Processos de Internacionalização de Instituições de Ensino Superior (IES) do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (COMUNG) Autoria: Fábio Dal-Soto, Luciane Stallivieri, Rosane Rodrigues Felix, Rozali Araújo dos Santos, Thais Crespi Resumo A internacionalização das IES tem sido objeto de discussão em função da globalização dos mercados e da consequente internacionalização do Ensino Superior. Logo, o objetivo deste estudo é analisar os processos de internacionalização de IES do COMUNG, com base no modelo de Rudzki (1998). Os casos selecionados para análise, PUCRS e UNISINOS, possuem os programas de pós-graduação stricto sensu melhor avaliados no COMUNG, com conceitos 6 ou 7. Os resultados mostram que as IES estudadas desenvolvem vários processos de internacionalização, similares na maior parte, que qualificam as suas atividades fins, especialmente as de ensino e pesquisa. 1 1 Introdução A internacionalização do Ensino Superior tem sido evidenciada em diversas situações do meio acadêmico e necessária para o avanço qualitativo das atividades praticadas pelas IES. Boa parte das ações de internacionalização decorre do fenômeno da globalização dos mercados, a qual provoca impactos em diversos setores da economia, inclusive na educação, e em diferentes contextos culturais, políticos, sociais e econômicos. Isso pode ser relacionado com o apontado por Pimenta e Duarte (2007), os quais afirmam que o crescimento do comércio internacional e de investimentos diretos estrangeiros favorecem o fluxo e o intercâmbio entre indivíduos de diferentes nacionalidades e culturas, o que, por sua vez, indica a necessidade de profissionais com uma mentalidade mais internacional e dotados de competências interculturais. Nesse sentido, a economia globalizada do século XX trouxe consequências para o sistema acadêmico internacional devido à pressão de adaptação às novas circunstancias. Inevitavelmente, as universidades sofrem os impactos da globalização, apesar de sempre terem sido ambientes internacionais e de suas origens forjadas por fortes influências internacionais, através da presença de professores oriundos de diversas partes do mundo (Miura, 2009). Dessa forma, com o incremento da globalização econômica, política e cultural, surgem movimentos que delineiam um ambiente acadêmico distinto, como o incremento da mobilidade estudantil, o crescimento do ensino à distância, a consolidação da dimensão internacional das atividades de ensino e pesquisa e o surgimento de padrões internacionais de currículos. Como resposta a esses movimentos, as IES têm formulado políticas, estratégias e ações no sentido de acrescentar uma dimensão internacional às suas atividades (Knight, 2002). De forma geral, os termos ‘globalização’ e ‘internacionalização do Ensino Superior’ frequentemente são usados na literatura como sinônimos. Apesar da sua relação estreita, é importante distinguir que a globalização é um processo que exerce impactos sobre a internacionalização do Ensino Superior e, com isso, os dois termos não devem ser usados como sinônimos e tampouco de forma intercambiável. Para evitar essa confusão, muitos pesquisadores têm desaconselhado o uso do termo ‘globalização da educação’ (Miura, 2009). Nessa relação dos termos, Altbach (2002, p. 4) destaca que “a globalização não pode ser completamente evitada. A história mostra que quando as universidades se colocam alheias às tendências econômicas e sociais elas se tornam moribundas e irrelevantes”. Ou seja, ignorar os efeitos da globalização na educação é um risco à sobrevivência das próprias IES, visto que a academia é afetada por investimentos em pesquisa e desenvolvimento que acompanhem padrões mundiais, pela propriedade intelectual de publicações internacionais, pelo amplo acesso à internet e por padrões internacionais de difusão do conhecimento (Miura, 2009). No que tange ao contexto brasileiro, a recente internacionalização do setor de Ensino Superior tem gerado um intenso debate político sobre soberania nacional, mas pouco explorado do ponto de vista organizacional e dos possíveis ganhos decorrentes de um melhor desempenho das IES para a sociedade, o setor produtivo, os estudantes e trabalhadores do setor. A realidade atual de atraso no cenário brasileiro do Ensino Superior e as mudanças que ocorrem no cenário produtivo mundial através da globalização pressionam o setor de Ensino Superior brasileiro a se tornar mais eficiente, acessível a parcelas maiores da população e integrado aos setores produtivos brasileiros e às cadeias de valor internacionais (Souza & Fleury, 2009). No entanto, a atual facilidade de compartilhamento das informações e a própria característica do conhecimento como objeto de trabalho das IES impulsionam a internacionalização e a troca irrestrita de experiências além-fronteiras. Além disso, como destacado por Pimenta e Duarte (2007), as razões para a internacionalização relacionam-se com a natureza intrínseca da educação, cujo papel principal é auxiliar o indivíduo a 2 compreender o mundo. Assim, o caminho da internacionalização tem sido perseguido pelas IES que competem com base na qualidade, realizam ‘pesquisas de ponta’ e/ou posicionam-se na vanguarda do conhecimento. Para as IES que estão nessa condição ou rumam nessa direção, a internacionalização tem se tornado imperativa, o que também é válido para as IES do COMUNG, e gerado, assim como para as outras organizações que se internacionalizam, situações que exigem uma série de decisões complexas quanto à forma de competir, como gerir as atividades internacionais, quais parceiros escolher e em quais países, entre outras. Portanto, o foco deste artigo reside neste ponto, com o objetivo de analisar o processo de internacionalização de IES do COMUNG. Em termos gerais, o COMUNG é composto por 15 IES e é considerado o maior sistema de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (RS). Atualmente, as IES que integram o COMUNG congregam mais de 40 campi universitários, abrangem mais de 380 municípios no RS e possuem mais de 200 mil alunos de graduação e pós-graduação. As IES que o integram são: FEEVALE, Centro Universitário Metodista IPA, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Centro Universitário Franciscano (UNIFRA), Centro Universitário La Salle (Unilassalle), Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), Centro Universitário UNIVATES, Universidade de Passo Fundo (UPF), Universidade da Região da Campanha (URCAMP) e Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões (URI) (http://www.comung.org.br, recuperado em 10, novembro, 2012). Na sequencia, este artigo está organizado da seguinte forma: i) referencial teórico que sustenta o tema, envolvendo internacionalização do Ensino Superior, mobilidade acadêmica e modelos de internacionalização de IES; ii) aspectos metodológicos que delineiam o trabalho; iii) análise dos casos estudados; e iv) conclusão sobre o estudo. 2 Referencial Teórico 2.1 Internacionalização do Ensino Superior A internacionalização do Ensino Superior é um processo complexo e multifacetado, com importantes implicações econômicas, políticas, sociais e culturais para os países, as instituições e as pessoas envolvidas (Reppold, Torres e Cardoso, & Vaz, 2010). Também é definida por Knight (2004), através de termos que valorizam a dimensão internacional e os relacionam com o papel da educação na sociedade, ou seja, a “internacionalização em nível nacional, setorial e institucional é definida como o processo no qual se integra uma dimensão internacional, intercultural ou global nos propósitos, funções e oferta de educação póssecundária” (Knight, 2003, p. 2). Nesse sentido, a dimensão internacional da educação afeta ou é afetada pelas políticas no nível nacional, setorial e institucional. No nível nacional, as políticas relacionam-se à área de relações exteriores, imigração, educação, ciência e tecnologia, cultura e história, desenvolvimento social, indústria e comércio, entre outros. Tratando-se do nível setorial de educação, as políticas estão relacionadas ao propósito, acreditação, licença, captação de recursos, currículo, ensino, pesquisa e regulação da educação pós-secundária. E em relação ao nível institucional, as políticas podem ser interpretadas de duas formas: i) a mais restrita, que se refere às declarações relacionadas à dimensão internacional na missão da instituição, propósitos, valores, funções e políticas (estudo no exterior, recrutamento de estudantes, ligações e parcerias internacionais, oferta de cursos transfronteira, licenças para estudo – sabbaticals – internacionais); e ii) a mais ampla, caracterizada pelas políticas no nível institucional relacionadas ao planejamento de diretrizes para analisar as implicações da/para a internacionalização, ou seja, verifica se a IES tem adotado uma abordagem integrativa e 3 sustentável, incluindo manutenção da qualidade, planejamento, pessoal, finanças, desenvolvimento de professores, apoio aos estudantes, entre outros (Knight, 2004). Em termos gerais, o processo de internacionalização das IES pode ser determinado por diferentes variáveis. Os docentes, por exemplo, podem influenciar direta e indiretamente esse processo, através do estímulo, incentivo e aconselhamento aos estudantes para o desenvolvimento de uma carreira internacional ou, ainda, através do desenvolvimento de currículos, programas e cursos coerentes com o atual ambiente acadêmico (Sanderson, 2008). Essa influência dos docentes no processo de internacionalização das IES é enfatizada no estudo de Duarte, Castro, Pereira e Cruz (2009), o qual aponta o docente como o catalisador do processo e o centro da formação de redes de relacionamentos entre pesquisadores e IES. Embora as IES contribuam direta ou indiretamente para a formação das redes de relacionamentos, seu controle sobre como essas redes são utilizadas pelos docentes é nulo ou mínimo. Em função disso, o processo de internacionalização das IES ganha contornos de informalidade e imprevisibilidade, visto a autonomia dos docentes na formação das redes de relacionamentos e na sua utilização de acordo com seus interesses (Duarte et al., 2009). Apesar disso, os relacionamentos formais entre as IES têm importante participação no processo de internacionalização, pois dão garantia aos acadêmicos que seus estudos no exterior serão válidos e reconhecidos em seu país de origem. Normalmente, esses acordos são negociados pelos reitores e são próprios das áreas responsáveis pelas relações internacionais das IES, além de estarem mais voltados para os aspectos administrativos e operacionais, tais como: admissões e transferências de alunos; apoio estudantil; equivalências curriculares; e crédito acadêmico (Denman, 2002). Tais acordos são especialmente relevantes para a graduação (Duarte et al., 2009). A fim de descrever e avaliar a maneira como a internacionalização está sendo implementada por países e instituições, a noção de abordagem tem sido utilizada, pois reflete os valores, prioridades e ações adotadas no processo de promoção e implementação da internacionalização do Ensino Superior. As abordagens utilizadas por instituições ou países podem ser mutáveis, de acordo com os diferentes estágios de desenvolvimento do processo de internacionalização, e até mesmo adotadas simultaneamente, ou seja, não são fixas nem excludentes (Miura, 2009). Apesar de não haver the best way, inicialmente as IES adotam uma abordagem que enfatiza as atividades, através da cooperação internacional, relações acadêmicas internacionais e mobilidade de estudantes estrangeiros. No entanto, à medida que as atividades das IES avançam quantitativamente e qualitativamente no âmbito internacional, como através do aumento da mobilidade de estudantes e professores e da ênfase no desenvolvimento de competências internacionais, surge a necessidade da adoção da abordagem de processo, a qual objetiva a integração da dimensão internacional, intercultural ou global nas propostas e funções tradicionais da universidade - ensino, pesquisa e serviços -, inclusive através da oferta de programas educacionais de Ensino Superior (Knight, 2004). Contudo, como vários outros processos, a internacionalização possui benefícios e riscos. Os benefícios podem ser constatados nos novos padrões, metodologias, materiais e práticas de ensino trazidas de/por IES estrangeiras para melhorar o Ensino Superior local, oportunizando aos estudantes experiências de aprendizagem que seriam impossíveis sem essa quebra de barreiras. Por outro lado, os riscos residem nos esforços nacionais de controle de qualidade dos cursos e na criação de credenciais adicionais que outorguem status e prestígio para as IES estrangeiras (Schwartzman, 2003). Portanto, dada a dificuldade de uma sociedade fechar-se às influências internacionais e às oportunidades de cooperação internacional, cada país deve ter a habilidade de canalizar os esforços para que a internacionalização beneficie o Ensino Superior local, desenvolvendo capacidades internas e ligações com tecnologias avançadas e centros de pesquisa. Caso 4 contrário, a internacionalização pode ser um caminho para o brain drain (evasão de cérebros), e mais prejudicial ainda nos casos em que o país de origem financiou a educação prévia e forneceu bolsas de estudos para a mobilidade acadêmica. Além disso, outros riscos referem-se à transformação das universidades clássicas em distribuidoras de Ensino Superior em massa, à supremacia do modelo Americano de Ensino Superior, ao domínio da língua inglesa e à transformação da ciência, tecnologia e educação numa grande área de negócios (Schwartzman, 2003). Estabelecendo uma reflexão crítica sobre a internacionalização do Ensino Superior, o estudo de Maranhão e Lima (2009) conclui que, apesar de atrelar o crescente processo de internacionalização à valoração da multiculturalidade e do multilinguismo, a política adotada por governos e IES reforça o modelo de educação preconizado pelos países hegemônicos. Essa política configura-se, portanto, como ferramenta da indústria cultural, ou seja, em detrimento da promoção da diversidade, prevalece a padronização dos serviços oferecidos, como os programas de curso, o idioma adotado, o desenho do curricula, as experiências culturais, entre outros. Essas reflexões tornam a internacionalização do Ensino Superior ainda mais desafiadora. Os resultados do estudo de Duarte et al. (2009) apontam que um dos principais desafios do processo de internacionalização das IES reside na institucionalização do processo informal, o que reduziria a dependência da instituição em relação ao docente. Entretanto, essa institucionalização parece inviável, considerando a autonomia e a independência dos docentes na formação e utilização das redes de relacionamentos, o que lhes asseguram uma posição de poder em relação à IES. Portanto, a internacionalização das IES reveste-se da relação de dependência da instituição em relação ao docente. Essa relação de poder e de interdependência entre os docentes e as IES também é destacada por Duarte et al. (2009) através do seguinte impasse: para os docentes, qualquer tentativa de institucionalização de seus relacionamentos no exterior pode significar uma redução da dependência das IES em relação a eles, ao passo que, para as IES, os resultados dos relacionamentos dos docentes com colegas estrangeiros, através de pesquisas e publicações, significam um aumento da dependência das IES em relação a eles. 2.2 Mobilidade Acadêmica Um dos elementos-chave da internacionalização do Ensino Superior é a mobilidade acadêmica/educação além-fronteiras, a qual “se refere ao movimento da educação – estudantes, pesquisadores, professores, material de ensino, programas, conhecimento, etc. – através de fronteiras nacionais/regionais com diferente geografia e jurisdição” (Knight, 2009a, p. 126). Dependendo do que ou de quem cruza a fronteira, a educação transnacional pode assumir as seguintes formas: i) mobilidade de pessoas: uma pessoa se desloca ao exterior com finalidades educacionais; ii) mobilidade de programas: um programa educacional é implementado no exterior; iii) mobilidade de instituições ou provedores: uma instituição ou provedor se instala ou investe no exterior com finalidades educacionais (Knight, 2003). Com base nisso, a mobilidade internacional de estudantes e pesquisadores constitui-se em forma duradoura de mobilidade acadêmica. No entanto, somente nas últimas duas décadas essa mobilidade tem sido enfatizada em programas educacionais e pelas próprias IES. À medida que prolifera a mobilidade de programas, o aspecto principal está em quem credita a atividade, pois naturalmente importa que a qualificação seja reconhecida para o mercado de trabalho ou para a continuidade dos estudos no país hóspede ou em outros países (Knight, 2009b). Para os estudantes, em especial os da graduação, duas condições se destacam como fundamentais para o fortalecimento da mobilidade: a possibilidade de reconhecimento pelo país de origem dos estudos realizados no exterior e a harmonização dos currículos com vistas à flexibilização dos conteúdos (Stallivieri, 2004). 5 Em termos gerais, ainda existe uma série falta de dados sólidos sobre o volume e o tipo de programas além-fronteiras. Essa escassez de informação cria um ambiente negativo de especulação, confusão, além da própria desinformação, o que pode impactar na confiança das pessoas em relação à qualidade e segurança do ensino além-fronteiras (Knight, 2009b). No entanto, as pesquisas apontam para um grande número de estudantes e professores que viajam temporariamente para realizar intercâmbios de pesquisa e/ou ensino em instituições estrangeiras e o fluxo de talentos acadêmicos em todos os níveis é predominantemente do Sul para o Norte, ou seja, de países em desenvolvimento em direção aos grandes sistemas acadêmicos metropolitanos (Miura, 2009). As universidades europeias, por exemplo, apresentam-se muito mais abertas a cooperação internacional, especialmente em relação à recepção de estudantes oriundos do Hemisfério Sul (Stallivieri, 2004). Por último, num olhar crítico, a atração de estudantes internacionais passa a representar, mais do que nunca, divisas para as nações, através da imposição de taxas escolares, despesas dos estudantes (transporte, habitação, saúde, alimentação, lazer, etc.) e principalmente pelo potencial de promover o país hospedeiro (cultura, língua, interesses políticos e econômicos, etc.) no país de origem. A defesa desses interesses, além de justificar a formulação de políticas de Estado, valida o emprego de verbas para a criação e o funcionamento de agências governamentais imbuídas da promoção do sistema de educação do país e respectivos atores, tais como: British Council, Fulbright Commission, Deutscher Akademischer Austausch Dienst, Japan International Cooperation Agency, entre outras (Maranhão & Lima, 2009). 2.3 Modelos de Internacionalização de IES O crescente interesse sobre a internacionalização de IES tem resultado em inúmeras pesquisas que buscam, em linhas gerais, o entendimento do processo e respectivos elementos que o compõem. Como consequência, várias dessas pesquisas originaram estruturas teóricas ou modelos que sintetizam, cada um à sua maneira, os diferentes processos de internacionalização desenvolvidos pelas IES, como, por exemplo, os de Rudzki (1998), Knight (1994) e Davies (2001). Neste trabalho, o modelo de Rudzki (1998) é adotado como framework teórico de análise, pois fornece uma visão geral do processo de internacionalização, além de sua praticidade e aplicabilidade (vide Figura 1). Contexto Abordagem Razão Ações / Dimensões / Atividades Mudança Organizacional - Inovação Curricular - Desenvolvimento da equipe - Mobilidade Estudantil Monitoração e Revisão Periódica Mudança / Reposicionamento / Realinhamento / Rearranjo / Reexaminação / Reajuste / Reconceitualização Figura 1. Modelo de Internacionalização Fonte: Rudzki, R. E. J. (1998). The strategic management of internationalization: towards a model of theory and practice (p. 220). Thesis, School of Education, University of Newcastle upon Tyne, United Kingdom. O modelo em tela parte da análise do contexto, considerando as variáveis ambientais que influenciam o negócio das IES. Neste ponto inicial, incluem-se os ambientes 6 internacional e nacional, o que permite a abordagem do processo de internacionalização das IES contextualizada na sua realidade externa. Além desses aspectos, a abordagem de internacionalização também é influenciada pelos fatores internos das IES, tais como: a história e cultura das IES; as prioridades da IES e a missão institucional; a percepção da IES em relação à internacionalização, considerando suas finalidades e seus benefícios; e os fatores que influenciam o sucesso e aqueles que geram obstáculos ao processo de internacionalização. Rudzki (1998) classifica a abordagem de internacionalização num continuum que pode variar entre a proativa, a reativa, a oculta e a ausência deliberada de atividades internacionais. A abordagem proativa caracteriza-se quando a IES explicita de forma clara sua política ou estratégia para a internacionalização. A abordagem reativa ou passiva consiste na resposta aos fatores externos, como disponibilidade de recursos ou necessidade de aumento da renda. Na abordagem oculta, as atividades de internacionalização são realizadas pelas pessoas vinculadas à IES, porém sem o apoio oficial ou institucional. E, por último, a ausência deliberada de internacionalização, como a própria expressão deixa claro, desconsidera de forma anunciada as ações que envolvem a atividade. No próximo estágio, o modelo adota as definições comumente aceitas para as razões que levam à internacionalização, como políticas, econômicas, acadêmicas e culturais. A pesquisa de Rudzki (1998) aponta como principais razões para a internacionalização os incentivos financeiros (razão econômica) e a existência da dimensão internacional para a pesquisa e o ensino (razão acadêmica), além de considerar a função cultural e o desenvolvimento do indivíduo como benefícios do processo (razão cultural). O quarto estágio do modelo é composto pelas ações que constituem o processo de internacionalização de uma IES, as quais Rudzki (1998) categoriza em quatro dimensões: i) mudança organizacional; ii) inovação curricular; iii) desenvolvimento da equipe; e iv) mobilidade estudantil. A mudança organizacional refere-se às alterações necessárias na estrutura de gestão da IES para a realização das atividades relacionadas ao processo de internacionalização, com impactos na forma tradicional de trabalho. A segunda dimensão – inovação curricular – pode ser visualizada de diversas formas, como a criação de novos programas, o ensino compulsório de uma segunda língua para todos os estudantes, o apoio linguístico para estudantes estrangeiros e a mudança na forma de ensino através de estudos de caso ou projetos de trabalho. Quanto ao desenvolvimento da equipe – professores e pessoal de apoio administrativo –, incluem-se as atividades de treinamento tradicionais até as atividades de contínuo desenvolvimento profissional para atualização de conhecimentos e habilidades. A quarta dimensão – mobilidade estudantil – pode ser entendida tanto como mobilidade física, para a minoria dos estudantes, devido principalmente às questões econômicas, quanto mobilidade intelectual, para a maioria com capacidade de acesso a conceitos e experiências formulados num ambiente educacional multicultural. O estágio da monitoração e revisão periódica tem o sentido de aferir a consistência entre as realizações do processo de internacionalização da instituição e os elementos do modelo previamente descritos, tendo em vista a necessidade de monitoramento constante, tanto para reforçar as ações em andamento quanto para identificar as melhorias necessárias. Por fim, o sexto estágio do modelo consiste no realinhamento e reposicionamento das atividades, com o objetivo de assegurar que as mudanças sejam realizadas de acordo com a etapa anterior de revisão. Essas mudanças devem considerar ambos os ambientes, interno e externo, no sentido de garantir a continuidade e sustentabilidade do processo de internacionalização. Como normalmente as proposições de estruturas teóricas geram críticas na academia, algumas mais conceituais e outras de ordem mais pragmáticas, o modelo de Rudzki (1998) não foge à regra. Wit (2002), por exemplo, questiona a estrutura do modelo nos seus estágios iniciais, pois utiliza a análise do contexto e a abordagem do processo de internacionalização 7 no lugar das tradicionais análises externa e interna. Além disso, a disposição dos estágios pode ser entendida como um posicionamento hierárquico, o que implicaria na supremacia das variáveis externas sobre as internas. Wit também questiona as dimensões que categorizam as ações do processo de internacionalização conforme o quarto estágio do modelo. O autor argumenta a existência de um desequilíbrio entre as dimensões, como, por exemplo, a mudança organizacional, vista como mais genérica, posiciona-se em mesmo plano com outras questões mais concretas. 3 Metodologia A partir do viés qualitativo, esta pesquisa centra-se num estudo de casos comparativos. A técnica do estudo de caso pode ser definida como um estudo empírico que investiga um fenômeno atual dentro do seu contexto de realidade, especialmente quando as fronteiras entre o fenômeno e o contexto não são claramente definidas, além de basear-se em várias fontes de evidência. Além disso, o tema de pesquisa caracteriza-se pela atualidade, não tendo o pesquisador controle sobre os eventos comportamentais do objeto de estudo (Yin, 2005). A escolha de casos comparativos nesta pesquisa deve-se ao fato de que as evidências apresentadas através desse tipo de projeto são mais convincentes e o próprio estudo é considerado mais robusto ao basear-se na lógica da replicação. Os procedimentos de replicação permitem o desenvolvimento de uma rica estrutura teórica, a qual expõe as condições sob as quais é provável que se encontre um fenômeno em particular - replicação literal - e as condições sob as quais não é provável que se encontre tal fenômeno - replicação teórica (Yin, 2005). Quanto ao objeto de estudo, apesar da integração no mesmo consórcio, as IES do COMUNG possuem diferenças significativas que impactam diretamente nos seus processos de internacionalização, tais como: porte/tamanho, região de localização/abrangência, quantidade e qualidade dos programas de pós-graduação stricto sensu e da produção científica, entre outras. Dessa forma, e como o COMUNG é composto por 15 IES, o foco deste estudo está naquelas IES que possuem os processos acadêmicos mais avançados. Para isso, adotou-se, como estratégia de escolha dos casos estudados nesta pesquisa, o critério de notas de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), selecionando aquelas IES do COMUNG que possuem programas de pósgraduação stricto sensu com notas 6 ou 7 no último triênio avaliado, ou seja, com base na Avaliação Trienal 2010. Esse critério espelha-se no adotado por Miura (2006, 2009), pois, em termos gerais e em tese, os processos acadêmicos mais avançados, inclusive os relacionados à internacionalização, estão localizados nas IES que possuem pesquisas em nível de excelência, o que se retrata conceitualmente nos programas de pós-graduação stricto sensu e respectivas notas atribuídas pela CAPES. Nesse sentido, duas IES do COMUNG atenderam ao critério adotado: i) PUCRS, com 7 programas de pós-graduação stricto-sensu com conceito 6 atribuído pela CAPES, a saber: Educação, Filosofia, Gerontologia Biomédica, História, Medicina e Ciências da Saúde, Serviço Social e Zoologia; e ii) UNISINOS, com 2 programas de pós-graduação stricto sensu também com conceito 6 pela CAPES, nas áreas de Educação e Direito. Para a coleta de dados nessas IES, diferentes fontes foram utilizadas através da documentação direta e indireta. Como fonte de documentação direta, a pesquisa se utilizou de entrevistas semiestruturadas com os responsáveis pela área de internacionalização das IES estudadas, as quais foram realizadas através de visitas in loco nos meses de março e abril de 2013. O roteiro utilizado nas entrevistas baseou-se no modelo teórico de Rudzki (1998), reunindo as perguntas em seis grupos: i) contexto, abordagem e razão; ii) mudança organizacional; iii) inovação curricular; iv) desenvolvimento da equipe; v) mobilidade estudantil; e vi) monitoramento e reposicionamento. 8 No caso da PUCRS, há dois setores que atuam diretamente nas ações de internacionalização da IES: i) a Assessoria de Assuntos Internacionais e Interinstitucionais, ligada diretamente à Reitoria; e ii) a Mobilidade Acadêmica, vinculada à Pró-reitoria Acadêmica. Por isso, as entrevistas foram realizadas de forma individual com as responsáveis por ambas as áreas, com duração de 2 horas e 1 hora, respectivamente. Já na UNISINOS, as ações de internacionalização estão concentradas na Assessoria de Relações Internacionais e Desenvolvimento, ligada diretamente à Reitoria. Essa assessoria é gerenciada pelo Diretor de Desenvolvimento e Expansão, com o qual se realizou a entrevista com duração de 1 hora e 30 minutos. Em relação à documentação indireta, a pesquisa se utilizou de informações já formalizadas pelas IES estudadas e pelo COMUNG em documentos internos, materiais de divulgação e nos seus próprios sites na internet. Por fim, os dados e informações coletadas foram analisados através do framework teórico adotado. A estratégia analítica geral adotada nesta pesquisa foi a descritiva (estudo de casos descritivos). Especificamente em relação às entrevistas, a análise se baseou na transcrição das mesmas e, num segundo momento, em seu conteúdo. Richardson (1999) afirma que a tentativa de uma compreensão detalhada dos significados e características situacionais apresentadas pelos entrevistados, em lugar da produção de medidas quantitativas de características ou comportamentos, caracteriza a pesquisa qualitativa. 4 Estudo de Casos A PUCRS está entre as mais tradicionais instituições de Ensino Superior do Brasil, constituída como universidade em 1948 e com marco inicial na Escola Superior de Comércio em 1931. Caracteriza-se como uma entidade privada sem fins lucrativos, confessional católica e comunitária. Fisicamente, a PUCRS constitui-se pelo seu campus em Porto Alegre, capital do RS, e por outras duas unidades, uma em Uruguaiana, no interior do Estado, e outra em Viamão, na Região Metropolitana. Atualmente, a PUCRS possui em torno de 30 mil alunos, 1,5 mil professores e 5 mil técnico-administrativos, incluindo o Hospital São Lucas. Em termos de cursos, a PUCRS possui 55 opções na graduação e 23 programas de pós-graduação stricto sensu, com 23 mestrados e 21 doutorados. Já a UNISINOS foi constituída como universidade em 1969, com origem no Colégio Jesuíta Conceição, fundado em 1869, e também se caracteriza como uma entidade privada sem fins lucrativos, confessional católica e comunitária. Fisicamente, a UNISINOS possui dois campi: o principal em São Leopoldo, cerca de 30 km da capital do RS, e o de Porto Alegre. Possui também unidades em Caxias do Sul, Bento Gonçalves, Rio Grande e Canoas, no RS, em São Paulo, capital, além de polos de educação à distância (EAD) em Santa Maria, RS, Florianópolis, em Santa Catarina, e Curitiba, no Paraná. Atualmente, a UNISINOS possui cerca de 32 mil alunos, 1,1 mil professores e aproximadamente 900 técnico-administrativos. Em relação aos cursos, a UNISINOS oferece 88 opções na graduação e 18 programas de pósgraduação stricto sensu, com 18 mestrados e 10 doutorados. A seguir, os processos de internacionalização da PUCRS e da UNISINOS são analisados de acordo com os grupos do roteiro de entrevistas. 4.1 Contexto, Abordagem e Razão A globalização dos mercados e os impactos no ambiente acadêmico são notadamente percebidos pelas IES pesquisadas. Tanto a PUCRS quanto a UNISINOS reconhecem o aumento da concorrência internacional e a necessidade de atenção às alterações das variáveis macroambientais e do ambiente setorial. De forma mais exacerbada, as IES se veem diante do imperativo da internacionalização como forma de competição na vanguarda. 9 A internacionalização é um processo irreversível, dado a globalização. [...] o mundo está completamente interconectado. A gente entra ou está fora do jogo [...]. Então, é um processo irreversível e, nesse sentido, o mercado hoje, até mesmo o da educação, ele é altamente competitivo. (Entrevista UNISINOS). [...] estamos num mundo internacionalizado, independente das ações institucionais. (Entrevista PUCRS). A fim de enfrentar esse cenário, a PUCRS e a UNISINOS desenvolvem estratégias de internacionalização há vários anos, visto que ambas são instituições tradicionais no Ensino Superior gaúcho e brasileiro. De forma mais contundente, a partir de meados dos anos 2000 há uma aceleração das políticas dessas instituições, a fim de melhor competir no ambiente globalizado. Esta mudança de postura das IES pesquisadas se deve essencialmente a duas situações: i) defasagem nacional em termos de internacionalização do Ensino Superior quando comparado ao contexto internacional; e ii) reconhecimento no ambiente interno, especialmente nos níveis superiores de gestão, da necessidade de internacionalização como forma de agregar valor nas atividades fins das IES. [...] nós somos obrigados a reconhecer que algumas áreas, em alguns países, estão muito avançadas. [...] No entanto, o Brasil se tornou uma grande oportunidade [...] por isso, nós estamos sendo rapidamente atropelados pelas possibilidades de internacionalização (Entrevista PUCRS). [...] nós temos uma estratégia muito robusta de internacionalização com vistas ao desenvolvimento regional. Então, de fato, é trazer essa agregação de valor desse meio para dentro da sala de aula, para as nossas pesquisas e para a extensão universitária. (Entrevista UNISINOS). Nesse sentido, a abordagem de internacionalização da PUCRS e da UNISINOS caracteriza-se, como conceituado por Rudzki (1998) e Knight (2004), do tipo proativa e na transitoriedade da abordagem com ênfase nas atividades para a de processo. Claramente, ambas as IES pesquisadas definem de maneira formal a internacionalização em seus objetivos. A PUCRS tem na internacionalização uma prioridade de gestão, através dos eixos da mobilidade acadêmica e da pesquisa. Já a UNISINOS possui uma orientação institucional para determinadas relações internacionais, com direcionamento baseado nas competências da universidade no futuro, definidas nas áreas de ciência e tecnologia. Além disso, tanto a PUCRS quanto a UNISINOS desenvolvem várias atividades inerentes à internacionalização, como mobilidade de alunos e professores, pesquisas conjuntas, interação empresauniversidade, entre outras. O crescimento qualitativo e quantitativo dessas atividades em ambas as IES orienta para uma abordagem não só focada nas atividades, mas que passa a considerar o desenvolvimento de competências internacionais e incorporar a dimensão internacional nas suas atividades fins, ou seja, de processo. Quanto às razões para a internacionalização, o entendimento das IES pesquisadas é similar, com predomínio das motivações acadêmicas e culturais. Pelas características das atividades das IES, essas razões residem nos seguintes aspectos: i) qualificação das atividades de ensino e pesquisa, através do contato com o conhecimento e experiências de vanguarda; ii) benefícios ao currículo do aluno (formação pessoal, cultural e profissional; autonomia pessoal; convívio com as diferenças; etc.); e iii) preocupação com a aprendizagem de idiomas estrangeiros. 4.2 Mudança Organizacional O aumento das atividades internacionais das IES pesquisadas ao longo dos anos gerou alterações na estrutura de gestão e, por consequência, nos espaços físicos e no número de pessoal diretamente envolvido com tais atividades. Conforme já mencionado, as duas IES 10 pesquisadas apresentam diferentes estruturas organizacionais relacionadas à área de internacionalização. No caso da PUCRS, há dois setores fisicamente separados e diretamente envolvidos com as ações de internacionalização: i) a Assessoria de Assuntos Internacionais e Interinstitucionais (AAII), que cuida das relações com as IES nacionais e internacionais; e ii) a Mobilidade Acadêmica, que atende diretamente ao aluno e aos aspectos curriculares inerentes às atividades internacionais. Dado o crescimento das atividades internacionais, a PUCRS tem implementado uma série de novas práticas que envolvem os setores mencionados, tais como: instrumentos de avaliação para alunos participantes de mobilidade; encontros para troca de experiências de mobilidade; tour com os alunos estrangeiros pelo campus e pela cidade; estímulo para a internacionalização aos alunos logo na fase inicial dos cursos; entre outras. Já a UNISINOS possui apenas um setor diretamente ligado às ações de internacionalização, a Assessoria de Relações Internacionais e Desenvolvimento (ARID). Como a UNISINOS atua com base numa estrutura matricial, a ARID conta com o apoio das unidades de negócio para a execução de suas atividades. Portanto, o contato direto com os alunos e professores é realizado pelas unidades de negócio. Além disso, o setor está organizado em duas frentes de trabalho: i) educação e pesquisa, que trata da mobilidade acadêmica, estágio no exterior, etc.; e ii) relações institucionais e de negócios, responsável pela área de relações públicas, diplomacia internacional, etc. 4.3 Inovação Curricular Tanto a PUCRS quanto a UNISINOS já desenvolvem várias ações que contemplam a internacionalização e impactam nos currículos dos seus cursos e na execução das pesquisas. Ambas as IES pesquisadas oferecem cursos com dupla-titulação, como o Mestrado Profissional em Gestão e Negócios da UNISINOS, diplomado também pela Universidade de Poitiers, França, e os cursos de licenciatura (Letras, Física, Matemática, Biologia, Química e Educação Física) da PUCRS através do Programa de Licenciaturas Internacionais (PLI), diplomados também por universidades de Portugal. Há também a possibilidade da realização de cotutela, através de convênios firmados com as IES de interesse. Além disso, ambas as IES possuem o apoio linguístico para estrangeiros e a UNISINOS já oferece, de maneira transversal em todas as áreas, várias disciplinas ministradas em inglês, como Entrepreneurship and Innovation, Sustainable Water Management, International and Brazilian Economic Conjuncture, entre outras. Outra forma de impacto da internacionalização nas atividades de ensino e pesquisa da PUCRS e da UNISINOS tem se evidenciado através da interação empresa-universidade, pois ambas IES possuem parques tecnológicos bem desenvolvidos. No caso da UNISINOS, o parque tecnológico, o Tecnosinos, abriga mais de 70 empresas de base tecnológica, com a participação de empresas internacionais, como SAP e HT Micron. O Tecnosinos possui aproximadamente 4 mil postos de trabalho e está organizado em cinco especialidades: i) tecnologia da informação; ii) automação e engenharias; iii) comunicação e convergência digital; iv) alimentos funcionais e nutracêutica; e v) tecnologias socioambientais e energia. Este fomento do Tecnosinos, inclusive no âmbito internacional, tem contribuído de forma significativa para o ensino e a pesquisa na UNISINOS, como o exemplo a seguir em relação à fabricante alemã de software: 11 [...] 33% dos funcionários da SAP vem da UNISINOS. Então, mostra para os nossos alunos que eles também têm essa questão da empregabilidade, que é tão importante, e a gente começa aos poucos trabalhar com pesquisa aplicada junto com eles, com os nossos diversos programas. Os projetos de pesquisa aplicada [...] são multi ou transdisciplinares. Então, eles envolvem a parte de TI, engenharia, designer, linguagem, enfim, uma série de relações, inclusive com o meio externo. A SAP tem um laboratório principal em Palo Alto, no Vale do Silício, e na Alemanha, então há triangulações e esse é o processo, esse é o dia-a-dia do mundo globalizado e interconectado [...]. (Entrevista UNISINOS). Nesse mesmo sentido, o parque tecnológico da PUCRS, denominado Tecnopuc, abriga 101 organizações (81 empresas, 8 entidades e 12 estruturas de pesquisa da PUCRS), com a presença de empresas estrangeiras como Hewlett-Packard, Microsoft e Dell Computer. O Tecnopuc possui mais de 5,6 mil postos de trabalho e é caracterizado como multissetorial, focado em quatro áreas: i) tecnologia da informação e comunicação e eletroeletrônica; ii) energia e meio ambiente; iii) ciências biológicas, da saúde e biotecnologia; e iv) indústria criativa. 4.4 Desenvolvimento da Equipe Conforme já mencionado, as IES pesquisadas possuem formas individuais de organização quanto aos setores diretamente envolvidos com as atividades de internacionalização. No entanto, de forma mais ou menos descentralizada, ambas as IES contam com o apoio dos cursos para a disseminação das oportunidades de internacionalização. No caso da PUCRS, o setor de Mobilidade Acadêmica realiza boa parte dos atendimentos aos alunos que participam da internacionalização, tanto os incoming quanto os outgoing, mas, mesmo assim, há um docente representante do setor em praticamente todos os cursos, a fim de estreitar o relacionamento com os alunos no próprio curso. No caso da UNISINOS, verifica-se que o atendimento é ainda mais descentralizado, pois o contato dos alunos envolvidos na internacionalização ocorre diretamente nos cursos e no setor de atendimento geral da IES, o que reduz o fluxo de alunos no setor de internacionalização. Em ambos os casos, há uma preparação das equipes diretamente envolvidas na internacionalização, com conhecimento de várias IES no exterior e domínio de idioma estrangeiro, em especial o inglês. Além dos técnico-administrativos, a PUCRS possui vários docentes diretamente envolvidos com os setores de internacionalização, ao passo que a UNISINOS atua essencialmente com técnico-administrativos, exceto o Diretor. Como ambas as IES possuem um número significativo de alunos, a descentralização torna-se importante para o sucesso das ações de internacionalização. Por outro lado, há o apoio de um qualificado corpo docente, pois a PUCRS e a UNISINOS contam, respectivamente, com cerca de 50% e 40% dos professores com titulação de doutor ou pós-doutor. Essa qualificação do corpo docente é um dos principais pontos da internacionalização das IES estudadas, pois como apontado por Duarte et al. (2009), os docentes exercem influência direta nos processos de internacionalização das IES. Isso se mostrou determinante tanto na PUCRS quanto na UNISINOS, dado que o domínio de idioma estrangeiro e a rede de relacionamentos dos docentes contribuem de forma direta para o avanço quantitativo e qualitativo das ações de internacionalização de suas IES. Essa influência dos docentes se torna ainda mais significativa quando se trata da realização de pesquisas conjuntas com IES do exterior, pois esse processo avança caracteristicamente quando há afinidades técnicas e de relacionamento entre os pesquisadores envolvidos. 12 [...] a internacionalização ocorre par com par, é aí que ocorre. Então tem um pesquisador, um professor, é ele que fomenta a pesquisa. A internacionalização está na ponta, e a instituição, o papel dela é induzir o norte estratégico, pra qual direção. [...] o que a gente quer é criar relações simétricas entre os países, no sentido da reciprocidade, visto que relações simétricas se dão no mesmo nível de conhecimento. Então há trocas, e quando há trocas, tem o efeito da reciprocidade, que em termos diplomáticos de internacionalização, é um efeito que deve ser fomentado [...]. (Entrevista UNISINOS). 4.5 Mobilidade Estudantil Conforme apontado por Rudzki (1998), a mobilidade pode ser caracterizada como intelectual e física. A mobilidade intelectual é condição de avanço qualitativo para as IES e está diretamente relacionada com a inserção da dimensão internacional nas práticas de ensino, pesquisa e extensão. Para as IES pesquisadas, isso tem se facilitado com o avanço das tecnologias de comunicação, o que viabiliza a realização de web conferências com professores estrangeiros, o acesso a bases de dados e artigos científicos internacionais e a própria conexão entre pesquisadores. Por outro lado, embora restrita a um menor número de alunos, a mobilidade física se destaca pelo contato presencial com outras culturas, realidades e formas de pensamento. Tanto a PUCRS quanto a UNISINOS possuem programas de mobilidade acadêmica (física) que se efetivam através de editais internos e externos e com diversas formas de financiamento. Atualmente, o governo brasileiro tem influenciado, de maneira inédita no contexto nacional, a execução da mobilidade acadêmica através do programa Ciência sem Fronteiras. Este programa é uma iniciativa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) conjuntamente com o Ministério da Educação (MEC) e prevê a utilização de 101 mil bolsas de mobilidade, em diversas modalidades no país e no exterior. A execução do Ciência sem Fronteiras já acontece desde 2012 e tem como meta a oferta das bolsas até 2015. De um lado, o Ciência sem Fronteiras é reconhecidamente um programa arrojado de internacionalização e, por outro, expõe a defasagem nacional na área considerando a quantidade de bolsas e a previsão de execução do programa em 4 anos. Dada a sua proporção, as ações de mobilidade das IES pesquisadas têm sido dominadas pelo Ciência sem Fronteiras. A Figura 2 sintetiza os números da mobilidade acadêmica nas duas IES, considerando graduação e pós-graduação. Tipo da mobilidade Incoming (in) Outgoing (out) IES Número de estudantes (base 2012 – graduação e pós-graduação) PUCRS 149 UNISINOS 39 PUCRS 331 UNISINOS 139 Principais países (origem ou destino) Espanha, França, México, Portugal e Chile. Espanha, Alemanha, Argentina, EUA e Uruguai. EUA, Portugal, Espanha, França e Reino Unido. Coréia do Sul, EUA, Espanha, Portugal e Itália. Figura 2. Mobilidades in e out nas IES estudadas Fonte: coleta de dados in loco – entrevistas. Além disso, o aumento das oportunidades de vivência no exterior e também de convívio com estrangeiros no Brasil tem revelado algumas fragilidades que envolvem as IES, os estudantes e a própria sociedade em geral. Nas IES pesquisadas, o domínio de idioma estrangeiro, especialmente o inglês, tem sido desafio para o incremento da mobilidade, tanto in quanto out, o que explica em parte a presença de Espanha e Portugal como principais países no envio e recebimento de estudantes brasileiros. De forma análoga, outras barreiras 13 envolvem inclusive as questões culturais brasileiras, como o apontado pela PUCRS em relação à estrutura de housing. Em geral, as IES brasileiras não possuem estruturas próprias para o recebimento de estudantes estrangeiros e a própria sociedade brasileira, via de regra, não está acostumada com esse tipo de acolhimento. 4.6 Monitoramento e Reposicionamento Os dois últimos estágios do modelo de Rudzki (1998) são de acompanhamento e revisão dos processos de internacionalização desenvolvidos pelas IES. Nesse sentido, a PUCRS e a UNISINOS possuem acompanhamento sistemático de suas ações de internacionalização, as quais são definidas e revisadas através de instrumentos formais de planejamento. O monitoramento das ações de internacionalização em ambas as IES evidencia diferenças de oportunidades entre as áreas do conhecimento, especialmente em relação à mobilidade. Isso se deve em parte pela própria natureza de determinadas áreas do conhecimento e também pelo viés dos programas e editais de mobilidade. Logo, alguns cursos possuem mais oportunidades de mobilidade que outros, como os de Engenharias e Computação em comparação ao Serviço Social e Filosofia. Isso também se exemplifica no Ciência sem Fronteiras, com abrangência principal nas áreas das engenharias, exatas, tecnológicas e da saúde. Além disso, o monitoramento das variáveis internas e externas orienta a eventual necessidade de reposicionamento do processo de internacionalização das IES pesquisadas, tendo em vista a dinâmica do mercado internacional e as competências internas desenvolvidas ao longo dos anos. Em ambas as IES, o avanço das atividades de internacionalização pressupõe investimentos e sustentabilidade, a fim de que os resultados sejam perceptíveis no desenvolvimento local e regional. 5 Conclusão A internacionalização do Ensino Superior tem sido importante tema na pauta do desenvolvimento nacional, dado o contexto do mundo globalizado. Países desenvolvidos e outros em desenvolvimento, como EUA, Finlândia, China e Coréia do Sul, têm dado exemplos de que os investimentos na educação, em todos os seus níveis, são condições basilares para o avanço das nações. No caso do Brasil, o ambiente acadêmico em geral tem vivido um choque de realidade internacional a partir do reconhecimento da pouca tradição do Ensino Superior brasileiro e da defasagem nacional em termos de internacionalização do setor, especialmente quando comparado aos principais centros acadêmicos do mundo. Nesse sentido, várias possibilidades de interação com IES estrangeiras têm desafiado o ambiente acadêmico nacional, tanto no sentido incoming quanto outgoing. O aumento dessas oportunidades tem sido fomentado por várias IES, por agências internacionais, pela iniciativa privada e, especialmente nos últimos anos, pelo governo federal, através de políticas e programas que incentivam a interação acadêmica internacional, como, por exemplo, o Ciência sem Fronteiras. Esses movimentos orientam para o desenvolvimento de uma cultura de internacionalização no meio acadêmico, com reflexos na sociedade brasileira em geral. Nos casos da PUCRS e da UNISINOS, percebem-se avançados processos de internacionalização desenvolvidos por ambas as IES, dado o contexto brasileiro. De forma mais restrita, considerando as IES gaúchas, públicas e privadas, e especialmente as do COMUNG, a PUCRS e a UNISINOS possuem posição de destaque em termos de porte institucional e qualidade das ações desenvolvidas. Especificamente sobre os aspectos que envolvem a internacionalização, a maior parte dos processos desenvolvidos pelas IES estudadas apresentam similaridades, tais como: i) o predomínio das razões acadêmicas e culturais para a internacionalização; ii) a abordagem proativa de internacionalização; iii) o papel dos docentes no processo de internacionalização; iv) a interação empresa-universidade, 14 através da presença de empresas internacionais nos parques tecnológicos; v) a barreira do inglês para a mobilidade dos acadêmicos; entre outras. Por outro lado, os casos estudados apresentam algumas diferenças, como: i) a estruturação dos setores diretamente envolvidos com as atividades internacionais; ii) o oferecimento de disciplinas em inglês; iii) o número de alunos participantes das mobilidades in e out; entre outras. Similares ou não, os processos desenvolvidos pela PUCRS e pela UNISINOS sustentam o caráter irreversível da internacionalização do Ensino Superior e a posição de inserção da dimensão internacional nas atividades fins dessas IES. Além disso, os resultados mostram um alinhamento dos processos de internacionalização com as características das IES comunitárias, pois não há o estabelecimento de uma relação comercial ou simplesmente baseada em questões econômico-financeiras. Há, portanto, o cotejamento das interações internacionais com os interesses acadêmicos e/ou institucionais, o que está diretamente ligado à melhoria das atividades de ensino e pesquisa e ao compromisso com o desenvolvimento local e regional das IES estudadas. Apesar desse desenvolvimento individual da internacionalização da PUCRS e da UNISINOS, o avanço no próprio COMUNG para ações conjuntas de internacionalização pode incrementar de forma significativa a visibilidade internacional das IES que o integram e impulsionar, de maneira ainda mais articulada, o desenvolvimento do Estado do RS. Isso pode ser efetivado através do estabelecimento de convênios do COMUNG com IES do exterior e da formação de uma qualificada rede de pesquisadores em determinadas áreas de atuação das IES que participam deste consórcio, a fim de avançar na competição do cenário globalizado. Por fim, o estudo da internacionalização de outras IES do COMUNG também pode ser considerado relevante, visto que essas IES se posicionam, via de regra, com base na qualidade e estão fortemente ligadas às suas regiões de abrangência, o que pode revelar diferentes processos de internacionalização do Ensino Superior. Além disso, o comparativo com outras IES nacionais e/ou do exterior pode apontar para os avanços e desafios da internacionalização dos casos estudados. Referencias Altbach, P. G. (2002). Perspectives on internationalizing higher education. International Higher Education, n. 27, pp. 6-8. Davies, J. L. (2001). A revolution in teaching and learning in higher education: the challenges and implications for the relatively traditional university. Higher Education in Europe, v. 26, n. 4, pp. 501-514. Denman, B. (2002). Globalisation and its impact on international university cooperation. Globalization, v. 2, n. 1. Recuperado em 30 Setembro, 2012, de http://globalization.icaap.org/content/v2.1/04_denman.html. Duarte, R. G., Castro, J. M. de, Pereira, A. C. C., & Cruz, A. L. A. (2009). O papel dos relacionamentos interpessoais no processo de internacionalização das Instituições de Ensino Superior (IES). 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