Construção de um amostrador para rejeitos finos de baixa e média densidade Eleonardo Lucas Pereira Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Brasil Instituto Federal de Minas Gerais, Congonhas, Brasil, [email protected] Romero César Gomes Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, Brasil, [email protected] RESUMO: A realização de ensaios para determinação das características de compressibilidade e adensamento de rejeitos finos “in situ” demanda vários procedimentos de amostragem em diferentes profundidades do reservatório de armazenamento destes materiais. Cabe destacar que estes rejeitos apresentam um elevado número de partículas de dimensões equivalentes à fração argila, cuja compressibilidade não pode ser inferida mediante os princípios da teoria clássica de Terzaghi, sendo, portanto, necessário um estudo com procedimentos que levem em consideração as grandes deformações que ocorrem ao longo do reservatório. Inicialmente são realizadas medições de poropressões por meio de uma sonda piezométrica, constituída de hastes metálicas e de um tubotorpedo, com a sonda, propriamente dita, na extremidade inferior do equipamento, possuindo um transdutor de pressão e pedras porosas de elevadas permeabilidade e pressão de borbulhamento. Posteriormente, executa-se a extração de amostras nos horizontes da sondagem piezométrica, para determinação dos teores de umidade, cálculo dos índices de vazios e os respectivos pesos específicos. As amostragens realizadas em grandes profundidades dos reservatórios de rejeitos, onde a condição da lama apresenta-se em elevadas densidades, geralmente utilizam amostradores tipo “shelby” de pistão estacionário. No entanto, para o caso de lamas de baixa densidade, com reduzido teor de sólidos, utiliza-se, convencionalmente, o amostrador tipo caneco, na forma de um recipiente cilíndrico metálico, dotado de uma tampa móvel, que para alguns modelos, trazem incertezas na representatividade das amostras. O presente trabalho apresenta o processo de desenvolvimento de um novo amostrador específico para amostras de baixas e médias densidades. Além da apresentação das características, princípio de funcionamento e dimensões do equipamento, são implementados ensaios de laboratório com rejeitos em lama de bauxita, de forma a verificar a representatividade dos processos de amostragem realizados pelo equipamento. Estes ensaios ainda mostram o limite do teor de sólidos ideal para a realização dos procedimentos de amostragem através do equipamento proposto. Os ensaios demonstraram a efetividade do amostrador quando aplicado a baixas e médias densidades, configurando-se como vantajoso, do ponto vista operacional e de confiabilidade, quando comparado aos amostradores convencionais, tipo caneco. PALAVRAS-CHAVE: Amostrador, Rejeito de Mineração, Adensamento e Compressibilidade 1 INTRODUÇÃO A mensuração das propriedades geotécnicas dos rejeitos finos (lamas) visando, sobretudo, a realização de projetos de disposição e o monitoramento de reservatórios ao longo de sua vida útil implica na realização de ensaios especiais cujos procedimentos já foram decritos na literatura técnica. A realização destes ensaios objetiva, principalmente, o conhecimento das características geotécnicas de compressibilidade e adensamento. Cabe destacar que estes rejeitos apresentam um elevado número de partículas de dimensões equivalentes à fração argila, cuja compressibilidade não pode ser inferida mediante os princípios da teoria clássica de Terzaghi, sendo, portanto, necessário um estudo com procedimentos que levem em consideração as grandes deformações que ocorrem ao longo do reservatório. Neste sentido, diversas teorias e simulações numéricas foram propostas, condicionando modelos alternativos para a estimativa da disposição de rejeitos finos (Gibson et. al ,1967; Pane, 1981; Abu-Hejleh e Znidarcic, 1994). A realização de ensaios para determinação das características de compressibilidade e adensamento de rejeitos finos “in situ” utiliza procedimentos de amostragem em diferentes profundidades do reservatório (Gomes, 1998; Gomes, 2004). Inicialmente são realizadas medições de poropressões por meio de uma sonda piezométrica, constituída de hastes metálicas e de um tubo-torpedo, com a sonda, propriamente dita, na extremidade inferior do equipamento, possuindo um transdutor de pressão e pedras porosas de elevadas permeabilidade e pressão de borbulhamento. Posteriormente, executa-se a extração de amostras nos horizontes da sondagem piezométrica, para determinação dos teores de umidade, cálculo dos índices de vazios e os respectivos pesos específicos. As amostragens realizadas em grandes profundidades dos reservatórios de rejeitos, onde a condição da lama apresenta-se em elevadas densidades, é geralmente realizada com amostradores tipo “shelby” de pistão estacionário. No entanto, para o caso de lamas de baixa densidade, com reduzido teor de sólidos, utiliza-se, convencionalmente, o amostrador tipo caneco. O amostrador tipo caneco é composto de um recipiente metálico cilíndrico, dotado de uma tampa móvel, geralmente vedada com um anel de borracha. A amostragem de lamas de baixo teor de sólidos é realizada a partir da sua introdução do equipamento vedado ao longo da profundidade do reservatório até o horizonte desejado. Atingida a profundade de ensaio, a tampa do amostrador é acionada por um mecanismo que permite a sua abertura e a respectiva entrada (coleta) da lama fluida. Em seguida, a tampa retorna à sua posição de origem e o equipamento é levado à superfície. Este procedimento, já batante utilizado na amostragem de rejeitos finos, apresenta algumas limitações: - o mecanismo responsável pela abertura e fechamento da tampa móvel é composto por hastes, cujo acionamento é realizado em superfície. Dependendo da profundidade de amostragem, o procedimento deve ser repetido várias vezes, visando a certificação e a garantia da representatividade da amostra, uma vez que, na descida das hastes, pode ocorrer a entrada de lamas dos horizontes superiores; - apesar de bastante propício para coleta de rejeitos com baixo teor de sólidos, o amostrador tipo caneco pode não ser aplicado a amostras de média densidade (teor de sólidos médio), cuja consistência também não permite a coleta através de amostradores tipo “shelby” em maiores profundidades. Neste caso, o peso próprio das camadas de rejeitos superiores, associada à sua consistência, pode impedir a abertura da tampa do amostrador. Com o objetivo de propor um procedimento de amostragem mais efetivo, considerando a rapidez na coleta e a representatividade da amostra, o presente trabalho apresenta o processo de desenvolvimento de um novo amostrador voltado para amostras de rejeitos finos de baixa e média densidade. 2 DESCRIÇÃO DO AMOSTRADOR O equipamento foi construído em aço inoxidável no 304, apresentando-se em formato cilíndrico com 300mm de altura, diâmetro interno de 48mm e parede de 2mm, possibilitando, portanto, a coleta de um volume aproximando de 540cm³. (Figuras 1 e 2). Figura 1. Amostrador de rejeitos. O amostrador possui em seu topo uma rosca externa construída nylon, adaptável a hastes metálicas interconectáveis (diâmetro externo de 52mm), utilizadas nos ensaios de sondagem piezométrica. A haste de apoio ao êmbolo do amostrador também pode ser rosqueada a outras peças mais extensas que se deslocam no interior das hastes utilizadas no ensaio de sondagem, permitindo, desta forma, a coleta de rejeitos em diversas profundidades do reservatório. 3 Figura 2. Detalhes e dimensões do amostrador. O amostrador possui três bases móveis e rosqueáveis, com altura de 28mm e diâmetro externo de 58mm, contendo orifícios de 4, 7 e 10mm, aplicáveis à rejeitos com diferentes consistências, conforme mostrado na Figura 3. A metodologia envolve basicamente avaliações experimentais realizadas no Laboratório de Geotecnia da UFOP, utilizando um rejeito de bauxita oriundo da Mineração Paragominas/PA (MPSA). O desenvolvimento deste amostrador subsidiou a campanha de ensaios de campo realizada nas barragens de contenção da MPSA, buscando a construção de um modelo deposicional para os rejeitos de bauxita. Os rejeitos da MPSA são dispostos atualmente através de um sistema composto por seis barragens e dois canais de contorno, cujo transporte é realizado por meio de um rejeitoduto. Particularmente, os rejeitos são armazenados nas barragens B1, B2, B3 e B4. Todos os detalhes do sistema de disposição são descritos por Pedrosa e Gomes (2011). 3.1 Figura 3. Detalhe das bases rosqueáveis do amostrador. Internamente, o equipamento possui um êmbolo que se movimenta ao longo de toda a extensão do cilindro, com o apoio de uma haste metálica. A coleta é, portanto, iniciada com o êmbolo posicionado próximo à base e, em seguida, deslocado para o topo do amostrador através da movimentação da haste metálica. Este mecanismo permite a sucção do rejeito para o interior do amostrador através do orifício da base, sendo o ar interno extravasado por outro furo, localizado no topo do equipamento. METODOLOGIA Caraterização do rejeito O rejeito de bauxita utilizado nos ensaios de laboratório caracteriza-se pela composição majoritária de partículas finas, com mais de 95% do material passante na peneira #200 (0,074mm), apresentando elevada plasticidade e densidade real dos grãos (Gs) de 2,67. Os dados extraídos da caracterização são apresentados na Tabelas 1. A distribuição granulométrica é mostrada na Tabela 2 e a curva apresentada na Figura 4. Os ensaios foram conduzidos com e sem a utilização de solução defloculante. Tabela 1. Parâmetros geotécnicos do rejeito de bauxita. Rejeito Gs LL LP IP (%) (%) (%) MPSA 2,67 64,0 30,9 33,1 Porcentagem passante (%) Tabela 2. Distribuição granulométrica (frações) do rejeito de bauxita da MPSA. Ensaio Argila Silte Areia Pedreg (%) (%) (%) (%) c/defloc. 49,1 48,8 2,0 0,0 s/defloc. 2,5 89,8 7,7 0,0 100 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 0,0001 realizada a partir do conhecimento do teor de umidade determinado em estufa, com tempo de secagem de 48 horas, à 105ºC. 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Ensaio com defloculante Ensaio sem defloculante 0,01 1 Diâmetro dos grãos (mm) 100 As Tabelas 4 e 5 fornecem os diferentes teores de umidade e de sólidos utilizados nos ensaios e determinados pelo amostrador com a utlização das bases B10, B07 e B10. Observa-se uma ampla variação do teor de umidade, partindo de um valor associado a uma condição de média consistência da lama (com cerca de 95% de umidade) e atingindo valores da ordem de 740%, o que representa um teor de sólidos de 11,9%. Figura 4. Curva granulométrica do rejeito de bauxita. 3.2 Derminação do teor de sólidos Os ensaios de determinação do teor de sólidos (ψ) dos rejeitos com rejeitos em lama de bauxita objetivaram, sobretudo, a verificação da representatividade dos procedimentos de amostragem realizados pelo equipamento. Para tanto, utilizaram-se amostras com seis diferentes teores de umidade (w), partindo, inicialmente, de um valor mais baixo, correspondente a um teor de sólidos em torno de 50%. A esta amostra, acrescentou-se água destilada, visando a redução do teor de sólidos, em mais cinco estágios (ensaios). Para cada ensaio, determinou-se inicialmente o teor de sólidos após a homogeneização da amostra em um balde plástico provido de um misturador. Em seguida procedeu-se a coleta do rejeito com o amostrador cilíndrico, utilizando as três bases, identificadas como B04, B07 e B10 (Tabela 3). Tabela 3. Identificação das bases do amostrador. Base B04 B07 B10 Diâmetro do 4,0 7,0 10,0 orifício (mm) A determinação do teor de sólidos real, bem como do teor de sólidos das amostras extraídas com a utilização das três diferentes bases, foi Tabela 4. Teores de umidade real e amostrado. Teor de umidade 1 2 3 4 5 (%) 94,9 104,3 119,1 170,1 289,3 Real Amost. 95,2 104,0 119,4 169,8 297,4 B10 Amost. 95,3 103,9 119,5 169,7 297,7 B07 Amost. 96,0 104,0 119,3 170,6 298,9 B04 Tabela 5. Teores de sólidos real e amostrado. Teor de sólidos 1 2 3 4 5 (%) 51,3 48,9 45,6 37,0 25,1 Real Amost. 51,2 49,0 45,6 37,1 25,2 B10 Amost. 51,2 49,0 45,6 37,1 25,2 B07 Amost. 51,0 49,0 45,6 37,0 25,1 B04 6 740,2 741,2 741,1 739,2 6 11,9 11,9 11,9 11,9 As Figuras 5, 6 e 7 apresentam os resutados do teor de sólidos de cada ensaio, estabelecendo uma comparação destes com o teor de sólidos real, medido, anteriormente, com o auxílio de uma concha. Cabe destacar que o teor de sólidos real foi obtido pela média de três determinações. As variações entre teor de sólidos real e o teor de sólidos das amostras extraídas em cada ensaio atingiram valores médios da ordem de 0,15%, considerado razoável quando se trata de lamas homogeideizadas artificialmente em recipiente de 18 litros (balde plástico). 60% Teor de Sólidos Real Teor de Sólidos 50% Teor de Sólidos - Amostrador B10 40% 30% 20% 10% 0% 1 2 3 4 Ensaio (amostra) 5 6 Figura 5. Curva comparativa dos teores de sólidos real e amostrado com a base B10. sólidos de 51,3%. Neste caso, o erro mensurado foi de 0,58%, sendo determinado no amostrador um teor de sólidos de 51,0%. A variação, apesar de considerável, não pode ser atribuída à base do amostrador, mas à representatividade da amostra coletada neste ensaio. Devido à consistência da amostra, o volume coletado com esta base foi muito baixo e relação à capacidade do amostrador. A pequena abertura do orifício impediu a sucção do rejeito em volume representativo para maiores teores de sólidos, especialmente para os ensaios 1 e 2. Observou-se uma menor variação nos resultados quando se trabalhou com um teor de sólidos mais baixo, caracterizando uma maior homogeneidade da amostra. A variação máxima, considerando os resultados do ensaio 6 (ψ = 11,90%), foi de 0,10%. 60% Teor de Sólidos Real 50% Teor de Sólidos Teor de Sólidos - Amostrador B07 30% 20% 10% 0% 1 2 3 4 Ensaio (amostra) 5 6 Figura 6. Curva comparativa dos teores de sólidos real e amostrado com a base B07. 60% Teor de Sólidos Real 50% Teor de Sólidos 5 CONCLUSÕES 40% Teor de Sólidos - Amostrador B04 40% 30% 20% 10% 0% 1 2 3 4 Ensaio (amostra) 5 6 Figura 7. Curva comparativa dos teores de sólidos real e amostrado com a base B04. A maior variação para o teor de sólidos real ocorreu quando se utilizou o amostrador com a base B04 na coleta do rejeito com teor de O presente trabalho abordou a construção de um amostrador e a sua efetividade no processo de coletas de rejeitos de baixas e médias densidades (baixo e médio teor de sólidos), em variadas profundidades ao longo das barragens de contenção. Apesar de constituir simulações de laboratório, onde as condições de contorno não são as mesmas encontradas no campo, a representatividade dos resultados do rejeito amostrado, quando comparado à condição real, foi aferida para uma grande variação do teor de sólidos. Destaca-se, no entanto, que após a aferição, este equipamento foi amplamente utilizado nos ensaios de campo realizados nas barragens de rejeito de bauxita da Mineração Paragominas/PA (MPSA) para amostras de baixo teor de sólidos. Os ensaios atestaram ainda que as bases B07 (7mm) e B10 (10mm) são mais indicadas para rejeitos com médio teor de sólidos, condição em que se observou uma maior dificuldade de amostragem com a base B04 (4mm). Já para baixas densidades (baixo teor de sólidos), apesar do sucesso na sucção da lama, a base B10 apresentou uma pequena limitação na estanqueidade durante a retirada do amostrador. Como, neste caso, a lama é bastante fluida, o orifício de 10mm permite a entrada de ar com a simples inclinação do equipamento. Portanto, para baixas densidades é mais indicada a utilização do amostrador acoplado à base B4. Os estudos comprovaram, portanto, a efetividade do amostrador quando aplicado a baixas e médias densidades, configurando-se como um equipamento vantajoso, do ponto vista operacional e de confiabilidade, quando comparado aos amostradores convencionais, tipo caneco. REFERÊNCIAS Abu-Hejleh, A.N. e Znidarcic, D. (1994) Estimation of the Consolidation Constitutive Relations, 8th Int. Conf. on Computer Methods and Advances in Geomechanics, Virginia, EUA, Balkema, Vol.1, p. 499-504. Gibson, R. E., England, G.L. e Hussey, M.J. (1967) The Theory of One Dimensional Consolidation of Saturated Clays, I: Finite Non Linear Consolidation of Thin Homogeneous Layers, Geotechnique, Vol. 17, p. 261-273. Gomes, R.C. (1998) Características de Compressibilidade e Adensamento de Rejeitos de Bauxita. XI Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica. Brasília, DF, Brasil, Vol. 3, p. 17751782. Pane, V. (1981) One-dimensional finite strain consolidation, M.Sc. Thesis, Departament of Civil, Environmental and Architectural Engineering, University of Colorado, 148 p. Pedrosa, G.J e Gomes, R.C. (2011) Caracterização Geotécnica e Modelação Física de um Sistema de Disposição de Rejeitos de Bauxita, VII Congresso Brasileiro de Geotecnia Ambiental e VI Simpósio Brasileiro de Geossintéticos, Belo Horizonte, MG, Brasil, 8p.