Sujeitos Nulos em Línguas Românicas e Riqueza Flexional
Humberto Soares da Silva
Universidade Federal do Rio de Janeiro
A frequência de sujeitos nulos no português brasileiro (PB) vem diminuindo ao longo
do tempo, mas não numa taxa constante. É possível identificar, na análise diacrônica de
Duarte (1993), dois momentos distintos em que a queda na frequência de sujeitos nulos é mais
acentuada. Estes correspondem às épocas da inserção, no paradigma pronominal, de você(s) e
de a gente e, como esses novos pronomes de segunda e primeira pessoas se associam a
formas verbais idênticas às usadas para a terceira pessoa, o aparecimento deles está
relacionado a reduções na quantidade de oposições entre desinências número-pessoais.
Como os dois processos de empobrecimento conincidem com quedas nas frequências
de sujeito nulo, é possível associar a perda do caráter [+ sujeito nulo] ao empobrecimento do
paradigma. Este trabalho objetiva defender a existência da riqueza flexional, que atua no
fenômeno do apagamento do sujeito. Para isso, são analisadas e comparadas, segundo
pressupostos gerativistas e variacionistas, variedades de três línguas românicas: português
(europeu e brasileiro), espanhol (europeu, argentino e porto-riquenho) e italiano (standard).
A partir da comparação entre as análises variacionistas sobre a fala culta com base em
entrevistas gravadas na década de 70 do português europeu (PE) e do PB feitas por Duarte
(1993, 1995) e do espanhol europeu (EE) e do argentino (EA) realizadas com dados coletados
do Macrocorpus de Samper Padilla, Hernández Cabrera & Troya Déniz (1995), propôs-se
uma escala contínua para o fenômeno (SOARES DA SILVA, 2006), em que as línguas
podem ser localizadas como mais próximas ou afastadas dos comprotamentos prototípicos de
língua [+ sujeito nulo] e [– sujeito nulo] – Kato (2000) já propunha, para o PB, uma
subparametrização, que foi posteriormente retomada em Kato & Duarte (2003). As línguas
que apresentaram maiores taxas de sujeitos nulos e pospostos, menores taxas de expressão
fonética de expletivos e pronomes inanimados e ausência de gradação no favorecimento do
sujeito nulo segundo a proximidade do antecedente, entre outros, são as que se comportam de
forma mais próxima do protótipo de língua [+ sujeito nulo], ficando o EE mais próximo desse
polo, seguido de perto pelo EA e depois pelo PE, estando o PB mais afastado e se
aproximando do polo oposto da escala: [– sujeito nulo]. Seguindo a metodologia aplicada para
as outras línguas, Marins (2009) completou a escala localizando o italiano numa posição mais
próxima ainda do polo [+ sujeito nulo], por apresentar o comportamento mais prototípico.
Agora, assume-se que dois parâmetros atuam simultaneamente no fenômeno estudado
(TORIBIO, 1994), sendo cada um deles relacionado a uma riqueza diferente do paradigma
verbal: a de pessoa gramatical e a de número verbal (cf. SILVA, 1996). Um deles é
relacionado ao licenciamento dos sujeito nulos: quanto mais rica for a oposição entre singular
e plural no paradigma verbal, maior é a probabilidade de licenciamento dos sujeitos nulos
(referenciais ou expletivos) e dos pospostos. O outro difere línguas segundo a possibilidade de
identificação da referência de um sujeito nulo pelo núcleo flexional, possibilidade essa que é
maior quanto mais rica for a oposição entre as três pessoas verbais no paradigma.
Para caracterizar as línguas segundo a identificação, analisou-se, também, o espanhol
porto-riquenho (EP), a partir de dados coletados do mesmo Macrocorpus e seguindo
metodologia igual à aplicada para as outras línguas. Os resultados variacionistas mostram
uma taxa geral de apagamento do sujeito referencial de 63%, menor do que as encontradas
para o italiano (94%), o EE (76%), o EA (71%) e o PE (69%) e maior do que a encontrada
para o PB (36%), portanto o EP se localiza num ponto entre o PB e as outras línguas. Isso é
confirmado pela existência de uma gradação nos resultados para a distância em relação ao
antecedente: no PB e no EP, as duas línguas mais próximas do polo [– sujeito nulo], o
apagamento é mais favorecido quando o antecedente do sujeito está mais próximo, o que
significa que a identificação da referência dos sujeitos nulos tende a depender de coindexação
com outro DP, sendo mais frequente quando o antecedente está em oração adjacente e em
relação de c-comando; no PE essa gradação também é observada, mas somente com os
pronomes de terceira pessoa, e o apagamento não requer, obrigatoriamente, adjacência ou ccomando; no EA, no EE e no italiano, as línguas mais próximas do comportamento
prototípico de língua [+ sujeito nulo], não existe essa gradação, ou seja, a identificação tende
a ser feita diretamente pelo núcleo flexional, sem influência da existência de um antecedente.
A hipótese da relação entre uma maior probabilidade de identificar a referência de um
sujeito nulo e uma maior riqueza de oposições de pessoa é confirmada se as línguas forem
ordenadas da mesma maneira tanto quanto à representação do sujeito referencial como quanto
à riqueza flexional. Para medir o grau de riqueza, são observados os paradigmas de pessoa de
sete tempos verbais, escolhidos por terem formas simples em todas as línguas comparadas,
totalizando 14 miniparadigmas de pessoa, um para cada número em cada um dos sete tempos.
Para cada língua, observa-se quantos desses miniparadigmas apresentam oposição plena entre
as formas das três pessoas gramaticais para os verbos regulares, isto é, três formas diferentes,
como ocorre no singular do presente indicativo do italiano, por exemplo: penso-pensi-pensa.
O paradigma verbal do italiano é o mais rico, havendo oposição plena de pessoa em 12
dos 14 miniparadigmas, ficando o do EE em segundo lugar, com 10 oposições plenas. O
paradigma do EA e o do PE têm três oposições plenas cada um, mas no PE essas oposições
são neutralizadas quando se usa você no lugar de tu. Em seguida vem o EP, que, por conta do
apagamento do /s/ em final de palavra (HOCHBERG, 1986), apresenta apenas um
miniparadigma com oposição plena, e, por último, o PB, sem qualquer oposição plena já que,
na amostra analisada, segunda e terceira pessoas são sempre representadas por formas verbais
idênticas, o que faz a ordem crescente das línguas quanto à riqueza flexional de pessoa
coincidir com a ordem quanto à aproximação ao comportamento prototípico [+ sujeito nulo]:
(1) [– sujeito nulo]/paradigma pobre |––– PB –– EP – PE – EA – EE – italiano –| [+ sujeito nulo]/paradigma rico
O licenciamento sempre ocorre no italiano, no EE, no EA, no PE e no EP, já que a
riqueza de oposições entre singular e plural é total, o que explica a preferência pelos sujeitos
nulos nessas línguas e os sujeitos expletivos, que não têm referência que precise ser
identificada, categoricamente nulos, além da produtividade dos sujeitos pospostos. No PB, em
que a coincidência entre as formas de primeira pessoa em alguns tempos verbais (exemplo: eu
falava-a gente falava) evidencia que a oposição entre singular e plural não é total, o sujeito
nulo nem sempre é licenciado, o que contribui para as baixas taxas de sujeitos nulos, para a
quase inexistência de sujeitos pospostos e para o surgimento de estratégias de preenchimento
da posição do sujeito expletivo, por meio de alçamentos ou de pronomes e demonstrativos.
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