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RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS: DISSERTAÇÕES DO CURSO DE LETRAS
(UNIOESTE)
Carina Merkle Lingnau (Unioeste)68
Sônia Maria dos Santos Marques (Unioeste)69
A educação é a arma mais poderosa que nós podemos usar para mudar o mundo
(Nelson Mandela, Johanesburgo, África do Sul, 16 julho de 2003).
Ilustração 1 - Nelson Mandela, por Drei Maicon Leporacy70
68
Licenciada em Letras pela UFSC. Especialista em Educação para as Relações Étnico-Raciais pela
UNIOESTE, mestranda em Educação UNIOESTE atua na área das relações étnicas, linguagem e
discurso. Email: [email protected]
69
Doutora em Educação pela UFRGS. Atua como Professora Adjunta da Unioeste, PR. Os temas em
que trabalha estão concentrados na área de educação, história, identidade, relações étnicas,
comunidades quilombolas, memória. Email: [email protected]
70
Desenhista, ilustrador, estudante de Engenharia Florestal UTFPR, Dois Vizinhos, 3º lugar no I
Concurso de Charges da Sociedade Entomológica do Brasil, em janeiro de 2014.
38
RESUMO: A temática étnico-racial tem avançado nos estudos dos cursos de pós-graduação nos
últimos anos. Assim, este trabalho de pesquisa é resultado do Curso de Especialização em Educação
para as Relações Étnico-Raciais e buscou verificar quais dissertações da Biblioteca Digital de Teses
e Dissertações (BDTD) da Unioeste, Câmpus Cascavel, especificamente nas dissertações produzidas
no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras, eram sobre a as relações étnico-raciais no
período de 2005 a 2010. Depois de encontradas as dissertações na respectiva temática, utilizamos
como metodologia Análise de Conteúdo de acordo com Olabuènaga (1999) para detalharmos o foco
dado à temática étnico-racial nos trabalhos encontrados.
Como resultado, das 65 dissertações
elaboradas no programa de pós-graduação stricto sensu em Letras da Unioeste, encontramos 3
trabalhos centrados na temática étnico-racial. Neste artigo demonstramos quadro resumo e análise
de uma das dissertações analisadas, pois as outras estão em Lingnau e Marques (2012, 2013). Os
resultados mostram um início de abertura para este tema de pesquisa na pós-graduação do Curso de
Letras da Unioeste, Cascavel.
Palavras-chave: Lei 10.639/2003. Pós-graduação. Afrodescendentes.
ABSTRACT: The ethnic- racial issue has advanced the studies of postgraduate courses in recent
years. Thus , this research is the result of the Specialization Course in Education for Racial-Ethnic
Relations and sought to verify dissertations of the Digital Library of Theses and Dissertations ( BDTD )
Unioeste , Campus Cascavel , specifically dissertations produced in the Post - graduate studies in
Languages , on the ethno-racial relations in the period 2005-2010 . After the essays found in the
respective subject , we used content analysis as a methodology in accordance with Olabuenaga
(1999) for detailing the focus given to ethnic and racial themes found in the works . As a result , from
the 65 dissertations developed in post- graduate studies in Languages Unioeste program , we found 3
papers focusing on ethnic and racial themes . In this article we present the framework of a summary
and analysis of the dissertations analyzed because the others are in Lingnau and Marques (2012,
2013). The results show an opening for this research topic in post-graduate course on Languages
Unioeste , Cascavel .
Keywords: Law 10.639/2003 . Post-graduation. African descents.
INTRODUÇÃO
A centralidade das discussões do presente trabalho conduz à ideia da
importância da educação para a mudança de padrões de comportamento e
concepções étnico-raciais. Este artigo nasceu do resultado do trabalho de pesquisa
realizado na monografia do Curso de Especialização para as Relações ÉtnicoRaciais da Unioeste, Câmpus Francisco Beltrão. Com o objetivo de encontrarmos
dissertações cuja centralidade fossem as relações étnico raciais, acessamos a
Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD) da Unioeste, Câmpus Cascavel, e
procuramos especificamente dissertações produzidas no Programa de PósGraduação Stricto Sensu em Letras no período de 2005 a 2010. De um total de 65
dissertações elaboradas na Pós-Graduação stricto sensu em Letras da Unioeste,
Cascavel e dispostas no BDTD encontramos três dissertações centradas na
temática étnico-racial.
39
Metodologia
Desta maneira, com o objetivo de verificar as produções que trabalhavam a
questão étnico-racial, utilizou-se o critério da busca por título. Através dessa busca
encontramos três trabalhos centrados na temática cuja análise foi realizada partindo
da Análise de Conteúdo proposta por Olabuénaga71, o que aprofundou a leitura das
dissertações.
Para facilitar a escrita e leitura das análises desenvolvidas neste trabalho, as
dissertações analisadas receberam as nomenclaturas: D1, D2 e D3. Para explicitar
didaticamente o processo de análise em Olabuénaga elaboramos um esquema,
conforme o quadro abaixo.
Análise de Conteúdo segundo Olabuénaga (1999)
Teoria
Referência
s
Texto s
pa ra Aná lise
Unida de
de Registro
6. C odifica r o
Texto
C om pleto
1 .Objeto
de
Aná lise
7. Co m pro va r
a
C onfia bilida de
Definitiva
4. Revisã o
C ritérios
Am plitu de
Universo
Co m pleto
Sentido
2.
C a tego ria s
5. Retom a r
o Pon to 3
3. C odifica çã o
C om p rova ções
(Se nã o existem
contra dições,
a m big u ida de,
ca teg oria s nova s,
precisã o , a deq u a çã o )
Adaptação: A autora, 2011 (Baseado em Olabuénaga, 1999, p.209).
Para o processo de análise primeiro houve leitura exaustiva das dissertações,
criamos subcategorias e categorias. Em seguida, houve leitura intensiva do texto
final e algumas vezes foi necessário rever a análise e criar outras categorizações.
Como processo final, estabelecemos as relações entre as três análises evidenciando
as potencialidades e as lacunas encontradas na pesquisa.
A partir da leitura das dissertações elaboramos subcategorias e categorias. O
resumo das dissertações constaram das seguintes informações: Instituição, Área de
71
1999
40
Concentração,
Linha
de
Pesquisa,
Tema,
Objetivos,
Referencial
Teórico,
Metodologia e Ano de Publicação.
Lingnau e Marques72 publicaram os quadros-resumo das dissertações D1 e
D3 e suas respectivas análises. Neste artigo iremos apresentar os resultados da
análise de D2. Abaixo, segue o quadro-resumo de D2.
Identificação: Dissertação 2
DISSERTAÇÃO 2 (D2)
Instituição:
Unioeste
Área de
Concentração:
Linguagem e Sociedade
Linha de Pesquisa:
Linguagem e Cultura
Tema:
Preconceito Racial no discurso de humor: um viés de construção da
identidade negra
Objetivos:
Investigar como o discurso racista se (re) produz nas piadas que
circula (m) no Brasil, tomando o negro como tema
Referencial Teórico:
Análise do Discurso (AD), orientação francesa
Metodologia:
Pesquisa bibliográfica
Ano de Publicação:
2007
Contribuições:
A discussão da temática da disseminação do discurso ideológico
através das piadas
Análise
D2 teve como formação duas categorias e respectivas duas subcategorias
cada, discutindo o humor das piadas elaboradas sobre afrodescendentes, D2
aprofundou um assunto bastante delicado: o riso no sentido do humor trágico, assim
por não positivar a imagem dos negros optamos por não gerar imagens dessa
dissertação. Em Lingnau e Marques73 podem ser encontradas imagens positivadas
dos afrodescendentes geradas por D1 e D3. Abaixo segue quadro demonstrando a
formação de categorias e subcategorias a partir da leitura e releitura de D2.
Quadro análise D2
72
73
2012,2013
2012 e 2013
41
CATEGORIA D Teorizando o humor e o
riso nas piadas que enfocam o negro
como contribuição da disseminação do
discurso racista
D2
Subcategoria
D1
Freud,
Bergson
Subcategoria D2 memória
discursiva, texto humorístico
49 vezes
11 vezes
CATEGORIA E Corpus do trabalho
sistematizado pela repetição dos dizeres
nas piadas
Subcategoria
representação e identidade
E1
História,
Subcategoria E2 Discurso da
inferioridade, negro ladrão, negro sem
valor, negro sujo, negro feio, negro
trabalha mal, negro não é humano,
11 vezes
11 vezes
A Categoria D teve como título: Teorizando o humor e o riso nas piadas que
enfocam o negro como contribuição da disseminação do discurso racista e suas
respectivas subcategorias foram: Subcategoria D1: Freud, Bérgson; Subcategoria
D2:
Memória discursiva, texto humorístico. A categoria E também elencada dentro
da D2 teve como título: Corpus do trabalho sistematizado pela repetição dos dizeres
nas piadas. A
Subcategoria E1: História, representação e identidade e
a Subcategoria E2: Discurso da inferioridade, negro ladrão, negro sem valor, negro
sujo, negro feio, negro trabalha mal, negro não é humano.
A subcategoria D1: Freud, Bérgson definiu respectivamente as relações entre
chistes e inconsciente e o conceito de riso. Uma das passagens que situa esta
subcategoria encontra-se em:
Nessa perspectiva, “o outro”, nos chistes tendenciosos, é introduzido
apenas para ser ridicularizado, já que, quando comparado ao “eu”, é para
ressaltar sua inferioridade. Do mesmo modo que Freud, Bergson também
endossa a idéia de o cômico não ser a favor, uma vez que se ri do tropeço,
da queda, da falta de dentes ou de inteligência do outro, conforme exposto
anteriormente. O riso parece surgir como uma espécie de punição pelo erro
cometido, por ter-se quebrado as regras sociais, ou ainda, por estar fora
dos padrões considerados adequados. (D2, p.32-33)
42
Quanto à subcategoria D2: Memória discursiva, texto humorístico podemos
ressaltar os trechos abaixo:
Pode-se conceber memória discursiva como sendo os sentidos já
cristalizados, legitimados na sociedade e que são reavivados no
intradiscurso. A memória discursiva faz com que o sujeito, na sua relação
com o social e o histórico, se filie a determinadas redes de sentido. (D2,
p.96)
O texto humorístico é, segundo a autora, o resultado do fato de os
indivíduos, numa comunidade de fala, compartilharem um mesmo repertório
e poderem utilizar diversas variações lingüísticas numa mesma situação e
quebrar regras preestabelecidas, normas lingüísticas e sociais. Sem o
conhecimento partilhado entre leitor/ouvinte, o significado do cômico de
uma piada se perderia. É essa competência que lhe fornece o
conhecimento que não está explícito. O discurso das piadas que tematizam
o negro parece demonstrar uma identidade social e cultural constituída do
afro-descendente. (D2, p.69-70)
A categoria E: Corpus do trabalho sistematizado pela repetição dos dizeres
nas piadas traz como subcategoria E1: História, representação e identidade.
Ao circular sem coibições e anonimamente, o humor perpetua efeitos de
sentido, tais como, o riso e a depreciação do alvo tematizado; ou, no
entender de Bergson (2004), servindo como um “canal” de humilhação,
portanto, propalador de identidades negativas, conforme salienta Possenti
(2002) ao conceber a enunciação humorística associada à representação
identitária. (D2, p.166)
Neste sentido Bhabha74 () faz uma reflexão na seguinte perspectiva:
A intervenção da crítica pós-colonial ou negra tem por objetivo transformar
as condições de enunciação no nível do signo - no qual se constitui o
domínio intersubjetivo – e não simplesmente estabelecer novos símbolos de
identidade, novas "imagens positivas" que alimentam uma "política de
identidade" não-reflexiva. O desafio à modernidade está em redefinir a
relação de significação com um "presente" disjuntivo: encenando o passado
como símbolo, mito, memória, história, o ancestral - mas urn passado cujo
valor iterativo como signo reinscreve as "lições do passado" na própria
textualidade do presente, que determina tanto a identificação com a
modernidade quanta o questionamento desta: 0 que e o "nós" que define a
prerrogativa do meu presente? A possibilidade de incitar traduções culturais
por entre discursos minoritários surge devido ao presente disjuntivo da
modernidade. Este assegura que o que parece o "mesmo" entre culturas e
negociado no entre-tempo do "signo" que constitui o domínio intersubjetivo,
social. Por ser de fato aquele lapso a própria estrutura da diferença e da
cisão dentro do discurso da modernidade, transformando-o em um processo
performativo, cada repetição do signo da modernidade e diferente, especifica
em suas condições hist6ricas e culturais de enunciação.
74
1998, p.341
43
A última subcategoria E2 inserida na análise D2: Discurso da inferioridade,
negro ladrão, negro sem valor, negro sujo, negro feio, negro trabalha mal, negro não
é humano encerra o discurso da ignorância e do desconhecimento sobre o negro. As
ilustrações destes textos piada constam abaixo:
Esse conjunto de piadas demonstra que a linguagem utilizada na
montagem dos diferentes cenários agenciados pelas piadas serviriam
apenas de pretexto para materializar o discurso de que o negro é ladrão.
Tem-se, então, um exemplo do uso da língua para a produção de efeitos
ideológicos. (D2, p. 131)
Assim, o presente trabalho direciona sua atenção para a apresentação dos
resultados das análises D1 e D3 em Lingnau e Marques75 e demonstra a análise de
D2.
Resultados
É possível afirmar em D2 os efeitos das piadas sobre negros, a representação
dos poderes e as forças visíveis e invisíveis que penetram nas concepções que o
povo formula sobre o mundo. Utilizando como argumento o uso desse trabalho como
momento de discussão e reforço de imagens mais contemporâneas e positivas da
temática étnico-racial a dissertação D2 não gerou imagens que fossem interessantes
reproduzir. Como se observa no quadros-resumo e no quadro de análise, D2
trabalhou com uma temática atual, mas não polemizou questões contra discursivas
em relação às piadas racistas.
Assim, para discursos elaborados a partir de piadas em relação aos
afrodescendentes a palavra de ordem parece ser: resistência. Munanga76 afirma
que
[...] é preciso construir novas práticas. Julgo ser necessário que os (as)
educadores (as) se coloquem na fronteira desse debate e que a cobrança
de novas posturas diante da questão racial passe a ser uma realidade, não
só dos movimentos negros, mas também dos educadores, dos sindicatos e
dos centros de formação de professores. Quem sabe assim poderemos
partir para iniciativas concretas, desenvolvendo projetos pedagógicos
juntamente com a comunidade negra, com as ONG’s e com os movimentos
sociais. Assim, poderemos realizar discussões na escola que trabalhem
temas como: a influência da mídia, a religião, a cultura, a estética, a
75
2012, 2013
76
2005, p. 151
44
corporeidade, a música, a arte, os movimentos culturais, na perspectiva
afro-brasileira. Essas e outras temáticas podem e devem ser realizadas ao
longo do processo escolar e não somente nas datas comemorativas, na
semana do folclore ou durante a semana da cultura.
Nesse sentido, trabalhos como D2 podem ser base para práticas concretas de
combate ao discurso racista em forma de piadas nas formações de professores e
por consequência, nas salas de aulas, o que de alguma forma pode minimizar essas
práticas no cotidiano desses indivíduos e da sociedade que os envolve.
.
Referências
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Educação do Negro e outras histórias. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação
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Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Cascavel, Paraná.
GOMES, P.G. Pesquisas sobre o negro e a educação. Propostas da década de 1980 e análise
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Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco.
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Educação para as relações étnico-raciais: análise de
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ANPEDSUL 2012 - Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul. Caxias do Sul, 2012.
LINGNAU, C.M. ; MARQUES, S. . História das Relações Étnico-Raciais na Unioeste: Análise de
Dissertações no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Letras Unioeste (2005-2010).
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MEC/SECAD. Diretrizes curriculares nacionais para a educação das relações étnico-raciais e
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MUNANGA. K. (Org). Superando o racismo na escola. Brasília: MEC/SECAD, 2005.
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2008. 149 p. Dissertação (Mestrado em Letras). Programa de Pós-Graduação em Letras,
Universidade Estadual do Oeste do Paraná – UNIOESTE, Cascavel, Paraná.
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(UNIOESTE) Carina Merkle Lingnau