Entre a Preservação Ambiental e a Ocupação Urbana: propostas e impasses do Plano Diretor de São Gonçalo, RJ Eliane Ribeiro de Almeida da Silva Bessa Profª Adjunta do PROURB/FAU/UFRJ E-mail: [email protected] Thiago Giliberti Bersot Gonçalves Mestrando em Urbanismo/PROURB/UFRJ E-mail: [email protected] Resumo O objetivo deste trabalho é analisar as propostas do Plano Diretor de São Gonçalo, município integrante da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, em relação às questões socioambientais focadas no processo de expansão urbana. Para efeito do trabalho, recorreu-se inicialmente a um levantamento da evolução urbana do município, propiciando um conhecimento sobre os processos históricos de ocupação do território. No âmbito do planejamento urbano, centrado no Plano Diretor Municipal de 2008, analisou-se as principais propostas traçadas em função dos impactos do processo de evolução urbana sobre áreas ambientalmente frágeis e de preservação ambiental com base na legislação vigente e no zoneamento municipal. Para tanto, o estudo constitui uma contribuição na compreensão dos atuais “gargalos” das políticas públicas urbanas locais diante dos problemas socioambientais. Palavras-Chave: Plano Diretor de São Gonçalo, Política Ambiental, Ocupação Urbana e Zonas de Conflito Abstract The aim of this paper is analyze the proposals of the Master Plan of São Gonçalo, a member of the Metropolitan Region of Rio de Janeiro, in relation to environmental issues focused on the process of urban expansion. For the paper purposes, we used initially to a survey of the urban evolution, providing an knowledge of the historical processes of land occupation. In the context of urban planning, focusing on the 2008’s Master Plan, we analyzed the main proposals outlined in relation to the impacts of the process of urban development on environmentally sensitive areas and environmental protection areas, based on applicable law and the municipal zoning. Thus, the study is a contribution to comprehend the current "bottlenecks" of urban public politics against social and environmental problems. Key-words: Master Plan of São Gonçalo, Environmental Politcs, Urban Ocupation e Conflict Zones 2 Introdução O presente artigo busca tratar fundamentalmente da atual questão socioambiental observada no município de São Gonçalo. Com foco na gestão do território, analisar as principais diretrizes urbanas propostas para as áreas consideradas de interesse ambiental que se encontram ocupadas. Para tanto, no âmbito deste tema, o estudo tem como mote principal discutir o papel do Plano Diretor Municipal atual, no que tange às políticas desenvolvidas em função dos impactos do processo de evolução urbana sobre áreas ambientalmente frágeis e de preservação ambiental. Dentro do objetivo colocado alguns dados essenciais merecem destaque. São Gonçalo é um município brasileiro situado no estado do Rio de Janeiro, integrado à Região Metropolitana, localizado na orla oriental da Baía de Guanabara. Com uma população estimada em 991.382 habitantes e uma densidade demográfica de 3.316 hab/km² segundo dados do IBGE, é considerada atualmente a segunda cidade mais populosa do estado depois da capital. No tocante à evolução urbana da cidade, é válido lembrar que a sua atual configuração sócio-espacial e ambiental no âmbito da metrópole deriva de um processo histórico de produção do espaço, materializado em função de processos socioeconômicos, culturais e políticos dentro de uma relação local e regional. Do perfil agrário-exportador do século XVIII e XIX ao modelo urbano – industrial do século XX, a economia da cidade, que já ostentou certa pompa – a Manchester Fluminense - assim como experimentou momentos de decadência, deflagra a contradição entre crescimento econômico e justiça social e ambiental. Também, o município em seu contexto metropolitano já nasce periférico, dando maior significado ao seu status quo – uma cidade em grande parte segregada e repleta de problemas socioambientais que rompem com os limites locais. Por conseguinte, há outro ponto que também merece destaque - o planejamento urbano do município. Há um consenso em voga, e claro, com raízes profundas, de que os conflitos observados tanto na gestão territorial quanto no desenvolvimento de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento espacial e socioambiental comumente derivam de modelos de planejamento dotados de toda a sorte de problemas, cujas inconsistências já percebidas em dada época se perpetuam até hoje, seja na teoria, seja na prática. Incompreensão e até descumprimento de leis podem ser notadas. Recentes estudos e críticas sobre a aplicabilidade e abrangência das leis no âmbito do planejamento e principalmente sobre os Planos Diretores Municipais do município retratam incongruências que se arrastam no tempo e no espaço e de certa forma corroboram para a continuidade de conflitos em um município com graves problemas socioambientais e de saneamento ambiental. Afinal, qual é o modelo de cidade desejado pela população? A dimensão dos problemas socioambientais no município de São Gonçalo é tão relevante quanto à de seus vizinhos, o que nos remete à escala 3 metropolitana dos conflitos e riscos presentes, assim como a dimensão regional dos processos urbanos na escala intra-urbana. No município que viveu processos de urbanização acelerados na égide do processo de metropolização, os investimentos públicos em setores essenciais, com vistas à qualidade de vida urbana não acompanharam o crescimento vertiginoso da população, cuja grande maioria teve como destino principal a ocupação de áreas destituídas de infraestrutura, configurando, assim, os loteamentos denominados irregulares. Ainda hoje os índices de saneamento ambiental são precários, gerando forte impacto no meio ambiente local: poluição e assoreamento de corpos hídricos; áreas ambientalmente sensíveis ocupadas desordenadamente como margem de rios, encostas de morros, manguezais (Baía de Guanabara) e áreas de preservação (APA de Guapimirim e do Engenho Pequeno). Em um município cujo perfil da população é de renda baixa, a crise ambiental é só mais uma face da crise social. Nessa perspectiva vale destacar, no cômputo dos problemas socioambientais atuais, o crescente papel dos Planos Diretores Municipais no fortalecimento de um planejamento urbano voltado para a promoção de justiça social e ambiental à luz do que se está previsto no Estatuto das Cidades. Além da promoção do Plano Diretor, a Constituição Federal e o Estatuto das Cidades fortaleceram a gestão democrática e a função social da cidade e da propriedade, objetivando a inclusão territorial e a diminuição das desigualdades, expressas na maioria das cidades brasileiras por meio das irregularidades fundiárias, da segregação sócio-espacial e da degradação ambiental (Junior e Montandon, 2011, p. 14). Centrado nesse papel do Plano Diretor Municipal, o nosso objetivo com o artigo é justamente verificar a partir da análise e das propostas do Plano Diretor de São Gonçalo às questões ambientais urbanas, como o poder público municipal se capacita política e legalmente para tratar as ocupações existentes em áreas de proteção ambiental que, pela própria situação de vulnerabilidade, se constituem num passivo de impasses e conflitos de natureza diversa. Para isso, é de suma importância a investigação sobre como ocorreu historicamente o processo de ocupação do território municipal, que ao fornecer os subsídios para entendermos a lógica da ocupação das áreas hoje consideradas ambientalmente frágeis e passíveis, portanto, de proteção, nos dá uma dimensão para proceder uma avaliação das propostas do Plano Diretor em relação a essas áreas, sustentada pelo o conhecimento de fato da realidade municipal. O Processo Histórico da Ocupação Urbana de São Gonçalo, RJ Desde o século XVIII até o início do século XX, o município de São Gonçalo apresentava um perfil sócio-econômico rural. Nesta época, o principal modelo de produção da cidade era o agrário-exportador, inicialmente com as lavouras de cana-de-açúcar, passando pelo plantio de café e posteriormente com o 4 plantio de cítricos. Nas épocas do apogeu agrário, o município angariava o título de importante entreposto comercial, pois era um centro conector entre o interior e a metrópole núcleo. Estradas, linhas férreas e até as redes fluviais eram bastante utilizadas para o escoamento de matérias primas, tanto para abastecimento do núcleo metropolitano quanto para exportação através dos portos locais. Todavia, como o mercado de commodities agrícolas era facilmente impactado pelas crises econômicas na época, tal situação muito influenciou nos processos político-espaciais. Durante vários anos, São Gonçalo, que inicialmente surge como sesmaria, ora alcança relativa autonomia político-administrativa, ora se torna freguesia de Niterói. Esta trajetória denota a forte influência das oligarquias rurais na política local, cuja manutenção do poder estava diretamente ligada à capacidade econômica local. Somente na década de 1940 do século XX, São Gonçalo conquista definitivamente sua autonomia, elevando-se à categoria de cidade. Trata-se de um momento histórico interessante a ser analisado, uma vez que se inicia um forte processo de industrialização no município, bastante influenciado pelos meios de comunicação regionais¹ no Leste Metropolitano. Além disso, grande parte dos investimentos industriais na época estava sendo direcionado para fora do núcleo metropolitano devido a fatores de ordem política (núcleo como distrito federal) e de ordem econômica (transição de economia agroexportadora para urbano-industrial e reestruturação espacial do parque produtivo). O contexto político e econômico desta época foram fatores decisivos na estruturação do espaço urbano de São Gonçalo. As mudanças no perfil sócioeconômico, aliadas à crise do modelo agrário-exportador e aos processos de migração tiveram grande impacto na produção espacial – o mercado de terras. Grandes parcelas de terra, antes destinadas à produção agrícola, cediam cada vez mais espaço aos loteamentos. O parcelamento das fazendas e sítios torna-se uma alternativa econômica para os proprietários, onde fracionar os terrenos, vendendo em forma de lotes a preços baixos, apresentava retorno econômico, pois seus ganhos advinham da grande quantidade (Modesto, 2008, p.78). No apogeu do processo de urbanização, adquirir uma parcela de terra nas franjas periféricas era um fator atraente para as camadas da população de renda mais baixa² e principalmente para os novos imigrantes oriundos de outras regiões do país, dado o baixo custo de aquisição. Associado ao crescimento industrial da orla oriental da Baía de Guanabara à proximidade espacial com o núcleo metropolitano, o processo de ocupação destes loteamentos ganharia um impulso extraordinário. Entre os anos de 1940 e 1960, São Gonçalo apresentava um dos parques industriais mais importantes do país e um dinamismo econômico sem precedentes em sua história. Com um crescimento populacional elevado e uma forte arrecadação de impostos, o município desenvolveu e aplicou uma série de 5 projetos urbanísticos voltados para a melhoria em infraestrutura e saneamento básico, tais como abertura de logradouros, abastecimento de água, rede de esgoto, rede elétrica, dragagem e recuperação de rios, construção e melhorias em habitações, entre outros. Para tanto, a associação entre as empresas e o poder político local foram decisivos na implementação destes projetos que para a época, geraram resultados positivos. Contudo, a possibilidade de maior arrecadação de impostos através da combinação entre a necessidade de lotear como mecanismo chave de lucro sobre a terra com o desenvolvimento industrial sob forte guarida do poder público local geraria posteriormente um retrocesso neste ciclo virtuoso. Para a expansão dos loteamentos, se fazia necessário tornar as terras do município em urbanas³. Uma vez já havendo uma forte pressão para ocupação da periferia, esta não foi acompanhada dos investimentos necessários que estavam sendo propostos. A retração da atividade industrial devido à modernização e reestruturação espacial do parque industrial não cessou o processo de chegada de novos contingentes populacionais. O processo de loteamento periférico se intensificaria principalmente após a década de 1970. Lado aos fatores positivos como a construção da Ponte Presidente Costa e Silva em 1974 e a abertura da rodovia BR101 que ligaria o núcleo metropolitano aos municípios da Orla Oriental da Baía de Guanabara, a crise econômica nacional que surgia impõe uma nova estratégia no que tange os investimentos públicos. Estes passam a ser cada vez menores e cada vez mais pontuais e centralizados. O resultado deste processo não poderia ser diferente: o descompasso entre os investimentos em infraestrutura urbana e saneamento básico não acompanham o crescimento populacional, que cresce a taxas geométricas. O município registra um crescimento exponencial de população, mais que o dobro, saltando de 232.000 habitantes para cerca de 615.000 habitantes no início da década de 1980. Grande parte desta população encontra-se excluída das condições dignas de boa moradia e de saneamento ambiental adequado. O que era de se esperar e o que de fato não ocorreu é que com a fusão política entre os dois estados (antigo Estado da Guanabara e o Estado do Rio de Janeiro) acarretaria em algumas mudanças significativas para os investimentos em estruturação urbana. Todavia, este processo aliado aos anos ditatoriais muito fomentaram para a crise urbana. Remoção forçada de favelas assim como a expulsão dos pobres do centro metropolitano tiveram um grande impacto no processo de favelização e de loteamento irregular no município. Tão logo, após os anos de ditadura, viriam os primeiros sinais de uma crise econômica, acarretando a ausência de fundos para novos financiamentos habitacionais e a crise do desemprego. A Região Metropolitana presencia um esvaziamento econômico sem precedentes e o município, que no início dos anos 90, se depara com um grande déficit habitacional, assiste ao crescimento de ocupações irregulares que demandam por serviços básicos de infraestrutura, principalmente de esgotamento sanitário, drenagem e pavimentação, e nas quais é flagrante o descaso com o meio ambiente: mais de 1/3 da população vive nestas áreas, apresentando um crescimento de 85% 6 em área absoluta e de 107% de número de domicílios na década de 2000 (ONU Habitat, 2008). O mapa apresentado abaixo demonstra a espacialização destes assentamentos precários pelo território municipal. Dado o processo de expansão urbana do município, é perceptível a relação entre a proliferação de loteamentos e a ocupação desordenada no espaço urbano, principalmente em áreas consideradas frágeis ambientalmente. Figura 1.1. Expansão Urbana e o Ciclo de Expansão dos Loteamentos Periféricos no município de São Gonçalo. Fonte: Leitura Técnica do Plano Diretor de São Gonçalo – PMSG. Interessante ressaltar que a dimensão ambiental, no âmbito de uma questão metropolitana, só conquistou um espaço relativamente grande nas reflexões acerca da cidade posteriormente. Somente a partir da Nova Constituição de 1988 o debate acerca do planejamento integrado, ao fomento do desenvolvimento regional, à preservação ambiental e à ampliação da capacidade dos municípios de atender às demandas locais e de responder a outros constrangimentos relativos à provisão de bens e serviços públicos ganha força (Rocha e Faria, 2004, p. 74). Apesar de todos estes fatores, a questão política e econômica continua sendo um dos precursores do processo de estagnação nas formas de gestão e planejamento socioambiental. Para além dos impactos das articulações políticas locais, há a questão da necessidade de recuperação da economia local, o que certamente demanda uma política de investimentos locais. 7 Nesse sentido, não podemos deixar de mencionar o impacto, principalmente em relação à expectativa, do Comperj – Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, anunciada a construção em 2006 pela Petrobrás na região onde se insere, entre outros, o município de São Gonçalo. Como todo grande projeto ele traz no seu discurso uma promessa de desenvolvimento para a região com a quantidade de empregos gerada durante e após a instalação do empreendimento. Sem dúvida um investimento de grande porte causa uma grande transformação na região onde ele se instala, porém o que não se pode ainda avaliar é o sentido dessa transformação. Devemos lembrar, no entanto, que já existe uma produção científica que analisa criticamente os efeitos e desdobramentos de grandes projetos em relação aos impactos regionais. É digno falar que diante de uma cidade que apresentou durante vários anos um crescimento urbano caracterizado por uma expansão horizontalizada baseada em loteamentos precários, atualmente tem se apresentado cada vez mais fragmentada do ponto de vista social e ambiental, em que se pese avançar na agenda da reforma urbana, principalmente no que tange à habitação e ao saneamento ambiental. Tendo o Estatuto das Cidades, fornecendo as bases para os Planos Diretores como norteadores na implantação dos instrumentos, estes constituem se bem elaborados e alocados, poderosas ferramentas para um melhor planejamento socioambiental. O diagnóstico*, realizado para a elaboração do Plano Diretor Municipal, constata a existência de situações de precariedade e risco ambiental: uma malha urbana dispersa sem índices de urbanização satisfatórios; de áreas de preservação permanente, como as áreas de mangue, ocupadas pelo “lixão” de São Gonçalo, que não possui nenhum sistema de proteção ambiental e está situado dentro dos limites da APA de Guapimirim; das baixas condições ambientais das áreas urbanas confirmadas pelos indicadores de saúde; e do próprio reconhecimento de que mesmo as áreas sob proteção legal sofrem com ações predatórias. Vejamos, então, como o Plano Diretor de São Gonçalo, a partir do diagnóstico feito da real situação do município, propõe as diretrizes das políticas urbanas a serem implementadas localmente. A Política Ambiental do Plano Diretor de São Gonçalo e seus Impasses A definição do zoneamento municipal nos permite verificar o nível de dispersão dos assentamentos irregulares pelo território municipal, inclusive em áreas de proteção ambiental. De certa forma esse reconhecimento vem confirmar os dados históricos de que o processo de crescimento e expansão do município se deu de forma desordenada e dispersa no que diz respeito ao parcelamento do solo. Devido a isso, como não poderia deixar de ser, gerou um processo de ocupação sem nenhum planejamento que hoje deflagra uma situação de precariedade com moradias destituídas de infraestrutura, localizadas em áreas 8 de risco e de fragilidade ambiental, sujeitas à ocorrência de deslizamentos de terra e de erosão do solo. Diante desse quadro vejamos quais são as estratégias gerais traçadas pelo Plano Diretor de São Gonçalo, no tocante à definição de políticas públicas voltadas para a preservação ambiental de áreas municipais, face à política municipal de desenvolvimento e de expansão urbana. Deve-se lembrar que as políticas públicas só serão executadas mediante regulamentação. Figura 1.2. Zoneamento proposto para o Município de São Gonçalo. Fonte: Plano Diretor de São Gonçalo – 2011 - PMSG. Conforme estabelecido no artigo 12 do Plano Diretor, seguem abaixo as linhas estratégicas traçadas para as diretrizes ambientais: “I – a adoção de um modelo de gestão ambiental para unidades de conservação direcionado para resultados e que contribua para o aproveitamento sustentável dos recursos naturais, a promoção do reflorestamento e a recuperação de áreas degradadas no Município; II – promoção de educação ambiental para a construção de uma sociedade melhor informada, que saiba viver em harmonia com a natureza, garantindo o compromisso com o futuro; III – recuperação e reflorestamento de áreas degradadas do Município, com a adoção de ações coordenadas em parcerias entre setores públicos e privados; 9 IV – proteção dos recursos hídricos, incluindo a elaboração de um Plano Diretor de Recursos Hídricos e a sua implementação, articulada com os organismos governamentais federais metropolitanos e estaduais responsáveis” (Do Plano Diretor de São Gonçalo. Volume II - Legislação, Capítulo III, Seção I). Ainda de acordo com a Minuta do Novo Plano Diretor (art. 15) as estratégias para a organização do território municipal serão dadas “a partir do macrozoneamento e do zoneamento de usos e ocupações, de modo a qualificar e caracterizar as áreas aptas à consolidação e ao adensamento urbano e as áreas de interesse paisagístico e ambiental” (Minuta do Novo Plano Diretor De São Gonçalo). A divisão do território municipal em macrozonas integradas visa facilitar a ação do planejamento, com vistas à implementação das estratégias e das diretrizes definidas pelo Plano Diretor. Da macrozona de preservação ambiental extraímos os seguintes artigos: “Art. 26. A Macrozona de Preservação Ambiental, conforme Anexo III desta Lei Complementar, é dividida nas seguintes zonas: I – Zona de Uso Restrito – ZR II – Zona de Uso Sustentável – ZS Parágrafo 1º - A Lei de Uso e Ocupação do Solo normaliza e regula a produção e organização dos espaços urbanos dentro das zonas, indicando parâmetros urbanísticos. A Macrozona de Preservação Ambiental é dedicada à proteção dos ecossistemas e dos recursos naturais. Art. 27. A Zona de Uso Restrito é aquela que abriga ecossistemas que requerem proteção ambiental, como a Mata Atlântica, mangues e unidades de conservação, e onde são impedidas novas atividades urbanas. Parágrafo Único – Na Zona de Uso Restrito são permitidos usos voltados para a pesquisa, lazer e educação ambiental. Art. 28. A Zona de Uso Restrito será objeto de projeto específico que definirá as limitações de uso e de edificações na área. Art. 29. Na Zona de Uso Restrito a ocupação urbana se restringe àquela já existente, sendo que novas ocupações serão coibidas. Parágrafo Único – Aplica-se aos terrenos particulares situados na Zona de Uso Restrito o instrumento de transferência do direito de construir” (Minuta do Novo Plano Diretor De São Gonçalo). E no art. 68. Parágrafo 2º fica estabelecido que: 10 “o poder executivo poderá assegurar o exercício do direito de concessão de uso especial para fins de moradia, individual ou coletivamente, em local diferente daquele que gerou esse direito, nas hipóteses de: III – ser área de comprovado interesse de defesa nacional, de preservação ambiental e de proteção dos ecossistemas naturais. V – ser área localizada em Área de Preservação Permanente – APP, nos termos da Lei Federal nº 4771/65, atendida a excepcionalidade dos casos de regularização fundiária de interesse social, previstos na legislação. O Município poderá empregar o direito de preempção, que lhe dá a preferência na aquisição do imóvel urbano, objeto de alienação onerosa entre particulares, segundo o art. 76 – VII em caso de “criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse ambiental” (Minuta do Novo Plano Diretor De São Gonçalo). Ao examinarmos as propostas estratégicas para a definição das políticas públicas ligadas ao meio ambiente e ao uso e ocupação do solo nota-se que o poder municipal cercou-se de alguns cuidados que lhe permitem regulamentar dentro de uma margem de manobra maior, como a adoção de parcerias públicas e privadas para recuperação e reflorestamento de áreas municipais degradadas e a aplicação, aos terrenos particulares situados na Zona de Uso Restrito, do instrumento de transferência do direito de construir. E a proibição de novas moradias, para além das existentes. Apesar das manifestações explícitas de preservação dos ecossistemas locais e da manutenção das áreas de preservação permanente, o Plano Diretor não menciona quais mecanismos poderiam ser empregados no sentido de tornar viável a materialização da política ambiental, considerando que muitas das áreas situadas na Zona de Uso Restrito ou até mesmo nas Áreas de Preservação Permanente possuem não só moradias como até encontra-se localizado o “lixão” do município. Falta, por conseguinte, uma definição clara de instrumentos voltados para a sustentabilidade socioambiental que estabeleça um diálogo profícuo com a política de ordenamento territorial. Costa e outros comentam que: Além de fundamentos e diretrizes presentes no ideário do Estatuto da Cidade, os Planos contemplam, em geral, o conjunto de instrumentos nele contidos. Deve-se lembrar que os Planos Diretores foram elaborados em cumprimento à diretriz do Ministério das Cidades e à Lei Federal específica. Entretanto, há pouca ou nenhuma inovação no uso desses instrumentos, tampouco há vinculação com estratégias de ordenamento territorial fundamentadas em princípios de sustentabilidade ambiental (Costa et all, 2011, p.176). Um outro aspecto que merece consideração é a menção no Plano Diretor de São Gonçalo de que as áreas de preservação ou de interesse ambiental são 11 passíveis de retirada de moradias, sem fazer uma referência sequer como e onde realocar essas moradias. A título de exemplo, o município somente apresenta uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). O que fica patente na análise da política ambiental do Plano Diretor de São Gonçalo é de que a dissociação com outras políticas, tais como a de ordenamento territorial e a de infraestrutura, por exemplo, coloca as diretrizes ambientais num patamar irreal, fora da realidade social. Ora, ao olharmos para o mapa das áreas de zoneamento vê-se claramente que, se regulamentadas as leis ambientais, o município enfrentará claras zonas de conflito com o processo de remoção de moradias espalhadas pelas áreas de preservação e interesse ambiental. Contudo, como constatado, nenhuma menção a esse fato está presente na definição da política ambiental. Conclusão Numa avaliação final do Plano Diretor de São Gonçalo no tocante à relação entre política ambiental e ocupação urbana conclui-se que, as propostas ambientais são fluidas e pouco esclarecedoras de medidas a serem adotadas para uma ação mais contundente, no sentido de criar um município social e ambientalmente sustentável. As propostas ambientais limitam-se a preservação de ecossistemas e recursos naturais sem qualquer referência a um entendimento do que vem a ser uma política ambiental de cunho social. Não há relação entre as propostas ambientais e as questões sociais. Como estabelecido na definição das áreas de interesse e preservação ambientais, onde se constatou a presença de grande contingente populacional morando nessas áreas, nenhuma vinculação é mencionada ao fato. A idéia prevalecente é a de que o Plano Diretor de São Gonçalo se restringe, do ponto de vista ambiental, à preservação de áreas verdes, repetindo em tom discursivo uma visão limitada de meio ambiente, descolada, inclusive, de propostas mais avançadas como as da Agenda 21, onde não identificamos qualquer referência ou associação ao documento. Esntretanto, o município é integrante de um consórcio metropolitano (CONLESTE), que sugere que os municípios participantes elaborem uma Agenda 21 Local com vistas aos impactos da implantação do COMPERJ pela Petrobras. O Plano Diretor ao se referir ao empreendimento o situa apenas nos aspectos socioeconômicos. Não há, portanto, uma articulação com os impactos ambientais acarretados por um empreendimento deste porte. Outro aspecto a ser considerado é o descompasso entre o diagnóstico da realidade municipal apresentada pelo Relatório Técnico e as propostas de Lei presentes no Plano Diretor. Se tratando de um estudo fundamental na construção de um Plano Diretor, o diagnóstico é uma peça chave na medida 12 em que ele, ao levantar os dados relativos à realidade municipal, serve de suporte à formulação de diretrizes. Afinal, qual foi o real papel do diagnóstico? E por fim, lembrando que o Plano Diretor de São Gonçalo se denomina participativo e indaga qual a cidade que os moradores desejam, como serão administrados os conflitos, sequer mencionados, que fatalmente ocorrerão em áreas de interesse ambiental e paisagístico, porém, ocupadas por assentamentos precários em sua grande maioria? Se de fato participativo e com uma política transparente, o Plano Diretor, enquanto instrumento valioso de transformação da realidade social exerceria, desse modo, sua eficácia na perspectiva de criar uma cidade democrática, ambiental e socialmente sustentável. Notas ¹VILLAÇA (1998) em seu estudo sobre o espaço intra-urbano brasileiro aborda o papel dos meios de comunicação de cunho regional no processo de urbanização e formação do espaço intra-urbano local. ²Os processos de ocupação da periferia metropolitana fluminense possuem uma estreita relação com a “crise da habitação”. Os altos preços das terras no centro da metrópole (dadas as Reformas Urbanas do início do século XX) associada aos processos migratórios e à exaustiva ocupação dos subúrbios acarretaram em um novo modelo de expansão urbana, rumo à periferia. Ver mais em Modesto (2008, pp.77- 80) e Santos (1985, pp. 20 - 25). ³Deliberação 370, de 10 de Novembro de 1962. Câmara de Vereadores Municipal. *Do Relatório Técnico do Plano Diretor Referências Bibliográficas COSTA, H. S. M.; CAMPANTE, A. L. G.; ARAÚJO, R. P. Z. A Dimensão Ambiental nos Planos Diretores de Municípios Brasileiros: Um Olhar Panorâmico sobre a Experiência Recente. In: JUNIOR, O. A. dos S. e MONTANDON, D. T. (orgs). Os Planos Diretores Municipais. Pós-Estatuto da Cidade: balanço crítico e perspectivas. Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Cidades: IPPUR/UFRJ, 2011. DESCHAMPS, M. V. Vulnerabilidade Socioambiental das Regiões Metropolitanas Brasileiras. Rio de Janeiro: Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2009. JUNIOR, O. A.; Christovão, A. C.; NOVAES, P. R. Políticas Públicas e Direito à Cidade. Programa Interdisciplinar de Formação de Agentes Sociais e Conselheiros Municipais. Rio de Janeiro: Letra Capital, Observatório das Metrópoles: IPPUR/UFRJ, 2011. 13 JUNIOR, O. A. dos S. e MONTANDON, D. T. (orgs). Os Planos Diretores Municipais. 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