PARECER N.º 36/CITE/2008
Assunto: Parecer prévio nos termos do artigo 51.º do Código do Trabalho e do artigo 98.º da
Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho
Processo n.º 122 − DG/2008
I – OBJECTO
1.1.
Em 18 de Março de 2008, a CITE recebeu da direcção da Associação … das Mercês, um
pedido de emissão de parecer prévio ao despedimento da trabalhadora grávida …, com a
categoria profissional de ajudante de acção directa de 2.ª categoria.
1.2.
Nos termos do despacho emitido pela referida direcção, datado de 31 de Janeiro de
2008, foi nomeado instrutor e determinada a instauração de inquérito disciplinar ao
comportamento da citada trabalhadora (cfr. folha 1 do processo remetido à CITE).
1.3.
Na sequência de tal medida, nos dias 13, 16 e 18 de Fevereiro de 2008, foram ouvidos
quatro declarantes, sendo três dos quais sócios da entidade empregadora e a quarta
familiar de outro sócio, que relataram os factos alegadamente praticados pela
trabalhadora arguida (cfr. folhas 2 a 8 do processo remetido à CITE).
1.4.
Do inquérito disciplinar fazem ainda parte cópia das folhas de controlo de execução
mensal, das quais contam as datas, as horas de entrada e de saída, as observações e as
assinaturas das auxiliares responsáveis pelos cuidados prestados aos utentes do serviço
disponibilizado pela entidade empregadora (cfr. folhas 9 a 11 do processo remetido à
CITE).
1.5.
De acordo com o relatório de conclusão do referido inquérito, datado de 18 de Fevereiro
de 2008, entendeu o instrutor considerar indiciados os factos que vieram a fundamentar
a nota de culpa (cfr. folhas 13 e 14 do processo remetido à CITE).
1.6.
Em 22 de Fevereiro de 2008, foi remetida à trabalhadora, para duas moradas diferentes,
a nota de culpa, datada do dia 19 do mesmo mês, que esta veio a receber nos dias 26 e
27 de Fevereiro de 2008 (cfr. cópia dos avisos de recepção emitidos pelos CTT –
Correios de Portugal, S.A., constantes das folhas 20 e 26 do processo remetido à CITE).
1.7.
A referida nota de culpa menciona os seguintes comportamentos imputados à
trabalhadora:
1.7.1. No dia 22 de Dezembro de 2007, entre as 9,30 e as 12,00 horas, encontrando-se a
trabalhadora arguida no interior da residência de …, (…), no desempenho das suas
funções, apropriou--se da quantia de 200 euros, que estava guardada na carteira do
utente que se encontrava no interior do seu casaco, pendurado numa cadeira da casa de
jantar, quantia que fez sua. A trabalhadora arguida fez sua a quantia de 200 euros que
bem sabia pertencer a …, aproveitando-se do facto de se encontrar no interior da sua
residência a desempenhar funções para a sua entidade patronal, de que aquele é sócio e
utente. A sua entidade patronal teve conhecimento dos factos (…) no final de Janeiro de
2008 (cfr. artigos 1.º, 2.º e 3.º da nota de culpa, a folhas 16 do processo remetido à
CITE).
1.7.2. No dia 14 de Janeiro de 2008, entre as 9.30 e as 12.00 horas, encontrando-se a
trabalhadora arguida no interior da residência do Senhor …, (…), no desempenho das
suas funções, apropriou-se da quantia de 450 euros, quantia que aquele tinha escondida
no interior de uma mala numa divisão da sua casa, onde guarda móveis velhos, quantia
que fez sua. No final de 2007, aquando do pagamento de uma prestação devida à
entidade patronal, a trabalhadora arguida seguiu o Senhor …, sem que este se
apercebesse, até à divisão da casa onde guarda os móveis velhos, em que este escondia
o seu dinheiro e viu-o a mexer em dinheiro que tinha guardado. A trabalhadora arguida
fez sua a quantia de 450 euros que bem sabia pertencer a …, aproveitando-se do facto
de se encontrar no interior da sua residência a desempenhar funções para a sua
entidade patronal, de que aquele senhor é sócio e utente (cfr. artigos 4.º, 5.º e 6.º da nota
de culpa, a folhas 16 e 17 do processo remetido à CITE).
1.7.3. No dia 2 de Fevereiro de 2008, entre as 12.00 e as 13.00 horas, encontrando-se a
trabalhadora arguida no interior da residência do senhor …, (…), no desempenho das
suas funções, apropriou-se da quantia de 100 euros, quantia que se encontrava em cima
da mesa da casa de jantar. A trabalhadora arguida fez sua a quantia de 100 euros que
bem sabia pertencer a …, aproveitando-se do facto de se encontrar no interior da sua
residência a desempenhar funções para a sua entidade patronal, de que aquele é sócio e
utente (cfr. artigos 7.º e 8.º da nota de culpa, a folhas 17 do processo remetido à CITE).
1.7.4. No dia 28 de Janeiro de 2008, entre as 10.00 e as 11.00 horas, encontrando-se a
trabalhadora arguida no interior da residência de …, (…), no desempenho das suas
funções, apropriou--se da quantia de 100 euros que aquele tinha escondida na
despensa, quantia que fez sua. Em data anterior, quando foi necessário pagar a
mensalidade da entidade patronal, a trabalhadora arguida foi atrás de … até à
despensa e viu o local onde guardava o dinheiro. A trabalhadora arguida fez sua a
quantia de 100 euros que bem sabia pertencer a …, aproveitando-se do facto de se
encontrar no interior da sua residência a desempenhar funções para a sua entidade
patronal, de que aquele é sócio e utente (cfr. artigos 9.º, 10.º e 11.º da nota de culpa, a
folhas 17 e 18 do processo remetido à CITE).
1.7.5. A entidade empregadora, ao terminar a nota de culpa, refere que as condutas descritas
(…) constituem a prática de factos, que pela sua gravidade tornam praticamente
impossível a subsistência da relação laboral, pela completa perda de confiança e
constituem justa causa de despedimento, nos termos do disposto no artigo 396.º do
Código do Trabalho (cfr. artigo 12.º da nota de culpa, a folhas 18 do processo remetido
à CITE).
1.8.
Em 7 de Março de 2008, a entidade empregadora recebeu da trabalhadora um certificado
de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, datado de 3 de Março
p.p., no qual se pode ler que a mesma se encontra em situação de gravidez de alto risco
(cfr. folha 18 do processo remetido à CITE).
1.9.
O processo remetido à CITE integra, ainda, o despacho final do instrutor, datado de 13
de Março de 2008, que refere que conforme se mostra a fls. 20 dos autos, a
trabalhadora (…) foi devidamente notificada, em 27/02/2008, da carta manifestando a
intenção despedimento e da nota de culpa e não respondeu no prazo legal de dez dias
úteis, que terminou em 12/03/2008. Na falta de resposta à nota de culpa, inexistindo
requerimento probatório por parte da trabalhadora arguida e inexistindo comissão de
trabalhadores, deveria ser de imediato proferida decisão final fundamentada. Porém,
em 7 de Março de 2008, quando decorria o prazo de resposta à nota de culpa, a
trabalhadora fez chegar à sua entidade patronal, um certificado de incapacidade
temporária para o trabalho, certificado e respectivo envelope que se encontram a fls.34
e 35 do presentes autos, comunicando que se encontrava grávida.
Nos termos do disposto no artigo 51.º do Código do Trabalho e no artigo 98.º da
Regulamentação do Código do Trabalho, encontrando-se a trabalhadora arguida
grávida, após a realização de diligência probatória ou não havendo lugar a tais
diligências, antes de ser proferida Decisão Final Fundamentada, deve ser requerido
parecer prévio à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, sob pena de
ilicitude do despedimento.
Deve assim, a Direcção da entidade patronal, solicitar parecer prévio obrigatório sobre
o despedimento da trabalhadora (…), enviando cópia integral do processo disciplinar.
II – ENQUADRAMENTO JURÍDICO
2.1.
O n.º 1 do artigo 10.º da Directiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de Outubro de 1992,
obriga os Estados-membros a tomar as medidas necessárias para proibir que as
trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes sejam despedidas, salvo nos casos
excepcionais não relacionados com o estado de gravidez.
2.2.
Um dos considerandos da referida Directiva refere que o risco de serem despedidas por
motivos relacionados com o seu estado pode ter efeitos prejudiciais no estado físico e
psíquico das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes e que, por conseguinte, é
necessário prever uma proibição de despedimento.
2.3.
Cumprindo a obrigação constante da norma comunitária, a legislação nacional
contempla uma especial protecção no despedimento quando se trate de trabalhadoras
grávidas, puérperas ou lactantes, designadamente, ao determinar que o despedimento
por facto imputável àquelas trabalhadoras se presume feito sem justa causa (cfr. n.º 2 do
artigo 51.º do Código do Trabalho).
2.4.
Dispõe ainda o n.º 1 do artigo 51.º do Código do Trabalho que a cessação do contrato de
trabalho de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes carece sempre de parecer
prévio da entidade que tenha competência na área da igualdade de oportunidades entre
homens e mulheres. A entidade com as referidas competências é, de acordo com a alínea
e) do n.º 1 do artigo 496.º do Código do Trabalho, a Comissão para a Igualdade no
Trabalho e no Emprego, pelo que se torna necessário que a CITE avalie se, no caso sub
judice, se justifica a aplicação da sanção despedimento, ou se, pelo contrário, tal medida
poderia configurar uma prática discriminatória por motivo de maternidade.
2.5.
Dispõe o n.º 1 do artigo 396.º do Código do Trabalho que o comportamento culposo do
trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente
impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento
e refere o n.º 2 do mesmo preceito que para apreciação da justa causa deve atender-se,
no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao
carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e
às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Ora, a trabalhadora é acusada de, nos dias 22 de Dezembro de 2007, 14 e 28 de Janeiro e
2 de Fevereiro de 2008, aproveitando-se do facto de se encontrar no interior de
residências de sócios e utentes da entidade empregadora, no âmbito do exercício da sua
actividade profissional (ajudante de acção directa), se ter apropriado de quantias que
sabia pertencerem aos referidos sócios e utentes. Assim, de acordo com a nota de culpa,
fundamentada em prova testemunhal, obtida através de declarações prestadas pelos
mencionados sócios e utentes, bem como de uma familiar de um dos sócios e utente, a
arguida, nos citados dias, apropriou-se, respectivamente, das quantias de € 200,00; de €
450,00; de € 100,00 e de € 100,00, num total € 850.
De facto, analisado o processo, conclui-se, por um lado, que a completa perda de
confiança, decorrente do grave comportamento imputado à arguida, e a consequente
impossibilidade de subsistência da relação labora, são os motivos apontados como
justificativos da aplicação do despedimento.
Por outro lado, os depoimentos prestados pelos declarantes, a par das cópias das folhas
de controlo de execução mensal (descritas em 1.4. do presente parecer), consubstanciam
a prova apresentada pela entidade empregadora, sendo de salientar que, através de
instrutor, foram os referidos declarantes questionados sobre a possibilidade de ter sido
outra pessoa, que não a arguida, a retirar as quantias monetárias que lhes pertenciam,
tendo obtido resposta negativa, e que sócios e utentes prescindiram dos serviços
prestados pela arguida, trabalhadora na entidade arguente.
2.6.
Da análise do processo submetido a esta Comissão, verifica-se que a associação garantiu
formalmente o princípio do contraditório, remetendo a nota de culpa para duas moradas
da trabalhadora, tendo ambas as cartas sido recebidas, apesar de, por razões que
desconhece e que lhe são totalmente alheias, não ter obtido, como seria desejável, a
versão da trabalhadora sobre os factos.
2.7.
Face ao exposto, verifica-se que a matéria constante da nota de culpa configura
infracção passível de justificar o despedimento da trabalhadora, concluindo-se que a
entidade empregadora ilidiu, em termos suficientes, a presunção legal contida no n.º 2
do artigo 51.º do Código do Trabalho.
III – CONCLUSÃO
3.1.
Face ao que antecede, a CITE não se opõe ao despedimento da trabalhadora grávida na
Associação … das Mercês, …, por entender que a entidade empregadora ilidiu, em
termos suficientes, a presunção legal contida no n.º 2 do artigo 51.º do Código do
Trabalho e, consequentemente, não se afigurar que a aplicação da referida sanção
constitua discriminação por motivo de maternidade, no âmbito do processo analisado.
APROVADO POR UNANIMIDADE DOS MEMBROS PRESENTES NA REUNIÃO DA
CITE DE 10 DE ABRIL DE 2008
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