AS METÁFORAS TERMINOLÓGICAS EM DIFERENTES GÊNEROS TEXTUAIS CIENTÍFICOS: UMA ANÁLISE DE SUAS ESPECIFICIDADES Luciana Pissolato de Oliveira (Doutorado – USP) [email protected] Ieda Maria Alves (USP) [email protected] 1. Introdução O presente trabalho tem por objetivo analisar a neologia terminológica metafórica da Genética Molecular (área-objeto de nossa pesquisa de Doutorado) em diferentes gêneros textuais, quais sejam: científico e de divulgação científica, a fim de conhecer suas funções, particularidades e sua produtividade em ambos os veículos. Para o desempenho de tal tarefa, perpassamos pelos diferentes pontos de vista sobre a questão da motivação e sobre o percurso cognitivo da denominação terminológica, posto que cada corrente – seja ela filosófica, linguística ou cognitiva – nos apresenta novos vieses de análise. O motivo pelo qual privilegiamos as formações metafóricas se justifica pelo fato de que tais formações serem reconhecidas como o processo mais proeminente e característico da denominação motivada (TEMMERMAN, 2000), além de ser a neologia semântica um processo bastante produtivo para as áreas de especialidade (ALVES, 2000) – fato que comprovamos durante nossa pesquisa de Mestrado, sobretudo nas formações sintagmáticas. Vemos o termo, elemento-chave da Terminologia, como mais que uma simples designação; ele expressa também as sensibilidades, o imaginário e a maneira de ver e de pensar de uma determinada sociedade, em determinado período. Assim, entender a motivação e os vieses cognitivos pelos quais são construídas as denominações dos conceitos científicos pode nos dizer muito sobre nossa maneira de pensar e atuar linguisticamente, revelando uma identidade linguístico-cognitiva bastante importante para o atual momento da Terminologia. Enfim, entendemos que, para dar conta dos novos conceitos provenientes de intensas atividades de pesquisa, os cientistas utilizam-se fartamente da similaridade com conceitos préexistentes na denominação de seus novos referentes ou, por outro lado, lançam mão de processos de formação de palavras na conformação dessa terminologia. São exemplos de formações motivadas extraídas de nosso corpus de pesquisa em Genética molecular: código de barras molecular, mapa genético, junção de vizinhos, mineração de dados, buraco, casamento, dicionário de códon etc. A predominância de motivação denominativa em Terminologia é, como se pode notar nos exemplos acima, bastante clara, além de uma de suas características essenciais, já que “a forma dos termos sugere por si só uma parcela de sua significação” (GUIRAUD, 1978, p. 98), conferindo uma “explicação racional do conceito que exprime” (KOCOUREK, 1991, p. 173), seja pela similaridade com a função desempenhada, com a forma apresentada etc. Porém, quando se trata da divulgação dessa ciência, o uso metafórico adquire características peculiares; isso porque cada gênero textual apresenta contornos próprios. Nas palavras de Carolyn Miller (1984, apud Marcuschi, 2008) os gêneros constituem uma “forma verbal de ação social estabilizada e recorrente em textos situados em comunidades de práticas em domínios discursivos específicos”. Ponderamos ainda, juntamente com Costa (2005), que um trabalho que se concentre especificamente na identificação e classificação dos conceitos de uma área de especialidade e nas relações entre estes conceitos sem levar em consideração seu ambiente de produção e seu entorno textual está fadado ao estancamento de possibilidades de reconstrução de discurso que somente o texto oferece. Enfim, são as relações entre as unidades terminológicas e as diferentes unidades do texto as responsáveis pela coerência discursiva e textual, além de responsáveis por sua estruturação semântica, o que revela a função cognitiva e comunicativa de uma linguagem de especialidade. Dessa maneira, fomos aos textos compilados – sendo que o discurso científico neste trabalho está representado pela obra Genômica e o de divulgação científica pela revista Superinteressante – a fim de avaliar quais seriam, portanto, tais especificidades. 2. Análises Fazendo-se, então, uma análise desse material, nos deparamos com os seguintes contextos, ambos concernentes à mesma temática, qual seja, a terapia gênica. Discurso de divulgação científica Discurso científico • Os procedimentos para a realização de um protocolo para a terapia gênica envolvem a introdução do gene de interesse no organismo-alvo, de modo que o primeiro passo consiste no isolamento do gene e seus elementos reguladores. • Vetores são mais comumente encontrados em duas formas: na forma plasmidial, em que o gene de interesse é inserido em um plasmídeo de expressão eucariota, promovendo assim a síntese da proteína desejada nas células ou tecidos-alvo. • Pega-se um gene capaz de corrigir uma doença e coloca-se dentro de um vírus, um especialista em invadir corpos alheios para infectá-los. Quando se retira a parte nociva do microrganismo, ele pode ser usado como agente para levar DNA curativo para o interior das células de um paciente. • Hoje está claro que o problema central dessa nova maneira de curar são os micróbios que levam os genes benéficos para dentro do organismo - chamados de vetores pelos cientistas. Assim, pelo fato de os textos abrangerem a mesma temática, conseguimos estabelecer relações entre os conceitos difundidos pelo discurso científico (DC) e pelo discurso de divulgação científica (DDC). Notamos que a terminologia empregada pelo DC é amplamente constituída via metáfora (gene de interesse, organismo-alvo etc) e que o DDC, no intuito de aclarar ainda mais tais conceitos, banaliza, novamente utilizando-se da metáfora, a terminologia científica, aliando: - corpo alheio (DDC) a gene de interesse e a tecido-alvo (DC); - vírus e micróbio (DDC), terminologia já dicionarizada e, portanto, mais próxima do público leigo, a vetor (DC). Nesse caso, observa-se uma generalização do sentido de vetor, perdendo assim a especificidade do termo científico; - gene benéfico (DDC) a gene de interesse (DC). Percebemos, então, que o uso metafórico é bastante produtivo em ambos os contextos de produção discursiva, o que se justifica por cumprir função cognitiva importante tanto no DC – na denominação dos conceitos científicos quanto no DDC – na divulgação dos mesmos. Nos dois casos as metáforas propiciam a expressão de idéias complexas de maneira compacta, o que seria dificilmente explicável literalmente, além de ajudarem a capturar a intensidade de nossas experiências fenomenológicas, invocando imagens mentais sobre determinado acontecimento (ORTONY, 1975). Além disso, nos parece que a terminologia científica, ainda que constituída via metáfora por seus óbvios benefícios, não alcançaria de maneira eficiente os leitores da revista Superinteressante, um público caracteristicamente jovem. O jornalista, para transmitir o conhecimento de maneira mais rápida e palatável, substitui tal terminologia por uma mais banalizada e, provavelmente, mais transparente ao olhar de seu público. Além desse recurso, fartamente utilizado por esse veículo de divulgação, há ainda outro bastante produtivo: a metaforização de toda a temática. O DC, ainda que em sua vertente didática, apresenta um discurso formal e neutro, amparando-se nas metáforas somente quando da denominação dos conceitos apresentados; o DDC, contudo, trata de questões genéticas normalmente como uma guerra, ou uma praga, fazendo analogias entre os dois domínios: • Esses restos podem voltar à ação quando entram em contato com os genes do vírus terapêutico. Assim, pragas adormecidas acordam, proliferam e atacam. • Uma praga ressurge: [...] o organismo encara o micróbio como inimigo e o ataca, abortando a terapia. Às vezes, o contra-ataque do corpo é tão exagerado que pode destruir células e órgãos, provocando até a morte do paciente. O apelo a esse recurso, o da metaforização de toda a temática por analogia, pode se dar por duas razões, ao nosso modo de entender: a de conferir leveza e bom humor ao texto – o que se traduz negativamente se tratamos de analisar a precisão da informação –, e a de simplificar a linguagem, transportando o mundo da ciência, complexo e inacessível para quem o olha de fora, para a realidade de seu público leitor. Temos então, simultaneamente, o uso metafórico em sua vertente clássica, com a ornamentação do discurso vulgarizado, e a vertente cognitiva – de maneira mais saliente –, que se utiliza da metáfora pelas características inerentes de tal recurso: auxiliar o processo de aquisição do conhecimento. Além disso, cremos que a área com a qual lidamos, por ser um ramo da Medicina, supõe já, desde suas origens, um embate entre a vida e a morte – o que acaba sobressaindo no DDC por meio da metaforização de toda a temática. No DC esse embate é menos evidente graças à formalização do discurso da ciência, mas pode aparecer na própria terminologia, a exemplo de morte celular programada, gene suicida, célula-mãe, célula-filha etc. 3. Considerações preliminares Vulgarizar o conhecimento científico é, portanto, um trabalho contraditório, segundo Jacobi (1994): ao mesmo tempo em que o jornalista deve levar o saber da academia ao conhecimento do leigo, a terminologia científica não é, ou não pode ser, repassada na íntegra, posto que sua utilização levaria a um apagamento do cognitivo e a informação não seria, portanto, difundida. Consequentemente, o divulgador tende a relacionar o conhecimento científico com o saber popular por meio de recursos metalinguísticos. A discussão que se traz a respeito desse processo de vulgarização gira em torno de se essa técnica leva efetivamente ao conhecimento ou se termina por dividi-lo. Ainda segundo Jacobi (1994), essa é uma resposta difícil de obter, e novamente conduz a uma contradição: se houvesse uma equivalência entre o DC e os fragmentos reformulados em linguagem geral no DDC, e se essa relação fosse efetiva, então não haveria distinção entre um e outro discurso. Questionamentos a parte, o que podemos inferir sobre o processo de vulgarização científica é que ele vem cumprindo seu papel de difusor do conhecimento especializado, com maior ou menor propriedade. Esse avanço na divulgação se pode creditar às metáforas, que são elementos-chave não só na constituição desse tipo de discurso (o de divulgação), mas, em sua função cognitiva, atua também nos mais diversos ambientes científicos. REFERÊNCIAS ALVES, Ieda Maria. Neologismo – Criação lexical. São Paulo: Ática, 2004. ______. Neologia técnico-científica na imprensa brasileira contemporânea. In: Atas de RITERM – VII simpósio, 2002. BÉJOINT, Henri, THOIRON, Philippe. Modèle relationnel, définition et dénomination. 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