A ARGUMENTAÇÃO EM REPORTAGENS IMPRESSAS. Fátima Soares da Silva, UFPE Telma Ferraz Leal, UFPE Reconhecendo que a argumentação é uma habilidade muito necessária na sociedade atual, acreditamos que é preciso em sala de aula ter práticas que proporcionem aos alunos o desenvolvimento de tais habilidades. Esperamos também que os recursos didáticos disponíveis para alunos e professores, no ambiente escolar, favoreçam o contato com gêneros diversos e de diferentes agrupamentos. Nessa pesquisa, optamos por analisar o livro didático, considerando que este, muitas vezes, como afirmam Albuquerque e Coutinho (2006), representa o único material escrito acessível para alunos de contextos menos favorecidos. Assim, analisaremos reportagens, considerando que são textos da ordem do argumentar, presentes em um livro didático de Língua Portuguesa de 4ª série, com o intuito de desvendar as características específicas da cadeia argumentativa presentes nesses textos, e a incidência dos elementos constitutivos da base argumentativa em cada um dos textos encontrados. Os textos da ordem do argumentar Concordamos com Dolz e Schneuwly (1996), quando estes afirmam que na escola devem ser trabalhados textos de diversos gêneros. Tais autores classificam, para fins didáticos, os textos em cinco agrupamentos e defendem que todos os agrupamentos precisam ser contemplados ao longo do ano letivo. Estes dizem ainda que esses agrupamentos não são estanques uns com relação aos outros. Um gênero não pode ser classificado de maneira absoluta em determinado agrupamento, mas, “certos gêneros seriam os protótipos para cada agrupamento (p.59)”. Os agrupamentos propostos por esses autores são: os gêneros da ordem do narrar, os gêneros da ordem do relatar, os gêneros da ordem do argumentar, os gêneros da ordem do expor, e os gêneros da ordem do descrever ações. Os gêneros do narrar relacionam-se com a cultura ficcional; os gêneros do expor compreendem o domínio da transmissão e construção de saberes; os textos do descrever ações possuem estruturas que predominam instruções e prescrições; os textos do relatar referem-se à documentação e memorização das ações humanas, prevalecendo a “representação pelo discurso de experiências vividas, situadas no tempo” (Dolz e Schneuwly, 1996, p.60); os da ordem do argumentar tratam de discussão de problemas sociais controversos, com predomínio da seqüência tipológica própria da argumentação: “sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição” (Dolz e Schneuwly, 1996, p.61). A respeito da argumentação, Leal e Morais (2006) dizem que todo texto possui uma base argumentativa, mas que alguns textos trazem a defesa de um ponto de vista de maneira mais explícita. Considerando a argumentação como uma atividade discursiva, estes pesquisadores afirmam que existem “gêneros textuais 2 que se caracterizam pela presença mais marcante de estratégias para argumentar” (p.21) e que “torna-se fundamental refletir sobre os contextos em que tais gêneros emergem” (p.21). Assim, sobre a argumentação e os efeitos pretendidos com a mesma, eles afirmam que, A argumentação emerge em situações em que existem controvérsias (idéias passivas de refutação), então, o confronto entre pontos de vista elucidados por diferentes vozes no discurso é inevitável. São as estratégias para lidar com esses diferentes interlocutores que surgem como tema de estudo quando se pretende assumir a argumentação como atividade discursiva (...) são as representações sobre os interlocutores e sobre a situação de interação que ajudam a encontrar estratégias eficazes para os efeitos pretendidos com a atividade de argumentação (LEAL e MORAIS, 2006, pp. 21-22). Considerando o acima exposto sobre argumentação, considerando também que são poucos os estudos desenvolvidos com textos pertencentes a esse agrupamento no Brasil e considerando que a habilidade de argumentar é muito importante para a formação de leitores críticos, optamos por desenvolver o nosso trabalho com a reportagem impressa, assumindo que esse gênero pertence a tal agrupamento. A escolha do gênero deu-se a partir da grande veiculação do mesmo no meio social e por acreditarmos que a partir do trabalho em sala de aula com o mesmo poder-se-á desenvolver diferentes habilidades nos alunos, tais como as relativas às atividades de argumentar e relatar. Quanto à compreensão de textos da ordem do argumentar, acreditamos que é necessário considerar as características do gênero e as habilidades que são exigidas no momento do processamento textual. Lima (2006), numa pesquisa abordando a leitura e elaboração de resumos de artigo de opinião, faz a seguinte afirmação a respeito da compreensão de texto da ordem do argumentar, e especificamente do artigo de opinião: Para compreender um texto argumentativo como artigo de opinião, faz-se necessário identificar o tema (controverso) que está sendo tratado, os pontos de vista do autor, os argumentos que utiliza para defendê-los, as possíveis contra-argumentações e os recursos que utiliza para refutar essas contra-argumentações (LIMA, 2006, p.71). Segundo Leal, Brandão e Ribeiro (2006), nas situações de leitura de textos da ordem do argumentar o papel do leitor é identificar o ponto de vista do autor do texto, estando ele explícito ou não, bem como vislumbrar e analisar a cadeia argumentativa presente no texto. Estas autoras dizem ainda que, A capacidade de identificar o ponto de vista do autor de um texto, seja ele oral ou escrito, analisar as justificativas que ele usa para dar sustentação a esse ponto de vista e as estratégias que ele adota 3 para nos convencer é o que nos torna ativos frente a textos da ordem do argumentar (BRANDÃO, LEAL e RIBEIRO, 2006, p.3). Lima (2006), analisando a compreensão de artigos de opinião por crianças de 4ª série, buscou investigar se os alunos eram capazes de identificar pontos de vista e justificativas dos autores em artigos de opinião e se as crianças são capazes de identificar informações secundárias em artigos de opinião. Foram aplicadas atividades de leitura de dois artigos de opinião, solicitando-se que os alunos respondessem questões sobre o texto lido e elaborassem um resumo dos textos. Com relação à identificação do ponto de vista, Lima (2006) afirma que há diferentes estratégias de leitura presentes na identificação do ponto de vista dos autores. “Quanto maior a familiaridade com os textos da ordem do argumentar, mais acesso a essas diferentes modalidades de apresentação de pontos de vista o leitor deve possuir” (Lima, 2006, p.120). As estratégias apresentadas por essa autora são as seguintes: Para reconhecer um ponto de vista explícito, o leitor precisa saber localizar no texto onde se encontra a informação, porém para identificar um ponto de vista implícito, é necessário que ele saiba fazer uso de estratégias inferenciais. Tais pontos de vista, quando não estão explícitos, podem ser inseridos no texto pelo autor por meio de diferentes estratégias discursivas, Tais como: apresentação de justificativas que orientam o discurso para uma determinada tese; explicitação de dados de realidade que não deixam espaço para a aceitação de um outro ponto de vista; citação de outras vozes que partilham desse mesmo posicionamento (LIMA, 2006, pp.119-120). Segundo Lima (2006), para a identificação dos pontos de vistas apresentados no texto, faz-se necessário saber utilizar diferentes operações mentais. Dentre elas, podemos citar a “generalização, localização, articulação de informações e elaboração de inferências” (Lima, 2006, p.130). Lima (2006), ao relatar os resultados de sua pesquisa, mostra que a maioria dos sujeitos respondeu as questões de identificação de ponto de vista dos autores dos artigos de opinião quando essas questões se referiam ao ponto de vista central do artigo. Isso aconteceu mesmo nos casos em que era preciso elaborar inferências. No entanto, identificar os demais pontos de vista foi mais difícil porque, entre outras habilidades, era necessário reconhecer os pontos de vista do autor, distinguindo-o do seu próprio posicionamento. O outro ponto investigado pela pesquisadora era identificação de justificativas dos autores em artigos de opinião. Para Lima (2006, p.130) “reconhecer essas justificativas possibilita ao leitor compreender o que está sendo defendido no texto”. Ela percebeu que, em relação a essa demanda, houve grande diversidade de respostas. Algumas justificativas dos textos eram facilmente reconhecidas, mas outras eram difíceis e poucos alunos conseguiram identificar. Dentre outras dificuldades, a autora discutiu algumas que foram mais recorrentes entre os 4 estudantes: reconhecer o posicionamento e argumentos do autor, diferenciando-o de seus próprios posicionamentos; reconhecer os recursos característicos da linguagem jornalística presentes no gênero “artigo de opinião”; reconhecer a posição do autor, a partir da inserção de outras vozes no texto; reconhecer uma justificativa apresentada por meio de exemplificação; reconhecer um ponto de vista inserido nos subtítulos do texto; integrar informações inseridas em parágrafos diferentes. Percebe-se, pois, que é necessário investigar bastante os processos de compreensão de textos em diferentes gêneros textuais para decidir sobre as melhores estratégias didáticas para ajudar os alunos a ler compreendendo os textos que circulam na sociedade. Podemos perceber a partir da pesquisa de Lima (2006) que crianças de 4ª série são capazes de identificar pontos de vista e justificativas dos autores em artigos de opinião, e também identificar informações secundárias em artigos de opinião. No entanto, ainda apresentam dificuldades resultantes, sobretudo, da falta de familiaridade com as características do gênero textual abordado pela autora. Restam-nos dúvidas quanto à percepção de crianças dessa série em outros gêneros da ordem do argumentar. A argumentação em reportagem no livro didático de Língua Portuguesa Analisamos reportagens encontradas em livro didático de 4ª série para investigar como aparece nesses a cadeia argumentativa, assumindo que este é um texto da ordem do argumentar. De oito reportagens analisadas, em seis foram percebidos pontos de vista, nem sempre explícito. A seguir explicitaremos a análise detalhada de cada uma das reportagens. A primeira reportagem analisada (p. 24 e 25) tratava da temática de colecionar selos no vidro da janela. Nesta matéria, a autora apresenta dois pontos de vista, o primeiro é que a mania “faz a cabeça da molecada” e o outro é que “dá dor de cabeça aos pais”, em seguida a autora justifica o primeiro ponto de vista com exemplos e falas de jovens colecionadores. Um dos exemplos dessa inserção das vozes pode ilustrar tal estratégia discursiva: “o legal é que ela escurece na hora de jogar vídeo game”. Podemos perceber nesse comentário que o jovem, assim como a autora do texto, considera divertido colar adesivos na janela do quarto. Assim, a justificativa do personagem foi inserida no texto para compor a cadeia argumentativa a favor do ponto de vista da autora. Na reportagem encontrada na página 31 não percebemos elementos constitutivos da cadeia argumentativas, tais como, defesa de ponto de vista, justificativa e contra-argumentação. Na reportagem seguinte (p. 40 e 41) o tema tratado era o hobby de colecionar selos. A jornalista defende de maneira explícita que colecionar selos é hobby antigo, mas que atrai pessoas de todas as idades. Para justificar o gosto dos jovens por selos, ela dá o exemplo de dois meninos que juntos possuem mais de 8.000 selos, e que começaram a colecionar ainda criança. A autora defende ainda que o interesse por colecionar selos pode surgir em ver a coleção dos amigos e há também os que 5 herdam a coleção do irmão mais velho e para justificar essa afirmação dá o exemplo de um dos jovens entrevistados. Na página 57 encontramos uma reportagem abordando a escrita de cartas. Nesta é explicitado pela autora que, apesar das novas tecnologias, as cartas ainda são muito utilizadas. No entanto, os exemplos apresentados mostram que as cartas são pouco utilizadas, apesar de haver o gosto em utilizá-las. As jovens entrevistadas alegam que utilizam mais recursos tecnológicos, como o e-mail; ou seja, há explicitação de ponto de vista, porém o autor não apresenta justificativa pertinente para o seu ponto de vista. Na página 58 encontramos uma reportagem, na qual não identificamos ponto de vista explícito ou implícito. A reportagem seguinte (p.97) fala sobre o papel dos carteiros. Implicitamente é dito que estes são pessoas boas e bem humoradas e que trabalham com alegria, mas que nem sempre são reconhecidos em seu trabalho. Isso fica evidenciado quando a autora do texto faz as seguintes afirmações: “Assim como as cartas, o tradicional uniforme, o alto astral e o bom humor são as marcas registradas desses “pombos-correios” que trabalham como formiguinhas (...) no entanto para a grande maioria eles são figuras anônimas”. Na página 100 mais uma vez fala-se sobre carteiros. No entanto, a discussão refere-se ao pesadelo dos carteiros – os cães. A autora da reportagem defende de forma explícita que o cachorro é o melhor amigo do homem e o pior pesadelo dos carteiros. Como justificativa, apresenta dados que apontam um alto número de carteiros vítimas dos ataques das feras domésticas e prejuízo de dias de trabalho. Como justificativa da justificativa, ou seja, para corroborar o que disse acerca dos ataques dos cães a carteiros, a autora apresenta um jovem profissional que já foi mordido duas vezes em apenas um ano de trabalho e que desconfia até de cachorro poodle mini-toy. Esse exemplo serve para dar mais sustentação a sua afirmação inicial de que o cachorro é o pior pesadelo dos carteiros. Como solução, é apresentada a criação de caixinha de cartas, e, como contra-argumento, a autora apresenta a fala do carteiro quando ele diz que não adianta fazer a caixa se o carteiro tiver que entrar na casa. Na página 190 e 191, o autor da reportagem discute sobre uma exposição de seres humanos em um zoológico, para testar o público. O jornalista não explicita seu ponto de vista. No entanto, a forma como apresenta as informações dá a entender que este partilha da idéia do veterinário do zoológico entrevistado por ele, que afirma que a experiência serviria para educar o público, quanto ao tratamento com os demais animais, como por exemplo, jogar pedras, paus ou alimentos. Esta afirmação serviria também de contra-argumento para as pessoas que não gostaram da exposição. Percebemos nas reportagens analisadas que, de oito reportagens, em seis identificamos defesa de pontos de vista do autor. Em duas delas, esses posicionamentos pessoais aparecem de maneira implícita. Encontramos também, na maioria das reportagens analisadas, justificativas dos pontos de vistas defendidos. Encontramos também justificativa da justificativa e contra-argumentos. 6 Concluímos, então, a partir das análises realizadas, que as reportagens inseridas nos livros didáticos possuem forte dimensão argumentativa e, desse modo, podem favorecer o desenvolvimento de habilidades importantes para a inserção dos alunos nos eventos sociais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, E. e COUTINHO, M. Atividades de leitura nos livros didáticos de Língua Portuguesa. In: SOUZA, I e BARBOSA, M. L. Práticas de leitura no ensino fundamental. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. BRANDÃO, A. C. P.; LEAL, T. F. e RIBEIRO, E. S. A leitura de textos e o ensino da argumentação nos livros didáticos de 1ª a 4ª séries. In: XIII Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino (ENDIPE), 2006, Recife. CD do XIII ENDIPE, 2006. DOLZ, J. E SCHNEUWLY, B. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004. LEAL, T. e MORAIS, A. A argumentação em textos escritos: a criança e a escola. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. LIMA, M. C. Artigo de opinião: leitura e elaboração de resumos por crianças de 4ª série. Dissertação de mestrado. UFPE, 2007. SOARES, Magda. Português: Uma proposta para o letramento. São Paulo: Moderna, 1999a. 215p.