Medicina prática Rev. Medicina Desportiva informa, 2013, 4 (5), pp. 28–29 Infiltrações e punções em traumatologia do desporto – xi Dr. Raul Maia e Silva Médico Fisiatra – Porto RESUMO / ABSTRACT A síndrome de dor trocantérica (SDT) reúne um conjunto de entidades clínicas, como bursites, roturas ou entesopatias de inserção do médio e do pequeno glúteo, encurtamentos da banda iliotibial, que se exprimem por dores crónicas e sensibilidade à palpação, localizadas na região do grande trocânter. As bursites trocantéricas caraterizam-se por responder aos tratamentos conservadores como termoterapia local, agentes físicos analgésicos e anti-inflamatórios, AINE’s, estiramentos, nomeadamente da banda iliotibial, reforço muscular de todo o membro e diminuição de peso. Quando estes tratamentos falham infiltrações das bursas com corticoides e anestésicos locais provocam um grande alívio das queixas. Greater trochanteric pain syndrome is defined as tenderness to palpation over the greater trochanter. The etiology is not fully known. Pain generators may be associated with the gluteus maximus, medius or minimus bursae, muscle attachments or overlying tissue such as the iliotibial band. When trochanteric bursitis is the cause of pain local corticosteroid injections can provide considerable relief in most patients who fail to respond to conservative treatment. PALAVRAS-CHAVE / KEYWORDS Infiltrações, síndrome da dor trocantérica, bursites trocantéricas Joint and soft tissue injections, greater trochanteric pain syndrome, trochanteric bursitis Na síndrome de dor trocantérica (bursites trocantéricas) Há já bastantes anos foi descrita uma síndrome de dor trocantérica (SDT) que reúne um conjunto de entidades clínicas, que se exprimem por dores crónicas e sensibilidade à palpação, localizadas na região do grande trocânter. Durante muito tempo essas dores foram atribuídas a bursites da região, nomeadamente às do médio glúteo, mas mais tarde foi verificado que pelo menos algumas não eram devidas a bursites mas a tendinopatias ou roturas do próprio músculo.1 A falta de informação sobre esta síndrome tem levado muitos atletas com dores trocantéricas a continuarem a serem tratados a “bursites trocantéricas” que muitas vezes não têm. Na atualidade a SDT reúne entidades tão distintas como bursites, roturas ou entesopatias de inserção do médio e do pequeno glúteo, encurtamentos da banda iliotibial e ressaltos da anca.2,3,4 Quando comparada com a grande incidência da SDT na população em geral (1.8/1000 por ano)5, no desporto não é uma patologia frequente. Ela pode resultar de contusões locais, nomeadamente em modalidades de 28 · Setembro 2013 www.revdesportiva.pt contacto ou no momento de quedas, mas habitualmente são provocadas por microtraumas de repetição nessa região. A dor da SDT tem ponto de partida na região trocantérica e daí irradia frequentemente para a face externa da coxa até ao joelho e raramente abaixo dele. Ela pode aparecer, quer quando o atleta está em movimento, no momento do apoio unipodálico sobre o membro do lado da dor, podendo suceder na marcha (sobretudo em terrenos irregulares), na corrida, a subir escadas, na utilização de máquinas “elíticas” ou outras actividades em carga, quer quando está em repouso, quando se exerce pressão direta local, como é o caso do decúbito homolateral. Pode também aparecer após muito tempo de pé parado e aumentar com alguns movimentos da anca, em particular com a abdução e a rotação externa. Foram encontradas associações estatisticamente significativas desta síndroma com o encurtamento da banda iliotibial, com a gonartrose homolateral, com a lombalgia e com a obesidade, mas não com a desigualdade de comprimento dos membros inferiores.3,6 Presume-se que uma banda iliotibial retraída cause irritação na sua passagem sobre o grande trocânter (como acontece na marcha ou nas corridas prolongadas) e as gonalgias e as lombalgias causem sintomas neste e noutros locais da cadeia cinética, por um mecanismo de movimentos compensatórios3. Perante uma SDT há, que fazer um diagnóstico diferencial, o primeiro dos quais será, nos atletas seniores ou veteranos, com a coxartrose: a bursite trocantérica habitualmente não perturba tanto a marcha como a coxartrose mas, pelo contrário, perturba muito mais o descanso noturno, não permitindo o decúbito homolateral. Na coxartrose encontramos muito precocemente a limitação dolorosa da rotação interna e mais tarde da flexão; na bursite as amplitudes são completas, podendo despertar dor no final da rotação externa e na abdução resistida. Finalmente, com o paciente em decúbito controlateral, a palpação da face externa do grande trocânter (local da bolsa sob o grande glúteo) ou do seu rebordo superior (local da bolsa sob o médio glúteo) despertará, em caso de bursite, uma dor viva e intensa que o paciente reconhecerá como aquela que o incomoda. Por ordem de frequência, as bolsas sinoviais mais implicadas são as do grande, do médio e, raramente, do pequeno glúteos. Os sinais inflamatórios típicos da bursite (calor, rubor, tumefação) raramente estarão presentes, mas uma ecografia pode comprovar a presença de uma coleção líquida. A ressonância magnética nuclear é um exame que não se justifica fazer por rotina, uma vez que todos os pacientes com SDT apresentam imagens anormais em T2, mas essas imagens anormais também aparecem numa alta percentagem de pacientes que não sofrem de dor trocantérica, pelo que o seu valor preditivo é pobre.7 As bursites trocantéricas caraterizam-se por responder aos tratamentos conservadores com termoterapia local, agentes físicos analgésicos e anti-inflamatórios, AINE’s, estiramentos, nomeadamente da banda iliotibial, reforço muscular de todo o membro e diminuição de peso. Quando estes tratamentos falham as infiltrações das bursas com corticoides e anestésicos locais provocam um grande alívio das queixas. As infiltrações das bursites trocantéricas fazem-se com o paciente em decúbito controlateral, com a perna debaixo fletida e a de cima em extensão. A agulha é introduzida perpendicularmente à pele no ponto de dor mais intensa à palpação, que se situa na face externa do grande trocânter para as bursites do grande glúteo e imediatamente acima do trocânter nas do médio glúteo. Utilizam-se seringas de 5ml cheias, com misturas de corticoide (40 mg de metilprednisolona ou de triamcinolona) e lidocaína a 1-2%. O produto é espalhado, quer pelo local de dor mais intensa, quer pelas suas imediações. O paciente deve evitar esforços durante uma semana e depois retomar gradualmente as atividades físicas. Aqui, ao contrário do que se passa noutras localizações, há autores que defendem que a infiltração rádio guiada não traz benefícios, antes aumenta os custos8. O desaparecimento dos sintomas e a capacidade para retomar a atividade normal varia entre os 49% e os 100% com uma injeção local de corticoide, como primeira medida terapêutica acompanhada ou não de outros tratamentos conservadores.9 Um estudo controlado randomizado demonstrou efeitos clínicos relevantes aos 3 meses após infiltração de corticoides quanto à recuperação da atividade e quanto à dor em repouso e ao movimento. Já aos 12 meses não se encontraram diferenças em relação aos tratamentos convencionais.10 Um estudo retrospetivo concluiu que ao fim de 5 anos os pacientes portadores de uma bursite trocantérica e que receberam uma infiltração de corticoide têm 2,7 vezes mais hipóteses de total recuperação que aqueles que não foram infiltrados.5 Uma revisão sistemática recentemente publicada reconhece, no entanto, que existem poucos artigos na literatura sobre este tema e que a eficácia das várias modalidades terapêuticas desta síndrome necessita de ser testada em mais trabalhos controlados e randomizados.11 Bibliografia 1. Silva F, Adams T, Feinstein J, Arroyo RA. Trochanteric bursitis: refuting the myth of inflammation. J Clin Rheumatol. 2008;14(2):82-86. 2. Alvarez-Nemegyei J, Canoso JJ. Evidence-based soft tissue rheumatology: III: trochanteric bursitis. J Clin Rheumatol 2004;10:123–124. 3. Segal NA, Felson DT, Torner JC, Zhu Y, Curtis JR, Niu J, Nevitt MC. 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