Sexualidade romana no filme documentário Victoria Regina Vóros Universidade Sagrado Coração e - mail: [email protected] Lourdes M. G. Conde Feitosa Universidade Sagrado Coração e - mail: [email protected] Comunicação Oral – Eixo: Memória, Cultura e Poder Pesquisa em andamento Introdução: Nas últimas décadas, a sexualidade tem aflorado como tema de interesse, discussão e pesquisa em áreas como a História, a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia e a Arqueologia, dentre diversas outras ciências. Há um constante interesse e esforço em compreender as variadas práticas e experiências sexuais em um momento em que as identidades de gênero desconectam-se do biológico e a diversidade sexual torna-se multifacetada, complexa e desafiadora. Parece simples conceituar e estudar a sexualidade humana, mas trata – se de compreender não só uma nuance complexa da vida humana, mas também como um conceito cultural e histórico, que varia segundo seu tempo, espaço e contexto político – social (FERRO, 1992). É necessário que se produza, neste sentindo, pesquisas e trabalhos que desmistifiquem ideias fixas sobre a sexualidade humana, que ofereçam novos olhares sobre as práticas e ritos humanos relacionados ao sexo que possam ir além das concepções atuais, pois as evidências tendem a nos mostrar apenas aquilo em que cremos e a confirmar nossas próprias demandas. Estimuladas por essas reflexões, nessa pesquisa desenvolvemos uma análise crítica de um documentário, o segundo de uma série especial „O sexo no Mundo Antigo‟, denominado “Sexo em Pompéia, erotismo na Antiguidade”, produzido pelo canal de TV por assinatura estadunidense History, em 2009. Questionamos a versão apresentada sobre a sexualidade romana e apresentamos as discussões em torno do gênero cinematográfico definido como documentário, a partir da discussão de obras historiográficas revisionistas sobre tais temas e de releituras de documentos arqueológicos da Pompéia romana. Considerações sobre o gênero cinematográfico Documentário Quando o documentário nasceu, aproximadamente na década de 1930, Grierson propôs o modelo de documentário educativo, que composto pela voz over, pretendia exprimir uma visão da realidade, na qual o espectador seria um agente que recebia e transmitia a informação, mas não a questionava. É o modelo clássico de documentário. Apenas na década de 1970 é que surgirão mudanças mais contundentes, como a intervenção do diretor nos mais diversos aspectos deste filme (RAMOS, 2008, p. 13). Com o avanço dos debates sobre os limites de um filme ficcional e não ficcional ou documentário, intensificam-se os argumentos favoráveis e contrários à ideia de sua representação do real (BAZIN, 1993; AUMONT, 1988; CASETTI, 1999; GUFREIND, 2006). Nos aspectos gerais, existem duas linhas gerais de pensamento em relação a este gênero fílmico: um primeiro que verá distinções entre o documentário e a ficção, e admite a possibilidade de uma representação próxima do real, e outra linha que define documentário e ficção como gêneros não distintos. Esta abordagem vê como impossível a apresentação objetiva da realidade e julga um erro considerar o documentário “transparente”, pois representa uma realidade moldada e fragmentada (RAMOS, 2001, p. 192/207). A leitura que orienta a condução dessa iniciação científica é a de que o filme não ilustra nem reproduz a realidade, ele a reconstrói a partir de uma linguagem própria, produzida num determinado momento histórico. Ou seja, um filme deve ser entendido como um produto cultural de qualquer sociedade e as suas informações precisam ser problematizadas e não aceitas como verdades acabadas, como afirmam Feitosa e Vicente (2012, p. 183). “Sexo em Pompéia, erotismo na Antiguidade” Partindo deste princípio, foram analisados pontos específicos do filme documentário “Sexo em Pompéia: erotismo na Antiguidade”, na tentativa de evidenciar e melhor compreender as apropriações históricas feitas na apresentação da película. Na ordem cronológica apresentada pelo documentário, pode- se apreender, como um telespectador comum, alguns pontos do filme que chamam atenção por suas assertivas. Com o desenvolvimento da pesquisa, tais assertivas serão analisadas e comparadas a materiais de ordem arqueológica e produções científicas da área, mas por hora vale elencar alguns pontos de destaque. A película, logo no início, através de uma introdução gravada pelo jornalista Eduardo Bueno, compara a cidade da Pompéia romana à Sodoma e Gomorra. Ainda neste recorte, o jornalista promete que a atração trará a revelação de descobertas arqueológicas “espantosas” referentes à sexualidade dos habitantes desta cidade. O documentário tem seu início e promete desvendar ao espectador o “submundo” de Pompéia, e garante que a mesma “nadava em sexo”. Fontes arqueológicas como pinturas nas paredes, grafites com imagens fálicas, estátuas e esculturas em alto relevo são apresentadas com a finalidade de informar ao público as fontes arqueológicas e pesquisas históricas que pautaram a construção do documentário e, ao mesmo tempo, evidenciar o quão sexualmente explícito são tais artefatos arqueológicos. Em seguida, o historiador inglês Wallace-Hadrew, diretor da British schoolofRome, é entrevistado como a autoridade sobre assunto para explicar aos espectadores que os pompeianos da Roma Antiga, “ao invés de serem cidadãos descentes, queriam um mundo fervilhante em sexo, sujeira e depravação”. Outros artefatos arqueológicos são apresentados como fontes que fundamentariam as interpretações apresentadas. São relíquias e obras de arte encontradas em Pompéia como: afrescos eróticos, postes de rua fálicos, taças sexualmente explícitas e representações esculpidas de Príapo, deus da fertilidade. A película continua, revelando o lado mais “chocante de Pompéia”, que possuía uma “rotina de sexo”. Ainda segundo o pesquisador Wallace-Hadrew, Pompéia “comercializava decadência e perversão”, conclusão tirada a partir de pesquisas ditas inovadoras. É apresentado então ao telespectador o maior bordel de Pompéia, o Lupanar Gradii, um local onde os visitantes podiam “cheirar e tocar”, o local de trabalho das prostitutas na Antiguidade. O documentário incita a reflexão: Por que em Pompéia havia tanto sexo? Por que ele era tão público? Por que o Império permitia isso? Quem lucrava com as vidas “obscuras” das prostitutas? Aos telespectadores é sugerido que é através do sexo que os cidadãos romanos de Pompéia buscavam “poder e devassidão”. Expõe-se também que “o objetivo do sexo em Pompéia era a visão de corpos submetidos para a satisfação de desejos” e a utilização do sexo público para a “manutenção do status social”. Um dos locais onde o sexo público acontecia, segundo o documentário, eram as termas romanas. Tais termas funcionariam como “palácios de prazer” e constituíam um ambiente no qual “os ricos se uniam aos pobres no grande nivelador na nudez universal”. O documentário, por fim, conclui que existiam duas formas de interpretar Roma a partir das ruínas: “civilização com códigos estritos de honra e poder” e uma cidade “mergulhada no sexo”. César é apresentado como um “playboy de caráter transexual”. As investigações “modernas” nos mostram que Pompéia era “uma cidade como qualquer outra do Império Romano”, portanto, todo o Império “compartilhava o comportamento do sexo, vício e corrupção”. Consideramos que as interpretações apresentadas no documentário “Sexo em Pompéia, erotismo na Antiguidade”, embora de produção recente, são baseadas em concepções tradicionais e já bastante criticadas por leituras revisionistas sobre o tema. Por que então estas não teriam sido contempladas no documentário? Não estariam elas mais próximas ao universo contemporâneo do que da Antiguidade? Palavras-chave: sexualidade; documentário; Pompéia romana Referências: AUMONT, J. La analyse dês films. Paris: Nathan, 1988. BAZIN, A. Qu´est-ce que le cinema? Paris: Cerf, 1993. CASETTI, F. Les theories du cinema depuis 1945. Paris: Nathan, 1999. FEITOSA, L. C.; VICENTE, M. M. Masculinidade do soldado romano: uma representação midiática. In: FUNARI, P.P. et alli História militar do mundo Romano. São Paulo: Fapesp/Annablume, 2012. V. 2. FERRO, M., “Cinema e História. São Paulo: Paz e Terra, 1992. GUFREIND, C. O filme e a representação do real. Publicação do 15º Encontro Anual do COMPÓS – Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação. UNESP/Bauru, 6 a 9 jun. 2006. RAMOS, F.P., O que é documentário. Disponível em: http://www.bocc.ubi.pt/pag/pessoa-fernao-ramos-o-que-documentario.pdf. Acesso em 15 set 2014.