Festa de São Gonçalo: Uma prática da cultura popular
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Autores2
Ildet Benigna Garcia de Souza
Kelly Marques Batista
Pedro Roberto Rodrigues
Orientador
Prof º Dr. Dalmo de Oliveira
Instituição
Centro Universitário Nove de Julho – Uninove
Resumo:
A festa de São Gonçalo é uma manifestação da cultura popular e permanece viva na
memória do povo da cidade de Piracaia, interior de São Paulo. Nessa comemoração a
folkcomunicação está presente na dança, nos ritos e em tudo que envolve o culto. Essa
prática acontece quando o fiel faz o voto para alcançar o milagre, ao realizar-se o pagador de
promessa oferece a festa e adquire ex-votos em agradecimento, transformando o conjunto da
celebração em propaganda para o comércio, favorecendo assim a indústria dos milagres.
Palavras-chave:
Cultura popular; folclore e folkcomunicação
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Trabalho apresentado na 8ª Conferência de Folkcomunicação
Ildet Benigna Garcia de Souza, aluna do 7º semestre curso de jornalismo do Centro Universitário Nove de Julho, atua
profissionalmente na área de redação e assessoria política na Prefeitura de Diadema. E-mail: [email protected]
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Kelly Marques Batista, aluna do 7º semestre curso de jornalismo do Centro Universitário Nove de Julho, atua
profissionalmente na área de redação de jornal organizacional. E-mail: [email protected]
Pedro Roberto Rodrigues, aluno do 7º semestre curso de jornalismo do Centro Universitário Nove de Julho, atua
profissionalmente na área de redação e editoração eletrônica. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
“No desenvolvimento da cultura humana, não podemos
fixar um ponto onde termina o mito e a religião
começa. Em todo curso de sua história, a religião
permanece indissoluvelmente ligada a elementos
míticos e repassada dele” (apud – ARANHA e
MARTINS, 1993:25).
O processo histórico da evolução humana nos revela que o mito3 e a religião4 são
inerentes ao homem fazendo parte de sua cultura. O que motiva e leva o ser humano a
novos comportamentos é a possibilidade de acreditar em algo supremo que rege as coisas
que não se pode controlar ou que não têm explicação científica. Rituais religiosos estiveram
e estão inseridos no contexto da vida humana desde os primórdios. Isto ocorreu, por
exemplo, com o deus-Sol ou com o fogo.
Desde então, a crença é a causa interna desenvolvida a partir da essência do
indivíduo. “E cada ato, por mais especializado que seja, adquire um significado religioso: o
homem recorre a divindades que devem protegê-lo a cada momento” (ARANHA e
MARTINS, 1993:25). Criaram-se, então, várias formas para cultuar esta crença: a prática
de rituais com figuras míticas, vela acesa ou devoto que promove milagres.
Independente das denominações religiosas (católica, protestante, candomblé,
evangélica, etc), essas manifestações de expressão do culto ao sagrado foram inseridas no
cotidiano popular, originando ápices de fé que foram passadas de geração a geração
juntamente com outras práticas de cultura.
Desta forma, “quando pensadas como produções ou criações coletivas vindas do
passado nacional, formando a tradição nacional, a cultura e arte populares receberam o
nome de folclore, constituídas por mitos, lendas e ritos populares, danças regionais
populares, músicas regionais populares, artesanatos, etc” (CHAUI, 2003:289).
Como uma das práticas de religiosidade, destacaremos a seguir como e em que
medida a festa de São Gonçalo na cidade de Piracaia, interior paulista, é considerada uma
prática cultural relacionada à indústria dos milagres, através do ex-voto. Baseado em
3
Do grego “Mythos, significa “palavra”, “o que se diz”. Antes da palavra escrita, ligada a suporte vivo que pronuncia,
repete e fixa o evento por meio da memória pessoal” (ARANHA e MARTINS, 1996:33).
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“A palavra religião vem do latim religio, formada pelo prefixo re (“outra vez, de novo”) e o verbo ligare (“ligar, unir,
vincular”)” (CHAUI, 2003: 253).
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testemunhos, entrevistas e revisão de literatura, na qual enfatizam o pensamento
comunicacional ligado a folkcomunicação, sob a luz de Luiz Beltrão, como também, nas
pesquisas feitas in loco desta prática cultural ausente no cotidiano do povo da região da
Serra da Mantiqueira.
Propomos inicialmente uma breve biografia de São Gonçalo do Amarante e sua
devoção no Brasil. Além disso, destacaremos como surgiu a crença. Abordaremos os
conceitos de Cultura Popular, Folkcomunicação, Indústria Cultural, de elite que servirá
como embasamento teórico para a pesquisa.
Isto posto, discutiremos a indústria dos milagres sobre a crença que origina o voto a
São Gonçalo, e como isto se dá através da comunicação existente na festa com suas danças,
músicas, orações e imagens como forma de agradecimento à benção alcançada. Diante
disto, esta prática religiosa do voto se transforma em propaganda para o comércio que
movimenta a indústria dos milagres?
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Festa de São Gonçalo: Uma prática da cultura popular
São Gonçalo nasceu em 1187 em Tagilde, Portugal, estudou teologia e freqüentou a
escola arquiepiscopal em Braga. Na mesma cidade foi nomeado padre de São Paio de
Vizela. Após um período de introspecção, o santo encontrou na vivência popular o modo de
converter pecadores, especificamente as prostitutas.
“Conta-se que São Gonçalo para reabilitar as
prostitutas, vestia-se de mulher e dançava e cantava
com elas a noite toda. Ele entendia que as mulheres
que participassem dessas danças aos sábados não
cairiam em tentação no domingo. Acreditava ainda,
que com o tempo se converteriam e se casariam”
(VOLPATTO, 2004).
Por se preocupar com essas mulheres, São Gonçalo começou a pregar o caminho da
salvação. Para isso conviveu no meio delas, no qual fez danças e músicas para convertê-las.
Nessas festas eram arrecadados fundos a serem doados para que não se prostituíssem.
Durante essas práticas, para não cair em tentação, o santo enchia o sapato de pedras ou
pregos a fim de se flagelar. Conta-se que além de pregar os ensinamentos religiosos São
Gonçalo operava supostos milagres.
Morreu no dia 10 de janeiro de 1259 em Amarante, Portugal. Após sua morte
passou a ser protetor dos violeiros e santo casamenteiro. E em 1561 foi canonizado.
Segundo Rosane Volpatto, o rei de Portugal D. João III, um grande devoto de São Gonçalo,
foi um dos primeiros a empenhar-se para a sua beatificação.
Diz a lenda que em vida São Gonçalo fora muito farrista e alegre, devido a isso os
devotos realizam festas em oferenda para pagamento de promessa. Com isso surgiu a
Dança de São Gonçalo, em Portugal no século XIII, e sua prática acontecia no interior das
igrejas nos dias 10 de janeiro. Atualmente a festa é realizada com festejos, procissões,
bandas de música e outros manifestos.
No Brasil a devoção ao santo deu-se nos estados: Bahia, Minas Gerais, São Paulo,
Goiás, Pernambuco e Alagoas, na época em que os portugueses chegaram à colônia, mais
precisamente no século XVIII. Na cidade de Piracaia, região da Serra da Mantiqueira
paulista, o culto foi registrado antes de 1817, época da fundação oficial da cidade.
5
De acordo com Valter Cassalho, membro da Associação Brasileira de Folclore há
alguns anos a dança de São Gonçalo em Piracaia era mais festiva, acontecia geralmente na
noite de sábado ou véspera de dias santos. Atualmente, ocorre sem data prévia em
comemoração a realização do voto ao Santo, que se dá no momento em que o convite é
verbalizado.
A dança de São Gonçalo é uma manifestação da cultura popular5 que como se sabe é
praticada na Bahia desde 1690, oriunda de Portugal, numa época em que ainda não se
falava em globalização, ela foi proibida em 1728, embora isso não tenha sido suficiente
para que a devoção ao santo acabasse. O culto a São Gonçalo se espalhou por todo o Brasil
e hoje é praticado, com devoção, principalmente no interior paulista.
A preparação da festa ocorre na véspera quando os anfitriões colocam o Santo em
um cesto e saem pelas ruas arrecadando prendas, além disso, fazem comidas e em alguns
casos matam garrotes para o afogado, cozido de carnes com mandiocas ou batatas
temperadas. A comunidade também participa na decoração do ambiente, dos andores e do
altar que vai receber as imagens de São Gonçalo, São Benedito e Nossa Senhora Aparecida,
assim como velas, flores e oferendas.
Vale ressaltar o colorido multicultural que envolve a celebração cristã condizente
com a alegria dos participantes, a fartura de alimentos e a recepção calorosa dos envolvidos
na festa. Geralmente ocorrem procissões em que os pagadores de promessa carregam
andores com imagens, rezam o terço e cantam ladainhas, em seguida é oferecido um
almoço e depois o agradecimento vem em forma de dança e ritmo coreografados, com
momentos de oração, sapateado com bater de palmas e canções ao som de violas. O ritual
dá-se com 6 voltas em frente ao altar, que levam cerca de 40 a 50 minutos cada e intervalos
que vão de 15 a 20 minutos.
Outro motivo em que se dá a festa:
“A dança de São Gonçalo do Amarante, prometida por
alguém que morreu antes de realizar seu voto é
celebrada pela família. Na sala os devotos
homenageiam o santo, formando figuras de estrela,
cruz, caracol, inspirada coreografia em volta do altar.
5
Própria dos trabalhadores urbanos e rurais, a arte e a cultura populares recebem o nome de folclore, constituído por
mitos, lendas e ritos populares, danças regionais populares, músicas regionais populares, artesanatos, etc.; ela é mais
simples e menos complexa que a cultura erudita, tende a ser tradicionalista e repetitiva, como as criações costumam ser
coletivas, artistas e público tendem a não se destinguir (CHAUI, 2003:289).
6
O ausente está representado por uma cadeira coberta
por um lençol branco. Mistério da permanência do
mito, da cultura recusada inscrita nos movimentos do
corpo e da memória” (BOSI, 2004:29).
Comunicação através dos ritos6
O ser humano ao nascer é desprovido de crenças, costumes ou valores que são
assimilados ao longo da vida. Aprendem, inclusive, a devoção ao Santo sob forma de
comunicação vertical, em que o culto ao sagrado não é questionável e sim interiorizado. O
poder pessoal que o indivíduo exerce sobre outro promove uma comunicação efetiva que
influencia ou estabelece a conduta num ritual. Além disso, o ato de comemoração ao voto
alcançado, bem como o ex-voto7 motiva outros pagadores de promessa a manter a crença
cristã.
Essas manifestações populares, relacionadas com o sagrado e a comunhão dos seres
humanos, fazem com que as práticas da herança cultural transmitidas de geração a geração,
privilegiem “a alimentação das almas” sem crítica dos valores. Os ritos funcionam pela
comunicação, já que seria impossível para uma pessoa viver no seio de uma cultura sem
aprender a usar seus códigos de comunicação.
“É comum no meio rural os moradores, quando não
conseguem algo racionalmente, buscarem no
sobrenatural, o reforço para a realização de seus
intentos. Tal crença no poder da intervenção do
sobrenatural os leva a aceitar milagres de determinadas
entidades extraterrenas, os santos, por exemplo. Como
forma retributiva a essa intervenção miraculosa
ofertam elementos materiais – os “ex-votos” –
concretizando, dessa forma, o agradecimento da graça
recebida” (ARAÚJO, 1973:144).
6
“O rito é uma cerimônia em que gestos determinados, palavras determinadas, objetos determinados, pessoas
determinadas e emoções determinadas adquirem o poder misterioso de presentificar o laço entre os humanos e a
divindade” (CHAUI, 2003:255).
7
“O ex-voto é fabricado em madeira, cerâmica, pano, cera, papel, fitas, linhas, cordões, papelão, cartolina, chifre, gesso,
pedra-sabão, coco e outros materiais, inclusive plásticos. Se bem que o seu valor artístico esteja no artesanato – a peça
laboriosamente trabalhada pelo próprio beneficiado da graça” (BELTRÃO, 2004:119).
7
A comunicação está presente nos rituais que o homem desenvolve em comemoração
a um rito de passagem ou ao culto a uma divindade. Estas práticas fazem parte do cotidiano
e marcam um fato histórico desde os primórdios da civilização. O batizado, o casamento ou
o velório são rituais que contêm práticas que comunicam por meio dos componentes da
cerimônia, que são as flores, a música ou a vestimenta. Por exemplo, o colorido presente
nas flores usadas como adereço compõe o ambiente da festa de São Gonçalo, como também
a coreografia ligada ao lúdico e são indícios de felicidade pela graça alcançada.
Essas práticas são próprias da cultura popular adotadas na vida em sociedade e
relacionadas com o folclore e a tradição, podendo ser assimiladas desde criança; esta é a
cultura do povo simples, não alfabetizado e que mesmo assim traz conhecimentos
interiorizados e criatividade que surpreendem até quem é “letrado”. Muitas vezes, a cultura
popular provém de ágrafos, entretanto eles assimilam sabedoria pela oralidade, signos e
vivência.
Ressalta-se que a comunicação através dos ritos permeia a cultura popular. Estas são
cerceadas pela dominação da cultura de elite8 proveniente da globalização hegemônica. Em
metrópoles como São Paulo, onde a vida possui dinâmicas em torno da produção
capitalista, as manifestações populares ocorrem em locais específicos onde há eventos
rememorativos, como o “Revelando São Paulo”, evento anual que reúne várias
manifestações de cultura popular.
Apesar de seu desenraizamento9 e de sua massificação nos grandes centros, a
cultura do povo está presente nos rincões brasileiros onde é mantida sua tradição, e são
transmitidas em linguagens horizontais através da estrutura da Folkcomunicação, que é a
comunicação através do folclore em nível popular. Por popular deve-se entender tudo o que
se refere ao povo, àquele que não utiliza os meios formais de comunicação, segundo José
Marques de Melo, estudioso que buscou bases teóricas na máxima desenvolvida por Luiz
Beltrão.
8
“Cultura própria dos intelectuais e artistas da classe dominante da sociedade (...) e que se dirigem a um público restrito”
(CHAUI, 2003:289).
9
“O desenraizamento é um efeito da alienação: é uma situação-limite do dominado na estrutura capitalista” (BOSI,
2004:22).
8
Segundo Luiz Beltrão10 Folkcomunicação é:
“Um estudo dos agentes e dos meios populares de
informação e expressão de idéias e que utilizam meios de
folk para a expressão de suas informações, idéias e
anseios, como os folhetos de cordel, as cantorias, os
contos, as danças, os autos populares, a talha, a cerâmica.
São grupos culturais marginalizados intelectual,
econômica e geograficamente e/ou grupos urbanos
socialmente marginalizados, ora pelo reduzido poder
aquisitivo de sua renda econômica que não lhes permite o
acesso aos meios citados, ora por contestação à
cultura ou à organização social estabelecida”
(BELTRÃO,2004:27,68).
Para Luiz Beltrão a comunicação é efetiva também no meio não erudito, como as
conversas nos botequins ou os causos contados em rodas que expressam modos de pensar e
experiências empíricas, muitas vezes ignoradas pela cultura de elite. Comumente ocorre na
tradicional festa de São Gonçalo em Piracaia, onde o ex-voto é traduzido através de
manifestação popular, com rezas, danças coreografadas e comidas típicas.
O processo de comunicação que se dá através do folclore é efetiva porque é simples
e de fácil entendimento aos integrantes de uma mesma região. Quando ocorre o convite da
festa de São Gonçalo a comunidade se apressa para contemplar a celebração e o momento
religioso. É a linguagem que provém dos trabalhadores rurais ou do raciocínio do indivíduo
matuto, mas que seduz e leva a comunidade aparentemente apartada do contexto social,
dito privilegiado, a uma ação efetiva.
Desta forma, há verossimilhança da comunicação existente no folclore –
Folkcomunicação - com os ritos, já que “é constituído por ações estandardizadas baseadas
sobre uma disciplina estrita e ligadas a fórmulas, gestos, símbolos e sinais de um
determinado significado para a sociedade que o engendrou” (ARAÚJO, 1973:143).
10
Luiz Beltrão de Andrade Lima (1918-1986) nasceu em Olinda, PE. Escritor, jornalista, comunicólogo e antropólogo.
Estudou no seminário local e mais tarde na faculdade de direito de Recife. Começou sua carreira jornalística usando o
pseudônimo de Gilberto Hélio e Marinheiro, no Diário de Pernambuco e na Folha da Manhã. A origem do termo
folkcomunicação se deu em 1967 com a tese de doutoramento: Folkcomunicação – Um estudo dos Agentes e dos Meios
Populares de Informação de Fatos e Expressão de idéias.
9
O ex-voto e a indústria dos milagres na Festa de São Gonçalo
“Formas significativas visuais e auditivas, como
desenhos e combinações de sons, que, em suas
expressões elementares são os instrumentos mais
primitivos da inteligência. Mas tais símbolos, em suas
formas artísticas, adquirem estruturas complexas,
constituindo símbolos de profunda significação e
apresentando uma articulação lógica peculiar”
(BELTRÃO, 2004:69).
A festa de São Gonçalo é mantida pela devoção e possui símbolos religiosos
(imagens de santos em barro, madeira, gesso, velas etc.). Nesta manifestação verifica-se
como são tratadas e abordadas a importância da crença e sua relação com os símbolos
citados para o ex-voto, já que a indústria dos milagres tende a se manter através da
religiosidade cristã motivada pelos símbolos.
A crença está manifestada na vida do homem. O que motiva e leva o ser humano a
estabelecer relações de religar com o divino, comportamentos e atitudes levam-no a
acreditar em algo supremo, que rege as coisas que não se pode controlar ou que não têm
explicação científica. Desde então, a crença é a causa que leva o homem a obedecer aos
desígnios divinos. “E cada ato, por mais especializado que seja, adquire um significado
religioso: o homem recorre a divindades que devem protegê-lo a cada momento”
(ARANHA e MARTINS, 1993:25).
Criam-se, então, várias maneiras para cultuar esta crença, como a prática de rituais
com devoção que promove milagres e feitos sagrados. Independente das denominações
religiosas, essas manifestações de expressão do culto ao sagrado foram inseridas no
cotidiano popular, originando ápices de fé e assimiladas pelas gerações seguintes
juntamente com outras práticas de cultura.
Por assim dizer, os símbolos têm relação direta com a crença, na festa de São
Gonçalo são eles que remetem à figura mítica do Santo ou indicam a credulidade dos
indivíduos. As imagens, as flores, o andor, a viola, as cantigas ou as rezas compõem a
cerimônia e dá credibilidade à manifestação dos pagadores de promessa, originando um
“resultado positivo da crença”.
10
O resultado positivo da crença surge como verdade percebida de maneira natural,
sem necessidade de provas ou exposições metódicas manifestadas pela razão. É uma
percepção da realidade como forma espontânea do indivíduo para se posicionar no mundo.
As origens da crença não estão nas explicações exclusivamente racionais, mas da realidade
vivida, da afetividade e das emoções. E o comércio dentro deste panorama, verifica-se que
tem cada vez mais interesse em desenvolver mecanismos e estratégias de sedução para a
aquisição de produtos ligados a prática religiosa. De acordo com Rubem A. Alves11, “a
empresa da cura divina é apenas uma dentre as várias tendências da economia para
comercializar bens espirituais”.
“Como em nossos dias tanto as populações
campesinas como as classes citadinas usam o ex-voto
como meio de expressão, e como nem todos os
miraculados ou devedores de graças são hábeis no
manejo do cinzel, do canivete ou dos lápis e tintas,
surgem indústrias de “milagres”” (BELTRÃO,
2004:119).
Para os pagadores de promessa, verdadeiros consumidores da indústria dos
milagres, o que importa é a realização do voto e pouco interessa o processo que se dá para o
cumprimento do mesmo. Trata-se do fenômeno da realização positiva da crença, que é o
milagre, ato ou acontecimento fora do comum, inexplicável pelas leis naturais, reflexo da
manifestação da alma religiosa popular, por isso o milagre é a relação de troca entre bens,
seja profanos ou sagrados, com a intenção de alcançar a graça pedida.
“Sugiro, portanto que os fenômenos das empresas de
cura divina deva ser compreendido segundo modelo
econômico, e não religioso. O que lhe dá a sua
configuração específica é o fato da comercialização
de bens espirituais, e não o fato de serem espirituais os
bens comercializados” (ALVES, 1982:115).
A festa de São Gonçalo em Piracaia, aos olhos da indústria dos milagres, pode ser
considerada como uma propaganda para a realização de outras festas populares tendo o
11
Professor de Filosofia da Ciência do Departamento de Filosofia da UNICAMP
11
comércio direto religioso como forma e caminho para a dinâmica do sistema capitalista no
qual realiza suas intervenções dentro do seio da comunidade rural e campesina.
A prática da celebração da Festa de São Gonçalo é considerada um “ex-voto” pois
os fiéis que acompanham a trajetória do Santo festeiro acredita nos benefícios trazidos ou
deixados pela relação de fé, compromisso e devoção. A “satisfação da súplica atendida
destina-se à publicidade, como ainda usam divulgando nos jornais a obtenção das graças
alcançadas” (MELO, 1998:197).
Portanto, a indústria dos milagres e a crença que origina o voto a São Gonçalo
motivam o culto e perpetua a devoção ao Santo, fazendo com que essa manifestação da
cultura popular, mesmo nessa esfera globalizada, permaneça viva na memória do povo da
cidade de Piracaia e do povo brasileiro.
12
Conclusão
O legado de Luiz Beltrão – a folkcomunicação busca compreender os fenômenos que
configuram os processos comunicacionais, mediados pela indústria dos bens simbólicos, pois
além de abranger a oralidade, abrange também as atitudes comportamentais, através dos
discursos não verbais – ritos e mitos.
Desta forma, as práticas culturais do voto presentes na festa de São Gonçalo se
transformam em propaganda para o comércio que movimenta a indústria dos milagres. Em
Piracaia, o comércio religioso ocorre de maneira tímida, quando há o incentivo a novos
pagadores de promessa há também a tendência destes adquirirem imagens dos santos,
adereços, círios, fitas e outros objetos para a celebração da festa, compondo um cenário
regado a alimentos típicos para serem servidos durante o festejo.
Além disso, observa-se que há na Festa de São Gonçalo um processo cíclico da
crença à indústria dos milagres. A seqüência dá-se quando o indivíduo acredita no Santo em
devoção e faz um voto para alcançar o milagre; ao realizar-se o pagador de promessa faz uma
festa e adquire ex-votos em agradecimento, que por sua vez, transforma o conjunto da
celebração em propaganda para o comércio da indústria dos milagres.
13
Referências Bibliográficas
ALVES, Rubem A. in A Cultura do povo: Coleção do Instituto de Estudos Especiais. São
Paulo: Editora Educ, 1982.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e Martins, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução
à Filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1993.
ARAUJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1973.
BELTRÃO, Luiz. Folkcomunicação: Teoria e Metodologia. São Bernardo do Campo:
UMESP, 2004.
BOSI, Ecléa. in Bosi, Alfredo. Cultura e Desenraizamento. Cultura Brasileira: Temas e
Situações. São Paulo: Editora Ática, 2004.
_____ . Plural, mas não Caótico. Cultura Brasileira: Temas e Situações. São Paulo: Editora
Ática, 2004.
CHAUI, Marilena. Conformismo e Resistência: aspectos da cultura popular do Brasil. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
_____ . Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2003.
http://www.rosanevolpatto.trd.br/dancasaogoncalo.html
MELO, José Marques de. História
personagens. São Paulo: Paulus, 2003.
do
Pensamento
Comunicacional:
cenários
e
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Editora Brasiliense,
1985.
14
Capela de onde foram retiradas as imagens para a Festa de São Gonçalo.
Foto: Ildet Benigna
Fiéis com o andor de São Gonçalo.
Foto: Ildet Benigna
15
Fiéis com o andor de Nossa Senhora Aparecida.
Foto: Ildet Benigna
Fiéis durante a festa de São Gonçalo.
Foto: Ildet Benigna
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