Guimarães Apontamentos para a sua História Padre António José Ferreira Caldas 2.ª Edição, Guimarães, CMG/SMS, 1996, parte I, pp. 228/231 EPISCOPADO DE D. JOSÉ DE BRAGANÇA DESDE 10 DE DEZEMBRO DE 1746 A JANEIRO DE 1749 A residência, quase ininterrupta, do régio prelado bracarense dentro dos muros desta vila, no considerável período acima indicado, marca sem dúvida a Guimarães uma época assinalada e realmente gloriosa: não só por então se poder considerar esta vila a verdadeira sede do nosso arcebispado, senão também por nessa ocasião ser ela o teatro dos mais ruidosos festejos e das mais pomposas solenidades. Descrever aqui o fausto e a importância de todas as funções episcopais, com que o sereníssimo primaz enobrecera esta nossa terra; e com elas as respeitosas manifestações de que ela fôra alvo, seria para muitos dos leitores demasiadamente fastidioso, como objecto de seu natural extenso. Limito-me por tanto a citar aos mais curioso a NARRAÇÃO DOS ACTOS PÚBLICOS, então praticados, os quais minuciosamente vêem descritos no começo dos dois tomos do GUIMARÃES AGRADECIDO. Para se ajuizar das pomposas cerimónias e alegres festejos, que então atraíram a esta vila o que havia de mais nobre e distinto nas províncias do Minho e Trás-os-Montes e de muitos e longíquos bispados, bastará a seguinte e muito sucinta notícia, extraída da NARRAÇÃO citada. Chegou o exímio primaz a Guimarães no dia 10 de Dezembro de 1746, acompanhado por um numeroso préstito, em que caminhavam © Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 1 os bem ajaezados cavalos, rutilantes berlindas, bem pintadas liteiras, e pomposas carruagens, que conduziam a muita nobreza, ministros da justiça, cónegos, religiosos e eclesiásticos: e percorrendo as ruas de S. Lázaro - hoje D. João I - à Oliveira, vistosamente armadas de ricas sedas e custosas tapeçarias, por entre multidões compactas, que o saudavam jubilosas, deu entrada na insigne e real colegiada, onde se cantou um solene Te-Deum, tendo lugar à noite variadíssimas iluminações e fogos de artifício, ao som de bem ordenadas músicas. Hospedado o nosso prelado nas casas da rua da Cadeia - hoje Campo da Misericórdia, pertencentes actualmente à família Mota-Prego - recebeu aqui no dia seguinte, em solene audiência, a toda a nobreza e pessoas distintas da terra, mostrando a todos os mais íntimos desejos de ser útil a Guimarães no exercício do seu múnus pastoral. Começou no uso das suas funções prelatícias a 12 de Dezembro, conferindo o sacramento da Confirmação a mais de 500 pessoas, no convento de Santa Clara; e tão activo se mostrara, que durante a sua residência aqui, crismou para cima de 18:000 fiéis, nas igrejas das Claras, Carmo, Colegiada, Misericórdia e S. Miguel de Creixomil, além da sua própria residência. Nas temporas deste mesmo mês conferiu ordens menores na colegiada, e celebrou pomposo pontifical no dia 25, assistindo a estes soleníssimos actos grande número de povo, que jamais presenciara cerimónias tão edificantes. Começou este prelado a sua visita pela igreja da colegiada, onde foi recebido com honras, que esta igreja negou sempre aos outros arcebispos; e prosseguiu depois em todos os mosteiros e igrejas da vila, bem como nas cinco freguesias rurais. Gastou sempre demorado tempo em pesados trabalhos, que os vimaranenses tornavam suaves e alegres, oferecendo-lhe variados divertimentos, como: cavalhadas, alcanzias, corridas de frangos e patos, cantoadas, fortilhas e escaramuças, celebrando-se no mesmo período da visita duas luzidas academias. Em 25 de Fevereiro deu s. excª. ordens menores no seu palacete, e no dia seguinte ordens sacras na igreja da Oliveira. Na quinta-feira santa sagrou os santos óleos, e fez a cerimónia do Lavapedes com estranha pompa e aparato nunca visto, assistindo em seguida a todos os actos da semana santa, na mesma igreja. No dia de Páscoa fez de novo pontifical na colegiada, seguindo-se por todo o oitavário esplêndida recepção no paço, onde o exímio © Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 2 prelado recebera as boas-festas por parte de um notável número de cavalheiros, ministros e oficiais de justiça de Braga, de todo o arcebispado e de fora dele; abades, beneficiados e sacerdotes. Em 3 de Maio procedeu à sagração de 36 pedras de ara na igreja da colegiada, intermediando sempre nos seus variadíssimos trabalhos a administração do sagrado crisma. Em 6 de Maio, seu aniversário natalício, e nos três dias seguintes, houve em Guimarães regozijo público especial - se o não foi todo o tempo, que o prelado se dignou morar connosco - havendo no primeiro, além de brilhante recepção no paço, uma notável e singular academia, em que a poesia e a música se disputavam primores. Nos dias seguintes tiveram lugar luzidas cavalhadas, em que tomara parte toda a nobreza da terra, apresentando-se os cavaleiros ricamente vestidos de seda de cor azul, encarnada e verde, e havendo à noite outeiro, músicas e variadas recitações em verso. No dia imediato, houve escaramuças de dois fios, terminando tais festejos no dia 9 com o desafio das lanças a cavalo, e havendo à noite novo outeiro e fogos de artifício. Na sexta-feira da Trindade conferiu o incansável prelado ordens menores na sua residência; e no sábado ordens sacras na igreja de Santa Clara. Na quinta-feira de Corpus-Christi disse missa de círculo na colegiada, e conduziu o Santíssimo Sacramento na procissão, composta desta vez com muito singular aparato. Em 15 de Agosto celebrou pontifical em honra da Virgem, protectora dos seus maiores, e de tarde conduziu a Santa Custódia na respectiva procissão. Finalmente a 23 de Setembro deu ordens na igreja do Carmo: a 19 de Dezembro consagrou em Santa Clara 32 pedras, com mais 36 no Carmo a 5 de Janeiro: a 23 de Dezembro deu ordens menores e sacras no vasto templo de S. Domingos, e a 25 celebrou na colegiada o último pontifical. O sereníssimo arcebispo, que tantas honras prestou a Guimarães, e que tanto se comprazia de viver no berço da monarquia, para ele de tão gloriosas recordações; desejando ainda fazer mais longa a sua residência aqui, planejou a restauração dos paços dos duques de Bragança para sua morada; mas atendendo à vastidão da fábrica e ao avultado das despesas, que tal obra exigia; edificou uma casa com 98 janelas e 77 portas, extensos salões, grande número de quartos e uma infinidade de gabinetes. É esta casa a que hoje pertence © Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 3 à família dos Coutos, com frente para a rua da Rainha e campo da Misericórdia. São estes - diz a citada NARRAÇÃO - os santos exercícios, e soberanos empregos, em que se ocupa há mais de um ano no berço de Portugal o primaz das Espanhas. © Sociedade Martins Sarmento | Casa de Sarmento 4