UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE METODOLOGIA DO ENSINO A LEITURA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE DIFERENTES DISCIPLINAS DAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL MARIA VITÓRIA DA SILVA SÃO CARLOS 2007 Livros Grátis http://www.livrosgratis.com.br Milhares de livros grátis para download. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS – GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO ÁREA DE METODOLOGIA DO ENSINO A LEITURA NA ESCOLA: CONCEPÇÕES DE PROFESSORES DE DIFERENTES DISCIPLINAS DAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL Maria Vitória da Silva Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, na área de Metodologia de Ensino, na linha de pesquisa Formação de Professores, como parte dos requisitos para obtenção do Título de Mestre em Educação Orientadora: Profª. Drª. Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira SÃO CARLOS 2007 Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar S586Le Silva, Maria Vitória da. A leitura na escola : concepções de professores de diferentes disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental / Maria Vitória da Silva. -- São Carlos : UFSCar, 2007. 157 f. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2007. 1. Educação. 2. Professores - formação. 3. Processo ensino - aprendizagem. 4. Ensino fundamental. 5. Leitura na escola. 6. Práticas de leitura. I. Título. CDD: 370 (20a) BANCA EXAMINADORA ProP Df! Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira ProP Df! Hilda Maria Monteiro ProP Df! Cláudia Raimundo Reyes ~ Dedico esse trabalho àqueles que na forma de um mosaico me compõem, tão diferentes e tão iguais: minha família. Meu pai – Seu Benedito – cuja lembrança o mantém ao meu lado na minha caminhada; Minha mãe – Dona Josefa – pelo exemplo de determinação, coragem e amor; As minhas irmãs e meu irmão – Vanda, Vilma, Verônica, Vasti e Adriano pelos momentos de partilha tanto nas adversidades quanto nas vitórias, vibrando sempre com o sucesso do outro; A minha cunhada e meus cunhados – Valdeci, Rubens, Marcos, Rafael – que se tornaram meus irmãos; E aos meus sobrinhos – Erick, Lucas, Joana, Daniel e Ana Vitória – pela alegria e inocência da infância que alimenta continuamente os nossos sonhos. AGRADECIMENTOS Ao meu Deus, a personificação do amor... pelo dom da vida... A meus pais, Benedito e Josefa, exemplo de humanidade, de alegria e de amor ... A Minhas irmãs, Vanda, Vilma, Verônica e Vasti e meu irmão Adriano pela amizade, cumplicidade e crença de que juntos podemos mais... A Consuelo e Joana, amigas próximas, como irmãs... as primeiras a conhecerem o embrião desta dissertação – o projeto de pesquisa ... À Profª. Drª. Rosa Maria Anunciato de Oliveira, minha orientadora, pelas possibilidades de aprendizagem, ao seu lado pude crescer como ser humano, como estudante, como profissional... Às Profas. Dras. Hilda M. Monteiro e Claudia R. Reyes pelas importantes contribuições na qualificação e defesa desta dissertação... Às professoras e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos – Área de Metodologia de Ensino pela convivência, pelas reflexões, pela competência e responsabilidade na condução das atividades, pelas oportunidades de crescimento... Aos servidores da Secretaria do PPGE e do DME pela atenção e ajuda no encaminhamento das várias solicitações ao longo do curso; À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia pelo apoio financeiro, pela concessão de afastamento das atividades e pelas diversas e constantes oportunidades de aprendizagens ao lado dos colegas de trabalho. À Prefeitura Municipal de Feira de Santana, especificamente, à Secretaria de Educação do município também pelo apoio prestado nesta caminhada. Às professoras e professores da Escola Municipal Dr. Colbert Martins da Silva, pelo incentivo e participação na pesquisa, pelo respeito e amizade com que me acolheram na escola como coordenadora: Alaíde, Aldaci, Aurora, Consuelo, Gerson, Geruza, Goretti, Josilda, Laura, Marina, Núbia e Nora. Às amigas e amigos que me aqueceram ao longo desses dois anos e meio com muito carinho, brincadeiras, incentivos, respeito e amor; que fizeram com que cada dia fosse diferente dos outros: Carol, Rosilda, Adriana, Selva, Sydione, Graça, Ligia, Alessandra, Ana Paula, Fred, Murilo, Marcos, Pitanga, Caio e Vitor. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustendo dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece, Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal: Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha: mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; (...) I Aos Coríntios Cap. 13 RESUMO No exercício da docência, professores das Séries Finais do Ensino Fundamental têm se deparado com um número significativo de alunos que não apresenta habilidades básicas de leitura necessárias para a aprendizagem dos conteúdos específicos das diversas disciplinas. Nessa perspectiva, levantamos a seguinte questão de pesquisa que direcionou o presente trabalho: Como os professores das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental concebem a leitura e o seu ensino? Para responder a esse questionamento traçamos como objetivo geral – compreender as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental. O referencial teórico se pauta nos estudos de Imbernón, Pacheco e Flores, Nóvoa, Mizukami, entre outros, os quais têm apontado importantes contribuições para o debate e construção de conhecimentos sobre a formação docente e o desenvolvimento profissional do professor e nos e nos estudos de Chartier, Kleiman, Silva, Solé, etc., que concebem a leitura como um processo contínuo, complexo e plural, fornecendo importantes aportes para a sua discussão no campo da educação. Os procedimentos metodológicos foram norteados pelos princípios da pesquisa qualitativa em educação, especialmente, a valorização da voz dos professores, procurando compreender suas concepções, seus conhecimentos e crenças como base do seu trabalho com o ensino. Foram utilizados como instrumentos para a coleta dos dados a entrevista semi-estruturada e a análise de materiais escritos (planos de curso, roteiros de aula e atividades escritas). Participaram da pesquisa cinco professores experientes das disciplinas: Ciências, Geografia, História, Matemática e Português – que ensinam em uma escola de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental localizada na zona rural do município de Feira de SantanaBA. Os dados coletados foram agrupados em cinco dimensões de análise, a saber: definição de leitura, relação escola e leitura, relação leitura e conteúdo específico, relação do aluno com a leitura e o processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas. Como resultado, é possível destacar que os professores apresentam, nas dimensões mais conceituais, uma concepção ampla, contínua e dinâmica sobre a leitura. Nas dimensões que envolvem o aluno e a sala de aula, verifica-se uma certa distância entre o que eles falam e o que a teoria propõe. Entretanto, percebe-se nas práticas relatadas pelos professores indícios de um movimento de busca, de inovação das práticas cotidianas. Reconhecem a necessidade do trabalho em grupo, envolvendo toda a escola, em torno da aprendizagem da leitura. Destacamos a formação contínua, que acontece no exercício da docência e no trabalho em grupo na escola, como uma possibilidade para o professor construir estratégias que contribuam com o desenvolvimento do aluno no que se refere às habilidades de leitor competente. Palavras- chave: Leitura, Formação de Professores e Séries Finais do Ensino Fundamental ABSTRACT In the exercise of the teaching, teachers of the Final Series of the Fundamental Teaching have come across a significant amount of students that doesn't present necessary basic reading abilities for the learning of specific contents of the several disciplines. In that perspective, we brought up the following research question which guided the present work: How do the teachers of several disciplines of the Fundamental Teaching final series conceive the reading and its teaching? To answer to that questioning we figured out as general objective, to understand the reading conceptions that permeate the teacher's pedagogic practice of the several disciplines of the Fundamental Teaching final series. The theoretical referential is ruled in the studies of Imbernón, Pacheco and Flores, Nóvoa and Mizukami, which have been pointing important contributions for the debate and construction of knowledge on the educational formation and the teacher's professional development and also in the studies of Chartier, Kleiman, Silva, Solé, which conceive the reading as a continuous process, complex and plural, supplying important contributions for its discussion in the education field. The methodological procedures were orientated by the principles of the qualitative research in education, especially the valorization of the teachers' voice, trying to understand their conceptions, their knowledge and faiths as basis of their work with the teaching. As data collection instruments were used the semi-structured interview and the analysis of written materials (course plans, class script and written activities). Five experienced teachers of the disciplines Sciences, Geography, History, Mathematics and Portuguese took part in the research. They teach from 5th to 8th series of the Fundamental Teaching at a school located in the rural area of the municipal district of Feira de Santana, Bahia. The collected data were contained into five analysis dimensions, that is, reading definition, school and reading relationship, reading and specific content relationship, the student's relationship with the reading and the teaching process and reading learning in different disciplines. As result, is possible to stand out that the teachers present in the most conceptual dimensions, a wide, continuous and dynamic conception about the reading. In the dimensions that involve the student and the classroom, a certain distance is verified between what they speak and what the theory proposes. However, it is noticed in the practices reported by the teachers, indications of a search movement for innovation of the daily practices. They recognize the need of the group work involving the whole school around the learning of the reading. We stand out the continuous formation that happens in the exercise of the teaching and in the group work in the school, as a possibility for the teacher to build strategies that contribute with the student's development in what refers to a competent reader's abilities. Key-words: Reading, Teacher Education and Final Series of the Fundamental Teaching SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 9 Capítulo 1 1. DELINEANDO A TEMÁTICA: POR QUE A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL? 11 Capítulo 2 2. LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 18 2.1 O universo da Leitura: da decodificação à prática social 2.2 Formação de professores: desafios no exercício da docência 2.2.1 O exercício da docência: alguns limites e possibilidades no ensino da leitura 21 28 31 Capítulo 3 3. O PERCURSO DA PESQUISA:ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS 37 3.1 Problemática e objetivos 3.2 Pressupostos teóricos e metodológicos 3.3 Conhecendo os participantes da pesquisa 37 38 46 Capítulo 4 4. CONCEPÇÕES DE LEITURA: DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES NO COTIDIANO DA SALA DE AULA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO 50 FUNDAMENTAL 4.1 Concepções de leitura em diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino 51 Fundamental 51 4.1.1 Ciências 67 4.1.2 Geografia 74 4.1.3 História 89 4.1.4 Língua Portuguesa 101 4.1.5 Matémática Capítulo 5 5. UM DIÁLOGO NECESSÁRIO: A LEITURA NA ESCOLA NA PERSPECTIVA DOS PARTICIPANTES E DA LITERATURA EDUCACIONAL 5.1 – Definição de leitura 5.2 – Relação escola e leitura 5.3 – Relação leitura e conteúdos específicos 5.4 – Relação do aluno com a leitura 5.5 – O processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas 5.6 – Leitura e formação de professores: algumas palavras... 114 116 119 125 129 132 141 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 147 REFERÊNCIAS 150 APÊNDICES 154 Ficha catalográfica elaborada pelo DePT da Biblioteca Comunitária da UFSCar S586Le Silva, Maria Vitória da. A leitura na escola : concepções de professores das séries finais do Ensino Fundamental / Maria Vitória da Silva. -- São Carlos : UFSCar, 2007. 157 f. Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal de São Carlos, 2007. 1. Educação. 2. Professores - formação. 3. Processo ensino - aprendizagem. 4. Ensino fundamental. 5. Leitura na escola. 6. Práticas de leitura. I. Título. CDD: 370 (20a) BANCA EXAMINADORA ProP Df! Rosa Maria Moraes Anunciato de Oliveira ProP Df! Hilda Maria Monteiro ProP Df! Cláudia Raimundo Reyes ~ Dedico esse trabalho àqueles que na forma de um mosaico me compõem, tão diferentes e tão iguais: minha família. Meu pai – Seu Benedito – cuja lembrança o mantém ao meu lado na minha caminhada; Minha mãe – Dona Josefa – pelo exemplo de determinação, coragem e amor; As minhas irmãs e meu irmão – Vanda, Vilma, Verônica, Vasti e Adriano pelos momentos de partilha tanto nas adversidades quanto nas vitórias, vibrando sempre com o sucesso do outro; A minha cunhada e meus cunhados – Valdeci, Rubens, Marcos, Rafael – que se tornaram meus irmãos; E aos meus sobrinhos – Erick, Lucas, Joana, Daniel e Ana Vitória – pela alegria e inocência da infância que alimenta continuamente os nossos sonhos. AGRADECIMENTOS Ao meu Deus, a personificação do amor... pelo dom da vida... A meus pais, Benedito e Josefa, exemplo de humanidade, de alegria e de amor ... A Minhas irmãs, Vanda, Vilma, Verônica e Vasti e meu irmão Adriano pela amizade, cumplicidade e crença de que juntos podemos mais... A Consuelo e Joana, amigas próximas, como irmãs... as primeiras a conhecerem o embrião desta dissertação – o projeto de pesquisa ... À Profª. Drª. Rosa Maria Anunciato de Oliveira, minha orientadora, pelas possibilidades de aprendizagem, ao seu lado pude crescer como ser humano, como estudante, como profissional... Às Profas. Dras. Hilda M. Monteiro e Claudia R. Reyes pelas importantes contribuições na qualificação e defesa desta dissertação... Às professoras e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos – Área de Metodologia de Ensino pela convivência, pelas reflexões, pela competência e responsabilidade na condução das atividades, pelas oportunidades de crescimento... Aos servidores da Secretaria do PPGE e do DME pela atenção e ajuda no encaminhamento das várias solicitações ao longo do curso; À Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia pelo apoio financeiro, pela concessão de afastamento das atividades e pelas diversas e constantes oportunidades de aprendizagens ao lado dos colegas de trabalho. À Prefeitura Municipal de Feira de Santana, especificamente, à Secretaria de Educação do município também pelo apoio prestado nesta caminhada. Às professoras e professores da Escola Municipal Dr. Colbert Martins da Silva, pelo incentivo e participação na pesquisa, pelo respeito e amizade com que me acolheram na escola como coordenadora: Alaíde, Aldaci, Aurora, Consuelo, Gerson, Geruza, Goretti, Josilda, Laura, Marina, Núbia e Nora. Às amigas e amigos que me aqueceram ao longo desses dois anos e meio com muito carinho, brincadeiras, incentivos, respeito e amor; que fizeram com que cada dia fosse diferente dos outros: Carol, Rosilda, Adriana, Selva, Sydione, Graça, Ligia, Alessandra, Ana Paula, Fred, Murilo, Marcos, Pitanga, Caio e Vitor. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria. E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustendo dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria. O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece, Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal: Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor nunca falha: mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá; (...) I Aos Coríntios Cap. 13 RESUMO No exercício da docência, professores das Séries Finais do Ensino Fundamental têm se deparado com um número significativo de alunos que não apresenta habilidades básicas de leitura necessárias para a aprendizagem dos conteúdos específicos das diversas disciplinas. Nessa perspectiva, levantamos a seguinte questão de pesquisa que direcionou o presente trabalho: Como os professores das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental concebem a leitura e o seu ensino? Para responder a esse questionamento traçamos como objetivo geral – compreender as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental. O referencial teórico se pauta nos estudos de Imbernón, Pacheco e Flores, Nóvoa, Mizukami, entre outros, os quais têm apontado importantes contribuições para o debate e construção de conhecimentos sobre a formação docente e o desenvolvimento profissional do professor e nos e nos estudos de Chartier, Kleiman, Silva, Solé, etc., que concebem a leitura como um processo contínuo, complexo e plural, fornecendo importantes aportes para a sua discussão no campo da educação. Os procedimentos metodológicos foram norteados pelos princípios da pesquisa qualitativa em educação, especialmente, a valorização da voz dos professores, procurando compreender suas concepções, seus conhecimentos e crenças como base do seu trabalho com o ensino. Foram utilizados como instrumentos para a coleta dos dados a entrevista semi-estruturada e a análise de materiais escritos (planos de curso, roteiros de aula e atividades escritas). Participaram da pesquisa cinco professores experientes das disciplinas: Ciências, Geografia, História, Matemática e Português – que ensinam em uma escola de 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental localizada na zona rural do município de Feira de SantanaBA. Os dados coletados foram agrupados em cinco dimensões de análise, a saber: definição de leitura, relação escola e leitura, relação leitura e conteúdo específico, relação do aluno com a leitura e o processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas. Como resultado, é possível destacar que os professores apresentam, nas dimensões mais conceituais, uma concepção ampla, contínua e dinâmica sobre a leitura. Nas dimensões que envolvem o aluno e a sala de aula, verifica-se uma certa distância entre o que eles falam e o que a teoria propõe. Entretanto, percebe-se nas práticas relatadas pelos professores indícios de um movimento de busca, de inovação das práticas cotidianas. Reconhecem a necessidade do trabalho em grupo, envolvendo toda a escola, em torno da aprendizagem da leitura. Destacamos a formação contínua, que acontece no exercício da docência e no trabalho em grupo na escola, como uma possibilidade para o professor construir estratégias que contribuam com o desenvolvimento do aluno no que se refere às habilidades de leitor competente. Palavras- chave: Leitura, Formação de Professores e Séries Finais do Ensino Fundamental ABSTRACT In the exercise of the teaching, teachers of the Final Series of the Fundamental Teaching have come across a significant amount of students that doesn't present necessary basic reading abilities for the learning of specific contents of the several disciplines. In that perspective, we brought up the following research question which guided the present work: How do the teachers of several disciplines of the Fundamental Teaching final series conceive the reading and its teaching? To answer to that questioning we figured out as general objective, to understand the reading conceptions that permeate the teacher's pedagogic practice of the several disciplines of the Fundamental Teaching final series. The theoretical referential is ruled in the studies of Imbernón, Pacheco and Flores, Nóvoa and Mizukami, which have been pointing important contributions for the debate and construction of knowledge on the educational formation and the teacher's professional development and also in the studies of Chartier, Kleiman, Silva, Solé, which conceive the reading as a continuous process, complex and plural, supplying important contributions for its discussion in the education field. The methodological procedures were orientated by the principles of the qualitative research in education, especially the valorization of the teachers' voice, trying to understand their conceptions, their knowledge and faiths as basis of their work with the teaching. As data collection instruments were used the semi-structured interview and the analysis of written materials (course plans, class script and written activities). Five experienced teachers of the disciplines Sciences, Geography, History, Mathematics and Portuguese took part in the research. They teach from 5th to 8th series of the Fundamental Teaching at a school located in the rural area of the municipal district of Feira de Santana, Bahia. The collected data were contained into five analysis dimensions, that is, reading definition, school and reading relationship, reading and specific content relationship, the student's relationship with the reading and the teaching process and reading learning in different disciplines. As result, is possible to stand out that the teachers present in the most conceptual dimensions, a wide, continuous and dynamic conception about the reading. In the dimensions that involve the student and the classroom, a certain distance is verified between what they speak and what the theory proposes. However, it is noticed in the practices reported by the teachers, indications of a search movement for innovation of the daily practices. They recognize the need of the group work involving the whole school around the learning of the reading. We stand out the continuous formation that happens in the exercise of the teaching and in the group work in the school, as a possibility for the teacher to build strategies that contribute with the student's development in what refers to a competent reader's abilities. Key-words: Reading, Teacher Education and Final Series of the Fundamental Teaching SUMÁRIO APRESENTAÇÃO 9 Capítulo 1 1. DELINEANDO A TEMÁTICA: POR QUE A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL? 11 Capítulo 2 2. LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL 18 2.1 O universo da Leitura: da decodificação à prática social 2.2 Formação de professores: desafios no exercício da docência 2.2.1 O exercício da docência: alguns limites e possibilidades no ensino da leitura 21 28 31 Capítulo 3 3. O PERCURSO DA PESQUISA:ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS 37 3.1 Problemática e objetivos 3.2 Pressupostos teóricos e metodológicos 3.3 Conhecendo os participantes da pesquisa 37 38 46 Capítulo 4 4. CONCEPÇÕES DE LEITURA: DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES NO COTIDIANO DA SALA DE AULA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO 50 FUNDAMENTAL 4.1 Concepções de leitura em diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino 51 Fundamental 51 4.1.1 Ciências 67 4.1.2 Geografia 74 4.1.3 História 89 4.1.4 Língua Portuguesa 101 4.1.5 Matémática Capítulo 5 5. UM DIÁLOGO NECESSÁRIO: A LEITURA NA ESCOLA NA PERSPECTIVA DOS PARTICIPANTES E DA LITERATURA EDUCACIONAL 5.1 – Definição de leitura 5.2 – Relação escola e leitura 5.3 – Relação leitura e conteúdos específicos 5.4 – Relação do aluno com a leitura 5.5 – O processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas 5.6 – Leitura e formação de professores: algumas palavras... 114 116 119 125 129 132 141 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 147 REFERÊNCIAS 150 APÊNDICES 154 9 APRESENTAÇAO O presente trabalho busca elementos que contribuam com a discussão na área de leitura e formação de professores nas Séries Finais do Ensino Fundamental e que apontem algumas possibilidades para o desenvolvimento do trabalho com leitura nas diversas disciplinas. Para situar o leitor na rede de idéias que constitui este trabalho, o caminho percorrido foi demarcado em capítulos que se complementam num diálogo permanente com o intuito de direcionar ao lugar que se pretende chegar, não como o término de uma caminhada, mas como o descortinar de novos horizontes. O primeiro capítulo busca delinear o percurso realizado para a definição da temática pesquisada e seus desdobramentos. Destaca-se no caminho a relação da pesquisadora com o tema leitura, a partir das necessidades impostas pela realidade concreta em que esteve inserida ao longo da formação inicial, nos primeiros anos de exercício da docência e como formadora de professores alfabetizadores. No segundo capítulo, são discutidos trabalhos sobre a literatura de leitura e a formação de professores, especificamente nas séries finais do Ensino Fundamental, tendo em vista que uma das questões que se coloca hoje, para a formação dos professores desse nível de ensino, é a relação entre os conteúdos específicos e o processo de ensino da leitura. No terceiro capítulo são apresentadas as escolhas teóricas e metodológicas, que fundamentam este trabalho, como também, os objetivos que nortearam a pesquisa, os instrumentos utilizados para a coleta dos dados e algumas informações sobre os participantes que possibilitam ao leitor um olhar mais sensível e aberto às questões levantadas e aos resultados encontrados. A apresentação dos dados coletados, buscando apontar o que revelam os participantes em relação às concepções de leitura e suas implicações no processo de ensino, está organizada no quarto capítulo. Os dados coletados foram organizados em cinco dimensões de análise visando desvelar as concepção de leitura dos professores por meio das relações da leitura com a escola, o aluno, o conteúdo especifico e o processo de ensino e aprendizagem nas diferentes disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental O quinto capítulo, procura estabelecer relações entre a literatura sobre leitura e formação de professores e os dados analisados. Por meio dessa relação busca-se repensar práticas, redimensionar concepções, rever posturas, refletir sobre a teoria e a prática num 10 movimento de retroalimentação por meio do diálogo entre a produção teórica e as concepções expressas nas falas dos participantes da pesquisa. A questão central da pesquisa perpassa pelas concepções de leitura que norteiam a prática pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental e pelo reflexo dessas concepções no cotidiano da sala de aula, partindo do pressuposto de que a leitura é responsabilidade de toda escola e não apenas do professor de Língua Portuguesa. Este trabalho se constitui na possibilidade de contribuições para as discussões sobre a formação de professores e o processo de leitura. É necessário observar que formação de professores e leitura são duas áreas em expansão, com uma enorme produção acadêmica, cuja aproximação, devido as suas especificidades histórico-contextuais, podem auxiliar na compreensão das aprendizagens do professor e no desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem do conteúdo especifico das diferentes disciplinas que compõem currículo escolar. 11 1 . DELINEANDO A TEMÁTICA: POR QUE A LEITURA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL? Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. (Saint-Exupéry) O presente capítulo busca delinear o percurso realizado para a definição da temática pesquisada e seus desdobramentos. Nossas escolhas, na maioria das vezes, têm uma relação intrínseca com a nossa trajetória histórica, nossas vivências, nossas experiências, seja para negar ou para reforçar, seja para reproduzir ou para superar. A leitura sempre foi um tema que me inquietou tanto nos aspectos teóricos como nos práticos. Durante a graduação em Pedagogia, no período de 1991 a 1996, tive a oportunidade de ter professores envolvidos em projetos de pesquisas com leitura e participar de encontros e seminários para discutir questões relacionadas ao ato de ler. Paralela a graduação lecionava em uma turma de alfabetização de adultos, como professora efetiva da rede de ensino do município de Feira de Santana - BA, e constantemente, deparava-me com conflitos buscando estabelecer relações entre teoria e prática. Ao concluir a graduação, decidi especializar-me em alfabetização. O contato com o tema tornou-se mais intenso, mais reflexivo. A participação em palestras proferidas por pesquisadores da área, entre os quais destaco: Delia Lerner, Eliana Yunes, Angela Kleiman, Ezequiel Teodoro da Silva, Maria Helena Besnosik, Emília Ferreiro, Magda Soares etc., como também o estudo de referenciais teóricos desses autores e de outros citados no decorrer deste trabalho, contribuíram para uma busca constante de um conhecimento mais sistematizado sobre a leitura. Começava a perceber que a leitura não era um simples ato de decodificação, de responsabilidade apenas da alfabetização e das séries iniciais do Ensino Fundamental, mas um processo complexo que se estende por todo o processo de escolarização do indivíduo, extrapolando a esfera acadêmica. De 1998 a 2002, atuei como formadora nos cursos de Capacitação de Educação de Jovens e Adultos1 promovidos em parceria com a Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. 1 PAS – Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos; PRONERA – Programa Nacional de Educação nas áreas de Reforma Agrária; PRAJA – Programa de Alfabetização de Jovens e Adultos; Programa de Alfabetização nas Áreas Atingidas pela Seca. 12 A partir de 1998, por meio de um convênio entre a Prefeitura do referido município e a universidade, fui transferida da escola para a Pró-Reitoria de Extensão, a fim de integrar a equipe do Programa Alfabetização Solidária - PAS. Uma equipe multidisciplinar composta por professores e bolsistas das licenciaturas em Pedagogia, Biologia, Letras, História, Geografia e Matemática construiu uma proposta interdisciplinar para o desenvolvimento das ações do PAS – curso de capacitação de alfabetizadores com carga horária de 80 horas no município de Feira de Santana; reuniões pedagógicas com os alfabetizadores “in loco”2; oficinas pedagógicas nos municípios a partir das necessidades expostas pelos alfabetizadores; visitas as salas de aula, além da proposta de seleção de alfabetizadores que constava de prova escrita, análise de currículo e entrevista. O curso de capacitação fornecia subsídios teóricos-metodológicos das diversas áreas do conhecimento, fundamentos da educação e planejamento. Todas as discussões eram voltadas para a sala de aula de jovens e adultos. Nas reuniões de planejamento, a equipe estudava, discutia e socializava questões voltadas para o processo de alfabetização de jovens e adultos por meio da literatura sobre a aquisição da leitura e escrita da criança e da escassa produção sobre a educação de jovens e adultos na época. Permeada pelo compromisso político que envolve o fazer pedagógico, a nossa proposta de trabalho não se restringia a ensinar o aluno a decodificar, mas buscava associar em um processo contínuo a leitura de mundo à leitura da palavra. Um processo que envolvia “uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo.” (Freire 2006, p.11). Devido a minha formação e experiência como professora nessa modalidade de ensino, atuei em todas as áreas, mas me envolvia de maneira profunda e prazerosa nas áreas de alfabetização matemática e lecto-escrita. O trabalho com a leitura e a escrita ancorava-se em autores como Geraldi, Soares, Cagliari, Ferreiro, Freire, Solé entre outros. Se em outros momentos históricos a alfabetização de jovens e adultos se reduziu apenas a ensinar o aluno a “desenhar” o nome ou a decodificar frases simples, na atualidade os meios tecnológicos da comunicação e da informação se multiplicaram, trazendo em seu bojo novos objetivos, novas necessidades, novas exigências, modificando o conceito de alfabetização e criando outros. 2 Atuávamos nos municípios de Jeremoabo, Adustina, Canudos, Teofilândia e Itatim 13 Nesse sentido, a concepção de alfabetização que norteava o trabalho da equipe e que também permeia esta pesquisa é a de que o processo de alfabetização deve compreender não apenas a memorização das relações entre as letras e os sons, ou seja, o domínio da técnica da leitura e escrita, mas também a compreensão do que lê, atribuindo significado, interagindo, inserindo-se em redes de comunicação. Portanto, deve-se “alfabetizar letrando”, visto que letramento é a condição de quem é capaz de usar competentemente a leitura e a escrita nas práticas sociais do seu cotidiano. (SOARES, 2000) Concomitante as atividades no PAS, em 1999, por meio de concurso, assumi a coordenação pedagógica de uma escola Estadual de Ensino Médio, na zona urbana do município de Feira de Santana-BA. Durante as reuniões de Atividades Complementares (AC), os professores sempre apontavam os entraves para “trabalhar o conteúdo programático” devido às dificuldades dos alunos para ler e escrever. No segundo semestre de 2002, quando terminou o convênio entre a prefeitura e a universidade, retornei para a rede de ensino e assumi a coordenação pedagógica de uma escola municipal que atende alunos da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Essa escola está localizada na zona rural, num local de difícil acesso. Os alunos enfrentam sérias dificuldades de acesso à escola, tanto pelas suas condições econômicas, quanto pela distância. Mesmo contando com transporte escolar (dois ônibus), eles precisam acordar muito cedo e/ou chegam em casa muito tarde, pois precisam caminhar muito até o local onde embarcam no ônibus. A comunidade atendida, na sua maioria, tem baixa escolaridade, e para os alunos o contato com a escrita faz-se quase que exclusivamente nas escolas. Na primeira reunião pedagógica, os professores (todos licenciados nas respectivas áreas em que estavam lecionando) apontaram que o maior problema da escola era que os alunos não sabiam ler. A partir dessas informações foram realizadas algumas atividades de leitura e escrita que se caracterizaram como uma avaliação diagnóstica. Essas atividades foram elaboradas por mim (na condição de coordenadora pedagógica da escola) e aplicadas pelos professores nas 5ª séries. Após a análise dos dados coletados por meio dessas atividades foi detectado que 60% dos alunos apresentavam dificuldades para ler (liam apenas palavras ou frases simples, com pouca compreensão...) e escrever ortograficamente. Ao final do ano, esses dados se comprovaram por meio do elevado índice de reprovação que correspondeu a 47% e de evasão com 18 %. Os dados não foram diferentes para a 6º série, pois apenas 47% dos alunos conseguiram ser promovidos para a série subseqüente. É importante destacar que esses alunos já traziam em seu histórico escolar, reprovações sucessivas e apresentavam defasagem idade/série. 14 Em 2003, após várias discussões ficou acordado que a escola deveria criar estratégias para sanar as dificuldades que esses alunos apresentavam. Assim, ficou decidido que todos os professores deveriam trabalhar com leitura em suas aulas, ou seja, deveriam ler para seus alunos, realizar leituras coletivas e solicitar que alguns alunos lessem individualmente. Entretanto, essas ações não seriam suficientes para solucionar o problema, seriam necessárias atividades sistemáticas que pudessem levar os alunos a refletir sobre a construção da linguagem escrita. Partindo dessa reflexão, um grupo de professores e a coordenação pedagógica decidiram elaborar um projeto de alfabetização para ser desenvolvido com as 5ª e 6ª séries, nas disciplinas diversificadas (Religião, Cultura Regional e Prática de Saúde). Como essas disciplinas eram lecionadas por professores de outras áreas (dois professores de Matemática, dois de Ciências, um de Educação Artística, dois de Geografia e um de História) para complementar a carga horária semanal, muitos dos professores desenvolviam um trabalho sem seqüência, pontual e sem muito significado para eles e para o aluno. Eles próprios se sentiam incomodados com o trabalho que estavam fazendo, o projeto da alfabetização se apresentou como um norte para eles e como uma possibilidade de ajudar os alunos que tinham dificuldades com leitura. Todo o trabalho realizado no Projeto foi planejado no coletivo. A partir de temas relacionados com o cotidiano dos alunos, selecionavam-se textos diversos para elaboração de atividades sistemáticas que envolviam práticas de leitura e escrita para serem desenvolvidas por dois professores em cada turma.3 As atividades eram seqüenciadas e um professor dava continuidade à atividade desenvolvida pelo outro. Na avaliação do projeto, os professores apontaram que alguns alunos estavam conseguindo organizar melhor a disposição da escrita no caderno, como também melhoraram a caligrafia, e conseqüentemente, conseguiam ler o que escreviam; demonstraram maior interesse em realizar as atividades, pois começavam a perceber que conseguiam compreender o que estavam fazendo; houve uma elevação da auto-estima; começaram a perguntar aos professores como se escrevia determinadas palavras ou em outros momentos procuravam no dicionário – demonstrando assim, uma preocupação em escrever ortograficamente nas diversas disciplinas. A vivência como professora e coordenadora em escolas de bairros periféricos da Zona Urbana e Zona Rural do município de Feira de Santana/BA, as quais agregam alunos que pertencem a grupos de baixa condição sócio-econômica e pouca escolaridade, me colocou em 3 Na maioria das turmas não coincidia ser o mesmo professor que ensinava Religião e Cultura Regional na 5ª série e Religião e Práticas de Saúde na 6ª série. 15 contato direto com um elevado número de alunos nas séries finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio que apresentavam dificuldades para compreender o que liam, não conseguindo fazer uso efetivo da leitura e da escrita no seu cotidiano, quando pedido para ler um bilhete, escrever um endereço, fazer uma lista de compra, etc. Esse mesmo fenômeno é apresentado em revistas de educação4 e diversos dados estatísticos publicados em jornais5 e avaliações internacionais6, boletins de educação, etc. Parece que a escola tem negligenciado o seu papel de incluir, e conseqüentemente, contribuído para exclusão social, uma vez que milhares de alunos têm saído de seus muros – isso no mínimo – sem o domínio da competência lingüística. (PISA, 2000). A sociedade atual, por meio das tecnologias da informação e da comunicação, possibilita ao indivíduo o acesso à leitura e à escrita de maneira dinâmica e em algumas vezes ostensiva. As informações estão presentes nos diversos portadores de textos veiculados em cartazes e informativos de propagandas; na televisão que além das mensagens escritas, trazem nos diversos programas as marcas do texto escrito por meio da oralidade. Nesse contexto, parece paradoxal para a formação do indivíduo no que se refere à aquisição do código escrito que isso seja delegado apenas à escola; pois muitas vezes a escola não acompanha essa dinâmica, devido à falta de recursos adequados para o desenvolvimento de atividades significativas, à falta de espaço de discussão para formação continuada do professor, às deficiências no processo de formação inicial, etc. A sociedade contemporânea por meio da multiplicidade de informações impõe ao indivíduo que mesmo não dominando o código escrito, conviva com práticas leitoras. Entretanto, nem todos os alunos que ingressam na escola têm uma convivência sistemática com práticas de leitura e escrita, cabendo, então, à escola propiciar situações que insiram esses alunos em eventos de letramentos. O contato com o referencial de leitura para trabalhar na alfabetização e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, teve grande relevância para o desenvolvimento do meu trabalho como coordenadora, pois começava a levantar hipóteses sobre a necessidade de que todo professor da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental deveria se conscientizar da sua responsabilidade junto ao professor de Língua Portuguesa para contribuir com o processo de letramento de seus alunos. 4 Revista de Educação: ano 27, nº 231, julho de 2000. Folha de São Paulo, 21/12/2002 – Especial 5 6 Relatório PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), 2000 5 16 Solé (1998) destaca que os professores, enquanto leitores experientes7, (na perspectiva de letramento – enquanto fenômeno mais amplo do que a decodificação) utilizam suas estratégias de leitura de forma inconsciente no seu cotidiano. Entretanto, na ação pedagógica essas estratégias não são transpostas para atividades de leitura com seus alunos, para que possam ser ensinadas e que contribuam para dotar o aluno dos recursos necessários para melhorar suas próprias estratégias. O ensino das estratégias de leitura deve permitir que o aluno planeje a tarefa geral de leitura (seja na escola ou no cotidiano), tendo em vista seus objetivos. De acordo com a autora, é necessário ensinar as estratégias de compreensão leitora para formar leitores autônomos, capazes de aprender a partir dos textos, de estabelecer relações entre o que lê e o que faz parte do seu acervo pessoal, de transferir o que foi aprendido para outras situações. Mas com que objetivo o processo de ensino da leitura deve ser responsabilidade de todos os professores? Para que investir tempo na leitura se o aluno deve chegar nas séries finais do Ensino Fundamental dominando a leitura? Língua Portuguesa não é a disciplina que deve trabalhar com essa questão? Deixar de trabalhar o conteúdo programático para trabalhar leitura não seria uma irresponsabilidade do professor? Como trabalhar a leitura nas diversas disciplinas? Esses questionamentos suscitados no cotidiano da escola permeiam o fazer pedagógico do professor, pois a leitura perpassa todas as áreas do conhecimento e se tornou um importante instrumento de comunicação não apenas dos conhecimentos escolares, mas também de conhecimentos que são veiculados nas esferas sociais em que o indivíduo está inserido. Por meio da leitura dos conteúdos escolares o professor pode possibilitar ao aluno estabelecer relações, desvelar horizontes, rever conceitos e valores, se posicionar, se conformar ou mudar. Para tanto, esse processo, denominado de leitura crítica, não pode se limitar a um simples procedimento, mas sim, transcender para uma reflexão crítica sobre a realidade com seus desafios para a superação. Nesse sentido, Freire (1991) afirma que a leitura crítica se constitui como um importante instrumento de resgate da cidadania e reforça o engajamento do cidadão nos movimentos sociais que lutam pela melhoria da qualidade de vida e pela transformação social. Assim, pode-se afirmar que o acesso à leitura e à escrita possibilita ao indivíduo uma melhor 7 Leitor que têm um tempo e uma diversidade de leituras maior que o aluno; que tem experiências de leitura diversificadas; que faz inferências no texto a partir de outras leituras. 17 qualidade de vida e a participação em diversos setores da sociedade atual. Além de ser inclusivo, o processo de leitura é político. Nessa perspectiva, no âmbito escolar de 5ª a 8ª série, emergem diversos questionamentos sobre o que pode ser feito no conjunto das disciplinas e das atividades programadas para proporcionar a esses alunos a continuidade do seu processo de letramento, para que construam conhecimentos que lhes possibilitem o efetivar da competência lingüística e, conseqüentemente, evitar reprovações sucessivas e posterior evasão escolar. É importante ressaltar que nos últimos anos, as produções teóricas publicadas sobre leitura, na sua maioria, referem-se à alfabetização e as séries iniciais do Ensino Fundamental. Muitas dessas produções chegam aos professores das séries finais do Ensino Fundamental, mas como não apresentam de forma explícita uma relação direta com as séries que lecionam, não são consideradas. Vários desses trabalhos divulgados fornecem importantes indícios para a reflexão e discussão sobre a leitura nas séries finais do Ensino Fundamental. Assim, afirmo que a leitura nessas séries é um tema fecundo o qual necessita de mais produções na área, visando o desenvolvimento de pesquisas que contribuam com o debate, e consequentemente, com a construção de novos conhecimentos. O próximo capítulo apresenta uma discussão sobre a produção teórica da área de leitura e formação de professores, buscando conexões entre essas duas áreas de conhecimento em expansão nos últimos anos. 18 2. LEITURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL O que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em qualquer lugar (Saint-Exupery) Atualmente o tema leitura tem permeado os grandes debates na área de educação. O campo de estudo se ampliou, pesquisas têm sido desenvolvidas na área, seminários são organizados para socialização de experiências, etc. Entretanto, parece que essas discussões, pautadas em referenciais teóricos, não são suficientes para transformar práticas e parece não existir uma transposição do que tem sido produzido na academia para a escola. Pode-se, ainda, afirmar que o processo de leitura é compreendido por muitos professores como um processo estanque que se limita ao período de alfabetização e as séries iniciais do Ensino Fundamental. Nesta visão, a leitura torna-se um conteúdo específico da Área de Língua Portuguesa nos cursos de Letras e nos cursos de Pedagogia para formação de professores de Educação Infantil e Séries Iniciais. Tais afirmações fundamentam-se, como já foi citado anteriormente, no contato com escolas de Ensino Fundamental e Médio na cidade de Feira de Santana - BA e nos resultados de avaliações realizadas por órgãos oficiais do governo (SAEB, INEP). Esses dados têm demonstrado que o nível de leitura e escrita no Brasil precisa melhorar significativamente para que o aluno torne-se um leitor autônomo, capaz de aprender, de buscar informações e de organizar seu próprio conhecimento por meio da leitura. Quando os alunos ingressam na 5ª série do Ensino Fundamental apresentando dificuldades para ler e escrever, conseqüentemente, apresentam dificuldades em compreender os conteúdos específicos das disciplinas que compõem o currículo escolar. Essa problemática costuma agravar-se nas séries subseqüentes. Neste contexto, vários questionamentos são suscitados: Se o aluno ingressa na 5ª série do Ensino Fundamental com dificuldades para ler e escrever, o que pode ser feito, pelos professores dessa série, para melhorar essa aprendizagem? Como o professor das séries finais do Ensino Fundamental pode contribuir? Na perspectiva dos docentes, de quem é a responsabilidade de trabalhar a leitura e a escrita na escola? Os professores das diferentes disciplinas devem se responsabilizar apenas pelo conteúdo específico da sua área? 19 Esses questionamentos parecem fáceis de responder, mas quando analisados a partir da complexidade do sistema escolar, percebemos que não é um problema que pode ser sanado ao apontarmos de quem é a responsabilidade, ou indicarmos de quem é a “culpa” do aluno não dominar a lecto-escrita (aluno? professor? escola? família? sociedade? mídia? etc.), ou ainda, de apresentarmos receitas mirabolantes para que sejam aplicadas pelos professores, sem levar em consideração os fatores culturais, sociais, históricos e econômicos que influenciam a comunidade escolar. A falta de “compreensão leitora” – expressão utilizada por Solé (1998), que se refere ao processo de apreensão e construção de significados ao que lê8 – do aluno extrapola os muros da escola, mas é dentro deles que precisamos buscar alternativas, soluções, possibilidades para um trabalho mais solidário e, portanto, mais produtivo. É na escola que podemos pensar um ideal partindo de um contexto, constituído a partir das reais necessidades, e consequentemente, intervir para mudar a realidade concreta. De acordo com Smole e Diniz (2001, p.69): Um dos diversos desafios a serem enfrentados pela escola é o de fazer com que os alunos sejam leitores fluentes, pois grande parte das informações de que necessitamos para viver em sociedade e construir conhecimentos são encontrados na forma escrita. Entre as diversas metas a serem perseguidas pela escola fundamental, deve merecer atenção especial que os alunos aprendam progressivamente a utilizar a leitura para buscar informação e para aprender, podendo exprimir sua opinião própria sobre o que leram. Ao final do ensino fundamental, é preciso que os alunos possam ler textos adequados para a sua idade de maneira autônoma e aprender sobre diferentes áreas do conhecimento através da leitura, estabelecendo inferências, fazendo conjecturas, relendo o texto e conversando com outras pessoas sobre o que foi lido. O aluno, ao ingressar na 5ª série, deve ter o domínio inicial desse procedimento, mas cabe à escola, ao professor que atua nesse nível de ensino, contribuir para que o aluno continue desenvolvendo, de maneira progressiva, suas habilidades de leitor competente e lhe forneça instrumentos para que a leitura se torne um processo efetivo que o ajude no desenvolvimento de novas aprendizagens. 8 Solé (1998) com base em Palincsan e Brawn (1984) aponta que essa compreensão depende da clareza e coerência do conteúdo do texto, da familiaridade da sua estrutura e do nível aceitável do seu léxico, sintaxe e coerência interna; do grau em que o conhecimento prévio do leitor lhe possibilite atribuir significados ao conteúdo do texto; e das estratégias que o leitor utiliza para intensificar a compreensão, possibilitando-o perceber o que entende e o que não entende no texto lido. 20 O desenvolvimento da aprendizagem da leitura nas séries finais do Ensino Fundamental encontra grandes obstáculos para ser concretizado na prática pedagógica desses professores. São professores especialistas que, no seu processo de formação inicial, estiveram voltados para uma determinada área do conhecimento, sem uma preocupação mais sistemática dos diversos saberes necessários à prática educativa. Esses saberes envolvem, numa articulação dialética, o conhecimento específico da disciplina, o conhecimento pedagógico, aspectos políticos, sociais, culturais, psicológicos e éticos. Na tentativa de melhorar ou atualizar a prática pedagógica, as propostas de formação continuada por meio de cursos de curta duração, apresentam-se como uma possibilidade. Entretanto, a forma como têm sido realizadas não atende às necessidades do cotidiano escolar. Segundo Mizukami, et al. (2002), esses cursos, quando muito, fornecem informações que, algumas vezes, alteram apenas o discurso dos professores e pouco contribuem para uma mudança efetiva. Com base nos estudos e pesquisas realizados por Candau, André, Torres e outros, as autoras apontam e discutem novas perspectivas de formação continuada que foram ou estão sendo construídas nos últimos anos: [...] a formação continuada busca novos caminhos de desenvolvimento, deixando de ser reciclagem, como preconizava o modelo clássico, para tratar de problemas educacionais por meio de um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas pedagógicas e de uma permanente (re) construção da identidade do docente. ( MIZUKAMI, et al.2002,p.26) Dentre os diversos modelos descritivos sobre a formação docente ou aprendizagem da docência, destaca-se os estudos sobre o conhecimento para o ensino. Quais os tipos de conhecimentos que o professor deve ter ou tem para exercer a docência? Como ele aprende esses conhecimentos? Quais e como são os processos de aprendizagem desses tipos de conhecimento? A leitura é um tipo de conhecimento necessário para o exercício da docência? Sobre o conhecimento para o ensino: Shulman (1987,1986) propõe dois referenciais para a investigação do papel do conhecimento no ensino, dos fundamentos da base de conhecimento para o ensino e dos processos pedagógicos de reflexão e de ação envolvidos no exercício da docência: a base de conhecimento pessoal e o processo de raciocínio pedagógico. Esses referenciais implicam os diferentes tipos de conhecimentos para a docência, assim como os processos pelos quais esses conhecimentos são construídos e utilizados. (MIZUKAMI, et al. 2002, p.6667) 21 Discutir a leitura como um tipo de conhecimento que deve fazer, ou que faz parte da base do conhecimento do professor pode representar contribuições para os estudos sobre o exercício da docência dos professores das séries finais do Ensino Fundamental. No decorrer deste capítulo, discutiremos concepção de leitura, concepção de formação de professores e o exercício da docência como espaço propício de aprendizagens para o ensino da leitura nas séries finais do Ensino Fundamental, apesar das limitações. É importante destacar que a melhoria da qualidade da escola, no que se refere à aprendizagem dos alunos, além do empenho dos professores, da construção e sistematização de conhecimentos na área, de propostas inovadoras, está atrelada a implementação de políticas públicas voltadas para as reais necessidades dos alunos, professores e escola. 2.1. O universo da Leitura: da decodificação à prática social O conceito de leitura que temos na contemporaneidade é a síntese das múltiplas concepções que foram construídas ao longo da história da humanidade. Buscando a etimologia da palavra leitura, verificamos que vem do latim lectum de legere, que significa arte de ler; acto ou o efeito de ler. Ler, do latim, legere, é conhecer, interpretar por meio da leitura e compreender. Partindo dessa definição, é viável afirmar que a leitura é uma atividade de compreensão das diversas mensagens existentes no ambiente em que o indivíduo vive. Não só o código escrito constitui o universo da linguagem, diversos signos estão a todo o momento perpassando a existência da humanidade. Nessa perspectiva, é possível inferir que ler não se resume apenas a leitura de palavras escritas, mas de imagens, sons, códigos pictóricos, ideogramas, entre outros. Na multiplicidade de linguagens, destaca-se a leitura do código escrito como o objeto de análise e reflexão deste trabalho, comungando com Solé ao definir a leitura como “um processo mediante o qual se compreende a linguagem escrita. Nesta compreensão intervém tanto o texto, sua forma e conteúdo, como o leitor, suas expectativas e conhecimentos prévios.” (SOLÉ, 1998, p.23). É importante destacar, que por um longo período, a leitura foi compreendida como a mera decodificação de símbolos escritos. Essa visão simplificada sobre o processo de leitura, contribuiu para reforçar uma visão ingênua desse processo, limitando a leitura a um simples procedimento de decodificação. Hoje, tal visão não atende as necessidades, uma vez que 22 sociedade atual, denominada de sociedade letrada, a escrita se constitui como parte essencial do cotidiano. Sem deixar de envolver um procedimento de decodificação, ela extrapola para uma dimensão maior, para uma prática social. Sobre essa mudança, Kramer (2006) ao fazer uma análise das contribuições de Roger Chartier para as práticas de leitura e escrita no Brasil, aponta que a partir da década de 90, a obra desse autor tem uma importância decisiva para a mudança conceitual no campo da leitura. Segundo a autora, os trabalhos teóricos no referido campo têm se apropriado dos conceitos de Chartier “para realizar a análise das práticas escolares, entendendo-as como práticas culturais de leitura e escrita (Chartier, 1990; 1996), mais do que práticas escolares ou instrucionais.” (KRAMER, 2006, p.40). Na sociedade contemporânea marcada pelo avanço da tecnologia da informação e da comunicação, o indivíduo necessita cada vez mais dominar não apenas os rudimentos da leitura e da escrita resultantes da apropriação do sistema escrito, como também, fazer uso dessa tecnologia nas práticas cotidianas. A vida cotidiana é marcada pelo uso do código escrito e por práticas letradas ainda que em contextos de oralidade - por exemplo, um noticiário de jornal, uma novela ou uma música. Segundo Marcuschi (2001), essas práticas são gêneros textuais que apresentam uma concepção discursiva escrita e um meio de produção sonoro. A lecto-escrita enquanto fato histórico: [...] se tornou um bem social indispensável para enfrentar o dia-dia, seja nos centros urbanos ou na zona rural. Neste sentido, pode ser vista como essencial à própria sobrevivência no mundo moderno. Não por virtudes que lhes são imanentes, mas pela forma que se impôs e a violência com que penetrou nas sociedades modernas e impregnou as culturas de modo geral. Por isso friso, que ela se tornou indispensável, ou seja, sua prática e avaliação social a elevaram a um status mais alto, chegando a simbolizar educação, desenvolvimento e poder. (MARCUSCHI, 2001, p.16-17) Diante do exposto, é possível afirmar que os usos da escrita têm adquirido, ideologicamente, um valor social até superior à oralidade, impondo um déficit ao indivíduo que não domina esse conhecimento, o qual é adquirido em contextos formais de ensino, ou seja, na escola. Assim, a escola, enquanto “a mais importante das agências de letramento” (KLEIMAN,1995,p.20), deve se responsabilizar pelo processo de aprendizagem da leitura e escrita dos alunos, deve se preocupar com suas leituras, com o material que estes têm para ler, com o que justifica o fato de aprenderem. Faz-se necessário que os professores se apropriem do que tem sido produzido sobre o tema, por meio de grupos de estudos que podem acontecer dentro da própria escola nas atividades complementares, com o intuito de enfrentar 23 os dilemas da sala de aula, referentes a esse conhecimento, com maior preparo e maleabilidade. A compreensão da leitura depende do conhecimento de mundo, do conhecimento prévio de cada indivíduo e das leituras anteriores. É uma atividade interativa, em que o leitor vai modificando sua visão de mundo a partir do diálogo com o texto. É importante destacar que cada leitura é única e exige habilidades e conhecimentos diferenciados, a depender do tipo de texto como, por exemplo: um problema matemático, uma descrição de rochas, um poema, uma história em quadrinhos, um romance, um texto jornalístico, uma receita, um manual de instruções, um parecer, uma lei, entre outros. Esses textos compreendidos como ‘ato de fala impresso’ se constituem em atos de comunicação. Portanto, o diálogo com um texto, independente do gênero, como qualquer outro ato de comunicação não é neutro. A propósito do diálogo que se estabelece entre o leitor e o texto escrito, especificamente do livro, Bakhtin (2006, p. 127-128) diz o seguinte: O livro, isto é, o ato de fala impresso, constitui igualmente um elemento da comunicação verbal. Ele é objeto de discussões ativas sob a forma de diálogo, e além disso, é feito para ser apreendido de maneira ativa, para ser estudado a fundo, comentado e criticado no quadro do discurso interior, sem contar as reações impressas, institucionalizadas, que se encontram nas diferentes esferas da comunicação verbal (críticas, resenhas, que exercem influência sobre os trabalhos posteriores, etc.) Além disso, o ato de fala sob a forma de livro é sempre orientado em função das intervenções anteriores na mesma esfera de atividade, tanto as do próprio autor como as de outros autores: ele decorre portanto da situação particular de um problema científico ou de um estilo de produção literária. Assim, o discurso escrito é de certa maneira parte integrante de uma discussão ideológica em grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objeções potenciais, procura apoio, etc. Dessa forma, não dá para pensar na leitura sem pensar na complexidade em que ela está inserida. A leitura, enquanto ato de comunicação verbal, proporciona desvelar o mundo, abrir novos horizontes, lazer, descoberta, inquietação, busca, e tantas outras coisas. Mas, também proporciona alienação, imposição, submissão, entre outros. Quem lê viaja, viaja sim, por um universo sem fronteiras para mundos concretos por meio de produções científicas ou para mundos imaginários por meio de um estilo de produção literária, para ampliar suas concepções reconstruindo-as ou reforçando-as. Nessa perspectiva, Chartier (2001), afirma que a leitura autoriza novos pensamentos, especificamente, a leitura silenciosa por não estar sujeita ao controle comunitário ou de qualquer autoridade. Tal leitura permite o desvio, a subversão. 24 Há um controle comunitário sobre a leitura em voz alta, que desaparece com a leitura silenciosa. Esta última é um primeiro perigo, pois permite a cada um desenvolver seus próprios pensamentos a partir dos textos recebidos sem possibilidade de controle por parte da comunidade ou da autoridade. Isto vem reforçar um segundo perigo já mencionado: o de tomar a ficção como realidade, confundir dois mundos, o mundo do texto e o mundo do leitor. O controle comunitário traduz-se no fato de que o texto não é o mundo do leitor, em que há uma distância, que na ficção pode não divertir nem ser um mundo onde o leitor individual exista ou esteja presente. Ambos os perigos, de tomar o fictício como real e fundir o mundo do texto com o mundo do leitor, foram percebidos nos séculos XVI e XVII pelas autoridades e, desta maneira, a figura do poder, por um lado, e a figura do leitor silencioso, por outro, são antagônicas, como dois extremos de uma relação de obediência e de imposição. (CHARTIER, 2001, p.156-157) Nesse sentido, a leitura é um instrumento, e porque não dizer, um instrumento ideológico capaz de libertar ou aprisionar, dependendo de como é utilizada, para que e por quem. De acordo com Silva (2003) a leitura quando realizada criticamente pode propiciar ao leitor fundamentos para a tomada de decisões, como também, a percepção das injustiças, das desigualdades e das contradições sociais, fatores que, entre outros, contribuem para que as políticas de leiturização no Brasil sejam descontínuas, pontuais e irrisórias, não conseguido sanar a grande carência de leitura da sociedade brasileira. Pensar no tema leitura, hoje, é pensar em paradoxos: simples e complexo, uno e múltiplo, consciência e alienação, libertação e opressão, prazer e desprazer, tendo em vista que a leitura não é uma prática neutra. Britto e Abreu (2003) ao se referirem aos discursos sobre leitura que circulam na nossa sociedade, permeados pelas relações de poder que necessitam reafirmar posições sociais, culturais e identitárias, apontam que: “Esquece-se” que a leitura não é prática neutra, que no contato de um leitor com o texto estão envolvidas questões culturais, políticas, históricas e sociais, que as diferentes leituras são condicionadas por diferentes formas de inserção nas formas da cultura. (BRITO e ABREU, 2003, p.118) Por trás de cada signo uma multiplicidade de sentidos se revela, autorizado ou não pelo autor. Esses sentidos muitas vezes também são construídos pelos meios de produção aqui se referindo a estética do material escrito. Mas é o leitor, que como já foi citado, independente da autorização do autor, pode ou não subverter o sentindo de um texto. Nesse aspecto “o leitor é co-produtor do sentido do texto” (FRANCHI, 1989, p.196). Partindo desse pressuposto, e do que já foi exposto anteriormente, faz-se necessário repensar a concepção de leitura que permeia a escola atual. A leitura na escola, independente do nível de ensino, não pode continuar sendo vista como um simples procedimento que os alunos dominam ou não dominam. Não pode ficar sendo filtro seletivo ou instrumento 25 discriminatório dentro das escolas e, consequentemente, fora dela. Como também, enquanto objetivos de ensino e conteúdo, não pode ficar restrita a uma disciplina ou série específica: Ler, escrever e falar em público é tarefa ontológica, intrínseca, eterna da escola, de todos nós educadores. Tratam-se de tarefas fundamentais para “prepará-los para a vida”, bem mais importantes, creio eu, do que “preparálos para o mercado de trabalho”, mercado este cada vez mais inexistente. Se os alunos dizem, ao ver um mapa; “isso é geografia”, ao fazer uma conta; “ué é aula de matemática!?”, ou estranham quando pedimos para escreverem sobre o que falamos como se “isso fosse aula de português”, é porque eles simplesmente estão reproduzindo uma construção ideológica/científica que nós construímos ao longo dos anos escolares. Aliás, eles são a nossa cara. (KAERCHER, 2006, p.77-78) O trabalho com a leitura em sala de aula, além de extrapolar os limites disciplinares, deve extrapolar, também, as concepções redutoras sobre o processo de leitura que tem sido incorporado no discurso de alguns professores – despertar o gosto pela leitura. Essa visão tem sido veiculada pelos discursos oficiais de leiturização em “que a palavra leitura não sai do universo literário [...] A partir da concepção leitura=literatura e literatura=narrativa, abre-se o espaço para o discurso do prazer de ler, como possibilidade de gostar de ouvir (ou de contar) histórias.” (SANTANA, 2005, p.1). Aqui, a posição não é ignorar a importância do prazer de ler, ou ser contra as políticas de leiturização no Brasil9, mas refletir sobre a sua concretização nos espaços escolares: O chamado “prazer da leitura”, tão proclamado nos discursos e nas propagandas oficiais dos governos, permanece fora das salas de aula, como uma meta inatingível nos contextos escolares. E torna-se uma meta inatingível em decorrência de concepções redutoras de leitura, presentes no imaginário dos professores. Além disso, as atmosferas controladoras e quantitativistas da educação escolarizada brasileira também levam as crianças ao desprazer, ao desgosto, à desleitura. Na escola tudo tem que ser medido, quantificado, repetidos pelos toques das didáticas cartilhescas, deixando pouco ou nenhum tempo ou espaço para a alegria, criatividade, fantasia e imaginação. Daí também a didatização da literatura – esta arte, na escola, infelizmente, perde a sua natureza de fruição para se transformar em objeto de dissecação e de estudo (vocabulário, gramática, escolas literárias, vida de autores etc.). (SILVA, 2003, p.19-20) Ressalta-se que essas políticas, refletem de certa forma, a posição dos teóricos da área no sentido de democratização do livro às crianças, jovens e adultos que não tinham acesso a esse tipo de material impresso – o livro de literatura. Essas políticas são sementes que foram plantadas em terra fértil, que têm germinado e que aos poucos têm se desenvolvido, mas, 9 Por políticas de leiturização estou considerando os programas de distribuição de livros como o PNBE – Programa Nacional de Biblioteca Escolar e o PNLD – Plano Nacional de Livro Didático. 26 precisam de condições adequadas para a reprodução dos frutos: a continuidade e execução das políticas, a formação contínua do professor, as condições materiais e o incentivo por parte de todos os envolvidos no processo de democratização do saber. Além dessas condições, faz-se necessário a dignificação do trabalho docente. A esse respeito Silva (2003, p.30) se posiciona afirmando que as condições materiais (livros, computadores, bibliotecas, etc.) podem facilitar a melhoria da leitura na escola, “entretanto, sem professores com dignidade profissional e salarial, sem um status de respeito na comunidade, todas as parafernálias audiovisuais e eletrônicas viram lixo dentro da escola”. Cabe destacar, que por visão simplista e reducionista, compreende-se o discurso de muitos professores sobre o prazer pela leitura destituído de atividades planejadas para esse fim, para eles o gosto de ler se dá apenas pelo processo de leitura de literatura, do contato com o livro. Ao contrário, desenvolver o prazer pela leitura nos alunos também implica trabalho pedagógico, pois o mesmo não se dá de forma espontânea. Não adianta o professor dizer que gosta de ler, que ler é importante, que ler abre novos horizontes, que a leitura é um ato prazeroso, e no seu cotidiano o discurso ficar no vazio, devido à falta de coerência entre o que ele diz e o que ele faz. Caso o professor “não seja um leitor assíduo, rigoroso e crítico, são mínimas ou nulas as chances de que possa fazer um trabalho condigno na área da educação e do ensino da leitura” (Silva 2003, p. 28). O aluno percebe na fala do professor a sinceridade de suas palavras. Em muitos casos faltam exemplos de leitura, faltam indicações de livros, faltam leituras na sala de aula realizadas pelo professor enquanto modelo de leitor. O professor enquanto modelo de leitor tem sido uma questão que inquieta muitos estudiosos da área. Kramer (2006) aponta que no Brasil várias pesquisas discutem a importância do papel da leitura na formação do professor10. Segundo a autora: Várias pesquisas destacam o papel da leitura e da escrita na sistematização do pensamento, na organização da conduta, na experiência cultural, ou seja, na formação dos professores. Mostram que muitos professores não se tornaram leitores, não aprenderam a usufruir o texto, não escrevem, deixaram de ler ou de gostar de ler e têm medo de escrever. Concluem que as estratégias de formação precisam incluir alunos e professores e criar condições concretas de leitura literária e de escrita, com as crianças, com os adultos. (KRAMER, 2006, p.43) Destacamos que a leitura enquanto prática social não pode se limitar apenas ao discurso do prazer de ler, relacionado na maioria das vezes a um único gênero textual. A leitura precisa ser planejada e orientada para que o aluno possa adentrar nesse universo, 10 Kramer (1993); Kramer e Jobim e Souza (1996) e Kramer e Oswald (2001) 27 especialmente os alunos que apresentam dificuldades. O prazer pela leitura deve estar associado a outros objetivos, a outras dimensões que envolvem a leitura em toda a sua complexidade na sociedade contemporânea. Os objetivos de uma leitura podem variar de acordo com o leitor, com o gênero textual e com a situação. É importante que o professor tenha clareza desses objetivos para planejar e desenvolver o trabalho com seus alunos em sala de aula. Ao discutir o que o professor pode fazer antes da leitura para ajudar a compreensão dos alunos, Solé (1998), reforça a necessidade de definir aonde se quer chegar com a leitura de um texto. Assim, a autora, aponta alguns objetivos que precisam ser levados em consideração nas situações de ensino da leitura: ler para obter uma informação precisa; ler para seguir instruções; ler para obter uma informação de caráter geral; ler para aprender; ler para revisar um escrito próprio; ler por prazer; ler para comunicar um texto a um auditório; ler para praticar a leitura em voz alta; ler para verificar o que se compreendeu. Esses objetivos não têm classificação hierárquica, estão diretamente ligados aos gêneros textuais e não são os únicos, cabe ao professor definir os objetivos e quais os procedimentos cabíveis para seu alcance. Sobre o assunto, Solé (1998, p.90) afirma que “como podemos fazer diferentes coisas com a leitura, é necessário articular diferentes situações – oral, coletiva, individual e silenciosa, compartilhada – e encontrar os textos mais adequados para alcançar os objetivos propostos em cada momento”. Todas essas situações são importantes para o ensino e a aprendizagem da leitura. Como já afirmamos anteriormente, o ensino da leitura deve acontecer ao longo de todo o processo de escolaridade do indivíduo, sendo responsabilidade de todo docente, independente da área de formação e atuação. Entretanto, não basta apenas selecionar os objetivos e as situações de leitura; faz-se necessário um planejamento que direcione as ações a serem desenvolvidas em sala de aula. Um plano de ação que estabeleça estratégias de leitura. Com base nos estudos de Solé, (1998) e Kleiman, (1999), as estratégias de leitura podem ser definidas como procedimentos de ordem geral que ativa o conhecimento do sujeito para uma determinada situação de leitura, podendo ser transferida para outras situações sem maiores dificuldades. É uma ajuda guiada pelo professor, visto que o desenvolvimento do leitor competente não acontece espontaneamente. As estratégias não são prescrições, mas detalham e direcionam as ações no processo de leitura. Kleiman (1999) discute um conjunto de orientações que podem ser utilizados nas aulas de leitura das diversas disciplinas, visando o engajamento cognitivo do aluno em situações de leitura: contextualização do texto, ativação do conhecimento prévio, construção de mapa 28 textual, leitura individual com objetivo pré-definido, verificação de hipóteses de leitura. Essas situações podem contribuir com o desenvolvimento da competência leitora, uma vez que direcionam e motivam o aluno, colocando-o numa condição de co-autor do texto, inferindo sentidos a partir de suas leituras anteriores. No entanto, para que essas ou outras orientações possam fazer parte do cotidiano da sala de aula, não como receitas, mas como possibilidades, sendo reformuladas a partir da realidade concreta de cada escola, os profissionais da educação, especialmente os professores, precisam de uma formação que lhes propicie saber analisar e saber analisar-se, a partir de uma reflexão prático-teórica levando em consideração os diversos elementos que compõem o processo de ensino e aprendizagem. Uma formação que de acordo com Nóvoa (2002), possibilite ao professor possuir saberes, mas, sobretudo, compreendê-los para poder intervir. 2.2. Formação de professores: desafios no exercício da docência Ao longo da história da educação observamos que o processo de formação de professores se modificou de acordo com as necessidades e exigências do momento histórico, social, político, econômico e cultural. Os estudos desenvolvidos nas últimas décadas sobre a formação de professores indicam um movimento de valorização de todos os elementos que fazem parte do processo de ensino e aprendizagem inseridos na complexidade do contexto concreto de sala de aula, que reflete as condições materiais da sociedade. Vivemos na era de predomínio da tecnologia da informação, que impõe novos valores, novas formas de aprendizagem ao profissional docente. De acordo com Imbernón (2006, p. 14) “[...] o mundo que nos cerca tornou-se cada vez mais complexo, e as dúvidas, a falta de certezas e a divergência são aspectos consubstanciais com que o profissional da educação deve conviver, como acontece com profissionais de qualquer outro setor”. Assim, a formação de professores não pode mais estar centrada nos velhos moldes de transmissão de conhecimento: Durante muito tempo, a formação baseou-se em conhecimentos que poderíamos denominar “de conteúdo”. A perspectiva técnica e racional que controlou a formação durante as últimas décadas (a preferência pelo metodológico) visava um professor com conhecimentos uniformes no campo do conteúdo científico e psicopedagógico, para que exercesse um ensino também nivelador. (IMBERNÓN, 2006, p16) 29 Diante do exposto, faz-se necessária a superação desse paradigma, denominado de racionalidade técnica, pautado em modelos estanques que concebe o professor como objeto de um processo organizado por um especialista, não levando em consideração as condições sócio-econômicas, políticas, culturais e ideológicas que permeiam a comunidade escolar. Divergindo desse paradigma, muitos teóricos como Imbernón, Marcelo, Nóvoa, Mizukami, Flores e Pacheco, entre outros, concebem a formação do professor numa perspectiva permanente e evolutiva, ou seja, como “[...] um processo de desenvolvimento para a vida toda [...]” (MIZUKAMI, et. al, 2002, p.13). Esse processo acontece em várias fases (formação inicial, iniciação a docência e formação contínua), em que uma não se sobrepõe a outra, e em espaços com características diferenciadas e interdependentes. É um processo vivido individual e coletivamente que inclui um amplo conjunto de fatores que engloba aspectos cognitivos, afetivos, sociais, culturais e econômicos, como também as experiências o longo do seu processo de escolarização, as crenças e os valores pessoais. A partir desta compreensão, no processo de formação devem perpassar saberes fundamentais que possibilitem ao professor construir sua própria prática de forma reflexiva, capaz de resolver problemas, de trabalhar com o inesperado e com a diversidade, de acolher o novo. Saberes que levem os professores a questionar e transgredir teorias pedagógicas e visões de conhecimento compartimentalizado em disciplinas curriculares que dão a falsa idéia de completude na formação inicial. O cotidiano escolar apresenta aos educadores inúmeros desafios que se manifestam como o novo, como o inesperado que exige do professor uma postura reflexiva capaz de tomar decisões na busca de superações. Nessa perspectiva, Nóvoa (2002, p. 37) aponta que: [...] surge a necessidade de construir uma visão dos professores como profissionais reflexivos, que rompa com determinações estritas ao nível da regulação da actividade docente e supere uma relação linear (e unívoca) entre o conhecimento científico-curricular e as práticas escolares. Os professores devem possuir capacidades de autodesenvolvimento reflexivo, que sirvam de suporte ao conjunto de decisões que são chamados a tomar no dia-a-dia, no interior da sala de aula e no contexto da organização escolar. Como já foi citado, a formação inicial apesar de constituir uma das faces do desenvolvimento pessoal e profissional do docente, por si é insuficiente para atender as exigências desse perfil requeridas pelas condições materiais. A formação docente e profissional que se constitui, hoje, a partir da idéia de aprendizagem permanente, encontra na formação contínua um dos pilares que sustenta a possibilidade de romper com a inércia 30 das práticas pedagógicas rígidas que permeia o cotidiano escolar. Tal possibilidade centra-se na reflexão sobre a própria prática pautada na relação teoria-prática: A formação deve apoiar-se em uma reflexão dos sujeitos sobre sua prática docente, de modo a lhes permitir examinar suas teorias implícitas, seus esquemas de funcionamento, suas atitudes, etc., realizando um processo constante de auto-avaliação que oriente seu trabalho. (IMBERNÓN, 2006, p.55) Atualmente, a formação contínua do professor tem buscado a superação do pólo dicotômico entre teoria e prática, especialista e professor, universidade e escola, conhecimento acadêmico e conhecimento escolar. Candau (1996), como base nos trabalhos de Nóvoa, Huberman, Tardif, Lessard e Lahaye, afirma que a formação contínua do professor deve levar em consideração a escola como lócus, a valorização do saber docente e o ciclo de vida dos professores: O locus da formação a ser privilegiado é a própria escola; isto é, é preciso deslocar o lócus da formação continuada de professores da universidade para a própria escola de primeiro e segundo graus. Todo processo de formação tem de ter como referência fundamental o saber docente, o reconhecimento e a valorização do saber docente. Para um adequado desenvolvimento da formação continuada, é necessário ter presentes as diferentes etapas do desenvolvimento profissional do magistério; não se pode tratar do mesmo modo o professor em fase inicial do exercício profissional, aquele que já conquistou uma ampla experiência pedagógica e aquele que já se encaminha para a aposentadoria; os problemas necessidades e desafios são diferentes e os processos de formação continuada não podem ignorar essa realidade promovendo situações homogêneas e padronizadas, sem levar em consideração as diferentes etapas do desenvolvimento profissional. (CANDAU, 1996, 146). A formação do professor como um processo contínuo encontra no espaço escolar, mediante os dilemas e solicitações impostos pela dinâmica social, política, cultural e afetiva que envolve a escola, um terreno fértil para elaboração de propostas, discussão e estudos de temas relacionados às necessidades reais, construção de novos conhecimentos, entre outros, ou seja, um espaço em que se pode responder aos problemas por meio de uma prática reflexiva, decorrente de um processo de reflexão que envolve: “o conhecimento-na-ação, a reflexão-na-ação e a reflexão-sobre-a-ação e sobre a reflexão-na-ação” (MIZUKAMI, et.al, 2002, p.16). Esse processo de reflexão permite ao professor analisar seu fazer pedagógico, percebendo-se como sujeito da sua própria formação, visto que os desafios postos pela prática abrem espaços para a busca de explicações plausíveis em diversos referenciais teóricos, que 31 ao se confrontarem com a prática, possibilitam novas (re)elaborações, adaptações, rejeições, etc. No processo de formação “in lócus”, mesmo existindo um profissional, que por meio de um planejamento pautado nas necessidades do contexto escolar, coordene a mediação entre os conhecimentos teóricos/professor/ prática, a formação deixa de ser algo exterior ao sujeito e ao contexto, pois o ponto de partida é a própria prática. 2.2.1 O exercício da docência: alguns limites e possibilidades No exercício da sua profissão, o professor das séries finais do Ensino Fundamental, tem se deparado, como já foi citado anteriormente, com alunos que não apresentam habilidades básicas para ler e compreender textos simples. Tal situação suscita questionamentos diversos e ao mesmo tempo exige medidas urgentes e eficazes. Em cada área do conhecimento existe uma especificidade, uma característica própria, para expressar idéias, termos e sinais específicos que se diferenciam uns dos outros e exigem um planejamento diferenciado por cada professor, mas que ao mesmo tempo seja articulado por um fio condutor, a leitura. Assim, cabe a todo professor a responsabilidade pelo ensino da leitura: [...] numa primeira instância, ensinar a ler é alfabetizar, levar o aluno ao domínio do código escrito, ensinar a ler continua sendo levar o aluno ao domínio de códigos mais elaborados e mais especializados. A quem cabe ensinar o significado corrente de posto que?11 Em princípio, costuma-se atribuir tarefas desse tipo ao professor de Português, mas qualquer professor, de qualquer área, é, pelo menos também em princípio, um leitor da língua portuguesa, e como tal, pode fazer uma tal ponte entre o significado construído pelo aluno e o significado corrente da expressão. (GUEDES E SOUZA, 2006. p. 138) A leitura compreendida como um conteúdo transdisciplinar, que perpassa todas as áreas não é apenas responsabilidade dos professores das Séries Iniciais do Ensino Fundamental ou do professor de Língua Portuguesa. Nessa visão, o professor independente da área de atuação “deve projetar o trabalho da leitura para os vários anos de trabalho no Ensino Fundamental.” (FRANCHI, 1989, p.196) 11 Referência à interpretação de um aluno de 5ª série depois de ler o Poema “Soneto da fidelidade” e comparar o amor com fogo na gasolina. 32 O exercício da docência se materializa no ato de ensinar – ato que “requer do professor uma predisposição para compreender a complexidade da prática (...)” (PACHECO e FLORES , 1999, p.41). O trabalho com leitura nas séries finais do Ensino Fundamental tem sido um desafio para os professores que trabalham com essas séries, visto que durante o processo de formação inicial, de acordo com Silva (2003), a leitura tem sido ao longo da história um conteúdo totalmente relegado nos cursos de licenciatura, não possibilitando uma reflexão, nem instrumentos para que o professor na realidade concreta da sala de aula possa tomar decisões coerentes com as necessidades dos alunos. A leitura como qualquer outro conteúdo ou procedimento de ensino não é atividade neutra, portanto, necessita que o professor tenha consciência da complexidade que envolve seu fazer pedagógico, visando mudanças na condição dos alunos que apresentam dificuldades na aprendizagem da leitura. Nesse sentido, emergem os seguintes questionamentos: Por que os professores não conseguem ajudar esses alunos? Por que o professor na sua prática pedagógica cumpre um programa que não atende as reais necessidades desses alunos? Será que ensinar o conteúdo específico de uma disciplina é suficiente para ajudar esses alunos? O que a escola faz para atender as necessidades desses alunos? A quem satisfaz a saída de alunos da escola com certas dificuldades que deveriam ser sanadas ao longo do processo de escolarização? O que esconde a dificuldade de leitura do aluno? Alguns desses questionamentos, não serão esgotados, poderão suscitar outros questionamentos, abrir novos debates etc. Na busca pelas respostas, é possível apontar que o problema perpassa pelo ensino da leitura, responsabilizando apenas o professor. Uma resposta simplista que não leva em consideração o contexto em que se realiza o fazer pedagógico do professor. Ensinar não é transferir conhecimentos, não se resume a preparação de uma aula com um determinado conteúdo que deve ser memorizado pelo aluno. O exercício da docência é complexo, pois agrega sujeitos concretos e historicamente constituídos e se desenvolve num movimento dialético entre as dimensões cognitivas, sociais, afetivas e culturais. A dificuldade de leitura que os alunos das séries finais do Ensino Fundamental apresentam não é um problema que pode ser explicado apenas pelo viés da aprendizagem ou do ensino destituído das demais dimensões, pois se apresenta tanto como uma dificuldade de origem como também de saída, ou seja, a maior parte dos alunos que ingressa na 5ª série com dificuldades de leitura, sai dos muros da escola sem sanar essa dificuldade. Assim, os 33 diferentes níveis de aprendizagem da leitura desses alunos se constituem em elementos de diferenciação, classificação e desigualdade. O processo de ensino é marcado por contradições e resistências tanto individuais como grupais, devido aos interesses e expectativas dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, é interessante destacar, que a escola enquanto instituição social cumpre uma função específica – a socialização das novas gerações. Perez Gómez (1998), com base nas correntes sociológicas da educação, afirma que esse processo de socialização é complexo e dialético, pois tem como objetivos preparar as novas gerações para sua incorporação ao mundo do trabalho e para a intervenção na vida pública: Preparar para a vida pública nas sociedades formalmente democráticas na esfera política, governadas pela implacável e às vezes selvagem lei do mercado na esfera econômica, comporta necessariamente que a escola assuma as vivas contradições que marcam as sociedades contemporâneas desenvolvidas. O mundo da economia, governado pela lei da oferta e da procura e pela estrutura hierárquica das relações de trabalho, bem como pelas evidentes e escandalosas diferenças individuais e grupais, impõe exigências contraditórias aos processos de socialização na escola. O mundo da economia parece requerer, tanto na formação de idéias como no desenvolvimento de disposições e condutas, exigências diferentes às que demanda a esfera política numa sociedade formalmente democrática na qual todos os indivíduos, por direito são iguais perante a lei e as instituições. (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.15) Ao cumprir, ou tentar cumprir esses objetivos, a escola transmite e consolida uma ideologia cujos valores camuflam a realidade, levando os membros da comunidade escolar a aceitar como resultado natural às diferenças individuais de origem dos alunos. Essas diferenças não são apenas econômicas ou de classes, se referem também à linguagem, à estrutura familiar, à raça, ao gênero, às expectativas que os alunos apresentam em relação à escola, etc. Para o autor, essas diferenças de origem se transformam em diferenças de saída, uma vez que a escola por meio de um currículo homogeneizador não leva em consideração tais diferenças. Entretanto, esse processo de socialização não acontece de forma tão linear, pois a escola enquanto um espaço que reflete os interesses de diversos segmentos – alunos, professores, pais, funcionários, comunidade em que está inserida, sociedade – ultrapassa a função reprodutora, tornando-se um espaço de tensões e conflitos. Pérez Gómez (1998) afirma que na escola existem espaços de relativa autonomia que podem ser utilizados para desequilíbrio da função reprodutora das desigualdades sociais. Para o autor, apesar de consolidado o currículo comum, a escola gratuita e obrigatória até os dezesseis anos em 34 determinados países – no caso do Brasil a obrigatoriedade se estende a toda a Educação Básica, – a função social da escola deve se concretizar a partir da substituição da lógica da homogeneidade pela lógica da diversidade: Defender a conveniência de um currículo comum e compreensivo para a formação de todos os cidadãos não pode supor de modo algum a lógica didática da homogeneidade de ritmos, estratégias e experiências educativas para todos e cada um dos alunos/as. Se o acesso destes à escola está presidido pela diversidade, refletindo um desenvolvimento cognitivo, emocional e social evidentemente desigual, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e intercâmbios sociais, prévios e paralelos à escola, o tratamento uniforme não pode supor mais do que a consagração da desigualdade e injustiça de sua origem social. (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.21) A escola deve apresentar um modelo didático flexível e plural que permita atender as diferenças de origem, como também a partir da reconstrução do conhecimento e da experiência que o aluno assimilou antes e paralelo ao seu processo de escolarização. Compreender a função social da escola e seus efeitos na vida do sujeito em sociedade é uma possibilidade para o desenvolvimento de uma prática pedagógica crítica que se realiza num movimento dialético entre o reproduzir e o transformar as práticas escolares, e consequentemente, as práticas sociais. Nesse sentido, Freire (1996, p.43) afirma que “a prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer”. O exercício da docência configura-se como um espaço de reflexão, de (re)construção, de busca de alternativas, de realização da práxis. Um espaço fértil para a realização de diversos estudos sobre a formação de professores. Com base nas tendências que têm permeado a formação do profissional hoje – pensamento do professor, reflexão como orientação conceitual, problematização do saber do professor, entre outras –, Mizukami (2002, p. 43) aponta que: (...) o conhecimento se constrói a partir de hipóteses que se estruturam e se desestruturam. O conhecimento docente também se constrói: com a quebra das certezas presentes na prática pedagógica cotidiana de cada um de nós. Portanto, é preciso intervir para desestruturar as certezas que suportam essas práticas. Deve-se abalar as convicções arraigadas, colocar dúvidas, desestabilizar. A partir da desestruturação das hipóteses, constroem-se novas hipóteses, alcançam-se novos níveis de conhecimento. Neste movimento de reflexão sobre a prática e de construção e reconstrução do conhecimento para a docência, o professor “[...] necessita não só de conhecer o conteúdo específico da disciplina/área que leciona, mas as técnicas e destrezas pedagógicas, 35 conhecimentos estes que (re)constrói ao longo do seu processo gradual e permanente de profissionalização” (FLORES e PACHECO, 1999, p.31). Nessa perspectiva, faz-se necessário conceber o professor como sujeito que constrói conhecimentos e não apenas reproduz. Compreender os professores como sujeitos do conhecimento, abre espaço para a discussão sobre os saberes da prática, ou seja, sobre os diferentes tipos de conhecimentos que constituem a base de conhecimento profissional para o ensino. Mizukami (2004, p.4) pautada nos estudos de Shulman define que: A base de conhecimento para o ensino consiste de um corpo de compreensões, conhecimentos, habilidades e disposições que são necessários para que o professor possa propiciar processos de ensinar e de aprender, em diferentes áreas do conhecimento, níveis, contextos e modalidades de ensino. Essa base envolve conhecimentos de diferentes naturezas, todos necessários e indispensáveis para a atuação profissional. É mais limitada em cursos de formação inicial, e se torna mais aprofundada, diversificada e flexível a partir da experiência profissional refletida e objetivada. Não é fixa e imutável. Implica construção contínua [...]. Os saberes que compõem essa base contemplam conhecimentos científicos, escolares, curriculares, pedagógicos, valores, normas, etc. Segundo a autora, Shulman agrupa esses conhecimentos em três categorias: (i) o conhecimento do conteúdo específico corresponde ao conhecimento da disciplina ou área que o professor leciona. Esse conhecimento por si só não garante a aprendizagem do aluno. Envolve compreensões de fatos, conceitos, processos e procedimentos referentes à área; (ii) o conhecimento pedagógico geral inclui conhecimentos de teorias e princípios relacionados a processos de ensinar e aprender, conhecimentos dos alunos, de contextos educacionais, de outras disciplinas, etc; (iii) e o conhecimento pedagógico do conteúdo é construído constantemente pelo professor ao ensinar a matéria, se constitui de maneira interdependente, a partir dos outros tipos de conhecimentos explicitados na base, ou seja, a partir da utilização do conhecimento do conteúdo específico considerando os propósitos de ensino. Nesse sentido, é um conhecimento específico da docência que se aperfeiçoa, enriquece e melhora ao longo do exercício da docência. Reitera-se aqui, a importância dos diversos tempos e espaços para construção da formação do profissional professor e de sua base de conhecimentos para a docência, reafirmando que a formação contínua, que ocorre em cursos esporádicos e no exercício da docência, não pode prescindir da formação inicial. Essa construção É uma construção que tem uma dimensão espácio-temporal, atravessa a vida profissional desde a fase da opção pela profissão até a reforma, passando pelo tempo concreto da formação inicial e pelos diferentes espaços 36 institucionais onde a profissão se desenrola. É construída sobre saberes científicos e pedagógicos como sobre referências de ordem ética e deontológica. É uma construção que tem a marca das experiências feitas, das opções tomadas, das práticas desenvolvidas, das continuidades e descontinuidades quer ao nível das representações quer ao nível do trabalho concreto. ( MOITA, 2000, p.116) Se a formação inicial e os cursos de formação contínua – que na sua maioria são pontuais e descontextualizados da realidade particular de cada escola – têm se apresentado como limites para que os professores realizem um trabalho efetivo de mediação entre leitura e conteúdos específicos; a formação contínua que acontece por meio do exercício da docência, da reflexão sobre a prática, da socialização de práticas bem ou não sucedidas, das reuniões de AC12, se constitui em possibilidades para a superação do que está posto. Partindo desses referenciais que subsidiam, direcionam, e apontam o lugar de onde se fala nesta pesquisa, o mapa traçado continua sendo seguido. No próximo capítulo será apresentado o caminho que foi percorrido, os instrumentos que foram levados para auxiliar na apreensão dos dados e os diversos caminhantes que como o olhar sobre si e sobre o outro contribuíram para que a jornada chegasse ao local determinado. 12 Atividades Complementares – determinada quantidade de horas aulas destinadas a reuniões pedagógicas por área de ensino para planejamento de atividades. 37 2. O PERCURSO DA PESQUISA: ESCOLHAS TEÓRICAS E METODOLÓGICAS Aprendi (o caminho me ensinou) a caminhar cantando como convém a mim e aos que vão comigo. Pois já não vou mais sozinho. (Thiago de Mello) A escolha dos pressupostos teóricos e metodológicos se apresenta como um ponto central em uma pesquisa, tendo em vista que tais escolhas envolvem uma visão de mundo, de homem, de sociedade, posicionamentos epistemológicos, éticos e políticos que norteiam todo o processo de uma pesquisa. Tais afirmações não significam dizer que esses pressupostos se caracterizam como o aspecto mais importante de uma pesquisa, visto que a mesma se constitui de elementos interdependentes, em que um não se sobrepõe ao outro. Saber o percurso não significa saber o que vai ser encontrado ao longo do caminho ou ao final desse percurso. Significa que um mapa foi traçado para guiar, para orientar, e por que não dizer, para traçar um novo percurso quando as adversidades aparecem e o mapa inicial não é mais suficiente para a continuidade do percurso traçado. O caminho percorrido em uma pesquisa precisa ser direcionado. O que queremos, de onde partimos, onde pretendemos chegar, com quem vamos, que instrumentos levamos, o que sabemos sobre o lugar onde queremos chegar. Essas questões se referem ao planejamento de uma pesquisa e contribuem de maneira determinante, para a sua concretização. Nesse sentido, a seguir, será mapeada a trajetória do percurso realizado nesta pesquisa. 2.1 Problemática e objetivos No exercício da docência, o professor das séries finais do Ensino Fundamental tem se deparado com um elevado número de alunos que não apresentam habilidades básicas de leitura, que possam contribuir como ferramentas para a aprendizagem dos conteúdos específicos das diversas disciplinas e também não conseguem fazer uso efetivo da leitura e da escrita no seu cotidiano. Diante dessa problemática que tem suscitado vários questionamentos e inquietações por parte de todos os envolvidos com o processo educacional, tendo em vista que esses alunos tendem a fracassar na escola, destacamos a questão que norteou o presente trabalho: Como os 38 professores das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental concebem a leitura e o seu ensino? Buscando responder esse questionamento, definimos os seguintes objetivos: A - Objetivo Geral • Compreender as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica do professor das diversas disciplinas das séries finais do Ensino Fundamental; B - Objetivos Específicos • Analisar como os professores das diversas disciplinas compreendem a leitura para comunicação e construção do conteúdo específico; • Analisar como os professores de diferentes disciplinas concebem a leitura a partir das seguintes dimensões: Definição de leitura; A relação leitura e escola; A relação leitura e conteúdo específico; A relação do aluno com a leitura; A leitura e o processo de ensino e aprendizagem. 2.2. Pressupostos teóricos e metodológicos É importante ressaltar que os pressupostos teóricos e metodológicos não são uma camisa de força, mas um leque de possibilidades que no confronto com a realidade ajuda a desvelar novos horizontes, redimensionar concepções, negar ou confirmar teorias, construir conhecimentos. Definir os pressupostos para esta pesquisa, foi um processo permeado por muita ânsia, angústia e inquietações. Desde o início (elaboração do projeto) ficavam claros meus pressupostos teóricos em relação à leitura, mas o referencial de leitura por si só era insuficiente, pois o que me inquietava era o trabalho com leitura realizado em sala de aula pelo professor das disciplinas específicas. Que pressuposto iria subsidiar os dados encontrados durante a coleta? Didática - o processo de ensino? Formação de professor? Linguagem? Particularmente tinha resistência a trabalhar com formação de professores, talvez pela descrença que pairava na minha prática profissional ao desenvolver um trabalho com 39 professores altamente pessimistas, talvez pela pouca experiência. Quem sabe em outro momento poderei buscar essas causas e discuti-las como um processo de formação. Aqui resume-se apenas a mera ilustração. Discussões em sessões de orientação, discussões em sala de aula durante as disciplinas, debates na apresentação de trabalhos em congressos – ENDIPE, CIPA, COLE, ANPED13, Seminários de Dissertações e Teses realizado na UFSCar em 2005 e 2006, etc., – leituras e revisões bibliográficas, foram aos poucos delineando meu quadro teórico, que se constitui no referencial pautado nos estudos Nóvoa (2002), Imbernón (2006), Mizukami (2002;2004), Flores e Pacheco(1999), Tardif (2001), Candau (1996) entre outros, os quais têm fornecido importantes contribuições para o debate e construção de conhecimentos sobre a formação docente e o desenvolvimento profissional do professor. De acordo com esses autores, o processo formativo do professor se dá numa perspectiva permanente e evolutiva que acontece em várias fases (formação inicial, iniciação a docência e formação contínua, exercício da docência) e em espaços com características diferenciadas e interdependentes. Esse processo é individualizado e inclui um amplo conjunto de fatores englobando aspectos cognitivos, afetivos, sociais, culturais e econômicos, como também experiências ao longo do seu processo de escolarização, crenças e valores pessoais. O professor é concebido como um sujeito do conhecimento que domina um conjunto de saberes específicos do seu trabalho. Nesse sentido, Tardif (2001, p.115), afirma que o professor: [...] não é somente alguém que aplica conhecimentos produzidos por outros, não é somente um agente determinado por mecanismos sociais: é um ator no sentido forte do termo, isto é, um sujeito que assume sua prática a partir dos significados que ele mesmo lhe dá, um sujeito que possui conhecimentos e um saber-fazer provenientes de sua própria atividade e a partir dos quais ele a estrutura e a orienta. Com base na fala do autor, retificamos a concepção do professor que norteia este trabalho de pesquisa, o professor como sujeito, como ator que atribui significados ao seu fazer pedagógico a partir do seu conhecimento construído ao longo do seu processo de escolarização e do exercício da docência. No que se refere à leitura, buscamos autores cujas concepções convergem para a perspectiva da leitura como um processo complexo, plural, permanente e progressivo. Assim, 13 ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e prática de Ensino, Recife – PE, 2006; CIPA – Congresso Internacional de Pesquisas Autobiográficas, Salvador, BA, 2006; COLE – Congresso de Leitura, Campinas, 2003 e 2005; ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação, Caxambu – MG, 2006. 40 encontramos em Chartier (1999; 2001), Foucambert (1994), Kleiman (1999; 1995), Kramer (2006), Solé (1998), Silva (2003; 1993), entre outros, um referencial de leitura que leva em consideração o leitor enquanto sujeito que modifica o sentido do que lê. Sujeito que interage com o texto de acordo com a sua visão de mundo, seus conhecimentos prévios. Sujeito que nas palavras de Jouve é um leitor real que “apreende o texto com sua inteligência, seus desejos, sua cultura, suas determinações sócio-históricas e seu inconsciente.” (JOUVE, 2002, p.15). A complexidade desse processo, apontada pelos autores citados, fornece subsídios para afirmarmos que a leitura deve ser trabalhada nas diversas disciplinas que compõem o currículo escolar, não ficando apenas a responsabilidade para o professor ou “à área de Língua Portuguesa, já que todo professor depende da linguagem para desenvolver os aspectos conceituais de sua disciplina.” (BRASIL, 1998, p.31). Além das áreas, a leitura, deve ser trabalhada em todos os níveis do processo de escolarização do indivíduo, assim, é imprescindível que todo professor tome para si a tarefa de formar o leitor capaz de aprender por meio da leitura. De acordo com Solé (1998, p.19) [...] o ensino da leitura não é questão de um curso ou de um professor, mas questão da escola, de projeto curricular e de todas as matérias (existe alguma em que não seja necessário ler?). Para aprendizagem deste conteúdo, a coerência, a continuidade e progressão da intervenção ao longo da escolaridade são condições necessárias, embora não suficientes. Concebendo a leitura como uma questão da escola e que a formação de professores acontece também no exercício da docência, neste trabalho, leitura e formação de professores são discutidas como processos interdependentes que não se justapõe, mas que se complementam no cotidiano escolar, especificamente nas séries finais do Ensino Fundamental, em que a leitura é vista como um meio de comunicação e construção do conhecimento específico de cada disciplina. Segundo Kleiman (1999), a leitura e a escrita precisam ser vistas pelos professores das diversas disciplinas como atividades de linguagem fundamentais para o desenvolvimento do indivíduo na sociedade contemporânea. É importante destacar que a investigação que ora se delineia não tem a intenção de apenas descrever uma realidade (um aspecto do cotidiano escolar), mas de apreendê-la, partindo da visão de que essa realidade por ser construída na interação entre os indivíduos se modifica a cada instante. Nessa perspectiva, que caminho metodológico seguir? Quais os 41 procedimentos e instrumentos que poderiam fornecer os dados desejados. Que abordagem escolher? O ser humano em sua constituição é em parte determinado pelas condições sociais e históricas em que está inserido e em parte determina essas condições. Neste sentido Edwards (1997, p.15) afirma: O sujeito está determinado por suas condições cotidianas de vida, pela classe à qual pertence, pelo grupo imediato através do qual pertence a ela, pelo lugar que ocupa na divisão do trabalho, por seu lugar na família, e por sua história escolar... em parte. Em parte, porque o sujeito também contribui para a constituição de todas essas situações. Assim, por acreditar que o ser humano - “o professor” - em seu desenvolvimento profissional, se constitui nas relações sociais que estabelece ao longo da sua vida, que está sempre aprendendo, (re)aprendendo, construindo, (re)construindo sua história pessoal, afetiva, profissional e social, fica evidente a necessidade da escolha de uma abordagem que leve em consideração aspectos como intersubjetividade, contexto social, histórico, cultural e econômico em que os indivíduos estão inseridos, entre outros. Entretanto, nenhuma abordagem é suficientemente capaz de apreender tais aspectos, tendo em vista que a realidade, como já afirmamos anteriormente, é passível de mudanças e de difícil apreensão. Algumas abordagens se aproximam mais dos nossos pressupostos, e mesmo não apreendendo todos os elementos, nos possibilitam um diálogo com a realidade pesquisada. Para tanto, independentemente da abordagem, faz-se necessário “que o trabalho de pesquisa seja devidamente planejado, que os dados sejam coletados mediante procedimentos rigorosos, que a análise seja densa e fundamentada e que o relatório descreva claramente o processo seguido e os resultados alcançados.” (ANDRÉ, 2001, p.57). Levando em consideração o exposto, privilegiamos o enfoque de pesquisa descritivo interpretativo norteado pelos princípios da abordagem qualitativa. Sobre a pesquisa qualitativa Bogdan e Biklen (1994), apresentam cinco características que permeiam essa abordagem: a fonte direta de dados é o ambiente natural e o pesquisador seu principal instrumento; os dados coletados são descritivos; os pesquisadores têm um interesse maior pelo processo do que pelos resultados ou produtos; a análise dos dados tende a seguir um processo indutivo e o significado que as pessoas dão as coisas e a sua vida são de importância vital para o pesquisador. Os autores apontam que nem toda pesquisa qualitativa apresenta essas cinco características com a mesma intensidade, podendo, portanto, variar de acordo a perspectiva da investigação. 42 Compreendendo também que nenhum instrumento de coleta de dados por si só fornece todos os elementos de uma determinada realidade, faz-se necessária a articulação de alguns procedimentos e técnicas metodológicas visando apreender como os professores compreendem e vivenciam com seus alunos as práticas de leitura no cotidiano escolar. Assim, para a coleta de dados utilizamos a entrevista semi-estruturada e a análise de material escrito. A opção pela entrevista semi-estruturada, deve-se ao fato dela se caracterizar como uma técnica de pesquisa qualitativa que, segundo Fraser e Gondim (2004), favorece a relação intersubjetiva do entrevistador com o entrevistado e permite uma melhor compreensão dos significados, dos valores e das opiniões dos atores sociais a respeito de situações e vivências pessoais. A entrevista foi utilizada com vistas a apreender a problemática sob a perspectiva dos professores sobre o trabalho de leitura no Ensino Fundamental enquanto responsabilidade de toda a escola ou apenas do professor de Língua Portuguesa e quais as práticas por eles desenvolvidas em suas aulas para contribuir com o desenvolvimento do processo de leitura de seus alunos. Para o desenvolvimento das entrevistas elaboramos um roteiro (Apêndice B) com base nos objetivos propostos. A fim de verificar se o roteiro atendia nossas expectativas, se seria necessário uma reelaboração do mesmo, se a forma como estava organizado poderia desvelar os dados que pretendíamos discutir, decidimos realizar uma entrevista piloto. Essa entrevista foi realizada no segundo semestre de 2005. Foi feito um contato com uma professora da rede municipal de ensino de São Carlos, licenciada em História, que trabalhava com uma terceira série do Ensino Fundamental e com o ensino de História de 5ª a 8ª série. Informada do objetivo da entrevista a professora se prontificou a participar. Com os dados em mãos observamos que, de certa forma, o roteiro atendia aos objetivos propostos, mas algumas questões necessitavam ser reelaboradas, visto que direcionavam o professor a responder apenas “sim” ou “não”. Sendo necessário que fossem feitas questões complementares no momento da entrevista. Mapeadas as lacunas no roteiro, procurou-se preencher os espaços visando capturar nas entrevistas dados que pudessem nos dar elementos para uma reflexão consistente e coerente com a realidade vivenciada pelos professores, perpassando pelo imediato e o distante, o abstrato e o concreto. Ressaltamos que este trabalho tomou a leitura nas séries finais do Ensino Fundamental como objeto de estudo, recortando como campo da pesquisa uma escola da Rede Municipal de Ensino, situada na zona rural do município de Feira de Santana, no estado da Bahia, que atende aproximadamente 500 alunos da 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental egressos de escolas das séries iniciais do Ensino Fundamental da região. O quadro de funcionários é 43 composto por um diretor, dois vice-diretores - eleitos por votação direta pela comunidade escolar, um coordenador pedagógico e dezesseis professores, todos licenciados nas respectivas áreas de atuação14. O espaço físico da escola é bem conservado, conta com 9 salas de aula, uma sala que funciona com biblioteca e sala de vídeo, um laboratório de informática, 8 banheiros, copa, sala de professores e secretaria. Em 2005, por meio de uma parceria entre o governo do Estado e a prefeitura Municipal foi implantado o Ensino Médio na escola. Assim, o prédio passou por uma reforma, visando atender da melhor forma possível às duas redes de ensino. A escola só funciona no diurno, sendo que pela rede municipal funciona no matutino e no vespertino com onze turmas (quatro turmas de 5ª, três de 6ª, duas de 7ª e uma de 8ª ) e na rede estadual só funciona no vespertino, com uma turma por série.15 É interessante destacar que todos os professores da escola se prontificaram a participar da pesquisa, demonstrando interesse na temática. Tal interesse pode estar associado à busca de procedimentos pedagógicos para trabalhar com a leitura na sala de aula, visto que esses professores apontavam nas reuniões pedagógicas (quando eu era coordenadora) que precisavam encontrar formas diferenciadas para trabalhar com os alunos, que na sua maioria, apresentavam dificuldades para ler as questões, compreender um problema, ler um texto e interpretar, etc. Mas a dúvida permeava a escolha dos participantes. Que critérios utilizar? Como já foi citado no capítulo anterior, decidi então trabalhar com professores experientes, que tinham mais de sete anos de experiência no exercício da docência. Tal escolha teve por base os estudos de Huberman (1992). Para esse autor, os professores estariam numa fase em que se afirmam perante os colegas com mais experiências, se percebem pertencendo a um corpo profissional, se sentem mais independentes. A estabilização acompanha um sentimento de “competência” pedagógica, o encontro de um estilo próprio de ensino, que é construído ao longo do exercício da docência, frente aos desafios que o cotidiano escolar impõe. Essas características eram refletidas na postura dos professores participantes da pesquisa, como também, apresentavam elementos importantes para a busca de respostas a questão de pesquisa que direciona esse trabalho. Em comum acordo com o que defende Edwards (1997), concebemos o professor não como um mero transmissor de conteúdos, mas como um sujeito com intenções, aspirações, desejos e concepções. A autora considera “que a identidade do sujeito é multifacética e incoerente, e que os sujeitos são heterogêneos entre si, ainda que pertençam ao mesmo grupo 14 15 Esses dados são referentes apenas à escola municipal. Dados referentes ao ano de 2006. 44 social e se considere que estão determinados16 pelas mesmas estruturas.” (grifo da autora, p.15). Assim, o professor, apesar de pertencer ao mesmo grupo profissional e compartilhar, em determinados momentos, objetivos comuns de ensino e aprendizagem, na prática pedagógica, esses elementos vão interagir como diferencial na concepção de leitura e, consequentemente, no seu processo de ensino. As entrevistas utilizadas na pesquisa foram realizadas com professores (um por disciplina, a saber: Ciências, Geografia, História, Matemática e Língua Portuguesa) que lecionavam na referida escola, no período de fevereiro a maio de 2006. A princípio cogitou-se a possibilidade de que essas entrevistas fossem realizadas na própria escola, mas a idéia se tornou inviável, pois os professores não tinham horário livre durante o turno de trabalho. Após algumas visitas à escola, ficou acordado que essas entrevistas seriam realizadas na residência dos professores, exceto a entrevista com o professor de História que foi realizada na própria escola no horário do almoço. Foram realizados dois encontros com cada professor, sendo que no primeiro encontro abordamos questões relativas à concepção de leitura, questões mais conceituais. No segundo encontro, abordamos questões mais práticas, relacionadas ao fazer pedagógico, ao processo de ensino da leitura e a discussão do material escrito. Todas as entrevistas foram gravadas e depois transcritas. Paralela às entrevistas, foi realizada a análise do material escrito (planos de curso, roteiro de aula e atividades escritas), juntamente com o professor, a fim de identificar quais os cuidados que ele toma no planejamento das atividades de leitura de texto e conseqüentemente na execução desse planejamento para ajudar a compreensão do aluno, ou seja, o que ele faz antes, durante e após a atividade de leitura. Esse material escrito ficou restrito apenas a discussão do plano de curso dos professores de Língua Portuguesa e de Geografia. Os outros professores não dispunham desse instrumento. Em relação às atividades, foi possível analisar algumas questões escritas elaboradas pelos professores e que já tinham sido respondidas pelos alunos em sala de aula. Durante a análise procurei sempre questionar o que significava para o professor aquela atividade. Qual era o objetivo da atividade? Como eram feitas as orientações para a execução dessas atividades? É pertinente destacar que na elaboração do projeto cogitou-se a possibilidade da realização de algumas observações, mas foi descartada devido à percepção de que os professores por me conhecerem poderiam superficializar as situações didáticas para atender apenas aos meus objetivos. Todos conheciam muito bem o meu trabalho devido ao vínculo 16 Para a autora o indivíduo está determinado em parte, pois ele se constitui nas situações e ao mesmo tempo contribui para constituição das situações. 45 empregatício ao longo de dois anos, atuando como coordenadora e professora na referida escola e por meu projeto ter se originado a partir das inquietações vivenciadas com eles. Destaco também que permeava um clima de muita amizade, fator que ao longo do trabalho me deixou muito constrangida. Como coordenadora pedagógica da escola, tive a oportunidade de conhecer em parte algumas das “histórias secretas, sagradas e de fachadas” (CLANDININ & CONELLY, 1996, p.25, apud MIZUKAMI, 2003, p.54). vivenciadas pelos professores. As histórias sagradas são constituídas por percepções da prática apoiadas em teorias e partilhadas por professores, elaboradores de políticas públicas e teóricos. As salas de aula, segundo os autores, são, em sua maioria, lugares seguros, geralmente livres de interferência e de julgamento externo, onde os professores são livres para viver histórias da prática; essas histórias vividas constituiriam as histórias secretas.[...] Por fim, quando os professores saem de suas classes, eles frequentemente vivem e contam histórias de fachada, nas quais eles se retratam como experts e que são compatíveis com a historia oficial da instituição. As histórias de fachada possibilitam aos professores, cujas histórias são marginalizadas pelas práticas dominantes, manter suas histórias secretas. (MIZUKAMI, 2003, p.54) O contato direto com os professores, enquanto membro (quando atuei como professora na referida escola) tinha me permitido adentrar em alguns momentos nos seus lugares secretos. “Quando as histórias secretas vividas são contadas aos outros, isso ocorre, geralmente, em outros lugares secretos, por exemplo, sala de professores” (Idem). Agora enquanto pesquisadora não me era permitido revelar, não sabia se tinha autorização para comentar ou instigar para que fossem revelados. Acredito que se tivesse trabalhado com professores que não conhecia, teria sido um pouco mais fácil adentrar nessas histórias. Acredito também que a falta de experiência enquanto pesquisadora contribuiu para esse constrangimento. Para a descrição e análise dos dados, após a transcrição da fitas, o material foi lido e (re)lido com o intuito de perceber elementos importantes na fala dos professores que pudessem responder as questões e atingir os objetivos propostos, como também, a possibilidade de desvelar as mensagens implícitas e as contradições. Após a leitura o material foi organizado em cinco dimensões: definição de leitura, relação de leitura e escola, relação leitura e conteúdo específico, relação do aluno com a leitura e leitura e o processo de ensino e aprendizagem. Para facilitar o processo de análise foi elaborado um quadro por disciplina com as referidas dimensões (apêndice C), com o intuito de orientar as análises e não perder 46 elementos importantes nos dados. Os dados foram apresentados por disciplina para em seguida ser construído o capítulo de discussão entre as concepções dos professores e a literatura educacional. 2.3 Conhecendo um pouco os participantes da pesquisa Os participantes da pesquisa, professores em exercício, foram selecionados levando em consideração aspectos como tempo de serviço, área de atuação, local de trabalho e série que lecionavam. Buscando ter uma visão diversificada em relação à percepção de leitura do professor por área do conhecimento, selecionamos as seguintes áreas e as respectivas disciplinas: linguagem/língua portuguesa, naturais/ciências, exatas/matemática e humanas/geografia e história. Todos os professores lecionam na referida escola e têm características comuns, mas como todo indivíduo, possuem diferenças que precisam ser levadas em consideração no desenvolvimento do fazer pedagógico. Na tabela A é possível observar algumas das características em comum que os professores apresentam: carga horária semanal – todos têm ou tinham 40 horas semanais; fizeram a licenciatura na mesma instituição – UEFS; todos têm Pós-Graduação em nível de especialização, com exceção da professora de Matemática que atualmente está fazendo um curso de Teologia e participa do PROFA – Programa de Formação de Professores Alfabetizadores; na escola municipal lecionam as disciplinas para qual tem habilitação; São professores que participam de cursos de formação contínua nas suas áreas específicas, mas que também, estão abertos a cursos em outras áreas que lhes possibilitem articular com o conteúdo da disciplina que lecionam, a saber: Novas tecnologias, Gestão Escolar, Leitura e escrita, Meio Ambiente, entre outros. Em relação aos vínculos empregatícios, apenas a professora de Matemática leciona em uma única Rede de Ensino – a municipal – , os demais se dividem entre a rede municipal e a estadual, em turno oposto, trabalhando com níveis de ensino diferentes – na Educação de Jovens e Adultos EJA, a professora de Geografia e no Ensino Médio, os demais professores. 47 Quadro A – Características gerais dos professores participantes da pesquisa Característi Professor – Professor – Professor – Professor – -cas Geografia Ciências Português Matemática Licenciatura Licenciatura Licenciatura Licenciatura em Ciências Graduação Curta em em Letras em /habilitação Estudos Sociais Vernáculas Matemática em Biologia Universidade Universidade Universidade Universidade de de Estadual de Estadual Estadual de Estadual Instituição de de Feira de Feira Feira de Feira que estudou – – Santana – Santana Santana – Santana UEFS UEFS UEFS UEFS Ano de 1985 1982 2000 1998 conclusão Políticas do Língua Biologia Portuguesa e Especializa- Planejamento _ aplicada à Pedagógico / Gramática/ ção / Ano saúde/ 2000 2006 2004 Tempo de 25 anos no 14 anos no serviço na 11 anos município e 15 município e 8 anos rede no estado 25 no estado municipal Carga horária 20h semanais 20h semanais 40h semanais semanal na 20h semanais escola municipal Português e Matemática e Disciplinas Geografia Ciências Redação Geometria que leciona Séries que 5ª a 8ª série 5ª e 6ª série 5ª e 6ª 5ª a 8ª série leciona 20h semanais Carga –Aposentouhorária se no ano 20h semanais _ semanal na 20h semanais anterior/tempo rede de serviço estadual Disciplinas Literatura e que leciona _ Biologia. Redação / escola Geografia estadual Professor História – Licenciatura em História Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS 1992 História do Brasil/1998 15 anos 20h semanais História 6ª a 8ª série 20h semanais História, Geografia Filosofia Sociologia e Apesar do tempo de serviço conferir a todos o status de professor experiente, as diferenças desse tempo, observadas no quadro acima, precisam ser levadas em consideração na análise das práticas desses professores. É preciso “tomar consciência de que as necessidades, os problemas, as buscas dos professores não são as mesmas nos diferentes momentos de seu exercício profissional” (CANDAU, 1996, p.149). No desenvolvimento da carreira profissional, o professor passa por diferentes etapas: a entrada na carreira, a fase de estabilização, a fase de diversificação, pôr-se em questão, momento de serenidade e 48 distanciamento afetivo, conservantismo e lamentações e por último a etapa de recuo – o desinvestimento, (HUBERMAN, 2000). De acordo com estas etapas os professores de Português e Matemática estariam na fase de diversificação. Segundo o autor: Os professores nesta fase das suas carreiras, seriam, assim, os mais motivados, os mais dinâmicos, os mais empenhados nas equipes pedagógicas ou nas comissões de reforma (oficiais ou “selvagens”) que surgem em várias escolas. Na amostra de Prick (1986), esta motivação traduz-se igualmente em ambição pessoal (a procura de mais autoridade, responsabilidade, prestígio), através do acesso a postos administrativos. (HUBERMAN, 2000, p.42) O professor de História estaria saindo da fase da diversificação e entrando na fase do pôr-se em questão: pôr-se em questão corresponderia a uma fase – ou várias fases – “arquetípica(s)” da vida, durante a(s) qual(quais) as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objectivos e ideais dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o mesmo percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na insegurança de um outro percurso. (HUBERMAN, 2000, p.42) Quanto aos professores de Ciências e Geografia, é possível afirmar, que se encontram em transição entrando na fase de serenidade e distanciamento afetivo. Para o autor, os professores nessa fase apresentam-se menos sensíveis e vulneráveis à avaliação dos outros. A serenidade pode ser alcançada pela seqüência de questionamentos, mas nem todos os professores alcançam a serenidade. Contrapondo-se a algumas pesquisas citadas por Huberman, os dois professores citados se encontram investindo na carreira por meio de cursos lato sensu (professora de Geografia) e por meio da auto formação (professora de Ciências). O distanciamento afetivo face aos alunos, característico nesta fase do ciclo de vida dos professores, deve-se a relação que os alunos estabelecem comparando-os com os pais devido a idade ou pela pertença a gerações distintas, cujos valores e culturas se diferenciam. Aqui, é importante destacar que, como a carreira profissional se dá de maneira contextualizada, essas etapas não são fixas, podendo variar de professor para professor. Mesmo sendo classificados em fases é possível vermos características comuns entre os professores nas diversas etapas da vida profissional. Assim como essas fases variam de professor para professor, a prática pedagógica, também contextualizada, varia de acordo com a formação, as expectativas, as relações com os pares, etc. 49 O capítulo a seguir descreverá as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica dos professores das diversas disciplinas do Ensino Fundamental, adentrando assim, no universo particular de cada professor. 50 4. CONCEPÇÕES DE LEITURA: DESDOBRAMENTOS E IMPLICAÇÕES NO COTIDIANO DA SALA DE AULA NAS SÉRIES FINAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL. As pessoas vêem estrelas de maneira diferente. Para aqueles que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para os sábios, elas são problemas.. (Saint-Exupéry) Os dados analisados a seguir, foram coletados por meio de entrevistas realizadas com cinco professores experientes, sendo um professor por disciplina: Ciências, Geografia, História, Língua Portuguesa e Matemática 17 . Além das entrevistas, algumas atividades escritas realizadas em sala de aula e os planos de ensino contribuíram para a presente análise. Para descrever esses dados, foram estabelecidas cinco dimensões de análise, a saber: Definição de leitura, Relação escola e leitura, Relação leitura e conteúdo específico, Relação do aluno com a leitura, O processo de ensino e aprendizagem da leitura em diferentes disciplinas. Com essas dimensões pretende-se identificar e descrever as concepções de leitura que norteiam a prática pedagógica do professor das séries finais do Ensino Fundamental e como a leitura é trabalhada em suas aulas. A primeira dimensão busca compreender as definições de leitura elaboradas pelos professores. Na segunda dimensão pretende-se evidenciar como o professor concebe a relação entre escola e leitura, como também, perceber o que tem sido feito pela escola como um todo para melhorar o desempenho dos alunos em relação à leitura. A terceira dimensão busca as relações que o professor estabelece entre a leitura e o conteúdo específico da sua disciplina. A quarta descreve as representações do professor sobre a relação do aluno com a leitura. E a quinta e última dimensão busca identificar as atividades de leitura no planejamento do professor e as estratégias utilizadas em sala de aula, caracterizando - se assim, a partir do discurso desses professores, uma análise da prática de sala de aula por meio de atividades que envolvem a leitura. A sistematização dos dados apresentada a seguir é feita por disciplina de modo a revelar os diferentes aspectos do pensamento de cada docente referente a leitura e suas relações no processo de ensino e aprendizagem. 17 No desenvolvimento do texto os professores serão denominados de P - Geografia, P- Ciências, P - Português, P - Matemática e P - História. 51 4.1 Concepções de leitura em diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino Fundamental 4.1.1 Ciências A professora... Com 26 anos de magistério, a professora traz em seu currículo uma longa experiência na docência, atuando nos vários níveis e modalidades de ensino. Fez Licenciatura em Ciências com habilitação em Biologia no ano de 1982, em 2000 fez especialização na área de Biologia aplicada à saúde. Trabalha com todas as séries finais do Ensino Fundamental, mas atualmente tem preferido trabalhar com a 5ª e a 6ª séries. Na rede municipal tem uma carga horária de 20h semanais e está há treze anos na mesma escola, fator que contribui para ter um conhecimento maior sobre a realidade dos alunos. Ministra a disciplina de Ciências, mas já complementou sua carga horária com disciplinas como Práticas de Saúde e Culturas Regionais. Na rede estadual aposentou-se no ano de 2005 por tempo de serviço, ministrava a disciplina de Biologia no Ensino Médio e tinha uma carga horária de 20h semanais. Reside na zona urbana e trabalha na zona rural. Definição de leitura Ao definir leitura a professora apresenta uma concepção ampla de que ler é muito mais que decifrar códigos escritos, ler é uma forma de ver, de se posicionar, de estar no mundo: Leitura não é somente decodificar as letras que estão escritas, não é, ler também é vida como o próprio Paulo Freire diz, leitura não é somente decodificar o que está escrito, a leitura começa a partir da vida, ele lê... ler é uma forma de ver o mundo. Tem várias formas de ver o mundo, não somente juntar letras, mas entender o que ele tá lendo, entender a realidade que ele tá vivendo, entender a realidade que tá ao redor dele. Acho que tudo isso é leitura, é saber interpretar o que ouve, o que assiste na televisão, o que lê nos jornais, tudo é leitura. A gente não lê somente o que está escrito, tem que ler o mundo, e ler o mundo não é somente ler letras, é ler as informações, é entender, é perceber. (P – Ciências) Para a professora a leitura extrapola a decodificação da escrita para uma dimensão em que o indivíduo estabelece relação entre a leitura de mundo e a leitura da palavra. Nesse sentido, a aprendizagem da leitura é concebida como um contínuo, tendo em vista que no cotidiano por meio das diversas práticas e meios de comunicação, o indivíduo está sempre lendo, ou seja, interpretando a realidade: 52 [...] o ensino da leitura é contínuo, é perpétuo, a gente está sempre estudando, tá sempre aprendendo e a leitura tem que tá sempre acompanhando a gente. Cada vez... eu acho... se a gente diz que leitura não é somente decodificar o que está escrito, a gente lê todo dia, toda a vida [...] a gente está sempre lendo, fazendo uma leitura, interpretando aquilo que está acontecendo. Então a leitura deve ser permanente. (P – Ciências) A percepção de que a leitura acontece a todo o momento e em diversas situações aponta para a formação de um leitor ativo, que forma opinião a partir do que lê, a partir das diversas linguagens: [...] eu acho que... você ler é você entender, é você dizer a sua opinião, você formou a sua opinião a partir daquilo que você viu, você interpretou aquilo que você leu. Interpretar o que leu que está escrito ou o que leu no mundo, na vida, na notícia, na informação que ele teve [...] (P – Ciências) A professora também enfatiza a comunicação oral como uma forma de leitura, ela busca em suas memórias elementos para afirmar que a oralidade também é uma forma de aprendizagem: Um dia eu vi Dom Itamar18 dizer que as pessoas que, às vezes, não sabe ler o que está escrito elas têm facilidade de ouvir e de entender, assim, você chega em casa e conta a ela uma coisa e ela aprende, ela dá importância aquilo que você falou. E aquilo é importante, não é uma forma de ler também? É uma forma de ler. Ouvir pode ser uma forma de ler, não sei se os professores de Português iam concordar comigo, mas se a gente está dizendo que leitura não é somente ler as letras. (P – Ciências) Mais uma vez, a professora reforça a idéia de que ler não se restringe apenas ao código escrito, mas também uma maneira de se posicionar no mundo, interpretando as mensagens que chegam por meio da linguagem oral. Não se percebe na fala da professora indícios de que uma linguagem seja superior à outra. Todas se apresentam com igual importância no cotidiano do indivíduo. Relação escola e leitura Na escola a leitura é apontada pela professora como uma responsabilidade de todos os professores em qualquer disciplina: Todo professor deve ter responsabilidade com a leitura [...] eu acho que a leitura deve ser trabalhada em todas as disciplinas, é claro que o português vai ajudar mais nisso, mas em todas as disciplinas tem que ser trabalhada a leitura. Porque se a gente diz que ler é uma forma de ver a vida, é uma forma de ver o mundo, ele tem que ver o mundo em todas as disciplinas que ele trabalha, não só no Português. O Português, ele tem aquela coisa metódica, 18 Arcebispo da cidade de Feira de Santana - BA 53 tem... tem aquelas técnicas todas de redação e tal. E as outras disciplinas não têm exatamente isso, mas pode ter também, por exemplo, eu peço redação [...] (P – Ciências) Para a professora a leitura tem que ser trabalhada em todas as disciplinas, tendo em vista, que ler é forma de ver o mundo. Na escola o professor de Língua Portuguesa vai ajudar nos aspectos técnicos, específicos da área, mas todos os professores precisam mostrar para o aluno a importância da leitura e da atividade que está fazendo: Eu acho que todas as disciplinas devem ser iguais. A gente deve procurar levar os meninos a ler de alguma forma, tem que procurar é... mostrar pra eles a importância da leitura, cada professor tem que ver o que é importante. Rubem Alves diz que a gente só aprende aquilo que a gente gosta, que a gente experimenta. Então o que é importante? Por que é importante ele aprender ler aquilo, ele saber aquilo daquela disciplina? Português por que é importante separar as sílabas? Parece que eles começam aprender na alfabetização, mas chegam ao segundo grau eles não sabem. Até no segundo grau, você escreve a palavra no quadro e vai separar, ele vê um pedaço da palavra “professora que palavra é aquela”. Ele não se toca que aquela palavra começou do outro lado. Então parece que o professor, a começar pelo de Português não diz pra ele pra que é que está aprendendo a separar a sílaba, que é pra quando não der em uma linha ele continuar a palavra na outra. Ele não sabe. Então eu acho que todo professor tem que procurar de alguma forma mostrar para os meninos pra que é que ele está lendo aquilo, pra que é que ele precisa aprender aquilo ou pra que é que ele tá ensinando. (P – Ciências) Segundo a professora, a falta de clareza sobre o porquê das atividades desenvolvidas em sala de aula tem levado os alunos ao segundo grau (Ensino Médio) reproduzindo atividades sem compreensão do que estão fazendo. A escola não deve se preocupar apenas com a leitura da palavra, a leitura escolar, mas trabalhar de maneira articulada para que o aluno seja capaz de fazer a leitura do mundo em que ele está inserido: Eu acho que a escola deve colaborar para o aluno fazer a leitura da vida e a leitura da escola mesmo [...] A gente tem que procurar abrir a mente do aluno, se é que isso é possível. Fazer ele enxergar o mundo de outro jeito, ele ter discernimento pra ver as coisas, ajudar ele a fazer uma leitura do mundo [...] Eu acho que a gente tem que colaborar pra o aluno ter interesse pela leitura e ver a importância da leitura pra vida deles, não só pra vida escolar, mas pra vida deles mesmo. Eu acho que a escola tem que ter esse papel, tem que colaborar, tem que estimular a leitura. Um mural que a gente coloca ali, a gente tá estimulando a leitura; uma conversa que a gente leva pra sala; um tema atual que está se passando; o próprio filme que tá aí no auge, o professor de História, de Português, de Matemática, de Inglês, qualquer um pode trabalhar com esse filme [...] (P – Ciências) 54 É papel da escola colaborar para que o aluno se interesse pela leitura como um elemento importante para a vida e não apenas para a aprendizagem dos conhecimentos escolares. Para tanto, a professora indica que a escola pode estimular o aluno a fazer diversas leituras por meio de diversos locais e linguagens: mural, filmes, conversas sobre temas atuais, etc. Segundo a professora, visando atender as necessidades dos alunos, os professores precisam criar situações para que o aluno se sinta a vontade para ler, sem pressão ou imposição: [...] a gente tem que dar elementos pra eles se sentirem a vontade, como eu já vi os alunos fazerem com você, se sentir a vontade pra perguntar, pra ler... [Mas é um trabalho]de formiguinha, e a gente é impaciente... a gente é impaciente, porque criaram a escola com uma série por ano, tem aquele prazo do ano terminar. Quando você vai conhecer o aluno já tá no final do ano. (P – Ciências) Na fala da professora percebe-se a diferença entre o tempo exigido pela escola e o tempo do aluno. No cotidiano escolar, por conta dos prazos estipulados pelos Sistemas de Ensino, a professora indica que tem sido difícil conhecer o aluno e suas necessidades. O professor se torna impaciente devido aos prazos que tem que cumprir. É possível afirmar que a professora reconhece que trabalhar as necessidades de leitura dos alunos nas séries finais do Ensino Fundamental é um trabalho vagaroso, a longo prazo. Outra questão levantada pela professora é que o trabalho realizado pelos professores não tem conseguido prender a atenção dos alunos: Eles não querem ficar na sala porque não é atrativo pra eles o trabalho que a gente tá fazendo, temos que descobrir realmente o que fazer... não é atrativo pra eles. (P – Ciências) O professor precisa procurar formas de trabalho que incentive o aluno a permanecer em sala de aula. A professora reconhece que a escola tem realizado atividades que não atendem aos interesses dos alunos, atividades que não são atrativas para o aluno especialmente para os alunos que apresentam dificuldades com leitura: E a nossa colega [...] tava dizendo uma coisa interessante, ela disse: ‘nós estamos perdidos com aqueles meninos, não é eles que estão, somos nós que estamos perdidos que não estamos sabendo o que fazer com eles, nós temos que descobrir o que fazer com eles’. (P – Ciências) A fala da professora se refere aos alunos que tem dificuldades com leitura apontando um certo “desespero” diante das novas questões que emergem na escola, mas ao mesmo 55 tempo indica uma preocupação que deve permear a prática pedagógica de todo professor: a condição de busca, de possibilidades para superação do que está posto. Relação leitura e conteúdo específico A professora afirma que a dificuldade de leitura que o aluno apresenta interfere no desenvolvimento da disciplina. Os alunos ficam desmotivados e inquietos na aula. Na tentativa de prender a atenção dos alunos e estimulá-los, a professora aponta que busca articular o conteúdo a ser trabalhado do livro didático com a realidade dos alunos: Interfere no desenvolvimento da minha disciplina e do meu trabalho do diaa-dia, eles ficam inquietos, eles ficam desestimulados, ficam contando o tempo pra aula terminar logo se o trabalho não estiver interessante. É por isso que eu procuro essas coisas de fora da sala de aula. O que tem naquele livro eu procuro trazer para a realidade deles e o que não tem naquele livro eu procuro buscar mesmo no dia-a-dia e levar pra ver se estimula, porque é chato você está trabalhando com uma coisa que ele não tá nem a fim daquilo ali. (P – Ciências) Para ela o professor não pode se prender apenas ao conteúdo da disciplina, tem que trabalhar com a leitura e a escrita, mas também com a leitura de mundo: [...] às vezes, quando você se prende só a sua disciplina você não quer saber do resto. Então eu acho que é isso, a gente não pode se prender só a disciplina da gente, não pode se prender a ensinar só a ler e escrever, tem que ensinar ler o mundo. A gente tem que ajudar ele. (P – Ciências) É possível perceber na fala da professora uma preocupação com a formação do aluno para além dos conteúdos escolares, uma vez que ela tenta ajudar o aluno a estabelecer relações entre o conteúdo da disciplina e o seu cotidiano: Por exemplo, eu digo [para os meus alunos] pra que é que serve você ler, sua mãe, às vezes, não sabe ler, a sua avó não sabe ler, então você pode chegar pra ela e ajudar, ‘ô minha mãe a Pró hoje na escola pediu pra gente ler isso aqui, isso aqui tem informações sobre as doenças, não é sobre como curar as doenças, mas como é que a gente pega, como evitar’. Então a escola vai servir só pra você passar de ano. Não, esse assunto vai servir muito mais pra lhe ajudar em casa do que pra você passar de ano. Eu posso nem cobrar isso aqui na prova, mas leia, chegue em casa e diga: ô minha mãe, hoje a pro deu isso aqui pra gente, mandou a gente ler essa tabela aqui e como a senhora não sabe ler, então eu vou ajudar, vou ajudar a senhora a ler comigo. (P – Ciências) No discurso da professora o conteúdo da sua disciplina deve contribuir com a melhoria das condições de vida do aluno e da sua família, por meio de informações preventivas que o 56 aluno leve da escola para casa. Para ela o conteúdo da disciplina deve transpor os muros da escola. A disciplina Ciências por ter termos específicos, precisa da mediação do professor para fazer a transposição. Nesse sentido, a professora trabalha esses termos com o intuito de fazer com que os alunos saibam que eles existem e para que servem: Na 6ª série eu tô trabalhando com classificação dos seres vivos e tem muitos termos difíceis pra eles, e todo mundo acha, ai falam assim: “ ah, Ciências é chata porque tem uns termos difíceis”. Eu não mando ninguém decorar aqueles termos, eu apenas digo pra eles que aqueles termos existem, que aquela forma de escrever existe porque quando vai ter um congresso em outro país, em outro estado, quando todo mundo tiver falando daquele nome, sabe que está se referindo aquele ser vivo, é a forma de classificar [...] Então o que eu quero, o importante, não é que eles decorem aqueles nomes científicos que é usado para os congressistas que vão se reunir lá não sei aonde. O importante é ele saber o que é classificar, é saber que para classificar tem que se ter critério, que classificar é uma forma de organizar. Então pra mim o mais importante é isso, e eu jamais vou pedir que eles escrevam aquele nome na prova, se eu tiver que cobrar aquilo na prova eu cobro de uma forma que ele não precise escrever aquela palavra, porque a palavra é difícil e ele não tem obrigação de saber. (P – Ciências) A professora enfatiza o conhecimento procedimental de como se constrói a ciência. Os termos científicos presentes no conteúdo de Ciências, faz com que muitos alunos não se identifiquem com a disciplina, especialmente os que apresentam dificuldades com leitura, achando-a chata e difícil. Para amenizar essa situação, a professora demonstra uma preocupação, ao trabalhar com o conteúdo, apontar as relações que existem, de maneira que o aluno não seja privado desse conhecimento. Ela aponta que não faz cobranças aos alunos para memorização de determinados termos de Ciências. Durante a análise de uma atividade escrita, a professora indica que as palavras que não fazem parte do vocabulário dos alunos e os conteúdos da disciplina são trabalhados a partir de relações com o cotidiano deles, por exemplo: meteorito/estrela cadente, a fim de uma melhor compreensão: Não é do vocabulário dele, mas eu já tinha trabalhado, eu não ia pegar esse nome aqui à toa. Eu já tinha trabalhado com eles antes o que é meteorito, eu já tinha trabalhado pra eles antes essa palavra, eles conhecem. Inclusive eles conhecem meteorito como estrela cadente. Meteoritos são pedaços que caem do céu e que, às vezes não é identificado, você olha pensa que é uma rocha, que é uma pedra, mas não é. Se eu não tivesse trabalhado com esse termo antes eu jamais ia colocar esse termo aqui pra eles. (P – Ciências) 57 Ao ser questionada sobre a importância da leitura para o desenvolvimento do aluno na sua disciplina, a professora afirma que ela é importante e que o aluno que não sabe ler sente dificuldades, precisando que o professor o ajude: Claro, na minha disciplina e nas outras, porque por exemplo, como esse caso que aconteceu que caiu lá em Tabocal, em Santo Antonio de Jesus um objeto estranho que se achou que era um meteorito, não se tinha certeza. Se ele não sabe ler ou se ele não sabe entender, se ele nunca ouviu falar nisso. O quê que é isso? Então eu acho que eu ajudei ele a ler isso, eu ajudei ele a ter uma opinião sobre as coisas, eu juntei isso com um fato que aconteceu no passado. Eles mesmos perguntaram: ‘será que agora vão deixar aonde? Ah professora tem que deixar lá agora, e vai botar o nome [...] esse vai botar [o nome] Meteorito de Santo Antonio de Jesus ou então Meteorito de Tabocal’, mas eles deram também outros nomes [...] Quer dizer, eles sabem usar também a imaginação a partir daquilo que eles lêem. (P – Ciências) Para a professora é necessário trabalhar o conteúdo de forma que leve os alunos a estabelecer relações, a ler, a formar opinião. Essa percepção pode estar atrelada a sua experiência profissional ao longo dos anos, em que se deparou com várias situações conflituosas no exercício da docência: [...] o primeiro ano que eu ensinei, peguei uma classe que era de meninos de dez, de onze, doze anos, que não sabiam ler, parece que nunca tinham ido pra escola [...] eu ficava angustiada porque eu não conseguia resultados [...] a gente foi tentando, a gente sempre tomava curso, eu chamava de curso, na verdade não era curso, tinha encontros pra gente trocar idéias, trocar experiências. [...] (P – Ciências) Percebe-se na fala da professora o choque no início da carreira, seus conflitos e os caminhos encontrados para superação dos mesmos no desenvolvimento da prática pedagógica. Esses conflitos estavam atrelados ao processo de ensino da lecto-escrita, a distância entre o curso Magistério e a realidade. Hoje seus conflitos continuam numa dimensão diferente, pois trabalha com alunos das séries finais do Ensino Fundamental que apresentam dificuldades com leitura e muitas vezes ao trabalhar o conteúdo específico da disciplina, ela não consegue detectar quem são esses alunos: [...] às vezes, tenho essa dificuldade de perceber, fico observando que tem outros professores que descobrem com mais facilidade. Por exemplo, um professor o ano passado mais cedo do que eu percebeu alguns alunos que tinham dificuldade de ler, que ficavam lá no canto. ‘Se você perguntar alguma coisa a ela oralmente ela lhe responde, mas na escrita você não percebe tanto’ e ele percebeu ‘porque ela se apóia em fulana, ela é amiga de fulana e senta perto dela’ [...] Se você perguntar alguma coisa a ela, ela fica toda tímida, mas a timidez é por conta disso mesmo, porque não sabe ler. (P – Ciências) 58 Durante as tarefas ou comunicação do conteúdo da disciplina, a professora aponta que sente dificuldades em perceber os alunos que não dominam a leitura e a escrita. Mas, ao mesmo tempo a sua fala indica que os professores podem se ajudar mutuamente, trocando informações sobre os alunos. Relação do aluno com leitura Para a professora a relação do aluno com a leitura apresenta-se de maneira bem diversificada dentro da escola, uma vez que existem alunos em diferentes níveis de leitura, a saber: lêem estabelecendo significados a leitura – lêem o texto e o contexto; escrevem e não lêem o que está escrito19; lêem apenas o que está escrito – conseguem dizer do que trata o texto; lêem as palavras, mas não conseguem atribuir significados a elas no contexto em que estão inseridas, etc: A gente percebe que tem uns que não têm muita dificuldade, que lêem, por exemplo, lê fazendo a pontuação, lê a leitura propriamente dita, ele tem facilidade de ler. Mas têm muitos que não têm e também tem uns que lêem o que está escrito, mas se a gente pedir para interpretar aquilo ali, eles têm uma certa dificuldade, às vezes, lê somente o que esta escrito, mas não vai muito longe disso, não lê as entrelinhas, o que tá por trás daquilo. (P – Ciências) Geralmente as dificuldades que os alunos apresentam com leitura são percebidas nas respostas que eles dão as atividades escritas: Às vezes, a gente prepara uma atividade escrita e eles respondem coisas que não tem nada a ver com o que foi perguntado. Então a gente percebe que eles, embora saibam juntar as letras, dizer que nome está escrito, mas eles não sabem interpretar, não sabem o quê que a gente realmente tá pedindo. (P – Ciências) Para a professora os alunos têm dificuldades de compreender o significado de determinadas palavras que geralmente são utilizadas nas atividades. Em uma atividade escrita, analisada durante a entrevista, ela aponta que os alunos têm dificuldades de compreender uma questão se ela for redigida de maneira mais elaborada. Parece que os alunos estão acostumados a responder questionários diretos, com respostas prontas. No caso em questão, a professora tinha feito um pequeno comentário escrito para introduzir uma questão sobre um 19 Esses alunos apenas reproduzem, o que está no quadro, no livro ou no caderno do colega, muitos deles estão nas séries finais do Ensino Fundamental, devido as várias reprovações sucessivas e a defasagem idade/série, não podendo ficar nas séries iniciais no diurno por causa da idade, e por não ter Educação de Jovens e Adultos na localidade onde moram. 59 assunto para em seguida o aluno fazer um comentário sobre o que havia sido discutido na aula, posicionando-se: Então a palavra introdução pra eles era difícil, aí eu troquei por comentário, eu gosto de fazer isso, procurar trabalhar com a linguagem mais perto deles, que eles entendam mais. Isso aqui é um comentário, ‘na semana passada os jornais divulgaram a notícia e tal... se fosse você que fosse divulgar essa notícia, como é que você faria e tal...?’ Então eles têm dificuldades justamente com esse trabalho, mas a gente tem que tá fazendo. Eles têm dificuldade de entender porque que eu botei esse um aqui, coloquei esse um e não comecei já com a pergunta então. Eles têm dificuldades, mas a gente vai trabalhando e com o tempo eles vão melhorando. (P – Ciências) A professora acredita que essas dificuldades que os alunos apresentam se forem trabalhadas na escola podem ser superadas com o tempo. Segundo a professora essas dificuldades podem estar relacionadas ao ingresso tardio desses alunos na escola devido à região onde moram e às condições familiares, muitos alunos moram com os avós que não são alfabetizados: [...] eu percebo que muitos alunos não são criados pelos pais, lá em Jaguara tem muito menino que é criado pela avó. A vó, às vezes, é analfabeta, eles já vão pra escola tarde, perde aquele período que parece tá mais propício de ele ir pra alfabetização.[...] agora que está começando mais cedo, porque já tem uns que vão pra creche, a creche às vezes ensina a ler. Eu não sei se isso pode ser tomado como base, mas a gente percebe que... quando eles começam a aprender ler na fase de cinco, seis anos, sete, eles têm mais facilidade do que quando eles deixam passar aquela fase que vai para a escola com sete, oito, nove, dez anos, eles tem mais dificuldade, e principalmente se eles não têm alguém em casa que acompanhe. (P – Ciências) Merece destaque a percepção da professora sobre a idade propícia de aprendizagem da leitura. Na escola, os alunos que apresentam maiores dificuldades com leitura têm defasagem idade/série. Ao longo da sua prática pedagógica a professora tem questionado e se inquietado com determinadas situações que colocam em evidência a relação de ‘falta’ que seus alunos têm com a leitura: [...] eu ensino desde 1977, já ensinei infantil, alfabetização, primeira série, segunda série, terceira, quarta, segundo grau, ginásio e pra mim a coisa mais difícil é ensinar alguém ler. De modo que quando meu filho aprendeu ler eu chorei de emoção, uma emoção assim misturada com inveja ou com pesar pelos outros em pensar ‘o meu tá com seis anos, tá se alfabetizando e os outros meus alunos com treze, quatorze anos não sabem ler direito, não decodificam as letras que estão escritas’. E a gente percebe assim, o que é que leva a isso, o que é atrapalha isso. (P – Ciências) A professora aponta que a falta de domínio da leitura desses alunos faz emergir na sala de aula, elementos como desinteresse, impaciência, não cumprimento de tarefas, e 60 consequentemente, o retorno positivo que o professor quer ter ao final de uma aula dada ou de um assunto explicado: [os alunos] têm vícios de leitura ou de falta de leitura muito grande, não só de não ler, mas de conseguir mesmo decifrar o que está escrito. Aí a gente tem, além disso, um outro trabalho, que é a dificuldade na leitura gera outras coisas, gera desinteresse, gera vontade de ir embora, vontade de que a aula termine logo, impaciência. Às vezes, a gente não tem uma boa resposta, não tem a resposta que esperava daquele trabalho. Mas, às vezes, mesmo que ele não saiba ler o que tá escrito eles participam do trabalho se a gente souber fazer questões que eles conheçam embora não saibam escrever, mas que ele sabe. Por exemplo, tem meninos que você pergunta, que você pede pra ele resolver um probleminha de Matemática, ele diz logo ‘oh professora eu só sei resolver de cabeça, no papel eu não faço’. Mas ele sabe, você tem que valorizar aquilo. (P – Ciências) É interessante destacar que a professora reconhece que os alunos apesar de terem dificuldades com a leitura do código escrito, eles têm conhecimentos que podem ser aproveitados pelos professores em sala de aula, eles participam da aula se o professor souber estabelecer relações entre o conhecimento da disciplina e os conhecimentos prévios desses alunos. Ela afirma que “eles sabem usar também a imaginação deles a partir daquilo que eles lêem20”. Essa visão está associada à compreensão de que leitura não é apenas a leitura da palavra, mas também a leitura de mundo. O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Ciências Para a concretização do processo de ensino e aprendizagem a professora afirma que planeja atividades de forma a contempla a leitura. Essas atividades visam fazer com que o aluno discuta, dê a sua opinião, faça leitura: Planejo, quer dizer, às vezes, eu converso primeiro com eles sobre determinados assuntos e aí depois eu levo alguma forma de leitura pra eles e faço atividades que eles discutam, que eles questionem, e... mais a leitura da realidade deles mesmo. (P – Ciências) A professora seleciona textos relacionados ao assunto da disciplina, notícias atuais que saem em jornais e revistas para trabalhar com os alunos em sala de aula, mas também para exposição na escola: Às vezes, eu levo [textos] relacionados à disciplina, dependendo do assunto, e às vezes, são coisas da atualidade, que está acontecendo. [...] levei um 20 A professora está usando o termo ‘lêem’ se referindo não apenas a leitura do texto escrito, mas também a leitura a partir da audição de uma palestra, de uma leitura que ela realiza na sala, da exposição de um mural, de uma notícia que ouve no rádio ou assiste na televisão. 61 jornal com uma pesquisa que foi feita dizendo que o rio Jacuípe21 está entre os três mais poluídos do Nordeste. E aí foi uma polêmica, eles não admitiram, não acreditaram [...] eu fui perguntar a eles como é que tava o rio lá, e eles acharam que pelo fato de ter chovido a água tava limpa, o rio tava limpo. Porque pra eles olhou assim, a água ta clarinha, ta limpa. Por sinal eu até fiquei de colar lá na parede um dia. Mas eu não colei por dois motivos, porque já tinha outras coisas lá que eu achei mais atraentes pra eles e coloquei aquela do Nordeste22 sobre a caatinga, os personagens da caatinga, os animais e tal... (P – Ciências) A preocupação da professora em levar textos que motivem o aluno para realizar uma leitura está relacionada tanto com o conteúdo específico da disciplina, como também, com a vivência dos alunos, fator que muitas vezes propicia a discussão na sala de aula. Os textos também são levados para exposição na escola. A professora acredita que essas atividades estimulam o aluno para a leitura, por isso alguns desses textos são escritos no quadro para que os alunos copiem: Eu acho que atividades escritas também estimulam a leitura, porque ele vai ter que ler pra escrever, pra transcrever. Até alguma coisa que a gente faz no quadro, eles copiando eu acho que tá reforçando a leitura, pelo menos a intenção da gente é essa. A escrita e a leitura eu acho difícil elas se dissociarem, na nossa sociedade pelos menos é assim. Eu coloco textos pra eles copiarem, depois eu procuro fazer alguma questão dentro daquele texto. [...] Procuro fazer um texto pequeno, até porque eu acho que eles escrevendo, vai exercitando [...] geralmente eu dou escrito no quadro, às vezes, quando é um texto interessante eu tiro xerox e trabalho em grupo[...] eu me lembro de um trabalho que saiu na Super interessante sobre a água [...] que a partir em 2025 a população pode ficar sem água e tal. E aí eu procurei trabalhar com eles aqueles assuntos, questionar o que eles achavam daquilo, se eles concordavam com isso.[...] Quando o texto é grande assim, eu tiro xerox, mas em grupo, por dois motivos, porque se a gente for tirar xerox pra dar a todo mundo fica caro, e porque também eu acho que a gente precisa estimular eles a trabalhar em grupo, que é difícil. (P – Ciências) Na fala da professora é possível observar uma preocupação com questões que fazem parte do dia-a-dia da aula – cópias, tamanho dos textos, etc., – que podem impedir o processo. Além da cópia a professora se preocupa em levar cópias xerografadas de textos para estimular a leitura e o trabalho em grupo. Percebe-se que os textos que tratam de temas da atualidade, que permeiam a vida social dos alunos se apresentam como grandes aliados da professora. Ela destaca que os alunos ficam mais interessados em discutir algo que pode ser relacionado ao que ele viu no jornal televisivo ou ouviu no rádio, que ele tem conhecimento ou dúvidas: 21 Rio que passa na região onde a escola está localizada e é utilizado como fonte de renda e de subsistência para alguns moradores. 22 Reportagem da Nova Escola que a professora havia me mostrado na escola. 62 Esse ano por exemplo, eu trabalhei assim: aconteceu um fato interessante, caiu um objeto estranho em Santo Antonio de Jesus [...] exatamente na semana que eu tava trabalhando com esse assunto, aí eu levei o jornal pra a sala e conversei com os alunos [...] se eles ouviram no rádio o que aconteceu. Eles disseram que ouviram, uns assistiram na televisão. Porque embora a gente trabalhe na zona rural, tem alunos que tem televisão em casa. Eles disseram que ouviram a notícia e conversaram, comentaram sobre o assunto. Eu já havia comentado sobre um meteorito que tinha caído em Bendengó, lá nos anos de 1700 e tanto [...] e foi levado para um museu no Rio de Janeiro [...] Eles mesmo que tiveram iniciativa de dizer “ah professora não devia ter levado pra lá, devia ter deixado aqui, aí o pessoal ia visitar aqui”. Eu fiz a atividade sobre o que eles viram na televisão, sobre o que eles ouviram no rádio. Levei o jornal pra sala, mostrei a foto do lugar, e tal [...] eu perguntei a eles: “se fossem vocês que fossem dar essa notícia, como é que vocês dariam?” E a gente percebe que eles, embora tenham dificuldade de ler o que está escrito, mas eles sabem se expressar, [...] a gente aproveita também os fatos que acontecem no dia-a-dia. (P – Ciências) O relato da professora mostra que os alunos participam das atividades quando eles têm um conhecimento prévio do assunto, que eles estão atentos aos acontecimentos do mundo e que sabem se posicionar quando são ouvidos ou quando são proporcionadas as oportunidades adequadas. A participação dos alunos na atividade deve-se a exploração da oralidade em sala de aula. Destaca-se também na fala da professora a dificuldade que ela sente em sala de aula para detectar e ajudar os alunos que apresentam dificuldades com leitura: [...] às vezes, eu tenho dificuldade de descobrir, porque tem alunos que você percebe, eles respondem, eles fazem a atividade ainda que erradas, mas eles fazem. Aí você percebe que eles têm dificuldades de leitura, você percebe que eles não correspondem ao que você perguntou por que eles não sabem ler mesmo, não sabem decodificar o que está escrito, e tem uns que você nem consegue fazer porque eles ficam lá no canto isolados, eu ainda não peço para eles lerem alto, assim diante dos outros, às vezes eu chamo, “venha cá, leia um pouquinho aqui comigo, eu lhe ajudo”. Porque eu sei que ele tem dificuldade. Eu tenho dificuldade de fazer isso, principalmente quando eu trabalhava com outras turmas também que eram muitos alunos, eu tinha dificuldade de conhecer os alunos, de ver a particularidade deles. Agora tá mais fácil porque eu tenho menos turmas, então eu posso visualizar isso. Então eu tenho percebido que as séries, como você disse a quinta A e a quinta B são melhores na alfabetização, a quinta C é que tem meninos maiores parecem que vieram de escolas da zona rural. (P – Ciências) A professora destaca que a grande quantidade de turmas que cada professor tem que pegar para completar a carga horária semanal, interfere no processo de conhecimento dos alunos. Sem conhecer as necessidades individuais é difícil realizar um trabalho satisfatório que ajude o aluno a superar suas dificuldades. No dia a dia da sala de aula a professora aponta 63 que busca ajudar os alunos que têm dificuldades com leitura, apesar de considerar um trabalho extremamente difícil: Mas a gente ver como é difícil, eu acho difícil. Agora assim, eu tenho tentado procurar fazer eles se familiarizarem com as letras, procuro ajudar, não me importo de procurar alfabetizá-lo na quinta série, na sexta, na sétima não me preocupa, o que eu quero é que eles não se sintam assim diminuídos com isso, com a auto-estima baixa, com isso, aliás, é uma coisa que no primeiro dia de aula eu sempre procuro trabalhar essa auto-estima deles. (P – Ciências) Apesar de achar que existe uma idade ideal para a criança se alfabetizar, a professora não deixa de acreditar e de investir na alfabetização dos seus alunos. Além da leitura, percebe-se que a mesma procura trabalhar com a elevação da auto-estima deles, tendo em vista que tais alunos, devido a uma infinidade de fatores (defasagem idade/série, reprovações sucessivas, moradores da zona rural, dificuldades de aprendizagem, etc.) tendem a ter uma auto-estima baixa. Durante a realização das atividades de sala de aula observa-se na fala da professora algumas atividades com leitura relacionadas ao conteúdo da disciplina. Em relação ao ensino de aspectos técnicos da leitura, a professora procura diversificar os tipos de leitura em sala de aula: lê para os alunos, solicita leitura em grupo – cada aluno do grupo lendo um parágrafo, leitura coletiva – alunos e professores lêem juntos, leitura comentada – lê um parágrafo e comenta. A professora aponta que dá algumas orientações antes da leitura, mas acredita que não são suficientes: Olha, às vezes, eu acho que peco um pouco nisso, eu não sou perfeita, mas, eu peço pra eles lerem assim, às vezes, eu leio o texto todo com eles primeiro e, às vezes, depois eu mando eles lerem assim[...] ‘cada pessoa do grupo leia um pedaço, leia um parágrafo pra ir passando’. Mas, às vezes, eles não entendem que isso é pra um ler pra os outros ouvirem. Aí, tem vez você pega um lendo sozinho lá, quietinho, em silêncio, só pra ele mesmo. É a dificuldade que eles têm de trabalhar em grupo, não sei se nas primeiras séries, nas séries iniciais eles não tiveram esse exercício. (P – Ciências) No trabalho com leitura em grupo a professora aponta que encontra dificuldades em fazer com que seus alunos escutem a leitura do colega, destacando que os professores das séries iniciais são responsáveis para trabalhar essa questão. Para ela, os alunos não foram acostumados a realizar esse tipo de leitura nas séries anteriores. Destaca-se aqui, que a leitura oral para o outro ouvir é muito complexa especialmente para os alunos que têm dificuldades com leitura, tendo em vista que vários fatores estão interligados e contribuindo ou não para a 64 realização da leitura – entonação, preocupação em não errar na vista dos colegas, a pontuação determinando a entonação, as pausas e em muitos casos a compreensão. De maneira geral não se percebe orientações especificas antes da leitura, apenas solicita-se que os alunos façam a leitura ou indica-se que tipo de leitura será feita: individual, em grupo, por parágrafo, silenciosa, etc.: Geralmente eu leio pra eles e, às vezes, eu leio com eles, eles vão me acompanhando. (P – Ciências) Percebe-se na fala da professora a necessidade de modelo de leitor para o aluno. Quando ela lê, seus objetivos estão relacionados a fazer com que seus alunos escutem aquela leitura, criem o hábito de ouvir a leitura de um texto, observando a pontuação, as pausas. Entretanto, os resultados não são satisfatórios devido ao pouco tempo destinado a esse tipo de leitura: Eu acho que é pra ver se... eles aprendem a ter o hábito de...ouvir uma leitura pontuada, que eles não fazem. Pra ver se ajuda, mas eu percebo que não tem feito esse efeito, acho que é difícil. Porque também não é todo dia que a gente faz isso, tem vezes, que a gente deixa que eles leiam só, mas quando a gente lê, o objetivo é esse, é fazer eles ouvirem, pra ver se eles vão pegando o hábito de ouvir uma leitura compassada, com a pontuação correta, se eles vão aprendendo. Porque a gente percebe que eles lêem sem fazer a pontuação correta. (P – Ciências) Quando a professora faz a leitura de um texto para seus alunos, ela percebe que melhora a compreensão deles sobre o texto lido. Pois faz uma leitura com pausas, usando a pontuação correta: [...] às vezes, eu acho que melhora um pouco a compreensão deles a respeito do texto, quando a gente lê primeiro. Eles ouvirem a gente ler correto, quer dizer, uma vez só não, mas quem sabe com o hábito, eles vão ouvindo, ouvindo, aí vai pegando[...](P – Ciências) É importante destacar que ouvir um texto, observando a pontuação, a entonação, abstrair as idéias centrais são competências que precisam ser desenvolvidas na escola, por meio da orientação do professor. Durante a leitura a professora procura motivar os alunos relacionando a pontuação do texto com alguns fatos do cotidiano dos seus alunos: E a gente vai sempre dizendo pare um pouquinho, naquela mania que eu tenho de... de trabalhar sempre com a realidade deles, eu digo assim: [...] você vai pra casa, no caminho tem uma cerca onde é que você pára que demora mais, quando você vai ter que pular a cerca ou quando você vai só abrir a cancela. ‘Não Pró, abrir a cancela a gente abre mais ligeiro, é claro’. 65 Então faz de conta que aqui é uma cancela – é a vírgula, aqui é um ponto, você vai demorar um pouco mais, você vai ter que pular... [risos] Eu procuro usar esses exemplos pra ver se ajuda, pra ver se estimula. (P – Ciências) Para ela, esses exemplos estimulam a percepção dos alunos nos aspectos estruturais da leitura de um texto, consequentemente, melhora a compreensão sobre o texto lido. Ela utiliza metáforas e analogias construídas ao longo do seu desenvolvimento profissional, ou seja, conhecimentos que fazem parte da base de conhecimento do professor. Em relação à leitura silenciosa, parece que não é muito trabalhada em sala de aula, pois os alunos não realizam e se dispersam, especialmente os que apresentam dificuldades com leitura, pois não compreendem o que lêem, sendo necessária a intervenção do professor: Tem vez que eu peço leitura silenciosa, mas a gente interfere porque a gente não consegue essa leitura silenciosa. (P – Ciências) Percebe-se na fala da professora que muitas das suas intervenções estão relacionadas à correção, ela afirma que interfere quando o aluno está lendo: É, às vezes, eu posso estar pecando, mas, às vezes, eu procuro assim corrigir [...] eu fico pensando se eu devia interferir, mas... eu interfiro porque se eu não interferir a pontuação correta não vai ser feita e consequentemente eles não vão entender o que estão lendo, é por isso que eu interfiro, mas às vezes, assim, sempre que eu interfiro eu me lembro disso que a menina disse “ah professora deixa a gente terminar primeiro depois a senhora corrige a gente. (P – Ciências) Na fala da professora destaca-se uma dúvida que permeia as atividades com leitura. Como a intervenção que ela realiza geralmente está relacionada à correção de pontuação e pronuncia correta de palavras, ela oscila se corrige e qual o momento certo para fazer essa correção. Durante a leitura oral a professora aponta que ao final do parágrafo faz comentários: [...] a gente, às vezes, comenta, tem vez que a gente faz uma leitura assim: lê um parágrafo, aí comenta sobre aquele parágrafo. (P – Ciências) Ao final da leitura sempre são realizadas atividades escritas: Depois a gente faz mesmo atividades escrita tentando interpretar aquela leitura.[...] eu peço redação, eu não chamo de redação, mas, por exemplo, de vez em quando eu faço uma questão assim, pra eles darem a opinião deles sobre alguma coisa, só pra levar eles a escreverem – o termo levar não é bom não, forçar eu não quero dizer também, pra que de alguma forma ele se sinta... na condição de escrever, de dar a sua opinião sobre alguma coisa. (P – Ciências) 66 É possível afirmar que nas atividades escritas, realizadas após a leitura, a professora busca detectar se os alunos compreenderam o que leram e ao mesmo tempo busca colocá-los na posição de leitor-escritor, capaz de se posicionar diante das questões apontadas pelo texto ou levantadas por ela durante a leitura ou dos comentários prévios indicados sobre o assunto a ser estudado. Ao longo da entrevista, pode-se dizer que a professora traz na sua fala um conceito mais amplo de leitura, articulando leitura de mundo com leitura da palavra. Apresenta grande preocupação em fazer com que o aluno interprete a sua realidade, se posicionando criticamente. Sua prática é marcada pela formação pautada em referenciais teóricos, pela experiência da prática ao longo da carreira de magistério, mas também dos modelos de leitor que teve: A minha mãe era uma pessoa que não estudou muito, mas ela dava muita importância a leitura, ela dizia que a leitura não deve servir somente pra gente passar de ano, pra gente se formar e ter o diploma, mas pra gente se conduzir melhor na vida, pra saber se virar. (P – Ciências) No cotidiano da sala de aula tenta passar sua compreensão de leitura para seus alunos, mas reconhece que não tem tido muito sucesso, pois o trabalho é difícil exigindo tempo e trabalho coletivo, entretanto continua acreditando que realizar um trabalho que atenda as reais necessidades de leitura dos alunos é algo possível de realizar e que precisa ser feito independentemente da série ou disciplina. 4.1.2 Geografia A professora... Em 1985 concluiu a Licenciatura Curta em Estudos Sociais, em 2005 iniciou a PósGraduação latu sensu em Políticas do Planejamento Pedagógico – Currículo, Didática e Avaliação, com previsão para término em 2007. A professora está se aposentando pela rede municipal de ensino, mas continua a trabalhar na rede estadual, na qual, tem quinze anos de atuação. Na rede municipal leciona nas séries finais do Ensino Fundamental e na rede estadual leciona na Educação de Jovens e Adultos - EJA, perfazendo um total de quarenta horas semanais. Em ambas as redes de ensino ministra a disciplina Geografia. Reside na zona urbana onde trabalha com as turmas de EJA e na zona rural trabalha com as turmas das séries finais do Ensino Fundamental. 67 Definição de leitura Para a professora a leitura não se restringe a recitação da palavra, mas a interpretação dada ao que se lê: “saber ler não é só saber falar a palavra é também saber interpretar”. A leitura é concebida como fonte de informação e de conhecimento para o ser humano: [...] eu acho que leitura é uma coisa essencial, não só para o estudante, mas pra pessoa de um modo geral, porque eu não conheço muito o mundo viajando, eu conheço mais através da leitura, eu conheço muita coisa através da leitura. Eu falo isso muito pra meus alunos. [...] eu acho que [a leitura] é a única fonte, assim, pra o aluno ter mais informação, ter mais conhecimento. (P – Geografia) Para a professora a leitura se apresenta como essencial para o indivíduo. É uma fonte de conhecimento cuja função não se limita aos ambientes acadêmicos. Sua definição de leitura está relacionada às suas experiências enquanto leitora, considerando que ela conhece o mundo lendo. No seu discurso é possível inferir que a leitura liga o “local” ao “global”, alarga os horizontes, possibilita viagens, novas descobertas, conecta com o desconhecido. Nesse sentido, ela acredita na leitura como possibilidade para o desenvolvimento do conhecimento do aluno. Relação escola e leitura No discurso da professora é possível perceber uma compreensão de que a leitura na escola é uma responsabilidade de todas as séries e de todas as disciplinas: Eu acho que [o ensino da leitura] deve ser de todas as séries [...]. Em todas as disciplinas Matemática, Geografia, História... Porque sem a leitura ele não vai poder trabalhar nenhuma disciplina, nem Geografia, nem História, nem Ciências, nem nada. Então ela é necessária [...] deve partir mesmo de qualquer disciplina o incentivo pela leitura. (P – Geografia) A professora compreende que sem o domínio da leitura não haverá um trabalho satisfatório nas disciplinas, portanto cabe a todo professor incentivar o desenvolvimento do aluno em leitura. Para tanto, ela aponta que o professor de Língua Portuguesa esteja junto, dando um suporte maior: [...] se eu me juntasse com o professor de Língua Portuguesa, pra ele dar uma força maior, eu acho a gente poderia fazer um trabalho melhor para alfabetizá-los, pra melhorar a condição de leitura e escrita deles, também na questão... de incentivar pra que a gente pudesse levar ele a tomar gosto. [...] eu falo assim no professor de Língua Portuguesa pra ajudar, mais como um outro, com outra idéia. (P – Geografia) 68 A idéia do professor de Língua Portuguesa como aquele que vai dar o suporte, que vai ajudar não se restringe apenas a formação específica desse profissional nos aspectos referentes à língua materna, mas como um parceiro, um outro para trocar idéias na coletividade. De acordo com a professora, o professor das diversas disciplinas pode contribuir com a aprendizagem da leitura nas suas aulas, por meio da interdisciplinaridade como uma possibilidade para um trabalho melhor, buscando superar a fragmentação do currículo na escola: Pode, eu vejo assim, que... essa questão da interdisciplinaridade, deveria ser tocada assim nas aulas, a gente não vê muito isso não, a gente vê ainda as coisas bem separadas, entendeu, mas deveria sim, haver como se fosse um intercâmbio, das outras disciplinas com a minha e da minha com a deles. (P – Geografia) Para a professora, no trabalho escolar deve-se privilegiar a troca entre os pares, por meio de ações em que todos estejam comprometidos com o processo de leiturização do aluno. A escola precisa realizar algumas ações que incentive a leitura: Eu acho que deve incentivar o máximo, eu acho que até assim, nas paredes, nos murais, é na biblioteca. Uma biblioteca munida, sempre renovando o acervo pra leitura, porque, às vezes assim, aqueles livros que a gente coloca lá, aqueles paradidáticos [...] eles lêem e depois eles cansam daquilo, tem que tá sempre renovando. Então tem que ser uma preocupação da direção e de todos. O professor também incentivando, levando revistas, recortes de jornal, coisas assim da época [...]. Eu acho que tudo isso incentiva. (P – Geografia) A professora aponta que a direção e professores devem se preocupar em incentivar a leitura na escola, levando diversos portadores de textos e explorando os diversos lugares – paredes, murais e biblioteca com o intuito de colocar o aluno em contato direto com materiais escritos. Ela afirma que a escola precisa investir muito na leitura e criar um ambiente propício à leitura: Sobre a escola... a questão da leitura, eu acho que a gente precisa investir muito. Eu tô vendo que a gente parece que deu uma paradinha. Eu acho que a gente devia incentivar mais a parte da leitura. Não sei, talvez a condição de conseguir material com alguém. (P – Geografia) Discutindo sobre a leitura na escola e a necessidade de conseguir materiais escritos relacionados com a sua disciplina para colocá-los a disposição dos alunos, a professora aponta algumas dificuldades que enfrenta com a falta de continuidade de determinados projetos em relação à leitura na comunidade que reflete diretamente dentro da escola: 69 [...] eu tava pensando que, às vezes nas bancas de jornal saem assim, coisas voltadas pra leitura, pro trabalho da gente em cada disciplina, mas de repente, essas coisas saem, desaparece e a gente fica até no meio. Já cansei de pegar, começar acompanhar livros assim, vamos dizer assim, livros paradidáticos, alguma coisa assim que sai e eu começo a comprar. Depois ele desaparece. Há, pouco tempo aqui botaram uma banca de jornal, eu sabia que ela ia fechar porque ninguém compra, jornal, revista, livros assim, as pessoas não ligam de comprar. Então parece até, não é um costume mesmo das pessoas em querer ler. Então essas coisas acabam e a gente acaba enveredando assim. (P – Geografia) Para a professora, a falta de envolvimento, de acesso e de interesse pela leitura ou por determinados portadores de textos – jornais, revistas, livros é muito presente na comunidade: parece que as pessoas não têm costume de ler. Esses aspectos – cultura de leitura, ambiente leitor extra-escolar – refletem diretamente dentro da escola, levando os professores a perderem o interesse por esses materiais escritos, e consequentemente, não incentivando a leitura dos mesmos pelo aluno. Relação leitura e conteúdo específico Para a professora a leitura é muito importante para o desenvolvimento do aluno na sua disciplina, pois se constitui em fonte de conhecimento: É muito importante, é primeiro... eu acho assim, mais como fonte de informação mesmo, ela vem trazendo muita informação, quer dizer que essa leitura vai ajudar mesmo. [...] que a gente procure estimular ele numa leitura mais voltada pra realidade dele, ele vai se interessar mais, eu percebo muito isso. Como em Jaguara23 mesmo, quando eu dou sobre Nordeste, é... eu enfoco muito a região de lá. Então eu percebo que eles começam a ter mais interesse pelos textos, pela leitura, porque ali dentro do livro, um livro que é até voltado pra outras regiões, mas que também está a região deles, também tá o interesse deles. Eles ficam mais interessados ainda porque eles se vêem ali dentro. (P – Geografia) A percepção da professora sobre a importância de estabelecer relações entre a leitura do conteúdo específico de Geografia e a realidade do aluno é uma possibilidade para estimular o interesse dele pela leitura dos textos da disciplina. Para a professora, quando existe essa relação o aluno se identifica com os conteúdos contidos nos livros. Entretanto, os alunos apresentam grandes dificuldades de leitura, fator que dificulta o trabalho na disciplina: 23 Jaguara é um distrito na zona rural do município de Feira de Santana – BA onde está localizada a escola em que a pesquisa foi realizada. 70 [...] é como se eles não tivessem um costume e uma base na leitura. Isso tem dificultado muito eu trabalhar com Geografia. (P – Geografia) Essa falta de base, de costume não tem sido suprida na escola. Encontra-se aqui um paradoxo: como é possível ensinar o conteúdo da disciplina sem que os alunos leiam, visto que a grande maioria das fontes desse conhecimento escolar é o texto escrito. Para a professora a grande preocupação é apenas a transmissão do conteúdo, sem levar em consideração as necessidades de leitura dos alunos: [...] às vezes nós professores, estamos muito preocupados em dar conteúdo e a gente não está levando muito o aluno ler. (P – Geografia) A fala da professora aponta para a distância que existe entre o ensino do conteúdo específico e as práticas de leitura em sala de aula. Sobre o conteúdo, ela ainda aponta a linguagem geográfica como um outro aspecto que deve ser levado em consideração no ensino da Geografia, pois apresenta termos especializados, próprios dessa área de conhecimento: Nos textos, tem palavras específicas e a gente precisa muito da ajuda não só do dicionário da língua portuguesa, mas da linguagem geográfica. E eu tenho até falado pra eles, quando eu peço pra eles buscarem no dicionário eu digo: olha essa palavra você vai encontrar no dicionário de Língua Portuguesa, mas nós temos um dicionário da disciplina Geografia, que é o dicionário geográfico, que nós não temos, mas o que você encontrar vai ser válido. Então o que ele traz da Língua Portuguesa eu melhoro na condição geográfica, entendeu? (P – Geografia) Percebe-se na fala da professora a necessidade de transposição do conhecimento geográfico para que haja uma compreensão do conteúdo. A leitura por si só não dá conta para que o aluno se aproprie desse conhecimento, tornando o papel do professor imprescindível nesse processo, tendo em vista, a necessidade de uma orientação maior e de elaboração de estratégias de leitura que facilitem a construção do conhecimento de Geografia. A leitura traz informações, mas é papel educativo da escola orientar o aluno a transformar essas informações em conhecimentos. É interessante destacar o objetivo geral do plano de ensino de Geografia elaborado pela professora, o qual tem a pretensão de desenvolver a leitura de diversas fontes que tratam do conteúdo geográfico: [...] aqui eu coloquei assim: estimular o desenvolvimento da leitura e interpretação de mapas, gráficos e documentos de diferentes fontes de informações de modo que interprete, analise e relacione informações sobre espaço. (P – Geografia) 71 A leitura se apresenta como um conteúdo procedimental, sendo pensada como meio para construção do conhecimento de Geografia, permitindo ao aluno ir de uma leitura estrita para uma mais ampla, ou seja, para interpretar, analisar, relacionar informações do conteúdo específico. Relação do aluno com leitura Na relação do aluno com a leitura, ao ser questionada sobre as dificuldades de leitura que os alunos apresentam, a professora afirma que eles têm muita dificuldade, não gostam de ler, não têm costume de ler: Meus alunos têm muita dificuldade... muita dificuldade, eu vejo assim, como se eles não tivessem um costume e uma base na leitura. (P – Geografia) Para a professora os alunos não têm base de leitura, portanto, não conseguem ter um bom desempenho nas atividades propostas: [...] às vezes ele lê uma frase ou uma... uma oração pra dar uma resposta e ele não consegue dar a resposta daquilo que leu [...]. É essa dificuldade justamente de transpor aquilo que ele acabou de ler. (P – Geografia) A leitura que esse aluno faz é mais estrita, não existe uma compreensão sobre o que está sendo lido, fator que gera dificuldades na sua aprendizagem. Para a professora eles não conseguem fazer a transposição da leitura para dar as respostas esperadas por ela. Outro aspecto relevante na fala da professora é a relação do aluno com a leitura e as condições familiares: [...] eu vejo assim, que não há muito interesse em querer ler também, gostar de ler, eles parecem assim, que não gostam muito de ler.[...] E também a questão de casa, eu acho que os pais... a vivência deles não é tão voltada para a leitura. (P – Geografia) A vivência no contexto familiar permeada por um escasso contato com a leitura é apontada pela professora como um elemento que contribui para que o aluno não goste de ler. São famílias de agricultores com pouca ou quase nenhuma escolaridade, e que os materiais de escritos são pouco veiculados entre eles. Poderíamos inferir que para a professora falta um modelo de leitor em casa para esse aluno. O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Geografia Para a professora a leitura se apresenta como um elemento imprescindível no desenvolvimento de suas aulas. No cotidiano da sala de aula, quando faz atividades que 72 exigem do aluno leitura e interpretação ela se depara com um grande problema, pois é nesse momento que as dificuldades de leitura dos alunos vêm à tona: Quando eu faço uma atividade que ele tem que ler e interpretar pra dar a resposta. Aí eu noto a dificuldade. (P – Geografia) Para suprir as dificuldades de leitura que seus alunos apresentam, a professora afirma que sempre realiza atividades que contemplam a leitura, que levem o aluno a ler: [...] eu peço muito trabalho na parte de buscar no dicionário, se for reparar as atividades deles têm sempre busque no dicionário, faça alguma leitura em tal lugar, procure primeiro no livro de Geografia, depois você vá ao dicionário. [...] eu fico procurando o que fazer para eu ver o aluno ler. [...] nós estávamos sem o livro e eu fui distribuir o livro e a minha vontade... era chegar na sala de aula e dar um trecho pra o aluno ler e dali a gente começar a aula... a ler pra dali a gente partir pra aula. Eu acho importante essa leitura diária na sala. (P – Geografia) Essas atividades de leitura se apresentam como um momento anterior à aula, como um pretexto para introduzir o conteúdo de Geografia. Peço [que leiam] livros não muito extensos, algum trecho, algum texto, assim, dentro de algum livro também voltado para a disciplina, já pra ajudar na disciplina [...](P – Geografia) Os textos utilizados na aula pela professora apresentam relação direta com o conteúdo a ser trabalhado, ou seja, sempre serve de base, de introdução para explicação do conteúdo: [...] a leitura que eu faço não é longa, é uma leitura justamente pra começar a aula, pra dar uma aula, Então eu peço a eles que leiam, [...] depois eu vou reler... eu leio e depois eu comento. Eu gosto muito de fazer uma leitura comentada. [...] Eu peço assim, que eles leiam, e depois eles digam o que ele compreendeu daquele trechinho ali, depois eu faço meu comentário, porque, às vezes, não sai muita coisa, mas sai, sai de alguns, de outros não, a maioria não. (P – Geografia) Na fala da professora, é possível verificar que, na maioria das vezes, ela utiliza a leitura comentada. E mesmo quando um aluno lê, ela faz questão de reler o mesmo parágrafo, como uma forma de ajudar o aluno a compreender o conteúdo. Essa atitude pode estar relacionada ao fato dos alunos não lerem fluentemente, devido às dificuldades que apresentam em relação à leitura, mas também, à visão de ensino que permeia a prática da professora. Ela aponta que dificilmente solicita leitura silenciosa para seus alunos: 73 [...] às vezes, é muito remoto deixar que eles leiam e depois eles me falarem o que leram. Mas, de vez em quando, eu faço, eu não gosto muito porque eu fico muito parada, e eu não gosto de ficar parada. (P – Geografia) A ausência de atividades com leitura silenciosa pode estar atrelada à falta de controle sobre o que o aluno está lendo, se realmente ele está realizando a leitura. O professor não tem controle sobre esse tipo de leitura. Nas atividades realizadas em sala de aula, a professora indica que antes da leitura não faz nenhuma intervenção. Ela apenas solicita que leiam o texto. Durante a leitura é possível verificar que são feitas algumas orientações quando os alunos não conseguem pronunciar as palavras e ao final de cada parágrafo lido são feitos perguntas, comentários e/ou explicações: A intervenção que eu faço, às vezes, quando eles tropeçam nas palavras, aí eu ajudo. Eles têm assim dificuldades quando vêem uma palavra trissílaba, proparoxítona, eles têm a maior dificuldade de falar, começam a tropeçar, aí eu falo, faço alguma interferência. E também quando termina o parágrafo, alguma coisa que eu quero explicar, então eu digo “pare aí um pouquinho”. Eu pergunto ou explico. (P – Geografia) Ao final da leitura a professora explica ou comenta o texto lido, solicita que o aluno fale o que entendeu, passa questões, trabalhos com leitura de mapas ou produção de textos escritos: [...] eu faço na sala leitura comentada, justamente porque eu vou pedir algo, um trabalho com mapas ou então um trabalho de atividades mesmo de questões pra eles responderem, pra fazerem uma produção de texto. Por exemplo, há pouco tempo eu fiz com a sexta série textos que eles... Eles têm muito conhecimento, [...] na questão da poluição do rio, na questão ambiental eles têm muito o que falar sobre isso aqui em Jaguara. Então eu pedi uma produção de texto sobre a poluição no rio Jacuípe24 e eles fizeram. (P – Geografia) Essas atividades apesar de terem caráter de devolução do que foi lido, enfatiza o conhecimento local, o conhecimento de vida dos alunos. É interessante destacar que a professora reconhece que os alunos têm muitos conhecimentos sobre a região, fator que ela aproveita para articular com os conteúdos da disciplina e com palestras que aconteceram na escola: [...] depois das palestras, das conversas de Laura25, das conversas de Marialvo26 das nossas conversas em sala de aula, eles escreveram tudo. (P – Geografia) 24 Rio que passa no distrito, e é utilizado como fonte de renda e de subsistência para alguns moradores. Professora efetiva da rede municipal, ministra a disciplina Ciências na escola pesquisada, está fazendo doutorado em Educação Ambiental. 25 74 Com essas atividades a professora indica que seus alunos ao produziram os textos puderam expressar com maior facilidade os conhecimentos geográficos que têm sobre a localidade onde vivem. Outro aspecto importante na fala da professora é a valorização do diálogo com os pares, no sentido de socializar o conteúdo específico da sua disciplina. Esse diálogo permite um trabalho interdisciplinar que facilita o desenvolvimento da aprendizagem do aluno. Diante do exposto é possível inferir, por meio das pistas encontradas na entrevista da professora, que a leitura se apresenta como um elemento imprescindível para o desenvolvimento das aulas de Geografia. Para a professora os alunos têm muitas dificuldades para ler um texto, não gostam de ler e não tem costume de ler. Esses elementos estão relacionados à grande preocupação em dar o conteúdo programático, à falta de base de leitura dos alunos e ao contexto familiar desses alunos. A leitura é concebida como um instrumento de informação e de conhecimento que reduz o tempo e o espaço entre os seres humanos, uma vez que liga o local ao global: eu conheço muito o mundo através da leitura, eu conheço muita coisa através da leitura. Segundo a professora, a leitura deve ser assumida na escola como uma responsabilidade de todos. No desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem devem ser realizadas atividades que levem o aluno a ler. Na fala da professora, pode-se perceber uma preocupação em colocar o aluno para ler, entretanto ela aponta vários obstáculos que têm minado seu trabalho, a saber: os alunos não falam, ou não participam da aula; falta um de incentivo maior à leitura na escola; a professora fica impaciente para esperar a resposta do aluno; os alunos não têm referências de leitor no seio da família; entre outros. Percebe-se também indícios de possibilidades para o trabalho com leitura em sala de aula: produção de textos a partir da relação entre os conhecimentos prévios dos alunos e o conhecimento escolar; auxílio da professora com comentários que facilitam a compreensão do que foi lido; diálogo entre os pares, por meio de palestras e atividades que envolvam os alunos. 4.1.3 História 26 Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS, atualmente vereador do município de Feira de Santana. 75 O professor... Licenciado em História e com Pós-Graduação latu sensu em História do Brasil, o professor tem 15 anos de atuação no magistério. Na rede municipal trabalha com as séries finais do Ensino Fundamental, na rede estadual trabalha com o Ensino Médio, perfazendo um total de quarenta horas semanais. Devido à escola estadual não ter turmas suficientes para o professor completar a carga horária semanal com a disciplina História, ele a complementa com outras disciplinas – Geografia, Filosofia e Sociologia. Paralelo a docência o professor já atuou como diretor da escola municipal. Reside na zona urbana e trabalha na zona rural. Definição de leitura Na fala do professor de História a relação leitura e escrita se apresenta como conseqüência uma da outra, sendo possível perceber uma ênfase muito grande à escrita. Para ele a escrita comunica o pensamento, assim, a leitura é uma relação dialética de apreensão entre o imaterial/pensamento e o material/escrita: [...] a leitura não é uma coisa morta, não é uma coisa estanque. Leitura é o que? É a materialização daquilo que a gente pensa, daquilo que a gente fala, daquilo que a gente vai imaterialmente construindo. (P – História) A leitura comunica o pensamento e, portanto, é dinâmica, ela perpassa toda a vida do indivíduo: [...] desde os primeiros momentos de... que a gente começa a sentir necessidade de... colocar no papel, de colocar na parede, de colocar no chão, de colocar seja lá onde for, aquilo que a gente tá pensando, aquilo que a gente tá falando, até o último momento da gente, então ela vai perpassar a vida da gente toda.. (P – História) Apesar dessa necessidade de materializar o pensamento por meio da escrita, o professor aponta como negativa a forma como a mesma se impôs na nossa sociedade, desvalorizando, negando a oralidade. Numa relação de poder a escrita termina atendendo a propósitos de diferenciação: E acho que a gente tem cometido uns pecados assim porque a gente tem matado a tradição oral, a nossa cultura ocidental tem feito isso, tem matado a tradição oral e não tem sabido fazer a ponte entre a permanência da oralidade, porque ela se mantém, ela permanece em todas as sociedades, por menos que a gente acredite, por mais que a gente bote assim “vale o que está escrito”, mas o que está sendo dito ele tem uma importância. (P – História) No processo histórico de construção da escrita a oralidade subsiste na sociedade com suas marcas e sua importância, tendo em vista que a linguagem é um fenômeno oral. 76 Entretanto, o professor aponta que a leitura na escola se restringe apenas ao código escrito, silenciando a cultura oral que está muito presente na comunidade. As tradições, as crenças e os costumes são passados de pai para filhos por meio da oralidade e os professores não têm conseguido articular essa cultura com a cultura escrita: [...] a gente acaba definindo leitura apenas como a questão da decodificação. A leitura é a decodificação. E o fora disso? Aquilo que inclusive a gente não consegue decodificar ou não consegue codificar, por exemplo, a gente tá numa comunidade que tem a bata do feijão, não é? É uma tradição que tá a cada dia morrendo. É oral, aquilo que eles fazem hoje, é o que os pais, os avós, os bisavós vêm fazendo há dezenas, centenas de anos e não tá escrito em lugar nenhum não. A não ser que tenham vindo antropólogos, sociólogos pra escrever, mas se escreveram ficou lá na academia não chegou pra eles. E essa tradição se mantém, e aí você vai dizer que isso não presta, você vai dizer que isso é negativo. (P - História) Sendo a escrita um conhecimento escolarizado, a sua valorização em detrimento da oralidade está muito presente na sala de aula. Dessa forma nega-se a cultura oral dos alunos no ensino de História, estabelecendo-se uma distância entre os textos escritos e a cultura oral em que esses alunos estão inseridos. Como conseqüência dessa distância passa a existir uma falta de identificação entre o leitor e o texto, uma falta de identificação do aluno com o que está materializado na escrita. [...] a escrita ela acaba sendo a materialização do imaterial e a identificação que a gente tem com isso que está materializado, porque se não houver identificação, se aquela simbologia pra mim não me disser absolutamente nada, ela nada significa. Por isso a dificuldade da leitura e inclusive na sala de aula. (P – História) O professor afirma que no processo de leitura é preciso que haja identificação entre o leitor e o texto escrito, nesse sentido ele aponta que as dificuldades de leitura que seus alunos apresentam na sala de aula vêm dessa falta de identificação com os textos de História, “[...] porque muitas vezes o que está escrito não diz nada para ele” (P- História). É possível perceber que a leitura é concebida pelo professor como uma prática que extrapola a decodificação da escrita incluindo a leitura do mundo: Essa leitura pode ser essa leitura que a gente tá falando da codificação e a decodificação. A decodificação do que tá codificado, mas pode ser a leitura daquilo que é a observação que ele faz nos laboratórios, no ambiente da própria sala de aula, no ambiente externo. (P – História) 77 A concepção de leitura é ampla, tendo em vista que ocorre em diversos espaços e situações, não restritas ao código escrito, ampliando para a observação que o indivíduo faz em qualquer ambiente em que esteja inserido. Relação escola e leitura Segundo o professor, o processo de leitura e escrita se impõe na escola como uma imposição superior de uma determinada visão de mundo, que impede uma possibilidade de diálogo entre o oral e o escrito. Quando se adentra no mundo escolarizado o que passa a ser importante são os cânones impressos nos livros, nesse sentido o professor afirma que: [...] quando chega na escola você tem que escrever tudo que está no livro, porque o livro que é importante. E a gente não tem sabido fazer a ligação, a ponte como vocês chamam, dessa oralidade pra a escrita. Parece que a oralidade é uma coisa “pe-ca-mi-no-sa” e a escrita é a evolução, então a partir da escrita tudo é positivo, fora da escrita tudo é negativo. (P - História) Essa dicotomia interfere diretamente no processo de leitura dos alunos, consequentemente na aprendizagem dos conteúdos escolares, tendo em vista a falta de identificação com os textos lidos. Para superação dessa problemática, o professor indica a necessidade de o Projeto Político Pedagógico direcionar as ações voltadas para a leitura como uma responsabilidade de toda a escola visando contribuir com o desenvolvimento da competência leitora dos alunos. Essa responsabilidade não se restringe a uma série específica, nem apenas a escola, mas se estende também ao sistema educacional: [...] Ou as escolas [...] colocam no projeto político pedagógico delas a responsabilidade por fomentar nos alunos o domínio da lecto-escrita, ou a gente vai ficar aí colocando os alunos pras séries seguintes, e saem do Ensino Fundamental, do Ensino Médio sem dominar, como a gente tem tido isso aí. Isso tem que fazer parte, independentemente de ser uma atribuição da primeira, da segunda, da terceira ou quarta série. É uma atribuição constante de todas as escolas, e se a gente não coloca isso no projeto político pedagógico, se a gente não assume esse projeto, essa responsabilidade de tá o tempo todo trabalhando [...] a gente vai conseguir um ou outro sucesso aqui. Porque o que a gente percebe é isso, têm avanços, tem. Têm alunos que estavam aqui numa situação catastrófica e hoje tá numa situação sofrível. Pode avançar? Pode. Vai avançar? Vai. Mas são gotículas no oceano, se a gente não fizer um trabalho mais fundamentado, um trabalho mais sério mesmo, se não assumir isso como responsabilidade da unidade escolar, e no nível da unidade escolar, no sistema educacional como um todo. (P História) 78 Para o professor se não houver uma ação coletiva voltada para o processo de ensino e aprendizagem da lecto-escrita, planejada e assumida por todos os envolvidos no processo educacional a problemática dos alunos saírem da escola sem o domínio do código escrito irá se perpetuar, pois as ações isoladas e esporádicas são insuficientes para saná-la. Sem um projeto que direcione o fazer pedagógico, o trabalho do professor vai ser limitado a pequenos avanços. Além do Projeto Político Pedagógico, é indicada como tarefa da escola e do professor a necessidade da criação de mecanismos para que haja significação da escrita para o aluno, com objetivos claros voltados para ele apreender o que a escrita materializou: Porque isso me parece ser o desafio: a gente tentar fazer com que os alunos percebam ou eles descubram, (...) a gente tem que criar mecanismos para que eles percebam que aquilo que está escrito deve obrigatoriamente dizer alguma coisa para eles, se não, não faz sentido, se não a gente vai continuar nisso que a gente tá, a dificuldade dos níveis de apreensão da escrita. Porque muitas vezes o que está escrito não diz nada para ele. (P - História) Percebe-se também ao longo da entrevista com o professor algumas ações que devem ser realizadas pela escola como um todo visando melhorar o desempenho do aluno em relação à leitura: superar o discurso veiculado pela cultura escolar de que a leitura deve ser cobrada apenas pelo professor de Língua Portuguesa; desenvolver um trabalho articulado entre as diversas disciplinas por meio de uma coordenação que os ajude a vencer as resistências individuais; trabalhar a leitura em cada série com as suas especificidades; reduzir a carga de conteúdos para desenvolver um trabalho voltado mais para a leitura. Além dessas ações o professor aponta a necessidade de um trabalho incessante com a leitura, devendo ser cobrada por todas as disciplinas, mas a responsabilidade maior é apontada para o professor de Português por ele ter uma formação específica na área: A leitura tem que ser cobrada, trabalhada incessantemente todos os segundos das aulas, em todas as disciplinas. É evidente que cabe uma responsabilidade muito grande para o professor de Língua Portuguesa, pelo fato dele ter uma qualificação que outros professores não têm, então cabe a ele uma responsabilidade, nesse sentido, maior, mas não é exclusividade dele não. E o desafio do professor de Português como dos outros todos é de estar fazendo esse trabalho inter-relacionado com todas as demais disciplinas. E uma coisa é que o professor de Português cobre..., cobre do aluno muito mais do que o professor de História.”(P – História) O desafio da escola com a leitura, de acordo com o professor, é desenvolver um trabalho interdisciplinar, em que todos os professores tomem para si a responsabilidade de 79 cobrar a leitura do aluno, destacando uma posição diferenciada para o professor de Português devido a sua formação na área. Relação leitura e conteúdo específico No processo de ensino e de aprendizagem a leitura se apresenta como um conhecimento imprescindível para a compreensão dos conteúdos específicos de História. De acordo com o professor, a História é uma das disciplinas que mais trabalha com leitura, todos os recursos utilizados em sala de aula são textos escritos e, portanto, há necessidade do aluno ter um domínio básico dela. A leitura é fonte do conhecimento histórico, sendo um dos procedimentos mais utilizados na disciplina independente da metodologia utilizada em sala de aula: um ensino tradicional ou um ensino atual, dinâmico, crítico: História [...] ela basicamente trabalha com leitura e com escrita. Me parece que colocando-se a parte Língua Portuguesa, das disciplinas todas aquela que tem um maior instrumental de equipamento de trabalho centrados na leitura e na escrita é História. Matemática você pode ir por outros caminhos, mas História basicamente se você não tiver o domínio da leitura fica complicado. Não é que os outros não tenham, tem que ter, mas a História é texto, você tem que ler textos, você tem que interpretar textos, você tem que viajar nos textos. E você só viaja se você se identifica, e você só se identifica com aquilo que você entende, com aquilo que você conhece, com aquilo que você gosta. (P - História) A falta de domínio da leitura dificulta a aprendizagem do conteúdo da disciplina pelo aluno devido a grande necessidade de ler e interpretar os textos: O aluno que não sabe ler em História ele avança pouco, sobretudo História que é uma disciplina que o instrumento dela é a leitura e escrita. [...] para que eu possa entender o menor texto de História e a referência que esse texto tá fazendo a esse ou aquele episódio, a esse ou aquele fenômeno, ou eu tenho domínio ou eu não tenho. (P - História) O conteúdo de História veiculado pelo texto não contribui para o aluno que tem dificuldades com leitura avance. Para o professor o aluno não consegue identificar - se com o que lê. Essa falta de identificação também está atrelada ao gênero do texto considerado como maçante, com uma linguagem difícil, distante do aluno: Um texto de História, aí eu vou falar mais da minha área, um texto de História, eu entendo que [...] dado as características do que tem se tornado História ao longo dos tempos, na sala de aula, um texto de História ele é mais maçante, ele é mais... difícil pra os meninos poderem se identificar.[...] um texto assim, fica complicado pra o aluno se... agradar com a leitura e interagir com aquela própria leitura, ele se identificar com aquela leitura. (P História) 80 Diante do exposto é possível observar uma grande diferença entre o discurso sobre o ensino de História e sobre os meios utilizados para trabalhar o conteúdo na disciplina. O professor expõe a compreensão que tem sobre o texto de História ao longo dos tempos, e a dificuldade enfrentada por ele em trabalhar o conteúdo específico da sua disciplina em decorrência da dificuldade de leitura que os alunos apresentam, como também, da quantidade de textos escritos, os quais apresentam características específicas da linguagem científica, com termos específicos da historiografia que dificulta ao aluno perceber a relação desses textos com a sua vida: [...] trata de coisas que é... são difíceis do aluno perceber quanto aquilo faz parte da vida deles. Se você desenvolve uma metodologia tradicional você vai trabalhar com coisas que já aconteceram e, portanto estão distantes do aluno. Se você trabalha com uma metodologia mais atual, mais dinâmica, mais crítica, mais envolvente, você tem a dificuldade de fazer com que esse aluno se perceba dentro disso. Porque trabalhar com o que é novo não é fácil, trabalhar com aquilo que faz pensar, também não é fácil, sobretudo quando nós, professores, não tivemos essa preparação. (P - História) Observamos assim, a compreensão do professor sobre o ensino de História ao longo dos tempos. A História numa visão tradicional é feita por outros, está à parte da nossa vida, no passado. Numa visão mais dialética, mais atual ela faz parte da nossa vida, estamos inseridos nela no passado, no presente e no futuro, fazemos a História: E a gente, nós enquanto professores, nós temos essa dificuldade, de fazer com que os alunos entendam que a História é feita por eles, por nós, a História não foi feita pelos outros. (P - História) As duas visões presentes no cotidiano da escola colocam o professor num constante impasse no uso da metodologia a ser utilizada em sala de aula para o ensino do conteúdo: a tradicional distancia o conteúdo dos alunos pela falta de envolvimento e domínio dos textos; a crítica distancia pela necessidade de reflexão. Ambas exigem o domínio da leitura, domínio este que os alunos não têm e que o professor devido a sua formação não se vê com preparação para transpor o que ele concebe para a prática pedagógica. Para o professor esse impasse é decorrente da falta de preparação nos cursos de formação inicial: Porque nós professores de História, e posso até dizer assim, inclusive e sobretudo os que estão sendo hoje qualificados nas universidades do mundo afora. Que não pode generalizar, mas nós estamos saindo sem a devida preparação de trabalhar aquela História que a gente ouve, dos grandes... ouve, lê e vê, os grandes teóricos da historiografia estariam falando que a História tem que ser assim, a História tem que ser nós, estamos sendo muito mal qualificados e evidentemente se nós não formos bem qualificados, nós não desempenharemos um papel legal. (P - História) 81 Existe uma grande distância entre “o que os teóricos dizem” e o fazer pedagógico, os cursos de licenciatura estão voltados mais para a formação do historiador, do pesquisador do que para a formação do professor de História: É um curso de licenciatura, mas o que se discute lá, vamos discutir muita teoria de História, que eu acho que é importante, tem que discutir também [...] a gente precisa disso, mas precisa também dos mecanismos todos para fazer com que essa teoria possa... seja possível de chegar ao alunado. [...] se nós temos um curso de licenciatura, evidentemente que a gente não tá ali precisando de especialistas27. O curso não é feito pra preparar especialistas, é feito pra preparar professores que vão sair com o domínio do conteúdo, mas também com o domínio das técnicas, dos métodos que serão necessários pra que aquele conteúdo seja da maneira mais inteligente, agradável e fácil possível ser trabalhado com os alunos. E me parece que falta isso. (P História) No processo de formação inicial percebe-se a falta de associação entre teoria e prática pedagógica. Existe uma ênfase muito grande no conhecimento teórico específico da disciplina em detrimento dos conhecimentos pedagógicos necessários para a efetivação do trabalho em sala de aula. Além da falta de associação entre conhecimento específico da área de formação e conhecimento pedagógico sobre o ensino e a aprendizagem, falta também uma relação mais estreita com a realidade escolar em que esses professores serão inseridos: Porque quando a gente cai aqui, por exemplo, a gente pega alunos que tem que alfabetizar. Como é que a gente vai fazer alfabetização se a gente não aprendeu a alfabetizar. (P - História) O professor em diferentes momentos enfatiza a importância do domínio básico da leitura que os alunos das séries finais do Ensino Fundamental deveriam ter, apontando a sua falta de competências para desenvolver um trabalho com a leitura que atenda as reais necessidades desses alunos: Boa vontade apenas não é suficiente, é um bom pedaço do caminho andado, mas não é suficiente, por exemplo, o que nos falta e falando especificamente de mim, o que me falta são competências pra trabalhar de maneira adequada a leitura com esses meninos [...] (P - História) A falta de competências para o trabalho com a leitura na escola é apontada como uma problemática que permeia a prática dos demais professores que não são da área de Língua Portuguesa devido à formação inicial e a falta de domínio de conhecimentos específicos dessa 27 Por especialista está sendo compreendida a formação voltada unicamente para a pesquisa, que acontece nos cursos de bacharelado. 82 área que possam auxiliar no desenvolvimento das atividades. É importante destacar que nos cursos de Graduação os professores de Língua Portuguesa também não são preparados para alfabetizar, entretanto, os demais professores apresentam dificuldades maiores do que eles para realizar o trabalho com leitura em sala de aula: [...] eu quero voltar a enfatizar a questão da... dificuldade [...]dos professores que não são da área de Língua Portuguesa tem de desenvolver esse trabalho, primeiro pela má formação da gente, no sentido de que nós não temos os instrumentos necessários pra fazer é... as cobranças que devem ser feitas, no que diga respeito ao domínio da Língua Portuguesa ou domínio da leitura ou domínio da escrita. Nós não temos esse instrumental. (P - História) Diante dessa falta de competências e suporte para a realização do trabalho com leitura, o professor indica a necessidade de uma articulação maior entre os departamentos visando uma formação mais ampla do licenciado. Destacamos assim, a importância de um projeto de curso de formação de professores articulado com as diversas áreas do conhecimento. [...] a gente faz uma graduação, a gente tem que não ficar... restrito apenas a... ao curso que gente tá fazendo, o qual a gente tá se qualificando. Pra trabalhar a escrita, por exemplo, pra trabalhar a leitura, por exemplo, ou a gente tem um suporte dos departamentos de educação [...] de pedagogia, letras, ou a gente tem um suporte ou a gente não vai pra lugar nenhum. (P História) Segundo o professor, a formação voltada apenas o domínio do conteúdo específico e teórico de História não tem sido suficiente para uma prática mais efetiva, mais condizente com a realidade concreta da escola. Ele estabelece a relação da leitura com a História, mas também destaca aspectos relacionados à formação do professor para atuar nessa perspectiva. Relação do aluno com a leitura A relação do aluno com a leitura é compreendida pelo professor como uma relação de distanciamento, pelo fato do aluno não dominar os símbolos – significado/significante. Muitos dos alunos não têm o domínio elementar da escrita e conseqüentemente da leitura: [...] têm muita dificuldade, o domínio..., o domínio dos símbolos. Nos significados e nos significantes daqueles símbolos, eles têm uma dificuldade enorme [...] muitos dos alunos de oitava série eles não têm o domínio elementar, o domínio básico da escrita. É a decodificação, eles têm dificuldades disso, é o aluno que... coloca letra maiúscula no meio da palavra. Numa frase, por exemplo, coloca... um nome próprio com letra minúscula. (P - História) 83 O professor aponta que os alunos apresentam dificuldades para decodificar até o que eles escrevem: [...] mas eles têm essa dificuldade. Me atendo mais a questão da leitura, eles têm dificuldades de decodificar aquilo que eles mesmos escrevem. Por quê? Porque aquilo que eles estão escrevendo está acontecendo de maneira mecânica, ele necessariamente [...] não está pensando sobre o que ele está escrevendo. (P5 – História ) É interessante destacar que essa dificuldade do aluno em decodificar aquilo que escreve está atrelada à atividade mecânica da cópia. O estudante consegue copiar, desenhar no caderno a atividade, mas não sabe ler, não existe identificação da representação daqueles códigos para ele. Para o professor, dessa falta de domínio da leitura decorrem os problemas com grafia: “a gente sabe que eles têm problemas muito sérios de grafia” (P - História). O professor aponta que os níveis de apreensão da leitura e escrita são diferentes de aluno para aluno. Nesse sentido, encontra-se na escola uma variação muito grande desses níveis, que é percebida pelos professores no momento em que são cobradas atividades com leitura e escrita e na própria fala desses alunos: Eu percebo a dificuldade com leitura nos momentos da leitura, porque a gente cobra leitura deles, nos momentos em que eles são solicitados a ler, eles se recusam a fazer, é, alguns acabam fazendo e fazem com bastante insegurança, outros fazem..., e a insegurança é levada muito por conta deles mesmos saberem que eles não têm o domínio disso, no momento da fala a gente percebe que aquela fala, ela acontece daquela maneira porque eles não têm o hábito e o domínio da leitura. A gente percebe no momento da escrita deles também. Aquilo que a gente fala, quem não tem o domínio da leitura provavelmente vai ter uma escrita, quase com certeza, vai ter uma escrita muito complicada. (P - História) A falta de hábito de leitura tem sido uma questão muito enfatizada na fala do professor. Os alunos que são recebidos na escola – alunos da zona rural, vindo de regiões onde a oralidade predomina mesmo que a escrita esteja presente e que têm um contato com o código escrito de maneira mais efetiva na escola – não têm esse hábito. Além disso, não gostam de ler, são acanhados e segundo a percepção do professor a leitura em sala de aula para esses alunos é sinônimo de tortura, de drama: [...] os meninos não têm o hábito de leitura, pelo menos os que nós aqui recebemos, eles não têm o hábito de leitura, [...] eles são muito acanhados, eles se escondem pra não ler, muitas vezes porque eles têm noção de que eles não estão lendo bem. E por conta disso, me parece que a leitura vira um drama, vira uma tortura pra eles, [...] boa parte não gosta de ler. (P História) 84 Outro aspecto apontado pelo professor na relação aluno e leitura é a variante lingüística, denominado por ele de vícios de linguagem que os alunos apresentam e que são refletidos na leitura e na escrita: [...] eles têm vícios de linguagem. E esses vícios de linguagem são difíceis de serem corrigidos... tipo problema, aí ele lê [pobrema, probema]. (P História) Os problemas de apreensão da leitura que os alunos apresentam se manifestam de maneira mais evidente na disciplina História cuja base do trabalho em sala de aula tem sido os textos escritos: Seja na disciplina que for, essa dificuldade de leitura, de... absorção da leitura, de apreensão da leitura eles têm. E aí, quando a gente chega numa disciplina como História que trabalha basicamente com textos, a gente percebe que a coisa é terrível. (P - História) Essa falta de hábito, de apreensão, de identificação com a leitura, de gostar de ler, de uma linguagem oral segundo a norma culta e de prazer com a leitura permeia a fala do professor. O processo de ensino e aprendizagem de leitura em História No desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem o professor aponta a necessidade de oferecer um modelo de leitor para o aluno. Ele indica que todo professor enquanto modelo de leitor necessita ter coerência entre o que fala e o que faz: [...] o professor tem que dar o tempo todo exemplo de que lê, gosta de ler, ele tem que tá na medida do possível lendo, fazendo questão de que o aluno perceba ele lendo. Ele tem que ter um linguajar que leve o aluno a refletir que aquele linguajar dele, aquela forma dele falar é resultado dos quilômetros e quilômetros de leitura que ele já tenha feito ou que ele esteja fazendo. Uma outra coisa, ele tem que mostrar não apenas que ele lê, mas que ele gosta de ler, que ler é bom, que ler é prazeroso, que escrever é prazeroso. Na medida em que ele passar uma atividade para os alunos, ele tem que tá fazendo essa atividade também, por exemplo, [...] eu gosto de passar texto para os alunos e aí eu passo ditando, mas passo muito escrevendo, porque eu mesmo estou fazendo, pra mostrar pra eles que aquilo pra mim não é nenhum sacrifício.[...]Você procurar cada vez mais rebuscar o seu linguajar, mas não rebuscar no sentido de dificultar pra eles, e nem de se distinguir, de fazê-lo perceber que é interessante você falar de maneira como se diz aí, de maneira correta, se é que existe maneira correta ou não de falar. (P - História) Na fala do professor percebe-se uma ênfase no modelo da linguagem escrita. O professor não deve se eximir de dar exemplos que contribuam e estimulem os alunos para a 85 realização de atividades com leitura dos textos tratados na disciplina de maneira efetiva e prazerosa. No cotidiano da sala de aula são desenvolvidas atividades rotineiras em que, na maioria das vezes, a leitura é utilizada apenas como procedimento para comunicação ou verificação do conteúdo. Como a disciplina História trabalha basicamente com textos escritos, as atividades privilegiam a cópia e a leitura de textos. Uma das dificuldades apontadas pelo professor tem sido a falta do livro didático na escola, fator que gera outros problemas – gastase muito tempo copiando textos por meio de cópias escritas no quadro ou de ditados: [...] É... a gente gasta muito tempo fazendo isso, eles dizem que a gente perde tempo. Na verdade eu não entendo que a gente perca tempo porque como há uma carência na... no domínio da escrita, eu acho que aquilo é até mais um exercício, apesar de ser maçante, apesar de ser muito enfadonho, a gente fica às vezes, duas ou três aulas, quatro aulas, pegando uma hora aula. Às vezes, a gente fica quatro aulas pra copiar um texto que tenha o que, no máximo duas laudas, porque também eles têm uma dificuldade de escrita. Então isso faz com que o tempo seja absorvido, na maior parte das vezes, pela escrita. Mas eu acho que isso tem dado resultado, é um resultado muito lento. Se a gente for medir a gente percebe que o efeito prático disso tem sido muito pequeno. (P – História) O professor reconhece que os textos escritos no quadro se tornam atividades enfadonhas, por isso “eu vou sempre alternando, eu escrevo no quadro pra eles, outras vezes, eu dito pra eles, até pra, pra criar o hábito de ouvir bem”. O ditado se torna um procedimento não apenas para o registro do conteúdo, mas também para desenvolver habilidades de ouvir. Apesar de perceber as limitações desses procedimentos, não se detecta na fala do professor estratégias que possam estimular os alunos para a realização dessas atividades. O trabalho com leitura se dá por meio dos procedimentos utilizados para a transmissão do conteúdo da disciplina, dando ênfase a cópia e a construção de textos: [...] eu trabalho com os textos, com a construção de textos, primeiro cópia do textos, segundo a própria construção de textos, eles mesmos constroem, [...] eu peço pra que eles façam interpretação de textos, análise de texto. Então na medida em que eles vão fazer análise, eles vão tá construindo textos. [...] outras atividades eu peço que eles leiam na sala, que eles demonstrem e interpretem aquilo que eles mesmos fizeram. Nesse momento é que eu to cobrando leitura deles, como também eu cobro leitura dos textos que eu entrego pra eles. Então a prática da leitura e da escrita elas... elas andam muito parelhas. Sendo que, no meu caso em particular, eu cobro mais a escrita do que a leitura. (P - História) Nas atividades realizadas durante as aulas o professor afirma que cobra a leitura dos alunos “a gente cobra muito a escrita, cobra muito a leitura, e a gente acaba definindo leitura 86 apenas como a questão da decodificação” (P - História). Essa cobrança se restringe aos textos escritos por meio de leitura silenciosa, leitura comentada, e em determinados momentos leitura pelo professor. Em relação às orientações realizadas na aula para ajudar o aluno a compreender o que lê, percebe-se que são orientações relacionadas a aspectos de estrutura do texto escrito, o professor indica que cobra a pontuação do texto e chama a atenção para fazer a leitura buscando entender o que está sendo lido: [...] duas coisas que são insistentemente cobradas por mim. Uma é no quesito domínio leitura, aí eu cobro muito pontuação. A outra orientação que eu dou é de que eles fiquem atentos a aquilo que eles estão lendo, ou seja, não leiam mecanicamente apenas [...] ao mesmo tempo que você tá lendo, você vai fazer esse exercício, é um exercício mental, você vai ler e vai tentar entender o que é que você está lendo. (P - História) Ao ser questionado sobre pistas que poderiam ser dadas antes da leitura de um texto sobre o conteúdo e alguns marcadores que facilitam a compreensão do aluno, o professor afirma que, às vezes, dá algumas orientações: [...] não de maneira sistemática, vez ou outra eu faço, se você me perguntar em que circunstâncias, em que situações eu faço isso, eu vou te dizer com toda certeza, geralmente eu faço isso nos momentos em que a gente tá fazendo uma atividade, assim... que eu peço a eles que façam uma análise de texto, ai eu dou um pequeno texto de... dois ou três ou quatro períodos, não mais que isso, às vezes, até menos. E digo a eles leiam isso, vejam o que é que tá proposto lá em cima, qual é o tema, qual é o título, peguem a idéia principal e vejam se o restante é só a explicitação da idéia principal. Geralmente eu faço isso nesses momentos, agora em outros textos eu também faço, mas de maneira esporádica, não de maneira sistemática. (P História) Durante a leitura de textos o professor indica que as intervenções que faz se limitam a correções de palavras ou expressões e se percebe que o aluno está com dificuldades na hora em que está fazendo uma leitura oral ele procura não deixar esse aluno constrangido, tomando a palavra para discutir o que foi lido e em seguida solicita que outro aluno continue a leitura ou ele próprio a realiza: Quando eu percebo que aquele aluno a quem eu solicitei fazer a leitura, passados assim, um período ou dois períodos ele lê muito lentamente, ele lê com muita dificuldade, ele vai a cada palavra diminuindo o tom de voz dele, eu digo a ele ta bom, vou discutir esse período. Aí eu vou, explico aquele período, imediatamente eu passo a leitura pra outro ou eu mesmo continuo a leitura. (P - História) 87 Durante a leitura silenciosa, o professor aponta que fica observando os alunos, e se perceber que tem algum necessitando de ajuda ele faz alguma intervenção: [...] eu só faço interferência nos momentos que eu vejo que chegou num determinado momento do texto que eu tô vendo que ali não tá saindo nada, não tá adiantando, não tá avançando, porque tem uma ou outra palavra. Ai eu chego ali próximo, mas falo de um jeito que só aquele aluno ou aquela aluna possa ouvir, eu pergunto se tá difícil. Tem uns que dizem que sim, têm outros que dizem que não. Os que dizem sim, eu vou lá e leio. Aí leio pra que a pessoa possa corrigir. Mas também são casos mais, mais raros, não é com muita freqüência que isso acontece não. (P - História) Ao final da leitura o professor procede com atividades avaliativas para que o aluno demonstre o que entendeu. Ele solicita análise de texto, construção de textos, questões escritas e orais. [...] geralmente são atividades de interpretação porque eu quero que eles me mostrem o que é que eles entenderam depois que aquela leitura foi feita. [...] às vezes não são atividades que eles tenham que escrever, eles também vão me responder oralmente [...] eu solicito muito deles, que eles falem, que eles oralmente dêem as respostas, ou digam o que é que eles tão entendendo do texto. (P - História) O trabalho com a oralidade expresso pelo professor está atrelado à devolução do conteúdo, a uma resposta já determinada. Apesar da necessidade apontada pelo professor sobre o modelo de leitor, durante as aulas são poucas as situações em que o professor lê para os alunos: quando o aluno solicita ou quando precisa avançar no conteúdo: Quando eu vou cobrar a leitura que eu percebo que eles estão com muita dificuldade, e que de alguma forma a gente até precisa avançar, aí eu leio o texto em voz alta pra todos eles. (P - História) O professor indica que na sala de aula as atividades de leitura precisam ser prazerosas e desafiantes para melhorar o nível da lecto-escrita dos alunos, entretanto tem encontrado dificuldades para a concretização: [...] colocar os meninos para lerem, colocar os meninos pra escreverem, e mais que isso, fazendo isso de maneira que aquilo possa ser agradável, possa ser prazeroso, por que se não for continua sendo mecânico e ele continua tendo a resistência dele. Esse desafio eu particularmente até agora não consegui, eu não tô conseguindo levar vantagem. Tenho feito isso, mas não tô conseguindo levar vantagem. (P - História) A dificuldade enfrentada pelo professor precisa ser pensada na busca de alternativas que possam contribuir para a aprendizagem dos alunos. É interessante destacar que mesmo tendo consciência de que as atividades de leitura devam ser prazerosas, no discurso do 88 professor, nota-se que essas atividades realizadas nas suas aulas vêm associadas ao termo cobrança, como também, não se nota indícios de superação no trabalho desenvolvido visando suprir as necessidades que o aluno apresenta. Ao longo da apresentação dos dados é possível afirmar que a concepção de leitura apresentada pelo professor aponta grandes possibilidades para a realização de um trabalho mais coerente com as reais necessidades dos alunos. Entretanto, nas ações pedagógicas descritas pelo mesmo, pode-se inferir que ainda falta uma articulação maior entre o discurso e as práticas, um planejamento que se volte para um trabalho que leve em consideração os diversos aspectos da leitura. As pistas encontradas são de fundamental importância para a consolidação de uma prática que leve em consideração as condições de produção da leitura na escola que dissocia leitura de mundo e leitura da palavra. De acordo com o professor, o nível de leitura dos alunos poderá aumentar à medida que houver um projeto articulado entre a unidade escolar e o próprio sistema educacional. Destaca-se a consciência sobre a falta de competências dos professores que não são da área de Língua Portuguesa para realizar um trabalho satisfatório com leitura em sala de aula. Em parte, é possível comungar com a posição do professor de que a formação inicial não tem dado conta de fornecer os elementos que os futuros professores precisam para a realização desse trabalho, devido à lógica fragmentária que permeia o currículo desses cursos. Em parte, porque o presente trabalho fundamenta-se na concepção de que a formação se dá ao longo da vida, em espaços e tempos diferenciados e que no exercício da docência o professor se depara com casos que lhe proporciona uma reflexão, e consequentemente, desencadeia outros espaços de formação. Verifica-se também na fala do professor a necessidade de diversos conhecimentos – disciplina, método, técnicas, alfabetização, para o desenvolvimento do processo de ensino e de aprendizagem da leitura nas diversas disciplinas, ou seja, dos conhecimentos específicos da área que leciona, dos conhecimentos pedagógicos, mas também, de outros que se constituem ao longo do exercício da docência. Outro ponto a ser destacado é a reflexão, percebe-se no discurso do professor uma reflexão sobre alguns elementos constituintes do ato pedagógico que lhe causa inquietação: [...] eu tava pensando nisso hoje na sala quando eu tava copiando algumas coisas pra os meninos, é... dado as características do que tem se tornado História ao longo dos tempos, na sala de aula, um texto de História ele é mais maçante, ele é mais... difícil pra os meninos poderem se identificar. (P – História, grifos meus) 89 A reflexão na ação por si só não promove a mudança, é necessária uma reflexão sobre a reflexão na ação. Percebe-se assim, que o professor tem consciência das limitações da sua prática, identifica pontos que necessitam ser transformados – um texto de História é mais maçante, mais difícil, mas no que se refere ao ensino da leitura não tem conseguido fazer a transposição entre suas concepções e o fazer pedagógico. Não tem conseguido contribuir para que os alunos desenvolvam o gosto pela leitura, especificamente pela leitura em História. 4.1.4 Língua Portuguesa A professora... Licenciada em Letras Vernáculas no ano de 2000 e com Pós-Graduação latu sensu em Língua Portuguesa e Gramática, a professora tem oito anos no exercício da docência. Atualmente possui dois vínculos trabalhistas sendo, 20 horas na rede municipal onde trabalha com as 5ª e 6ª séries do Ensino Fundamental28 lecionando as disciplinas de Português e Redação, e 20 horas na rede estadual onde trabalha com o Ensino Médio lecionando as disciplinas de Literatura e Redação, perfazendo um total de quarenta horas semanais. Reside na zona urbana onde trabalha com o Ensino Médio e trabalha na zona rural com as séries finais do Ensino Fundamental. Definição de leitura A definição de leitura que a professora apresenta está relacionada não apenas a decifração do código escrito, mas a decifração do mundo, tendo em vista que para ela ler é atribuir significados: Leitura é uma palavra que tem um significado tão amplo. Porque não é a leitura de texto, mas como Paulo Freire fala, é a leitura de mundo, justamente a leitura de mundo, acho que ler é você decifrar [...] é atribuir significados [...] atribuir significados é uma coisa muito subjetiva porque depende de quem lê, a leitura da palavra depende da leitura de mundo. Às vezes eu leio e tenho uma compreensão, já você lê e tem uma outra compreensão. Por quê? Porque eu vou entender aquilo de acordo com os meus conhecimentos prévios e você com os seus. Minhas experiências, todas as relações que faço, eu posso atribuir um sentido e você pode atribuir outro sentido. (P – Língua Portuguesa) 28 Correspondendo ao Ensino Fundamental de oito anos. 90 Para a professora é difícil definir leitura devido à amplitude do seu significado. Podese inferir que a leitura enquanto processo de decifração e atribuição de significados é um processo individual e subjetivo que depende das experiências ao longo da vida de cada leitor. Numa visão mais ampla, a professora aponta que tudo que está no mundo pode ser lido, nesse sentido, a leitura não se restringe apenas ao código escrito: A gente precisa de leitura sempre. O tempo todo, como eu te falei antes, tudo pode ser lido. Se você tem uma equação matemática, para você resolver aquela equação, você tem que ler. Você tem que decodificar, você tem que compreender, você tem que interpretar [...](P – Língua Portuguesa) Segundo a professora, a leitura compreende um processo de decodificação, compreensão e interpretação nas diversas esferas do conhecimento, vista como um processo inerente ao indivíduo. Relação escola e leitura A professora acredita que a leitura deve ser trabalhada em todas as séries e em todas as disciplinas, pois no cotidiano da escola todo o trabalho realizado depende de leitura: Tem que trabalhar [a leitura] não só em uma série específica, mas em todas as séries. [...] independente da disciplina, a leitura é necessária e importante. (P – Língua Portuguesa) Entretanto, ela aponta que na escola existe uma visão permeando a prática dos professores das demais disciplinas em atribuir a responsabilidade de leitura apenas para o Professor de Língua Portuguesa: No meu primeiro ano lá em Jaguara, quando a gente fez a avaliação diagnóstica no início, é, foi um consenso geral de todos os professores que aquela avaliação diagnóstica deveria ser corrigida pelos professores de Português, como se apenas os professores de Português soubessem ler.[...] Ali, não eram questões de estrutura da língua. Não precisava aprofundar nada, não tinha nada de sintaxe, de morfologia... Qualquer professor de qualquer série faria. (P – Língua Portuguesa) Para a professora existem questões referentes aos aspectos estruturais da língua que realmente são de responsabilidade do professor de Língua Portuguesa, mas dentro da escola nas atividades com leitura aspectos relacionados à decodificação, a compreensão e a interpretação devem e podem ser trabalhados por todos os professores e em qualquer série: 91 Eu acho que eles [os professores das diversas disciplinas] podem contribuir colocando o aluno para ler. Desenvolvendo atividades que levem o aluno a prática da leitura. (P – Língua Portuguesa) Além das práticas de leitura em sala de aula que possam colocar o aluno numa posição de leitor, a professora aponta que a escola precisa investir em um ambiente alfabetizador, em lugares de leitura: Acho que aquela questão do ambiente alfabetizador. Então, eu acho que toda a escola e não só a sala de aula, toda escola tem que ter esse ambiente alfabetizador. Ter sempre alguma coisa, alguma informação pra o aluno. Achei interessante o mural que [a Coordenadora pedagógica] fez agora. Ela colocou “informe –se” e colocou um texto lá. Ai como eu tenho acesso a revista já pensei levar uma novidade pra colocar lá no mural, pra despertar a atenção dos alunos que tão lá lendo. Então ali, nas paredes mesmo, nos corredores, cartazes... lá na escola tem muitos cartazes. Então eu acho interessante porque o aluno pára pra ler. (P – Língua Portuguesa) A escola tem diversos espaços e lugares destinados para a leitura que precisam ser renovados com informações e notícias interessantes que despertem o interesse do aluno. Nesse sentido, ao se colocar também como responsável para levar portadores de textos, a professora concebe que esse trabalho não pode se restringir apenas a um membro específico da escola, mas a toda comunidade escolar. Outro destaque que a professora dá em relação ao incentivo à leitura na escola é o uso da biblioteca por meio de empréstimo de livros: [...] essa questão de livro, dos livros paradidáticos é uma coisa muito boa. A gente lá, não tem um número muito grande, mas um número que dá para trabalhar com as turmas, então eu vejo isso como uma contribuição muito boa para a leitura. Agora eu acho que a direção poderia fazer para incentivar mais a leitura seria o empréstimo do livro pra levar para casa. Porque eles pegam no livro na escola, o aluno não tem em casa. [...] Hoje não tem uma pessoa na escola para fazer isso, tá faltando [uma pessoa] para assumir a responsabilidade de anotar, fazer a ficha do aluno, anotar quem pegou e quando devolver [...](P – Língua Portuguesa) Para ela, a direção deve criar mecanismos de empréstimos de livros para o aluno levar para casa, tendo em vista que para a maioria dos alunos, o contato com livros se dá quase que exclusivamente na escola. Na fala da professora percebe-se a indicação de um bibliotecário, um profissional indispensável para a criação e manutenção de bibliotecas nas escolas, e conseqüentemente, com o incentivo à leitura. 92 Relação leitura e conteúdo específico Em relação aos conteúdos específicos e ao trabalho com leitura a professora aponta que não é possível fazer uma separação. Os conteúdos gramaticais são trabalhados a partir de textos, os quais também fazem parte do conteúdo da disciplina, exigindo que o professor e/ou aluno façam a leitura: [...] todo conteúdo gramatical que eu trabalho vem pautado no texto. No planejamento eu coloco só os conteúdos gramaticais, agora esses conteúdos gramaticais eu trabalho no texto. [...] no meu planejamento eu não deixo explícito o trabalho com a leitura, mas tudo passa pela leitura. (P – Língua Portuguesa) A professora afirma que apesar de não deixar explicito no planejamento a leitura perpassa todo o trabalho em sala de aula. Ao se fazer a análise do plano de ensino de Língua Portuguesa percebeu-se que a forma como os conteúdos estavam organizados privilegiava apenas os aspectos gramaticais do conteúdo específico dessa disciplina. Entretanto, os procedimentos pedagógicos presentes no plano apontavam para a realização de um trabalho que contemplava a leitura. Durante a entrevista, ao observar seu plano mais detalhadamente a professora redimensiona seu olhar para alguns aspectos presentes que ela não tinha observado: Eu pensei assim, pelo planejamento aqui ela não vai perceber que eu trabalho com leitura na sala. Porque no planejamento isto não está claro. Eu pensei assim. Eu não tinha atentado para isso. (Risos) Pra mim só tinha gramática aqui. Eu peguei essa atividade29 só para te dar um exemplo. Eu não vi no planejamento. Aí, pensei, vou separar essa atividade para ela ver como é que eu trabalho. (P – Língua Portuguesa) Durante a entrevista, na análise do plano de ensino, a professora aponta que apesar da palavra leitura não aparecer, seus objetivos contemplam o trabalho com leitura: Está contemplando, ‘desenvolver a competência de construir textos orais e escrita de acordo com a norma culta’, é uma questão totalmente de leitura; tem pra onde correr? (P – Língua Portuguesa) Para o aluno construir um texto oral ou escrito, a professora trabalha antes com a leitura de texto, por isso a afirmação de que seus objetivos contemplam a leitura, apesar da ausência da palavra leitura no plano de ensino, fator que ela observou durante a entrevista. Por meio do texto a professora trabalha todos os conteúdos gramaticais, ou seja, os aspectos estruturais da língua: 29 Atividade escrita com textos realizada em sala de aula , selecionada pela professora para análise durante a entrevista. 93 [...] todo conteúdo gramatical que eu trabalho vem pautado no texto... aqui, por exemplo, nessa atividade eu trabalhei com três textos, três versões de uma mesma fábula: o texto em prosa, o texto em verso e a gente explora conteúdos gramaticais dentro do texto.(P – Língua Portuguesa) É possível afirmar que o texto se apresenta como pretexto para o trabalho com gramática. Segundo a professora, os alunos se apropriam dos conteúdos gramaticais por meio da leitura, do trabalho com o texto desenvolvido em sala de aula. Para ela os aspectos formais da gramática ou o ensino sistemático da gramática não deve ser o fio condutor do trabalho de Língua Portuguesa nas séries finais do Ensino Fundamental: Tem um tempo já que eu li os PCN, mas eu lembro de uma parte que fala sobre isso, que no Ensino Fundamental a gente não deve trabalhar sistematicamente a gramática de forma explicita, isso deve acontecer no Ensino Médio. Mas no Ensino Fundamental deve-se trabalhar com o texto porque a gramática está no texto. Eu acredito muito nisso, eu acho que cada texto que o aluno lê, ele tá se apropriando dos conhecimentos gramaticais através da leitura. (P – Língua Portuguesa) A leitura se apresenta como um instrumento fundamental para a disciplina de Língua Portuguesa, não apenas por ser um conteúdo específico dessa disciplina, mas por ser imprescindível para a compreensão do leitor em qualquer área do conhecimento. [A leitura] É fundamental, não por que é Língua Portuguesa, mas em qualquer área pra você compreender, você tem que ler. Como é que você vai compreender se você não lê? (P – Língua Portuguesa) Para a professora a leitura é um conhecimento fundamental para todas as áreas, só existe compreensão se houver leitura. A percepção da professora em relação ao trabalho com o texto na sala de aula é marcada pela sua participação em cursos que de certa forma contribui para rever, reforçar ou redimensionar sua prática pedagógica: Eu tomei [...] uma oficina de 3h, mas super interessante, não sei se você conhece Professora Nadja da UEFS. [...] Ela trabalha com Metodologia da Língua Portuguesa a aí ela falou que tem um autor - não lembro do nome, que tem uma teoria que todas as disciplinas devem trabalhar no texto, até mesmo a matemática, deve ser trabalhada com o texto. (P – Língua Portuguesa) Além dos cursos, a professora busca referências na sua experiência como aluna durante seu processo de escolarização para entender determinados comportamentos dos alunos nas suas aulas: Também tem a questão da timidez [...] me lembro no meu tempo de aluna, ninguém ouvia minha voz na sala não. Hoje eu falo. Falo em reuniões, às vezes, eu preciso me policiar pra não tá falando de mais. Mas na sala de 94 aula, até no Ensino Médio eu não falava nada, ninguém ouvia minha voz. Nem o professor conhecia minha voz. [eu queria.] que ele me instigasse. Era o que eu queria. (Risos) (P – Língua Portuguesa) Hoje, ao refletir sobre o seu processo de escolarização a professora busca instigar seus alunos para participarem das aulas, querendo não repetir o erro que seus professores cometeram com ela. Os alunos são diferentes e respondem a estímulos diferentes. Cabe ao professor procurar descobrir quem são os alunos que precisam de ajuda por dificuldade ou por timidez e realizar a intervenção necessária. Relação do aluno com leitura Para a professora as dificuldades com leitura que os alunos apresentam estão relacionadas à atribuição de sentido ao que lê. Eles fazem um tipo de leitura mais restrita: Eles têm muita dificuldade. Meus alunos, eles lêem o texto e eles têm dificuldades de atribuir sentido aquele texto. Não é que eles não saibam ler. [...] eles decodificam, agora eles não conseguem é compreender, então lê, mas não conseguem dizer sobre isso, qual foi o assunto, por exemplo, da leitura. Eles têm essa dificuldade, explicar com as próprias palavras aquilo que leu. Então, eu acho que eles têm mais dificuldades em atribuir sentido. (P – Língua Portuguesa) Os alunos decodificam, mas não compreendem, não fazem inferências sobre o que leram, fazem um tipo de leitura linear. Essa forma de leitura é percebida quando os alunos respondem uma questão escrita: Quando eu coloco alguma questão para eles responderem, escrita, eles querem recortar a resposta do texto. Aí eu percebo que eles têm dificuldade em entender aquilo que estou pedindo. (P – Língua Portuguesa) Parece que a professora realiza questões que levam os alunos a fazerem inferências sobre o texto. Nesse sentido, eles não conseguem responder, pois sempre buscam recortar, copiar respostas literais no texto. Para a professora os alunos podem realmente ter dificuldades, mas também pode ser que eles não querem pensar, refletir sobre o que leram: [...] eu percebo que eles têm dificuldade em entender aquilo que estou pedindo ou então eles não querem, assim, pensar no que leram. Eles querem ver qual é a pergunta e procurar no texto onde é que está a resposta para aquela pergunta e simplesmente copiar. Então a gente percebe que eles não querem refletir sobre o que leram. (P – Língua Portuguesa) É importante destacar que, muitas vezes, o aluno não consegue dar uma resposta satisfatória ao professor devido à presença de palavras desconhecidas para ele no enunciado 95 da questão. Às vezes, o professor não atenta para a necessidade de ler o enunciado, de verificar se está claro para o aluno o que está sendo solicitado visando ajudá-lo a ampliar seu vocabulário dando sentido a essas palavras. Geralmente o professor trabalha com palavras que para ele são óbvias, mas que não fazem parte do vocabulário dos alunos: Eles não sabiam o que era semelhança... “Professora o que é semelhança?” Semelhança é aquilo que é parecido. (risos) Alguns alunos têm vergonha de perguntar e a gente trabalha com determinadas palavras porque a gente pensa que o aluno conhece aquela palavra. (P – Língua Portuguesa) Outro aspecto que se destaca é a resistência dos alunos em relação à leitura de textos grandes, segundo a professora essa resistência está relacionada à dificuldade com leitura que eles apresentam: A textos longos, eles têm [resistência]. Mas, aí a gente percebe que deve ser também pela dificuldade que tem de entender aquilo que leu. Porque se o texto é pequeno fica mais fácil pra refletir sobre ele. Um texto mais longo a reflexão tem que ser mais densa... Há preferência por textos pequenos. [...] Eu prefiro não trabalhar textos longos demais, porque se o objetivo é executar... eu acho que vai chegar esse momento em que eles vão pegar um texto de duas páginas para ler sem reclamar, mas eu acho que isso é um caminho a percorrer. (P – Língua Portuguesa) A professora acredita que o trabalho com a leitura de textos extensos é um processo a ser desenvolvido sem pressa, se os alunos tiverem a oportunidade de ler textos menores, menos densos irão aos poucos criando o hábito de ler independente da extensão do texto. É importante destacar que nem sempre os textos menores são menos densos ou de mais fácil compreensão. A participação oral dos alunos é outro elemento que a professora aponta como fator importante no processo de leitura: Tem turma que a gente precisa controlar porque todo mundo quer falar de vez. Já tem turma que eles ficam inibidos, não sei se é vergonha de falar, a gente precisa estar instigando, apontando o nome, sabe, pra falar. (P – Língua Portuguesa) No cotidiano da sala de aula, após a leitura de um texto, a professora aponta que existem turmas em que os alunos participam ativamente das aulas, em outras eles ficam inibidos, sendo necessário que o professor faça uma mediação mais intensa, mais individual. 96 O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Língua Portuguesa Como já foi citada anteriormente, a participação dos alunos na sala de aula acontece de maneira diferenciada por turma. A professora aponta que em determinadas turmas poucos alunos participam da aula quando lhes são feitos questionamentos, após a leitura. [...] geralmente eu faço assim, eu leio o texto, apresento o texto, faço a leitura, depois eu solicito que eles também façam a leitura, aí eu faço alguns questionamentos relacionados ao texto. E eu percebo que numa turma de quarenta alunos, dois ou três conseguem falar sobre aquilo que acabou de ler. Então, os outros ficam calados. (P – Língua Portuguesa) O trabalho com leitura de textos em sala de aula, geralmente segue alguns passos, a professora lê o texto, comenta sobre o texto, os alunos fazem a leitura e em seguida são feitos questionamentos orais. A professora afirma que sempre lê o texto antes para os alunos: Todas as atividades que envolvem a leitura de um texto eu leio [...] eu leio o texto antes, depois eu sorteio alguns alunos também para fazerem a leitura. O texto em verso a gente ler em coro. Eu leio sozinha pra eles ouvirem depois eu leio junto com eles. [...] muitas vezes, o aluno lê e ele não compreende porque ele não lê com a pontuação. Eu faço a leitura para eles ouvirem, pra eles acompanharem a pausa da vírgula, a pausa do ponto, a interrogação, a exclamação, pra eles entenderem também a pontuação e quando eles forem fazer a leitura já observem essas coisas. [...] a pontuação pode mudar o sentido do texto totalmente [...] [o aluno não compreende] talvez seja por isso também, por não fazer a pontuação. Às vezes, quando eles lêem sem a pontuação, eles não conseguem dizer o que leram, não conseguem compreender o texto. Então quando eu leio para eles, que eu termino de ler o texto. Eles já sabem do que é que o texto tá falando, eles já tem uma idéia do texto, já sabe qual é o assunto que o texto tá tratando, quais são as idéias do texto. Então quando eles vão fazer a leitura eles já vão fazer a leitura sabendo do que é que o texto tá falando. (P – Língua Portuguesa) No desenvolvimento de atividades com leitura, a professora se posiciona como modelo de leitor para o aluno. Ela credita que realizando a leitura para o aluno ouvir está facilitando o processo de compreensão dele sobre o texto. Quando ele for ler o texto estará mais atento a pontuação, entonação, estrutura do texto e ao próprio conteúdo do texto, tendo em vista que a professora antes da leitura faz uma exposição sobre o tipo de texto apontando o assunto a ser abordado por ele. Às vezes, a professora dá o texto para o aluno fazer uma leitura silenciosa primeiro, mas antes da realização dessa leitura ela faz comentários sobre o texto visando facilitar o processo de leitura dos alunos: [...] eu distribuo o texto, eu peço que eles façam uma leitura silenciosa, quando eu vejo que eles terminaram a leitura silenciosa aí eu leio o texto para eles ouvirem. Depois eu peço que alguns alunos leiam também. Geralmente eu apresento o texto antes, não entrego logo assim, apresento o 97 texto, falo a tipologia. Na tipologia falo o que é uma fábula30, explico o que é uma fábula. (P – Língua Portuguesa) Outro aspecto importante no trabalho com leitura realizado pela professora é a construção de textos orais com os alunos. [...] em certos momentos construir textos orais. Eu sempre faço assim, primeiro construo com eles os textos orais pra depois a gente passar para a escrita [...] Eu acho essencial. Primeiro a gente constrói oralmente para depois passar para a escrita. Porque se ele tem dificuldade em compreender, então quando o professor tá ali construindo junto com ele, leva o aluno a compreender aquilo que ele não conseguiu compreender sozinho. Todo texto que eu trabalho com eles a gente tem que construir, eu construo junto com eles textos orais para depois passar para a escrita. Acho que é uma atividade muito boa para ser desenvolvida em qualquer disciplina. (P – Língua Portuguesa) Antes de realizar o trabalho com a escrita a professora trabalha a construção de textos orais, pois acredita que é uma atividade essencial para a compreensão da leitura pelos alunos, principalmente para os que têm dificuldades em compreender o que lêem. Durante a leitura que os alunos realizam a professora não faz intervenções: Durante a leitura eu não gosto de interferir porque eu acho que é a ... de cada um. Eu espero eles terminarem de ler. (P – Língua Portuguesa) Ao término de cada leitura a professora sempre faz interpretação oral questionando os alunos sobre o texto lido. Quando os alunos vão realizar uma atividade escrita, já foi feito um trabalho de compreensão do texto por meio da oralidade: Quando eles terminam de ler, eu leio e depois sempre antes da interpretação escrita eles fazem a interpretação oral. A gente trabalha as idéias do texto oralmente. Interpretação oral, vou questionando o texto pra saber se eles conseguiram compreender o que leram. Então eu vou questionando o texto e eles vão respondendo. ‘O que vocês entenderam?’ Eu não sei se estou indo pelo caminho certo ou não, mas eu começo a questionar o texto, porque eu sei que ele não vai sozinho, o aluno não vai sozinho sabe? Desenvolvendo, colocando aquilo que ele compreendeu do texto. Aí inicialmente eu pergunto também.[...] Eu pergunto ‘você compreendeu o texto? O texto tá falando sobre o que?’ Sempre começo assim. ‘Ah o texto tá falando da raposa’31. E fala o que dá raposa? Eu vou começar a questionar até o aluno conseguir retratar aquilo que ele percebeu no texto. (P – Língua Portuguesa) Segundo a professora esse trabalho de exploração do texto orientado ou instigado por ela contribui para “guiar” o aluno que, na maioria das vezes, não consegue adentrar no texto. 30 A professora está se referindo apenas a fábula, pois era o texto trabalhado na atividade escrita que ela levou para a análise durante a entrevista. 31 Se refere a fábula selecionada na atividade escrita que a professora levou para análise. 98 Destaca-se aqui, que é função do professor fazer a mediação entre o conhecimento do aluno e o conhecimento do texto lido. Ao ser questionada sobre quais aspectos são mais explorados no texto a professora afirma: [...] eu acho que antes de qualquer coisa eles têm que compreender a mensagem do texto, não? Claro que eu comentei com eles, o assunto dos textos... Qual é o assunto dos três textos? Ai eles vão falar o assunto. E o que existe de semelhança nos três textos32. ‘Ah, tá falando a mesma coisa, os personagens são os mesmos’. E o que fala desse personagem? ‘Ah, o personagem principal é a raposa’. E o que tá falando da raposa? E ai eu vou instigando para eles irem me contando aquela história que eles leram. [...] ‘Se você tivesse no lugar da raposa teria desistido ou buscaria alternativas?’ Pra ele pensar em toda a situação e se colocar como personagem da história, como ele teria agido. (P – Língua Portuguesa) Percebe-se que ela explora muito a oralidade ao término das leituras, com uma preocupação mais voltada para mensagem ou conteúdo que o texto aborda. Por meio de questões mais fechadas ela explora os elementos que permitem a reconstrução oral do texto, e com questões abertas ela procura levar os alunos a elaborarem uma posição pessoal sobre o texto lido. A professora aponta que deve existir uma preocupação na seleção dos textos, tendo em vista que de uma série para outra existem fatores que precisam ser considerados pelo professor: Eu acho que o que a gente faz como professores, se a gente tá trabalhando com a 5ª, a gente tem que levar um texto que aquele aluno, naquela idade, com aquela vivência que ele tem, seja capaz de interpretar aquele texto, porque se o aluno está na 5ª série, o leque de conhecimento dele não é tão vasto quanto o de um de 8ª. Então a gente tem que escolher um texto de acordo com a idade e a série do aluno, mas que ele precisa estar decodificando pra compreender, precisa. (P – Língua Portuguesa) Para a professora a seleção dos textos deve levar em consideração a idade, os conhecimentos prévios e a série do aluno. Pode-se inferir que o leque de conhecimentos do aluno de uma série para outra a que a professora se refere são os conhecimentos escolares, mas pode ser também a vivência de cada um. É importante ressaltar que o critério idade não deve se dissociar dos interesses, dos conhecimentos escolares e da vivência desses alunos. Para a professora esses elementos são de suma importância quando atrelados à decodificação que se torna elemento imprescindível para a compreensão de um texto. O trabalho com os textos é guiado por um roteiro de atividades que a professora faz anteriormente ao trabalho em sala de aula: 32 A professora apresenta três versões diferentes da mesma fábula. 99 Isso aqui é o meu roteiro33 (risos). É o assunto, a página do livro, aqui é uma questão que eu acrescentei e aqui os passos que deveria seguir: ler o texto, relacionar substantivos criados e aí vem criar novos pares para as palavras. Você conhece o texto “Marcelo, martelo, marmelo” [...] Foi com esse texto que a gente trabalhou nesse dia, Marcelo acha que os nomes não são adequados para as coisas e aí ele começa criar nomes, eu até mudei aqui eu coloquei que criasse um nome para... ai eu listei, depois eu desisti dessa idéia, deixei que eles mesmos escolhessem os objetos e recriassem os nomes dos objetos. (P – Língua Portuguesa) O roteiro que a professora cita se referia a uma atividade com um texto, cujo objetivo era trabalhar alguns conteúdos gramaticais. Percebe-se esse roteiro não é algo fixo, uma vez que a professora aponta que não seguiu completamente, deixando que os alunos escolhessem as palavras que iriam trabalhar. A professora destaca que para trabalhar os conteúdos gramaticais ela se apóia em uma gramática, que segundo ela apresenta esses conteúdos a partir de textos: [...] ela34 traz a gramática no texto, não trabalha a gramática pela gramática. Olhe, ta vendo? Exercício, texto. Aqui é um texto grande, mas geralmente os textos são pequenos, uma piadinha, uma informação, uma poesia.[...] Bem diverso, uma poesia, trabalha muito com texto lacunado também. Acho interessante essa atividade: deixa a lacuna dos advérbios, deixa as lacunas dos substantivos, para o aluno preencher. Ela não deixa de trabalhar os conteúdos gramaticais, mas sempre com contexto. Agora o que eu acho que falta nessa gramática aqui é trabalhar a interpretação, que ela coloca o texto, trabalha o conteúdo gramatical, mas não trabalha o entendimento do texto. Aí é uma coisa que eu já faço a parte com eles. (P – Língua Portuguesa) A fala da professora aponta para um trabalho que contempla tanto os aspectos estruturais da Língua Portuguesa como para o entendimento do texto. A professora apresenta uma visão de que se o livro didático é insuficiente para dar todos os elementos que devem ser trabalhados com os alunos cabendo ao professor criar situações em que esses elementos sejam oferecidos. Destaca-se também na fala da professora formas de trabalhar a compreensão do texto e de incentivo à leitura: Se bem que existem outras formas de interpretar. A dramatização... às vezes, não trabalho muito não. Eu já trabalhei com a reescrita do texto, trabalho com desenhos, peço para eles desenharem alguma coisa que represente aquilo que eles perceberam no texto. Eu gosto muito de trabalhar com filmes [...] No ano passado eu comecei um trabalho, depois eu desisti por que achei que não estava dando certo. Um dia na semana eu ia com os alunos para a biblioteca e deixava que eles escolhessem aquilo que eles queriam ler. E aí 33 Roteiro escrito de uma atividade desenvolvida em sala de aula que a professora levou para análise durante a entrevista. 34 Refere-se a uma Gramática escolar que a professora levou para a entrevista com o objetivo de mostrar como trabalha o conteúdo gramatical na disciplina. 100 eu levava também jornais, eu levava revistas em quadrinhos, é Placar revista de jogos. E aí eles ficavam na biblioteca só lendo, no início funcionou, foi muito bom, mas quando eles viram que não ia ter cobrança nenhuma, eles começaram a se desinteressar. Aí eu parei porque não estava funcionando. Porque eu sei que a gente deve também incentivar a ler pelo prazer de ler e escolher aquilo que ele gosta de ler, sem cobrar nada, não sei por que não deu certo. (P – Língua Portuguesa) O trabalho com a leitura em sala de aula, apesar de poder ser desenvolvido de diversas formas e em diversos espaços, termina sendo apenas a leitura de textos escritos e discussão do texto por meio de questões orais e escritas. As demais formas encontram obstáculos, pois muitas vezes os alunos estão habituados a uma única forma de trabalho dentro da escola – ler para dar uma resposta ao professor. Nesse caso é imprescindível que o professor faça uma reflexão sobre o por que de não ter dado certo, porque não (re)planejar a atividade ao invés de não realizar mais. Realizar atividades que contemplem a leitura é um objetivo que deve nortear a prática do professor. Para a professora a forma que ela tem de ajudar os alunos a superar suas dificuldades com leitura deve ser colocar os alunos para ler: [...] o que devo fazer para ajudar esses alunos é executar a leitura, porque eu acho que quanto mais você lê, quanto mais você reflete, quanto mais você pensa naquilo, mais facilidade você vai ter de... eu acredito assim, que se eu posso fazer meus alunos a melhorar nesse aspecto é levá-los a ler. Trabalhar bastante a leitura, priorizar. (P – Língua Portuguesa) Em suas palavras pode-se inferir que se aprende a ler lendo, no entanto é responsabilidade do professor levar os alunos a lerem, por meio de situações em que a leitura seja priorizada. Por meio da fala da professora pode-se inferir que sua compreensão de leitura vai além da decodificação, para ela os problemas de leitura que os alunos apresentam estão relacionados à compreensão do que foi lido. Os alunos que apresentam dificuldades de leitura sabem decodificar, mas não conseguem atribuir significados. Nesse sentido, o professor das diversas disciplinas pode ajudar os alunos a desenvolver habilidades de compreensão por meio de intervenções com esse objetivo. Segundo professora a leitura é imprescindível em qualquer disciplina, por isso a necessidade de todo professor trabalhar a leitura em suas aulas, colocando os alunos para ler – ‘se aprende a fazer fazendo’. A direção da escola deve investir em espaços e materiais para incentivar a prática de leitura pelos alunos. 101 O relato da sua prática pedagógica nos dá indícios de que a leitura é sempre explorada, mesmo quando o objetivo é trabalhar conteúdos gramaticais, passando para os alunos exemplos de leitor, que lê e relê o texto, atribuindo diversos significados ao que foi lido. 4.1.5 Matemática A professora... Licenciada em Matemática, a professora tem 12 anos de atuação no magistério na rede municipal de ensino, trabalha com todas as séries finais do Ensino Fundamental, com uma carga horária de quarenta horas semanais na mesma escola. Ministra a disciplina Matemática e também Geometria para complementar sua carga horária. Está fazendo um curso de Teologia e pensa em fazer especialização na área de atuação. Além desse curso, a professora está participando do Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA. Reside na zona urbana e trabalha na zona rural. Definição de leitura Ao definir leitura, a professora fala da sua importância para a Matemática, buscando redimensionar a concepção de que nesta disciplina as pessoas só precisam saber fazer cálculos: [...] geralmente as pessoas acham que o pessoal de Matemática o que mais sabe é fazer cálculos. Só que a gente percebe o seguinte, pra você fazer cálculos você também precisa compreender o que você lê. Então, eu entendo que leitura é a forma que eu tenho de compreender [...] o que eu estou lendo. Se eu trabalho com matemática, uma disciplina que as pessoas só pensam em cálculo, eu preciso compreender o que eu leio. [...] a gente não lê só por ler, decodificar, no caso, eu preciso ter compreensão do que eu leio. Então se eu der uma situação problema pra o meu aluno, ele ainda não consegue identificar o que eu estou pedindo naquele problema ou o que está sendo solicitado, então a gente percebe que esse aluno ele não está letrado, no caso, não sabe ler. Porque ele não consegue identificar o que realmente aquela situação problema está exigindo dele. (P – Matemática) Para a professora a leitura é um processo de compreensão do que está sendo lido. A leitura não é a simples decodificação, mas uma forma de identificar o que o texto solicita, indica ou exige do leitor: [...] no momento que a gente lê e não consegue identificar eu acho que a gente precisa melhorar, isso não seria leitura, seria uma mera decodificação. (P – Matemática) 102 A professora compreende que o processo de ensino da leitura é contínuo e que o leitor (aluno) vai se aprimorando ao longo do seu processo de escolarização: [...] ensinar a criança ler, vai ser assim, um processo que não termina, em todos os estágios que ele estiver, que ele passar, ele vai tá sempre aprimorando isso, [...] eu que estou trabalhando de quinta a oitava série, eu vou estar sempre tendo a oportunidade de estar oferecendo situações em que meu aluno venha aprimorar essa questão da leitura. (P – Matemática) Destaca-se na fala da professora a necessidade de propiciar situações para que o aluno se desenvolva na aprendizagem da leitura de uma série para outra. Relação escola e leitura A dificuldade de leitura dos alunos das séries finais do Ensino Fundamental se apresenta como um grande obstáculo a ser superado. Para a professora esse tema tem trazido grandes inquietações para toda a escola uma vez que, muitos dos seus alunos não conseguem ler: [...] A questão de receber o nosso aluno sem ele saber ler gerava um grande conflito na nossa escola. E a gente ficava se perguntando o que podia fazer. Depois nós encontramos um meio, um caminho que nos deu uma luz: o Projeto de Alfabetização35 onde a gente fazia atividades voltadas para aquela turma, querendo alcançar aqueles alunos que não sabiam ler. E foi assim uma experiência muito boa. (P – Matemática) A inquietação dos professores levou-os à busca de alternativas para o trabalho com leitura dentro da escola. Na fala da professora percebe-se que no cotidiano escolar é possível encontrar possibilidades de superação por meio de um trabalho gestado na coletividade. Nesse sentido, a leitura na escola é destacada pela professora como um processo de responsabilidade de todas as séries, entretanto ela aponta que a responsabilidade maior recai nas séries iniciais do Ensino Fundamental: No meu entendimento, as séries iniciais têm essa responsabilidade de fazer com que o aluno aprenda a ler; oferecer vários instrumentos pra que esse aluno consiga compreender o que ele está lendo. Mas essa responsabilidade não se esgota nas séries iniciais, e não se esgotará por todo o processo que esse aluno vai passar. (P – Matemática) 35 Projeto de Alfabetização elaborado e desenvolvido pela coordenadora e por vários professores da escola, para ser aplicado nas 5ª e 6ª séries, cujo objetivo era desenvolver práticas de leitura e escrita que possibilitassem uma melhoria no processo de leitura dos alunos que apresentavam dificuldades para ler. 103 Para a professora, é tarefa de todas as séries e de todas as disciplinas ensinar o aluno a ler, apesar de que, na maioria das vezes, delega-se a Língua Portuguesa a condição de única disciplina responsável pelo ensino da leitura: [...] é a Língua Portuguesa que a gente quer responsabilizar. O professor de Língua Portuguesa que é como se fosse responsável. E a gente, geralmente, lá na escola fazia isso mesmo. A gente queria responsabilizar sempre o professor de Português, mas depois desse projeto a gente percebeu o seguinte: todos nós temos essa responsabilidade. (P – Matemática) A fala da professora indica um processo de mudança de concepção ocorrida no seio da escola, a partir de uma prática coletiva, em que os professores se percebem co-responsáveis na aprendizagem da leitura do aluno em suas disciplinas. Para a professora, todas as disciplinas precisam se preocupar com a leitura trabalhando a partir das reais necessidades dos alunos: [...] no meu entendimento não é só da Língua Portuguesa, mas de todas as disciplinas, a gente tem que ter essa preocupação de oferecer sempre condições para que o nosso aluno venha fazer leitura pra ele conseguir eliminar essa deficiência que ele vem trazendo lá das séries iniciais. Então é nossa responsabilidade, agora, contudo, a Língua Portuguesa, ela tem que estar sempre lado a lado com a gente. (P – Matemática) O professor de Língua Portuguesa é visto como aquele que pode estar ao lado, fornecendo subsídios, dando respaldo sobre a leitura para os outros professores, devido à formação específica na área: [...] a gente vê que o pessoal da Língua Portuguesa, eles que têm maiores informações até mesmo pra nos ajudar, pra dar um suporte. Então eu vejo que... têm questões também da língua que só quem pode resolver é a Língua Portuguesa. A questão da leitura a gente pode estar explorando dentro da nossa disciplina, trabalhar com situações que explorem isso, [...] mas acho que tem coisas que só a Língua Portuguesa que pode estar fazendo. Então eu diria que é nossa responsabilidade também, das outras disciplinas, mas que a Língua Portuguesa ela está à frente, ela precisa nos oferecer condições pra que a gente possa [...], trabalhar bem melhor na escola, ela teria que estar como linha de frente. [...] não é que ela só é responsável, mas é uma das responsáveis, ela que estaria puxando. (P – Matemática) É possível perceber na fala da professora a indicação do trabalho coletivo, em que os pares possam trabalhar juntos para sanar as deficiências de leitura que os alunos apresentam e que o professor de Língua Portuguesa direcione o caminho a ser trilhado. No trabalho coletivo, a escola precisa oferecer condições, instrumentos e meios que envolvam o aluno no mundo da leitura. Para a professora essas condições têm sido negligenciadas: 104 As escolas, às vezes, não oferecem é... um ambiente alfabetizador. Eu acho que isso, às vezes atrapalha, termina não motivando o aluno. (P – Matemática) Em relação à comunidade em que a escola está inserida, a professora aponta que não existem práticas de incentivo a leitura, o aluno “não tem acesso a algo que motive a questão da leitura”. Nesse sentido, ela afirma que a escola se apresenta como o único espaço para desenvolver a leitura: O único espaço, e às vezes por a gente não está assim bem consciente, dessa realidade, a gente termina oferecendo um espaço pobre pra essas crianças, pra terminar motivando elas à questão de desenvolver o gosto pela leitura. (P – Matemática) Apesar de ser o espaço outorgado para o desenvolvimento da leitura, a escola não tem conseguido realizar um trabalho satisfatório que preencha as lacunas, despertando o gosto pela leitura. Visando à superação dessa situação, a professora destaca que todos os professores precisam trabalhar com a leitura em sala de aula de maneira diversificada, articulando leitura com as atividades das respectivas disciplinas que lecionam: Que a gente possa oferecer a ele oportunidade de fazer outras leituras que não sejam só dentro da disciplina. Despertar esse gosto pela leitura, não só com material relacionado a disciplina A, disciplina B, disciplina C, mas que esse aluno venha poder ter acesso a... a vários instrumentos que levem ele a desenvolver essa questão da leitura. (P – Matemática) Esse trabalho individual realizado na sala de aula, de acordo com a professora necessita ser articulado na escola com objetivos comuns voltados para desenvolver no aluno habilidades e gosto pela leitura: [...] na escola precisa tá todo mundo voltado com o mesmo objetivo, que é fazer com que esses alunos, leiam e leiam cada vez mais [...] não só apenas decodificar. Eu digo por mim, que nós temos as nossas limitações, mas eu acho que com boa vontade a gente consegue chegar lá. Isso se houver unidade do grupo pra gente poder um contribuir com o outro, no elaborar dessas atividades pra despertar esse gosto e levar o nosso aluno a ler e sanar essas dificuldades que ele tem. É uma responsabilidade de todos, não dá pra ser só de um professor, é impossível sozinho, tem que haver uma unidade, aí talvez um projeto, alguma coisa nesse sentido pra fazer isso realmente acontecer. (P – Matemática) A professora indica que o trabalho com a leitura na escola só terá êxito se existir unidade entre os membros da escola, pois existem limitações entre os professores que só em conjunto podem ser superadas. Para tanto, ela aponta a possibilidade de um projeto para nortear as ações voltadas para a leitura. 105 [...] tem que haver uma unidade, desde a direção até os professores e coordenadores pra fazer isso acontecer e buscar colocar isso em prática, buscando os meios com que esse projeto possa acontecer. Se depender da Secretaria de Educação a gente correr atrás, material humano a gente tem, a gente tá precisando saber mais, ser orientado em relação a isso. (P – Matemática) Destaca-se na fala da professora a importância da articulação entre os membros da escola para propiciar os meios favoráveis ao desenvolvimento da leitura do aluno e a necessidade de uma orientação teórica específica sobre a área de leitura. Esses posicionamentos da professora sobre o trabalho coletivo e o compromisso individual de cada professor para o desenvolvimento do trabalho com a leitura respalda-se na experiência vivenciada por ela como o Projeto de Alfabetização, citado anteriormente: E graças a esse projeto, a gente teve casos lá de meninos que não sabiam escrever corretamente, quer dizer, quando eu digo escrever corretamente é não saber escrever mesmo, e não sabiam ler [...] que começaram a se desenvolver bastante mesmo. E graças a esse projeto [...] que foi com interesse de sanar esse problema dos meninos que chegavam à escola com essa deficiência de leitura. Depois desse projeto [...] eu percebi o seguinte: que a gente pode sim ajudar o nosso aluno a eliminar essas dificuldades que ele tem. Agora claro, exige muita dedicação, muito planejamento, muitas horas de esforço, é também o pensar nas atividades, quais as atividades que nós vamos fazer para alcançar o nosso objetivo. Tem todo um trabalho que depende de uma equipe. (P – Matemática) A professora afirma que o trabalho coletivo exige esforço, planejamento e tempo para que os objetivos propostos sejam atingidos. Além disso, ela indica outros aspectos: A gente tem boa vontade, a gente tem material humano, mas eu acho que tá faltando uma decisão, priorizar realmente isso e pra fazer isso acontecer, às vezes, não depende só dos professores, só da coordenação, a gente precisa na verdade de um projeto que faça isso acontecer. (P – Matemática) O trabalho com leitura é complexo, portanto, precisa ser priorizado por toda a escola por meio de um projeto que se concretize. Um projeto que norteie a prática em sala de aula. Nesse sentido, a professora afirma que todo professor pode desenvolver um trabalho com leitura articulada com o conteúdo de qualquer disciplina, por meio de atividades planejadas para esse objetivo: Elaborar suas atividades, não fugindo do conteúdo da sua disciplina, mas sempre levando atividades que ele esteja sempre explorando essa questão da leitura. Eu acho que em qualquer disciplina, desde quando a gente esteja preocupado em explorar a questão da leitura, a gente vai ter sempre atividades que vai poder explorar isso. Eu acho que qualquer professor, pode fazer isso, claro que isso não é assim tão simples. Eu não sei se todos os professores hoje estão interessados em fazer isso porque realmente requer 106 mais... mais tempo, vai precisar de mais interesse do próprio professor em tá procurando elaborar, planejar suas aulas levando em consideração o que ela quer explorar. Claro que isso demanda tempo, questão de boa vontade, mas no meu entendimento a gente pode, pode fazer. (P – Matemática) O trabalho com leitura demanda tempo para um planejamento elaborado a partir das necessidades dos alunos. Nesse sentido, a professora aponta que nem todos os professores estão interessados em se dispor para a realização dessas atividades. Mas ela acredita que é um trabalho possível. Como a formação nas áreas específicas não dá subsídios para o desenvolvimento do trabalho com leitura, os conflitos que surgem na sala de aula podem possibilitar a formação contínua, uma vez que levam os professores a reflexão sobre a prática. Na fala da professora percebe-se a importância do papel do coordenador pedagógico como mediador das discussões que contribuíram para uma consciência maior sobre o trabalho com leitura nas diversas disciplinas: Graças à coordenadora que esteve lá na escola36 e contribuiu muito, foi uma das pessoas assim que nos ajudou muito, contribuiu bastante. Acho que a consciência que nós temos hoje é pelo fato das discussões que nós tivemos. (P – Matemática) Destaca-se na fala da professora espaços de discussões sobre as necessidades específicas da escola. O projeto político pedagógico da escola precisa privilegiar esses momentos de discussão mediados pelo coordenador pedagógico. Relação leitura e conteúdo específico A professora aponta que a dificuldade de leitura que os alunos têm interfere na aprendizagem do conteúdo específico de qualquer disciplina: [...] ele não consegue ler bem, como ele vai conseguir se dá bem nas outras disciplinas, tanto em Matemática, como Geografia, como História, como Ciências. A questão da leitura termina interferindo no conteúdo da nossa disciplina. Eu acho que é uma coisa que é inevitável. [...] se o aluno não sabe ler, termina interferindo em qualquer disciplina. (P – Matemática) Percebe-se na fala da professora, o mesmo peso da leitura para todas as disciplinas, sendo que existem algumas que oferecem menos oportunidades para o aluno ler. Além disso, com base na experiência do Projeto de Alfabetização, ela afirma que é um trabalho muito difícil de ser realizado durante as aulas: 36 Coordenadora da escola no período de junho 2003 a fevereiro de 2005. 107 Não é fácil, quero deixar bem claro aqui, pela experiência que a gente teve lá, que eu sei que foi, assim, uma experiência nova que foi só nossa, é uma coisa, bem pequena, mas que deu pra gente perceber que não é tão simples. Porque tem disciplinas que, às vezes, não oferecem tanta oportunidade, por exemplo, Matemática mesmo, às vezes, até os próprios livros, eles vêm com situações que não oferecem muito a questão de leitura, mas graças que até nisso a gente tem se preocupado em adotar livros que trabalhem com questões mais elaboradas, que desenvolva o raciocínio lógico do menino. (P – Matemática) A ação voltada para um trabalho que contemple a leitura na disciplina é impedida no próprio material didático. Para superar a professora indica que tem a preocupação em adotar livros de Matemática que tragam situações que contribuam com a aprendizagem da leitura e do raciocínio lógico do aluno. O conteúdo da disciplina é trabalhado por meio de problemas com objetivos de fazer com que aluno leia e interprete o que a situação problema está exigindo: A gente trabalha hoje com muitas situações-problema de matemática, porque [...] a gente... quer desenvolver o raciocínio lógico da criança e também a criança precisa ler em todas as disciplinas. Então pra ler ela precisa compreender. No momento que a gente dá uma situação problema, o que é que acontece? Eles não conseguem fazer porque eles não conseguem identificar o que a situação problema tá pedindo. Essa situação problema, geralmente a gente faz envolvendo as quatro operações, que são coisas básicas que o aluno precisa aprender em matemática - dominar pelo menos as quatro operações. Então quando a gente coloca uma situação problema na quinta série, e a gente quer que ele no mínimo identifique qual é a operação que ele vai fazer e identificar quais são os termos daquela operação. Não dizer quais são, mas ele precisa arrumar, [...] ele precisa primeiro identificar a operação, identificar quais são esses termos, no caso da operação, pra ele conseguir desenvolver e dar a sua resposta. (P – Matemática) O exemplo dado pela professora se restringe ao trabalho com a 5ª série, no entanto, a resolução de problemas tem sido, atualmente, o eixo norteador do trabalho com matemática em todas as séries. Segundo a professora, trabalhando com situações-problema busca-se desenvolver o raciocínio lógico dos alunos e a compreensão do que está sendo lido, tendo em vista que o aluno necessita identificar o que a situação está solicitando e quais os caminhos que ele precisa percorrer para chegar ao resultado. Em relação à forma como o conteúdo da disciplina era trabalhado, percebe-se que houve uma mudança depois do trabalho com o Projeto de Alfabetização: [...] na minha disciplina o que era que eu fazia, bom, se eu já trabalhava com situações-problema que exigiam a leitura do aluno, então a gente começou a fazer assim, cada assunto que a gente ia trabalhar em matemática, principalmente na quinta série, a gente não dava apenas uma situação, uma questão que só envolvia o fazer cálculo, a gente colocava uma situação que exigia do aluno a ler e a interpretar. (P – Matemática) 108 As situações problemas trabalhadas na disciplina passam a exigir do aluno interpretação e não apenas o cálculo, colocando o aluno numa posição de leitor nas aulas de Matemática. A professora atribui essa mudança às discussões que ocorreram na escola durante a elaboração e implementação do Projeto: [...] esse Projeto de Alfabetização que nós tínhamos lá na escola e a contribuição de todos os professores da escola [...] que nos levou mesmo, motivou mesmo a mudar a nossa postura, a dar importância. Claro que temos leituras sobre o assunto, mas nada melhor do que a experiência que a gente teve. Que é uma coisa que realmente dá certo. (P – Matemática) Vale destacar que essas discussões foram desencadeadas por um problema do cotidiano escolar que todos os professores vivenciavam: “a gente vivia com um conflito”. O fato de receberem os alunos sem o domínio da leitura gerava reprovações sucessivas, visto que os alunos não apresentavam rendimento satisfatório em relação à aprendizagem dos conteúdos específicos das disciplinas. Para trabalhar o conteúdo de Matemática a professora tem buscado estabelecer relações com a leitura de textos: [...] eu tava trabalhando na quinta série agora no início da unidade a questão de como os homens começaram a contar. [...] eu achei um texto muito curioso, de um corvo, que os animais eles não tem idéia de quantidade, mas eles percebem em pouca quantidade [...] no dia que eu contei isso pra os meninos, os meninos ficaram assim encantados e aí eles assistiram a aula inspirados pelo que eles tinham ouvido e tal... Então a gente percebe que essa questão da leitura, o fato da gente tá colocando isso em prática é bom, porque primeiro você leva curiosidade para sala de aula, a gente está dando assim a importância que a leitura tem pra o aluno. E aquilo termina motivando a sala de aula, então eu acho que se a gente tiver sempre preocupado em tá colocando isso em prática vai despertar no aluno o interesse pela leitura e eles também vão querer ler. (P – Matemática) A professora aponta que o trabalho com textos que estimulam a curiosidade dos alunos tem motivado-os na aprendizagem dos conteúdos específicos, como também, pode despertar o gosto pela leitura. Trabalhar a leitura nas diversas disciplinas tem sido um desafio, mas de acordo com a professora é um trabalho possível, desde que algumas condições sejam contempladas: [...] a gente tem as sinalizações, [...] a gente tem o material humano, mas acho que tá dependendo de algo, fazer com que isso realmente se torne uma realidade, porque a gente tem se esforçado, pra nossa realidade já é alguma coisa, mas nós não estamos satisfeitos, a gente quer que isso realmente aconteça e a gente quer mais, a gente quer também conhecer mais todo esse processo de como colocar isso em prática, sabendo qual é a nossa realidade, 109 qual é o tipo de aluno que a gente recebe.[...] eu mesmo posso colocar o seguinte: tem hora que eu me sinto assim, impotente. O que é que eu posso fazer? Como fazer? (P – Matemática) A inquietação da professora aponta para a necessidade de articulação entre referenciais teóricos sobre leitura, conteúdo específico e uma ação voltada para atender as necessidades dos alunos. Relação do aluno com a leitura A relação dos alunos com a leitura é apresentada pela professora como uma relação conflituosa. Os alunos decodificam, mas não compreendem o que lêem: A nossa realidade [...] o aluno chega à escola, na quinta série e não sabe interpretar o que ele lê, então a gente percebe que eles têm essa dificuldade de compreender o que eles lêem [...] eles lêem, fazem até a leitura, a leitura normal,37 mas na hora deles entenderem o que é que a gente tá pedindo ali naquele momento, ‘fale com suas palavras o que você entendeu’, eles têm essa dificuldade. É questão de compreensão mesmo, a gente sente que eles têm essa dificuldade. (P – Matemática) Os alunos não conseguem expressar opiniões, ou responderem alguma atividade sobre o que o que leram. Segundo a professora, a leitura é feita como uma atividade mecânica, obrigatória: [...] parece que eles fazem tudo mecanicamente, no meu entendimento, então eles lêem, fazem as atividades como se fosse uma obrigação, mas não são coisas assim prazerosas, eles não descobrem assim que eles têm capacidade de tomar posse daquilo, colocar aquilo em prática. (P – Matemática) A leitura se torna uma atividade exterior ao aluno, pois ele não consegue estabelecer relações entre o que lê e o cotidiano escolar. Percebe-se na fala da professora que existe uma baixa auto-estima dos alunos, pois eles não se sentem capazes de colocar em prática a leitura. Para a professora a dificuldade de leitura que os alunos apresentam não é um problema só da escola, está associada também à realidade em que eles estão inseridos, ao contexto familiar de baixa escolaridade: Eu percebo também que não é um fato só, uma coisa isolada, talvez pela questão sócio-cultural da região, a questão dos pais não saberem ler, não tem como incentivar eles em casa a ler. Aquela questão da importância dos objetos que está a sua volta, que termina sendo um motivo para que o aluno sinta que ler é importante, que saber identificar letras é importante, saber que a letra ela tem uma função, a partir da letra eu tenho palavras, a partir de 37 Por leitura normal, a professora está se referindo ao aluno que decodifica um texto, mas não consegue dar significado ao que lê, apenas recita o texto. 110 palavras eu tenho frases. Então o aluno quando chega na escola, [...] [a leitura] é uma coisa isolada da vivência dele, por conta dos pais não terem um determinado conhecimento.[...] Eles querem muito que os filhos vão pra escola, mas eles mesmos em casa, eles não motivam esses alunos a ler. (P – Matemática) Segundo a professora o aluno não percebe qual a função da leitura para a sua vivência, tendo em vista a escassez de materiais escritos que circulam na comunidade em que estão inseridos, como também a falta de incentivo para leitura na família. Destaca-se na fala da professora que a condição sócio-cultural dos alunos tem influenciado de maneira determinante para justificar as dificuldades de leitura que os alunos apresentam: [...] é justamente por essas questões sócio-cultural mesmo que eles estão inseridos, eles chegam na escola, fazem as suas atividades na escola, mas chegam em casa e não colocam em prática, estudam por estudar, mas é só aquilo ali. (P – Matemática) A leitura se apresenta como uma prática que acontece exclusivamente na escola devido a origem social dos alunos: [...] eles não têm acesso a algo que motive a questão da leitura. [...] eles não têm muito acesso a leitura, pela questão sócio-cultural que eles têm, pela origem que eles têm de vida dos pais, pela realidade. Então quem tem que fazer isso é a escola, é nossa responsabilidade. (P – Matemática) Apesar da percepção de deficiência que o aluno apresenta, a professora aponta que a escola deve suprir as suas necessidades de leitura, assumindo a responsabilidade de dar acesso aos alunos a diversos portadores de textos que os motive para a leitura. O processo de ensino e aprendizagem de leitura em Matemática Ao falar sobre o cotidiano da sala de aula, a professora indica existir um paradoxo que tem permeando a prática pedagógica: muitas vezes o professor sabe o que deve ser feito na sala de aula, mas termina não fazendo: A gente sabe o que deve ser feito e termina não fazendo. A gente deve sempre tá levando algo novo também para o nosso aluno, para despertar o gosto pela leitura. Uma curiosidade, mesmo que não seja daquele assunto, mas algo que está relacionado com aquele assunto, a gente pode levar pra o aluno um texto diferente. Antes de começar até mesmo a sua aula, pra gente despertar o gosto pela leitura, a gente tem que fazer algo, tem que ser o exemplo, levar sempre alguma coisa nova pra o nosso aluno ler. Pra gente não associar a leitura [...] só com conteúdos, com disciplinas, mas que a leitura é algo que pode estar na nossa vivência, o tempo todo. (P – Matemática) 111 Sobre o que deve ser feito na sala de aula para despertar no aluno o gosto pela leitura, observamos na fala da professora algumas ações como: levar sempre alguma coisa nova para o aluno ler, um texto diferente, uma curiosidade, demonstrar que lê e que gosta de ler, de forma que o aluno perceba que a leitura não está associada apenas aos conteúdos específicos, é algo que está presente na sua vida. É possível perceber ao longo da entrevista que a professora tem se esforçado para que essas ações não fiquem apenas no plano do querer fazer. Na sua prática, descrita na entrevista, percebe-se algumas ações voltadas para desenvolver a aprendizagem da leitura dos seus alunos visando ajudá-los a compreender o que lêem: [...] tem que ler uma vez, duas vezes com eles, três vezes para eles conseguirem compreender o que é que estão lendo. (P – Matemática) Além de ler com o aluno a professora desenvolve atividades que contemplam leitura silenciosa, leitura oral em grupo ou individual: Em alguns momentos eu peço pra eles fazerem uma leitura silenciosa daquele... das situações-problema, às vezes, eu peço pra fazer por grupos, ou então individualmente, a depender do dia, mas estou sempre explorando, ou uma leitura silenciosa ou uma leitura oral por grupos ou individualmente. (P – Matemática) As questões elaboradas pela professora por meio de situações-problema têm por objetivo verificar a aprendizagem do conteúdo trabalhado, como também, explorar a leitura: [...] depois do assunto que já foi explicado, vem a parte de verificação dessa aprendizagem, eu levo questões já datilografadas ou eu coloco no quadro pra que eles venham solucionar essas questões. Lembrando sempre o seguinte, como a gente vem dando uma importância a questão de explorar essa leitura, eu planejo minhas atividades, envolvendo raciocínio lógico, situaçõesproblema, onde o meu aluno ele vai ler, e a partir dali vai entender, compreender o que é que tá lendo, pra depois ele me dar algumas, pra me dar suas respostas. Responder aquela situação-problema sempre levando em consideração à leitura. (P – Matemática) Geralmente a leitura se dá após a explicação do assunto, por meio de questões que o aluno deverá ler e demonstrar compreensão tanto do que está lendo como do conteúdo trabalhado. Parece que são questões que apresentam caminhos diferentes e talvez respostas diferentes, pois as atividades buscam desenvolver o raciocínio lógico e a professora espera que os alunos dêem algumas respostas, dêem suas respostas. 112 Antes da leitura a professora distribui essas questões datilografadas ou escreve no quadro e solicita que os alunos façam a leitura. Ela indica que dá pistas para que o aluno encontre a solução do problema, buscando estabelecer relações: A gente termina sempre achando um meio de tá sempre buscando fazer relações. Na verdade, fazendo essas relações a gente termina fazendo com que o aluno vá encontrar a solução daquele problema. Acho que Matemática dá pra gente fazer isso e fazer bem [...] a gente vê que isso ajuda ele. A gente não dá a resposta da situação, mas leva ele a encontrar um caminho pra encontrar aquela solução. Dá algumas pistas que não diz o que é, mas induz o aluno a correr atrás, a encontrar aquela solução. (P – Matemática) Percebe-se que a professora procura estabelecer relações levando o aluno a encontrar a solução das questões, a buscar um caminho por meio da indução para alcançar a resposta esperada da situação-problema. Durante a leitura a professora afirma que geralmente espera que os alunos terminem de ler: Quando eles estão fazendo a leitura, eu geralmente gosto que eles terminem de ler. Depois, como é Matemática, e eles têm algumas dificuldades de acompanhar mesmo a situação-problema, a gente volta, começa lendo ai... tem um parágrafo, “vocês entenderam o que tá pedindo aqui nesse primeiro parágrafo”. Às vezes, eu faço essas intervenções, porque na minha realidade mediana, eu tenho alunos que tem deficiência em leitura, mas é assim, eles têm dificuldade de compreender o que tá lendo, mas já são alunos que já conseguem ler. Então eu não faço intervenções pra ajudar o aluno ler, eu faço intervenções no caso pra ajudar ele compreender o que ele esta lendo. (P – Matemática) Quando os alunos terminam de ler a professora relê a atividade por parágrafo, fazendo questionamentos para que eles possam compreender o que a questão está pedindo. Ao final dessa leitura a professora ajuda o aluno que tem dificuldades, lendo a questão com ele para que haja compreensão do que está sendo solicitado: [...] tem casos de grupos, ou até mesmo de alunos que a gente precisa fazer algumas interferências. Ajudar mesmo ele na questão da compreensão mais do problema [...] porque se ele não consegue compreender, ele não tem como dar solução, encontrar solução daquela situação. Então o que é que a gente tem que fazer: a gente vai lá. Vou ler com ele de novo “leia aqui, vamos ler aqui o primeiro parágrafo, leia aqui o segundo, o que está pedindo?”. Quer dizer, fazendo essas interferências pra ajudar ele a encontrar um meio de resolver aquela situação-problema. (P – Matemática) A professora indica ainda que na sala de aula: [...] às vezes, por questões até mesmo do horário e tal, a gente termina até fazendo algumas interferências que a gente não deveria. Quer dizer, para 113 alguns grupos, porque para uns não, eles conseguem fazer as suas atividades a gente vai ali apenas tirar dúvidas. (P – Matemática) Existe uma preocupação em atender as necessidades dos alunos, lendo para ajudar os que não estão compreendendo, tirando dúvidas, induzindo na busca da solução. Entretanto o tempo é muito limitado, o horário como as aulas são distribuídas não levam em consideração o tempo, o ritmo individual do aluno. De maneira geral percebe-se na fala da professora um querer fazer, uma necessidade de ver o retorno do seu trabalho por meio da aprendizagem dos alunos. A leitura é vista como um instrumento imprescindível para o bom desenvolvimento de suas aulas, para tanto ela busca ajudar os alunos que não compreendem o que lêem. Outro dado importante na fala da professora é a importância do trabalho coletivo, em que todos os membros da escola se responsabilizem pelo desenvolvimento do processo de leitura. Merece destaque a visão determinista da relação leitura e condição sócio-cultural dos alunos, para a professora as dificuldades que os alunos apresentam estão diretamente relacionadas a essa condição. A vivência com o Projeto de Alfabetização lhe possibilitou o repensar da sua prática pedagógica, indicando-lhe caminhos, busca de novos referenciais para o trabalho em sala de aula, e uma convicção de que a mudança é possível por meio do grupo. O próximo capítulo busca estabelecer o diálogo entre os dados descritos ao longo deste capítulo e a literatura educacional sobre leitura e formação de professores, discutindo aspectos que podem fornecer subsídios para a discussão na área de educação. 114 5. UM DIÁLOGO NECESSÁRIO: A LEITURA NA ESCOLA NA PERSPECTIVA DOS PARTICIPANTES E DA LITERATURA EDUCACIONAL (...) as palavras começam a dizer coisas que nunca ousei pensar nem sonhar, pássaros desconhecidos pousando no meu pomar. (Thiago de Mello) Na sociedade atual, denominada por muitos como a sociedade da informação e do conhecimento, marcada pelos grandes avanços tecnológicos, pela quebra de paradigmas, pelas formas desiguais de distribuição e de acesso ao saber, pelas grandes catástrofes ambientais provocadas pela ação do homem, pela má distribuição de renda, pelos problemas psicossomáticos, entre outras, é inegável que a função social da escola tenha mudado. A escola enquanto instituição social reflete a sociedade, e conseqüentemente, as interações que acontecem em sala de aula não são as mesmas de três ou quatro décadas atrás. Hoje, a função social da escola está atrelada a questões mais amplas que a simples transmissão de conhecimentos fragmentados. A escola não deve ser uma instituição alheia aos problemas sociais da comunidade em que está inserida. Dentro de seus muros, diversas questões emergem como reflexo social, cabendo à escola como um todo buscar alternativas de solução. A leitura enquanto prática social tem se constituído em uma dessas questões que precisam ser pensadas no coletivo. No cotidiano, somos expostos a uma multiplicidade de textos que na sua maioria direcionam nossas ações. Dominar o código escrito na sociedade atual significa estar incluído em uma rede de relações que pressupõe melhor qualidade de vida38 e exercício de cidadania. É “consenso que a cidadania plena exige prática de leitura constante e abrangente, que se manifesta na vida política, nas relações de trabalho, na vida familiar e no lazer”. (LAJOLO, 2000, p.88). O aluno que apresenta dificuldades com a leitura do código escrito, que não consegue fazer inferências em um texto, está automaticamente à margem da sociedade letrada. Atrelado à exclusão, é possível verificar que dentro da escola a falta de compreensão leitora também provoca a reprovação sucessiva e a baixa auto-estima. Além desses aspectos, conforme expressa a professora de Ciências, a dificuldade de leitura gera no aluno o 38 Por melhor qualidade de vida estou me referindo a algumas vantagens que o acesso ao código escrito proporciona ao indivíduo: maior autonomia em relação à locomoção, acesso a informações sem intermédio de terceiros etc. 115 desinteresse, a impaciência, a vontade de não ficar na sala de aula, a falta de compreensão do conteúdo trabalhado, consequentemente, o professor experimenta a frustração frente à ausência da resposta esperada pelo trabalho realizado. Dadas todas estas características, esse aluno representa um desafio para o desenvolvimento do trabalho dos professores das diversas disciplinas, os quais, segundo o que foi evidenciado nas entrevistas, se sentem impotentes para realizar um trabalho mais efetivo devido às lacunas existentes na sua formação. Discutindo os desafios do trabalho com leitura na escola Soares (2002) afirma que: é uma questão que tem sido difícil, porque os professores de outras áreas que não Português não têm recebido formação na área de leitura, isso seria necessário, introduzir na formação desses professores alguma disciplina, enfim, alguma formação na área de leitura e produção de texto para que eles pudessem trabalhar com isso. (SOARES, 2002, não paginado.) A leitura se apresenta como um conhecimento imprescindível para o desenvolvimento do aluno nas disciplinas que compõem o currículo das séries finais do Ensino Fundamental, como meio de aprendizagem do conteúdo específico, e consequentemente, como a possibilidade de interação entre conhecimento científico e realidade, no entanto, as ações em sala de aula têm sido insuficientes para o desenvolvimento contínuo do processo de leitura do aluno. Neste sentido, é necessário que todo professor tome para si a tarefa de formar o leitor competente e autônomo. Se ler é atribuir sentido, nas palavras de Souza e Guedes (2006), o professor de cada área especifica estará mais habilitado a construir com os alunos o contexto mais adequado para o entendimento de determinadas palavras e expressões que aparecem nas disciplinas e que tem significados diferentes, explorando o texto e os seus possíveis sentidos. A análise a seguir, se baseia apenas nas entrevistas, ou seja, nos discursos dos professores participantes, sobre as concepções de leitura que permeiam a prática pedagógica do professor das diferentes disciplinas nas séries finais do Ensino Fundamental. Indica também, que a leitura apesar de ser apontada por esses professores como um conteúdo que deve ser trabalhado em todas as séries e por todas as disciplinas, não se constitui em um conteúdo no cotidiano das disciplinas que compõem o currículo da escola de 5ª a 8ª série, aparece sim como um meio que, na maioria das vezes, não é planejado. No discurso, os professores apresentam proposições, apontam o que pode ser feito e o que querem fazer, mas no relato das práticas parecem existir incoerências. 116 Essas incoerências podem estar atreladas à influência da literatura teórica que chegam aos professores por meio de documentos oficiais, da mídia, da participação em cursos de formação contínua, etc.; à dificuldade de fazer a transposição do conhecimento teórico para o cotidiano da sala de aula; e a ciência sobre os objetivos desta pesquisa – todo discurso tem uma intencionalidade; entre outros elementos. Destaca-se que a análise está subdividida em cinco dimensões, seguindo a mesma ordem do capítulo anterior, a saber: definição de leitura, relação escola e leitura, relação leitura e conteúdo específico, relação do aluno com a leitura e o processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas. Para finalizar o capítulo, serão apresentadas algumas considerações sobre leitura e formação de professores. Essa organização tem o intuito de melhor sistematização, entretanto, é importante ressaltar, que as dimensões são interdependentes e trazem no seu interior elementos (leitura, aluno, professor, escola, processo de ensino e aprendizagem) imbricados num processo dialético de permanente diálogo entre elas. 5.1. Definição de leitura Nesta dimensão é possível perceber no discurso dos professores entrevistados, uma definição ampla de leitura ao apontarem as diversas linguagens que constituem o universo do sujeito; contínua abarcando todas as séries e níveis de ensino e dinâmica por extrapolar a simples decodificação ou decifração incluindo elementos como produção de significados, de sentido, leitura de mundo, posicionamento do leitor, etc. Para a professora de Geografia, a leitura é uma fonte de informação que leva ao conhecimento e que propicia a interação com o mundo. Para os professores, ler é atribuir significado, é a forma de ver o mundo, de interpretar, de compreender, de conhecer. Nessa perspectiva, todos se aproximam do que Foucambert propõe como leitura: Ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa poder ter acesso a essa escrita, significa construir uma resposta que integra parte das novas informações ao que já se é [...] o ato de ler em qualquer caso, é o meio de interrogar a escrita e não tolera a amputação de nenhum de seus aspectos. (FOUCAMBERT, 1994, p.5) A definição de leitura enfatizada por Foucambert refere-se exclusivamente a leitura do texto escrito, no entanto os professores deixam indícios em suas falas que tudo o que está no 117 mundo pode ser lido, transitando entre a leitura do código escrito e das diversas linguagens que constituem o universo da leitura na sociedade contemporânea. As professoras de Ciências e de Língua Portuguesa citam Paulo Freire e sua concepção do ato de ler, assim, definem a leitura como uma forma de ver o mundo, de entender a realidade; a leitura da palavra dependendo da leitura de mundo, das experiências vivenciadas por cada pessoa para atribuir sentidos ao que lê. Comungando com Freire (2006), elas entendem a leitura como [...] uma compreensão crítica do ato de ler, que não se esgota na decodificação pura da palavra escrita ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. (FREIRE, 2006, p. 11) Em relação à leitura do código escrito as professoras de Geografia e Matemática apontam que ler é saber interpretar, compreender o que está sendo lido. O professor de História ao definir a leitura busca elementos no processo histórico de construção da escrita para explicar sua compreensão, afirmando que a escrita é a materialização do pensamento e a leitura é a decodificação desse pensamento. No entanto, sua compreensão não se restringe apenas a decodificação da escrita, extrapola para a decodificação que se faz nos diversos ambientes internos e externos à escola. Para esse professor, a leitura na escola não tem levado em consideração a cultura local do aluno, especificamente a cultura oral, silenciando-a por meio de práticas impositivas. Segundo o professor, a escola tenta matar a tradição oral, quando deveria fazer a ponte entre a oralidade e a escrita. Referindo-se ao contexto em que seus alunos estão inseridos, ele aponta algumas tradições culturais que tem como meio de comunicação a oralidade, que não são valorizadas pela escola a exemplo da “Bata do feijão” 39, indicando assim uma oposição entre cultura oral dos alunos e cultura escrita escolar que não deveria existir. Nesse sentido, suas posições estão de acordo com o trabalho de Frago (1993) ao afirmar que a sociedade alfabetizada: [...] ignora e desvaloriza – como não sendo cultos – os modos de expressão e pensamento das culturas orais. Uma sociedade que parte do suposto – errôneo e pernicioso suposto – de que a alfabetização e a cultura escrita podem organizar-se – construir-se, viver a margem da linguagem e cultura orais ou assentar-se sobre o olvido e a depreciação de ambos. (FRAGO, 1993, p.20) 39 Tradição oral que tem sido repassada de pai para filho no período da colheita do feijão. 118 Para o autor, a prática usual da escola, ao exigir que o aluno fale como o livro, tem convertido a fala em silêncio. No entanto: [...] a linguagem é um fenômeno oral, porque o homem é um ser que fala – que pensa com a fala e que fala como e quando pensa –, porque só uma mínima parte das línguas faladas possuíram ou possuem textos escritos, porque a quase totalidade dos textos literários - desde a Ilíada e a Odisséia até, ao menos, o Renascimento – foram elaborados a partir da oralidade e recriados, transmitidos e recebidos por via oral e porque em todo texto escrito – mesmo naqueles lidos de modo silencioso ou mental – ressoa o eco do oral [...] (FRAGO, 1993, p. 21) De maneira geral, percebe-se nas definições de leitura, expostas nos dados, diversas práticas de leitura. Essas definições convergem para os estudos de Chartier (1999) sobre as “práticas de leitura”. Para este autor, a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados, assim, toda leitura supõe, em seu princípio, a liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Sendo que esta liberdade não é absoluta, é cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. Com base em Silva, aqui é importante destacar que: Todo ser humano normal possui um potencial biopsíquico para atribuir significados as coisas e aos diferentes códigos (verbais e não verbais) que servem para expressar ou simbolizar o mundo. Esse potencial é desenvolvido no seio do grupo social através de práticas coletivas específicas e dentro de condições concretas que estabelecem a sua potencialidade.[...] A leitura é, fundamentalmente, uma prática social. Enquanto tal, não pode prescindir de situações vividas socialmente, no contexto da família, da escola, do trabalho, etc...Todos os seres humanos podem se transformar em leitores da palavra e dos códigos que expressam a cultura[...] (SILVA, 1993, p. 47 – grifo do autor) Nessa perspectiva, pode-se afirmar que todo aluno pode aprender a ler, a atribuir significados, cabendo à escola criar situações concretas de leitura – rodízios de leitura para que o aluno possa manusear os diversos portadores de textos em sala de aula; empréstimos de livros disponíveis a biblioteca; criação de um ambiente alfabetizador na escola por meio de murais, cartazes, etc., leitura oral pelo professor de textos diversos em sala de aula; – saindo da superficialidade e assumindo uma posição mais próxima da realidade dos alunos, em que os motivos para ler sejam verdadeiramente compartilhados. 119 6.2. Relação escola e leitura A escola é uma instituição com objetivos definidos de contribuir com a formação do indivíduo, envolvendo os aspectos cognitivos, afetivos, culturais etc. É um espaço cheio de tensões e contradições, em que se exige uma atitude de colaboração entre todos os seus membros (direção, coordenação, professores, alunos, pais, funcionários). Mas, ao mesmo tempo, percebe-se uma hierarquia que define e determina os lugares de cada um, numa relação de poder. A comunidade escolar precisa definir metas e objetivos que sejam compartilhados por todos, visando à formação do aluno enquanto sujeito capaz de intervir na sua realidade. Partindo dessas considerações, é importante destacar que o trabalho com leitura precisa ser planejado por toda a escola, tendo em vista que o aluno necessita desse conhecimento para construção da sua autonomia. A ação isolada de cada professor tem que extrapolar as paredes da sala de aula para a esfera coletiva em que os sucessos e avanços nas atividades com leitura possam ser socializados e direcionados por um mesmo fio condutor. Nos dados analisados, os professores de História e de Matemática expressam a necessidade de um Projeto que direcione as ações voltadas para a leitura como uma responsabilidade da escola para contribuir com o desenvolvimento da competência leitora dos alunos. Na fala dos professores de Geografia, Matemática e Ciências, percebe-se uma crença de que é possível ajudar os alunos por meio do trabalho coletivo na escola. Essa posição encontra respaldo na experiência vivida na escola com o Projeto de Alfabetização. Esse Projeto mobilizou alguns professores para a realização de atividades sistematizadas, buscando melhorar o desempenho dos alunos em relação à leitura, por meio de atividades planejadas e desenvolvidas por um grupo de professores das diversas áreas, em disciplinas que não faziam parte do núcleo comum do currículo – Religião e Culturas Regionais. No entanto, os professores de Matemática, Geografia, Ciências e História, dizem ter limitações, em especial, limitações teóricas para realizar um trabalho com leitura que seja satisfatório. Eles afirmam que precisam de um direcionamento, talvez dado pelo professor de Língua Portuguesa ou pelo próprio coordenador pedagógico da escola, pois durante a formação inicial não tiveram nenhum direcionamento. Sobre a falta de formação para a realização de um trabalho mais sistematizado com a leitura em sala de aula, Silva (2003) discute que a leitura é um instrumento fundamental na aquisição dos conhecimentos construídos historicamente pela humanidade, entretanto nos cursos de formação inicial não existe espaço para esse tipo de discussão: 120 Ainda que a leitura seja um instrumento fundamental para a aquisição do saber, ela é superficialmente, ligeiramente tratada – ou, o que é bem pior, totalmente esquecida ou relegada a um segundo plano – nos cursos de magistério do Ensino Médio e/ou nos cursos de graduação e de licenciatura. Isto faz com que os professores se sintam “desarmados” ou, melhor dizendo, pedagogicamente enfraquecidos no momento do planejamento, organização e implementação de programas de leitura aos seus grupos de alunos. Daí, muitas vezes, o apego cego, alienado ao livro didático e/ou, ainda, o que é bem pior, o encaminhamento do ensino da leitura sem nenhum referencial teórico de suporte. Nestes termos, a leitura se transforma numa operação inócua, sem sentido, estafante e reprodutora da mesmice, apenas ocupando um espaço do currículo, sem levar ao desenvolvimento das práticas de letramento. Dessa forma os alunos passam pela escola, mas continuam distanciados das práticas concretas de leitura. (SILVA, 2003, p.18) Outra questão a ser destacada é a concepção dos professores de que a aprendizagem da leitura é um processo que não se esgota em uma série específica. Apenas a professora de Matemática aponta que a responsabilidade maior recai nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Essa idéia parte do pressuposto de que a aprendizagem da leitura vai se consolidando de uma série para outra, de maneira progressiva. Convergindo, assim, com os estudos de Molina (1992), que considera que a aprendizagem da leitura se faz presente em todos os níveis de ensino, ou seja, uma concepção contínua do processo de leitura. Nesta mesma linha de análise, os professores afirmam que todas as disciplinas devem trabalhar com a leitura, pois consideram que sem o domínio desse conteúdo os alunos não se desenvolvem nas suas respectivas disciplinas. Conforme o Quadro – 1, todos acreditam que a leitura é um conteúdo ou procedimento fundamental no processo de ensino e aprendizagem da sua disciplina e que, portanto, deve ser trabalhado por todos os professores. Quadro 1 – Disciplina responsável pelo ensino da leitura P - Geografia P - Ciências P - Português Em todas as disciplinas, porque sem a leitura o aluno não vai poder trabalhar nenhuma disciplina. Todo professor deve ter responsabilidade com a leitura. Leitura sempre, independente da disciplina. P - Matemática Todo professor tem essa responsabilidade, mas a Língua Portuguesa tem que estar à frente. P - História A leitura tem que ser cobrada, trabalhada incessantemente em todas as disciplinas. É evidente que cabe uma responsabilidade muito grande para o professor de Língua Portuguesa. Todavia, apesar de não se eximirem, os professores apontam que a responsabilidade maior recai para a Língua Portuguesa por ser a língua materna seu objeto de estudo e por ser o 121 professor dessa disciplina aquele que tem a qualificação específica. Essa responsabilidade aparece na fala da professora de Geografia e de Matemática como o parceiro, como aquele que pode ajudar a direcionar as ações. Em acordo com Soares (2002), a leitura é um conteúdo que deve ser trabalhado por todos os professores independente da área de atuação, visto que cada área tem especificidades em relação à linguagem: [...] a tendência é julgar que cabe ao professor de Português ensinar a desenvolver habilidades de leitura e de escrita. Freqüentemente, professores das outras disciplinas se queixam com o professor de Português de que os seus alunos não estão sabendo compreender o problema de Matemática, o texto de História, o texto de Ciências. Na verdade, essa competência, essa responsabilidade não é só do professor de Português, nem o professor de Português é inteiramente competente para desenvolver habilidades de leitura de um problema de Matemática, por exemplo. Porque tem uma terminologia específica, tem uma forma específica de se apresentar, como o livro de Ciências, como o livro de Geografia. Não é o professor de Português quem vai ensinar um aluno a ler um mapa, nem quem vai ensinar a ler um gráfico. Isso são atribuições específicas dos professores que trabalham com essas formas de escrita. Então, cabe a eles desenvolver essas habilidades de leitura e de escrita também. Escrever um texto de História, ou de Ciências, não é a mesma coisa que escrever uma crônica, se o professor de Português pede uma crônica. São gêneros diferentes, cada área de conteúdo tem um tipo específico de texto que cabe ao professor dessa área ensinar o aluno a escrever ou a ler. (SOARES, 2002, não paginado.) No discurso dos professores verifica-se uma consciência sobre a responsabilidade com o trabalho de leitura a ser realizado nas aulas independente das disciplinas ou séries. Vale ressaltar, que ao serem questionados a respeito do “ensino” da leitura, em momento algum, usou-se esse termo, sempre que se referiam ao trabalho de leitura em sala de aula usavam termos como “incentivo” e “oferecer condições”. É possível inferir que tal atitude possa estar atrelada à concepção que cada professor constrói ao longo do seu processo de escolarização em que cada disciplina aparece de maneira isolada, com seu objeto de estudo muito bem delimitado. A leitura termina sendo um meio de comunicação do conteúdo e não um conteúdo procedimental que precise ser planejado e ensinado em todas as disciplinas. Ficando para as demais disciplinas o “incentivo” à leitura e para a Língua Portuguesa o “ensino” da leitura. Essa visão não encontra respaldo nos estudos da área, pois o ensino da leitura compete a todos os professores e em todos os níveis: Enquanto atividade social, a leitura compete a todos os professores. Ao professor de língua, porque deverá ajudar a desenvolver nas crianças – mais ainda naquelas que foram alfabetizadas abruptamente através de métodos puramente formais e analíticos – o prazer e a magia da palavra na obra 122 literária. Aos demais professores, porque eles são o modelo de leitor do grupo profissional que representam: do geógrafo, do cientista, do matemático. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p. 98) Em relação ao que pode ser feito, observamos no Quadro 2 algumas sugestões dos professores, dando ênfase a outros espaços de leitura além da sala de aula. Eles apontam à necessidade da renovação do acervo da biblioteca; do trabalho coletivo por meio de um projeto que envolva direção, professores e coordenadores; da ampliação do ambiente alfabetizador na escola por meio de cartazes, jornais, revistas, filmes; de se ter sempre uma informação para o aluno nos murais; etc. Destacam, também, a importância e necessidade do empréstimo de livros para os alunos levarem para casa, essa atividade permite ao aluno o manuseio do livro em outros espaços que não seja a escola. Observa-se que essas sugestões são atividades que para sua concretização precisam dos diversos membros da comunidade escolar para a solução da problemática em questão. O quadro a seguir, sintetiza a posição dos professores sobre o que pode ser feito na escola para incentivar a leitura: Quadro 2 – De que maneira a escola como um todo pode contribuir com a leitura P – Geografia P – Ciências Uma biblioteca munida, sempre renovando o acervo pra leitura; Tem que ser uma preocupação da direção e de todos, incentivando, levando revistas, recortes de jornal, coisas da época. Um mural; cartaz nas paredes; uma conversa que leva pra sala; um tema atual que tá se passando; um filme que ta aí no auge. Fazer o aluno assistir um filme, lê jornal. Levar revistas pra sala, ler, mandar eles assistirem o jornal, eles ouvirem a rádio, até mandar eles ouvirem e fazer um jeito deles terem uma outra forma enxergar as coisas, de ouvir, de saber ouvir. P – Português P – M atemática P – História Empréstimo do livro pra levar para casa. Ambiente alfabetizador Com um projeto que envolva a direção os professores e coordenadores. Trabalho coletivo Um trabalho articulado entre as várias disciplinas; Um projeto político pedagógico que contemple a leitura. As posições são convergentes no sentido que todas as sugestões apresentadas são atividades que precisam da colaboração ou intervenção do outro, no entanto, se diferenciam na forma. As posições dos professores de Geografia, Ciências e Português são voltadas para 123 práticas mais concretas, ações que levam em consideração o espaço físico escolar e materiais diversos para a leitura, enquanto que Matemática e História apontam para o Projeto Político Pedagógico da escola, que deve ser o eixo norteador das demais ações apontadas pelos professores. A professora de Geografia acredita que para melhorar o desempenho do aluno em leitura faz-se necessário um trabalho interdisciplinar. Nesse sentido, Kleiman e Moraes (1999) ao discutirem as práticas de letramento na escola, apontam como caminho para atender as necessidades dos alunos e dos professores os projetos interdisciplinares: Os projetos interdisciplinares ajudam a desenvolver o letramento pleno porque expõem o aluno a vários tipos de eventos, ou a várias formas de ler um mesmo texto, dando oportunidade para se vivenciarem as várias práticas de forma colaborativa e com a ajuda de alguém já familiarizado com elas. O professor das diversas disciplinas passa a ser o modelo porque já é membro do grupo socioprofissional que pratica a leitura como ele gostaria que o aluno lesse, isto é estabelecendo as conexões que são relevantes para entender a história, a geografia, para desenvolver a competência no uso da linguagem, para expressar uma interpretação. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p. 99) Encontra-se na fala dos professores sugestões de atividades e procedimentos que podem ser desenvolvidas por seus pares como possibilidades para ajudar seus alunos a melhorarem o desempenho em leitura. É possível verificar que essas sugestões também estão presentes quando cada professor cita o que pode fazer na sua disciplina para ajudar esses alunos. Aparecem posturas e procedimentos que precisam ser vivenciadas por todos na sala de aula como: o trabalho em grupo, a realização de atividades que levem aluno a ler, a construção de textos orais para depois partir para a escrita, a exposição para o aluno sobre a finalidade da leitura, etc. A professora de língua Portuguesa é enfática ao afirmar que é necessário executar a leitura, colocar os alunos para ler, ou seja, desenvolver atividades que levem o aluno à pratica da leitura, convergindo, assim com a posição dos demais conforme o Quadro 3: 124 Quadro 3 – Como os demais professores podem contribuir p/ superar as dificuldades de leitura dos alunos P – Geografia P – Ciências Todo professor Trabalho em grupo com apoio tem que procurar de dos pares; alguma forma mostrar para os Interdisciplinameninos pra que ridade. é que ele tá lendo aquilo, pra que é que ele precisa aprender aquilo. P – Português P – M atemática P – História Colocando o aluno para ler Desenvolvendo atividades que levem o aluno a prática da leitura. Construção com os alunos de textos orais para depois passar para a escrita é uma atividade muito boa para ser desenvolvida em qualquer disciplina. Elaborando atividades, não fugindo do conteúdo da sua disciplina, mas sempre levando atividades que explorem a questão da leitura. Ter objetivos definidos sobre o trabalho de leitura com os alunos. Reduzir um pouco mais a carga de conteúdos e centrar fogo na questão de colocar os meninos para ler e escreverem Além dessas sugestões, os professores apontam a necessidade de mostrar ao aluno que gostam de ler – professor como modelo de leitor. Segundo o professor de História, é importante que essas atividades sejam prazerosas e agradáveis, entretanto ele reconhece que, apesar de tentar, não tem conseguido realizar suas atividades dessa forma. Os professores de História, Geografia, Ciências e Matemática reconhecem que é uma tarefa difícil para eles, mas procuram fazer atividades que consideram importante para o aprendizado da leitura. O trabalho coletivo na escola precisa ter como base o diálogo, cada membro da escola como o outro que pode ajudar, por meio de discussões, denúncias, socialização de práticas bem sucedidas ou não e da partilha de angústias e alegrias vivenciadas em sala de aula, com o intuito de buscar alternativas para transformação do que está posto: O diálogo tem significação precisamente porque os sujeitos dialógicos não apenas conservam sua identidade, mas a defendem e assim crescem um com o outro. O diálogo, por isso mesmo, não nivela, não reduz um ao outro. Nem é a favor que um faz ao outro. Nem é a tática manhosa, envolvente, que um usa para confundir o outro. Implica ao contrário, um respeito fundamental dos sujeitos nele engajados, que o autoritarismo rompe ou não que se constitua. [...] enquanto relação democrática, o diálogo é a possibilidade de que disponho de, abrindo-me ao pensar dos outros, não fenecer no isolamento. (FREIRE, 1992, p.120) A leitura na escola precisa sair do isolamento das salas de aula, para ser uma atividade compartilhada por todos os professores por meio do diálogo permanente, numa atitude de respeito às limitações de cada um, mas com a perspectiva de crescimento individual e coletivo a partir dessas limitações. Cada ser humano cresce com as diferenças que o constitui nas 125 dimensões profissionais, culturais, sociais e afetivas. Na escola também se cresce com a partilha de conhecimento. 6.3. Relação leitura e conteúdo específico A leitura como um conhecimento escolarizado apresenta-se como um pré-requisito, um procedimento para aprendizagem dos conteúdos escolares, pois é por meio do código escrito que, na maioria das vezes, esses conteúdos são veiculados e que o aluno é avaliado. A leitura é um conteúdo procedimental que permeia todas as disciplinas, assim: [...] o ensino e prática da leitura, atividade constitutiva da aprendizagem, deve fazer parte de todas as atividades, e que todo professor é, em última instância, professor de leitura. Nessa perspectiva, cabe notar, a leitura é a atividade-elo que transforma os projetos de um professor em projetos interdisciplinares: parte-se da ótica do especialista – historiador, geógrafo, biólogo – para instaurar um espaço comum a todos, o da leitura. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p.23) A visão de leitura como um conhecimento comum a todas as áreas, apresentada pelas autoras, converge com o discurso dos professores participantes desta pesquisa ao reconhecerem a leitura como um conhecimento fundamental para a aprendizagem dos conteúdos específicos das suas disciplinas. Para eles, a apreensão dos mesmos fica limitada devido às dificuldades que os alunos têm de ler e compreender um texto, seja um enunciado, uma questão, etc. Para esses professores, apesar das limitações que possuem na área de leitura, cada um, na sua disciplina, pode ajudar o aluno na aprendizagem desse conteúdo, conforme síntese no Quadro – 4: Q4 – Como cada professor, na sua disciplina, pode melhorar o desempenho de leitura dos alunos. P - Geografia P - Ciências Sozinha não, Tem que ler e mas associada demonstrar que ao professor de gosta de ler. Língua Portuguesa, principalmente, poderia fazer um trabalho melhor para melhorar a condição de leitura e escrita deles. P - Português Levá-los a ler. Trabalhar bastante a leitura, priorizar. Construir com eles os textos orais pra depois passar para a escrita. P - Matemática Dando situações que leve o aluno a ler, interpretar, pra depois responder aquela questão. Sempre trabalhar com questões que levem o aluno a fazer a leitura. P - História Reduzir um pouco mais a carga de conteúdos e centrar fogo na questão de colocar os meninos para ler, colocar os meninos pra escrever. 126 Os professores apontam a necessidade de colocar os alunos para ler nas suas aulas. Essa posição está associada aos meios disponíveis ou mais comuns dentro da escola para trabalhar o conteúdo específico – o texto escrito, conforme expressa o professor de História ao atribuir papel fundamental da leitura na sua disciplina, por ser depois de Língua Portuguesa, a disciplina que tem um maior instrumental de equipamentos centrados na leitura e na escrita. Assim, a leitura apresenta-se como forma, ou seja, como instrumento de comunicação do conteúdo de cada disciplina. Nas diversas disciplinas, a veiculação do conhecimento específico pode se dar por meio de outras linguagens, entretanto, o código escrito construído historicamente em detrimento da oralidade, se constituiu na forma por excelência de transmissão de conteúdo acadêmico. Em acordo com Edwards (1997), o conhecimento acadêmico é um modo particular de existência social do conhecimento, que se reelabora na interação com o outro, passando a ter diferentes significações. Entretanto, esse conhecimento se apresenta como verdadeiro, dogmático e transmite visões de mundo de certa maneira “autorizadas”. A forma pela qual esse conteúdo específico é apresentado também é um conteúdo no contexto escolar. Nesse sentido, pode-se afirmar que a leitura se apresenta como forma e como conteúdo em sala de aula nas diversas disciplinas. A transmissão do conteúdo por meio da leitura de textos, se não for trabalhada de maneira que atenda as necessidades dos alunos que apresentam dificuldades, pode continuar perpetuando as relações de diferenciação, discriminação e seleção que acontecem dentro da escola, e consequentemente, na sociedade. Todos os professores demonstram ciência de que os textos trabalhados em suas disciplinas possuem uma linguagem específica da área. No entanto, só as professoras de Geografia e de Ciências demonstram realizar atividades que buscam contextualizar, apontar os sentidos que os termos específicos podem ter na respectiva disciplina. A primeira indica utilizar o dicionário de Língua Portuguesa para que o aluno pesquise os termos específicos, depois ela faz a transposição do que o aluno encontrou para a linguagem geográfica; a segunda busca fatos, termos e vivências no cotidiano do aluno para relacioná-los ao que está sendo trabalhado, visando facilitar a compreensão do aluno sobre os termos específicos da sua disciplina. Vale destacar, que os textos trabalhados, encontrados nos livros didáticos não apresentam uma tipologia variada, na maioria das vezes, são textos informativos com uma linguagem científica que dificulta a compreensão do aluno – leitor iniciante40, caso não haja a 40 Por leitor iniciante estou me referindo aos alunos que ainda não realizam uma leitura fluente com compreensão sobre o que ler, interagindo com o texto, fazendo inferências. 127 mediação do professor para fazer a contextualização adequada. Sobre esse aspecto Guedes e Souza discutem que: A contextualização mais adequada para o entendimento de textos sobre cada área do conhecimento vai ser feita pelo professor da respectiva área, e isso não se refere apenas aos termos próprios da ciência em questão, mas também ao valor particular que nesse contexto assumem relações mais gerais de oposição, de causa e efeito, de condição (o que quer dizer “se” em matemática?) etc. Ensinar a ler é contextualizar o texto e explorar os seus possíveis sentidos; aprofundar a leitura é promover um diálogo da leitura feita pelo aluno com a leitura feita pela tradição, e essas tarefas são de todas as áreas. (GUEDES e SOUZA, 2006. p. 139) A discussão que os autores apresentam sobre a necessidade de contextualização reforça a fala da professora de Português ao afirmar que seus alunos lêem, mas têm dificuldades de atribuir sentido ao que lê. Talvez, esse também seja o problema dos alunos nas demais disciplinas, devido à falta de uma intervenção mais sistematizada do professor das diversas áreas, os quais atribuem a Língua Portuguesa uma responsabilidade maior na aprendizagem desse conteúdo. A leitura apesar da importância atribuída pelos professores para a aprendizagem do conteúdo escolar continua sendo uma aprendizagem periférica nessas disciplinas. Para a professora de Matemática, existe uma mudança na forma de conceber e trabalhar a leitura na sua disciplina, os próprios livros didáticos que dificultavam estabelecer essa relação, hoje, apresentam textos que podem ser explorados pelo professor visando facilitar a compreensão do conteúdo específico por meio da leitura. Sua posição converge com os estudos de Machado (1990) ao discutir as conexões entre Matemática e Língua Materna, como também nos estudos de Smole e Diniz (2001) sobre leitura, escrita e resolução de problemas e a relação entre Matemática e Literatura. A posição da professora sobre a dificuldade de compreensão do conteúdo matemático que os alunos apresentam decorrente da falta de compreensão leitora encontra respaldo no trabalho de Carrasco (2006) ao discutir a importância da leitura e da escrita na aprendizagem do conteúdo de Matemática. Para o autor: A dificuldade de ler e escrever em linguagem matemática, onde aparece uma abundância de símbolos, impede muitas pessoas de compreenderem o conteúdo do que está escrito, de dizerem o que sabem de matemática, e pior ainda, de fazerem matemática. (CARRASCO, 2006, p. 138) A aprendizagem do conteúdo específico de cada disciplina que se dá por meio da leitura, é um processo de interpretação, compreensão, de diálogo entre os saberes do aluno e o 128 conhecimento escolar, portanto, é uma aprendizagem processual que exige do professor um planejamento com intervenções adequadas para ajudar o aluno no desenvolvimento da sua competência leitora. Sobre a aprendizagem do conhecimento específico de cada área veiculado pela leitura se contrapõe a visão dos professores de Ciências e História, ambos vêem a importância desse conhecimento, sendo que para a professora de Ciências o conhecimento escolar deve sair dos muros da escola. Para ela, a função da escola não deve se restringir apenas a certificação, mas a um processo maior de educação em que o indivíduo se apropria desse conhecimento sistematizado para melhorar suas condições de vida, levando para casa informações que foram apreendidas dentro da escola. Quanto ao professor de História, ele aponta a necessidade dos professores se apropriarem dos conhecimentos dos alunos, da comunidade em que eles estão inseridos como uma forma de articulá-los aos conteúdos específicos. Percebe-se assim, um movimento inverso na posição dos professores, em que o conhecimento escolar se direciona da escola para casa na visão da professora de Ciências e de casa para a escola na visão do professor de História, ou seja, uma via de mão dupla. A leitura é vista por eles como o elo de mediação entre esses conhecimentos. Entretanto eles apontam que é uma tarefa difícil de ser concretizada, devido à formação fragmentada e especializada nos cursos de licenciaturas, como expressa o professor de História ao se referir a falta de articulação entre os departamentos de educação, de letras e das diversas licenciaturas. Dessa falta de articulação resulta o choque com a realidade escolar: “Porque quando a gente cai aqui41, por exemplo, a gente pega alunos que tem que alfabetizar” (P – História, grifo meu). Esse choque, segundo o mesmo professor, deve-se à preocupação excessiva nos cursos de licenciatura em formar o especialista – o pesquisador – quando deveriam dar ênfase na formação do professor trabalhando com os conhecimentos teóricos da área, mas também, com os mecanismos de comunicação desses conhecimentos, ou seja, das técnicas, métodos, etc. A posição do professor ao mencionar os conteúdos específicos e os conhecimentos pedagógicos necessários para a docência converge com a dos teóricos que discutem a base de conhecimento do professor. (Shulman, Mizukami, Pacheco e Flores, etc.) Nesse sentido existe uma preocupação exagerada com a transmissão do conteúdo específico, como se ele por si só fosse suficiente para o desenvolvimento escolar do aluno. Conforme Freire (1996), ensinar exige saberes que são específicos da docência, e que não se restringem apenas ao conteúdo específico, são saberes políticos, sociais, afetivos, ideológicos, 41 Referindo-se à escola. 129 metodológicos, pedagógicos, etc., que se interligam num movimento de interdependência por meio do diálogo, exigindo do professor uma coerência entre o que diz e o que faz. Mizukami (2004), com base nos estudos de Shulman também discute sobre os diversos conhecimentos ou saberes que fazem (ou devem fazer) parte do repertório profissional do professor, conhecimentos do conteúdo, conhecimentos pedagógicos e conhecimentos pedagógicos do conteúdo. Este último tipo de conhecimento é construído ao longo do exercício da docência, a partir das necessidades postas pela realidade, tendo relação intrínseca com os demais conhecimentos. 5.4. Relação do aluno com a leitura Como já foi dito no corpo desse trabalho, os alunos têm ingressado na quinta série sem o domínio do código escrito. Essa assertiva é comprovada na fala dos professores entrevistados ao afirmarem que seus alunos têm dificuldades com a leitura. Essa dificuldade se apresenta em diferentes níveis, sendo que existem alunos que não decodificam; alunos que decodificam, mas não compreendem o que lêem; alunos que lêem o que está escrito, mas não estabelecem relações com outras leituras dando sentido ao texto. A dificuldade de leitura apresentada pelos alunos não tem sido sanada de uma série para outra e muitos alunos chegam à oitava série sem o domínio básico do código escrito. É importante destacar que tal dificuldade é maior nos alunos que apresentam defasagem idade/série. Essa defasagem ainda é um problema educacional que precisa ser contemplado pelas políticas públicas de maneira efetiva. Na escola em que a pesquisa foi realizada, a defasagem idade/série se configura em alunos que ingressaram muito tarde no sistema escolar devido à falta de escola na região ou de transporte, ou até mesmo pela falta de perspectiva em relação aos estudos, pelas condições sócio-econômicas que os obriga a trabalhar no turno oposto, como também pelas reprovações sucessivas. Destacamos a lei nº 11.274 de 6 de fevereiro de 2006, que regulamenta o Ensino Fundamental de nove anos, como uma possibilidade mais efetiva para o ingresso obrigatório na escola dessas crianças aos seis anos de idade. Esse ingresso poderá propiciar um contato mais sistemático e uma maior interação com o código escrito. A referida lei se apresenta como uma possibilidade, pois muitos pais ou responsáveis, mesmo existindo algumas escolas de Educação Infantil na região, não se sentiam motivados ou obrigados a matricularem suas crianças antes dos sete anos de idade. Essa falta de motivação também está relacionada à grande distância entre a escola e a residência. 130 Uma hipótese explicativa para as deficiências do aluno com leitura, levantada pela professora de Ciências, tem sido a organização familiar, que se configura na região de diferentes formas: as crianças são criadas pelos avós, pelos tios, muitas vezes, numa mesma casa existem mais de uma família convivendo em péssimas condições. Destacamos que as diferentes formas de organização familiar – um fenômeno global da contemporaneidade – não determinam o desempenho escolar do aluno. O que interfere, mas não determina esse desempenho, é a falta de incentivo à leitura por meio de materiais escritos, de referências, de modelos de leitor e de oportunidades favoráveis à aprendizagem. As pesquisas realizadas na área da aprendizagem da leitura e escrita têm demonstrado que um ambiente alfabetizador propicia ao indivíduo uma interação maior com o objeto de estudo. No Quadro 5, com exceção da posição da professora de Português, percebe-se indícios na fala dos professores que estabelecem uma relação entre as dificuldades de leitura dos alunos e as condições sociais, culturais e econômicas em que estão inseridos. Aqui se observa uma grande distância entre as concepções dos professores sobre a aprendizagem da leitura e as teorias que abordam a temática. Q 5 – Visão dos professores sobre a relação dos alunos com a leitura P - Geografia Não costume; P - Ciências têm Lê somente o que está escrito, mas não vai muito Não têm base; longe disso. Não gostam de Muitos alunos ler; são criados pelos A questão de avós. A avó, às casa, eu acho que vezes, é os pais... a analfabeta, eles já vivência deles vão pra escola não é tão voltada tarde. para a leitura. P - Português P - Matemática querem Não têm acesso a tipo de no que esse incentivo na sua casa. Não querem refletir sobre o Não têm muito acesso à leitura, que leram. pela questão sócio-cultural, pela origem que eles têm de vida dos pais, pela realidade. Não pensar leram; P - História Não têm o hábito de leitura, pelo menos os que nós aqui recebemos; São muito acanhados; Não gostam de ler; Têm vícios de linguagem difíceis de serem corrigidos... tipo problema, ele lê [pobrema, probema] Os dados do Quadro – 5 podem sugerir que o aluno não lê apenas por motivos externos à escola e que essas dificuldades se apresentam apenas aos alunos de baixa renda. Percebe-se uma visão determinista, de ausência, de falta, onde a família se apresenta como responsável pelas dificuldades de leitura desses alunos. Discordando dessa visão, Silva (1993), ao discutir a presença de algumas idéias cristalizadas no processo de leitura, afirma 131 que muitos professores acreditam que a leitura é uma atividade que depende do berço da criança: São muitos os professores que, de maneira fatalista reclamam e impõem a necessidade de “bons exemplos familiares” para o processo de formação dos leitores. Na ausência desses exemplos, pouco ou nada se pode fazer; se os pais não forem leitores, se não houver livros na casa do aluno, então... [...] considerando que os lares brasileiros não são materialmente semelhantes e, portanto, que as crianças não têm as mesmas oportunidades de educação familiar, não podemos como educadores, repassar as famílias uma função que elas não têm condições concretas de exercer. (SILVA, 1993, p.51) Ressaltamos que a aprendizagem da lecto-escrita é uma atividade escolarizada, portanto, cabe a comunidade escolar criar as condições necessárias para que essa aprendizagem aconteça de maneira satisfatória. Não passando essa responsabilidade para a família ou outra agência formadora, desescolarizando, assim, o processo de leitura. Nesse sentido, Silva discute a necessidade dos professores partirem das diferenças sócio-culturais das crianças para elaboração de atividades que visem contribuir com o desenvolvimento da aprendizagem da leitura: A compreensão crítica das diferenças sócio-econômicas e culturais entre as famílias de onde se originam as crianças deve enriquecer o planejamento do ensino e não como usualmente ocorre, ser tomada como uma dificuldade intransponível. Deve, ainda, servir como orientação básica ao estabelecimento de propósitos para a ação pedagógica, que, no fundo e em essência, é sempre política. (SILVA, 1993, p.52). O processo de aprendizagem da leitura é um processo acadêmico, e é dentro da escola que precisamos repensá-lo, buscando explicações plausíveis para as questões que são postas. É inegável que esses alunos têm um acesso restrito aos diversos portadores de textos que são veiculados na sociedade letrada e que não têm um acompanhamento mais sistemático em casa, mas as idéias apontadas no Quadro - 5 precisam ser pensadas na perspectiva do que a escola está fazendo para que o aluno goste de ler, tenha acesso e incentivo a leitura, queira pensar sobre o que lê, tenha o hábito de leitura e tenha uma base que lhe propicie avanços de uma série para outra. O professor das diversas disciplinas não aprende como trabalhar com a leitura em um curso de formação inicial. Essa tem sido uma aprendizagem, para aqueles que assumem um compromisso com o seu fazer pedagógico, no cotidiano escolar, na reelaboração constante de suas crenças, teorias, concepções e valores diante dos desafios postos na realidade concreta de 132 sala de aula. Para aqueles que buscam referenciais no seu processo de escolarização e buscam com os colegas possíveis soluções. Pesquisas têm demonstrado que muitos professores aceitam passivamente, como algo dado e que não existe saída às péssimas condições em que se encontra a maior parte das escolas públicas dos grandes centros urbanos (violência, vandalismo, depredação, baixa aprendizagem dos alunos, improdutividade, entre outros). Tais elementos, aliados a baixa remuneração, a falta de valorização da profissão docente e a ideologia neo-liberal que difunde na sociedade que o sucesso do indivíduo se dá por meio do seu próprio esforço, têm levado muitos professores a reproduzirem as relações sociais vigentes por meio de uma prática conformista, pragmática e fatalista, em que ele faz a sua parte, o aluno aprende se quiser. Diante do exposto, pode-se afirmar que: As condições de trabalho na escola não favorecem muito a diversidade no tratamento do texto: as bibliotecas são escassas, as classes numerosas e até o acesso ao livro didático é limitado. A cada aula, o professor tem que distribuir o livro didático e recolhê-lo ao final do período porque o número de livros nunca chega para todos. Ainda, com raras exceções, submetem-se os alunos a práticas de leitura uniformes, invariáveis, indiferenciadas independentemente das suas capacidades e graus de familiaridades com a escrita. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p. 99) O aluno que ingressa nas séries finais do Ensino Fundamental com dificuldades de leitura, poderá sair sem sanar essas dificuldades, dependendo das condições materiais que encontre na escola (equipe pedagógica, trabalho coletivo, ambiente alfabetizador, material para leitura, proposta pedagógica coerente com as necessidades, etc.). Mas, também é possível, conforme expressam os professores, realizar um trabalho que vise sanar suas deficiências com leitura. 6.5 – O processo de ensino e aprendizagem de leitura em diferentes disciplinas Nesta dimensão de análise busca-se apreender as práticas de leitura desenvolvidas pelos professores no cotidiano escolar. Para realizar um trabalho mais concreto, mais próximo das necessidades que os alunos apresentam, os professores precisam navegar pela imensidão de outros conhecimentos, outras áreas, precisam sair da solidão da sala de aula, precisam redimensionar a concepção da dimensão da sua autonomia. Como já foi afirmado, o trabalho com a leitura em sala de aula exige que o professor vá além do conhecimento do conteúdo da disciplina e estabeleça o diálogo com seus pares, visando à socialização das dificuldades 133 enfrentadas e a busca de referências que o ajude na superação dos obstáculos citados. Esses fatores implicam em mudanças e mudanças exigem tempo, nos fazendo deparar, assim, com mais um paradoxo: a urgência da sala de aula e o tempo prolongado necessário à mudança. O processo de ensino e aprendizagem se concretiza em diversos momentos e dele fazem parte diversos elementos interdependentes – conteúdo, forma, professor, aluno, escola, objetivos, sociedade, etc. No cotidiano da sala de aula, esse processo se concretiza de diferentes formas devido à influência do contexto histórico, político, social, econômico, afetivo e cultural em que alunos e professores estão inseridos. Levando em consideração o exposto, pode-se afirmar que as ações realizadas em sala de aula para contemplar a leitura precisam ser planejadas, visando atender as reais necessidades dos alunos. A prática de planejamento sistemático, apesar de ser uma atividade inerente ao fazer pedagógico, é vista por muitos educadores como uma ação desprovida de sentido. Isso porque, muitas vezes, o planejamento cumpre apenas uma função burocrática. O planejamento é uma ação indispensável que cumpre tanto a função burocrática como a função pedagógica, orientando, definindo e redimensionando a prática em sala de aula. Todos os professores afirmaram que no planejamento existem atividades que contemplam a leitura em suas aulas, entretanto, dos quatro professores entrevistados, apenas dois apresentaram seus planos de curso. Esses planos, como cumprem uma parte burocrática, são elaborados contendo todos os elementos de um planejamento: identificação, conteúdos, objetivos, procedimentos, recursos, avaliação e referências bibliográficas. Os demais disseram que tinham feito, mas não estavam com eles. Diante dos dados é impossível afirmar que esses planos sejam ou não (re)visitados e (re)elaborados pelos professores ao longo do ano letivo para atender as necessidades concretas dos alunos. De acordo com os materiais escritos42 analisados durante as entrevistas e as respostas dos professores, no dia-a-dia da sala de aula, eles pensam em atividades e fazem anotações como a elaboração de questões, número de páginas de livros, textos a serem trabalhados no livro didático. Apenas a professora de Língua Portuguesa apresentou um roteiro de atividades. Destaca-se que apesar de aparecer nos planos de ensino objetivos ou procedimentos que contemplem a leitura, parece que tais elementos foram pensados apenas na perspectiva de transmissão/construção/socialização do conteúdo específico. As professoras de Geografia e Português demonstram consciência de que no plano de ensino o tema leitura não apresenta objetivos claros que direcionem o trabalho e não é contemplado como prioridade, levando em 42 Planos de ensino, atividades escritas, roteiro de atividades, livros didático apresentados apenas pelos professores de Ciências, Geografia e Português. 134 consideração as dificuldades que os alunos apresentam. Essa idéia nos permite inferir que existe uma grande distância entre o plano de ensino e a realidade vivenciada. Na fala da professora de Português parece existir uma incoerência ao afirmar que apesar do seu trabalho no cotidiano escolar ser totalmente direcionado pela leitura de textos conforme as atividades escritas desenvolvidas em sala de aula que a mesma levou para serem analisadas –, o seu plano de ensino contempla apenas aspectos gramaticais. Entretanto, essa incoerência é superada após uma análise mais detalhada desse plano, onde a professora encontra elementos que direcionam sua ação em relação à leitura. Apesar de se referir muito aos conteúdos gramaticais, é possível verificar no relato das ações em sala de aula que a leitura é desenvolvida de maneira sistemática. A professora afirma que a partir do trabalho com textos, os elementos gramaticais são explorados. Sua posição de que o ensino sistemático da gramática não deve acontecer no Ensino Fundamental converge com as idéias de Soares ao afirmar que: [...] o ensino da gramática não cabe no ensino fundamental. Talvez no ensino médio, mas não no ensino fundamental. Não dessa forma sistemática! É claro que é necessário, que em aulas de Português, se desenvolva nos alunos uma capacidade de reflexão sobre a língua, uma certa chamada metalinguagem, de poder olhar a língua como um objeto. Em certos casos, em relação a certos fenômenos que sejam importantes para o aperfeiçoamento das suas habilidades de leitura e de escrita que estejam relacionados com o uso da Língua Portuguesa. (SOARES, 200X p.x) Para a autora, a Língua Portuguesa no Ensino Fundamental deve ser direcionada para melhorar as habilidades de leitura e escrita, por meio da reflexão sobre a língua e não por meio do ensino sistematizado da gramática. A falta de um planejamento articulado e sistematizado nas diversas disciplinas pode indicar que muitas das ações desenvolvidas em sala de aula com leitura ficam soltas e são esporádicas, não trazendo o resultado esperado. Se essas atividades fossem definidas com objetivos estabelecidos, socializadas e trabalhadas em conjunto talvez obtivessem resultados mais satisfatórios. É necessário delimitar o caminho a seguir, mesmo que durante a caminhada se possa fazer outra opção. Deve estar claro onde se quer chegar e quais os instrumentos estarão sendo utilizados durante o percurso. No contexto em questão, todo planejamento da escola, materializado nos planos de curso, planos de unidade, planos de aula etc., deveriam levar em consideração as dificuldades de compreensão leitora que os alunos apresentam. Nesse sentido, os textos trabalhados em sala de aula devem ser cuidadosamente selecionados, não como um texto com a idéia de 135 “fácil”, mas textos que desafiem, que estimulem, que estejam próximos da realidade desses alunos, que possam ser problematizados, que possam favorecer o estabelecimento de relações. É possível inferir que o cuidado na seleção dos textos está atrelado à relação com o conteúdo específico a ser trabalhado na aula. No entanto, as professoras de Ciências e Matemática apontam à necessidade de textos que não estejam diretamente ligados a disciplina. Cuidados como linguagem acessível, interesses dos alunos, níveis de aprendizagem dos alunos, faixa etária, série escolar, contexto local etc., voltados para o trabalho com leitura, conforme o Quadro – 6, não são observados no discurso dos professores, com exceção da professora de Língua Portuguesa, talvez pela especificidade da disciplina de trabalhar com a língua materna. Quadro 6 - Cuidados que o professor toma para seleção de textos. P – Geografia P – Ciências Textos voltados Textos para a relacionados à geografia disciplina, dependendo do assunto e, às vezes, são coisas da atualidade, que está acontecendo, levo jornal que saiu uma pesquisa. P – Português Textos que aquele aluno, naquela idade, com aquela vivência seja capaz de interpretar. P – Matemática P – História Um texto Textos tirados de diferente, uma livros didáticos de História curiosidade; Levar sempre alguma coisa nova para o aluno ler Para os professores de Ciências e História, a relação entre leitura e escrita é indissociável, por isso apontam atividade como cópia de textos como um meio para levar o aluno a ler. Essa associação também está presente na fala dos demais professores ao apontarem questões, enunciados e textos escritos no quadro como atividades de leitura, pois se tornam um meio que obriga o aluno ler para poder responder. Apesar da intenção de levar o aluno ler por meio dessas atividades, é importante ressaltar, que se o professor não lê essas atividades com os alunos, as mesmas não passam de meras cópias sem significados ou questões para a simples memorização. O aluno das séries finais do Ensino Fundamental também precisa de referências de leituras, de que o professor facilite, faça a mediação entre ele e o código escrito. As dificuldades dos alunos com relação à leitura vão sendo percebidas ao longo do ano letivo, por meio de atividades rotineiras que são desenvolvidas em sala de aula, ver Quadro – 7, e não por meio de atividades planejadas com objetivo definido para esse fim. Os professores solicitam que alguns alunos leiam parágrafos de um texto do livro didático, 136 passam questões para que os alunos respondam, etc. Destaca-se que, em Língua Portuguesa, devido a forma como as atividades de leitura são realizadas (Quadros 8 e 9), a professora consegue perceber as dificuldades de leitura dos alunos com mais freqüência. Quadro 7 – Quando os professores percebem as dificuldades com leitura dos alunos P – Geografia P – Ciências P – Português Quando faz atividades que o aluno tem que ler para dar a resposta; Em atividades escritas, eles respondem coisas que não tem nada a ver com o que foi perguntado; Lê somente o que está escrito, não lê as entrelinhas. Quando faz alguns questionamentos relacionados ao texto. Eles querem recortar a resposta do texto P – Matemática Quando dá uma situação problema e o aluno não consegue dizer nem qual é a operação e nem identificar esses elementos; Quando lêem, mas não conseguem dizer com suas palavras o que entenderam. P – História Nos momentos em que eles são solicitados a ler; No momento da fala; No momento da escrita deles também. Aqui é importante destacar que essas atividades têm a sua importância na sala de aula, o que se questiona é a falta de objetivos específicos para a leitura, tendo em vista que muitos alunos criam suas formas de “escape” para dar a resposta esperada pelo professor ou para se “livrar” de fazer uma leitura oral. Como são atividades voltadas apenas para o conteúdo da disciplina, muitos professores só conseguem perceber a dificuldade do aluno em relação à leitura no final do ano, conforme expressa a professora de Ciências que só percebeu a dificuldade de leitura de uma determinada aluna quase no fim do ano letivo por meio do diálogo com um outro professor. Na fala da professora percebe-se também, a necessidade de ajuda, de diálogo entre os colegas, para detectar as necessidades reais dos alunos, tendo em vista que nas séries finais do Ensino Fundamental o contato do professor com os alunos é bastante reduzido, e a quantidade de turmas também influencia, mas não determina, o processo de conhecer o aluno. No desenvolvimento das atividades que envolvem leitura, a professora de Língua Portuguesa indica que sempre faz a leitura do texto para que os alunos tenham um conhecimento prévio sobre o assunto tratado no texto, quais as idéias veiculadas no texto como também, para que eles ouçam e acompanhem a pausa da vírgula, do ponto, a entonação da interrogação, da exclamação, para eles entenderem a importância da pontuação no texto. Os professores de Ciências e História afirmam que os alunos não compreendem o que lêem por não fazerem a pontuação correta do texto. É importante ressaltar, que o professor ao ler 137 para seus alunos coloca-se na posição de modelo, aspecto imprescindível para a aprendizagem da leitura. Ao trabalhar o texto na sala de aula, Solé (1998) aponta a importância de o professor desenvolver estratégias que ajudem, auxiliem, motivem ou desafiem o aluno para ler e compreender um texto. A autora indica várias estratégias que podem ser desenvolvidas pelos professores antes, durante e após a leitura. Partindo das idéias da autora, procurou-se observar se os professores das diversas disciplinas desenvolviam alguma estratégia de leitura com o objetivo de auxiliar o aluno no ato de ler durante as sua aulas. Constatou-se apenas no relato da professora de Língua Portuguesa a realização de estratégias mais específicas com esse objetivo. No quadro a seguir é possível observar alguns procedimentos utilizados pelos demais professores antes da leitura. Quadro 8 – Estratégias desenvolvidas antes da leitura P – Geografia P – Ciências P – Português P – Matemática P – História Pede que os alunos leiam um trecho, depois (re)lê. Geralmente lê para os alunos; Às vezes, manda eles lerem Às vezes, lê com eles. Apresenta o texto antes, fala a tipologia, explica o que é; Lê o texto antes; Distribui o texto e pede que eles façam uma leitura; Lê sozinha pra eles ouvirem depois lê junto com eles. Distribui questões datilografadas ou escreve no quadro e solicita que os alunos façam a leitura. Chama a atenção dos alunos para a pontuação do texto e para realizar a leitura buscando entender o que lê. Os procedimentos apontados pelos demais professores são orientações rotineiras que, na maioria das vezes, não surtem o efeito esperado pelo professor no desenvolvimento da leitura, pois a preocupação maior é a socialização do conteúdo. Os alunos que têm dificuldade com leitura não se beneficiam dessas orientações, pois precisam de intervenções que os ajude a adentrar nas idéias do texto. As orientações do professor de História estão atreladas a aspectos estruturais da Língua – ortografia, pontuação. Preocupação presente também na fala dos professores de Geografia, Língua Portuguesa e Ciências. Além dos aspectos citados o professor aponta que em alguns momentos chama a atenção dos alunos para a estrutura do texto – introdução, desenvolvimento e conclusão. Ressaltamos que essas orientações não são suficientes para ajudar o aluno compreender e interpretar o texto lido, essas orientações, na maioria das vezes, 138 só contribuem para os alunos que não apresentam dificuldades com leitura. A forma como o professor de História apresenta o texto, dá pistas para compreender a sua visão sobre os textos de História - maçante, cansativa e sem motivação para o aluno. Antes da leitura poucas estratégias são realizadas. O momento de apresentação, de incentivo, de preparação, de pistas, de instrumentos e recursos que possibilitem o aluno a navegar na imensidão de um texto não é perceptível na fala dos professores. Apenas a professora de Português faz a apresentação do texto, indicando algumas pistas para facilitar a compreensão da leitura, os demais solicitam que os alunos leiam o texto ou o próprio professor faz a leitura. Verificamos assim, que de certa maneira, falta incentivo para a leitura por parte dos professores das demais disciplinas. Os alunos não são motivados, seus conhecimentos prévios não são ativados, não existem pistas que possam ser seguidas com o intuito de facilitar a leitura. Com isso não quero dizer que essas estratégias não são importantes, apenas que por si só não resolvem o problema, ou seja, são insuficientes para ajudar os alunos a melhorarem o seu desempenho em leitura. As estratégias realizadas durante a leitura dependem do tipo de leitura (oral – pelo aluno, pelo professor ou em coro, individual ou coletiva; silenciosa; comentada – o professor ou aluno lê um parágrafo ou período e em seguida o professor faz um comentário ou questões para que o aluno responda oralmente). Quando é leitura silenciosa, os professores indicam que não fazem intervenções, quando é oral, os professores de História e Ciências indicam que fazem correções de palavras ou expressões, atitude também percebida na fala da professora de Geografia ao indicar que ajuda quando os alunos “tropeçam”43 nas palavras. Destaca-se que o professor de História raramente lê para os alunos, ele aponta que lê quando é solicitado pelo aluno ou para as turmas que os alunos são menores. As atividades que exigem leitura, ele solicita aos discentes que leiam. Contrapondo-se a esse comportamento, a professora de Geografia geralmente faz a leitura para os alunos, mesmo quando eles lêem um parágrafo ou trecho de um texto, ela re-lê em seguida, acreditando que é uma forma de ajudar o aluno a compreender o conteúdo. Ao final da leitura, os professores fazem algumas interferências orais, questionando, explicando, comentando e em alguns casos, induzindo o aluno a falar sobre o que leu, em seguida realizam atividades escritas: produção de textos, análise de textos e questões para que os alunos executem. 43 Quando o aluno não consegue pronunciar a palavra – às vezes, são palavras que não fazem parte do vocabulário do aluno. 139 Quadro 9 – Estratégias desenvolvidas após a leitura P – Geografia P – Ciências P – Português Pede ao aluno para falar o que entendeu; Faz comentários, trabalho com mapas, questões para os alunos responderem, produção de texto. Faz comentários; Faz atividades escritas tentando interpretar aquela leitura. Depois da leitura silenciosa, lê o texto para os alunos ouvirem. Em seguida pede que alguns alunos leiam também Trabalha as idéias do texto oralmente. Vai instigando para eles irem contando aquela história que eles leram. Interpretação escrita P – Matemática P – História (Re) lê a Análise de texto; atividade por Questões orais e escritas. parágrafo, fazendo questionamentos. Induz o aluno a correr atrás, a encontrar a solução. As estratégias de leitura utilizadas pelos professores após a leitura, aparecem atreladas à verificação da compreensão do aluno em relação à leitura feita, seja por questões orais ou escritas. Essa verificação, em alguns casos, acontece de forma indutiva, em que o professor vai fazendo questões orais ou comentários, para depois dar continuidade com questões ou produções escritas. Em todos os casos, as atividades escritas finalizam o processo realizado no trabalho com leitura. O trabalho da professora de Português se destaca ao buscar estabelecer uma seqüência de ações mais específicas para o ensino da leitura. Os professores procuram incentivar os alunos para exporem seus conhecimentos sobre o tema estudado. Existe uma tentativa de possibilitar por meio de questões orais a compreensão do que foi lido, mas os professores indicam que muitos alunos não participam, pois se sentem inibidos. Talvez essa inibição esteja atrelada também à falta de compreensão do que está sendo discutido e pela falta de procedimentos adequados que levem os alunos a estabelecer relações, ou então pelo tipo de questão que, na maioria das vezes, já tem uma resposta “certa”, esperada pelo professor. O Professor de História indica que geralmente as atividades solicitadas ao final da leitura são de interpretação para que o aluno lhe mostre, por meio de questões escritas ou orais, o que entendeu. Assim, pode-se inferir que ao final da leitura as atividades desenvolvidas são rotineiras com o intuito principal de transmissão do conteúdo da disciplina, de reforço ou de verificação do conteúdo trabalhado. No entanto, vale destacar que a partir do momento em que essas atividades forem direcionadas com objetivos, também, voltados para a formação do leitor pode-se vislumbrar possíveis saídas para o trabalho com leitura nas escolas de 5ª a 8ª série. Essa assertiva 140 encontra respaldo em algumas atividades que os professores relataram, buscando estabelecer relações entre o texto e a realidade dos alunos como expressam as professoras de Ciências e Geografia ao relatarem sobre as discussões sobre o rio que passa na região. Os alunos participaram, discutiram, deram sua opinião. Ao trabalhar com notícias da atualidade veiculadas pelos rádios, pelos jornais escritos e televisivos, a professora de Ciências encontra uma motivação para os alunos participarem das suas aulas, tornando-as mais agradáveis e próximas dos alunos. Nesse sentido, ela aponta que trabalha muito mais com a leitura de mundo do que com a leitura da palavra, entretanto busca realizar atividades de leitura e escrita. Na fala dos professores, a leitura aparece muito relacionada ao prazer, ao gosto de ler, fator importante na formação do leitor, mas que por si só, não garante o desenvolvimento da competência leitora do aluno. Para a realidade das escolas brasileiras é necessário muito mais que prazer pela leitura, é necessário formar o leitor por meio de um processo planejado, orientado, ou seja, por meio do ensino da leitura e não apenas do incentivo, da motivação – elementos que precisam ser levado em conta no processo de ensino de práticas leitoras. As situações de ensino com textos, realizadas pelos professores, parecem que se estruturam apenas no sentido do aluno executor, cujas interpretações são as autorizadas pelo professor ou o autor do texto. Entretanto, o trabalho com leitura exige do aluno a posição de co-autor, pois cada leitor tem a liberdade de atribuir sentido ao que lê, subvertendo o texto, conforme expressa Chartier: Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente – o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor ou seus comentadores. Toda história da leitura supõe, em seu princípio, esta liberdade do leitor que desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas esta liberdade leitora não é jamais absoluta. Ela é cercada por limitações derivadas das capacidades, convenções e hábitos que caracterizam, em suas diferenças, as práticas de leitura. (CHARTIER, 1999, p.77) As práticas de leitura vivenciadas em sala de aula precisam levar em consideração essa liberdade de atribuição de sentidos, e não se restringirem ao ritual: “leia e responda”. Geralmente as atividades com leitura, a depender de como são desenvolvidas, podem se tornar maçantes e não estimular o aluno a ler e escrever, pois são atividades que, na maioria das vezes, visam atender questões específicas do conteúdo, esgotando-se na relação instrumental da leitura e da escrita para a aprendizagem de determinado conteúdo. Em determinados casos: “a preocupação dos professores é com a decifração de palavras e com a reprodução de 141 sentidos para os textos; além disso, muitas vezes fica-se apenas no circuito fechado da palavra, não sobrando tempo nem iniciativa para a realidade histórico-social”. (SILVA, 2003, p.18) No grupo de professores entrevistados foi possível perceber que em alguns momentos os professores dão saltos qualitativos no ensino da leitura, a exemplo da professora de Ciências ao tentar articular o conteúdo da disciplina com a realidade dos alunos e da professora de Matemática ao levar um conto para trabalhar em sala de aula um conteúdo especifico da sua disciplina. Esse tem sido um dos caminhos apontados por diversos teóricos da área de leitura para transformar as práticas de leitura da escola mais atrativas, coerentes, significativas e que realmente contribuam com a formação do aluno-leitor. 5.6. Leitura e formação de professores: algumas palavras... Destacamos que as concepções de leitura dos professores que permeiam as dimensões abordando a definição de leitura e a relação desta com a escola e o conteúdo específico convergem com os estudos atuais sobre o tema, são concepções próximas do ideal. No entanto, ao analisarmos as dimensões que abordam a relação da leitura com o aluno e o processo de ensino e aprendizagem verifica-se que o professor não tem conseguido fazer a ponte ou a transposição desses conceitos e conhecimentos para o trabalho em sala de aula. Essa dificuldade pode estar atrelada à formação inicial que segundo Kleiman e Moraes (1999) forma o professor extremamente especializado, que não consegue realizar um trabalho interdisciplinar. Os cursos de formação inicial, como bem expressa o professor de História, têm separado a prática da teoria, por meio de uma lógica fragmentada do conhecimento que, entre outros aspectos, dissocia os saberes da docência e constrói ou reforça no imaginário coletivo dos futuros professores que a responsabilidade pelo ensino da leitura é do professor de Língua Portuguesa ou das séries iniciais, e que o aluno ao ingressar nas séries finais do Ensino Fundamental já deve ter um domínio pleno da leitura e da escrita. Uma visão ideal que se contrapõe ao real, ao que está posto na maioria das escolas brasileiras.44 44 Sobre ideal estou me referindo aos parâmetros de avaliação do SAEB, que apontam as habilidades do aluno ao ingressar na 5ª série dominando certas competências de leitura e escrita: escrever ortograficamente, compreender o texto lido, etc. Sobre real estou me referindo às condições que um número elevado de alunos tem ingressado nessa série, sem o domínio da competência leitora, ou seja, não conseguem ler frases simples, não compreendem o que lêem, apresentam dificuldades para escrever ortograficamente, etc. 142 Em sala de aula, a formação do professor vai se refletindo nas práticas desenvolvidas no trabalho com leitura. Diante desse quadro, Kleiman e Moraes (1999) ao discutirem o processo de ensino da leitura na escola analisam que ele reflete uma pedagogia da contradição: Fragmenta-se o texto para que se aprenda a perceber o todo, procura-se fazer com que o aluno responda somente ao que está previsto na leitura do professor ou do autor do livro didático e exige-se um leitor crítico e participativo. O aluno escreve textos de opinião sem ter formado uma opinião; faz uma “interpretação livre” já cerceado, sem liberdade e, muitas vezes, sem leitura. Ele “lê” sem entendimento, interpreta sem ter lido e realiza atividades sem nenhuma função na sua realidade sócio cultural. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p.14) Os professores entrevistados apontam à necessidade de um trabalho mais articulado, mais efetivo com relação à leitura. Nos dados trabalhados, encontram-se muitos avanços nos discursos, nas concepções, que aos poucos vão sendo incorporados às práticas de sala de aula. Ainda existe uma grande distância entre as concepções e a práticas de leitura. Na sua maioria, as ações que envolvem a leitura em sala de aula se limitam a orientações pautadas nas experiências que esses professores tiveram ao longo do seu processo de escolarização: leitura silenciosa, correções de erros na pronúncia, leitura de um texto pelo professor para explicação do conteúdo, leitura de parágrafos por alunos etc. Esses procedimentos são insuficientes para estimular e dar pistas ao aluno para acionar seus conhecimentos prévios e mobilizar o que sabe. No entanto, parece que existe um querer mudar a realidade, como expressa a professora de Matemática ao afirmar que na escola, existem condições para a mudança necessária em relação à leitura, faltando um referencial teórico que sustente e direcione as ações. Para tanto, ela indica a necessidade de um coordenador na escola para fazer a mediação com os professores entre a teoria e a prática. Percebe-se na fala da professora, a escola como espaço de formação contínua, a partir das reais necessidades. Nesse sentido, os estudos de Mizukami, et.all (2002), Candau (1996), Imbernón (2006), Pacheco e Flores (1999) sobre a formação contínua in lócus, é de grande contribuição para a proposição de práticas de formação contínua. Em relação à fragmentação do conhecimento que acontece na escola, esta poderia ser superada, como expressam os professores a partir do trabalho coletivo. Assim, a leitura [...] poderia ser caracterizada como uma atividade de integração de conhecimentos, contra a fragmentação. Devido à abertura que o texto proporciona ao leitor para relacionar o assunto que está lendo a outros 143 assuntos que já conhece, ela favorece, no plano individual, a articulação de diversos saberes. Entretanto, a fragmentação do saber relaciona-se diretamente com a divisão do trabalho que a escola reproduz sob múltiplas formas, inclusive na leitura. (KLEIMAN e MORAES, 1999, p.30) A partir das análises precedentes, apesar do trabalho ainda não ser desenvolvido dentro de um ideal esperado é possível afirmar que, em conjunto, propostas podem ser elaboradas dentro da própria escola para ajudar o aluno a desenvolver sua competência leitora. Tais propostas podem ser elaboradas a partir de um processo de formação de professores in lócus que pode ocorrer em momentos específicos de estudo e planejamento como no horário das Atividades Complementares – AC ou em outros momentos acordados entre a direção, coordenação e professores. Neste sentido as propostas de um trabalho com leitura podem compreender: 1 – Articular o conteúdo disciplinar com estratégias de leitura: a leitura como instrumento de comunicação do conteúdo, se for planejada com objetivos claros e estratégias adequadas facilitam a compreensão do conteúdo pelo aluno, deixa de ser uma atividade de tortura, maçante e sem significado; 2 – Envolver todos os professores na discussão sobre a produção científica na área de leitura: Se os professores não têm fundamentos teóricos para desenvolver a leitura em sala de aula, cabe à direção, coordenação ou até mesmo aos próprios professores criarem espaços para apropriação desse conhecimento. As atividades de AC (Atividades Complementares) podem ser um desses espaços, como também reuniões pedagógicas destinadas ao estudo do tema; 3 – Redimensionar as práticas de leitura da escola: nas palavras de Silva: é preciso fazer entrar na escola todos os suportes de leitura que estão presentes nos meios onde a leitura é um gesto ordinário, mas que estão ausentes nas outras famílias. Aos professores cabe serem bons incitadores e oferecer, na vida cotidiana das classes, oportunidades de ler para ler, e não para fazer exercícios, nos quais a leitura deve ser, em cada caso, expressiva, seguida, dirigida, explicada, comentada ou metódica. (SILVA, 2003, p.42) No caso dos alunos da escola em que a pesquisa foi realizada, não se pode ignorar que o professor, na maioria das vezes, é o único modelo de leitor para o aluno, nesse sentido a escola como um todo precisa articular atividades que deixem de lado o pressuposto de um aluno ideal que domina a leitura, para trabalhar com atividades que contemplem as necessidades dos alunos reais – alunos que apresentam dificuldades com leitura, que não têm um modelo de leitor em casa, que o acesso ao código escrito não é estimulado nem vivenciado de maneira efetiva no seu contexto familiar, entre outros elementos; 144 4 - Incentivar o aluno a ler para alcançar objetivos diversificados: ao desenvolver atividades com leitura em sala de aula, o professor deve deixar claro para o aluno qual é o objetivo dessa leitura – ler para obter informação, ler para o lazer, ler para revisar o conteúdo, ler para aprender, etc.; 5 - Assumir junto ao professor de Língua Portuguesa a responsabilidade de que a leitura é uma questão da escola como um todo: Como foi expresso no decorrer deste trabalho todo professor tem responsabilidade na formação do aluno leitor, principalmente, porque a leitura perpassa todas as disciplinas, todo professor é um professor de leitura. 6 – Socializar com os colegas o que tem realizado em sala de aula: nos dados analisados encontramos vários episódios de leitura, que foram significativos e envolventes, entretanto, muitos deles não são conhecidos pelos demais professores. Sobre essa questão Solé (1998) discute que [...] no âmbito de sua classe, cada professor pode planejar e concretizar uma prática baseada na reflexão, inovadora e eficaz. Também me parece óbvio que o esforço desse professor não será tão desgastante se o mesmo se integrar em uma dinâmica na qual pode discutir seus projetos, compartilhar suas idéias, e suas dúvidas com as dos seus companheiros de equipe; além disso, esse esforço pode ter um novo impulso, uma nova dimensão no seio da equipe. Por último, é evidente que a incidência sobre os alunos não é a mesma quando responde a um conjunto de decisões acordadas pelos professores que encontrarão ao longo da sua história escolar, do que quando se trata de episódios desconexos, embora alguns deles possam ser de grande utilidade. (SOLÉ, 1998, p. 175). Os aspectos elencados são de suma importância e podem ser desenvolvidos no âmbito escolar, por meio do trabalho coletivo. Esse tipo de trabalho exige que todos os membros compartilhem dos mesmos objetivos e busquem, em conjunto, alternativas para sanar uma problemática, exige também disposição, envolvimento, referencial teórico, conhecimento da realidade, tempo, articulação com políticas públicas voltadas para a formação do professor. Comungando com a idéia, sobre os diversos conhecimentos que os professores devem ter, citada por Flores e Pacheco (1999) é possível relacionarmos a leitura a uma técnica pedagógica que pode e deve ser usada em sala de aula para comunicação do conteúdo específico de cada disciplina. Entretanto, é importante destacar que o professor necessita estar fundamentado, necessita conhecer como se dá o processo de aprendizagem da leitura, como também saber utilizá-lo por meio de estratégias que viabilizem a aprendizagem do aluno. Esse conhecimento pode ser construído ao longo do exercício da docência, a partir das necessidades impostas pelo contexto. 145 Reiteramos que não existe uma fórmula específica que propicie ao aluno a aprendizagem do código escrito, no entanto, para finalizar é imprescindível considerar que é necessária a realização de estudos mais aprofundados, relacionados ao tema de leitura nas escolas de séries finais do Ensino Fundamental, buscando elementos que possibilitem contribuir com a prática dos professores das diversas disciplinas, visando à articulação entre os conteúdos específicos e a leitura, como mediação no processo de aprendizagem do aluno. A leitura nas séries finais do Ensino Fundamental transcende a uma forma ou a um conteúdo. Pode ser um conteúdo de ensino como também um procedimento para socialização de um determinado conhecimento. O conhecimento sobre leitura é um conhecimento profissional, que faz parte dos saberes da docência, podem ser construídos ao longo do exercício da docência, como expressa a professora de Matemática ao afirmar que sua prática tem mudado a partir de experiências com leitura vivenciadas por ela na escola; por meio das experiências ao longo do processo individual de escolarização – percebe-se na fala da professora de Ciências a busca nas suas memórias como fonte de conhecimentos para trabalhar a leitura; por meio da troca entre os pares – conforme expressa a professora de Geografia ao afirmar que precisa do colega para lhe ajudar a trabalhar com a leitura e na fala da professora de Ciências quando relembra as aprendizagens ocorridas em encontros para a troca de idéias, de experiências e das dificuldades enfrentadas no início da docência; nos cursos de formação inicial – citados pelo professor de História, que devido a lógica fragmentada dos seus currículos não têm conseguido fornecer subsídios para que o professor das diversas disciplinas desenvolva um trabalho satisfatório com leitura em sala de aula; e nos cursos de formação contínua que podem acontecer em espaços e momentos diferentes a partir das necessidades locais. Nas últimas décadas, pesquisas têm sido desenvolvidas comprovando que a aprendizagem da docência acontece num contínuo, em espaços e momentos diferenciados e que a experiência em sala de aula proporciona ao profissional o repensar, o (re)elaborar as teorias, o buscar novas alternativas, novas teorias. Esses novos espaços não dispensam a formação inicial, ao contrário, reforça no sentido de que nesses cursos seja dada ênfase a formação do professor reflexivo, aquele que é capaz de refletir sobre a ação e sobre a reflexão na ação (Mizukami, et, all. 2002), repensando a sua prática e articulando-a a referenciais teóricos, num movimento dialético de retroalimentação da prática. Em um trabalho sobre as pesquisas realizadas na área de formação de professores Brzezinski (2001, p.89) aponta que 146 As pesquisas analisadas mostram que a formação do professor-reflexivo ganha dimensão crítica. Ao serem estimulados a pensar sobre os condicionamentos histórico-institucionais das práticas pedagógicas e sobre a dimensão ético-política da ação educativa, os professores tomam consciência de que “a prática pedagógica é uma atividade que gera cultura, à medida que é praticada, portanto, a prática docente em movimento é produtora de conhecimento, ela é práxis” (Gimeno Sacristán, 1991, p. 83) Diante do que foi exposto, destacamos que os obstáculos estão a nossa volta para serem superados. Acredita-se que o trabalho de leitura possa ser realizado por todos os professores das diversas disciplinas que compõem o currículo das Séries Finais do Ensino Fundamental, desde que haja um projeto de articulação. O problema está posto, mas não é para sempre, pois quem está inserido nele são seres humanos historicamente constituídos que: (...) mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam. (FREIRE, 1996, p.60) Sob esse prisma, é possível vislumbrar possibilidades para um trabalho integrado que contribua para a superação das desigualdades constituídas pelos diferentes níveis de aprendizagem da leitura. A dificuldade de leitura que muitos alunos apresentam na escola, pode ser superada, a partir de uma prática que leve em consideração as condições de produção dessa dificuldade, uma prática coerente com as reais necessidades dos alunos. 147 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Não tenho um caminho novo, O que tenho de novo é o jeito de caminhar. Thiago de Mello Pensar no tema leitura hoje, pressupõe pensar em formação de professores, tendo em vista que os problemas com leitura que se apresentam na escola precisam da intervenção direta do professor. Como foi citado, no corpo desse trabalho, os alunos têm passado de uma série para outra sem sanar suas dificuldades com leitura. Esse problema se agrava nas séries finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, tendo em vista que nos cursos de formação inicial (Licenciaturas) não existe um projeto que articule leitura e conteúdo específico, geralmente existe uma preocupação exacerbada ao conhecimento da área em detrimento de outros, como por exemplo, do conhecimento pedagógico. Ao longo do processo formativo do professor (período de escolarização, formação inicial, início da docência, formação contínua e exercício da docência) não aparece um projeto articulado em que a leitura se apresente como responsabilidade de toda a escola. Assim, os professores que lecionam nas diferentes disciplinas que compõem o currículo escolar das séries finais do Ensino Fundamental não possuem subsídios teóricos e metodológicos que os ajudem a refletir sobre o ensino da leitura como uma responsabilidade de todas as disciplinas, conseqüentemente, que lhe possibilite fazer as intervenções necessárias para ajudar o aluno a atribuir sentido ao que lê. Geralmente quando se fala em leitura, se pensa na alfabetização e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, como se aprendizagem da decodificação dos símbolos e atribuição de alguns sentidos a um determinado texto ou tipo de leitura fossem suficientes para o processo de compreensão sobre um texto lido. Aqui partirmos do pressuposto de que a leitura é processo contínuo que se dá ao longo do processo de escolarização do indivíduo, a partir do contato direto e da manipulação com materiais escritos de diversos gêneros por meio de situações planejadas. Nesse sentido, compreendemos a leitura como um processo escolarizado, portanto, faz-se necessário que a escola, enquanto instituição responsável pelo processo de construção desse conhecimento, possibilite ao aluno uma aprendizagem efetiva do código escrito, tornado-o capaz de transpor essa aprendizagem da escola para a vida e da vida para a escola, num movimento dialético entre leitura de mundo e leitura da palavra, pois a leitura é uma prática social. 148 Especialmente na sociedade brasileira, cujo elevado número de alunos, conforme os dados apresentados pelo INEP (2003), tem concluído o Ensino Fundamental sem o domínio básico da leitura, a escola não pode ficar alheia às questões culturais de acesso à leitura que envolve esses alunos. Com base nos dados desta pesquisa, destacamos que o professor especialista se sente despreparado para a realização de um trabalho mais eficaz junto aos alunos que apresentam dificuldades com leitura, devido ao processo de sua formação inicial. Durante as aulas eles recorrem à memória, relembrando a aplicando procedimentos de leitura que foram desenvolvidos por seus professores ao longo sua escolarização. Além disso, alguns arriscam realizar atividades diferenciadas no cotidiano da sala de aula para ajudar os referidos alunos. São atividades que, às vezes, dão certo, mas que precisam de uma sistematização, pois muitas vezes o professor não tem certeza se está fazendo realmente à “coisa certa”. O planejamento se apresenta como uma ação imprescindível para nortear o trabalho com leitura em sala de aula. Um planejamento interdisciplinar, por meio de projetos que contemplem: estudo de referencial teórico sobre leitura, elaboração de atividades a partir das reais necessidades dos alunos, elaboração de estratégias de leitura para trabalhar o conteúdo específico; entre outros. Transformar a realidade posta (alunos nas séries finais do Ensino Fundamental sem o domínio básico da leitura) exige da escola um trabalho coletivo, direcionado pelo Projeto Político Pedagógico que deve ter a leitura como o seu fio condutor para articular os conhecimentos específicos de cada disciplina. A leitura é um elemento fundamental no processo de ensino – para comunicação do conteúdo específico – e de aprendizagem – aprender por meio da leitura os conhecimentos acadêmicos independentemente da área de conhecimento. É importante destacar a que a escola como um todo (professores, diretores, coordenadores), tendo ciência das condições materiais de produção de leitura dos alunos, precisa se responsabilizar pelo processo de aprendizagem da leitura, não ficando essa responsabilidade apenas para o professor dentro da sala de aula. Os espaços de leitura na escola (bibliotecas, sala de leitura, murais, cartazes, eventos para discutir o tema, ou simplesmente para ler, etc) são de suma importância para inserir os alunos em contato direto com situações e materiais escritos que podem ser lidos. Para os professores da pesquisa, o coordenador tem papel fundamental no trabalho com leitura, sendo um elo entre as diversas áreas, mediando as discussões e sistematizando as propostas construídas no coletivo. Destacamos que nas séries finais do Ensino Fundamental, 149 o conhecimento se encontra totalmente fragmentado, devido à visão compartimentalizada do conhecimento passada nos cursos de licenciaturas específicas e a organização do currículo escolar. O coordenador é a pessoa que ao lado dos professores pode amenizar essa situação, por meio da organização de atividades interdisciplinares. Tal assertiva encontra respaldo nas fala desses professores, quando apontam a falta de tempo para organização de atividades como também a falta de conhecimento teórico sobre o tema. É importante ressaltar, que as concepções de leitura que tem permeado a prática pedagógica do professor são concepções que estão sendo construídas, tendo em vista que em determinadas situações os professores demonstram conhecimentos sobre as pesquisas acadêmicas da temática, mas em outras situações buscam modelos no seu processo de escolarização que, muitas vezes, não atendem as necessidades do seu aluno. Percebemos um movimento de busca – novas alternativas para o ensino; de angústia – por ver que seu trabalho não está tendo o resultado esperado; de reflexão – sobre o que pode ser feito para sanar a problemática citada; e de formação contínua – na discussão e socialização dentro da escola sobre as situações vivenciadas em sala de aula. O processo de ensino e aprendizagem e as concepções sobre a relação do aluno com a leitura, presentes nos discursos dos professores, exigem um repensar sobre a veiculação, dentro da escola, dos conhecimentos acadêmicos construídos nos últimos anos sobre a lectoescrita, com intuito de fornecer informações que possibilite ao professor articular o conhecimento teórico sobre leitura, o conhecimento sobre os alunos e o conhecimento específico da disciplina com fins de propiciar uma aprendizagem significativa ao aluno. A realização do presente trabalho pode representar mais um espaço para a discussão silenciada ao longo dos anos sobre a responsabilidade da leitura nas séries finais do Ensino fundamental. Diante do exposto, gostaríamos de ressaltar a importância desta pesquisa para a área de educação, contribuindo com a discussão sobre a formação de professores por meio das conexões com a de leitura. A aproximação entre leitura e formação de professores pode apontar novos caminhos para a superação da lógica fragmentária que permeia o fazer pedagógico, por meio do trabalho interdisciplinar tendo a leitura como o eixo norteador do trabalho nas séries finais e como um, entre os vários elementos de discussão, para a formação contínua dos professores que acontece no espaço da escola, ao longo do exercício da docência. 150 REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli. A pesquisa sobre formação de professores no Brasil: 1990 – 1998.In. CANDAU. Vera M. Ensinar e aprender: sujeitos, saberes e pesquisa. 2ª ed.Rio de Janeiro: DP&A, 2001. ______. Pesquisa em Educação: buscando rigor e qualidade. Caderno de Pesquisa. São Paulo, n. 113, p. 51-64, Jul. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742001000200003& lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 18 set. 2006. BAKHTIN, M. M. Marxismo e filosofia da linguagem. 12ª ed. São Paulo: Hucitec, 2006. BOGDAN, Robert C. e BIKLEN Sari K. 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Você acha que pode fazer alguma coisa para ajudar esses alunos que têm dificuldades com leitura? De que forma? 4. Leitura e disciplinas específicas A leitura é um conteúdo que deve ser ensinado apenas de Língua Portuguesa? Ela é importante para o desenvolvimento do aluno na sua disciplina. Porque? O professor das diversas disciplinas pode contribuir com a aprendizagem da leitura em suas aulas? De que forma? 5. Leitura e planejamento Você planeja atividades que contempla a questão da leitura na sala de aula? Que atividades são essas? Durante a leitura de textos que acontece em sala de aula como você orienta seus alunos? - Você dá orientações específicas? Quais? - O que você faz antes da leitura? - Durante a leitura você faz alguma intervenção? Qual? Ao final da leitura que atividades você desenvolve? 6. Leitura e escola De que maneira a escola, como um todo, deve se posicionar com relação ao trabalho de leitura? 156 APÊNDICE B – Termo de consentimento livre e esclarecido entrevista Prezado(a) professor(a) Você está sendo convidado a participar de uma pesquisa que tem como objetivo compreender as estratégias de leitura nas diversas disciplinas das Séries Finais do Ensino Fundamental. Por meio de uma entrevista individual, análise de materiais escritos e observações (caso haja necessidade), podemos conhecer a sua opinião a respeito desse tema. Todos os aspectos que você abordar contribuirão para a compreensão do tema referido acima. A entrevista será gravada e transcrita para a análise e interpretação dos dados. Você participa da entrevista se estiver de acordo. Não haverá riscos, desconfortos ou gastos de qualquer natureza. Você poderá solicitar esclarecimento quando sentir necessidade e, poderá interromper sua participação quando quiser, sem penalização alguma ou prejuízo. Os resultados obtidos serão utilizados em publicações e eventos científicos. O telefone para contato com a pesquisadora (75 – 36256957/ 75 – 91341806/ 16 – 33618799 ) estará à sua disposição para quaisquer esclarecimentos referentes a pesquisa. Agradeço sua colaboração neste trabalho. Maria Vitória da Silva End.: Rua Miracatu, 780, Estação Nova – Feira de Santana – BA De acordo Nome: Data: ____/___/____ Assinatura: 157 APÊNDICE C – Modelo do quadro utilizado para organização dos dados Quadro 2 - Concepções de leitura do professor de Geografia nas séries finais do ensino fundamental Dimensões Definições de leitura Relação leitura e escola Relação leitura e conteúdo específico; Área de conhecimento; Formação docente para atuação nessa área e nessa escola Relação aluno e leitura O processo de ensino e de aprendizagem da leitura em diferentes disciplinas Excertos Observações Livros Grátis ( http://www.livrosgratis.com.br ) Milhares de Livros para Download: Baixar livros de Administração Baixar livros de Agronomia Baixar livros de Arquitetura Baixar livros de Artes Baixar livros de Astronomia Baixar livros de Biologia Geral Baixar livros de Ciência da Computação Baixar livros de Ciência da Informação Baixar livros de Ciência Política Baixar livros de Ciências da Saúde Baixar livros de Comunicação Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE Baixar livros de Defesa civil Baixar livros de Direito Baixar livros de Direitos humanos Baixar livros de Economia Baixar livros de Economia Doméstica Baixar livros de Educação Baixar livros de Educação - Trânsito Baixar livros de Educação Física Baixar livros de Engenharia Aeroespacial Baixar livros de Farmácia Baixar livros de Filosofia Baixar livros de Física Baixar livros de Geociências Baixar livros de Geografia Baixar livros de História Baixar livros de Línguas Baixar livros de Literatura Baixar livros de Literatura de Cordel Baixar livros de Literatura Infantil Baixar livros de Matemática Baixar livros de Medicina Baixar livros de Medicina Veterinária Baixar livros de Meio Ambiente Baixar livros de Meteorologia Baixar Monografias e TCC Baixar livros Multidisciplinar Baixar livros de Música Baixar livros de Psicologia Baixar livros de Química Baixar livros de Saúde Coletiva Baixar livros de Serviço Social Baixar livros de Sociologia Baixar livros de Teologia Baixar livros de Trabalho Baixar livros de Turismo