferir a todos o status de professor experiente, as
diferenças desse tempo, observadas no quadro acima, precisam ser levadas em consideração
na análise das práticas desses professores. É preciso “tomar consciência de que as
necessidades, os problemas, as buscas dos professores não são as mesmas nos diferentes
momentos de seu exercício profissional” (CANDAU, 1996, p.149). No desenvolvimento da
carreira profissional, o professor passa por diferentes etapas: a entrada na carreira, a fase de
estabilização, a fase de diversificação, pôr-se em questão, momento de serenidade e
48
distanciamento afetivo, conservantismo e lamentações e por último a etapa de recuo – o
desinvestimento, (HUBERMAN, 2000).
De acordo com estas etapas os professores de Português e Matemática estariam na fase
de diversificação. Segundo o autor:
Os professores nesta fase das suas carreiras, seriam, assim, os mais
motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas
ou nas comissões de reforma (oficiais ou “selvagens”) que surgem em várias
escolas. Na amostra de Prick (1986), esta motivação traduz-se igualmente
em ambição pessoal (a procura de mais autoridade, responsabilidade,
prestígio), através do acesso a postos administrativos. (HUBERMAN, 2000,
p.42)
O professor de História estaria saindo da fase da diversificação e entrando na fase do
pôr-se em questão:
pôr-se em questão corresponderia a uma fase – ou várias fases –
“arquetípica(s)” da vida, durante a(s) qual(quais) as pessoas examinam o que
terão feito da sua vida, face aos objectivos e ideais dos primeiros tempos, e
em que encaram tanto a perspectiva de continuar o mesmo percurso como a
de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na insegurança de um outro
percurso. (HUBERMAN, 2000, p.42)
Quanto aos professores de Ciências e Geografia, é possível afirmar, que se encontram
em transição entrando na fase de serenidade e distanciamento afetivo. Para o autor, os
professores nessa fase apresentam-se menos sensíveis e vulneráveis à avaliação dos outros. A
serenidade pode ser alcançada pela seqüência de questionamentos, mas nem todos os
professores alcançam a serenidade. Contrapondo-se a algumas pesquisas citadas por
Huberman, os dois professores citados se encontram investindo na carreira por meio de cursos
lato sensu (professora de Geografia) e por meio da auto formação (professora de Ciências).
O distanciamento afetivo face aos alunos, característico nesta fase do ciclo de vida dos
professores, deve-se a relação que os alunos estabelecem comparando-os com os pais devido
a idade ou pela pertença a gerações distintas, cujos valores e culturas se diferenciam.
Aqui, é importante destacar que, como a carreira profissional se dá de maneira
contextualizada, essas etapas não são fixas, podendo variar de professor para professor.
Mesmo sendo classificados em fases é possível vermos características comuns entre os
professores nas diversas etapas da vida profissional.
Assim como essas fases variam de professor para professor, a prática pedagógica,
também contextualizada, varia de acordo com a formação, as expectativas, as relações com os
pares, etc.
49
O capítulo a seguir descreverá as concepções de leitura que permeiam a prática
pedagógica dos professores das diversas disciplinas do Ensino Fundamental, adentrando
assim, no universo particular de cada professor.
50
4. CONCEPÇÕES DE LEITURA: DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES NO
COTIDIANO
DA
SALA
DE
AULA
NAS
SÉRIES
FINAIS
DO
ENSINO
FUNDAMENTAL.
As pessoas vêem estrelas de maneira diferente.
Para aqueles que viajam, as estrelas são guias.
Para outros, elas não passam de pequenas luzes.
Para os sábios, elas são problemas..
(Saint-Exupéry)
Os dados analisados a seguir, foram coletados por meio de entrevistas realizadas com
cinco professores experientes, sendo um professor por disciplina: Ciências, Geografia,
História, Língua Portuguesa e Matemática
17
. Além das entrevistas, algumas atividades
escritas realizadas em sala de aula e os planos de ensino contribuíram para a presente análise.
Para descrever esses dados, foram estabelecidas cinco dimensões de análise, a saber:
Definição de leitura, Relação escola e leitura, Relação leitura e conteúdo específico, Relação
do aluno com a leitura, O processo de ensino e aprendizagem da leitura em diferentes
disciplinas. Com essas dimensões pretende-se identificar e descrever as concepções de leitura
que norteiam a prática pedagógica do professor das séries finais do Ensino Fundamental e
como a leitura é trabalhada em suas aulas.
A primeira dimensão busca compreender as definições de leitura elaboradas pelos
professores. Na segunda dimensão pretende-se evidenciar como o professor concebe a relação
entre escola e leitura, como também, perceber o que tem sido feito pela escola como um todo
para melhorar o desempenho dos alunos em relação à leitura. A terceira dimensão busca as
relações que o professor estabelece entre a leitura e o conteúdo específico da sua disciplina.
A quarta descreve as representações do professor sobre a relação do aluno com a leitura. E a
quinta e última dimensão busca identificar as atividades de leitura no planejamento do
professor e as estratégias utilizadas em sala de aula, caracterizando - se assim, a partir do
discurso desses professores, uma análise da prática de sala de aula por meio de atividades que
envolvem a leitura.
A sistematização dos dados apresentada a seguir é feita por disciplina de modo a
revelar os diferentes aspectos do pensamento de cada docente referente a leitura e suas
relações no processo de ensino e aprendizagem.
17
No desenvolvimento do texto os professores serão denominados de P - Geografia, P- Ciências, P - Português,
P - Matemática e P - História.
51
4.1 Concepções de leitura em diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino
Fundamental
4.1.1
Ciências
A professora...
Com 26 anos de magistério, a professora traz em seu currículo uma longa experiência
na docência, atuando nos vários níveis e modalidades de ensino. Fez Licenciatura em Ciências
com habilitação em Biologia no ano de 1982, em 2000 fez especialização na área de Biologia
aplicada à saúde. Trabalha com todas as séries finais do Ensino Fundamental, mas atualmente
tem preferido trabalhar com a 5ª e a 6ª séries. Na rede municipal tem uma carga horária de
20h semanais e está há treze anos na mesma escola, fator que contribui para ter um
conhecimento maior sobre a realidade dos alunos. Ministra a disciplina de Ciências, mas já
complementou sua carga horária com disciplinas como Práticas de Saúde e Culturas
Regionais. Na rede estadual aposentou-se no ano de 2005 por tempo de serviço, ministrava a
disciplina de Biologia no Ensino Médio e tinha uma carga horária de 20h semanais. Reside na
zona urbana e trabalha na zona rural.
Definição de leitura
Ao definir leitura a professora apresenta uma concepção ampla de que ler é muito mais
que decifrar códigos escritos, ler é uma forma de ver, de se posicionar, de estar no mundo:
Leitura não é somente decodificar as letras que estão escritas, não é, ler
também é vida como o próprio Paulo Freire diz, leitura não é somente
decodificar o que está escrito, a leitura começa a partir da vida, ele lê... ler é
uma forma de ver o mundo. Tem várias formas de ver o mundo, não somente
juntar letras, mas entender o que ele tá lendo, entender a realidade que ele tá
vivendo, entender a realidade que tá ao redor dele. Acho que tudo isso é
leitura, é saber interpretar o que ouve, o que assiste na televisão, o que lê nos
jornais, tudo é leitura. A gente não lê somente o que está escrito, tem que ler
o mundo, e ler o mundo não é somente ler letras, é ler as informações, é
entender, é perceber. (P – Ciências)
Para a professora a leitura extrapola a decodificação da escrita para uma dimensão em
que o indivíduo estabelece relação entre a leitura de mundo e a leitura da palavra. Nesse
sentido, a aprendizagem da leitura é concebida como um contínuo, tendo em vista que no
cotidiano por meio das diversas práticas e meios de comunicação, o indivíduo está sempre
lendo, ou seja, interpretando a realidade:
52
[...] o ensino da leitura é contínuo, é perpétuo, a gente está sempre
estudando, tá sempre aprendendo e a leitura tem que tá sempre
acompanhando a gente. Cada vez... eu acho... se a gente diz que leitura não é
somente decodificar o que está escrito, a gente lê todo dia, toda a vida [...] a
gente está sempre lendo, fazendo uma leitura, interpretando aquilo que está
acontecendo. Então a leitura deve ser permanente. (P – Ciências)
A percepção de que a leitura acontece a todo o momento e em diversas situações
aponta para a formação de um leitor ativo, que forma opinião a partir do que lê, a partir das
diversas linguagens:
[...] eu acho que... você ler é você entender, é você dizer a sua opinião, você
formou a sua opinião a partir daquilo que você viu, você interpretou aquilo
que você leu. Interpretar o que leu que está escrito ou o que leu no mundo,
na vida, na notícia, na informação que ele teve [...] (P – Ciências)
A professora também enfatiza a comunicação oral como uma forma de leitura, ela
busca em suas memórias elementos para afirmar que a oralidade também é uma forma de
aprendizagem:
Um dia eu vi Dom Itamar18 dizer que as pessoas que, às vezes, não sabe ler o
que está escrito elas têm facilidade de ouvir e de entender, assim, você chega
em casa e conta a ela uma coisa e ela aprende, ela dá importância aquilo que
você falou. E aquilo é importante, não é uma forma de ler também? É uma
forma de ler. Ouvir pode ser uma forma de ler, não sei se os professores de
Português iam concordar comigo, mas se a gente está dizendo que leitura
não é somente ler as letras. (P – Ciências)
Mais uma vez, a professora reforça a idéia de que ler não se restringe apenas ao código
escrito, mas também uma maneira de se posicionar no mundo, interpretando as mensagens
que chegam por meio da linguagem oral. Não se percebe na fala da professora indícios de que
uma linguagem seja superior à outra. Todas se apresentam com igual importância no
cotidiano do indivíduo.
Relação escola e leitura
Na escola a leitura é apontada pela professora como uma responsabilidade de todos os
professores em qualquer disciplina:
Todo professor deve ter responsabilidade com a leitura [...] eu acho que a
leitura deve ser trabalhada em todas as disciplinas, é claro que o português
vai ajudar mais nisso, mas em todas as disciplinas tem que ser trabalhada a
leitura. Porque se a gente diz que ler é uma forma de ver a vida, é uma forma
de ver o mundo, ele tem que ver o mundo em todas as disciplinas que ele
trabalha, não só no Português. O Português, ele tem aquela coisa metódica,
18
Arcebispo da cidade de Feira de Santana - BA
53
tem... tem aquelas técnicas todas de redação e tal. E as outras disciplinas não
têm exatamente isso, mas pode ter também, por exemplo, eu peço redação
[...] (P – Ciências)
Para a professora a leitura tem que ser trabalhada em todas as disciplinas, tendo em
vista, que ler é forma de ver o mundo. Na escola o professor de Língua Portuguesa vai ajudar
nos aspectos técnicos, específicos da área, mas todos os professores precisam mostrar para o
aluno a importância da leitura e da atividade que está fazendo:
Eu acho que todas as disciplinas devem ser iguais. A gente deve procurar
levar os meninos a ler de alguma forma, tem que procurar é... mostrar pra
eles a importância da leitura, cada professor tem que ver o que é importante.
Rubem Alves diz que a gente só aprende aquilo que a gente gosta, que a
gente experimenta. Então o que é importante? Por que é importante ele
aprender ler aquilo, ele saber aquilo daquela disciplina? Português por que é
importante separar as sílabas? Parece que eles começam aprender na
alfabetização, mas chegam ao segundo grau eles não sabem. Até no segundo
grau, você escreve a palavra no quadro e vai separar, ele vê um pedaço da
palavra “professora que palavra é aquela”. Ele não se toca que aquela
palavra começou do outro lado. Então parece que o professor, a começar
pelo de Português não diz pra ele pra que é que está aprendendo a separar a
sílaba, que é pra quando não der em uma linha ele continuar a palavra na
outra. Ele não sabe. Então eu acho que todo professor tem que procurar de
alguma forma mostrar para os meninos pra que é que ele está lendo aquilo,
pra que é que ele precisa aprender aquilo ou pra que é que ele tá ensinando.
(P – Ciências)
Segundo a professora, a falta de clareza sobre o porquê das atividades desenvolvidas
em sala de aula tem levado os alunos ao segundo grau (Ensino Médio) reproduzindo
atividades sem compreensão do que estão fazendo.
A escola não deve se preocupar apenas com a leitura da palavra, a leitura escolar, mas
trabalhar de maneira articulada para que o aluno seja capaz de fazer a leitura do mundo em
que ele está inserido:
Eu acho que a escola deve colaborar para o aluno fazer a leitura da vida e a
leitura da escola mesmo [...] A gente tem que procurar abrir a mente do
aluno, se é que isso é possível. Fazer ele enxergar o mundo de outro jeito, ele
ter discernimento pra ver as coisas, ajudar ele a fazer uma leitura do mundo
[...] Eu acho que a gente tem que colaborar pra o aluno ter interesse pela
leitura e ver a importância da leitura pra vida deles, não só pra vida escolar,
mas pra vida deles mesmo. Eu acho que a escola tem que ter esse papel, tem
que colaborar, tem que estimular a leitura. Um mural que a gente coloca ali,
a gente tá estimulando a leitura; uma conversa que a gente leva pra sala; um
tema atual que está se passando; o próprio filme que tá aí no auge, o
professor de História, de Português, de Matemática, de Inglês, qualquer um
pode trabalhar com esse filme [...] (P – Ciências)
54
É papel da escola colaborar para que o aluno se interesse pela leitura como um
elemento importante para a vida e não apenas para a aprendizagem dos conhecimentos
escolares. Para tanto, a professora indica que a escola pode estimular o aluno a fazer diversas
leituras por meio de diversos locais e linguagens: mural, filmes, conversas sobre temas atuais,
etc.
Segundo a professora, visando atender as necessidades dos alunos, os professores
precisam criar situações para que o aluno se sinta a vontade para ler, sem pressão ou
imposição:
[...] a gente tem que dar elementos pra eles se sentirem a vontade, como eu já
vi os alunos fazerem com você, se sentir a vontade pra perguntar, pra ler...
[Mas é um trabalho]de formiguinha, e a gente é impaciente... a gente é
impaciente, porque criaram a escola com uma série por ano, tem aquele
prazo do ano terminar. Quando você vai conhecer o aluno já tá no final do
ano. (P – Ciências)
Na fala da professora percebe-se a diferença entre o tempo exigido pela escola e o
tempo do aluno. No cotidiano escolar, por conta dos prazos estipulados pelos Sistemas de
Ensino, a professora indica que tem sido difícil conhecer o aluno e suas necessidades. O
professor se torna impaciente devido aos prazos que tem que cumprir. É possível afirmar que
a professora reconhece que trabalhar as necessidades de leitura dos alunos nas séries finais do
Ensino Fundamental é um trabalho vagaroso, a longo prazo.
Outra questão levantada pela professora é que o trabalho realizado pelos professores
não tem conseguido prender a atenção dos alunos:
Eles não querem ficar na sala porque não é atrativo pra eles o trabalho que a
gente tá fazendo, temos que descobrir realmente o que fazer... não é atrativo
pra eles. (P – Ciências)
O professor precisa procurar formas de trabalho que incentive o aluno a permanecer
em sala de aula. A professora reconhece que a escola tem realizado atividades que não
atendem aos interesses dos alunos, atividades que não são atrativas para o aluno
especialmente para os alunos que apresentam dificuldades com leitura:
E a nossa colega [...] tava dizendo uma coisa interessante, ela disse: ‘nós
estamos perdidos com aqueles meninos, não é eles que estão, somos nós que
estamos perdidos que não estamos sabendo o que fazer com eles, nós temos
que descobrir o que fazer com eles’. (P – Ciências)
A fala da professora se refere aos alunos que tem dificuldades com leitura apontando
um certo “desespero” diante das novas questões que emergem na escola, mas ao mesmo
55
tempo indica uma preocupação que deve permear a prática pedagógica de todo professor: a
condição de busca, de possibilidades para superação do que está posto.
Relação leitura e conteúdo específico
A professora afirma que a dificuldade de leitura que o aluno apresenta interfere no
desenvolvimento da disciplina. Os alunos ficam desmotivados e inquietos na aula. Na
tentativa de prender a atenção dos alunos e estimulá-los, a professora aponta que busca
articular o conteúdo a ser trabalhado do livro didático com a realidade dos alunos:
Interfere no desenvolvimento da minha disciplina e do meu trabalho do diaa-dia, eles ficam inquietos, eles ficam desestimulados, ficam contando o
tempo pra aula terminar logo se o trabalho não estiver interessante. É por
isso que eu procuro essas coisas de fora da sala de aula. O que tem naquele
livro eu procuro trazer para a realidade deles e o que não tem naquele livro
eu procuro buscar mesmo no dia-a-dia e levar pra ver se estimula, porque é
chato você está trabalhando com uma coisa que ele não tá nem a fim daquilo
ali. (P – Ciências)
Para ela o professor não pode se prender apenas ao conteúdo da disciplina, tem que
trabalhar com a leitura e a escrita, mas também com a leitura de mundo:
[...] às vezes, quando você se prende só a sua disciplina você não quer saber
do resto. Então eu acho que é isso, a gente não pode se prender só a
disciplina da gente, não pode se prender a ensinar só a ler e escrever, tem
que ensinar ler o mundo. A gente tem que ajudar ele. (P – Ciências)
É possível perceber na fala da professora uma preocupação com a formação do aluno
para além dos conteúdos escolares, uma vez que ela tenta ajudar o aluno a estabelecer
relações entre o conteúdo da disciplina e o seu cotidiano:
Por exemplo, eu digo [para os meus alunos] pra que é que serve você ler, sua
mãe, às vezes, não sabe ler, a sua avó não sabe ler, então você pode chegar
pra ela e ajudar, ‘ô minha mãe a Pró hoje na escola pediu pra gente ler isso
aqui, isso aqui tem informações sobre as doenças, não é sobre como curar as
doenças, mas como é que a gente pega, como evitar’. Então a escola vai
servir só pra você passar de ano. Não, esse assunto vai servir muito mais pra
lhe ajudar em casa do que pra você passar de ano. Eu posso nem cobrar isso
aqui na prova, mas leia, chegue em casa e diga: ô minha mãe, hoje a pro deu
isso aqui pra gente, mandou a gente ler essa tabela aqui e como a senhora
não sabe ler, então eu vou ajudar, vou ajudar a senhora a ler comigo. (P –
Ciências)
No discurso da professora o conteúdo da sua disciplina deve contribuir com a melhoria
das condições de vida do aluno e da sua família, por meio de informações preventivas que o
56
aluno leve da escola para casa. Para ela o conteúdo da disciplina deve transpor os muros da
escola.
A disciplina Ciências por ter termos específicos, precisa da mediação do professor
para fazer a transposição. Nesse sentido, a professora trabalha esses termos com o intuito de
fazer com que os alunos saibam que eles existem e para que servem:
Na 6ª série eu tô trabalhando com classificação dos seres vivos e tem muitos
termos difíceis pra eles, e todo mundo acha, ai falam assim: “ ah, Ciências é
chata porque tem uns termos difíceis”. Eu não mando ninguém decorar
aqueles termos, eu apenas digo pra eles que aqueles termos existem, que
aquela forma de escrever existe porque quando vai ter um congresso em
outro país, em outro estado, quando todo mundo tiver falando daquele nome,
sabe que está se referindo aquele ser vivo, é a forma de classificar [...] Então
o que eu quero, o importante, não é que eles decorem aqueles nomes
científicos que é usado para os congressistas que vão se reunir lá não sei
aonde. O importante é ele saber o que é classificar, é saber que para
classificar tem que se ter critério, que classificar é uma forma de organizar.
Então pra mim o mais importante é isso, e eu jamais vou pedir que eles
escrevam aquele nome na prova, se eu tiver que cobrar aquilo na prova eu
cobro de uma forma que ele não precise escrever aquela palavra, porque a
palavra é difícil e ele não tem obrigação de saber. (P – Ciências)
A professora enfatiza o conhecimento procedimental de como se constrói a ciência. Os
termos científicos presentes no conteúdo de Ciências, faz com que muitos alunos não se
identifiquem com a disciplina, especialmente os que apresentam dificuldades com leitura,
achando-a chata e difícil. Para amenizar essa situação, a professora demonstra uma
preocupação, ao trabalhar com o conteúdo, apontar as relações que existem, de maneira que o
aluno não seja privado desse conhecimento. Ela aponta que não faz cobranças aos alunos para
memorização de determinados termos de Ciências.
Durante a análise de uma atividade escrita, a professora indica que as palavras que não
fazem parte do vocabulário dos alunos e os conteúdos da disciplina são trabalhados a partir de
relações com o cotidiano deles, por exemplo: meteorito/estrela cadente, a fim de uma melhor
compreensão:
Não é do vocabulário dele, mas eu já tinha trabalhado, eu não ia pegar esse
nome aqui à toa. Eu já tinha trabalhado com eles antes o que é meteorito, eu
já tinha trabalhado pra eles antes essa palavra, eles conhecem. Inclusive eles
conhecem meteorito como estrela cadente. Meteoritos são pedaços que caem
do céu e que, às vezes não é identificado, você olha pensa que é uma rocha,
que é uma pedra, mas não é. Se eu não tivesse trabalhado com esse termo
antes eu jamais ia colocar esse termo aqui pra eles. (P – Ciências)
57
Ao ser questionada sobre a importância da leitura para o desenvolvimento do aluno na
sua disciplina, a professora afirma que ela é importante e que o aluno que não sabe ler sente
dificuldades, precisando que o professor o ajude:
Claro, na minha disciplina e nas outras, porque por exemplo, como esse caso
que aconteceu que caiu lá em Tabocal, em Santo Antonio de Jesus um objeto
estranho que se achou que era um meteorito, não se tinha certeza. Se ele não
sabe ler ou se ele não sabe entender, se ele nunca ouviu falar nisso. O quê
que é isso? Então eu acho que eu ajudei ele a ler isso, eu ajudei ele a ter uma
opinião sobre as coisas, eu juntei isso com um fato que aconteceu no
passado. Eles mesmos perguntaram: ‘será que agora vão deixar aonde? Ah
professora tem que deixar lá agora, e vai botar o nome [...] esse vai botar [o
nome] Meteorito de Santo Antonio de Jesus ou então Meteorito de Tabocal’,
mas eles deram também outros nomes [...] Quer dizer, eles sabem usar
também a imaginação a partir daquilo que eles lêem. (P – Ciências)
Para a professora é necessário trabalhar o conteúdo de forma que leve os alunos a
estabelecer relações, a ler, a formar opinião. Essa percepção pode estar atrelada a sua
experiência profissional ao longo dos anos, em que se deparou com várias situações
conflituosas no exercício da docência:
[...] o primeiro ano que eu ensinei, peguei uma classe que era de meninos de
dez, de onze, doze anos, que não sabiam ler, parece que nunca tinham ido
pra escola [...] eu ficava angustiada porque eu não conseguia resultados [...]
a gente foi tentando, a gente sempre tomava curso, eu chamava de curso, na
verdade não era curso, tinha encontros pra gente trocar idéias, trocar
experiências. [...] (P – Ciências)
Percebe-se na fala da professora o choque no início da carreira, seus conflitos e os
caminhos encontrados para superação dos mesmos no desenvolvimento da prática
pedagógica. Esses conflitos estavam atrelados ao processo de ensino da lecto-escrita, a
distância entre o curso Magistério e a realidade. Hoje seus conflitos continuam numa
dimensão diferente, pois trabalha com alunos das séries finais do Ensino Fundamental que
apresentam dificuldades com leitura e muitas vezes ao trabalhar o conteúdo específico da
disciplina, ela não consegue detectar quem são esses alunos:
[...] às vezes, tenho essa dificuldade de perceber, fico observando que tem
outros professores que descobrem com mais facilidade. Por exemplo, um
professor o ano passado mais cedo do que eu percebeu alguns alunos que
tinham dificuldade de ler, que ficavam lá no canto. ‘Se você perguntar
alguma coisa a ela oralmente ela lhe responde, mas na escrita você não
percebe tanto’ e ele percebeu ‘porque ela se apóia em fulana, ela é amiga de
fulana e senta perto dela’ [...] Se você perguntar alguma coisa a ela, ela fica
toda tímida, mas a timidez é por conta disso mesmo, porque não sabe ler. (P
– Ciências)
58
Durante as tarefas ou comunicação do conteúdo da disciplina, a professora aponta que
sente dificuldades em perceber os alunos que não dominam a leitura e a escrita. Mas, ao
mesmo tempo a sua fala indica que os professores podem se ajudar mutuamente, trocando
informações sobre os alunos.
Relação do aluno com leitura
Para a professora a relação do aluno com a leitura apresenta-se de maneira bem
diversificada dentro da escola, uma vez que existem alunos em diferentes níveis de leitura, a
saber: lêem estabelecendo significados a leitura – lêem o texto e o contexto; escrevem e não
lêem o que está escrito19; lêem apenas o que está escrito – conseguem dizer do que trata o
texto; lêem as palavras, mas não conseguem atribuir significados a elas no contexto em que
estão inseridas, etc:
A gente percebe que tem uns que não têm muita dificuldade, que lêem, por
exemplo, lê fazendo a pontuação, lê a leitura propriamente dita, ele tem
facilidade de ler. Mas têm muitos que não têm e também tem uns que lêem o
que está escrito, mas se a gente pedir para interpretar aquilo ali, eles têm
uma certa dificuldade, às vezes, lê somente o que esta escrito, mas não vai
muito longe disso, não lê as entrelinhas, o que tá por trás daquilo. (P –
Ciências)
Geralmente as dificuldades que os alunos apresentam com leitura são percebidas nas
respostas que eles dão as atividades escritas:
Às vezes, a gente prepara uma atividade escrita e eles respondem coisas que
não tem nada a ver com o que foi perguntado. Então a gente percebe que
eles, embora saibam juntar as letras, dizer que nome está escrito, mas eles
não sabem interpretar, não sabem o quê que a gente realmente tá pedindo. (P
– Ciências)
Para a professora os alunos têm dificuldades de compreender o significado de
determinadas palavras que geralmente são utilizadas nas atividades. Em uma atividade escrita,
analisada durante a entrevista, ela aponta que os alunos têm dificuldades de compreender uma
questão se ela for redigida de maneira mais elaborada. Parece que os alunos estão
acostumados a responder questionários diretos, com respostas prontas. No caso em questão, a
professora tinha feito um pequeno comentário escrito para introduzir uma questão sobre um
19
Esses alunos apenas reproduzem, o que está no quadro, no livro ou no caderno do colega, muitos deles estão
nas séries finais do Ensino Fundamental, devido as várias reprovações sucessivas e a defasagem idade/série, não
podendo ficar nas séries iniciais no diurno por causa da idade, e por não ter Educação de Jovens e Adultos na
localidade onde moram.
59
assunto para em seguida o aluno fazer um comentário sobre o que havia sido discutido na
aula, posicionando-se:
Então a palavra introdução pra eles era difícil, aí eu troquei por comentário,
eu gosto de fazer isso, procurar trabalhar com a linguagem mais perto deles,
que eles entendam mais. Isso aqui é um comentário, ‘na semana passada os
jornais divulgaram a notícia e tal... se fosse você que fosse divulgar essa
notícia, como é que você faria e tal...?’ Então eles têm dificuldades
justamente com esse trabalho, mas a gente tem que tá fazendo. Eles têm
dificuldade de entender porque que eu botei esse um aqui, coloquei esse um
e não comecei já com a pergunta então. Eles têm dificuldades, mas a gente
vai trabalhando e com o tempo eles vão melhorando. (P – Ciências)
A professora acredita que essas dificuldades que os alunos apresentam se forem
trabalhadas na escola podem ser superadas com o tempo. Segundo a professora essas
dificuldades podem estar relacionadas ao ingresso tardio desses alunos na escola devido à
região onde moram e às condições familiares, muitos alunos moram com os avós que não são
alfabetizados:
[...] eu percebo que muitos alunos não são criados pelos pais, lá em Jaguara
tem muito menino que é criado pela avó. A vó, às vezes, é analfabeta, eles já
vão pra escola tarde, perde aquele período que parece tá mais propício de ele
ir pra alfabetização.[...] agora que está começando mais cedo, porque já tem
uns que vão pra creche, a creche às vezes ensina a ler. Eu não sei se isso
pode ser tomado como base, mas a gente percebe que... quando eles
começam a aprender ler na fase de cinco, seis anos, sete, eles têm mais
facilidade do que quando eles deixam passar aquela fase que vai para a
escola com sete, oito, nove, dez anos, eles tem mais dificuldade, e
principalmente se eles não têm alguém em casa que acompanhe. (P –
Ciências)
Merece destaque a percepção da professora sobre a idade propícia de aprendizagem da
leitura. Na escola, os alunos que apresentam maiores dificuldades com leitura têm defasagem
idade/série. Ao longo da sua prática pedagógica a professora tem questionado e se inquietado
com determinadas situações que colocam em evidência a relação de ‘falta’ que seus alunos
têm com a leitura:
[...] eu ensino desde 1977, já ensinei infantil, alfabetização, primeira série,
segunda série, terceira, quarta, segundo grau, ginásio e pra mim a coisa mais
difícil é ensinar alguém ler. De modo que quando meu filho aprendeu ler eu
chorei de emoção, uma emoção assim misturada com inveja ou com pesar
pelos outros em pensar ‘o meu tá com seis anos, tá se alfabetizando e os
outros meus alunos com treze, quatorze anos não sabem ler direito, não
decodificam as letras que estão escritas’. E a gente percebe assim, o que é
que leva a isso, o que é atrapalha isso. (P – Ciências)
A professora aponta que a falta de domínio da leitura desses alunos faz emergir na sala
de aula, elementos como desinteresse, impaciência, não cumprimento de tarefas, e
60
consequentemente, o retorno positivo que o professor quer ter ao final de uma aula dada ou de
um assunto explicado:
[os alunos] têm vícios de leitura ou de falta de leitura muito grande, não só
de não ler, mas de conseguir mesmo decifrar o que está escrito. Aí a gente
tem, além disso, um outro trabalho, que é a dificuldade na leitura gera outras
coisas, gera desinteresse, gera vontade de ir embora, vontade de que a aula
termine logo, impaciência. Às vezes, a gente não tem uma boa resposta, não
tem a resposta que esperava daquele trabalho. Mas, às vezes, mesmo que ele
não saiba ler o que tá escrito eles participam do trabalho se a gente souber
fazer questões que eles conheçam embora não saibam escrever, mas que ele
sabe. Por exemplo, tem meninos que você pergunta, que você pede pra ele
resolver um probleminha de Matemática, ele diz logo ‘oh professora eu só
sei resolver de cabeça, no papel eu não faço’. Mas ele sabe, você tem que
valorizar aquilo. (P – Ciências)
É interessante destacar que a professora reconhece que os alunos apesar de terem
dificuldades com a leitura do código escrito, eles têm conhecimentos que podem ser
aproveitados pelos professores em sala de aula, eles participam da aula se o professor souber
estabelecer relações entre o conhecimento da disciplina e os conhecimentos prévios desses
alunos. Ela afirma que “eles sabem usar também a imaginação deles a partir daquilo que eles
lêem20”. Essa visão está associada à compreensão de que leitura não é apenas a leitura da
palavra, mas também a leitura de mundo.
O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Ciências
Para a concretização do processo de ensino e aprendizagem a professora afirma que
planeja atividades de forma a contempla a leitura. Essas atividades visam fazer com que o
aluno discuta, dê a sua opinião, faça leitura:
Planejo, quer dizer, às vezes, eu converso primeiro com eles sobre
determinados assuntos e aí depois eu levo alguma forma de leitura pra eles e
faço atividades que eles discutam, que eles questionem, e... mais a leitura da
realidade deles mesmo. (P – Ciências)
A professora seleciona textos relacionados ao assunto da disciplina, notícias atuais que
saem em jornais e revistas para trabalhar com os alunos em sala de aula, mas também para
exposição na escola:
Às vezes, eu levo [textos] relacionados à disciplina, dependendo do assunto,
e às vezes, são coisas da atualidade, que está acontecendo. [...] levei um
20
A professora está usando o termo ‘lêem’ se referindo não apenas a leitura do texto escrito, mas também a
leitura a partir da audição de uma palestra, de uma leitura que ela realiza na sala, da exposição de um mural, de
uma notícia que ouve no rádio ou assiste na televisão.
61
jornal com uma pesquisa que foi feita dizendo que o rio Jacuípe21 está entre
os três mais poluídos do Nordeste. E aí foi uma polêmica, eles não
admitiram, não acreditaram [...] eu fui perguntar a eles como é que tava o rio
lá, e eles acharam que pelo fato de ter chovido a água tava limpa, o rio tava
limpo. Porque pra eles olhou assim, a água ta clarinha, ta limpa. Por sinal eu
até fiquei de colar lá na parede um dia. Mas eu não colei por dois motivos,
porque já tinha outras coisas lá que eu achei mais atraentes pra eles e
coloquei aquela do Nordeste22 sobre a caatinga, os personagens da caatinga,
os animais e tal... (P – Ciências)
A preocupação da professora em levar textos que motivem o aluno para realizar uma
leitura está relacionada tanto com o conteúdo específico da disciplina, como também, com a
vivência dos alunos, fator que muitas vezes propicia a discussão na sala de aula. Os textos
também são levados para exposição na escola. A professora acredita que essas atividades
estimulam o aluno para a leitura, por isso alguns desses textos são escritos no quadro para que
os alunos copiem:
Eu acho que atividades escritas também estimulam a leitura, porque ele vai
ter que ler pra escrever, pra transcrever. Até alguma coisa que a gente faz no
quadro, eles copiando eu acho que tá reforçando a leitura, pelo menos a
intenção da gente é essa. A escrita e a leitura eu acho difícil elas se
dissociarem, na nossa sociedade pelos menos é assim. Eu coloco textos pra
eles copiarem, depois eu procuro fazer alguma questão dentro daquele texto.
[...] Procuro fazer um texto pequeno, até porque eu acho que eles
escrevendo, vai exercitando [...] geralmente eu dou escrito no quadro, às
vezes, quando é um texto interessante eu tiro xerox e trabalho em grupo[...]
eu me lembro de um trabalho que saiu na Super interessante sobre a água
[...] que a partir em 2025 a população pode ficar sem água e tal. E aí eu
procurei trabalhar com eles aqueles assuntos, questionar o que eles achavam
daquilo, se eles concordavam com isso.[...] Quando o texto é grande assim,
eu tiro xerox, mas em grupo, por dois motivos, porque se a gente for tirar
xerox pra dar a todo mundo fica caro, e porque também eu acho que a gente
precisa estimular eles a trabalhar em grupo, que é difícil. (P – Ciências)
Na fala da professora é possível observar uma preocupação com questões que fazem
parte do dia-a-dia da aula – cópias, tamanho dos textos, etc., – que podem impedir o processo.
Além da cópia a professora se preocupa em levar cópias xerografadas de textos para estimular
a leitura e o trabalho em grupo. Percebe-se que os textos que tratam de temas da atualidade,
que permeiam a vida social dos alunos se apresentam como grandes aliados da professora. Ela
destaca que os alunos ficam mais interessados em discutir algo que pode ser relacionado ao
que ele viu no jornal televisivo ou ouviu no rádio, que ele tem conhecimento ou dúvidas:
21
Rio que passa na região onde a escola está localizada e é utilizado como fonte de renda e de subsistência para
alguns moradores.
22
Reportagem da Nova Escola que a professora havia me mostrado na escola.
62
Esse ano por exemplo, eu trabalhei assim: aconteceu um fato interessante,
caiu um objeto estranho em Santo Antonio de Jesus [...] exatamente na
semana que eu tava trabalhando com esse assunto, aí eu levei o jornal pra a
sala e conversei com os alunos [...] se eles ouviram no rádio o que
aconteceu. Eles disseram que ouviram, uns assistiram na televisão. Porque
embora a gente trabalhe na zona rural, tem alunos que tem televisão em
casa. Eles disseram que ouviram a notícia e conversaram, comentaram
sobre o assunto. Eu já havia comentado sobre um meteorito que tinha caído
em Bendengó, lá nos anos de 1700 e tanto [...] e foi levado para um museu
no Rio de Janeiro [...] Eles mesmo que tiveram iniciativa de dizer “ah
professora não devia ter levado pra lá, devia ter deixado aqui, aí o pessoal ia
visitar aqui”. Eu fiz a atividade sobre o que eles viram na televisão, sobre o
que eles ouviram no rádio. Levei o jornal pra sala, mostrei a foto do lugar, e
tal [...] eu perguntei a eles: “se fossem vocês que fossem dar essa notícia,
como é que vocês dariam?” E a gente percebe que eles, embora tenham
dificuldade de ler o que está escrito, mas eles sabem se expressar, [...] a
gente aproveita também os fatos que acontecem no dia-a-dia. (P – Ciências)
O relato da professora mostra que os alunos participam das atividades quando eles têm
um conhecimento prévio do assunto, que eles estão atentos aos acontecimentos do mundo e
que sabem se posicionar quando são ouvidos ou quando são proporcionadas as oportunidades
adequadas. A participação dos alunos na atividade deve-se a exploração da oralidade em sala
de aula.
Destaca-se também na fala da professora a dificuldade que ela sente em sala de aula
para detectar e ajudar os alunos que apresentam dificuldades com leitura:
[...] às vezes, eu tenho dificuldade de descobrir, porque tem alunos que você
percebe, eles respondem, eles fazem a atividade ainda que erradas, mas eles
fazem. Aí você percebe que eles têm dificuldades de leitura, você percebe
que eles não correspondem ao que você perguntou por que eles não sabem
ler mesmo, não sabem decodificar o que está escrito, e tem uns que você
nem consegue fazer porque eles ficam lá no canto isolados, eu ainda não
peço para eles lerem alto, assim diante dos outros, às vezes eu chamo,
“venha cá, leia um pouquinho aqui comigo, eu lhe ajudo”. Porque eu sei que
ele tem dificuldade. Eu tenho dificuldade de fazer isso, principalmente
quando eu trabalhava com outras turmas também que eram muitos alunos, eu
tinha dificuldade de conhecer os alunos, de ver a particularidade deles.
Agora tá mais fácil porque eu tenho menos turmas, então eu posso visualizar
isso. Então eu tenho percebido que as séries, como você disse a quinta A e a
quinta B são melhores na alfabetização, a quinta C é que tem meninos
maiores parecem que vieram de escolas da zona rural. (P – Ciências)
A professora destaca que a grande quantidade de turmas que cada professor tem que
pegar para completar a carga horária semanal, interfere no processo de conhecimento dos
alunos. Sem conhecer as necessidades individuais é difícil realizar um trabalho satisfatório
que ajude o aluno a superar suas dificuldades. No dia a dia da sala de aula a professora aponta
63
que busca ajudar os alunos que têm dificuldades com leitura, apesar de considerar um trabalho
extremamente difícil:
Mas a gente ver como é difícil, eu acho difícil. Agora assim, eu tenho
tentado procurar fazer eles se familiarizarem com as letras, procuro ajudar,
não me importo de procurar alfabetizá-lo na quinta série, na sexta, na sétima
não me preocupa, o que eu quero é que eles não se sintam assim diminuídos
com isso, com a auto-estima baixa, com isso, aliás, é uma coisa que no
primeiro dia de aula eu sempre procuro trabalhar essa auto-estima deles. (P –
Ciências)
Apesar de achar que existe uma idade ideal para a criança se alfabetizar, a professora
não deixa de acreditar e de investir na alfabetização dos seus alunos. Além da leitura,
percebe-se que a mesma procura trabalhar com a elevação da auto-estima deles, tendo em
vista que tais alunos, devido a uma infinidade de fatores (defasagem idade/série, reprovações
sucessivas, moradores da zona rural, dificuldades de aprendizagem, etc.) tendem a ter uma
auto-estima baixa.
Durante a realização das atividades de sala de aula observa-se na fala da professora
algumas atividades com leitura relacionadas ao conteúdo da disciplina. Em relação ao ensino
de aspectos técnicos da leitura, a professora procura diversificar os tipos de leitura em sala de
aula: lê para os alunos, solicita leitura em grupo – cada aluno do grupo lendo um parágrafo,
leitura coletiva – alunos e professores lêem juntos, leitura comentada – lê um parágrafo e
comenta.
A professora aponta que dá algumas orientações antes da leitura, mas acredita que não
são suficientes:
Olha, às vezes, eu acho que peco um pouco nisso, eu não sou perfeita, mas,
eu peço pra eles lerem assim, às vezes, eu leio o texto todo com eles
primeiro e, às vezes, depois eu mando eles lerem assim[...] ‘cada pessoa do
grupo leia um pedaço, leia um parágrafo pra ir passando’. Mas, às vezes, eles
não entendem que isso é pra um ler pra os outros ouvirem. Aí, tem vez você
pega um lendo sozinho lá, quietinho, em silêncio, só pra ele mesmo. É a
dificuldade que eles têm de trabalhar em grupo, não sei se nas primeiras
séries, nas séries iniciais eles não tiveram esse exercício. (P – Ciências)
No trabalho com leitura em grupo a professora aponta que encontra dificuldades em
fazer com que seus alunos escutem a leitura do colega, destacando que os professores das
séries iniciais são responsáveis para trabalhar essa questão. Para ela, os alunos não foram
acostumados a realizar esse tipo de leitura nas séries anteriores. Destaca-se aqui, que a leitura
oral para o outro ouvir é muito complexa especialmente para os alunos que têm dificuldades
com leitura, tendo em vista que vários fatores estão interligados e contribuindo ou não para a
64
realização da leitura – entonação, preocupação em não errar na vista dos colegas, a pontuação
determinando a entonação, as pausas e em muitos casos a compreensão.
De maneira geral não se percebe orientações especificas antes da leitura, apenas
solicita-se que os alunos façam a leitura ou indica-se que tipo de leitura será feita: individual,
em grupo, por parágrafo, silenciosa, etc.:
Geralmente eu leio pra eles e, às vezes, eu leio com eles, eles vão me
acompanhando. (P – Ciências)
Percebe-se na fala da professora a necessidade de modelo de leitor para o aluno.
Quando ela lê, seus objetivos estão relacionados a fazer com que seus alunos escutem aquela
leitura, criem o hábito de ouvir a leitura de um texto, observando a pontuação, as pausas.
Entretanto, os resultados não são satisfatórios devido ao pouco tempo destinado a esse tipo de
leitura:
Eu acho que é pra ver se... eles aprendem a ter o hábito de...ouvir uma leitura
pontuada, que eles não fazem. Pra ver se ajuda, mas eu percebo que não tem
feito esse efeito, acho que é difícil. Porque também não é todo dia que a
gente faz isso, tem vezes, que a gente deixa que eles leiam só, mas quando a
gente lê, o objetivo é esse, é fazer eles ouvirem, pra ver se eles vão pegando
o hábito de ouvir uma leitura compassada, com a pontuação correta, se eles
vão aprendendo. Porque a gente percebe que eles lêem sem fazer a
pontuação correta. (P – Ciências)
Quando a professora faz a leitura de um texto para seus alunos, ela percebe que
melhora a compreensão deles sobre o texto lido. Pois faz uma leitura com pausas, usando a
pontuação correta:
[...] às vezes, eu acho que melhora um pouco a compreensão deles a respeito
do texto, quando a gente lê primeiro. Eles ouvirem a gente ler correto, quer
dizer, uma vez só não, mas quem sabe com o hábito, eles vão ouvindo,
ouvindo, aí vai pegando[...](P – Ciências)
É importante destacar que ouvir um texto, observando a pontuação, a entonação,
abstrair as idéias centrais são competências que precisam ser desenvolvidas na escola, por
meio da orientação do professor.
Durante a leitura a professora procura motivar os alunos relacionando a pontuação do
texto com alguns fatos do cotidiano dos seus alunos:
E a gente vai sempre dizendo pare um pouquinho, naquela mania que eu
tenho de... de trabalhar sempre com a realidade deles, eu digo assim: [...]
você vai pra casa, no caminho tem uma cerca onde é que você pára que
demora mais, quando você vai ter que pular a cerca ou quando você vai só
abrir a cancela. ‘Não Pró, abrir a cancela a gente abre mais ligeiro, é claro’.
65
Então faz de conta que aqui é uma cancela – é a vírgula, aqui é um ponto,
você vai demorar um pouco mais, você vai ter que pular... [risos] Eu procuro
usar esses exemplos pra ver se ajuda, pra ver se estimula. (P – Ciências)
Para ela, esses exemplos estimulam a percepção dos alunos nos aspectos estruturais da
leitura de um texto, consequentemente, melhora a compreensão sobre o texto lido. Ela utiliza
metáforas e analogias construídas ao longo do seu desenvolvimento profissional, ou seja,
conhecimentos que fazem parte da base de conhecimento do professor.
Em relação à leitura silenciosa, parece que não é muito trabalhada em sala de aula,
pois os alunos não realizam e se dispersam, especialmente os que apresentam dificuldades
com leitura, pois não compreendem o que lêem, sendo necessária a intervenção do professor:
Tem vez que eu peço leitura silenciosa, mas a gente interfere porque a gente
não consegue essa leitura silenciosa. (P – Ciências)
Percebe-se na fala da professora que muitas das suas intervenções estão relacionadas à
correção, ela afirma que interfere quando o aluno está lendo:
É, às vezes, eu posso estar pecando, mas, às vezes, eu procuro assim corrigir
[...] eu fico pensando se eu devia interferir, mas... eu interfiro porque se eu
não interferir a pontuação correta não vai ser feita e consequentemente eles
não vão entender o que estão lendo, é por isso que eu interfiro, mas às vezes,
assim, sempre que eu interfiro eu me lembro disso que a menina disse “ah
professora deixa a gente terminar primeiro depois a senhora corrige a gente.
(P – Ciências)
Na fala da professora destaca-se uma dúvida que permeia as atividades com leitura.
Como a intervenção que ela realiza geralmente está relacionada à correção de pontuação e
pronuncia correta de palavras, ela oscila se corrige e qual o momento certo para fazer essa
correção.
Durante a leitura oral a professora aponta que ao final do parágrafo faz comentários:
[...] a gente, às vezes, comenta, tem vez que a gente faz uma leitura assim: lê
um parágrafo, aí comenta sobre aquele parágrafo. (P – Ciências)
Ao final da leitura sempre são realizadas atividades escritas:
Depois a gente faz mesmo atividades escrita tentando interpretar aquela
leitura.[...] eu peço redação, eu não chamo de redação, mas, por exemplo, de
vez em quando eu faço uma questão assim, pra eles darem a opinião deles
sobre alguma coisa, só pra levar eles a escreverem – o termo levar não é bom
não, forçar eu não quero dizer também, pra que de alguma forma ele se
sinta... na condição de escrever, de dar a sua opinião sobre alguma coisa. (P
– Ciências)
66
É possível afirmar que nas atividades escritas, realizadas após a leitura, a professora
busca detectar se os alunos compreenderam o que leram e ao mesmo tempo busca colocá-los
na posição de leitor-escritor, capaz de se posicionar diante das questões apontadas pelo texto
ou levantadas por ela durante a leitura ou dos comentários prévios indicados sobre o assunto a
ser estudado.
Ao longo da entrevista, pode-se dizer que a professora traz na sua fala um conceito
mais amplo de leitura, articulando leitura de mundo com leitura da palavra. Apresenta grande
preocupação em fazer com que o aluno interprete a sua realidade, se posicionando
criticamente. Sua prática é marcada pela formação pautada em referenciais teóricos, pela
experiência da prática ao longo da carreira de magistério, mas também dos modelos de leitor
que teve:
A minha mãe era uma pessoa que não estudou muito, mas ela dava muita
importância a leitura, ela dizia que a leitura não deve servir somente pra
gente passar de ano, pra gente se formar e ter o diploma, mas pra gente se
conduzir melhor na vida, pra saber se virar. (P – Ciências)
No cotidiano da sala de aula tenta passar sua compreensão de leitura para seus alunos,
mas reconhece que não tem tido muito sucesso, pois o trabalho é difícil exigindo tempo e
trabalho coletivo, entretanto continua acreditando que realizar um trabalho que atenda as reais
necessidades de leitura dos alunos é algo possível de realizar e que precisa ser feito
independentemente da série ou disciplina.
4.1.2
Geografia
A professora...
Em 1985 concluiu a Licenciatura Curta em Estudos Sociais, em 2005 iniciou a PósGraduação latu sensu em Políticas do Planejamento Pedagógico – Currículo, Didática e
Avaliação, com previsão para término em 2007. A professora está se aposentando pela rede
municipal de ensino, mas continua a trabalhar na rede estadual, na qual, tem quinze anos de
atuação. Na rede municipal leciona nas séries finais do Ensino Fundamental e na rede estadual
leciona na Educação de Jovens e Adultos - EJA, perfazendo um total de quarenta horas
semanais. Em ambas as redes de ensino ministra a disciplina Geografia. Reside na zona
urbana onde trabalha com as turmas de EJA e na zona rural trabalha com as turmas das séries
finais do Ensino Fundamental.
67
Definição de leitura
Para a professora a leitura não se restringe a recitação da palavra, mas a interpretação
dada ao que se lê: “saber ler não é só saber falar a palavra é também saber interpretar”.
A leitura é concebida como fonte de informação e de conhecimento para o ser
humano:
[...] eu acho que leitura é uma coisa essencial, não só para o estudante, mas
pra pessoa de um modo geral, porque eu não conheço muito o mundo
viajando, eu conheço mais através da leitura, eu conheço muita coisa através
da leitura. Eu falo isso muito pra meus alunos. [...] eu acho que [a leitura] é a
única fonte, assim, pra o aluno ter mais informação, ter mais conhecimento.
(P – Geografia)
Para a professora a leitura se apresenta como essencial para o indivíduo. É uma fonte
de conhecimento cuja função não se limita aos ambientes acadêmicos. Sua definição de
leitura está relacionada às suas experiências enquanto leitora, considerando que ela conhece o
mundo lendo. No seu discurso é possível inferir que a leitura liga o “local” ao “global”, alarga
os horizontes, possibilita viagens, novas descobertas, conecta com o desconhecido. Nesse
sentido, ela acredita na leitura como possibilidade para o desenvolvimento do conhecimento
do aluno.
Relação escola e leitura
No discurso da professora é possível perceber uma compreensão de que a leitura na
escola é uma responsabilidade de todas as séries e de todas as disciplinas:
Eu acho que [o ensino da leitura] deve ser de todas as séries [...]. Em todas
as disciplinas Matemática, Geografia, História... Porque sem a leitura ele não
vai poder trabalhar nenhuma disciplina, nem Geografia, nem História, nem
Ciências, nem nada. Então ela é necessária [...] deve partir mesmo de
qualquer disciplina o incentivo pela leitura. (P – Geografia)
A professora compreende que sem o domínio da leitura não haverá um trabalho
satisfatório nas disciplinas, portanto cabe a todo professor incentivar o desenvolvimento do
aluno em leitura. Para tanto, ela aponta que o professor de Língua Portuguesa esteja junto,
dando um suporte maior:
[...] se eu me juntasse com o professor de Língua Portuguesa, pra ele dar
uma força maior, eu acho a gente poderia fazer um trabalho melhor para
alfabetizá-los, pra melhorar a condição de leitura e escrita deles, também na
questão... de incentivar pra que a gente pudesse levar ele a tomar gosto. [...]
eu falo assim no professor de Língua Portuguesa pra ajudar, mais como um
outro, com outra idéia. (P – Geografia)
68
A idéia do professor de Língua Portuguesa como aquele que vai dar o suporte, que vai
ajudar não se restringe apenas a formação específica desse profissional nos aspectos
referentes à língua materna, mas como um parceiro, um outro para trocar idéias na
coletividade.
De acordo com a professora, o professor das diversas disciplinas pode contribuir com
a aprendizagem da leitura nas suas aulas, por meio da interdisciplinaridade como uma
possibilidade para um trabalho melhor, buscando superar a fragmentação do currículo na
escola:
Pode, eu vejo assim, que... essa questão da interdisciplinaridade, deveria ser
tocada assim nas aulas, a gente não vê muito isso não, a gente vê ainda as
coisas bem separadas, entendeu, mas deveria sim, haver como se fosse um
intercâmbio, das outras disciplinas com a minha e da minha com a deles. (P
– Geografia)
Para a professora, no trabalho escolar deve-se privilegiar a troca entre os pares, por
meio de ações em que todos estejam comprometidos com o processo de leiturização do aluno.
A escola precisa realizar algumas ações que incentive a leitura:
Eu acho que deve incentivar o máximo, eu acho que até assim, nas paredes,
nos murais, é na biblioteca. Uma biblioteca munida, sempre renovando o
acervo pra leitura, porque, às vezes assim, aqueles livros que a gente coloca
lá, aqueles paradidáticos [...] eles lêem e depois eles cansam daquilo, tem
que tá sempre renovando. Então tem que ser uma preocupação da direção e
de todos. O professor também incentivando, levando revistas, recortes de
jornal, coisas assim da época [...]. Eu acho que tudo isso incentiva. (P –
Geografia)
A professora aponta que a direção e professores devem se preocupar em incentivar a
leitura na escola, levando diversos portadores de textos e explorando os diversos lugares –
paredes, murais e biblioteca com o intuito de colocar o aluno em contato direto com materiais
escritos. Ela afirma que a escola precisa investir muito na leitura e criar um ambiente propício
à leitura:
Sobre a escola... a questão da leitura, eu acho que a gente precisa investir
muito. Eu tô vendo que a gente parece que deu uma paradinha. Eu acho que
a gente devia incentivar mais a parte da leitura. Não sei, talvez a condição de
conseguir material com alguém. (P – Geografia)
Discutindo sobre a leitura na escola e a necessidade de conseguir materiais escritos
relacionados com a sua disciplina para colocá-los a disposição dos alunos, a professora aponta
algumas dificuldades que enfrenta com a falta de continuidade de determinados projetos em
relação à leitura na comunidade que reflete diretamente dentro da escola:
69
[...] eu tava pensando que, às vezes nas bancas de jornal saem assim, coisas
voltadas pra leitura, pro trabalho da gente em cada disciplina, mas de
repente, essas coisas saem, desaparece e a gente fica até no meio. Já cansei
de pegar, começar acompanhar livros assim, vamos dizer assim, livros
paradidáticos, alguma coisa assim que sai e eu começo a comprar. Depois
ele desaparece. Há, pouco tempo aqui botaram uma banca de jornal, eu sabia
que ela ia fechar porque ninguém compra, jornal, revista, livros assim, as
pessoas não ligam de comprar. Então parece até, não é um costume mesmo
das pessoas em querer ler. Então essas coisas acabam e a gente acaba
enveredando assim. (P – Geografia)
Para a professora, a falta de envolvimento, de acesso e de interesse pela leitura ou por
determinados portadores de textos – jornais, revistas, livros é muito presente na comunidade:
parece que as pessoas não têm costume de ler. Esses aspectos – cultura de leitura, ambiente
leitor extra-escolar – refletem diretamente dentro da escola, levando os professores a
perderem o interesse por esses materiais escritos, e consequentemente, não incentivando a
leitura dos mesmos pelo aluno.
Relação leitura e conteúdo específico
Para a professora a leitura é muito importante para o desenvolvimento do aluno na sua
disciplina, pois se constitui em fonte de conhecimento:
É muito importante, é primeiro... eu acho assim, mais como fonte de
informação mesmo, ela vem trazendo muita informação, quer dizer que essa
leitura vai ajudar mesmo. [...] que a gente procure estimular ele numa leitura
mais voltada pra realidade dele, ele vai se interessar mais, eu percebo muito
isso. Como em Jaguara23 mesmo, quando eu dou sobre Nordeste, é... eu
enfoco muito a região de lá. Então eu percebo que eles começam a ter mais
interesse pelos textos, pela leitura, porque ali dentro do livro, um livro que é
até voltado pra outras regiões, mas que também está a região deles, também
tá o interesse deles. Eles ficam mais interessados ainda porque eles se vêem
ali dentro. (P – Geografia)
A percepção da professora sobre a importância de estabelecer relações entre a leitura
do conteúdo específico de Geografia e a realidade do aluno é uma possibilidade para
estimular o interesse dele pela leitura dos textos da disciplina. Para a professora, quando
existe essa relação o aluno se identifica com os conteúdos contidos nos livros.
Entretanto, os alunos apresentam grandes dificuldades de leitura, fator que dificulta o
trabalho na disciplina:
23
Jaguara é um distrito na zona rural do município de Feira de Santana – BA onde está localizada a escola em
que a pesquisa foi realizada.
70
[...] é como se eles não tivessem um costume e uma base na leitura. Isso tem
dificultado muito eu trabalhar com Geografia. (P – Geografia)
Essa falta de base, de costume não tem sido suprida na escola. Encontra-se aqui um
paradoxo: como é possível ensinar o conteúdo da disciplina sem que os alunos leiam, visto
que a grande maioria das fontes desse conhecimento escolar é o texto escrito. Para a
professora a grande preocupação é apenas a transmissão do conteúdo, sem levar em
consideração as necessidades de leitura dos alunos:
[...] às vezes nós professores, estamos muito preocupados em dar conteúdo e
a gente não está levando muito o aluno ler. (P – Geografia)
A fala da professora aponta para a distância que existe entre o ensino do conteúdo
específico e as práticas de leitura em sala de aula. Sobre o conteúdo, ela ainda aponta a
linguagem geográfica como um outro aspecto que deve ser levado em consideração no ensino
da Geografia, pois apresenta termos especializados, próprios dessa área de conhecimento:
Nos textos, tem palavras específicas e a gente precisa muito da ajuda não só
do dicionário da língua portuguesa, mas da linguagem geográfica. E eu tenho
até falado pra eles, quando eu peço pra eles buscarem no dicionário eu digo:
olha essa palavra você vai encontrar no dicionário de Língua Portuguesa,
mas nós temos um dicionário da disciplina Geografia, que é o dicionário
geográfico, que nós não temos, mas o que você encontrar vai ser válido.
Então o que ele traz da Língua Portuguesa eu melhoro na condição
geográfica, entendeu? (P – Geografia)
Percebe-se na fala da professora a necessidade de transposição do conhecimento
geográfico para que haja uma compreensão do conteúdo. A leitura por si só não dá conta para
que o aluno se aproprie desse conhecimento, tornando o papel do professor imprescindível
nesse processo, tendo em vista, a necessidade de uma orientação maior e de elaboração de
estratégias de leitura que facilitem a construção do conhecimento de Geografia. A leitura traz
informações, mas é papel educativo da escola orientar o aluno a transformar essas
informações em conhecimentos.
É interessante destacar o objetivo geral do plano de ensino de Geografia elaborado
pela professora, o qual tem a pretensão de desenvolver a leitura de diversas fontes que tratam
do conteúdo geográfico:
[...] aqui eu coloquei assim: estimular o desenvolvimento da leitura e
interpretação de mapas, gráficos e documentos de diferentes fontes de
informações de modo que interprete, analise e relacione informações sobre
espaço. (P – Geografia)
71
A leitura se apresenta como um conteúdo procedimental, sendo pensada como meio
para construção do conhecimento de Geografia, permitindo ao aluno ir de uma leitura estrita
para uma mais ampla, ou seja, para interpretar, analisar, relacionar informações do conteúdo
específico.
Relação do aluno com leitura
Na relação do aluno com a leitura, ao ser questionada sobre as dificuldades de leitura
que os alunos apresentam, a professora afirma que eles têm muita dificuldade, não gostam de
ler, não têm costume de ler:
Meus alunos têm muita dificuldade... muita dificuldade, eu vejo assim, como
se eles não tivessem um costume e uma base na leitura. (P – Geografia)
Para a professora os alunos não têm base de leitura, portanto, não conseguem ter um
bom desempenho nas atividades propostas:
[...] às vezes ele lê uma frase ou uma... uma oração pra dar uma resposta e
ele não consegue dar a resposta daquilo que leu [...]. É essa dificuldade
justamente de transpor aquilo que ele acabou de ler. (P – Geografia)
A leitura que esse aluno faz é mais estrita, não existe uma compreensão sobre o que
está sendo lido, fator que gera dificuldades na sua aprendizagem. Para a professora eles não
conseguem fazer a transposição da leitura para dar as respostas esperadas por ela.
Outro aspecto relevante na fala da professora é a relação do aluno com a leitura e as
condições familiares:
[...] eu vejo assim, que não há muito interesse em querer ler também, gostar
de ler, eles parecem assim, que não gostam muito de ler.[...] E também a
questão de casa, eu acho que os pais... a vivência deles não é tão voltada para
a leitura. (P – Geografia)
A vivência no contexto familiar permeada por um escasso contato com a leitura é
apontada pela professora como um elemento que contribui para que o aluno não goste de ler.
São famílias de agricultores com pouca ou quase nenhuma escolaridade, e que os materiais de
escritos são pouco veiculados entre eles. Poderíamos inferir que para a professora falta um
modelo de leitor em casa para esse aluno.
O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Geografia
Para a professora a leitura se apresenta como um elemento imprescindível no
desenvolvimento de suas aulas. No cotidiano da sala de aula, quando faz atividades que
72
exigem do aluno leitura e interpretação ela se depara com um grande problema, pois é nesse
momento que as dificuldades de leitura dos alunos vêm à tona:
Quando eu faço uma atividade que ele tem que ler e interpretar pra dar a
resposta. Aí eu noto a dificuldade. (P – Geografia)
Para suprir as dificuldades de leitura que seus alunos apresentam, a professora afirma
que sempre realiza atividades que contemplam a leitura, que levem o aluno a ler:
[...] eu peço muito trabalho na parte de buscar no dicionário, se for reparar as
atividades deles têm sempre busque no dicionário, faça alguma leitura em tal
lugar, procure primeiro no livro de Geografia, depois você vá ao dicionário.
[...] eu fico procurando o que fazer para eu ver o aluno ler. [...] nós
estávamos sem o livro e eu fui distribuir o livro e a minha vontade... era
chegar na sala de aula e dar um trecho pra o aluno ler e dali a gente começar
a aula... a ler pra dali a gente partir pra aula. Eu acho importante essa leitura
diária na sala. (P – Geografia)
Essas atividades de leitura se apresentam como um momento anterior à aula, como um
pretexto para introduzir o conteúdo de Geografia.
Peço [que leiam] livros não muito extensos, algum trecho, algum texto,
assim, dentro de algum livro também voltado para a disciplina, já pra ajudar
na disciplina [...](P – Geografia)
Os textos utilizados na aula pela professora apresentam relação direta com o conteúdo
a ser trabalhado, ou seja, sempre serve de base, de introdução para explicação do conteúdo:
[...] a leitura que eu faço não é longa, é uma leitura justamente pra começar a
aula, pra dar uma aula, Então eu peço a eles que leiam, [...] depois eu vou
reler... eu leio e depois eu comento. Eu gosto muito de fazer uma leitura
comentada. [...] Eu peço assim, que eles leiam, e depois eles digam o que ele
compreendeu daquele trechinho ali, depois eu faço meu comentário, porque,
às vezes, não sai muita coisa, mas sai, sai de alguns, de outros não, a maioria
não. (P – Geografia)
Na fala da professora, é possível verificar que, na maioria das vezes, ela utiliza a
leitura comentada. E mesmo quando um aluno lê, ela faz questão de reler o mesmo parágrafo,
como uma forma de ajudar o aluno a compreender o conteúdo. Essa atitude pode estar
relacionada ao fato dos alunos não lerem fluentemente, devido às dificuldades que apresentam
em relação à leitura, mas também, à visão de ensino que permeia a prática da professora. Ela
aponta que dificilmente solicita leitura silenciosa para seus alunos:
73
[...] às vezes, é muito remoto deixar que eles leiam e depois eles me falarem
o que leram. Mas, de vez em quando, eu faço, eu não gosto muito porque eu
fico muito parada, e eu não gosto de ficar parada. (P – Geografia)
A ausência de atividades com leitura silenciosa pode estar atrelada à falta de controle
sobre o que o aluno está lendo, se realmente ele está realizando a leitura. O professor não tem
controle sobre esse tipo de leitura.
Nas atividades realizadas em sala de aula, a professora indica que antes da leitura não
faz nenhuma intervenção. Ela apenas solicita que leiam o texto. Durante a leitura é possível
verificar que são feitas algumas orientações quando os alunos não conseguem pronunciar as
palavras e ao final de cada parágrafo lido são feitos perguntas, comentários e/ou explicações:
A intervenção que eu faço, às vezes, quando eles tropeçam nas palavras, aí
eu ajudo. Eles têm assim dificuldades quando vêem uma palavra trissílaba,
proparoxítona, eles têm a maior dificuldade de falar, começam a tropeçar, aí
eu falo, faço alguma interferência. E também quando termina o parágrafo,
alguma coisa que eu quero explicar, então eu digo “pare aí um pouquinho”.
Eu pergunto ou explico. (P – Geografia)
Ao final da leitura a professora explica ou comenta o texto lido, solicita que o aluno
fale o que entendeu, passa questões, trabalhos com leitura de mapas ou produção de textos
escritos:
[...] eu faço na sala leitura comentada, justamente porque eu vou pedir algo,
um trabalho com mapas ou então um trabalho de atividades mesmo de
questões pra eles responderem, pra fazerem uma produção de texto. Por
exemplo, há pouco tempo eu fiz com a sexta série textos que eles... Eles têm
muito conhecimento, [...] na questão da poluição do rio, na questão
ambiental eles têm muito o que falar sobre isso aqui em Jaguara. Então eu
pedi uma produção de texto sobre a poluição no rio Jacuípe24 e eles fizeram.
(P – Geografia)
Essas atividades apesar de terem caráter de devolução do que foi lido, enfatiza o
conhecimento local, o conhecimento de vida dos alunos. É interessante destacar que a
professora reconhece que os alunos têm muitos conhecimentos sobre a região, fator que ela
aproveita para articular com os conteúdos da disciplina e com palestras que aconteceram na
escola:
[...] depois das palestras, das conversas de Laura25, das conversas de
Marialvo26 das nossas conversas em sala de aula, eles escreveram tudo. (P –
Geografia)
24
Rio que passa no distrito, e é utilizado como fonte de renda e de subsistência para alguns moradores.
Professora efetiva da rede municipal, ministra a disciplina Ciências na escola pesquisada, está fazendo
doutorado em Educação Ambiental.
25
74
Com essas atividades a professora indica que seus alunos ao produziram os textos
puderam expressar com maior facilidade os conhecimentos geográficos que têm sobre a
localidade onde vivem. Outro aspecto importante na fala da professora é a valorização do
diálogo com os pares, no sentido de socializar o conteúdo específico da sua disciplina. Esse
diálogo permite um trabalho interdisciplinar que facilita o desenvolvimento da aprendizagem
do aluno.
Diante do exposto é possível inferir, por meio das pistas encontradas na entrevista da
professora, que a leitura se apresenta como um elemento imprescindível para o
desenvolvimento das aulas de Geografia. Para a professora os alunos têm muitas dificuldades
para ler um texto, não gostam de ler e não tem costume de ler. Esses elementos estão
relacionados à grande preocupação em dar o conteúdo programático, à falta de base de leitura
dos alunos e ao contexto familiar desses alunos.
A leitura é concebida como um instrumento de informação e de conhecimento que
reduz o tempo e o espaço entre os seres humanos, uma vez que liga o local ao global: eu
conheço muito o mundo através da leitura, eu conheço muita coisa através da leitura.
Segundo a professora, a leitura deve ser assumida na escola como uma
responsabilidade de todos. No desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem devem
ser realizadas atividades que levem o aluno a ler.
Na fala da professora, pode-se perceber uma preocupação em colocar o aluno para ler,
entretanto ela aponta vários obstáculos que têm minado seu trabalho, a saber: os alunos não
falam, ou não participam da aula; falta um de incentivo maior à leitura na escola; a professora
fica impaciente para esperar a resposta do aluno; os alunos não têm referências de leitor no
seio da família; entre outros.
Percebe-se também indícios de possibilidades para o trabalho com leitura em sala de
aula: produção de textos a partir da relação entre os conhecimentos prévios dos alunos e o
conhecimento escolar; auxílio da professora com comentários que facilitam a compreensão do
que foi lido; diálogo entre os pares, por meio de palestras e atividades que envolvam os
alunos.
4.1.3 História
26
Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, atualmente vereador do município de Feira
de Santana.
75
O professor...
Licenciado em História e com Pós-Graduação latu sensu em História do Brasil, o
professor tem 15 anos de atuação no magistério. Na rede municipal trabalha com as séries
finais do Ensino Fundamental, na rede estadual trabalha com o Ensino Médio, perfazendo um
total de quarenta horas semanais. Devido à escola estadual não ter turmas suficientes para o
professor completar a carga horária semanal com a disciplina História, ele a complementa
com outras disciplinas – Geografia, Filosofia e Sociologia. Paralelo a docência o professor já
atuou como diretor da escola municipal. Reside na zona urbana e trabalha na zona rural.
Definição de leitura
Na fala do professor de História a relação leitura e escrita se apresenta como
conseqüência uma da outra, sendo possível perceber uma ênfase muito grande à escrita. Para
ele a escrita comunica o pensamento, assim, a leitura é uma relação dialética de apreensão
entre o imaterial/pensamento e o material/escrita:
[...] a leitura não é uma coisa morta, não é uma coisa estanque. Leitura é o
que? É a materialização daquilo que a gente pensa, daquilo que a gente fala,
daquilo que a gente vai imaterialmente construindo. (P – História)
A leitura comunica o pensamento e, portanto, é dinâmica, ela perpassa toda a vida do
indivíduo:
[...] desde os primeiros momentos de... que a gente começa a sentir
necessidade de... colocar no papel, de colocar na parede, de colocar no chão,
de colocar seja lá onde for, aquilo que a gente tá pensando, aquilo que a
gente tá falando, até o último momento da gente, então ela vai perpassar a
vida da gente toda.. (P – História)
Apesar dessa necessidade de materializar o pensamento por meio da escrita, o
professor aponta como negativa a forma como a mesma se impôs na nossa sociedade,
desvalorizando, negando a oralidade. Numa relação de poder a escrita termina atendendo a
propósitos de diferenciação:
E acho que a gente tem cometido uns pecados assim porque a gente tem
matado a tradição oral, a nossa cultura ocidental tem feito isso, tem matado a
tradição oral e não tem sabido fazer a ponte entre a permanência da
oralidade, porque ela se mantém, ela permanece em todas as sociedades, por
menos que a gente acredite, por mais que a gente bote assim “vale o que está
escrito”, mas o que está sendo dito ele tem uma importância. (P – História)
No processo histórico de construção da escrita a oralidade subsiste na sociedade com
suas marcas e sua importância, tendo em vista que a linguagem é um fenômeno oral.
76
Entretanto, o professor aponta que a leitura na escola se restringe apenas ao código escrito,
silenciando a cultura oral que está muito presente na comunidade. As tradições, as crenças e
os costumes são passados de pai para filhos por meio da oralidade e os professores não têm
conseguido articular essa cultura com a cultura escrita:
[...] a gente acaba definindo leitura apenas como a questão da decodificação.
A leitura é a decodificação. E o fora disso? Aquilo que inclusive a gente não
consegue decodificar ou não consegue codificar, por exemplo, a gente tá
numa comunidade que tem a bata do feijão, não é? É uma tradição que tá a
cada dia morrendo. É oral, aquilo que eles fazem hoje, é o que os pais, os
avós, os bisavós vêm fazendo há dezenas, centenas de anos e não tá escrito
em lugar nenhum não. A não ser que tenham vindo antropólogos, sociólogos
pra escrever, mas se escreveram ficou lá na academia não chegou pra eles. E
essa tradição se mantém, e aí você vai dizer que isso não presta, você vai
dizer que isso é negativo. (P - História)
Sendo a escrita um conhecimento escolarizado, a sua valorização em detrimento da
oralidade está muito presente na sala de aula. Dessa forma nega-se a cultura oral dos alunos
no ensino de História, estabelecendo-se uma distância entre os textos escritos e a cultura oral
em que esses alunos estão inseridos. Como conseqüência dessa distância passa a existir uma
falta de identificação entre o leitor e o texto, uma falta de identificação do aluno com o que
está materializado na escrita.
[...] a escrita ela acaba sendo a materialização do imaterial e a identificação
que a gente tem com isso que está materializado, porque se não houver
identificação, se aquela simbologia pra mim não me disser absolutamente
nada, ela nada significa. Por isso a dificuldade da leitura e inclusive na sala
de aula. (P – História)
O professor afirma que no processo de leitura é preciso que haja identificação entre o
leitor e o texto escrito, nesse sentido ele aponta que as dificuldades de leitura que seus alunos
apresentam na sala de aula vêm dessa falta de identificação com os textos de História, “[...]
porque muitas vezes o que está escrito não diz nada para ele” (P- História).
É possível perceber que a leitura é concebida pelo professor como uma prática que
extrapola a decodificação da escrita incluindo a leitura do mundo:
Essa leitura pode ser essa leitura que a gente tá falando da codificação e a
decodificação. A decodificação do que tá codificado, mas pode ser a leitura
daquilo que é a observação que ele faz nos laboratórios, no ambiente da
própria sala de aula, no ambiente externo. (P – História)
77
A concepção de leitura é ampla, tendo em vista que ocorre em diversos espaços e
situações, não restritas ao código escrito, ampliando para a observação que o indivíduo faz em
qualquer ambiente em que esteja inserido.
Relação escola e leitura
Segundo o professor, o processo de leitura e escrita se impõe na escola como uma
imposição superior de uma determinada visão de mundo, que impede uma possibilidade de
diálogo entre o oral e o escrito. Quando se adentra no mundo escolarizado o que passa a ser
importante são os cânones impressos nos livros, nesse sentido o professor afirma que:
[...] quando chega na escola você tem que escrever tudo que está no livro,
porque o livro que é importante. E a gente não tem sabido fazer a ligação, a
ponte como vocês chamam, dessa oralidade pra a escrita. Parece que a
oralidade é uma coisa “pe-ca-mi-no-sa” e a escrita é a evolução, então a
partir da escrita tudo é positivo, fora da escrita tudo é negativo. (P - História)
Essa dicotomia interfere diretamente no processo de leitura dos alunos,
consequentemente na aprendizagem dos conteúdos escolares, tendo em vista a falta de
identificação com os textos lidos.
Para superação dessa problemática, o professor indica a necessidade de o Projeto
Político Pedagógico direcionar as ações voltadas para a leitura como uma responsabilidade de
toda a escola visando contribuir com o desenvolvimento da competência leitora dos alunos.
Essa responsabilidade não se restringe a uma série específica, nem apenas a escola, mas se
estende também ao sistema educacional:
[...] Ou as escolas [...] colocam no projeto político pedagógico delas a
responsabilidade por fomentar nos alunos o domínio da lecto-escrita, ou a
gente vai ficar aí colocando os alunos pras séries seguintes, e saem do
Ensino Fundamental, do Ensino Médio sem dominar, como a gente tem tido
isso aí. Isso tem que fazer parte, independentemente de ser uma atribuição da
primeira, da segunda, da terceira ou quarta série. É uma atribuição constante
de todas as escolas, e se a gente não coloca isso no projeto político
pedagógico, se a gente não assume esse projeto, essa responsabilidade de tá
o tempo todo trabalhando [...] a gente vai conseguir um ou outro sucesso
aqui. Porque o que a gente percebe é isso, têm avanços, tem. Têm alunos que
estavam aqui numa situação catastrófica e hoje tá numa situação sofrível.
Pode avançar? Pode. Vai avançar? Vai. Mas são gotículas no oceano, se a
gente não fizer um trabalho mais fundamentado, um trabalho mais sério
mesmo, se não assumir isso como responsabilidade da unidade escolar, e no
nível da unidade escolar, no sistema educacional como um todo. (P História)
78
Para o professor se não houver uma ação coletiva voltada para o processo de ensino e
aprendizagem da lecto-escrita, planejada e assumida por todos os envolvidos no processo
educacional a problemática dos alunos saírem da escola sem o domínio do código escrito irá
se perpetuar, pois as ações isoladas e esporádicas são insuficientes para saná-la. Sem um
projeto que direcione o fazer pedagógico, o trabalho do professor vai ser limitado a pequenos
avanços.
Além do Projeto Político Pedagógico, é indicada como tarefa da escola e do professor
a necessidade da criação de mecanismos para que haja significação da escrita para o aluno,
com objetivos claros voltados para ele apreender o que a escrita materializou:
Porque isso me parece ser o desafio: a gente tentar fazer com que os alunos
percebam ou eles descubram, (...) a gente tem que criar mecanismos para
que eles percebam que aquilo que está escrito deve obrigatoriamente dizer
alguma coisa para eles, se não, não faz sentido, se não a gente vai continuar
nisso que a gente tá, a dificuldade dos níveis de apreensão da escrita. Porque
muitas vezes o que está escrito não diz nada para ele. (P - História)
Percebe-se também ao longo da entrevista com o professor algumas ações que devem
ser realizadas pela escola como um todo visando melhorar o desempenho do aluno em relação
à leitura: superar o discurso veiculado pela cultura escolar de que a leitura deve ser cobrada
apenas pelo professor de Língua Portuguesa; desenvolver um trabalho articulado entre as
diversas disciplinas por meio de uma coordenação que os ajude a vencer as resistências
individuais; trabalhar a leitura em cada série com as suas especificidades; reduzir a carga de
conteúdos para desenvolver um trabalho voltado mais para a leitura.
Além dessas ações o professor aponta a necessidade de um trabalho incessante com a
leitura, devendo ser cobrada por todas as disciplinas, mas a responsabilidade maior é apontada
para o professor de Português por ele ter uma formação específica na área:
A leitura tem que ser cobrada, trabalhada incessantemente todos os segundos
das aulas, em todas as disciplinas. É evidente que cabe uma responsabilidade
muito grande para o professor de Língua Portuguesa, pelo fato dele ter uma
qualificação que outros professores não têm, então cabe a ele uma
responsabilidade, nesse sentido, maior, mas não é exclusividade dele não. E
o desafio do professor de Português como dos outros todos é de estar
fazendo esse trabalho inter-relacionado com todas as demais disciplinas. E
uma coisa é que o professor de Português cobre..., cobre do aluno muito
mais do que o professor de História.”(P – História)
O desafio da escola com a leitura, de acordo com o professor, é desenvolver um
trabalho interdisciplinar, em que todos os professores tomem para si a responsabilidade de
79
cobrar a leitura do aluno, destacando uma posição diferenciada para o professor de Português
devido a sua formação na área.
Relação leitura e conteúdo específico
No processo de ensino e de aprendizagem a leitura se apresenta como um
conhecimento imprescindível para a compreensão dos conteúdos específicos de História. De
acordo com o professor, a História é uma das disciplinas que mais trabalha com leitura, todos
os recursos utilizados em sala de aula são textos escritos e, portanto, há necessidade do aluno
ter um domínio básico dela. A leitura é fonte do conhecimento histórico, sendo um dos
procedimentos mais utilizados na disciplina independente da metodologia utilizada em sala de
aula: um ensino tradicional ou um ensino atual, dinâmico, crítico:
História [...] ela basicamente trabalha com leitura e com escrita. Me parece
que colocando-se a parte Língua Portuguesa, das disciplinas todas aquela
que tem um maior instrumental de equipamento de trabalho centrados na
leitura e na escrita é História. Matemática você pode ir por outros caminhos,
mas História basicamente se você não tiver o domínio da leitura fica
complicado. Não é que os outros não tenham, tem que ter, mas a História é
texto, você tem que ler textos, você tem que interpretar textos, você tem que
viajar nos textos. E você só viaja se você se identifica, e você só se identifica
com aquilo que você entende, com aquilo que você conhece, com aquilo que
você gosta. (P - História)
A falta de domínio da leitura dificulta a aprendizagem do conteúdo da disciplina pelo
aluno devido a grande necessidade de ler e interpretar os textos:
O aluno que não sabe ler em História ele avança pouco, sobretudo História
que é uma disciplina que o instrumento dela é a leitura e escrita. [...] para
que eu possa entender o menor texto de História e a referência que esse texto
tá fazendo a esse ou aquele episódio, a esse ou aquele fenômeno, ou eu tenho
domínio ou eu não tenho. (P - História)
O conteúdo de História veiculado pelo texto não contribui para o aluno que tem
dificuldades com leitura avance. Para o professor o aluno não consegue identificar - se com o
que lê. Essa falta de identificação também está atrelada ao gênero do texto considerado como
maçante, com uma linguagem difícil, distante do aluno:
Um texto de História, aí eu vou falar mais da minha área, um texto de
História, eu entendo que [...] dado as características do que tem se tornado
História ao longo dos tempos, na sala de aula, um texto de História ele é
mais maçante, ele é mais... difícil pra os meninos poderem se identificar.[...]
um texto assim, fica complicado pra o aluno se... agradar com a leitura e
interagir com aquela própria leitura, ele se identificar com aquela leitura. (P História)
80
Diante do exposto é possível observar uma grande diferença entre o discurso sobre o
ensino de História e sobre os meios utilizados para trabalhar o conteúdo na disciplina. O
professor expõe a compreensão que tem sobre o texto de História ao longo dos tempos, e a
dificuldade enfrentada por ele em trabalhar o conteúdo específico da sua disciplina em
decorrência da dificuldade de leitura que os alunos apresentam, como também, da quantidade
de textos escritos, os quais apresentam características específicas da linguagem científica,
com termos específicos da historiografia que dificulta ao aluno perceber a relação desses
textos com a sua vida:
[...] trata de coisas que é... são difíceis do aluno perceber quanto aquilo faz
parte da vida deles. Se você desenvolve uma metodologia tradicional você
vai trabalhar com coisas que já aconteceram e, portanto estão distantes do
aluno. Se você trabalha com uma metodologia mais atual, mais dinâmica,
mais crítica, mais envolvente, você tem a dificuldade de fazer com que esse
aluno se perceba dentro disso. Porque trabalhar com o que é novo não é
fácil, trabalhar com aquilo que faz pensar, também não é fácil, sobretudo
quando nós, professores, não tivemos essa preparação. (P - História)
Observamos assim, a compreensão do professor sobre o ensino de História ao longo
dos tempos. A História numa visão tradicional é feita por outros, está à parte da nossa vida, no
passado. Numa visão mais dialética, mais atual ela faz parte da nossa vida, estamos inseridos
nela no passado, no presente e no futuro, fazemos a História:
E a gente, nós enquanto professores, nós temos essa dificuldade, de fazer
com que os alunos entendam que a História é feita por eles, por nós, a
História não foi feita pelos outros. (P - História)
As duas visões presentes no cotidiano da escola colocam o professor num constante
impasse no uso da metodologia a ser utilizada em sala de aula para o ensino do conteúdo: a
tradicional distancia o conteúdo dos alunos pela falta de envolvimento e domínio dos textos; a
crítica distancia pela necessidade de reflexão. Ambas exigem o domínio da leitura, domínio
este que os alunos não têm e que o professor devido a sua formação não se vê com preparação
para transpor o que ele concebe para a prática pedagógica. Para o professor esse impasse é
decorrente da falta de preparação nos cursos de formação inicial:
Porque nós professores de História, e posso até dizer assim, inclusive e
sobretudo os que estão sendo hoje qualificados nas universidades do mundo
afora. Que não pode generalizar, mas nós estamos saindo sem a devida
preparação de trabalhar aquela História que a gente ouve, dos grandes...
ouve, lê e vê, os grandes teóricos da historiografia estariam falando que a
História tem que ser assim, a História tem que ser nós, estamos sendo muito
mal qualificados e evidentemente se nós não formos bem qualificados, nós
não desempenharemos um papel legal. (P - História)
81
Existe uma grande distância entre “o que os teóricos dizem” e o fazer pedagógico, os
cursos de licenciatura estão voltados mais para a formação do historiador, do pesquisador do
que para a formação do professor de História:
É um curso de licenciatura, mas o que se discute lá, vamos discutir muita
teoria de História, que eu acho que é importante, tem que discutir também
[...] a gente precisa disso, mas precisa também dos mecanismos todos para
fazer com que essa teoria possa... seja possível de chegar ao alunado. [...] se
nós temos um curso de licenciatura, evidentemente que a gente não tá ali
precisando de especialistas27. O curso não é feito pra preparar especialistas, é
feito pra preparar professores que vão sair com o domínio do conteúdo, mas
também com o domínio das técnicas, dos métodos que serão necessários pra
que aquele conteúdo seja da maneira mais inteligente, agradável e fácil
possível ser trabalhado com os alunos. E me parece que falta isso. (P História)
No processo de formação inicial percebe-se a falta de associação entre teoria e prática
pedagógica. Existe uma ênfase muito grande no conhecimento teórico específico da disciplina
em detrimento dos conhecimentos pedagógicos necessários para a efetivação do trabalho em
sala de aula.
Além da falta de associação entre conhecimento específico da área de formação e
conhecimento pedagógico sobre o ensino e a aprendizagem, falta também uma relação mais
estreita com a realidade escolar em que esses professores serão inseridos:
Porque quando a gente cai aqui, por exemplo, a gente pega alunos que tem
que alfabetizar. Como é que a gente vai fazer alfabetização se a gente não
aprendeu a alfabetizar. (P - História)
O professor em diferentes momentos enfatiza a importância do domínio básico da
leitura que os alunos das séries finais do Ensino Fundamental deveriam ter, apontando a sua
falta de competências para desenvolver um trabalho com a leitura que atenda as reais
necessidades desses alunos:
Boa vontade apenas não é suficiente, é um bom pedaço do caminho andado,
mas não é suficiente, por exemplo, o que nos falta e falando especificamente
de mim, o que me falta são competências pra trabalhar de maneira adequada
a leitura com esses meninos [...] (P - História)
A falta de competências para o trabalho com a leitura na escola é apontada como uma
problemática que permeia a prática dos demais professores que não são da área de Língua
Portuguesa devido à formação inicial e a falta de domínio de conhecimentos específicos dessa
27
Por especialista está sendo compreendida a formação voltada unicamente para a pesquisa, que acontece nos
cursos de bacharelado.
82
área que possam auxiliar no desenvolvimento das atividades. É importante destacar que nos
cursos de Graduação os professores de Língua Portuguesa também não são preparados para
alfabetizar, entretanto, os demais professores apresentam dificuldades maiores do que eles
para realizar o trabalho com leitura em sala de aula:
[...] eu quero voltar a enfatizar a questão da... dificuldade [...]dos professores
que não são da área de Língua Portuguesa tem de desenvolver esse trabalho,
primeiro pela má formação da gente, no sentido de que nós não temos os
instrumentos necessários pra fazer é... as cobranças que devem ser feitas, no
que diga respeito ao domínio da Língua Portuguesa ou domínio da leitura ou
domínio da escrita. Nós não temos esse instrumental. (P - História)
Diante dessa falta de competências e suporte para a realização do trabalho com leitura,
o professor indica a necessidade de uma articulação maior entre os departamentos visando
uma formação mais ampla do licenciado. Destacamos assim, a importância de um projeto de
curso de formação de professores articulado com as diversas áreas do conhecimento.
[...] a gente faz uma graduação, a gente tem que não ficar... restrito apenas
a... ao curso que gente tá fazendo, o qual a gente tá se qualificando. Pra
trabalhar a escrita, por exemplo, pra trabalhar a leitura, por exemplo, ou a
gente tem um suporte dos departamentos de educação [...] de pedagogia,
letras, ou a gente tem um suporte ou a gente não vai pra lugar nenhum. (P História)
Segundo o professor, a formação voltada apenas o domínio do conteúdo específico e
teórico de História não tem sido suficiente para uma prática mais efetiva, mais condizente
com a realidade concreta da escola. Ele estabelece a relação da leitura com a História, mas
também destaca aspectos relacionados à formação do professor para atuar nessa perspectiva.
Relação do aluno com a leitura
A relação do aluno com a leitura é compreendida pelo professor como uma relação de
distanciamento, pelo fato do aluno não dominar os símbolos – significado/significante.
Muitos dos alunos não têm o domínio elementar da escrita e conseqüentemente da leitura:
[...] têm muita dificuldade, o domínio..., o domínio dos símbolos. Nos
significados e nos significantes daqueles símbolos, eles têm uma dificuldade
enorme [...] muitos dos alunos de oitava série eles não têm o domínio
elementar, o domínio básico da escrita. É a decodificação, eles têm
dificuldades disso, é o aluno que... coloca letra maiúscula no meio da
palavra. Numa frase, por exemplo, coloca... um nome próprio com letra
minúscula. (P - História)
83
O professor aponta que os alunos apresentam dificuldades para decodificar até o que
eles escrevem:
[...] mas eles têm essa dificuldade. Me atendo mais a questão da leitura, eles
têm dificuldades de decodificar aquilo que eles mesmos escrevem. Por quê?
Porque aquilo que eles estão escrevendo está acontecendo de maneira
mecânica, ele necessariamente [...] não está pensando sobre o que ele está
escrevendo. (P5 – História )
É interessante destacar que essa dificuldade do aluno em decodificar aquilo que
escreve está atrelada à atividade mecânica da cópia. O estudante consegue copiar, desenhar no
caderno a atividade, mas não sabe ler, não existe identificação da representação daqueles
códigos para ele. Para o professor, dessa falta de domínio da leitura decorrem os problemas
com grafia: “a gente sabe que eles têm problemas muito sérios de grafia” (P - História).
O professor aponta que os níveis de apreensão da leitura e escrita são diferentes de
aluno para aluno. Nesse sentido, encontra-se na escola uma variação muito grande desses
níveis, que é percebida pelos professores no momento em que são cobradas atividades com
leitura e escrita e na própria fala desses alunos:
Eu percebo a dificuldade com leitura nos momentos da leitura, porque a
gente cobra leitura deles, nos momentos em que eles são solicitados a ler,
eles se recusam a fazer, é, alguns acabam fazendo e fazem com bastante
insegurança, outros fazem..., e a insegurança é levada muito por conta deles
mesmos saberem que eles não têm o domínio disso, no momento da fala a
gente percebe que aquela fala, ela acontece daquela maneira porque eles não
têm o hábito e o domínio da leitura. A gente percebe no momento da escrita
deles também. Aquilo que a gente fala, quem não tem o domínio da leitura
provavelmente vai ter uma escrita, quase com certeza, vai ter uma escrita
muito complicada. (P - História)
A falta de hábito de leitura tem sido uma questão muito enfatizada na fala do
professor. Os alunos que são recebidos na escola – alunos da zona rural, vindo de regiões
onde a oralidade predomina mesmo que a escrita esteja presente e que têm um contato com o
código escrito de maneira mais efetiva na escola – não têm esse hábito. Além disso, não
gostam de ler, são acanhados e segundo a percepção do professor a leitura em sala de aula
para esses alunos é sinônimo de tortura, de drama:
[...] os meninos não têm o hábito de leitura, pelo menos os que nós aqui
recebemos, eles não têm o hábito de leitura, [...] eles são muito acanhados,
eles se escondem pra não ler, muitas vezes porque eles têm noção de que
eles não estão lendo bem. E por conta disso, me parece que a leitura vira um
drama, vira uma tortura pra eles, [...] boa parte não gosta de ler. (P História)
84
Outro aspecto apontado pelo professor na relação aluno e leitura é a variante
lingüística, denominado por ele de vícios de linguagem que os alunos apresentam e que são
refletidos na leitura e na escrita:
[...] eles têm vícios de linguagem. E esses vícios de linguagem são difíceis
de serem corrigidos... tipo problema, aí ele lê [pobrema, probema]. (P História)
Os problemas de apreensão da leitura que os alunos apresentam se manifestam de
maneira mais evidente na disciplina História cuja base do trabalho em sala de aula tem sido os
textos escritos:
Seja na disciplina que for, essa dificuldade de leitura, de... absorção da
leitura, de apreensão da leitura eles têm. E aí, quando a gente chega numa
disciplina como História que trabalha basicamente com textos, a gente
percebe que a coisa é terrível. (P - História)
Essa falta de hábito, de apreensão, de identificação com a leitura, de gostar de ler, de
uma linguagem oral segundo a norma culta e de prazer com a leitura permeia a fala do
professor.
O processo de ensino e aprendizagem de leitura em História
No desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem o professor aponta a
necessidade de oferecer um modelo de leitor para o aluno. Ele indica que todo professor
enquanto modelo de leitor necessita ter coerência entre o que fala e o que faz:
[...] o professor tem que dar o tempo todo exemplo de que lê, gosta de ler,
ele tem que tá na medida do possível lendo, fazendo questão de que o aluno
perceba ele lendo. Ele tem que ter um linguajar que leve o aluno a refletir
que aquele linguajar dele, aquela forma dele falar é resultado dos
quilômetros e quilômetros de leitura que ele já tenha feito ou que ele esteja
fazendo. Uma outra coisa, ele tem que mostrar não apenas que ele lê, mas
que ele gosta de ler, que ler é bom, que ler é prazeroso, que escrever é
prazeroso. Na medida em que ele passar uma atividade para os alunos, ele
tem que tá fazendo essa atividade também, por exemplo, [...] eu gosto de
passar texto para os alunos e aí eu passo ditando, mas passo muito
escrevendo, porque eu mesmo estou fazendo, pra mostrar pra eles que aquilo
pra mim não é nenhum sacrifício.[...]Você procurar cada vez mais rebuscar o
seu linguajar, mas não rebuscar no sentido de dificultar pra eles, e nem de se
distinguir, de fazê-lo perceber que é interessante você falar de maneira como
se diz aí, de maneira correta, se é que existe maneira correta ou não de falar.
(P - História)
Na fala do professor percebe-se uma ênfase no modelo da linguagem escrita. O
professor não deve se eximir de dar exemplos que contribuam e estimulem os alunos para a
85
realização de atividades com leitura dos textos tratados na disciplina de maneira efetiva e
prazerosa.
No cotidiano da sala de aula são desenvolvidas atividades rotineiras em que, na
maioria das vezes, a leitura é utilizada apenas como procedimento para comunicação ou
verificação do conteúdo. Como a disciplina História trabalha basicamente com textos escritos,
as atividades privilegiam a cópia e a leitura de textos. Uma das dificuldades apontadas pelo
professor tem sido a falta do livro didático na escola, fator que gera outros problemas – gastase muito tempo copiando textos por meio de cópias escritas no quadro ou de ditados:
[...] É... a gente gasta muito tempo fazendo isso, eles dizem que a gente perde
tempo. Na verdade eu não entendo que a gente perca tempo porque como há
uma carência na... no domínio da escrita, eu acho que aquilo é até mais um
exercício, apesar de ser maçante, apesar de ser muito enfadonho, a gente fica
às vezes, duas ou três aulas, quatro aulas, pegando uma hora aula. Às vezes, a
gente fica quatro aulas pra copiar um texto que tenha o que, no máximo duas
laudas, porque também eles têm uma dificuldade de escrita. Então isso faz
com que o tempo seja absorvido, na maior parte das vezes, pela escrita. Mas
eu acho que isso tem dado resultado, é um resultado muito lento. Se a gente
for medir a gente percebe que o efeito prático disso tem sido muito pequeno.
(P – História)
O professor reconhece que os textos escritos no quadro se tornam atividades
enfadonhas, por isso “eu vou sempre alternando, eu escrevo no quadro pra eles, outras vezes,
eu dito pra eles, até pra, pra criar o hábito de ouvir bem”. O ditado se torna um procedimento
não apenas para o registro do conteúdo, mas também para desenvolver habilidades de ouvir.
Apesar de perceber as limitações desses procedimentos, não se detecta na fala do professor
estratégias que possam estimular os alunos para a realização dessas atividades.
O trabalho com leitura se dá por meio dos procedimentos utilizados para a transmissão
do conteúdo da disciplina, dando ênfase a cópia e a construção de textos:
[...] eu trabalho com os textos, com a construção de textos, primeiro cópia do
textos, segundo a própria construção de textos, eles mesmos constroem, [...]
eu peço pra que eles façam interpretação de textos, análise de texto. Então
na medida em que eles vão fazer análise, eles vão tá construindo textos. [...]
outras atividades eu peço que eles leiam na sala, que eles demonstrem e
interpretem aquilo que eles mesmos fizeram. Nesse momento é que eu to
cobrando leitura deles, como também eu cobro leitura dos textos que eu
entrego pra eles. Então a prática da leitura e da escrita elas... elas andam
muito parelhas. Sendo que, no meu caso em particular, eu cobro mais a
escrita do que a leitura. (P - História)
Nas atividades realizadas durante as aulas o professor afirma que cobra a leitura dos
alunos “a gente cobra muito a escrita, cobra muito a leitura, e a gente acaba definindo leitura
86
apenas como a questão da decodificação” (P - História). Essa cobrança se restringe aos textos
escritos por meio de leitura silenciosa, leitura comentada, e em determinados momentos
leitura pelo professor.
Em relação às orientações realizadas na aula para ajudar o aluno a compreender o que
lê, percebe-se que são orientações relacionadas a aspectos de estrutura do texto escrito, o
professor indica que cobra a pontuação do texto e chama a atenção para fazer a leitura
buscando entender o que está sendo lido:
[...] duas coisas que são insistentemente cobradas por mim. Uma é no
quesito domínio leitura, aí eu cobro muito pontuação. A outra orientação que
eu dou é de que eles fiquem atentos a aquilo que eles estão lendo, ou seja,
não leiam mecanicamente apenas [...] ao mesmo tempo que você tá lendo,
você vai fazer esse exercício, é um exercício mental, você vai ler e vai tentar
entender o que é que você está lendo. (P - História)
Ao ser questionado sobre pistas que poderiam ser dadas antes da leitura de um texto
sobre o conteúdo e alguns marcadores que facilitam a compreensão do aluno, o professor
afirma que, às vezes, dá algumas orientações:
[...] não de maneira sistemática, vez ou outra eu faço, se você me perguntar
em que circunstâncias, em que situações eu faço isso, eu vou te dizer com
toda certeza, geralmente eu faço isso nos momentos em que a gente tá
fazendo uma atividade, assim... que eu peço a eles que façam uma análise de
texto, ai eu dou um pequeno texto de... dois ou três ou quatro períodos, não
mais que isso, às vezes, até menos. E digo a eles leiam isso, vejam o que é
que tá proposto lá em cima, qual é o tema, qual é o título, peguem a idéia
principal e vejam se o restante é só a explicitação da idéia principal.
Geralmente eu faço isso nesses momentos, agora em outros textos eu
também faço, mas de maneira esporádica, não de maneira sistemática. (P História)
Durante a leitura de textos o professor indica que as intervenções que faz se limitam a
correções de palavras ou expressões e se percebe que o aluno está com dificuldades na hora
em que está fazendo uma leitura oral ele procura não deixar esse aluno constrangido, tomando
a palavra para discutir o que foi lido e em seguida solicita que outro aluno continue a leitura
ou ele próprio a realiza:
Quando eu percebo que aquele aluno a quem eu solicitei fazer a leitura,
passados assim, um período ou dois períodos ele lê muito lentamente, ele lê
com muita dificuldade, ele vai a cada palavra diminuindo o tom de voz dele,
eu digo a ele ta bom, vou discutir esse período. Aí eu vou, explico aquele
período, imediatamente eu passo a leitura pra outro ou eu mesmo continuo a
leitura. (P - História)
87
Durante a leitura silenciosa, o professor aponta que fica observando os alunos, e se
perceber que tem algum necessitando de ajuda ele faz alguma intervenção:
[...] eu só faço interferência nos momentos que eu vejo que chegou num
determinado momento do texto que eu tô vendo que ali não tá saindo nada,
não tá adiantando, não tá avançando, porque tem uma ou outra palavra. Ai
eu chego ali próximo, mas falo de um jeito que só aquele aluno ou aquela
aluna possa ouvir, eu pergunto se tá difícil. Tem uns que dizem que sim, têm
outros que dizem que não. Os que dizem sim, eu vou lá e leio. Aí leio pra
que a pessoa possa corrigir. Mas também são casos mais, mais raros, não é
com muita freqüência que isso acontece não. (P - História)
Ao final da leitura o professor procede com atividades avaliativas para que o aluno
demonstre o que entendeu. Ele solicita análise de texto, construção de textos, questões escritas
e orais.
[...] geralmente são atividades de interpretação porque eu quero que eles me
mostrem o que é que eles entenderam depois que aquela leitura foi feita. [...]
às vezes não são atividades que eles tenham que escrever, eles também vão
me responder oralmente [...] eu solicito muito deles, que eles falem, que eles
oralmente dêem as respostas, ou digam o que é que eles tão entendendo do
texto. (P - História)
O trabalho com a oralidade expresso pelo professor está atrelado à devolução do
conteúdo, a uma resposta já determinada. Apesar da necessidade apontada pelo professor
sobre o modelo de leitor, durante as aulas são poucas as situações em que o professor lê para
os alunos: quando o aluno solicita ou quando precisa avançar no conteúdo:
Quando eu vou cobrar a leitura que eu percebo que eles estão com muita
dificuldade, e que de alguma forma a gente até precisa avançar, aí eu leio o
texto em voz alta pra todos eles. (P - História)
O professor indica que na sala de aula as atividades de leitura precisam ser prazerosas
e desafiantes para melhorar o nível da lecto-escrita dos alunos, entretanto tem encontrado
dificuldades para a concretização:
[...] colocar os meninos para lerem, colocar os meninos pra escreverem, e
mais que isso, fazendo isso de maneira que aquilo possa ser agradável, possa
ser prazeroso, por que se não for continua sendo mecânico e ele continua
tendo a resistência dele. Esse desafio eu particularmente até agora não
consegui, eu não tô conseguindo levar vantagem. Tenho feito isso, mas não
tô conseguindo levar vantagem. (P - História)
A dificuldade enfrentada pelo professor precisa ser pensada na busca de alternativas
que possam contribuir para a aprendizagem dos alunos. É interessante destacar que mesmo
tendo consciência de que as atividades de leitura devam ser prazerosas, no discurso do
88
professor, nota-se que essas atividades realizadas nas suas aulas vêm associadas ao termo
cobrança, como também, não se nota indícios de superação no trabalho desenvolvido visando
suprir as necessidades que o aluno apresenta.
Ao longo da apresentação dos dados é possível afirmar que a concepção de leitura
apresentada pelo professor aponta grandes possibilidades para a realização de um trabalho
mais coerente com as reais necessidades dos alunos. Entretanto, nas ações pedagógicas
descritas pelo mesmo, pode-se inferir que ainda falta uma articulação maior entre o discurso e
as práticas, um planejamento que se volte para um trabalho que leve em consideração os
diversos aspectos da leitura.
As pistas encontradas são de fundamental importância para a consolidação de uma
prática que leve em consideração as condições de produção da leitura na escola que dissocia
leitura de mundo e leitura da palavra. De acordo com o professor, o nível de leitura dos alunos
poderá aumentar à medida que houver um projeto articulado entre a unidade escolar e o
próprio sistema educacional.
Destaca-se a consciência sobre a falta de competências dos professores que não são da
área de Língua Portuguesa para realizar um trabalho satisfatório com leitura em sala de aula.
Em parte, é possível comungar com a posição do professor de que a formação inicial
não tem dado conta de fornecer os elementos que os futuros professores precisam para a
realização desse trabalho, devido à lógica fragmentária que permeia o currículo desses cursos.
Em parte, porque o presente trabalho fundamenta-se na concepção de que a formação se dá ao
longo da vida, em espaços e tempos diferenciados e que no exercício da docência o professor
se depara com casos que lhe proporciona uma reflexão, e consequentemente, desencadeia
outros espaços de formação.
Verifica-se também na fala do professor a necessidade de diversos conhecimentos –
disciplina, método, técnicas, alfabetização, para o desenvolvimento do processo de ensino e
de aprendizagem da leitura nas diversas disciplinas, ou seja, dos conhecimentos específicos da
área que leciona, dos conhecimentos pedagógicos, mas também, de outros que se constituem
ao longo do exercício da docência.
Outro ponto a ser destacado é a reflexão, percebe-se no discurso do professor uma
reflexão sobre alguns elementos constituintes do ato pedagógico que lhe causa inquietação:
[...] eu tava pensando nisso hoje na sala quando eu tava copiando algumas
coisas pra os meninos, é... dado as características do que tem se tornado
História ao longo dos tempos, na sala de aula, um texto de História ele é
mais maçante, ele é mais... difícil pra os meninos poderem se identificar. (P
– História, grifos meus)
89
A reflexão na ação por si só não promove a mudança, é necessária uma reflexão sobre
a reflexão na ação. Percebe-se assim, que o professor tem consciência das limitações da sua
prática, identifica pontos que necessitam ser transformados – um texto de História é mais
maçante, mais difícil, mas no que se refere ao ensino da leitura não tem conseguido fazer a
transposição entre suas concepções e o fazer pedagógico. Não tem conseguido contribuir para
que os alunos desenvolvam o gosto pela leitura, especificamente pela leitura em História.
4.1.4
Língua Portuguesa
A professora...
Licenciada em Letras Vernáculas no ano de 2000 e com Pós-Graduação latu sensu em
Língua Portuguesa e Gramática, a professora tem oito anos no exercício da docência.
Atualmente possui dois vínculos trabalhistas sendo, 20 horas na rede municipal onde trabalha
com as 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental28 lecionando as disciplinas de Português e
Redação, e 20 horas na rede estadual onde trabalha com o Ensino Médio lecionando as
disciplinas de Literatura e Redação, perfazendo um total de quarenta horas semanais. Reside
na zona urbana onde trabalha com o Ensino Médio e trabalha na zona rural com as séries
finais do Ensino Fundamental.
Definição de leitura
A definição de leitura que a professora apresenta está relacionada não apenas a
decifração do código escrito, mas a decifração do mundo, tendo em vista que para ela ler é
atribuir significados:
Leitura é uma palavra que tem um significado tão amplo. Porque não é a
leitura de texto, mas como Paulo Freire fala, é a leitura de mundo,
justamente a leitura de mundo, acho que ler é você decifrar [...] é atribuir
significados [...] atribuir significados é uma coisa muito subjetiva porque
depende de quem lê, a leitura da palavra depende da leitura de mundo. Às
vezes eu leio e tenho uma compreensão, já você lê e tem uma outra
compreensão. Por quê? Porque eu vou entender aquilo de acordo com os
meus conhecimentos prévios e você com os seus. Minhas experiências, todas
as relações que faço, eu posso atribuir um sentido e você pode atribuir outro
sentido. (P – Língua Portuguesa)
28
Correspondendo ao Ensino Fundamental de oito anos.
90
Para a professora é difícil definir leitura devido à amplitude do seu significado. Podese inferir que a leitura enquanto processo de decifração e atribuição de significados é um
processo individual e subjetivo que depende das experiências ao longo da vida de cada leitor.
Numa visão mais ampla, a professora aponta que tudo que está no mundo pode ser
lido, nesse sentido, a leitura não se restringe apenas ao código escrito:
A gente precisa de leitura sempre. O tempo todo, como eu te falei antes, tudo
pode ser lido. Se você tem uma equação matemática, para você resolver
aquela equação, você tem que ler. Você tem que decodificar, você tem que
compreender, você tem que interpretar [...](P – Língua Portuguesa)
Segundo a professora, a leitura compreende um processo de decodificação,
compreensão e interpretação nas diversas esferas do conhecimento, vista como um processo
inerente ao indivíduo.
Relação escola e leitura
A professora acredita que a leitura deve ser trabalhada em todas as séries e em todas as
disciplinas, pois no cotidiano da escola todo o trabalho realizado depende de leitura:
Tem que trabalhar [a leitura] não só em uma série específica, mas em todas
as séries. [...] independente da disciplina, a leitura é necessária e importante.
(P – Língua Portuguesa)
Entretanto, ela aponta que na escola existe uma visão permeando a prática dos
professores das demais disciplinas em atribuir a responsabilidade de leitura apenas para o
Professor de Língua Portuguesa:
No meu primeiro ano lá em Jaguara, quando a gente fez a avaliação
diagnóstica no início, é, foi um consenso geral de todos os professores que
aquela avaliação diagnóstica deveria ser corrigida pelos professores de
Português, como se apenas os professores de Português soubessem ler.[...]
Ali, não eram questões de estrutura da língua. Não precisava aprofundar
nada, não tinha nada de sintaxe, de morfologia... Qualquer professor de
qualquer série faria. (P – Língua Portuguesa)
Para a professora existem questões referentes aos aspectos estruturais da língua que
realmente são de responsabilidade do professor de Língua Portuguesa, mas dentro da escola
nas atividades com leitura aspectos relacionados à decodificação, a compreensão e a
interpretação devem e podem ser trabalhados por todos os professores e em qualquer série:
91
Eu acho que eles [os professores das diversas disciplinas] podem contribuir
colocando o aluno para ler. Desenvolvendo atividades que levem o aluno a
prática da leitura. (P – Língua Portuguesa)
Além das práticas de leitura em sala de aula que possam colocar o aluno numa posição
de leitor, a professora aponta que a escola precisa investir em um ambiente alfabetizador, em
lugares de leitura:
Acho que aquela questão do ambiente alfabetizador. Então, eu acho que toda
a escola e não só a sala de aula, toda escola tem que ter esse ambiente
alfabetizador. Ter sempre alguma coisa, alguma informação pra o aluno.
Achei interessante o mural que [a Coordenadora pedagógica] fez agora. Ela
colocou “informe –se” e colocou um texto lá. Ai como eu tenho acesso a
revista já pensei levar uma novidade pra colocar lá no mural, pra despertar a
atenção dos alunos que tão lá lendo. Então ali, nas paredes mesmo, nos
corredores, cartazes... lá na escola tem muitos cartazes. Então eu acho
interessante porque o aluno pára pra ler. (P – Língua Portuguesa)
A escola tem diversos espaços e lugares destinados para a leitura que precisam ser
renovados com informações e notícias interessantes que despertem o interesse do aluno.
Nesse sentido, ao se colocar também como responsável para levar portadores de textos, a
professora concebe que esse trabalho não pode se restringir apenas a um membro específico
da escola, mas a toda comunidade escolar.
Outro destaque que a professora dá em relação ao incentivo à leitura na escola é o uso
da biblioteca por meio de empréstimo de livros:
[...] essa questão de livro, dos livros paradidáticos é uma coisa muito boa. A
gente lá, não tem um número muito grande, mas um número que dá para
trabalhar com as turmas, então eu vejo isso como uma contribuição muito
boa para a leitura. Agora eu acho que a direção poderia fazer para incentivar
mais a leitura seria o empréstimo do livro pra levar para casa. Porque eles
pegam no livro na escola, o aluno não tem em casa. [...] Hoje não tem uma
pessoa na escola para fazer isso, tá faltando [uma pessoa] para assumir a
responsabilidade de anotar, fazer a ficha do aluno, anotar quem pegou e
quando devolver [...](P – Língua Portuguesa)
Para ela, a direção deve criar mecanismos de empréstimos de livros para o aluno levar
para casa, tendo em vista que para a maioria dos alunos, o contato com livros se dá quase que
exclusivamente na escola. Na fala da professora percebe-se a indicação de um bibliotecário,
um profissional indispensável para a criação e manutenção de bibliotecas nas escolas, e
conseqüentemente, com o incentivo à leitura.
92
Relação leitura e conteúdo específico
Em relação aos conteúdos específicos e ao trabalho com leitura a professora aponta
que não é possível fazer uma separação. Os conteúdos gramaticais são trabalhados a partir de
textos, os quais também fazem parte do conteúdo da disciplina, exigindo que o professor e/ou
aluno façam a leitura:
[...] todo conteúdo gramatical que eu trabalho vem pautado no texto. No
planejamento eu coloco só os conteúdos gramaticais, agora esses conteúdos
gramaticais eu trabalho no texto. [...] no meu planejamento eu não deixo
explícito o trabalho com a leitura, mas tudo passa pela leitura. (P – Língua
Portuguesa)
A professora afirma que apesar de não deixar explicito no planejamento a leitura
perpassa todo o trabalho em sala de aula. Ao se fazer a análise do plano de ensino de Língua
Portuguesa percebeu-se que a forma como os conteúdos estavam organizados privilegiava
apenas os aspectos gramaticais do conteúdo específico dessa disciplina. Entretanto, os
procedimentos pedagógicos presentes no plano apontavam para a realização de um trabalho
que contemplava a leitura. Durante a entrevista, ao observar seu plano mais detalhadamente a
professora redimensiona seu olhar para alguns aspectos presentes que ela não tinha
observado:
Eu pensei assim, pelo planejamento aqui ela não vai perceber que eu
trabalho com leitura na sala. Porque no planejamento isto não está claro. Eu
pensei assim. Eu não tinha atentado para isso. (Risos) Pra mim só tinha
gramática aqui. Eu peguei essa atividade29 só para te dar um exemplo. Eu
não vi no planejamento. Aí, pensei, vou separar essa atividade para ela ver
como é que eu trabalho. (P – Língua Portuguesa)
Durante a entrevista, na análise do plano de ensino, a professora aponta que apesar da
palavra leitura não aparecer, seus objetivos contemplam o trabalho com leitura:
Está contemplando, ‘desenvolver a competência de construir textos orais e
escrita de acordo com a norma culta’, é uma questão totalmente de leitura;
tem pra onde correr? (P – Língua Portuguesa)
Para o aluno construir um texto oral ou escrito, a professora trabalha antes com a
leitura de texto, por isso a afirmação de que seus objetivos contemplam a leitura, apesar da
ausência da palavra leitura no plano de ensino, fator que ela observou durante a entrevista.
Por meio do texto a professora trabalha todos os conteúdos gramaticais, ou seja, os
aspectos estruturais da língua:
29
Atividade escrita com textos realizada em sala de aula , selecionada pela professora para análise durante a
entrevista.
93
[...] todo conteúdo gramatical que eu trabalho vem pautado no texto... aqui,
por exemplo, nessa atividade eu trabalhei com três textos, três versões de
uma mesma fábula: o texto em prosa, o texto em verso e a gente explora
conteúdos gramaticais dentro do texto.(P – Língua Portuguesa)
É possível afirmar que o texto se apresenta como pretexto para o trabalho com
gramática. Segundo a professora, os alunos se apropriam dos conteúdos gramaticais por meio
da leitura, do trabalho com o texto desenvolvido em sala de aula. Para ela os aspectos formais
da gramática ou o ensino sistemático da gramática não deve ser o fio condutor do trabalho de
Língua Portuguesa nas séries finais do Ensino Fundamental:
Tem um tempo já que eu li os PCN, mas eu lembro de uma parte que fala
sobre isso, que no Ensino Fundamental a gente não deve trabalhar
sistematicamente a gramática de forma explicita, isso deve acontecer no
Ensino Médio. Mas no Ensino Fundamental deve-se trabalhar com o texto
porque a gramática está no texto. Eu acredito muito nisso, eu acho que cada
texto que o aluno lê, ele tá se apropriando dos conhecimentos gramaticais
através da leitura. (P – Língua Portuguesa)
A leitura se apresenta como um instrumento fundamental para a disciplina de Língua
Portuguesa, não apenas por ser um conteúdo específico dessa disciplina, mas por ser
imprescindível para a compreensão do leitor em qualquer área do conhecimento.
[A leitura] É fundamental, não por que é Língua Portuguesa, mas em
qualquer área pra você compreender, você tem que ler. Como é que você vai
compreender se você não lê? (P – Língua Portuguesa)
Para a professora a leitura é um conhecimento fundamental para todas as áreas, só
existe compreensão se houver leitura. A percepção da professora em relação ao trabalho com
o texto na sala de aula é marcada pela sua participação em cursos que de certa forma contribui
para rever, reforçar ou redimensionar sua prática pedagógica:
Eu tomei [...] uma oficina de 3h, mas super interessante, não sei se você
conhece Professora Nadja da UEFS. [...] Ela trabalha com Metodologia da
Língua Portuguesa a aí ela falou que tem um autor - não lembro do nome,
que tem uma teoria que todas as disciplinas devem trabalhar no texto, até
mesmo a matemática, deve ser trabalhada com o texto. (P – Língua
Portuguesa)
Além dos cursos, a professora busca referências na sua experiência como aluna
durante seu processo de escolarização para entender determinados comportamentos dos
alunos nas suas aulas:
Também tem a questão da timidez [...] me lembro no meu tempo de aluna,
ninguém ouvia minha voz na sala não. Hoje eu falo. Falo em reuniões, às
vezes, eu preciso me policiar pra não tá falando de mais. Mas na sala de
94
aula, até no Ensino Médio eu não falava nada, ninguém ouvia minha voz.
Nem o professor conhecia minha voz. [eu queria.] que ele me instigasse. Era
o que eu queria. (Risos) (P – Língua Portuguesa)
Hoje, ao refletir sobre o seu processo de escolarização a professora busca instigar seus
alunos para participarem das aulas, querendo não repetir o erro que seus professores
cometeram com ela. Os alunos são diferentes e respondem a estímulos diferentes. Cabe ao
professor procurar descobrir quem são os alunos que precisam de ajuda por dificuldade ou por
timidez e realizar a intervenção necessária.
Relação do aluno com leitura
Para a professora as dificuldades com leitura que os alunos apresentam estão
relacionadas à atribuição de sentido ao que lê. Eles fazem um tipo de leitura mais restrita:
Eles têm muita dificuldade. Meus alunos, eles lêem o texto e eles têm
dificuldades de atribuir sentido aquele texto. Não é que eles não saibam ler.
[...] eles decodificam, agora eles não conseguem é compreender, então lê,
mas não conseguem dizer sobre isso, qual foi o assunto, por exemplo, da
leitura. Eles têm essa dificuldade, explicar com as próprias palavras aquilo
que leu. Então, eu acho que eles têm mais dificuldades em atribuir sentido.
(P – Língua Portuguesa)
Os alunos decodificam, mas não compreendem, não fazem inferências sobre o que
leram, fazem um tipo de leitura linear. Essa forma de leitura é percebida quando os alunos
respondem uma questão escrita:
Quando eu coloco alguma questão para eles responderem, escrita, eles
querem recortar a resposta do texto. Aí eu percebo que eles têm dificuldade
em entender aquilo que estou pedindo. (P – Língua Portuguesa)
Parece que a professora realiza questões que levam os alunos a fazerem inferências
sobre o texto. Nesse sentido, eles não conseguem responder, pois sempre buscam recortar,
copiar respostas literais no texto. Para a professora os alunos podem realmente ter
dificuldades, mas também pode ser que eles não querem pensar, refletir sobre o que leram:
[...] eu percebo que eles têm dificuldade em entender aquilo que estou
pedindo ou então eles não querem, assim, pensar no que leram. Eles querem
ver qual é a pergunta e procurar no texto onde é que está a resposta para
aquela pergunta e simplesmente copiar. Então a gente percebe que eles não
querem refletir sobre o que leram. (P – Língua Portuguesa)
É importante destacar que, muitas vezes, o aluno não consegue dar uma resposta
satisfatória ao professor devido à presença de palavras desconhecidas para ele no enunciado
95
da questão. Às vezes, o professor não atenta para a necessidade de ler o enunciado, de
verificar se está claro para o aluno o que está sendo solicitado visando ajudá-lo a ampliar seu
vocabulário dando sentido a essas palavras. Geralmente o professor trabalha com palavras que
para ele são óbvias, mas que não fazem parte do vocabulário dos alunos:
Eles não sabiam o que era semelhança... “Professora o que é semelhança?”
Semelhança é aquilo que é parecido. (risos) Alguns alunos têm vergonha de
perguntar e a gente trabalha com determinadas palavras porque a gente pensa
que o aluno conhece aquela palavra. (P – Língua Portuguesa)
Outro aspecto que se destaca é a resistência dos alunos em relação à leitura de textos
grandes, segundo a professora essa resistência está relacionada à dificuldade com leitura que
eles apresentam:
A textos longos, eles têm [resistência]. Mas, aí a gente percebe que deve ser
também pela dificuldade que tem de entender aquilo que leu. Porque se o
texto é pequeno fica mais fácil pra refletir sobre ele. Um texto mais longo a
reflexão tem que ser mais densa... Há preferência por textos pequenos. [...]
Eu prefiro não trabalhar textos longos demais, porque se o objetivo é
executar... eu acho que vai chegar esse momento em que eles vão pegar um
texto de duas páginas para ler sem reclamar, mas eu acho que isso é um
caminho a percorrer. (P – Língua Portuguesa)
A professora acredita que o trabalho com a leitura de textos extensos é um processo a
ser desenvolvido sem pressa, se os alunos tiverem a oportunidade de ler textos menores,
menos densos irão aos poucos criando o hábito de ler independente da extensão do texto. É
importante destacar que nem sempre os textos menores são menos densos ou de mais fácil
compreensão.
A participação oral dos alunos é outro elemento que a professora aponta como fator
importante no processo de leitura:
Tem turma que a gente precisa controlar porque todo mundo quer falar de
vez. Já tem turma que eles ficam inibidos, não sei se é vergonha de falar, a
gente precisa estar instigando, apontando o nome, sabe, pra falar. (P –
Língua Portuguesa)
No cotidiano da sala de aula, após a leitura de um texto, a professora aponta que
existem turmas em que os alunos participam ativamente das aulas, em outras eles ficam
inibidos, sendo necessário que o professor faça uma mediação mais intensa, mais individual.
96
O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Língua Portuguesa
Como já foi citada anteriormente, a participação dos alunos na sala de aula acontece
de maneira diferenciada por turma. A professora aponta que em determinadas turmas poucos
alunos participam da aula quando lhes são feitos questionamentos, após a leitura.
[...] geralmente eu faço assim, eu leio o texto, apresento o texto, faço a
leitura, depois eu solicito que eles também façam a leitura, aí eu faço alguns
questionamentos relacionados ao texto. E eu percebo que numa turma de
quarenta alunos, dois ou três conseguem falar sobre aquilo que acabou de
ler. Então, os outros ficam calados. (P – Língua Portuguesa)
O trabalho com leitura de textos em sala de aula, geralmente segue alguns passos, a
professora lê o texto, comenta sobre o texto, os alunos fazem a leitura e em seguida são feitos
questionamentos orais. A professora afirma que sempre lê o texto antes para os alunos:
Todas as atividades que envolvem a leitura de um texto eu leio [...] eu leio o
texto antes, depois eu sorteio alguns alunos também para fazerem a leitura.
O texto em verso a gente ler em coro. Eu leio sozinha pra eles ouvirem
depois eu leio junto com eles. [...] muitas vezes, o aluno lê e ele não
compreende porque ele não lê com a pontuação. Eu faço a leitura para eles
ouvirem, pra eles acompanharem a pausa da vírgula, a pausa do ponto, a
interrogação, a exclamação, pra eles entenderem também a pontuação e
quando eles forem fazer a leitura já observem essas coisas. [...] a pontuação
pode mudar o sentido do texto totalmente [...] [o aluno não compreende]
talvez seja por isso também, por não fazer a pontuação. Às vezes, quando
eles lêem sem a pontuação, eles não conseguem dizer o que leram, não
conseguem compreender o texto. Então quando eu leio para eles, que eu
termino de ler o texto. Eles já sabem do que é que o texto tá falando, eles já
tem uma idéia do texto, já sabe qual é o assunto que o texto tá tratando, quais
são as idéias do texto. Então quando eles vão fazer a leitura eles já vão fazer
a leitura sabendo do que é que o texto tá falando. (P – Língua Portuguesa)
No desenvolvimento de atividades com leitura, a professora se posiciona como modelo
de leitor para o aluno. Ela credita que realizando a leitura para o aluno ouvir está facilitando o
processo de compreensão dele sobre o texto. Quando ele for ler o texto estará mais atento a
pontuação, entonação, estrutura do texto e ao próprio conteúdo do texto, tendo em vista que a
professora antes da leitura faz uma exposição sobre o tipo de texto apontando o assunto a ser
abordado por ele. Às vezes, a professora dá o texto para o aluno fazer uma leitura silenciosa
primeiro, mas antes da realização dessa leitura ela faz comentários sobre o texto visando
facilitar o processo de leitura dos alunos:
[...] eu distribuo o texto, eu peço que eles façam uma leitura silenciosa,
quando eu vejo que eles terminaram a leitura silenciosa aí eu leio o texto
para eles ouvirem. Depois eu peço que alguns alunos leiam também.
Geralmente eu apresento o texto antes, não entrego logo assim, apresento o
97
texto, falo a tipologia. Na tipologia falo o que é uma fábula30, explico o que é
uma fábula. (P – Língua Portuguesa)
Outro aspecto importante no trabalho com leitura realizado pela professora é a
construção de textos orais com os alunos.
[...] em certos momentos construir textos orais. Eu sempre faço assim,
primeiro construo com eles os textos orais pra depois a gente passar para a
escrita [...] Eu acho essencial. Primeiro a gente constrói oralmente para
depois passar para a escrita. Porque se ele tem dificuldade em compreender,
então quando o professor tá ali construindo junto com ele, leva o aluno a
compreender aquilo que ele não conseguiu compreender sozinho. Todo texto
que eu trabalho com eles a gente tem que construir, eu construo junto com
eles textos orais para depois passar para a escrita. Acho que é uma atividade
muito boa para ser desenvolvida em qualquer disciplina. (P – Língua
Portuguesa)
Antes de realizar o trabalho com a escrita a professora trabalha a construção de textos
orais, pois acredita que é uma atividade essencial para a compreensão da leitura pelos alunos,
principalmente para os que têm dificuldades em compreender o que lêem.
Durante a leitura que os alunos realizam a professora não faz intervenções:
Durante a leitura eu não gosto de interferir porque eu acho que é a ... de cada
um. Eu espero eles terminarem de ler. (P – Língua Portuguesa)
Ao término de cada leitura a professora sempre faz interpretação oral questionando os
alunos sobre o texto lido. Quando os alunos vão realizar uma atividade escrita, já foi feito um
trabalho de compreensão do texto por meio da oralidade:
Quando eles terminam de ler, eu leio e depois sempre antes da interpretação
escrita eles fazem a interpretação oral. A gente trabalha as idéias do texto
oralmente. Interpretação oral, vou questionando o texto pra saber se eles
conseguiram compreender o que leram. Então eu vou questionando o texto e
eles vão respondendo. ‘O que vocês entenderam?’ Eu não sei se estou indo
pelo caminho certo ou não, mas eu começo a questionar o texto, porque eu
sei que ele não vai sozinho, o aluno não vai sozinho sabe? Desenvolvendo,
colocando aquilo que ele compreendeu do texto. Aí inicialmente eu pergunto
também.[...] Eu pergunto ‘você compreendeu o texto? O texto tá falando
sobre o que?’ Sempre começo assim. ‘Ah o texto tá falando da raposa’31. E
fala o que dá raposa? Eu vou começar a questionar até o aluno conseguir
retratar aquilo que ele percebeu no texto. (P – Língua Portuguesa)
Segundo a professora esse trabalho de exploração do texto orientado ou instigado por
ela contribui para “guiar” o aluno que, na maioria das vezes, não consegue adentrar no texto.
30
A professora está se referindo apenas a fábula, pois era o texto trabalhado na atividade escrita que ela levou
para a análise durante a entrevista.
31
Se refere a fábula selecionada na atividade escrita que a professora levou para análise.
98
Destaca-se aqui, que é função do professor fazer a mediação entre o conhecimento do aluno e
o conhecimento do texto lido. Ao ser questionada sobre quais aspectos são mais explorados
no texto a professora afirma:
[...] eu acho que antes de qualquer coisa eles têm que compreender a
mensagem do texto, não? Claro que eu comentei com eles, o assunto dos
textos... Qual é o assunto dos três textos? Ai eles vão falar o assunto. E o que
existe de semelhança nos três textos32. ‘Ah, tá falando a mesma coisa, os
personagens são os mesmos’. E o que fala desse personagem? ‘Ah, o
personagem principal é a raposa’. E o que tá falando da raposa? E ai eu vou
instigando para eles irem me contando aquela história que eles leram. [...]
‘Se você tivesse no lugar da raposa teria desistido ou buscaria alternativas?’
Pra ele pensar em toda a situação e se colocar como personagem da história,
como ele teria agido. (P – Língua Portuguesa)
Percebe-se que ela explora muito a oralidade ao término das leituras, com uma
preocupação mais voltada para mensagem ou conteúdo que o texto aborda. Por meio de
questões mais fechadas ela explora os elementos que permitem a reconstrução oral do texto, e
com questões abertas ela procura levar os alunos a elaborarem uma posição pessoal sobre o
texto lido.
A professora aponta que deve existir uma preocupação na seleção dos textos, tendo em
vista que de uma série para outra existem fatores que precisam ser considerados pelo
professor:
Eu acho que o que a gente faz como professores, se a gente tá trabalhando
com a 5ª, a gente tem que levar um texto que aquele aluno, naquela idade,
com aquela vivência que ele tem, seja capaz de interpretar aquele texto,
porque se o aluno está na 5ª série, o leque de conhecimento dele não é tão
vasto quanto o de um de 8ª. Então a gente tem que escolher um texto de
acordo com a idade e a série do aluno, mas que ele precisa estar
decodificando pra compreender, precisa. (P – Língua Portuguesa)
Para a professora a seleção dos textos deve levar em consideração a idade, os
conhecimentos prévios e a série do aluno. Pode-se inferir que o leque de conhecimentos do
aluno de uma série para outra a que a professora se refere são os conhecimentos escolares,
mas pode ser também a vivência de cada um. É importante ressaltar que o critério idade não
deve se dissociar dos interesses, dos conhecimentos escolares e da vivência desses alunos.
Para a professora esses elementos são de suma importância quando atrelados à decodificação
que se torna elemento imprescindível para a compreensão de um texto.
O trabalho com os textos é guiado por um roteiro de atividades que a professora faz
anteriormente ao trabalho em sala de aula:
32
A professora apresenta três versões diferentes da mesma fábula.
99
Isso aqui é o meu roteiro33 (risos). É o assunto, a página do livro, aqui é uma
questão que eu acrescentei e aqui os passos que deveria seguir: ler o texto,
relacionar substantivos criados e aí vem criar novos pares para as palavras.
Você conhece o texto “Marcelo, martelo, marmelo” [...] Foi com esse texto
que a gente trabalhou nesse dia, Marcelo acha que os nomes não são
adequados para as coisas e aí ele começa criar nomes, eu até mudei aqui eu
coloquei que criasse um nome para... ai eu listei, depois eu desisti dessa
idéia, deixei que eles mesmos escolhessem os objetos e recriassem os nomes
dos objetos. (P – Língua Portuguesa)
O roteiro que a professora cita se referia a uma atividade com um texto, cujo objetivo
era trabalhar alguns conteúdos gramaticais. Percebe-se esse roteiro não é algo fixo, uma vez
que a professora aponta que não seguiu completamente, deixando que os alunos escolhessem
as palavras que iriam trabalhar.
A professora destaca que para trabalhar os conteúdos gramaticais ela se apóia em uma
gramática, que segundo ela apresenta esses conteúdos a partir de textos:
[...] ela34 traz a gramática no texto, não trabalha a gramática pela gramática.
Olhe, ta vendo? Exercício, texto. Aqui é um texto grande, mas geralmente os
textos são pequenos, uma piadinha, uma informação, uma poesia.[...] Bem
diverso, uma poesia, trabalha muito com texto lacunado também. Acho
interessante essa atividade: deixa a lacuna dos advérbios, deixa as lacunas
dos substantivos, para o aluno preencher. Ela não deixa de trabalhar os
conteúdos gramaticais, mas sempre com contexto. Agora o que eu acho que
falta nessa gramática aqui é trabalhar a interpretação, que ela coloca o texto,
trabalha o conteúdo gramatical, mas não trabalha o entendimento do texto.
Aí é uma coisa que eu já faço a parte com eles. (P – Língua Portuguesa)
A fala da professora aponta para um trabalho que contempla tanto os aspectos
estruturais da Língua Portuguesa como para o entendimento do texto. A professora apresenta
uma visão de que se o livro didático é insuficiente para dar todos os elementos que devem ser
trabalhados com os alunos cabendo ao professor criar situações em que esses elementos sejam
oferecidos.
Destaca-se também na fala da professora formas de trabalhar a compreensão do texto e
de incentivo à leitura:
Se bem que existem outras formas de interpretar. A dramatização... às vezes,
não trabalho muito não. Eu já trabalhei com a reescrita do texto, trabalho
com desenhos, peço para eles desenharem alguma coisa que represente
aquilo que eles perceberam no texto. Eu gosto muito de trabalhar com filmes
[...] No ano passado eu comecei um trabalho, depois eu desisti por que achei
que não estava dando certo. Um dia na semana eu ia com os alunos para a
biblioteca e deixava que eles escolhessem aquilo que eles queriam ler. E aí
33
Roteiro escrito de uma atividade desenvolvida em sala de aula que a professora levou para análise durante a
entrevista.
34
Refere-se a uma Gramática escolar que a professora levou para a entrevista com o objetivo de mostrar como
trabalha o conteúdo gramatical na disciplina.
100
eu levava também jornais, eu levava revistas em quadrinhos, é Placar revista de jogos. E aí eles ficavam na biblioteca só lendo, no início
funcionou, foi muito bom, mas quando eles viram que não ia ter cobrança
nenhuma, eles começaram a se desinteressar. Aí eu parei porque não estava
funcionando. Porque eu sei que a gente deve também incentivar a ler pelo
prazer de ler e escolher aquilo que ele gosta de ler, sem cobrar nada, não sei
por que não deu certo. (P – Língua Portuguesa)
O trabalho com a leitura em sala de aula, apesar de poder ser desenvolvido de diversas
formas e em diversos espaços, termina sendo apenas a leitura de textos escritos e discussão do
texto por meio de questões orais e escritas. As demais formas encontram obstáculos, pois
muitas vezes os alunos estão habituados a uma única forma de trabalho dentro da escola – ler
para dar uma resposta ao professor. Nesse caso é imprescindível que o professor faça uma
reflexão sobre o por que de não ter dado certo, porque não (re)planejar a atividade ao invés de
não realizar mais.
Realizar atividades que contemplem a leitura é um objetivo que deve nortear a prática
do professor. Para a professora a forma que ela tem de ajudar os alunos a superar suas
dificuldades com leitura deve ser colocar os alunos para ler:
[...] o que devo fazer para ajudar esses alunos é executar a leitura, porque eu
acho que quanto mais você lê, quanto mais você reflete, quanto mais você
pensa naquilo, mais facilidade você vai ter de... eu acredito assim, que se eu
posso fazer meus alunos a melhorar nesse aspecto é levá-los a ler. Trabalhar
bastante a leitura, priorizar. (P – Língua Portuguesa)
Em suas palavras pode-se inferir que se aprende a ler lendo, no entanto é
responsabilidade do professor levar os alunos a lerem, por meio de situações em que a leitura
seja priorizada.
Por meio da fala da professora pode-se inferir que sua compreensão de leitura vai além
da decodificação, para ela os problemas de leitura que os alunos apresentam estão
relacionados à compreensão do que foi lido. Os alunos que apresentam dificuldades de leitura
sabem decodificar, mas não conseguem atribuir significados. Nesse sentido, o professor das
diversas disciplinas pode ajudar os alunos a desenvolver habilidades de compreensão por
meio de intervenções com esse objetivo.
Segundo professora a leitura é imprescindível em qualquer disciplina, por isso a
necessidade de todo professor trabalhar a leitura em suas aulas, colocando os alunos para ler –
‘se aprende a fazer fazendo’. A direção da escola deve investir em espaços e materiais para
incentivar a prática de leitura pelos alunos.
101
O relato da sua prática pedagógica nos dá indícios de que a leitura é sempre explorada,
mesmo quando o objetivo é trabalhar conteúdos gramaticais, passando para os alunos
exemplos de leitor, que lê e relê o texto, atribuindo diversos significados ao que foi lido.
4.1.5
Matemática
A professora...
Licenciada em Matemática, a professora tem 12 anos de atuação no magistério na rede
municipal de ensino, trabalha com todas as séries finais do Ensino Fundamental, com uma
carga horária de quarenta horas semanais na mesma escola. Ministra a disciplina Matemática
e também Geometria para complementar sua carga horária. Está fazendo um curso de
Teologia e pensa em fazer especialização na área de atuação. Além desse curso, a professora
está participando do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA. Reside
na zona urbana e trabalha na zona rural.
Definição de leitura
Ao definir leitura, a professora fala da sua importância para a Matemática, buscando
redimensionar a concepção de que nesta disciplina as pessoas só precisam saber fazer
cálculos:
[...] geralmente as pessoas acham que o pessoal de Matemática o que mais
sabe é fazer cálculos. Só que a gente percebe o seguinte, pra você fazer
cálculos você também precisa compreender o que você lê. Então, eu entendo
que leitura é a forma que eu tenho de compreender [...] o que eu estou lendo.
Se eu trabalho com matemática, uma disciplina que as pessoas só pensam em
cálculo, eu preciso compreender o que eu leio. [...] a gente não lê só por ler,
decodificar, no caso, eu preciso ter compreensão do que eu leio. Então se eu
der uma situação problema pra o meu aluno, ele ainda não consegue
identificar o que eu estou pedindo naquele problema ou o que está sendo
solicitado, então a gente percebe que esse aluno ele não está letrado, no caso,
não sabe ler. Porque ele não consegue identificar o que realmente aquela
situação problema está exigindo dele. (P – Matemática)
Para a professora a leitura é um processo de compreensão do que está sendo lido. A
leitura não é a simples decodificação, mas uma forma de identificar o que o texto solicita,
indica ou exige do leitor:
[...] no momento que a gente lê e não consegue identificar eu acho que a
gente precisa melhorar, isso não seria leitura, seria uma mera decodificação.
(P – Matemática)
102
A professora compreende que o processo de ensino da leitura é contínuo e que o leitor
(aluno) vai se aprimorando ao longo do seu processo de escolarização:
[...] ensinar a criança ler, vai ser assim, um processo que não termina, em
todos os estágios que ele estiver, que ele passar, ele vai tá sempre
aprimorando isso, [...] eu que estou trabalhando de quinta a oitava série, eu
vou estar sempre tendo a oportunidade de estar oferecendo situações em que
meu aluno venha aprimorar essa questão da leitura. (P – Matemática)
Destaca-se na fala da professora a necessidade de propiciar situações para que o aluno
se desenvolva na aprendizagem da leitura de uma série para outra.
Relação escola e leitura
A dificuldade de leitura dos alunos das séries finais do Ensino Fundamental se
apresenta como um grande obstáculo a ser superado. Para a professora esse tema tem trazido
grandes inquietações para toda a escola uma vez que, muitos dos seus alunos não conseguem
ler:
[...] A questão de receber o nosso aluno sem ele saber ler gerava um grande
conflito na nossa escola. E a gente ficava se perguntando o que podia fazer.
Depois nós encontramos um meio, um caminho que nos deu uma luz: o
Projeto de Alfabetização35 onde a gente fazia atividades voltadas para aquela
turma, querendo alcançar aqueles alunos que não sabiam ler. E foi assim
uma experiência muito boa. (P – Matemática)
A inquietação dos professores levou-os à busca de alternativas para o trabalho com
leitura dentro da escola. Na fala da professora percebe-se que no cotidiano escolar é possível
encontrar possibilidades de superação por meio de um trabalho gestado na coletividade.
Nesse sentido, a leitura na escola é destacada pela professora como um processo de
responsabilidade de todas as séries, entretanto ela aponta que a responsabilidade maior recai
nas séries iniciais do Ensino Fundamental:
No meu entendimento, as séries iniciais têm essa responsabilidade de fazer
com que o aluno aprenda a ler; oferecer vários instrumentos pra que esse
aluno consiga compreender o que ele está lendo. Mas essa responsabilidade
não se esgota nas séries iniciais, e não se esgotará por todo o processo que
esse aluno vai passar. (P – Matemática)
35
Projeto de Alfabetização elaborado e desenvolvido pela coordenadora e por vários professores da escola, para
ser aplicado nas 5ª e 6ª séries, cujo objetivo era desenvolver práticas de leitura e escrita que possibilitassem uma
melhoria no processo de leitura dos alunos que apresentavam dificuldades para ler.
103
Para a professora, é tarefa de todas as séries e de todas as disciplinas ensinar o aluno a
ler, apesar de que, na maioria das vezes, delega-se a Língua Portuguesa a condição de única
disciplina responsável pelo ensino da leitura:
[...] é a Língua Portuguesa que a gente quer responsabilizar. O professor de
Língua Portuguesa que é como se fosse responsável. E a gente, geralmente,
lá na escola fazia isso mesmo. A gente queria responsabilizar sempre o
professor de Português, mas depois desse projeto a gente percebeu o
seguinte: todos nós temos essa responsabilidade. (P – Matemática)
A fala da professora indica um processo de mudança de concepção ocorrida no seio da
escola, a partir de uma prática coletiva, em que os professores se percebem co-responsáveis
na aprendizagem da leitura do aluno em suas disciplinas. Para a professora, todas as
disciplinas precisam se preocupar com a leitura trabalhando a partir das reais necessidades dos
alunos:
[...] no meu entendimento não é só da Língua Portuguesa, mas de todas as
disciplinas, a gente tem que ter essa preocupação de oferecer sempre
condições para que o nosso aluno venha fazer leitura pra ele conseguir
eliminar essa deficiência que ele vem trazendo lá das séries iniciais. Então é
nossa responsabilidade, agora, contudo, a Língua Portuguesa, ela tem que
estar sempre lado a lado com a gente. (P – Matemática)
O professor de Língua Portuguesa é visto como aquele que pode estar ao lado,
fornecendo subsídios, dando respaldo sobre a leitura para os outros professores, devido à
formação específica na área:
[...] a gente vê que o pessoal da Língua Portuguesa, eles que têm maiores
informações até mesmo pra nos ajudar, pra dar um suporte. Então eu vejo
que... têm questões também da língua que só quem pode resolver é a Língua
Portuguesa. A questão da leitura a gente pode estar explorando dentro da
nossa disciplina, trabalhar com situações que explorem isso, [...] mas acho
que tem coisas que só a Língua Portuguesa que pode estar fazendo. Então eu
diria que é nossa responsabilidade também, das outras disciplinas, mas que a
Língua Portuguesa ela está à frente, ela precisa nos oferecer condições pra
que a gente possa [...], trabalhar bem melhor na escola, ela teria que estar
como linha de frente. [...] não é que ela só é responsável, mas é uma das
responsáveis, ela que estaria puxando. (P – Matemática)
É possível perceber na fala da professora a indicação do trabalho coletivo, em que os
pares possam trabalhar juntos para sanar as deficiências de leitura que os alunos apresentam e
que o professor de Língua Portuguesa direcione o caminho a ser trilhado.
No trabalho coletivo, a escola precisa oferecer condições, instrumentos e meios que
envolvam o aluno no mundo da leitura. Para a professora essas condições têm sido
negligenciadas:
104
As escolas, às vezes, não oferecem é... um ambiente alfabetizador. Eu acho
que isso, às vezes atrapalha, termina não motivando o aluno. (P –
Matemática)
Em relação à comunidade em que a escola está inserida, a professora aponta que não
existem práticas de incentivo a leitura, o aluno “não tem acesso a algo que motive a questão
da leitura”. Nesse sentido, ela afirma que a escola se apresenta como o único espaço para
desenvolver a leitura:
O único espaço, e às vezes por a gente não está assim bem consciente, dessa
realidade, a gente termina oferecendo um espaço pobre pra essas crianças,
pra terminar motivando elas à questão de desenvolver o gosto pela leitura. (P
– Matemática)
Apesar de ser o espaço outorgado para o desenvolvimento da leitura, a escola não tem
conseguido realizar um trabalho satisfatório que preencha as lacunas, despertando o gosto
pela leitura. Visando à superação dessa situação, a professora destaca que todos os professores
precisam trabalhar com a leitura em sala de aula de maneira diversificada, articulando leitura
com as atividades das respectivas disciplinas que lecionam:
Que a gente possa oferecer a ele oportunidade de fazer outras leituras que
não sejam só dentro da disciplina. Despertar esse gosto pela leitura, não só
com material relacionado a disciplina A, disciplina B, disciplina C, mas que
esse aluno venha poder ter acesso a... a vários instrumentos que levem ele a
desenvolver essa questão da leitura. (P – Matemática)
Esse trabalho individual realizado na sala de aula, de acordo com a professora
necessita ser articulado na escola com objetivos comuns voltados para desenvolver no aluno
habilidades e gosto pela leitura:
[...] na escola precisa tá todo mundo voltado com o mesmo objetivo, que é
fazer com que esses alunos, leiam e leiam cada vez mais [...] não só apenas
decodificar. Eu digo por mim, que nós temos as nossas limitações, mas eu
acho que com boa vontade a gente consegue chegar lá. Isso se houver
unidade do grupo pra gente poder um contribuir com o outro, no elaborar
dessas atividades pra despertar esse gosto e levar o nosso aluno a ler e sanar
essas dificuldades que ele tem. É uma responsabilidade de todos, não dá pra
ser só de um professor, é impossível sozinho, tem que haver uma unidade, aí
talvez um projeto, alguma coisa nesse sentido pra fazer isso realmente
acontecer. (P – Matemática)
A professora indica que o trabalho com a leitura na escola só terá êxito se existir
unidade entre os membros da escola, pois existem limitações entre os professores que só em
conjunto podem ser superadas. Para tanto, ela aponta a possibilidade de um projeto para
nortear as ações voltadas para a leitura.
105
[...] tem que haver uma unidade, desde a direção até os professores e
coordenadores pra fazer isso acontecer e buscar colocar isso em prática,
buscando os meios com que esse projeto possa acontecer. Se depender da
Secretaria de Educação a gente correr atrás, material humano a gente tem, a
gente tá precisando saber mais, ser orientado em relação a isso. (P –
Matemática)
Destaca-se na fala da professora a importância da articulação entre os membros da
escola para propiciar os meios favoráveis ao desenvolvimento da leitura do aluno e a
necessidade de uma orientação teórica específica sobre a área de leitura.
Esses posicionamentos da professora sobre o trabalho coletivo e o compromisso
individual de cada professor para o desenvolvimento do trabalho com a leitura respalda-se na
experiência vivenciada por ela como o Projeto de Alfabetização, citado anteriormente:
E graças a esse projeto, a gente teve casos lá de meninos que não sabiam
escrever corretamente, quer dizer, quando eu digo escrever corretamente é
não saber escrever mesmo, e não sabiam ler [...] que começaram a se
desenvolver bastante mesmo. E graças a esse projeto [...] que foi com
interesse de sanar esse problema dos meninos que chegavam à escola com
essa deficiência de leitura. Depois desse projeto [...] eu percebi o seguinte:
que a gente pode sim ajudar o nosso aluno a eliminar essas dificuldades que
ele tem. Agora claro, exige muita dedicação, muito planejamento, muitas
horas de esforço, é também o pensar nas atividades, quais as atividades que
nós vamos fazer para alcançar o nosso objetivo. Tem todo um trabalho que
depende de uma equipe. (P – Matemática)
A professora afirma que o trabalho coletivo exige esforço, planejamento e tempo para
que os objetivos propostos sejam atingidos. Além disso, ela indica outros aspectos:
A gente tem boa vontade, a gente tem material humano, mas eu acho que tá
faltando uma decisão, priorizar realmente isso e pra fazer isso acontecer, às
vezes, não depende só dos professores, só da coordenação, a gente precisa na
verdade de um projeto que faça isso acontecer. (P – Matemática)
O trabalho com leitura é complexo, portanto, precisa ser priorizado por toda a escola
por meio de um projeto que se concretize. Um projeto que norteie a prática em sala de aula.
Nesse sentido, a professora afirma que todo professor pode desenvolver um trabalho com
leitura articulada com o conteúdo de qualquer disciplina, por meio de atividades planejadas
para esse objetivo:
Elaborar suas atividades, não fugindo do conteúdo da sua disciplina, mas
sempre levando atividades que ele esteja sempre explorando essa questão da
leitura. Eu acho que em qualquer disciplina, desde quando a gente esteja
preocupado em explorar a questão da leitura, a gente vai ter sempre
atividades que vai poder explorar isso. Eu acho que qualquer professor, pode
fazer isso, claro que isso não é assim tão simples. Eu não sei se todos os
professores hoje estão interessados em fazer isso porque realmente requer
106
mais... mais tempo, vai precisar de mais interesse do próprio professor em tá
procurando elaborar, planejar suas aulas levando em consideração o que ela
quer explorar. Claro que isso demanda tempo, questão de boa vontade, mas
no meu entendimento a gente pode, pode fazer. (P – Matemática)
O trabalho com leitura demanda tempo para um planejamento elaborado a partir das
necessidades dos alunos. Nesse sentido, a professora aponta que nem todos os professores
estão interessados em se dispor para a realização dessas atividades. Mas ela acredita que é um
trabalho possível.
Como a formação nas áreas específicas não dá subsídios para o desenvolvimento do
trabalho com leitura, os conflitos que surgem na sala de aula podem possibilitar a formação
contínua, uma vez que levam os professores a reflexão sobre a prática. Na fala da professora
percebe-se a importância do papel do coordenador pedagógico como mediador das discussões
que contribuíram para uma consciência maior sobre o trabalho com leitura nas diversas
disciplinas:
Graças à coordenadora que esteve lá na escola36 e contribuiu muito, foi uma
das pessoas assim que nos ajudou muito, contribuiu bastante. Acho que a
consciência que nós temos hoje é pelo fato das discussões que nós tivemos.
(P – Matemática)
Destaca-se na fala da professora espaços de discussões sobre as necessidades específicas
da escola. O projeto político pedagógico da escola precisa privilegiar esses momentos de
discussão mediados pelo coordenador pedagógico.
Relação leitura e conteúdo específico
A professora aponta que a dificuldade de leitura que os alunos têm interfere na
aprendizagem do conteúdo específico de qualquer disciplina:
[...] ele não consegue ler bem, como ele vai conseguir se dá bem nas outras
disciplinas, tanto em Matemática, como Geografia, como História, como
Ciências. A questão da leitura termina interferindo no conteúdo da nossa
disciplina. Eu acho que é uma coisa que é inevitável. [...] se o aluno não sabe
ler, termina interferindo em qualquer disciplina. (P – Matemática)
Percebe-se na fala da professora, o mesmo peso da leitura para todas as disciplinas,
sendo que existem algumas que oferecem menos oportunidades para o aluno ler. Além disso,
com base na experiência do Projeto de Alfabetização, ela afirma que é um trabalho muito
difícil de ser realizado durante as aulas:
36
Coordenadora da escola no período de junho 2003 a fevereiro de 2005.
107
Não é fácil, quero deixar bem claro aqui, pela experiência que a gente teve
lá, que eu sei que foi, assim, uma experiência nova que foi só nossa, é uma
coisa, bem pequena, mas que deu pra gente perceber que não é tão simples.
Porque tem disciplinas que, às vezes, não oferecem tanta oportunidade, por
exemplo, Matemática mesmo, às vezes, até os próprios livros, eles vêm com
situações que não oferecem muito a questão de leitura, mas graças que até
nisso a gente tem se preocupado em adotar livros que trabalhem com
questões mais elaboradas, que desenvolva o raciocínio lógico do menino. (P
– Matemática)
A ação voltada para um trabalho que contemple a leitura na disciplina é impedida no
próprio material didático. Para superar a professora indica que tem a preocupação em adotar
livros de Matemática que tragam situações que contribuam com a aprendizagem da leitura e
do raciocínio lógico do aluno. O conteúdo da disciplina é trabalhado por meio de problemas
com objetivos de fazer com que aluno leia e interprete o que a situação problema está
exigindo:
A gente trabalha hoje com muitas situações-problema de matemática, porque
[...] a gente... quer desenvolver o raciocínio lógico da criança e também a
criança precisa ler em todas as disciplinas. Então pra ler ela precisa
compreender. No momento que a gente dá uma situação problema, o que é
que acontece? Eles não conseguem fazer porque eles não conseguem
identificar o que a situação problema tá pedindo. Essa situação problema,
geralmente a gente faz envolvendo as quatro operações, que são coisas
básicas que o aluno precisa aprender em matemática - dominar pelo menos
as quatro operações. Então quando a gente coloca uma situação problema na
quinta série, e a gente quer que ele no mínimo identifique qual é a operação
que ele vai fazer e identificar quais são os termos daquela operação. Não
dizer quais são, mas ele precisa arrumar, [...] ele precisa primeiro identificar
a operação, identificar quais são esses termos, no caso da operação, pra ele
conseguir desenvolver e dar a sua resposta. (P – Matemática)
O exemplo dado pela professora se restringe ao trabalho com a 5ª série, no entanto, a
resolução de problemas tem sido, atualmente, o eixo norteador do trabalho com matemática
em todas as séries. Segundo a professora, trabalhando com situações-problema busca-se
desenvolver o raciocínio lógico dos alunos e a compreensão do que está sendo lido, tendo em
vista que o aluno necessita identificar o que a situação está solicitando e quais os caminhos
que ele precisa percorrer para chegar ao resultado.
Em relação à forma como o conteúdo da disciplina era trabalhado, percebe-se que
houve uma mudança depois do trabalho com o Projeto de Alfabetização:
[...] na minha disciplina o que era que eu fazia, bom, se eu já trabalhava com
situações-problema que exigiam a leitura do aluno, então a gente começou a
fazer assim, cada assunto que a gente ia trabalhar em matemática,
principalmente na quinta série, a gente não dava apenas uma situação, uma
questão que só envolvia o fazer cálculo, a gente colocava uma situação que
exigia do aluno a ler e a interpretar. (P – Matemática)
108
As situações problemas trabalhadas na disciplina passam a exigir do aluno
interpretação e não apenas o cálculo, colocando o aluno numa posição de leitor nas aulas de
Matemática. A professora atribui essa mudança às discussões que ocorreram na escola durante
a elaboração e implementação do Projeto:
[...] esse Projeto de Alfabetização que nós tínhamos lá na escola e a
contribuição de todos os professores da escola [...] que nos levou mesmo,
motivou mesmo a mudar a nossa postura, a dar importância. Claro que temos
leituras sobre o assunto, mas nada melhor do que a experiência que a gente
teve. Que é uma coisa que realmente dá certo. (P – Matemática)
Vale destacar que essas discussões foram desencadeadas por um problema do
cotidiano escolar que todos os professores vivenciavam: “a gente vivia com um conflito”. O
fato de receberem os alunos sem o domínio da leitura gerava reprovações sucessivas, visto
que os alunos não apresentavam rendimento satisfatório em relação à aprendizagem dos
conteúdos específicos das disciplinas.
Para trabalhar o conteúdo de Matemática a professora tem buscado estabelecer
relações com a leitura de textos:
[...] eu tava trabalhando na quinta série agora no início da unidade a questão
de como os homens começaram a contar. [...] eu achei um texto muito
curioso, de um corvo, que os animais eles não tem idéia de quantidade, mas
eles percebem em pouca quantidade [...] no dia que eu contei isso pra os
meninos, os meninos ficaram assim encantados e aí eles assistiram a aula
inspirados pelo que eles tinham ouvido e tal... Então a gente percebe que
essa questão da leitura, o fato da gente tá colocando isso em prática é bom,
porque primeiro você leva curiosidade para sala de aula, a gente está dando
assim a importância que a leitura tem pra o aluno. E aquilo termina
motivando a sala de aula, então eu acho que se a gente tiver sempre
preocupado em tá colocando isso em prática vai despertar no aluno o
interesse pela leitura e eles também vão querer ler. (P – Matemática)
A professora aponta que o trabalho com textos que estimulam a curiosidade dos alunos
tem motivado-os na aprendizagem dos conteúdos específicos, como também, pode despertar o
gosto pela leitura.
Trabalhar a leitura nas diversas disciplinas tem sido um desafio, mas de acordo com a
professora é um trabalho possível, desde que algumas condições sejam contempladas:
[...] a gente tem as sinalizações, [...] a gente tem o material humano, mas
acho que tá dependendo de algo, fazer com que isso realmente se torne uma
realidade, porque a gente tem se esforçado, pra nossa realidade já é alguma
coisa, mas nós não estamos satisfeitos, a gente quer que isso realmente
aconteça e a gente quer mais, a gente quer também conhecer mais todo esse
processo de como colocar isso em prática, sabendo qual é a nossa realidade,
109
qual é o tipo de aluno que a gente recebe.[...] eu mesmo posso colocar o
seguinte: tem hora que eu me sinto assim, impotente. O que é que eu posso
fazer? Como fazer? (P – Matemática)
A inquietação da professora aponta para a necessidade de articulação entre referenciais
teóricos sobre leitura, conteúdo específico e uma ação voltada para atender as necessidades
dos alunos.
Relação do aluno com a leitura
A relação dos alunos com a leitura é apresentada pela professora como uma relação
conflituosa. Os alunos decodificam, mas não compreendem o que lêem:
A nossa realidade [...] o aluno chega à escola, na quinta série e não sabe
interpretar o que ele lê, então a gente percebe que eles têm essa dificuldade
de compreender o que eles lêem [...] eles lêem, fazem até a leitura, a leitura
normal,37 mas na hora deles entenderem o que é que a gente tá pedindo ali
naquele momento, ‘fale com suas palavras o que você entendeu’, eles têm
essa dificuldade. É questão de compreensão mesmo, a gente sente que eles
têm essa dificuldade. (P – Matemática)
Os alunos não conseguem expressar opiniões, ou responderem alguma atividade sobre
o que o que leram. Segundo a professora, a leitura é feita como uma atividade mecânica,
obrigatória:
[...] parece que eles fazem tudo mecanicamente, no meu entendimento, então
eles lêem, fazem as atividades como se fosse uma obrigação, mas não são
coisas assim prazerosas, eles não descobrem assim que eles têm capacidade
de tomar posse daquilo, colocar aquilo em prática. (P – Matemática)
A leitura se torna uma atividade exterior ao aluno, pois ele não consegue estabelecer
relações entre o que lê e o cotidiano escolar. Percebe-se na fala da professora que existe uma
baixa auto-estima dos alunos, pois eles não se sentem capazes de colocar em prática a leitura.
Para a professora a dificuldade de leitura que os alunos apresentam não é um problema
só da escola, está associada também à realidade em que eles estão inseridos, ao contexto
familiar de baixa escolaridade:
Eu percebo também que não é um fato só, uma coisa isolada, talvez pela
questão sócio-cultural da região, a questão dos pais não saberem ler, não tem
como incentivar eles em casa a ler. Aquela questão da importância dos
objetos que está a sua volta, que termina sendo um motivo para que o aluno
sinta que ler é importante, que saber identificar letras é importante, saber que
a letra ela tem uma função, a partir da letra eu tenho palavras, a partir de
37
Por leitura normal, a professora está se referindo ao aluno que decodifica um texto, mas não consegue dar
significado ao que lê, apenas recita o texto.
110
palavras eu tenho frases. Então o aluno quando chega na escola, [...] [a
leitura] é uma coisa isolada da vivência dele, por conta dos pais não terem
um determinado conhecimento.[...] Eles querem muito que os filhos vão pra
escola, mas eles mesmos em casa, eles não motivam esses alunos a ler. (P –
Matemática)
Segundo a professora o aluno não percebe qual a função da leitura para a sua vivência,
tendo em vista a escassez de materiais escritos que circulam na comunidade em que estão
inseridos, como também a falta de incentivo para leitura na família. Destaca-se na fala da
professora que a condição sócio-cultural dos alunos tem influenciado de maneira determinante
para justificar as dificuldades de leitura que os alunos apresentam:
[...] é justamente por essas questões sócio-cultural mesmo que eles estão
inseridos, eles chegam na escola, fazem as suas atividades na escola, mas
chegam em casa e não colocam em prática, estudam por estudar, mas é só
aquilo ali. (P – Matemática)
A leitura se apresenta como uma prática que acontece exclusivamente na escola
devido a origem social dos alunos:
[...] eles não têm acesso a algo que motive a questão da leitura. [...] eles não
têm muito acesso a leitura, pela questão sócio-cultural que eles têm, pela
origem que eles têm de vida dos pais, pela realidade. Então quem tem que
fazer isso é a escola, é nossa responsabilidade. (P – Matemática)
Apesar da percepção de deficiência que o aluno apresenta, a professora aponta que a
escola deve suprir as suas necessidades de leitura, assumindo a responsabilidade de dar acesso
aos alunos a diversos portadores de textos que os motive para a leitura.
O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Matemática
Ao falar sobre o cotidiano da sala de aula, a professora indica existir um paradoxo que
tem permeando a prática pedagógica: muitas vezes o professor sabe o que deve ser feito na
sala de aula, mas termina não fazendo:
A gente sabe o que deve ser feito e termina não fazendo. A gente deve
sempre tá levando algo novo também para o nosso aluno, para despertar o
gosto pela leitura. Uma curiosidade, mesmo que não seja daquele assunto,
mas algo que está relacionado com aquele assunto, a gente pode levar pra o
aluno um texto diferente. Antes de começar até mesmo a sua aula, pra gente
despertar o gosto pela leitura, a gente tem que fazer algo, tem que ser o
exemplo, levar sempre alguma coisa nova pra o nosso aluno ler. Pra gente
não associar a leitura [...] só com conteúdos, com disciplinas, mas que a
leitura é algo que pode estar na nossa vivência, o tempo todo. (P –
Matemática)
111
Sobre o que deve ser feito na sala de aula para despertar no aluno o gosto pela leitura,
observamos na fala da professora algumas ações como: levar sempre alguma coisa nova para
o aluno ler, um texto diferente, uma curiosidade, demonstrar que lê e que gosta de ler, de
forma que o aluno perceba que a leitura não está associada apenas aos conteúdos específicos,
é algo que está presente na sua vida.
É possível perceber ao longo da entrevista que a professora tem se esforçado para que
essas ações não fiquem apenas no plano do querer fazer. Na sua prática, descrita na entrevista,
percebe-se algumas ações voltadas para desenvolver a aprendizagem da leitura dos seus
alunos visando ajudá-los a compreender o que lêem:
[...] tem que ler uma vez, duas vezes com eles, três vezes para eles
conseguirem compreender o que é que estão lendo. (P – Matemática)
Além de ler com o aluno a professora desenvolve atividades que contemplam leitura
silenciosa, leitura oral em grupo ou individual:
Em alguns momentos eu peço pra eles fazerem uma leitura silenciosa
daquele... das situações-problema, às vezes, eu peço pra fazer por grupos, ou
então individualmente, a depender do dia, mas estou sempre explorando, ou
uma leitura silenciosa ou uma leitura oral por grupos ou individualmente. (P
– Matemática)
As questões elaboradas pela professora por meio de situações-problema têm por
objetivo verificar a aprendizagem do conteúdo trabalhado, como também, explorar a leitura:
[...] depois do assunto que já foi explicado, vem a parte de verificação dessa
aprendizagem, eu levo questões já datilografadas ou eu coloco no quadro pra
que eles venham solucionar essas questões. Lembrando sempre o seguinte,
como a gente vem dando uma importância a questão de explorar essa leitura,
eu planejo minhas atividades, envolvendo raciocínio lógico, situaçõesproblema, onde o meu aluno ele vai ler, e a partir dali vai entender,
compreender o que é que tá lendo, pra depois ele me dar algumas, pra me dar
suas respostas. Responder aquela situação-problema sempre levando em
consideração à leitura. (P – Matemática)
Geralmente a leitura se dá após a explicação do assunto, por meio de questões que o
aluno deverá ler e demonstrar compreensão tanto do que está lendo como do conteúdo
trabalhado. Parece que são questões que apresentam caminhos diferentes e talvez respostas
diferentes, pois as atividades buscam desenvolver o raciocínio lógico e a professora espera
que os alunos dêem algumas respostas, dêem suas respostas.
112
Antes da leitura a professora distribui essas questões datilografadas ou escreve no
quadro e solicita que os alunos façam a leitura. Ela indica que dá pistas para que o aluno
encontre a solução do problema, buscando estabelecer relações:
A gente termina sempre achando um meio de tá sempre buscando fazer
relações. Na verdade, fazendo essas relações a gente termina fazendo com
que o aluno vá encontrar a solução daquele problema. Acho que Matemática
dá pra gente fazer isso e fazer bem [...] a gente vê que isso ajuda ele. A gente
não dá a resposta da situação, mas leva ele a encontrar um caminho pra
encontrar aquela solução. Dá algumas pistas que não diz o que é, mas induz
o aluno a correr atrás, a encontrar aquela solução. (P – Matemática)
Percebe-se que a professora procura estabelecer relações levando o aluno a encontrar a
solução das questões, a buscar um caminho por meio da indução para alcançar a resposta
esperada da situação-problema.
Durante a leitura a professora afirma que geralmente espera que os alunos terminem
de ler:
Quando eles estão fazendo a leitura, eu geralmente gosto que eles terminem
de ler. Depois, como é Matemática, e eles têm algumas dificuldades de
acompanhar mesmo a situação-problema, a gente volta, começa lendo ai...
tem um parágrafo, “vocês entenderam o que tá pedindo aqui nesse primeiro
parágrafo”. Às vezes, eu faço essas intervenções, porque na minha realidade
mediana, eu tenho alunos que tem deficiência em leitura, mas é assim, eles
têm dificuldade de compreender o que tá lendo, mas já são alunos que já
conseguem ler. Então eu não faço intervenções pra ajudar o aluno ler, eu
faço intervenções no caso pra ajudar ele compreender o que ele esta lendo.
(P – Matemática)
Quando os alunos terminam de ler a professora relê a atividade por parágrafo, fazendo
questionamentos para que eles possam compreender o que a questão está pedindo. Ao final
dessa leitura a professora ajuda o aluno que tem dificuldades, lendo a questão com ele para
que haja compreensão do que está sendo solicitado:
[...] tem casos de grupos, ou até mesmo de alunos que a gente precisa fazer
algumas interferências. Ajudar mesmo ele na questão da compreensão mais do
problema [...] porque se ele não consegue compreender, ele não tem como dar
solução, encontrar solução daquela situação. Então o que é que a gente tem
que fazer: a gente vai lá. Vou ler com ele de novo “leia aqui, vamos ler aqui o
primeiro parágrafo, leia aqui o segundo, o que está pedindo?”. Quer dizer,
fazendo essas interferências pra ajudar ele a encontrar um meio de resolver
aquela situação-problema. (P – Matemática)
A professora indica ainda que na sala de aula:
[...] às vezes, por questões até mesmo do horário e tal, a gente termina até
fazendo algumas interferências que a gente não deveria. Quer dizer, para
113
alguns grupos, porque para uns não, eles conseguem fazer as suas atividades
a gente vai ali apenas tirar dúvidas. (P – Matemática)
Existe uma preocupação em atender as necessidades dos alunos, lendo para ajudar os
que não estão compreendendo, tirando dúvidas, induzindo na busca da solução. Entretanto o
tempo é muito limitado, o horário como as aulas são distribuídas não levam em consideração
o tempo, o ritmo individual do aluno.
De maneira geral percebe-se na fala da professora um querer fazer, uma necessidade
de ver o retorno do seu trabalho por meio da aprendizagem dos alunos. A leitura é vista como
um instrumento imprescindível para o bom desenvolvimento de suas aulas, para tanto ela
busca ajudar os alunos que não compreendem o que lêem. Outro dado importante na fala da
professora é a importância do trabalho coletivo, em que todos os membros da escola se
responsabilizem pelo desenvolvimento do processo de leitura.
Merece destaque a visão determinista da relação leitura e condição sócio-cultural dos
alunos, para a professora as dificuldades que os alunos apresentam estão diretamente
relacionadas a essa condição.
A vivência com o Projeto de Alfabetização lhe possibilitou o repensar da sua prática
pedagógica, indicando-lhe caminhos, busca de novos referenciais para o trabalho em sala de
aula, e uma convicção de que a mudança é possível por meio do grupo.
O próximo capítulo busca estabelecer o diálogo entre os dados descritos ao longo
deste capítulo e a literatura educacional sobre leitura e formação de professores, discutindo
aspectos que podem fornecer subsídios para a discussão na área de educação.
114
5. UM DIÁLOGO NECESSÁRIO: A LEITURA NA ESCOLA NA PERSPECTIVA DOS
PARTICIPANTES E DA LITERATURA EDUCACIONAL
(...) as palavras começam a dizer coisas que nunca
ousei pensar nem sonhar,
pássaros desconhecidos pousando no meu pomar.
(Thiago de Mello)
Na sociedade atual, denominada por muitos como a sociedade da informação e do
conhecimento, marcada pelos grandes avanços tecnológicos, pela quebra de paradigmas, pelas
formas desiguais de distribuição e de acesso ao saber, pelas grandes catástrofes ambientais
provocadas pela ação do homem, pela má distribuição de renda, pelos problemas
psicossomáticos, entre outras, é inegável que a função social da escola tenha mudado. A
escola enquanto instituição social reflete a sociedade, e conseqüentemente, as interações que
acontecem em sala de aula não são as mesmas de três ou quatro décadas atrás. Hoje, a função
social da escola está atrelada a questões mais amplas que a simples transmissão de
conhecimentos fragmentados. A escola não deve ser uma instituição alheia aos problemas
sociais da comunidade em que está inserida. Dentro de seus muros, diversas questões
emergem como reflexo social, cabendo à escola como um todo buscar alternativas de solução.
A leitura enquanto prática social tem se constituído em uma dessas questões que
precisam ser pensadas no coletivo. No cotidiano, somos expostos a uma multiplicidade de
textos que na sua maioria direcionam nossas ações. Dominar o código escrito na sociedade
atual significa estar incluído em uma rede de relações que pressupõe melhor qualidade de
vida38 e exercício de cidadania. É “consenso que a cidadania plena exige prática de leitura
constante e abrangente, que se manifesta na vida política, nas relações de trabalho, na vida
familiar e no lazer”. (LAJOLO, 2000, p.88). O aluno que apresenta dificuldades com a leitura
do código escrito, que não consegue fazer inferências em um texto, está automaticamente à
margem da sociedade letrada.
Atrelado à exclusão, é possível verificar que dentro da escola a falta de compreensão
leitora também provoca a reprovação sucessiva e a baixa auto-estima. Além desses aspectos,
conforme expressa a professora de Ciências, a dificuldade de leitura gera no aluno o
38
Por melhor qualidade de vida estou me referindo a algumas vantagens que o acesso ao código escrito
proporciona ao indivíduo: maior autonomia em relação à locomoção, acesso a informações sem intermédio de
terceiros etc.
115
desinteresse, a impaciência, a vontade de não ficar na sala de aula, a falta de compreensão do
conteúdo trabalhado, consequentemente, o professor experimenta a frustração frente à
ausência da resposta esperada pelo trabalho realizado.
Dadas todas estas características, esse aluno representa um desafio para o
desenvolvimento do trabalho dos professores das diversas disciplinas, os quais, segundo o que
foi evidenciado nas entrevistas, se sentem impotentes para realizar um trabalho mais efetivo
devido às lacunas existentes na sua formação. Discutindo os desafios do trabalho com leitura
na escola Soares (2002) afirma que:
é uma questão que tem sido difícil, porque os professores de outras áreas que
não Português não têm recebido formação na área de leitura, isso seria
necessário, introduzir na formação desses professores alguma disciplina,
enfim, alguma formação na área de leitura e produção de texto para que eles
pudessem trabalhar com isso. (SOARES, 2002, não paginado.)
A leitura se apresenta como um conhecimento imprescindível para o desenvolvimento
do aluno nas disciplinas que compõem o currículo das séries finais do Ensino Fundamental,
como meio de aprendizagem do conteúdo específico, e consequentemente, como a
possibilidade de interação entre conhecimento científico e realidade, no entanto, as ações em
sala de aula têm sido insuficientes para o desenvolvimento contínuo do processo de leitura do
aluno. Neste sentido, é necessário que todo professor tome para si a tarefa de formar o leitor
competente e autônomo.
Se ler é atribuir sentido, nas palavras de Souza e Guedes (2006), o professor de cada
área especifica estará mais habilitado a construir com os alunos o contexto mais adequado
para o entendimento de determinadas palavras e expressões que aparecem nas disciplinas e
que tem significados diferentes, explorando o texto e os seus possíveis sentidos.
A análise a seguir, se baseia apenas nas entrevistas, ou seja, nos discursos dos
professores participantes, sobre as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica
do professor das diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino Fundamental. Indica
também, que a leitura apesar de ser apontada por esses professores como um conteúdo que
deve ser trabalhado em todas as séries e por todas as disciplinas, não se constitui em um
conteúdo no cotidiano das disciplinas que compõem o currículo da escola de 5ª a 8ª série,
aparece sim como um meio que, na maioria das vezes, não é planejado. No discurso, os
professores apresentam proposições, apontam o que pode ser feito e o que querem fazer, mas
no relato das práticas parecem existir incoerências.
116
Essas incoerências podem estar atreladas à influência da literatura teórica que chegam
aos professores por meio de documentos oficiais, da mídia, da participação em cursos de
formação contínua, etc.; à dificuldade de fazer a transposição do conhecimento teórico para o
cotidiano da sala de aula; e a ciência sobre os objetivos desta pesquisa – todo discurso tem
uma intencionalidade; entre outros elementos.
Destaca-se que a análise está subdividida em cinco dimensões, seguindo a mesma
ordem do capítulo anterior, a saber: definição de leitura, relação escola e leitura, relação
leitura e conteúdo específico, relação do aluno com a leitura e o processo de ensino e
aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas. Para finalizar o capítulo, serão
apresentadas algumas considerações sobre leitura e formação de professores. Essa
organização tem o intuito de melhor sistematização, entretanto, é importante ressaltar, que as
dimensões são interdependentes e trazem no seu interior elementos (leitura, aluno, professor,
escola, processo de ensino e aprendizagem) imbricados num processo dialético de permanente
diálogo entre elas.
5.1. Definição de leitura
Nesta dimensão é possível perceber no discurso dos professores entrevistados, uma
definição ampla de leitura ao apontarem as diversas linguagens que constituem o universo do
sujeito; contínua abarcando todas as séries e níveis de ensino e dinâmica por extrapolar a
simples decodificação ou decifração incluindo elementos como produção de significados, de
sentido, leitura de mundo, posicionamento do leitor, etc. Para a professora de Geografia, a
leitura é uma fonte de informação que leva ao conhecimento e que propicia a interação com o
mundo. Para os professores, ler é atribuir significado, é a forma de ver o mundo, de
interpretar, de compreender, de conhecer. Nessa perspectiva, todos se aproximam do que
Foucambert propõe como leitura:
Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que
certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso
a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas
informações ao que já se é [...] o ato de ler em qualquer caso, é o meio de
interrogar a escrita e não tolera a amputação de nenhum de seus aspectos.
(FOUCAMBERT, 1994, p.5)
A definição de leitura enfatizada por Foucambert refere-se exclusivamente a leitura do
texto escrito, no entanto os professores deixam indícios em suas falas que tudo o que está no
117
mundo pode ser lido, transitando entre a leitura do código escrito e das diversas linguagens
que constituem o universo da leitura na sociedade contemporânea. As professoras de Ciências
e de Língua Portuguesa citam Paulo Freire e sua concepção do ato de ler, assim, definem a
leitura como uma forma de ver o mundo, de entender a realidade; a leitura da palavra
dependendo da leitura de mundo, das experiências vivenciadas por cada pessoa para atribuir
sentidos ao que lê. Comungando com Freire (2006), elas entendem a leitura como
[...] uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na
decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se
antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a
leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da
continuidade da leitura daquele. (FREIRE, 2006, p. 11)
Em relação à leitura do código escrito as professoras de Geografia e Matemática
apontam que ler é saber interpretar, compreender o que está sendo lido. O professor de
História ao definir a leitura busca elementos no processo histórico de construção da escrita
para explicar sua compreensão, afirmando que a escrita é a materialização do pensamento e a
leitura é a decodificação desse pensamento. No entanto, sua compreensão não se restringe
apenas a decodificação da escrita, extrapola para a decodificação que se faz nos diversos
ambientes internos e externos à escola.
Para esse professor, a leitura na escola não tem levado em consideração a cultura local
do aluno, especificamente a cultura oral, silenciando-a por meio de práticas impositivas.
Segundo o professor, a escola tenta matar a tradição oral, quando deveria fazer a ponte entre a
oralidade e a escrita. Referindo-se ao contexto em que seus alunos estão inseridos, ele aponta
algumas tradições culturais que tem como meio de comunicação a oralidade, que não são
valorizadas pela escola a exemplo da “Bata do feijão” 39, indicando assim uma oposição entre
cultura oral dos alunos e cultura escrita escolar que não deveria existir. Nesse sentido, suas
posições estão de acordo com o trabalho de Frago (1993) ao afirmar que a sociedade
alfabetizada:
[...] ignora e desvaloriza – como não sendo cultos – os modos de expressão e
pensamento das culturas orais. Uma sociedade que parte do suposto –
errôneo e pernicioso suposto – de que a alfabetização e a cultura escrita
podem organizar-se – construir-se, viver a margem da linguagem e cultura
orais ou assentar-se sobre o olvido e a depreciação de ambos. (FRAGO,
1993, p.20)
39
Tradição oral que tem sido repassada de pai para filho no período da colheita do feijão.
118
Para o autor, a prática usual da escola, ao exigir que o aluno fale como o livro, tem
convertido a fala em silêncio. No entanto:
[...] a linguagem é um fenômeno oral, porque o homem é um ser que fala –
que pensa com a fala e que fala como e quando pensa –, porque só uma
mínima parte das línguas faladas possuíram ou possuem textos escritos,
porque a quase totalidade dos textos literários - desde a Ilíada e a Odisséia
até, ao menos, o Renascimento – foram elaborados a partir da oralidade e
recriados, transmitidos e recebidos por via oral e porque em todo texto
escrito – mesmo naqueles lidos de modo silencioso ou mental – ressoa o eco
do oral [...] (FRAGO, 1993, p. 21)
De maneira geral, percebe-se nas definições de leitura, expostas nos dados, diversas
práticas de leitura. Essas definições convergem para os estudos de Chartier (1999) sobre as
“práticas de leitura”. Para este autor, a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de
significados, assim, toda leitura supõe, em seu princípio, a liberdade do leitor que desloca e
subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Sendo que esta liberdade não é absoluta, é
cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em
suas diferenças, as práticas de leitura.
Com base em Silva, aqui é importante destacar que:
Todo ser humano normal possui um potencial biopsíquico para atribuir
significados as coisas e aos diferentes códigos (verbais e não verbais) que
servem para expressar ou simbolizar o mundo. Esse potencial é desenvolvido
no seio do grupo social através de práticas coletivas específicas e dentro de
condições concretas que estabelecem a sua potencialidade.[...] A leitura é,
fundamentalmente, uma prática social. Enquanto tal, não pode prescindir de
situações vividas socialmente, no contexto da família, da escola, do trabalho,
etc...Todos os seres humanos podem se transformar em leitores da palavra e
dos códigos que expressam a cultura[...] (SILVA, 1993, p. 47 – grifo do
autor)
Nessa perspectiva, pode-se afirmar que todo aluno pode aprender a ler, a atribuir
significados, cabendo à escola criar situações concretas de leitura – rodízios de leitura para
que o aluno possa manusear os diversos portadores de textos em sala de aula; empréstimos de
livros disponíveis a biblioteca; criação de um ambiente alfabetizador na escola por meio de
murais, cartazes, etc., leitura oral pelo professor de textos diversos em sala de aula; – saindo
da superficialidade e assumindo uma posição mais próxima da realidade dos alunos, em que
os motivos para ler sejam verdadeiramente compartilhados.
119
6.2. Relação escola e leitura
A escola é uma instituição com objetivos definidos de contribuir com a formação do
indivíduo, envolvendo os aspectos cognitivos, afetivos, culturais etc. É um espaço cheio de
tensões e contradições, em que se exige uma atitude de colaboração entre todos os seus
membros (direção, coordenação, professores, alunos, pais, funcionários). Mas, ao mesmo
tempo, percebe-se uma hierarquia que define e determina os lugares de cada um, numa
relação de poder. A comunidade escolar precisa definir metas e objetivos que sejam
compartilhados por todos, visando à formação do aluno enquanto sujeito capaz de intervir na
sua realidade.
Partindo dessas considerações, é importante destacar que o trabalho com leitura
precisa ser planejado por toda a escola, tendo em vista que o aluno necessita desse
conhecimento para construção da sua autonomia. A ação isolada de cada professor tem que
extrapolar as paredes da sala de aula para a esfera coletiva em que os sucessos e avanços nas
atividades com leitura possam ser socializados e direcionados por um mesmo fio condutor.
Nos dados analisados, os professores de História e de Matemática expressam a necessidade de
um Projeto que direcione as ações voltadas para a leitura como uma responsabilidade da
escola para contribuir com o desenvolvimento da competência leitora dos alunos.
Na fala dos professores de Geografia, Matemática e Ciências, percebe-se uma crença
de que é possível ajudar os alunos por meio do trabalho coletivo na escola. Essa posição
encontra respaldo na experiência vivida na escola com o Projeto de Alfabetização. Esse
Projeto mobilizou alguns professores para a realização de atividades sistematizadas, buscando
melhorar o desempenho dos alunos em relação à leitura, por meio de atividades planejadas e
desenvolvidas por um grupo de professores das diversas áreas, em disciplinas que não faziam
parte do núcleo comum do currículo – Religião e Culturas Regionais.
No entanto, os professores de Matemática, Geografia, Ciências e História, dizem ter
limitações, em especial, limitações teóricas para realizar um trabalho com leitura que seja
satisfatório. Eles afirmam que precisam de um direcionamento, talvez dado pelo professor de
Língua Portuguesa ou pelo próprio coordenador pedagógico da escola, pois durante a
formação inicial não tiveram nenhum direcionamento.
Sobre a falta de formação para a realização de um trabalho mais sistematizado com a
leitura em sala de aula, Silva (2003) discute que a leitura é um instrumento fundamental na
aquisição dos conhecimentos construídos historicamente pela humanidade, entretanto nos
cursos de formação inicial não existe espaço para esse tipo de discussão:
120
Ainda que a leitura seja um instrumento fundamental para a aquisição do
saber, ela é superficialmente, ligeiramente tratada – ou, o que é bem pior,
totalmente esquecida ou relegada a um segundo plano – nos cursos de
magistério do Ensino Médio e/ou nos cursos de graduação e de licenciatura.
Isto faz com que os professores se sintam “desarmados” ou, melhor dizendo,
pedagogicamente enfraquecidos no momento do planejamento, organização
e implementação de programas de leitura aos seus grupos de alunos. Daí,
muitas vezes, o apego cego, alienado ao livro didático e/ou, ainda, o que é
bem pior, o encaminhamento do ensino da leitura sem nenhum referencial
teórico de suporte. Nestes termos, a leitura se transforma numa operação
inócua, sem sentido, estafante e reprodutora da mesmice, apenas ocupando
um espaço do currículo, sem levar ao desenvolvimento das práticas de
letramento. Dessa forma os alunos passam pela escola, mas continuam
distanciados das práticas concretas de leitura. (SILVA, 2003, p.18)
Outra questão a ser destacada é a concepção dos professores de que a aprendizagem da
leitura é um processo que não se esgota em uma série específica. Apenas a professora de
Matemática aponta que a responsabilidade maior recai nas Séries Iniciais do Ensino
Fundamental. Essa idéia parte do pressuposto de que a aprendizagem da leitura vai se
consolidando de uma série para outra, de maneira progressiva. Convergindo, assim, com os
estudos de Molina (1992), que considera que a aprendizagem da leitura se faz presente em
todos os níveis de ensino, ou seja, uma concepção contínua do processo de leitura.
Nesta mesma linha de análise, os professores afirmam que todas as disciplinas devem
trabalhar com a leitura, pois consideram que sem o domínio desse conteúdo os alunos não se
desenvolvem nas suas respectivas disciplinas. Conforme o Quadro – 1, todos acreditam que a
leitura é um conteúdo ou procedimento fundamental no processo de ensino e aprendizagem da
sua disciplina e que, portanto, deve ser trabalhado por todos os professores.
Quadro 1 – Disciplina responsável pelo ensino da leitura
P - Geografia
P - Ciências
P - Português
Em todas as
disciplinas,
porque sem a
leitura o aluno
não vai poder
trabalhar
nenhuma
disciplina.
Todo professor
deve ter
responsabilidade
com a leitura.
Leitura sempre,
independente da
disciplina.
P - Matemática
Todo professor
tem
essa
responsabilidade,
mas a Língua
Portuguesa tem
que
estar
à
frente.
P - História
A leitura tem que
ser
cobrada,
trabalhada
incessantemente
em
todas
as
disciplinas.
É
evidente que cabe
uma
responsabilidade
muito grande para
o professor de
Língua Portuguesa.
Todavia, apesar de não se eximirem, os professores apontam que a responsabilidade
maior recai para a Língua Portuguesa por ser a língua materna seu objeto de estudo e por ser o
121
professor dessa disciplina aquele que tem a qualificação específica. Essa responsabilidade
aparece na fala da professora de Geografia e de Matemática como o parceiro, como aquele
que pode ajudar a direcionar as ações.
Em acordo com Soares (2002), a leitura é um conteúdo que deve ser trabalhado por
todos os professores independente da área de atuação, visto que cada área tem especificidades
em relação à linguagem:
[...] a tendência é julgar que cabe ao professor de Português ensinar a
desenvolver habilidades de leitura e de escrita. Freqüentemente, professores
das outras disciplinas se queixam com o professor de Português de que os
seus alunos não estão sabendo compreender o problema de Matemática, o
texto de História, o texto de Ciências. Na verdade, essa competência, essa
responsabilidade não é só do professor de Português, nem o professor de
Português é inteiramente competente para desenvolver habilidades de leitura
de um problema de Matemática, por exemplo. Porque tem uma terminologia
específica, tem uma forma específica de se apresentar, como o livro de
Ciências, como o livro de Geografia. Não é o professor de Português quem
vai ensinar um aluno a ler um mapa, nem quem vai ensinar a ler um gráfico.
Isso são atribuições específicas dos professores que trabalham com essas
formas de escrita. Então, cabe a eles desenvolver essas habilidades de leitura
e de escrita também. Escrever um texto de História, ou de Ciências, não é a
mesma coisa que escrever uma crônica, se o professor de Português pede
uma crônica. São gêneros diferentes, cada área de conteúdo tem um tipo
específico de texto que cabe ao professor dessa área ensinar o aluno a
escrever ou a ler. (SOARES, 2002, não paginado.)
No discurso dos professores verifica-se uma consciência sobre a responsabilidade com
o trabalho de leitura a ser realizado nas aulas independente das disciplinas ou séries. Vale
ressaltar, que ao serem questionados a respeito do “ensino” da leitura, em momento algum,
usou-se esse termo, sempre que se referiam ao trabalho de leitura em sala de aula usavam
termos como “incentivo” e “oferecer condições”. É possível inferir que tal atitude possa estar
atrelada à concepção que cada professor constrói ao longo do seu processo de escolarização
em que cada disciplina aparece de maneira isolada, com seu objeto de estudo muito bem
delimitado. A leitura termina sendo um meio de comunicação do conteúdo e não um conteúdo
procedimental que precise ser planejado e ensinado em todas as disciplinas. Ficando para as
demais disciplinas o “incentivo” à leitura e para a Língua Portuguesa o “ensino” da leitura.
Essa visão não encontra respaldo nos estudos da área, pois o ensino da leitura compete a todos
os professores e em todos os níveis:
Enquanto atividade social, a leitura compete a todos os professores. Ao
professor de língua, porque deverá ajudar a desenvolver nas crianças – mais
ainda naquelas que foram alfabetizadas abruptamente através de métodos
puramente formais e analíticos – o prazer e a magia da palavra na obra
122
literária. Aos demais professores, porque eles são o modelo de leitor do
grupo profissional que representam: do geógrafo, do cientista, do
matemático. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p. 98)
Em relação ao que pode ser feito, observamos no Quadro 2 algumas sugestões dos
professores, dando ênfase a outros espaços de leitura além da sala de aula. Eles apontam à
necessidade da renovação do acervo da biblioteca; do trabalho coletivo por meio de um
projeto que envolva direção, professores e coordenadores; da ampliação do ambiente
alfabetizador na escola por meio de cartazes, jornais, revistas, filmes; de se ter sempre uma
informação para o aluno nos murais; etc. Destacam, também, a importância e necessidade do
empréstimo de livros para os alunos levarem para casa, essa atividade permite ao aluno o
manuseio do livro em outros espaços que não seja a escola.
Observa-se que essas sugestões são atividades que para sua concretização precisam
dos diversos membros da comunidade escolar para a solução da problemática em questão. O
quadro a seguir, sintetiza a posição dos professores sobre o que pode ser feito na escola para
incentivar a leitura:
Quadro 2 – De que maneira a escola como um todo pode contribuir com a leitura
P – Geografia
P – Ciências
Uma biblioteca
munida, sempre
renovando o
acervo pra
leitura;
Tem que ser uma
preocupação da
direção e de
todos,
incentivando,
levando revistas,
recortes de jornal,
coisas da época.
Um mural; cartaz
nas paredes; uma
conversa que leva
pra sala; um tema
atual que tá se
passando; um filme
que ta aí no auge.
Fazer o aluno
assistir um filme, lê
jornal.
Levar revistas pra
sala, ler, mandar
eles assistirem o
jornal, eles ouvirem
a rádio, até mandar
eles ouvirem e
fazer um jeito deles
terem uma outra
forma enxergar as
coisas, de ouvir, de
saber ouvir.
P – Português
P – M atemática
P – História
Empréstimo do
livro pra levar
para casa.
Ambiente
alfabetizador
Com um projeto
que envolva a
direção
os
professores
e
coordenadores.
Trabalho
coletivo
Um
trabalho
articulado entre
as
várias
disciplinas;
Um
projeto
político
pedagógico que
contemple
a
leitura.
As posições são convergentes no sentido que todas as sugestões apresentadas são
atividades que precisam da colaboração ou intervenção do outro, no entanto, se diferenciam
na forma. As posições dos professores de Geografia, Ciências e Português são voltadas para
123
práticas mais concretas, ações que levam em consideração o espaço físico escolar e materiais
diversos para a leitura, enquanto que Matemática e História apontam para o Projeto Político
Pedagógico da escola, que deve ser o eixo norteador das demais ações apontadas pelos
professores.
A professora de Geografia acredita que para melhorar o desempenho do aluno em
leitura faz-se necessário um trabalho interdisciplinar. Nesse sentido, Kleiman e Moraes (1999)
ao discutirem as práticas de letramento na escola, apontam como caminho para atender as
necessidades dos alunos e dos professores os projetos interdisciplinares:
Os projetos interdisciplinares ajudam a desenvolver o letramento pleno
porque expõem o aluno a vários tipos de eventos, ou a várias formas de ler
um mesmo texto, dando oportunidade para se vivenciarem as várias práticas
de forma colaborativa e com a ajuda de alguém já familiarizado com elas. O
professor das diversas disciplinas passa a ser o modelo porque já é membro
do grupo socioprofissional que pratica a leitura como ele gostaria que o
aluno lesse, isto é estabelecendo as conexões que são relevantes para
entender a história, a geografia, para desenvolver a competência no uso da
linguagem, para expressar uma interpretação. (KLEIMAN e MORAES,
1999, p. 99)
Encontra-se na fala dos professores sugestões de atividades e procedimentos que
podem ser desenvolvidas por seus pares como possibilidades para ajudar seus alunos a
melhorarem o desempenho em leitura. É possível verificar que essas sugestões também estão
presentes quando cada professor cita o que pode fazer na sua disciplina para ajudar esses
alunos. Aparecem posturas e procedimentos que precisam ser vivenciadas por todos na sala de
aula como: o trabalho em grupo, a realização de atividades que levem aluno a ler, a
construção de textos orais para depois partir para a escrita, a exposição para o aluno sobre a
finalidade da leitura, etc. A professora de língua Portuguesa é enfática ao afirmar que é
necessário executar a leitura, colocar os alunos para ler, ou seja, desenvolver atividades que
levem o aluno à pratica da leitura, convergindo, assim com a posição dos demais conforme o
Quadro 3:
124
Quadro 3 – Como os demais professores podem contribuir p/ superar as dificuldades de leitura dos alunos
P – Geografia
P – Ciências
Todo professor
Trabalho em
grupo com apoio tem que
procurar de
dos pares;
alguma forma
mostrar para os
Interdisciplinameninos pra que
ridade.
é que ele tá
lendo aquilo, pra
que é que ele
precisa aprender
aquilo.
P – Português
P – M atemática
P – História
Colocando o aluno
para ler
Desenvolvendo
atividades que
levem o aluno a
prática da leitura.
Construção com os
alunos de textos
orais para depois
passar
para
a
escrita
é
uma
atividade muito boa
para
ser
desenvolvida
em
qualquer disciplina.
Elaborando
atividades, não
fugindo
do
conteúdo da sua
disciplina, mas
sempre levando
atividades
que
explorem
a
questão
da
leitura.
Ter
objetivos
definidos sobre o
trabalho
de
leitura com os
alunos.
Reduzir
um
pouco mais a
carga
de
conteúdos
e
centrar fogo na
questão
de
colocar
os
meninos para ler
e escreverem
Além dessas sugestões, os professores apontam a necessidade de mostrar ao aluno que
gostam de ler – professor como modelo de leitor. Segundo o professor de História, é
importante que essas atividades sejam prazerosas e agradáveis, entretanto ele reconhece que,
apesar de tentar, não tem conseguido realizar suas atividades dessa forma. Os professores de
História, Geografia, Ciências e Matemática reconhecem que é uma tarefa difícil para eles,
mas procuram fazer atividades que consideram importante para o aprendizado da leitura.
O trabalho coletivo na escola precisa ter como base o diálogo, cada membro da escola
como o outro que pode ajudar, por meio de discussões, denúncias, socialização de práticas
bem sucedidas ou não e da partilha de angústias e alegrias vivenciadas em sala de aula, com o
intuito de buscar alternativas para transformação do que está posto:
O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não
apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com
o outro. O diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem
é a favor que um faz ao outro. Nem é a tática manhosa, envolvente, que um
usa para confundir o outro. Implica ao contrário, um respeito fundamental
dos sujeitos nele engajados, que o autoritarismo rompe ou não que se
constitua.
[...] enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que
disponho de, abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento.
(FREIRE, 1992, p.120)
A leitura na escola precisa sair do isolamento das salas de aula, para ser uma atividade
compartilhada por todos os professores por meio do diálogo permanente, numa atitude de
respeito às limitações de cada um, mas com a perspectiva de crescimento individual e coletivo
a partir dessas limitações. Cada ser humano cresce com as diferenças que o constitui nas
125
dimensões profissionais, culturais, sociais e afetivas. Na escola também se cresce com a
partilha de conhecimento.
6.3. Relação leitura e conteúdo específico
A leitura como um conhecimento escolarizado apresenta-se como um pré-requisito,
um procedimento para aprendizagem dos conteúdos escolares, pois é por meio do código
escrito que, na maioria das vezes, esses conteúdos são veiculados e que o aluno é avaliado. A
leitura é um conteúdo procedimental que permeia todas as disciplinas, assim:
[...] o ensino e prática da leitura, atividade constitutiva da aprendizagem,
deve fazer parte de todas as atividades, e que todo professor é, em última
instância, professor de leitura. Nessa perspectiva, cabe notar, a leitura é a
atividade-elo que transforma os projetos de um professor em projetos
interdisciplinares: parte-se da ótica do especialista – historiador, geógrafo,
biólogo – para instaurar um espaço comum a todos, o da leitura. (KLEIMAN
e MORAES, 1999, p.23)
A visão de leitura como um conhecimento comum a todas as áreas, apresentada pelas
autoras, converge com o discurso dos professores participantes desta pesquisa ao
reconhecerem a leitura como um conhecimento fundamental para a aprendizagem dos
conteúdos específicos das suas disciplinas. Para eles, a apreensão dos mesmos fica limitada
devido às dificuldades que os alunos têm de ler e compreender um texto, seja um enunciado,
uma questão, etc. Para esses professores, apesar das limitações que possuem na área de
leitura, cada um, na sua disciplina, pode ajudar o aluno na aprendizagem desse conteúdo,
conforme síntese no Quadro – 4:
Q4 – Como cada professor, na sua disciplina, pode melhorar o desempenho de leitura dos alunos.
P - Geografia
P - Ciências
Sozinha
não, Tem que ler e
mas associada demonstrar que
ao professor de gosta de ler.
Língua
Portuguesa,
principalmente,
poderia fazer
um
trabalho
melhor
para
melhorar
a
condição
de
leitura e escrita
deles.
P - Português
Levá-los a ler.
Trabalhar
bastante
a
leitura, priorizar.
Construir com
eles os textos
orais pra depois
passar para a
escrita.
P - Matemática
Dando situações
que leve o aluno
a ler, interpretar,
pra
depois
responder aquela
questão.
Sempre trabalhar
com
questões
que levem o
aluno a fazer a
leitura.
P - História
Reduzir um pouco
mais a carga de
conteúdos e centrar
fogo na questão de
colocar os meninos
para ler, colocar os
meninos pra escrever.
126
Os professores apontam a necessidade de colocar os alunos para ler nas suas aulas.
Essa posição está associada aos meios disponíveis ou mais comuns dentro da escola para
trabalhar o conteúdo específico – o texto escrito, conforme expressa o professor de História ao
atribuir papel fundamental da leitura na sua disciplina, por ser depois de Língua Portuguesa, a
disciplina que tem um maior instrumental de equipamentos centrados na leitura e na escrita.
Assim, a leitura apresenta-se como forma, ou seja, como instrumento de comunicação do
conteúdo de cada disciplina.
Nas diversas disciplinas, a veiculação do conhecimento específico pode se dar por
meio de outras linguagens, entretanto, o código escrito construído historicamente em
detrimento da oralidade, se constituiu na forma por excelência de transmissão de conteúdo
acadêmico. Em acordo com Edwards (1997), o conhecimento acadêmico é um modo
particular de existência social do conhecimento, que se reelabora na interação com o outro,
passando a ter diferentes significações. Entretanto, esse conhecimento se apresenta como
verdadeiro, dogmático e transmite visões de mundo de certa maneira “autorizadas”. A forma
pela qual esse conteúdo específico é apresentado também é um conteúdo no contexto escolar.
Nesse sentido, pode-se afirmar que a leitura se apresenta como forma e como conteúdo em
sala de aula nas diversas disciplinas. A transmissão do conteúdo por meio da leitura de textos,
se não for trabalhada de maneira que atenda as necessidades dos alunos que apresentam
dificuldades, pode continuar perpetuando as relações de diferenciação, discriminação e
seleção que acontecem dentro da escola, e consequentemente, na sociedade.
Todos os professores demonstram ciência de que os textos trabalhados em suas
disciplinas possuem uma linguagem específica da área. No entanto, só as professoras de
Geografia e de Ciências demonstram realizar atividades que buscam contextualizar, apontar
os sentidos que os termos específicos podem ter na respectiva disciplina. A primeira indica
utilizar o dicionário de Língua Portuguesa para que o aluno pesquise os termos específicos,
depois ela faz a transposição do que o aluno encontrou para a linguagem geográfica; a
segunda busca fatos, termos e vivências no cotidiano do aluno para relacioná-los ao que está
sendo trabalhado, visando facilitar a compreensão do aluno sobre os termos específicos da sua
disciplina.
Vale destacar, que os textos trabalhados, encontrados nos livros didáticos não
apresentam uma tipologia variada, na maioria das vezes, são textos informativos com uma
linguagem científica que dificulta a compreensão do aluno – leitor iniciante40, caso não haja a
40
Por leitor iniciante estou me referindo aos alunos que ainda não realizam uma leitura fluente com compreensão
sobre o que ler, interagindo com o texto, fazendo inferências.
127
mediação do professor para fazer a contextualização adequada. Sobre esse aspecto Guedes e
Souza discutem que:
A contextualização mais adequada para o entendimento de textos sobre cada
área do conhecimento vai ser feita pelo professor da respectiva área, e isso
não se refere apenas aos termos próprios da ciência em questão, mas também
ao valor particular que nesse contexto assumem relações mais gerais de
oposição, de causa e efeito, de condição (o que quer dizer “se” em
matemática?) etc. Ensinar a ler é contextualizar o texto e explorar os seus
possíveis sentidos; aprofundar a leitura é promover um diálogo da leitura
feita pelo aluno com a leitura feita pela tradição, e essas tarefas são de todas
as áreas. (GUEDES e SOUZA, 2006. p. 139)
A discussão que os autores apresentam sobre a necessidade de contextualização
reforça a fala da professora de Português ao afirmar que seus alunos lêem, mas têm
dificuldades de atribuir sentido ao que lê. Talvez, esse também seja o problema dos alunos nas
demais disciplinas, devido à falta de uma intervenção mais sistematizada do professor das
diversas áreas, os quais atribuem a Língua Portuguesa uma responsabilidade maior na
aprendizagem desse conteúdo. A leitura apesar da importância atribuída pelos professores
para a aprendizagem do conteúdo escolar continua sendo uma aprendizagem periférica nessas
disciplinas.
Para a professora de Matemática, existe uma mudança na forma de conceber e
trabalhar a leitura na sua disciplina, os próprios livros didáticos que dificultavam estabelecer
essa relação, hoje, apresentam textos que podem ser explorados pelo professor visando
facilitar a compreensão do conteúdo específico por meio da leitura. Sua posição converge
com os estudos de Machado (1990) ao discutir as conexões entre Matemática e Língua
Materna, como também nos estudos de Smole e Diniz (2001) sobre leitura, escrita e resolução
de problemas e a relação entre Matemática e Literatura.
A posição da professora sobre a dificuldade de compreensão do conteúdo
matemático que os alunos apresentam decorrente da falta de compreensão leitora encontra
respaldo no trabalho de Carrasco (2006) ao discutir a importância da leitura e da escrita na
aprendizagem do conteúdo de Matemática. Para o autor:
A dificuldade de ler e escrever em linguagem matemática, onde aparece uma
abundância de símbolos, impede muitas pessoas de compreenderem o
conteúdo do que está escrito, de dizerem o que sabem de matemática, e pior
ainda, de fazerem matemática. (CARRASCO, 2006, p. 138)
A aprendizagem do conteúdo específico de cada disciplina que se dá por meio da
leitura, é um processo de interpretação, compreensão, de diálogo entre os saberes do aluno e o
128
conhecimento escolar, portanto, é uma aprendizagem processual que exige do professor um
planejamento com intervenções adequadas para ajudar o aluno no desenvolvimento da sua
competência leitora.
Sobre a aprendizagem do conhecimento específico de cada área veiculado pela leitura
se contrapõe a visão dos professores de Ciências e História, ambos vêem a importância desse
conhecimento, sendo que para a professora de Ciências o conhecimento escolar deve sair dos
muros da escola. Para ela, a função da escola não deve se restringir apenas a certificação, mas
a um processo maior de educação em que o indivíduo se apropria desse conhecimento
sistematizado para melhorar suas condições de vida, levando para casa informações que foram
apreendidas dentro da escola. Quanto ao professor de História, ele aponta a necessidade dos
professores se apropriarem dos conhecimentos dos alunos, da comunidade em que eles estão
inseridos como uma forma de articulá-los aos conteúdos específicos. Percebe-se assim, um
movimento inverso na posição dos professores, em que o conhecimento escolar se direciona
da escola para casa na visão da professora de Ciências e de casa para a escola na visão do
professor de História, ou seja, uma via de mão dupla.
A leitura é vista por eles como o elo de mediação entre esses conhecimentos.
Entretanto eles apontam que é uma tarefa difícil de ser concretizada, devido à formação
fragmentada e especializada nos cursos de licenciaturas, como expressa o professor de
História ao se referir a falta de articulação entre os departamentos de educação, de letras e das
diversas licenciaturas. Dessa falta de articulação resulta o choque com a realidade escolar:
“Porque quando a gente cai aqui41, por exemplo, a gente pega alunos que tem que alfabetizar”
(P – História, grifo meu). Esse choque, segundo o mesmo professor, deve-se à preocupação
excessiva nos cursos de licenciatura em formar o especialista – o pesquisador – quando
deveriam dar ênfase na formação do professor trabalhando com os conhecimentos teóricos da
área, mas também, com os mecanismos de comunicação desses conhecimentos, ou seja, das
técnicas, métodos, etc. A posição do professor ao mencionar os conteúdos específicos e os
conhecimentos pedagógicos necessários para a docência converge com a dos teóricos que
discutem a base de conhecimento do professor. (Shulman, Mizukami, Pacheco e Flores, etc.)
Nesse sentido existe uma preocupação exagerada com a transmissão do conteúdo
específico, como se ele por si só fosse suficiente para o desenvolvimento escolar do aluno.
Conforme Freire (1996), ensinar exige saberes que são específicos da docência, e que não se
restringem apenas ao conteúdo específico, são saberes políticos, sociais, afetivos, ideológicos,
41
Referindo-se à escola.
129
metodológicos, pedagógicos, etc., que se interligam num movimento de interdependência por
meio do diálogo, exigindo do professor uma coerência entre o que diz e o que faz.
Mizukami (2004), com base nos estudos de Shulman também discute sobre os
diversos conhecimentos ou saberes que fazem (ou devem fazer) parte do repertório
profissional do professor, conhecimentos do conteúdo, conhecimentos pedagógicos e
conhecimentos pedagógicos do conteúdo. Este último tipo de conhecimento é construído ao
longo do exercício da docência, a partir das necessidades postas pela realidade, tendo relação
intrínseca com os demais conhecimentos.
5.4. Relação do aluno com a leitura
Como já foi dito no corpo desse trabalho, os alunos têm ingressado na quinta série sem
o domínio do código escrito. Essa assertiva é comprovada na fala dos professores
entrevistados ao afirmarem que seus alunos têm dificuldades com a leitura. Essa dificuldade
se apresenta em diferentes níveis, sendo que existem alunos que não decodificam; alunos que
decodificam, mas não compreendem o que lêem; alunos que lêem o que está escrito, mas não
estabelecem relações com outras leituras dando sentido ao texto.
A dificuldade de leitura apresentada pelos alunos não tem sido sanada de uma série
para outra e muitos alunos chegam à oitava série sem o domínio básico do código escrito.
É importante destacar que tal dificuldade é maior nos alunos que apresentam
defasagem idade/série. Essa defasagem ainda é um problema educacional que precisa ser
contemplado pelas políticas públicas de maneira efetiva. Na escola em que a pesquisa foi
realizada, a defasagem idade/série se configura em alunos que ingressaram muito tarde no
sistema escolar devido à falta de escola na região ou de transporte, ou até mesmo pela falta de
perspectiva em relação aos estudos, pelas condições sócio-econômicas que os obriga a
trabalhar no turno oposto, como também pelas reprovações sucessivas.
Destacamos a lei nº 11.274 de 6 de fevereiro de 2006, que regulamenta o Ensino
Fundamental de nove anos, como uma possibilidade mais efetiva para o ingresso obrigatório
na escola dessas crianças aos seis anos de idade. Esse ingresso poderá propiciar um contato
mais sistemático e uma maior interação com o código escrito. A referida lei se apresenta
como uma possibilidade, pois muitos pais ou responsáveis, mesmo existindo algumas escolas
de Educação Infantil na região, não se sentiam motivados ou obrigados a matricularem suas
crianças antes dos sete anos de idade. Essa falta de motivação também está relacionada à
grande distância entre a escola e a residência.
130
Uma hipótese explicativa para as deficiências do aluno com leitura, levantada pela
professora de Ciências, tem sido a organização familiar, que se configura na região de
diferentes formas: as crianças são criadas pelos avós, pelos tios, muitas vezes, numa mesma
casa existem mais de uma família convivendo em péssimas condições. Destacamos que as
diferentes formas de organização familiar – um fenômeno global da contemporaneidade – não
determinam o desempenho escolar do aluno. O que interfere, mas não determina esse
desempenho, é a falta de incentivo à leitura por meio de materiais escritos, de referências, de
modelos de leitor e de oportunidades favoráveis à aprendizagem. As pesquisas realizadas na
área da aprendizagem da leitura e escrita têm demonstrado que um ambiente alfabetizador
propicia ao indivíduo uma interação maior com o objeto de estudo.
No Quadro 5, com exceção da posição da professora de Português, percebe-se indícios
na fala dos professores que estabelecem uma relação entre as dificuldades de leitura dos
alunos e as condições sociais, culturais e econômicas em que estão inseridos. Aqui se observa
uma grande distância entre as concepções dos professores sobre a aprendizagem da leitura e
as teorias que abordam a temática.
Q 5 – Visão dos professores sobre a relação dos alunos com a leitura
P - Geografia
Não
costume;
P - Ciências
têm Lê somente o que
está escrito, mas
não vai muito
Não têm base;
longe disso.
Não gostam de
Muitos
alunos
ler;
são criados pelos
A questão de avós. A avó, às
casa, eu acho que vezes,
é
os
pais...
a analfabeta, eles já
vivência
deles vão pra escola
não é tão voltada tarde.
para a leitura.
P - Português
P - Matemática
querem Não têm acesso a
tipo
de
no que esse
incentivo na sua
casa.
Não
querem
refletir sobre o Não têm muito
acesso à leitura,
que leram.
pela
questão
sócio-cultural,
pela origem que
eles têm de vida
dos pais, pela
realidade.
Não
pensar
leram;
P - História
Não têm o hábito
de leitura, pelo
menos os que nós
aqui recebemos;
São
muito
acanhados;
Não gostam de
ler;
Têm vícios de
linguagem
difíceis de serem
corrigidos... tipo
problema, ele lê
[pobrema,
probema]
Os dados do Quadro – 5 podem sugerir que o aluno não lê apenas por motivos
externos à escola e que essas dificuldades se apresentam apenas aos alunos de baixa renda.
Percebe-se uma visão determinista, de ausência, de falta, onde a família se apresenta como
responsável pelas dificuldades de leitura desses alunos. Discordando dessa visão, Silva
(1993), ao discutir a presença de algumas idéias cristalizadas no processo de leitura, afirma
131
que muitos professores acreditam que a leitura é uma atividade que depende do berço da
criança:
São muitos os professores que, de maneira fatalista reclamam e impõem a
necessidade de “bons exemplos familiares” para o processo de formação dos
leitores. Na ausência desses exemplos, pouco ou nada se pode fazer; se os
pais não forem leitores, se não houver livros na casa do aluno, então... [...]
considerando que os lares brasileiros não são materialmente semelhantes e,
portanto, que as crianças não têm as mesmas oportunidades de educação
familiar, não podemos como educadores, repassar as famílias uma função
que elas não têm condições concretas de exercer. (SILVA, 1993, p.51)
Ressaltamos que a aprendizagem da lecto-escrita é uma atividade escolarizada,
portanto, cabe a comunidade escolar criar as condições necessárias para que essa
aprendizagem aconteça de maneira satisfatória. Não passando essa responsabilidade para a
família ou outra agência formadora, desescolarizando, assim, o processo de leitura. Nesse
sentido, Silva discute a necessidade dos professores partirem das diferenças sócio-culturais
das crianças para elaboração de atividades que visem contribuir com o desenvolvimento da
aprendizagem da leitura:
A compreensão crítica das diferenças sócio-econômicas e culturais entre as
famílias de onde se originam as crianças deve enriquecer o planejamento do
ensino e não como usualmente ocorre, ser tomada como uma dificuldade
intransponível. Deve, ainda, servir como orientação básica ao
estabelecimento de propósitos para a ação pedagógica, que, no fundo e em
essência, é sempre política. (SILVA, 1993, p.52).
O processo de aprendizagem da leitura é um processo acadêmico, e é dentro da escola
que precisamos repensá-lo, buscando explicações plausíveis para as questões que são postas.
É inegável que esses alunos têm um acesso restrito aos diversos portadores de textos que são
veiculados na sociedade letrada e que não têm um acompanhamento mais sistemático em
casa, mas as idéias apontadas no Quadro - 5 precisam ser pensadas na perspectiva do que a
escola está fazendo para que o aluno goste de ler, tenha acesso e incentivo a leitura, queira
pensar sobre o que lê, tenha o hábito de leitura e tenha uma base que lhe propicie avanços de
uma série para outra.
O professor das diversas disciplinas não aprende como trabalhar com a leitura em um
curso de formação inicial. Essa tem sido uma aprendizagem, para aqueles que assumem um
compromisso com o seu fazer pedagógico, no cotidiano escolar, na reelaboração constante de
suas crenças, teorias, concepções e valores diante dos desafios postos na realidade concreta de
132
sala de aula. Para aqueles que buscam referenciais no seu processo de escolarização e buscam
com os colegas possíveis soluções.
Pesquisas têm demonstrado que muitos professores aceitam passivamente, como algo
dado e que não existe saída às péssimas condições em que se encontra a maior parte das
escolas públicas dos grandes centros urbanos (violência, vandalismo, depredação, baixa
aprendizagem dos alunos, improdutividade, entre outros). Tais elementos, aliados a baixa
remuneração, a falta de valorização da profissão docente e a ideologia neo-liberal que difunde
na sociedade que o sucesso do indivíduo se dá por meio do seu próprio esforço, têm levado
muitos professores a reproduzirem as relações sociais vigentes por meio de uma prática
conformista, pragmática e fatalista, em que ele faz a sua parte, o aluno aprende se quiser.
Diante do exposto, pode-se afirmar que:
As condições de trabalho na escola não favorecem muito a diversidade no
tratamento do texto: as bibliotecas são escassas, as classes numerosas e até o
acesso ao livro didático é limitado. A cada aula, o professor tem que
distribuir o livro didático e recolhê-lo ao final do período porque o número
de livros nunca chega para todos. Ainda, com raras exceções, submetem-se
os alunos a práticas de leitura uniformes, invariáveis, indiferenciadas
independentemente das suas capacidades e graus de familiaridades com a
escrita. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p. 99)
O aluno que ingressa nas séries finais do Ensino Fundamental com dificuldades de
leitura, poderá sair sem sanar essas dificuldades, dependendo das condições materiais que
encontre na escola (equipe pedagógica, trabalho coletivo, ambiente alfabetizador, material
para leitura, proposta pedagógica coerente com as necessidades, etc.). Mas, também é
possível, conforme expressam os professores, realizar um trabalho que vise sanar suas
deficiências com leitura.
6.5 – O processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas
Nesta dimensão de análise busca-se apreender as práticas de leitura desenvolvidas
pelos professores no cotidiano escolar. Para realizar um trabalho mais concreto, mais próximo
das necessidades que os alunos apresentam, os professores precisam navegar pela imensidão
de outros conhecimentos, outras áreas, precisam sair da solidão da sala de aula, precisam
redimensionar a concepção da dimensão da sua autonomia. Como já foi afirmado, o trabalho
com a leitura em sala de aula exige que o professor vá além do conhecimento do conteúdo da
disciplina e estabeleça o diálogo com seus pares, visando à socialização das dificuldades
133
enfrentadas e a busca de referências que o ajude na superação dos obstáculos citados. Esses
fatores implicam em mudanças e mudanças exigem tempo, nos fazendo deparar, assim, com
mais um paradoxo: a urgência da sala de aula e o tempo prolongado necessário à mudança.
O processo de ensino e aprendizagem se concretiza em diversos momentos e dele
fazem parte diversos elementos interdependentes – conteúdo, forma, professor, aluno, escola,
objetivos, sociedade, etc. No cotidiano da sala de aula, esse processo se concretiza de
diferentes formas devido à influência do contexto histórico, político, social, econômico,
afetivo e cultural em que alunos e professores estão inseridos.
Levando em consideração o exposto, pode-se afirmar que as ações realizadas em sala
de aula para contemplar a leitura precisam ser planejadas, visando atender as reais
necessidades dos alunos. A prática de planejamento sistemático, apesar de ser uma atividade
inerente ao fazer pedagógico, é vista por muitos educadores como uma ação desprovida de
sentido. Isso porque, muitas vezes, o planejamento cumpre apenas uma função burocrática. O
planejamento é uma ação indispensável que cumpre tanto a função burocrática como a função
pedagógica, orientando, definindo e redimensionando a prática em sala de aula.
Todos os professores afirmaram que no planejamento existem atividades que
contemplam a leitura em suas aulas, entretanto, dos quatro professores entrevistados, apenas
dois apresentaram seus planos de curso. Esses planos, como cumprem uma parte burocrática,
são elaborados contendo todos os elementos de um planejamento: identificação, conteúdos,
objetivos, procedimentos, recursos, avaliação e referências bibliográficas. Os demais disseram
que tinham feito, mas não estavam com eles. Diante dos dados é impossível afirmar que esses
planos sejam ou não (re)visitados e (re)elaborados pelos professores ao longo do ano letivo
para atender as necessidades concretas dos alunos. De acordo com os materiais escritos42
analisados durante as entrevistas e as respostas dos professores, no dia-a-dia da sala de aula,
eles pensam em atividades e fazem anotações como a elaboração de questões, número de
páginas de livros, textos a serem trabalhados no livro didático. Apenas a professora de Língua
Portuguesa apresentou um roteiro de atividades.
Destaca-se que apesar de aparecer nos planos de ensino objetivos ou procedimentos
que contemplem a leitura, parece que tais elementos foram pensados apenas na perspectiva de
transmissão/construção/socialização do conteúdo específico. As professoras de Geografia e
Português demonstram consciência de que no plano de ensino o tema leitura não apresenta
objetivos claros que direcionem o trabalho e não é contemplado como prioridade, levando em
42
Planos de ensino, atividades escritas, roteiro de atividades, livros didático apresentados apenas pelos
professores de Ciências, Geografia e Português.
134
consideração as dificuldades que os alunos apresentam. Essa idéia nos permite inferir que
existe uma grande distância entre o plano de ensino e a realidade vivenciada.
Na fala da professora de Português parece existir uma incoerência ao afirmar que
apesar do seu trabalho no cotidiano escolar ser totalmente direcionado pela leitura de textos conforme as atividades escritas desenvolvidas em sala de aula que a mesma levou para serem
analisadas –, o seu plano de ensino contempla apenas aspectos gramaticais. Entretanto, essa
incoerência é superada após uma análise mais detalhada desse plano, onde a professora
encontra elementos que direcionam sua ação em relação à leitura. Apesar de se referir muito
aos conteúdos gramaticais, é possível verificar no relato das ações em sala de aula que a
leitura é desenvolvida de maneira sistemática. A professora afirma que a partir do trabalho
com textos, os elementos gramaticais são explorados. Sua posição de que o ensino sistemático
da gramática não deve acontecer no Ensino Fundamental converge com as idéias de Soares ao
afirmar que:
[...] o ensino da gramática não cabe no ensino fundamental. Talvez no ensino
médio, mas não no ensino fundamental. Não dessa forma sistemática! É
claro que é necessário, que em aulas de Português, se desenvolva nos alunos
uma capacidade de reflexão sobre a língua, uma certa chamada
metalinguagem, de poder olhar a língua como um objeto. Em certos casos,
em relação a certos fenômenos que sejam importantes para o
aperfeiçoamento das suas habilidades de leitura e de escrita que estejam
relacionados com o uso da Língua Portuguesa. (SOARES, 200X p.x)
Para a autora, a Língua Portuguesa no Ensino Fundamental deve ser direcionada para
melhorar as habilidades de leitura e escrita, por meio da reflexão sobre a língua e não por
meio do ensino sistematizado da gramática.
A falta de um planejamento articulado e sistematizado nas diversas disciplinas pode
indicar que muitas das ações desenvolvidas em sala de aula com leitura ficam soltas e são
esporádicas, não trazendo o resultado esperado. Se essas atividades fossem definidas com
objetivos estabelecidos, socializadas e trabalhadas em conjunto talvez obtivessem resultados
mais satisfatórios. É necessário delimitar o caminho a seguir, mesmo que durante a caminhada
se possa fazer outra opção. Deve estar claro onde se quer chegar e quais os instrumentos
estarão sendo utilizados durante o percurso.
No contexto em questão, todo planejamento da escola, materializado nos planos de
curso, planos de unidade, planos de aula etc., deveriam levar em consideração as dificuldades
de compreensão leitora que os alunos apresentam. Nesse sentido, os textos trabalhados em
sala de aula devem ser cuidadosamente selecionados, não como um texto com a idéia de
135
“fácil”, mas textos que desafiem, que estimulem, que estejam próximos da realidade desses
alunos, que possam ser problematizados, que possam favorecer o estabelecimento de relações.
É possível inferir que o cuidado na seleção dos textos está atrelado à relação com o
conteúdo específico a ser trabalhado na aula. No entanto, as professoras de Ciências e
Matemática apontam à necessidade de textos que não estejam diretamente ligados a
disciplina. Cuidados como linguagem acessível, interesses dos alunos, níveis de
aprendizagem dos alunos, faixa etária, série escolar, contexto local etc., voltados para o
trabalho com leitura, conforme o Quadro – 6, não são observados no discurso dos professores,
com exceção da professora de Língua Portuguesa, talvez pela especificidade da disciplina de
trabalhar com a língua materna.
Quadro 6 - Cuidados que o professor toma para seleção de textos.
P – Geografia
P – Ciências
Textos voltados Textos
para
a relacionados
à
geografia
disciplina,
dependendo
do
assunto e, às vezes,
são
coisas
da
atualidade, que está
acontecendo, levo
jornal que saiu uma
pesquisa.
P – Português
Textos
que
aquele
aluno,
naquela
idade,
com
aquela
vivência
seja
capaz
de
interpretar.
P – Matemática
P – História
Um
texto Textos tirados de
diferente,
uma livros didáticos
de História
curiosidade;
Levar
sempre
alguma
coisa
nova para o aluno
ler
Para os professores de Ciências e História, a relação entre leitura e escrita é
indissociável, por isso apontam atividade como cópia de textos como um meio para levar o
aluno a ler. Essa associação também está presente na fala dos demais professores ao
apontarem questões, enunciados e textos escritos no quadro como atividades de leitura, pois
se tornam um meio que obriga o aluno ler para poder responder. Apesar da intenção de levar o
aluno ler por meio dessas atividades, é importante ressaltar, que se o professor não lê essas
atividades com os alunos, as mesmas não passam de meras cópias sem significados ou
questões para a simples memorização. O aluno das séries finais do Ensino Fundamental
também precisa de referências de leituras, de que o professor facilite, faça a mediação entre
ele e o código escrito.
As dificuldades dos alunos com relação à leitura vão sendo percebidas ao longo do
ano letivo, por meio de atividades rotineiras que são desenvolvidas em sala de aula, ver
Quadro – 7, e não por meio de atividades planejadas com objetivo definido para esse fim. Os
professores solicitam que alguns alunos leiam parágrafos de um texto do livro didático,
136
passam questões para que os alunos respondam, etc. Destaca-se que, em Língua Portuguesa,
devido a forma como as atividades de leitura são realizadas (Quadros 8 e 9), a professora
consegue perceber as dificuldades de leitura dos alunos com mais freqüência.
Quadro 7 – Quando os professores percebem as dificuldades com leitura dos alunos
P – Geografia
P – Ciências
P – Português
Quando faz
atividades que o
aluno tem que
ler para dar a
resposta;
Em atividades
escritas, eles
respondem
coisas que não
tem nada a ver
com o que foi
perguntado;
Lê somente o
que está escrito,
não lê as
entrelinhas.
Quando faz
alguns
questionamentos
relacionados ao
texto. Eles
querem recortar
a resposta do
texto
P – Matemática
Quando dá uma
situação problema e
o
aluno
não
consegue dizer nem
qual é a operação e
nem
identificar
esses elementos;
Quando lêem, mas
não
conseguem
dizer com suas
palavras o que
entenderam.
P – História
Nos momentos
em que eles são
solicitados a ler;
No momento da
fala;
No momento da
escrita
deles
também.
Aqui é importante destacar que essas atividades têm a sua importância na sala de
aula, o que se questiona é a falta de objetivos específicos para a leitura, tendo em vista que
muitos alunos criam suas formas de “escape” para dar a resposta esperada pelo professor ou
para se “livrar” de fazer uma leitura oral. Como são atividades voltadas apenas para o
conteúdo da disciplina, muitos professores só conseguem perceber a dificuldade do aluno em
relação à leitura no final do ano, conforme expressa a professora de Ciências que só percebeu
a dificuldade de leitura de uma determinada aluna quase no fim do ano letivo por meio do
diálogo com um outro professor. Na fala da professora percebe-se também, a necessidade de
ajuda, de diálogo entre os colegas, para detectar as necessidades reais dos alunos, tendo em
vista que nas séries finais do Ensino Fundamental o contato do professor com os alunos é
bastante reduzido, e a quantidade de turmas também influencia, mas não determina, o
processo de conhecer o aluno.
No desenvolvimento das atividades que envolvem leitura, a professora de Língua
Portuguesa indica que sempre faz a leitura do texto para que os alunos tenham um
conhecimento prévio sobre o assunto tratado no texto, quais as idéias veiculadas no texto
como também, para que eles ouçam e acompanhem a pausa da vírgula, do ponto, a entonação
da interrogação, da exclamação, para eles entenderem a importância da pontuação no texto.
Os professores de Ciências e História afirmam que os alunos não compreendem o que lêem
por não fazerem a pontuação correta do texto. É importante ressaltar, que o professor ao ler
137
para seus alunos coloca-se na posição de modelo, aspecto imprescindível para a aprendizagem
da leitura.
Ao trabalhar o texto na sala de aula, Solé (1998) aponta a importância de o professor
desenvolver estratégias que ajudem, auxiliem, motivem ou desafiem o aluno para ler e
compreender um texto. A autora indica várias estratégias que podem ser desenvolvidas pelos
professores antes, durante e após a leitura.
Partindo das idéias da autora, procurou-se observar se os professores das diversas
disciplinas desenvolviam alguma estratégia de leitura com o objetivo de auxiliar o aluno no
ato de ler durante as sua aulas. Constatou-se apenas no relato da professora de Língua
Portuguesa a realização de estratégias mais específicas com esse objetivo. No quadro a seguir
é possível observar alguns procedimentos utilizados pelos demais professores antes da leitura.
Quadro 8 – Estratégias desenvolvidas antes da leitura
P – Geografia
P – Ciências
P – Português
P – Matemática
P – História
Pede que os
alunos leiam um
trecho, depois
(re)lê.
Geralmente lê
para os alunos;
Às vezes, manda
eles lerem
Às vezes, lê com
eles.
Apresenta o texto
antes, fala a
tipologia, explica
o que é;
Lê o texto antes;
Distribui o texto e
pede que eles
façam uma
leitura;
Lê sozinha pra
eles
ouvirem
depois lê junto
com eles.
Distribui
questões
datilografadas ou
escreve
no
quadro e solicita
que os alunos
façam a leitura.
Chama a atenção
dos alunos para a
pontuação
do
texto e para
realizar a leitura
buscando
entender o que
lê.
Os procedimentos apontados pelos demais professores são orientações rotineiras que,
na maioria das vezes, não surtem o efeito esperado pelo professor no desenvolvimento da
leitura, pois a preocupação maior é a socialização do conteúdo. Os alunos que têm dificuldade
com leitura não se beneficiam dessas orientações, pois precisam de intervenções que os ajude
a adentrar nas idéias do texto.
As orientações do professor de História estão atreladas a aspectos estruturais da
Língua – ortografia, pontuação. Preocupação presente também na fala dos professores de
Geografia, Língua Portuguesa e Ciências. Além dos aspectos citados o professor aponta que
em alguns momentos chama a atenção dos alunos para a estrutura do texto – introdução,
desenvolvimento e conclusão. Ressaltamos que essas orientações não são suficientes para
ajudar o aluno compreender e interpretar o texto lido, essas orientações, na maioria das vezes,
138
só contribuem para os alunos que não apresentam dificuldades com leitura. A forma como o
professor de História apresenta o texto, dá pistas para compreender a sua visão sobre os textos
de História - maçante, cansativa e sem motivação para o aluno.
Antes da leitura poucas estratégias são realizadas. O momento de apresentação, de
incentivo, de preparação, de pistas, de instrumentos e recursos que possibilitem o aluno a
navegar na imensidão de um texto não é perceptível na fala dos professores. Apenas a
professora de Português faz a apresentação do texto, indicando algumas pistas para facilitar a
compreensão da leitura, os demais solicitam que os alunos leiam o texto ou o próprio
professor faz a leitura. Verificamos assim, que de certa maneira, falta incentivo para a leitura
por parte dos professores das demais disciplinas. Os alunos não são motivados, seus
conhecimentos prévios não são ativados, não existem pistas que possam ser seguidas com o
intuito de facilitar a leitura. Com isso não quero dizer que essas estratégias não são
importantes, apenas que por si só não resolvem o problema, ou seja, são insuficientes para
ajudar os alunos a melhorarem o seu desempenho em leitura.
As estratégias realizadas durante a leitura dependem do tipo de leitura (oral – pelo
aluno, pelo professor ou em coro, individual ou coletiva; silenciosa; comentada – o professor
ou aluno lê um parágrafo ou período e em seguida o professor faz um comentário ou questões
para que o aluno responda oralmente). Quando é leitura silenciosa, os professores indicam que
não fazem intervenções, quando é oral, os professores de História e Ciências indicam que
fazem correções de palavras ou expressões, atitude também percebida na fala da professora de
Geografia ao indicar que ajuda quando os alunos “tropeçam”43 nas palavras. Destaca-se que o
professor de História raramente lê para os alunos, ele aponta que lê quando é solicitado pelo
aluno ou para as turmas que os alunos são menores. As atividades que exigem leitura, ele
solicita aos discentes que leiam. Contrapondo-se a esse comportamento, a professora de
Geografia geralmente faz a leitura para os alunos, mesmo quando eles lêem um parágrafo ou
trecho de um texto, ela re-lê em seguida, acreditando que é uma forma de ajudar o aluno a
compreender o conteúdo.
Ao final da leitura, os professores fazem algumas interferências orais, questionando,
explicando, comentando e em alguns casos, induzindo o aluno a falar sobre o que leu, em
seguida realizam atividades escritas: produção de textos, análise de textos e questões para que
os alunos executem.
43
Quando o aluno não consegue pronunciar a palavra – às vezes, são palavras que não fazem parte do
vocabulário do aluno.
139
Quadro 9 – Estratégias desenvolvidas após a leitura
P – Geografia
P – Ciências
P – Português
Pede ao aluno
para falar o que
entendeu;
Faz
comentários,
trabalho
com
mapas, questões
para os alunos
responderem,
produção
de
texto.
Faz
comentários;
Faz atividades
escritas tentando
interpretar
aquela leitura.
Depois da leitura
silenciosa, lê o
texto para os alunos
ouvirem.
Em
seguida pede que
alguns alunos leiam
também
Trabalha as idéias
do texto oralmente.
Vai instigando para
eles irem contando
aquela história que
eles leram.
Interpretação
escrita
P – Matemática
P – História
(Re)
lê
a Análise de texto;
atividade
por Questões orais e
escritas.
parágrafo,
fazendo
questionamentos.
Induz o aluno a
correr atrás, a
encontrar
a
solução.
As estratégias de leitura utilizadas pelos professores após a leitura, aparecem atreladas
à verificação da compreensão do aluno em relação à leitura feita, seja por questões orais ou
escritas. Essa verificação, em alguns casos, acontece de forma indutiva, em que o professor
vai fazendo questões orais ou comentários, para depois dar continuidade com questões ou
produções escritas. Em todos os casos, as atividades escritas finalizam o processo realizado no
trabalho com leitura. O trabalho da professora de Português se destaca ao buscar estabelecer
uma seqüência de ações mais específicas para o ensino da leitura.
Os professores procuram incentivar os alunos para exporem seus conhecimentos sobre
o tema estudado. Existe uma tentativa de possibilitar por meio de questões orais a
compreensão do que foi lido, mas os professores indicam que muitos alunos não participam,
pois se sentem inibidos. Talvez essa inibição esteja atrelada também à falta de compreensão
do que está sendo discutido e pela falta de procedimentos adequados que levem os alunos a
estabelecer relações, ou então pelo tipo de questão que, na maioria das vezes, já tem uma
resposta “certa”, esperada pelo professor.
O Professor de História indica que geralmente as atividades solicitadas ao final da
leitura são de interpretação para que o aluno lhe mostre, por meio de questões escritas ou
orais, o que entendeu. Assim, pode-se inferir que ao final da leitura as atividades
desenvolvidas são rotineiras com o intuito principal de transmissão do conteúdo da disciplina,
de reforço ou de verificação do conteúdo trabalhado.
No entanto, vale destacar que a partir do momento em que essas atividades forem
direcionadas com objetivos, também, voltados para a formação do leitor pode-se vislumbrar
possíveis saídas para o trabalho com leitura nas escolas de 5ª a 8ª série. Essa assertiva
140
encontra respaldo em algumas atividades que os professores relataram, buscando estabelecer
relações entre o texto e a realidade dos alunos como expressam as professoras de Ciências e
Geografia ao relatarem sobre as discussões sobre o rio que passa na região. Os alunos
participaram, discutiram, deram sua opinião. Ao trabalhar com notícias da atualidade
veiculadas pelos rádios, pelos jornais escritos e televisivos, a professora de Ciências encontra
uma motivação para os alunos participarem das suas aulas, tornando-as mais agradáveis e
próximas dos alunos. Nesse sentido, ela aponta que trabalha muito mais com a leitura de
mundo do que com a leitura da palavra, entretanto busca realizar atividades de leitura e
escrita.
Na fala dos professores, a leitura aparece muito relacionada ao prazer, ao gosto de
ler, fator importante na formação do leitor, mas que por si só, não garante o desenvolvimento
da competência leitora do aluno. Para a realidade das escolas brasileiras é necessário muito
mais que prazer pela leitura, é necessário formar o leitor por meio de um processo planejado,
orientado, ou seja, por meio do ensino da leitura e não apenas do incentivo, da motivação –
elementos que precisam ser levado em conta no processo de ensino de práticas leitoras.
As situações de ensino com textos, realizadas pelos professores, parecem que se
estruturam apenas no sentido do aluno executor, cujas interpretações são as autorizadas pelo
professor ou o autor do texto. Entretanto, o trabalho com leitura exige do aluno a posição de
co-autor, pois cada leitor tem a liberdade de atribuir sentido ao que lê, subvertendo o texto,
conforme expressa Chartier:
Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos
totalmente – o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor ou seus
comentadores. Toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta
liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende
impor. Mas esta liberdade leitora não é jamais absoluta. Ela é cercada por
limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que
caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. (CHARTIER, 1999,
p.77)
As práticas de leitura vivenciadas em sala de aula precisam levar em consideração essa
liberdade de atribuição de sentidos, e não se restringirem ao ritual: “leia e responda”.
Geralmente as atividades com leitura, a depender de como são desenvolvidas, podem se tornar
maçantes e não estimular o aluno a ler e escrever, pois são atividades que, na maioria das
vezes, visam atender questões específicas do conteúdo, esgotando-se na relação instrumental
da leitura e da escrita para a aprendizagem de determinado conteúdo. Em determinados casos:
“a preocupação dos professores é com a decifração de palavras e com a reprodução de
141
sentidos para os textos; além disso, muitas vezes fica-se apenas no circuito fechado da
palavra, não sobrando tempo nem iniciativa para a realidade histórico-social”. (SILVA, 2003,
p.18)
No grupo de professores entrevistados foi possível perceber que em alguns momentos
os professores dão saltos qualitativos no ensino da leitura, a exemplo da professora de
Ciências ao tentar articular o conteúdo da disciplina com a realidade dos alunos e da
professora de Matemática ao levar um conto para trabalhar em sala de aula um conteúdo
especifico da sua disciplina. Esse tem sido um dos caminhos apontados por diversos teóricos
da área de leitura para transformar as práticas de leitura da escola mais atrativas, coerentes,
significativas e que realmente contribuam com a formação do aluno-leitor.
5.6. Leitura e formação de professores: algumas palavras...
Destacamos que as concepções de leitura dos professores que permeiam as dimensões
abordando a definição de leitura e a relação desta com a escola e o conteúdo específico
convergem com os estudos atuais sobre o tema, são concepções próximas do ideal. No
entanto, ao analisarmos as dimensões que abordam a relação da leitura com o aluno e o
processo de ensino e aprendizagem verifica-se que o professor não tem conseguido fazer a
ponte ou a transposição desses conceitos e conhecimentos para o trabalho em sala de aula.
Essa dificuldade pode estar atrelada à formação inicial que segundo Kleiman e Moraes
(1999) forma o professor extremamente especializado, que não consegue realizar um trabalho
interdisciplinar. Os cursos de formação inicial, como bem expressa o professor de História,
têm separado a prática da teoria, por meio de uma lógica fragmentada do conhecimento que,
entre outros aspectos, dissocia os saberes da docência e constrói ou reforça no imaginário
coletivo dos futuros professores que a responsabilidade pelo ensino da leitura é do professor
de Língua Portuguesa ou das séries iniciais, e que o aluno ao ingressar nas séries finais do
Ensino Fundamental já deve ter um domínio pleno da leitura e da escrita. Uma visão ideal que
se contrapõe ao real, ao que está posto na maioria das escolas brasileiras.44
44
Sobre ideal estou me referindo aos parâmetros de avaliação do SAEB, que apontam as habilidades do aluno ao
ingressar na 5ª série dominando certas competências de leitura e escrita: escrever ortograficamente, compreender
o texto lido, etc. Sobre real estou me referindo às condições que um número elevado de alunos tem ingressado
nessa série, sem o domínio da competência leitora, ou seja, não conseguem ler frases simples, não compreendem
o que lêem, apresentam dificuldades para escrever ortograficamente, etc.
142
Em sala de aula, a formação do professor vai se refletindo nas práticas desenvolvidas
no trabalho com leitura. Diante desse quadro, Kleiman e Moraes (1999) ao discutirem o
processo de ensino da leitura na escola analisam que ele reflete uma pedagogia da
contradição:
Fragmenta-se o texto para que se aprenda a perceber o todo, procura-se fazer
com que o aluno responda somente ao que está previsto na leitura do
professor ou do autor do livro didático e exige-se um leitor crítico e
participativo. O aluno escreve textos de opinião sem ter formado uma
opinião; faz uma “interpretação livre” já cerceado, sem liberdade e, muitas
vezes, sem leitura. Ele “lê” sem entendimento, interpreta sem ter lido e
realiza atividades sem nenhuma função na sua realidade sócio cultural.
(KLEIMAN e MORAES, 1999, p.14)
Os professores entrevistados apontam à necessidade de um trabalho mais articulado,
mais efetivo com relação à leitura. Nos dados trabalhados, encontram-se muitos avanços nos
discursos, nas concepções, que aos poucos vão sendo incorporados às práticas de sala de aula.
Ainda existe uma grande distância entre as concepções e a práticas de leitura. Na sua maioria,
as ações que envolvem a leitura em sala de aula se limitam a orientações pautadas nas
experiências que esses professores tiveram ao longo do seu processo de escolarização: leitura
silenciosa, correções de erros na pronúncia, leitura de um texto pelo professor para explicação
do conteúdo, leitura de parágrafos por alunos etc. Esses procedimentos são insuficientes para
estimular e dar pistas ao aluno para acionar seus conhecimentos prévios e mobilizar o que
sabe.
No entanto, parece que existe um querer mudar a realidade, como expressa a
professora de Matemática ao afirmar que na escola, existem condições para a mudança
necessária em relação à leitura, faltando um referencial teórico que sustente e direcione as
ações. Para tanto, ela indica a necessidade de um coordenador na escola para fazer a mediação
com os professores entre a teoria e a prática.
Percebe-se na fala da professora, a escola como espaço de formação contínua, a partir
das reais necessidades. Nesse sentido, os estudos de Mizukami, et.all (2002), Candau (1996),
Imbernón (2006), Pacheco e Flores (1999) sobre a formação contínua in lócus, é de grande
contribuição para a proposição de práticas de formação contínua.
Em relação à fragmentação do conhecimento que acontece na escola, esta poderia ser
superada, como expressam os professores a partir do trabalho coletivo. Assim, a leitura
[...] poderia ser caracterizada como uma atividade de integração de
conhecimentos, contra a fragmentação. Devido à abertura que o texto
proporciona ao leitor para relacionar o assunto que está lendo a outros
143
assuntos que já conhece, ela favorece, no plano individual, a articulação de
diversos saberes. Entretanto, a fragmentação do saber relaciona-se
diretamente com a divisão do trabalho que a escola reproduz sob múltiplas
formas, inclusive na leitura. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p.30)
A partir das análises precedentes, apesar do trabalho ainda não ser desenvolvido
dentro de um ideal esperado é possível afirmar que, em conjunto, propostas podem ser
elaboradas dentro da própria escola para ajudar o aluno a desenvolver sua competência
leitora. Tais propostas podem ser elaboradas a partir de um processo de formação de
professores in lócus que pode ocorrer em momentos específicos de estudo e planejamento
como no horário das Atividades Complementares – AC ou em outros momentos acordados
entre a direção, coordenação e professores.
Neste sentido as propostas de um trabalho com leitura podem compreender:
1 – Articular o conteúdo disciplinar com estratégias de leitura: a leitura como
instrumento de comunicação do conteúdo, se for planejada com objetivos claros e estratégias
adequadas facilitam a compreensão do conteúdo pelo aluno, deixa de ser uma atividade de
tortura, maçante e sem significado;
2 – Envolver todos os professores na discussão sobre a produção científica na área de
leitura: Se os professores não têm fundamentos teóricos para desenvolver a leitura em sala de
aula, cabe à direção, coordenação ou até mesmo aos próprios professores criarem espaços
para apropriação desse conhecimento. As atividades de AC (Atividades Complementares)
podem ser um desses espaços, como também reuniões pedagógicas destinadas ao estudo do
tema;
3 – Redimensionar as práticas de leitura da escola: nas palavras de Silva:
é preciso fazer entrar na escola todos os suportes de leitura que estão
presentes nos meios onde a leitura é um gesto ordinário, mas que estão
ausentes nas outras famílias. Aos professores cabe serem bons incitadores e
oferecer, na vida cotidiana das classes, oportunidades de ler para ler, e não
para fazer exercícios, nos quais a leitura deve ser, em cada caso, expressiva,
seguida, dirigida, explicada, comentada ou metódica. (SILVA, 2003, p.42)
No caso dos alunos da escola em que a pesquisa foi realizada, não se pode ignorar que
o professor, na maioria das vezes, é o único modelo de leitor para o aluno, nesse sentido a
escola como um todo precisa articular atividades que deixem de lado o pressuposto de um
aluno ideal que domina a leitura, para trabalhar com atividades que contemplem as
necessidades dos alunos reais – alunos que apresentam dificuldades com leitura, que não têm
um modelo de leitor em casa, que o acesso ao código escrito não é estimulado nem vivenciado
de maneira efetiva no seu contexto familiar, entre outros elementos;
144
4 - Incentivar o aluno a ler para alcançar objetivos diversificados: ao desenvolver
atividades com leitura em sala de aula, o professor deve deixar claro para o aluno qual é o
objetivo dessa leitura – ler para obter informação, ler para o lazer, ler para revisar o conteúdo,
ler para aprender, etc.;
5 - Assumir junto ao professor de Língua Portuguesa a responsabilidade de que a
leitura é uma questão da escola como um todo: Como foi expresso no decorrer deste trabalho
todo professor tem responsabilidade na formação do aluno leitor, principalmente, porque a
leitura perpassa todas as disciplinas, todo professor é um professor de leitura.
6 – Socializar com os colegas o que tem realizado em sala de aula: nos dados
analisados encontramos vários episódios de leitura, que foram significativos e envolventes,
entretanto, muitos deles não são conhecidos pelos demais professores. Sobre essa questão
Solé (1998) discute que
[...] no âmbito de sua classe, cada professor pode planejar e concretizar uma
prática baseada na reflexão, inovadora e eficaz. Também me parece óbvio
que o esforço desse professor não será tão desgastante se o mesmo se
integrar em uma dinâmica na qual pode discutir seus projetos, compartilhar
suas idéias, e suas dúvidas com as dos seus companheiros de equipe; além
disso, esse esforço pode ter um novo impulso, uma nova dimensão no seio
da equipe. Por último, é evidente que a incidência sobre os alunos não é a
mesma quando responde a um conjunto de decisões acordadas pelos
professores que encontrarão ao longo da sua história escolar, do que quando
se trata de episódios desconexos, embora alguns deles possam ser de grande
utilidade. (SOLÉ, 1998, p. 175).
Os aspectos elencados são de suma importância e podem ser desenvolvidos no âmbito
escolar, por meio do trabalho coletivo. Esse tipo de trabalho exige que todos os membros
compartilhem dos mesmos objetivos e busquem, em conjunto, alternativas para sanar uma
problemática, exige também disposição, envolvimento, referencial teórico, conhecimento da
realidade, tempo, articulação com políticas públicas voltadas para a formação do professor.
Comungando com a idéia, sobre os diversos conhecimentos que os professores devem
ter, citada por Flores e Pacheco (1999) é possível relacionarmos a leitura a uma técnica
pedagógica que pode e deve ser usada em sala de aula para comunicação do conteúdo
específico de cada disciplina. Entretanto, é importante destacar que o professor necessita estar
fundamentado, necessita conhecer como se dá o processo de aprendizagem da leitura, como
também saber utilizá-lo por meio de estratégias que viabilizem a aprendizagem do aluno. Esse
conhecimento pode ser construído ao longo do exercício da docência, a partir das
necessidades impostas pelo contexto.
145
Reiteramos que não existe uma fórmula específica que propicie ao aluno a
aprendizagem do código escrito, no entanto, para finalizar é imprescindível considerar que é
necessária a realização de estudos mais aprofundados, relacionados ao tema de leitura nas
escolas de séries finais do Ensino Fundamental, buscando elementos que possibilitem
contribuir com a prática dos professores das diversas disciplinas, visando à articulação entre
os conteúdos específicos e a leitura, como mediação no processo de aprendizagem do aluno.
A leitura nas séries finais do Ensino Fundamental transcende a uma forma ou a um
conteúdo. Pode ser um conteúdo de ensino como também um procedimento para socialização
de um determinado conhecimento.
O conhecimento sobre leitura é um conhecimento profissional, que faz parte dos saberes
da docência, podem ser construídos ao longo do exercício da docência, como expressa a
professora de Matemática ao afirmar que sua prática tem mudado a partir de experiências com
leitura vivenciadas por ela na escola; por meio das experiências ao longo do processo
individual de escolarização – percebe-se na fala da professora de Ciências a busca nas suas
memórias como fonte de conhecimentos para trabalhar a leitura; por meio da troca entre os
pares – conforme expressa a professora de Geografia ao afirmar que precisa do colega para
lhe ajudar a trabalhar com a leitura e na fala da professora de Ciências quando relembra as
aprendizagens ocorridas em encontros para a troca de idéias, de experiências e das
dificuldades enfrentadas no início da docência; nos cursos de formação inicial – citados pelo
professor de História, que devido a lógica fragmentada dos seus currículos não têm
conseguido fornecer subsídios para que o professor das diversas disciplinas desenvolva um
trabalho satisfatório com leitura em sala de aula; e nos cursos de formação contínua que
podem acontecer em espaços e momentos diferentes a partir das necessidades locais.
Nas últimas décadas, pesquisas têm sido desenvolvidas comprovando que a
aprendizagem da docência acontece num contínuo, em espaços e momentos diferenciados e
que a experiência em sala de aula proporciona ao profissional o repensar, o (re)elaborar as
teorias, o buscar novas alternativas, novas teorias. Esses novos espaços não dispensam a
formação inicial, ao contrário, reforça no sentido de que nesses cursos seja dada ênfase a
formação do professor reflexivo, aquele que é capaz de refletir sobre a ação e sobre a reflexão
na ação (Mizukami, et, all. 2002), repensando a sua prática e articulando-a a referenciais
teóricos, num movimento dialético de retroalimentação da prática. Em um trabalho sobre as
pesquisas realizadas na área de formação de professores Brzezinski (2001, p.89) aponta que
146
As pesquisas analisadas mostram que a formação do professor-reflexivo
ganha dimensão crítica. Ao serem estimulados a pensar sobre os
condicionamentos histórico-institucionais das práticas pedagógicas e sobre a
dimensão ético-política da ação educativa, os professores tomam consciência
de que “a prática pedagógica é uma atividade que gera cultura, à medida que
é praticada, portanto, a prática docente em movimento é produtora de
conhecimento, ela é práxis” (Gimeno Sacristán, 1991, p. 83)
Diante do que foi exposto, destacamos que os obstáculos estão a nossa volta para
serem superados. Acredita-se que o trabalho de leitura possa ser realizado por todos os
professores das diversas disciplinas que compõem o currículo das Séries Finais do Ensino
Fundamental, desde que haja um projeto de articulação. O problema está posto, mas não é
para sempre, pois quem está inserido nele são seres humanos historicamente constituídos que:
(...) mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e
políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre
barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica
de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam.
(FREIRE, 1996, p.60)
Sob esse prisma, é possível vislumbrar possibilidades para um trabalho integrado que
contribua para a superação das desigualdades constituídas pelos diferentes níveis de
aprendizagem da leitura. A dificuldade de leitura que muitos alunos apresentam na escola,
pode ser superada, a partir de uma prática que leve em consideração as condições de produção
dessa dificuldade, uma prática coerente com as reais necessidades dos alunos.
147
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não tenho um caminho novo,
O que tenho de novo é o jeito de caminhar.
Thiago de Mello
Pensar no tema leitura hoje, pressupõe pensar em formação de professores, tendo em
vista que os problemas com leitura que se apresentam na escola precisam da intervenção
direta do professor. Como foi citado, no corpo desse trabalho, os alunos têm passado de uma
série para outra sem sanar suas dificuldades com leitura. Esse problema se agrava nas séries
finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, tendo em vista que nos cursos de formação
inicial (Licenciaturas) não existe um projeto que articule leitura e conteúdo específico,
geralmente existe uma preocupação exacerbada ao conhecimento da área em detrimento de
outros, como por exemplo, do conhecimento pedagógico.
Ao longo do processo formativo do professor (período de escolarização, formação
inicial, início da docência, formação contínua e exercício da docência) não aparece um projeto
articulado em que a leitura se apresente como responsabilidade de toda a escola. Assim, os
professores que lecionam nas diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar das
séries finais do Ensino Fundamental não possuem subsídios teóricos e metodológicos que os
ajudem a refletir sobre o ensino da leitura como uma responsabilidade de todas as disciplinas,
conseqüentemente, que lhe possibilite fazer as intervenções necessárias para ajudar o aluno a
atribuir sentido ao que lê.
Geralmente quando se fala em leitura, se pensa na alfabetização e nas séries iniciais do
Ensino Fundamental, como se aprendizagem da decodificação dos símbolos e atribuição de
alguns sentidos a um determinado texto ou tipo de leitura fossem suficientes para o processo
de compreensão sobre um texto lido.
Aqui partirmos do pressuposto de que a leitura é processo contínuo que se dá ao longo
do processo de escolarização do indivíduo, a partir do contato direto e da manipulação com
materiais escritos de diversos gêneros por meio de situações planejadas. Nesse sentido,
compreendemos a leitura como um processo escolarizado, portanto, faz-se necessário que a
escola, enquanto instituição responsável pelo processo de construção desse conhecimento,
possibilite ao aluno uma aprendizagem efetiva do código escrito, tornado-o capaz de transpor
essa aprendizagem da escola para a vida e da vida para a escola, num movimento dialético
entre leitura de mundo e leitura da palavra, pois a leitura é uma prática social.
148
Especialmente na sociedade brasileira, cujo elevado número de alunos, conforme os
dados apresentados pelo INEP (2003), tem concluído o Ensino Fundamental sem o domínio
básico da leitura, a escola não pode ficar alheia às questões culturais de acesso à leitura que
envolve esses alunos.
Com base nos dados desta pesquisa, destacamos que o professor especialista se sente
despreparado para a realização de um trabalho mais eficaz junto aos alunos que apresentam
dificuldades com leitura, devido ao processo de sua formação inicial. Durante as aulas eles
recorrem à memória, relembrando a aplicando procedimentos de leitura que foram
desenvolvidos por seus professores ao longo sua escolarização. Além disso, alguns arriscam
realizar atividades diferenciadas no cotidiano da sala de aula para ajudar os referidos alunos.
São atividades que, às vezes, dão certo, mas que precisam de uma sistematização, pois muitas
vezes o professor não tem certeza se está fazendo realmente à “coisa certa”.
O planejamento se apresenta como uma ação imprescindível para nortear o trabalho
com leitura em sala de aula. Um planejamento interdisciplinar, por meio de projetos que
contemplem: estudo de referencial teórico sobre leitura, elaboração de atividades a partir das
reais necessidades dos alunos, elaboração de estratégias de leitura para trabalhar o conteúdo
específico; entre outros.
Transformar a realidade posta (alunos nas séries finais do Ensino Fundamental sem o
domínio básico da leitura) exige da escola um trabalho coletivo, direcionado pelo Projeto
Político Pedagógico que deve ter a leitura como o seu fio condutor para articular os
conhecimentos específicos de cada disciplina. A leitura é um elemento fundamental no
processo de ensino – para comunicação do conteúdo específico – e de aprendizagem –
aprender por meio da leitura os conhecimentos acadêmicos independentemente da área de
conhecimento.
É importante destacar a que a escola como um todo (professores, diretores,
coordenadores), tendo ciência das condições materiais de produção de leitura dos alunos,
precisa se responsabilizar pelo processo de aprendizagem da leitura, não ficando essa
responsabilidade apenas para o professor dentro da sala de aula. Os espaços de leitura na
escola (bibliotecas, sala de leitura, murais, cartazes, eventos para discutir o tema, ou
simplesmente para ler, etc) são de suma importância para inserir os alunos em contato direto
com situações e materiais escritos que podem ser lidos.
Para os professores da pesquisa, o coordenador tem papel fundamental no trabalho
com leitura, sendo um elo entre as diversas áreas, mediando as discussões e sistematizando as
propostas construídas no coletivo. Destacamos que nas séries finais do Ensino Fundamental,
149
o conhecimento se encontra totalmente fragmentado, devido à visão compartimentalizada do
conhecimento passada nos cursos de licenciaturas específicas e a organização do currículo
escolar. O coordenador é a pessoa que ao lado dos professores pode amenizar essa situação,
por meio da organização de atividades interdisciplinares. Tal assertiva encontra respaldo nas
fala desses professores, quando apontam a falta de tempo para organização de atividades
como também a falta de conhecimento teórico sobre o tema.
É importante ressaltar, que as concepções de leitura que tem permeado a prática
pedagógica do professor são concepções que estão sendo construídas, tendo em vista que em
determinadas situações os professores demonstram conhecimentos sobre as pesquisas
acadêmicas da temática, mas em outras situações buscam modelos no seu processo de
escolarização que, muitas vezes, não atendem as necessidades do seu aluno. Percebemos um
movimento de busca – novas alternativas para o ensino; de angústia – por ver que seu trabalho
não está tendo o resultado esperado; de reflexão – sobre o que pode ser feito para sanar a
problemática citada; e de formação contínua – na discussão e socialização dentro da escola
sobre as situações vivenciadas em sala de aula.
O processo de ensino e aprendizagem e as concepções sobre a relação do aluno com a
leitura, presentes nos discursos dos professores, exigem um repensar sobre a veiculação,
dentro da escola, dos conhecimentos acadêmicos construídos nos últimos anos sobre a lectoescrita, com intuito de fornecer informações que possibilite ao professor articular o
conhecimento teórico sobre leitura, o conhecimento sobre os alunos e o conhecimento
específico da disciplina com fins de propiciar uma aprendizagem significativa ao aluno.
A realização do presente trabalho pode representar mais um espaço para a discussão
silenciada ao longo dos anos sobre a responsabilidade da leitura nas séries finais do Ensino
fundamental.
Diante do exposto, gostaríamos de ressaltar a importância desta pesquisa para a área
de educação, contribuindo com a discussão sobre a formação de professores por meio das
conexões com a de leitura. A aproximação entre leitura e formação de professores pode
apontar novos caminhos para a superação da lógica fragmentária que permeia o fazer
pedagógico, por meio do trabalho interdisciplinar tendo a leitura como o eixo norteador do
trabalho nas séries finais e como um, entre os vários elementos de discussão, para a formação
contínua dos professores que acontece no espaço da escola, ao longo do exercício da
docência.
150
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154
APÊNDICES
155
APÊNDICE A – Roteiro para entrevista
1. Identificação
ƒ
Formação
Licenciado(a) ou Bacharelado? Qual ?
Pós-Graduação: Em que área? Nível: Especialização ( )Mestrado ( )Doutorado ( )
ƒ Tempo de serviço_____________________________________
ƒ Carga horária semanal _________________________________
ƒ Séries em que leciona__________________________________
ƒ Disciplinas que leciona_________________________________
ƒ Trabalha em outra escola________________________________
2. Concepção de Leitura
ƒ
ƒ
Como você define a leitura?
O ensino da leitura deve ser responsabilidade de alguma série específica?
3. Leitura e sala de aula
ƒ
Seus alunos têm dificuldade com leitura?
ƒ
Em que momento você percebe essa dificuldade?
ƒ
Você acha que pode fazer alguma coisa para ajudar esses alunos que têm
dificuldades com leitura? De que forma?
4. Leitura e disciplinas específicas
ƒ A leitura é um conteúdo que deve ser ensinado apenas de Língua Portuguesa?
ƒ Ela é importante para o desenvolvimento do aluno na sua disciplina. Porque?
ƒ O professor das diversas disciplinas pode contribuir com a aprendizagem da leitura
em suas aulas? De que forma?
5. Leitura e planejamento
ƒ Você planeja atividades que contempla a questão da leitura na sala de aula?
ƒ Que atividades são essas?
ƒ Durante a leitura de textos que acontece em sala de aula como você orienta seus
alunos?
- Você dá orientações específicas? Quais?
- O que você faz antes da leitura?
- Durante a leitura você faz alguma intervenção? Qual?
ƒ
Ao final da leitura que atividades você desenvolve?
6. Leitura e escola
ƒ
De que maneira a escola, como um todo, deve se posicionar com relação ao
trabalho de leitura?
156
APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido entrevista
Prezado(a) professor(a)
Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa que tem como objetivo compreender
as estratégias de leitura nas diversas disciplinas das Séries Finais do Ensino Fundamental. Por
meio de uma entrevista individual, análise de materiais escritos e observações (caso haja
necessidade), podemos conhecer a sua opinião a respeito desse tema. Todos os aspectos que
você abordar contribuirão para a compreensão do tema referido acima. A entrevista será
gravada e transcrita para a análise e interpretação dos dados.
Você participa da entrevista se estiver de acordo. Não haverá riscos, desconfortos ou gastos
de qualquer natureza. Você poderá solicitar esclarecimento quando sentir necessidade e,
poderá interromper sua participação quando quiser, sem penalização alguma ou prejuízo. Os
resultados obtidos serão utilizados em publicações e eventos científicos.
O telefone para contato com a pesquisadora (75 – 36256957/ 75 – 91341806/ 16 – 33618799 )
estará à sua disposição para quaisquer esclarecimentos referentes a pesquisa.
Agradeço sua colaboração neste trabalho.
Maria Vitória da Silva
End.: Rua Miracatu, 780, Estação Nova – Feira de Santana – BA
De acordo
Nome:
Data: ____/___/____
Assinatura:
157
APÊNDICE C – Modelo do quadro utilizado para organização dos dados
Quadro 2 - Concepções de leitura do professor de Geografia nas séries finais do ensino fundamental
Dimensões
Definições de leitura
Relação leitura e escola
Relação leitura e conteúdo
específico;
Área de conhecimento;
Formação docente para atuação
nessa área e nessa escola
Relação aluno e leitura
O processo de ensino e de
aprendizagem da leitura em
diferentes disciplinas
Excertos
Observações
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A LEITURA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE