CRISTALOGRAFIA CAPÍTULO III NOTAÇÃO CRISTALOGRÁFICA 3.1. EIXOS CRISTALOGRÁFICOS Denominamos eixos cristalográficos a um conjunto de linhas imaginárias paralelas às arestas limitantes das principais faces de um cristal, e que se interceptam no centro da cela unitária. +c -a -b +b +a -c Eixos cristalográficos de um cristal hipotético No exemplo acima, os três eixos são perpendiculares uns aos outros. O eixo a é horizontal e está orientado no sentido do fundo para a frente da figura; o eixo b também é horizontal e orientado no sentido da esquerda para a direita, e finalmente, o eixo c é vertical e orientado no sentido de baixo para cima. As extremidades dos eixos, segundo suas orientações, recebem um sinal + (positivo) ou – (negativo), conforme figura. 3.2. SISTEMAS CRISTALINOS As trinta e duas classes de simetria dos cristais podem ser agrupadas em 06 (seis) sistemas cristalinos, devido às características de simetria em comum, a saber: ¾ Sistema isométrico: É aquele em que todos os cristais possuem quatro eixos ternários de simetria e os eixos cristalográficos possuem comprimentos iguais e são perpendiculares entre si. ¾ Sistema hexagonal: É aquele em que todos os cristais possuem: ou um eixo ternário de simetria, ou um eixo senário de simetria. Possuem 04 eixos cristalográficos; sendo 03 horizontais, com comprimentos iguais, cruzando-se em ângulos de 120°; o quarto eixo cristalográfico é o vertical, cujo comprimento é diferente dos demais. ¾ Sistema tetragonal: Todos os cristais desse sistema têm a característica de possuírem um eixo quaternário de simetria. Possuem 03 eixos cristalográficos perpendiculares entre si, sendo os dois horizontais de comprimentos iguais e o vertical de comprimento diferente. 2 ¾ Sistema ortorrômbico: A característica comum a todos os cristais deste sistema é apresentarem, ao menos, um eixo binário de simetria. Possuem 03 eixos cristalográficos perpendiculares entre si, todos com comprimentos diferentes. ¾ Sistema monoclínico: Os cristais caracteristicamente apresentam apenas um eixo de simetria (binário), ou um único plano de simetria, ou a combinação de ambos. Possuem 03 eixos cristalográficos, todos com comprimentos diferentes. Dois eixos formam um ângulo oblíquo entre si, e o terceiro eixo é perpendicular ao plano formado pelos dois anteriores. ¾ Sistema triclínico: Seus cristais caracterizam-se pela ausência de eixos ou planos de simetria. Possuem três eixos cristalográficos com comprimentos desiguais e oblíquos entre si. 3.3. RELAÇÃO AXIAL Se pudéssemos manusear uma cela unitária de um cristal qualquer, procederíamos às medições de suas arestas, que são paralelas aos eixos cristalográficos e, conseqüentemente, obteríamos os comprimentos reais de seus eixos cristalográficos. Utilizando-se do “raios-X” podemos fazer medições muito precisas da cela unitária e, portanto, obter relações de comprimentos verídicos dos eixos cristalográficos. Vejamos os dados obtidos para o cristal de enxofre: Medida efetuada na cela ao longo do eixo a b c Dimensões em Å 10,48 12,92 24,55 Se estabelecermos valores comparativos em função de b (uma unidade), obteremos as seguintes relações: Eixo a 10,48 0,81 Eixo b 12,92 1 Eixo c 24,55 1,90 Deste modo, os valores obtidos da operação acima expressam os comprimentos relativos das arestas da cela que, consequentemente, correspondem aos eixos cristalográficos. 3.4. PARÂMETROS Podemos estabelecer as medidas relativas das faces de um cristal fazendo a indicação de suas respectivas intercepções com os eixos cristalográficos. Dessa forma, diremos se uma face é paralela a um eixo e corta os outros dois, ou se é paralela a dois eixos e corta o terceiro, ou ainda, se corta os três eixos. Além disso, devemos determinar a que distância relativa tal face corta determinado eixo. 3 3.5. LEI DA RACIONALIDADE DOS ÍNDICES Conhecida por lei de Haüy (1784), foi desenvolvida a partir de estudos teóricos sobre a estrutura cristalina dos minerais. Sejam OAB, OAC, OBC e ABC quatro planos principais de um cristal, de maneira que nenhum deles seja paralelo à intersecção de outros dois quaisquer. Num cristal, designam-se por planos principais, aqueles planos que correspondam à observação de uma propriedade descontínua como, por exemplo, uma face cristalográfica, um plano de clivagem, um plano de geminação (macla), como podemos observar na figura abaixo: R C B O Q P A Seja PQR um outro plano principal do mesmo cristal, não paralelo a qualquer dos precedentes. Consonante à lei da constância dos ângulos diedros, o plano ABC não será caracterizado pelas suas dimensões, mas pela sua orientação. Em outras palavras, não são importantes os comprimentos OA, OB e OC, mas são importantes para sua definição planar as razões: OA:OB, OB:OC e OC:OA. Do mesmo modo, para um plano PQR são fixas as razões OP:OQ, OQ:OR e OR:OP. 4 A lei de Haüy estabelece que: R OP = m OA OQ n OB C OQ n OB = OR p OC B O Q e consequentemente, OR p OC = OP m OA P A onde m/n, n/p e p/m são números racionais simples, ou seja, são números inteiros, normalmente pequenos, menores que 5. Os valores, necessariamente inteiros, de m, n e p para o plano PQR dependem, evidentemente, dos planos escolhidos, OAB, OAC, OBC e ABC, mas é sempre possível escolher planos principais, tais que aqueles parâmetros sejam pequenos números. A lei de Haüy tem como ponto de partida uma hipotética estrutura triperiódica dos cristais. Embora nenhuma medição possa provar que uma razão de comprimentos seja racional, a verdade é que os valores encontrados para as razões m/a, n/p e p/m são muito próximas de números racionais simples e tanto mais quanto maior for o rigor das medições, pelo que os dados da observação parecem confirmar aquela lei e a estrutura triperiódica dos cristais. 5 3.6. EXPRESSÃO ARITMÉTICA DA LEI DA RACIONALIDADE DOS ÍNDICES E ÍNDICES DE MILLER Consideremos a face cristalográfica ABC, referida à forma primitiva na figura abaixo: Z C c b a Y O B A X Pela lei de Haüy, podemos fazer as seguintes relações: OA m a OB n b = ⋅ ; = ⋅ OB n b OC p c e OC p c = ⋅ OA m a onde m, n e p, são números inteiros menores possíveis, e as faces da forma fundamental são convenientemente escolhidas. Como a face ABC é definida somente pela sua orientação e não por uma posição fixa no espaço, podemos considerar que: OA = m·a ; OB = n·b ; e OC = p·c As quantidades, m, n e p são designadas por características numéricas (ou coeficientes de derivação) da face ABC; e os seus inversos, depois de convertidos proporcionalmente em números inteiros, irão constituir os índices de Miller, h, k e l, daquela face. Ou seja: OA = 1,5a ; OB = 2b e OC = 3c ; consequentemente m:n:p = 3:4:6 Sendo h:k:l = m-1:n-1:p-1 (h,k,l, inteiros primos entre si), teremos: h:k:l: = 4:3:2 6 O índice de Miller para uma face (ou outro plano principal do cristal) é anotado entre parênteses, ou seja: (h,k.l) = (4,3,2) Sempre que uma face intercepte um eixo coordenado na parte negativa deste, o respectivo índice de Miller receberá um traço sublinhando-o na parte superior; e sempre que uma face for paralela a um eixo coordenado, o respectivo índice será igual a zero. No caso de uma face unitária (ou fundamental) o símbolo será (1,1,1). Seja a figura abaixo, onde acham-se ilustradas as posições relativas de seis planos principais de um cristal OAB, OAC, OBC, ABC, BCE e BDE: Z C D O E X Y B A Por serem normais entre si, definindo, portanto, um sistema de eixos coordenados cartesianos, escolheremos como faces coordenadas os planos OAB, OAC e OBC. Qualquer uma das faces restantes pode ser tomada como unitária, à falta de qualquer informação sobre a sua importância relativa. 7 1ª possibilidade: ABC é a face unitária: A relação axial será então, a : b : c = OA : OB : OC = 1,630 : 1 : 1,5600 índice da face BED: OE = 1/2 OA Z C OB = 1 OB OD = 1/3 OC D B Y De onde, O m : n : p = 1/2 : 1 : 1/3 A X e h : k : l = m-1 : n-1 : p-1 = 2 : 1 : 3 Conclusão: BED tem por índice (2 1 3). índice da face BCE: OE = 1/2 OA Z C OB = 1 OB OC = 1 OC D B Y De onde, O E m: n: p = 1/2 : 1 : 1 A X pelo que h:k:l = 2:1:1 Conclusão: BCE tem por índice (2 1 1). 8 2ª possibilidade: BED é a face unitária: A relação axial será então, a : b : c = OE : OB : OD = 0,8150 : 1 : 0,5200 índice da face ABC: OA = 2 OE Z C OB = 1 OB OC = 3 OD D B De onde, Y O E m:n:p = 2:1 :3 A pelo que, X h : k : l = 1/2 : 1 : 1/3 = 3 : 6 : 2 Conclusão: ABC tem por índice (3 6 2). índice da face BCE: OE = 1 OE Z C OB = 1 OB OC = 3 OD D B O E A X Y De onde, m:n:p = 1:1:3 pelo que, h : k : l = 1 : 1 : 1/3 = 3 : 3 : 1 Conclusão: BCE tem por índice (3 3 1). 9 3ª possibilidade: BCE é a face unitária: A relação axial será então, a. : b : c = OE : OB : OC = 0,8150 : 1 : 1,5600 índice da face ABC: Z OA = 2 OE C OB = 1 OB OC = 1 OC D B Y De donde, O E m:n:p = 2:1:1 A pelo que, X h : k : l = 1/2 : 1 : 1 = 1 : 2 : 2 Conclusão: ABC tem por índice (1 2 2). índice da face BDE: Z OE = 1 OE C OB = 1 OB OD = 1/3 OC D B O E Y De onde, m:n:p = 1:1:3 A pelo que, X h:k:l = 1:1:3 Conclusão: BDE tem por índice (1 1 3). Os resultados obtidos estão resumidos no quadro abaixo: Faces coordenadas Face unitária Relação axial OAB = (001) OAC = (010) OBC = (100) ABC BDE BCE 1,630 : 1 : 1,560 0,815 : 1 : 0,520 0,815 : 1 : 1,560 Símbolo das faces ABC BDE BCE (111) (213) (211) (362) (111) (331) (122) (113) (111) 10 EXERCÍCIOS DE ASSIMILAÇÃO 1. Dados os planos abaixo, como simuladores de faces de um cristal hipotético , e considerando a face abc, como face principal (ou fundamental), calcule os índices de Miller de todas as faces. 1.1. 1.2. 1.3. 1.4. 1.5. Face 1 = abc (cor negra): _____________________ Face 2 (verde): _____________________________ Face 3 (azul): ______________________________ Face 4 (vermelha): __________________________ Face 5 (marrom): ___________________________ 2. Dados os índices de Miller (abaixo), deduza as respectivas relações paramétricas. 2.1. Índices de Miller (hkl) cálculo relações paramétricas a:b:c (221)_______________________________________________________ 2.2. (212)_______________________________________________________ 2.3. (201)_______________________________________________________ 2.4. (100)_______________________________________________________ 2.5. (201)_______________________________________________________ 11 3.7. FORMA Em notação cristalográfica o conceito de forma é diferente daquele já estudado. No presente caso, em específico, forma refere-se a um grupo de faces de um cristal, que possuam as mesmas propriedades físicas e químicas, por serem formadas pelos mesmos átomos no mesmo arranjamento geométrico e, além disso, mantenham uma mesma relação para com os elementos de simetria. Exemplos: O cristal de apofilita possui três formas O cristal de pirita possui duas formas {001} e {011} {010}, {111} e {001} Ao todo, podem ser distinguidas, pelas relações angulares de suas faces, 48 tipos diferentes de formas de cristais. Trinta e dois correspondem às formas gerais das 32 classes de cristais; 10 são formas especiais fechadas do sistema isométrico; e 06 são formas abertas especiais (prismas) dos sistemas hexagonal e tetragonal. Algumas Das Formas Mais Gerais são: Pédio: trata-se de uma única face compreendendo uma forma; 12 Pinacóide: Trata-se de uma forma constituída por duas faces paralelas; Domo: É o caso de duas faces não paralelas, mas simétricas em relação a um plano de simetria; Esfenóide: É o caso de duas faces não paralelas, mas simétricas em relação a um eixo de simetria binária ou quaternária; Biesfenóide: É uma forma constituída por quatro faces pertencentes a dois esfenóides, onde o esfenóide superior se alterna com o inferior; 13 Prisma: É uma forma composta por 3, 4, 6, 8 ou 12 faces, todas paralelas ao mesmo eixo; Pirâmide: É uma forma composta por 3, 4, 6, 8 ou 12 faces não paralelas que se encontram em um único ponto; Escalenoédro: É uma forma fechada apresentando 08 faces (tetragonal) ou 12 faces (hexagonal). As faces estão agrupadas em pares simétricos. Para as formas com 08 faces, existem dois pares de faces acima e dois pares abaixo em posições alternadas. Para as formas com 12 faces, existem três pares acima e três pares abaixo em posições alternadas. Nos cristais perfeitamente desenvolvidos, cada face é um triângulo escaleno; Trapezoédro: São formas que possuem 6, 8 ou 12 faces; onde, 3, 4 ou 6 faces superiores estão giradas em relação a 3, 4 ou 6 faces inferiores. Além destas, existe um trapezoédro isométrico, uma forma de 24 faces. Nos trapezoédros bem desenvolvidos, cada face é um trapézio; Bipirâmide: São formas fechadas apresentando 6, 8, 12, 16 ou 24 faces. Na verdade, são formas obtidas através da reflexão de pirâmides sobre um plano de simetria horizontal; Romboédro: É uma forma fechada, composta por 06 faces, cujas arestas de interseção não formam ângulos retos entre si. São formas exclusivas da divisão romboédrica do sistema hexagonal. 14 3.8. ZONAS A um conjunto de faces, cujas arestas de interseção são paralelas entre si, denominamos zona. À linha que atravessa o centro de um cristal, e mantém paralelismo com as arestas das faces de uma zona, denominamos eixo da zona. No exemplo abaixo, a linha [100] é o eixo da zona composta pelas faces b, r, c; e respectivamente, [001] é o eixo da zona composta pelas faces b, m, a. Duas faces quaisquer, não paralelas, determinam uma zona; e o símbolo da zona, para tais faces, é escrita da seguinte forma: Sejam as faces: (hkl) e (pqr); O símbolo da zona será: [k . r – l . q , l . p – h . r , h . q – k . p] EXERCÍCIOS DE ASSIMILAÇÃO Escreva os símbolos das zonas da figura acima a partir de sua formulação; A partir de modelo cristalográfico analógico fornecido em aula, encontre as formas, as zonas, e eixos e escreva os símbolos de faces, formas e zonas. 3.9. HÁBITO DO CRISTAL É a forma característica e comum, ou a combinação de formas em que a substância se cristaliza. O hábito de um cristal inclui a configuração geral e as irregularidades de seu crescimento, se estas irregularidades são de ocorrência comum. A galena, por exemplo, tem um hábito cúbico, a magnetita, octaédrico e a malaquita, fibroso. Isto significa que, embora estes minerais sejam encontrados em cristais que mostram outras formas, tais ocorrências são relativamente raras e seu "hábito" é cristalizar na maneira indicada. Pouco se sabe quanto aos fatores determinantes do hábito; pensa-se, no entanto, que a natureza da solução, a velocidade de crescimento do cristal, a temperatura e a pressão desempenham um papel nessa determinação. 15 Os cristais podem crescer mais rapidamente em uma direção do que em outra; outros cristais ao redor podem interferir e, de várias maneiras, o crescimento simétrico não se realiza. Diz-se destes cristais que são malformados. Ordinariamente, a quantidade de malformação não é tão grande a ponto de impedir o cristalógrafo de imaginar prontamente qual seria o cristal desenvolvido idealmente e, assim, determinar sua simetria. Deve-se notar que a simetria real de um cristal não depende da configuração simétrica e do tamanho de suas faces, mas anta da aparência física das faces e do arranjo simétrico dos ângulos interfaciais. Nas ilustrações abaixo estão representadas várias formas de cristal, primeiramente, desenvolvidas de maneira ideal e, depois, malformadas.