A DIMENSÃO PEDAGÓGICA DO PERGUNTAR E DO DIALOGAR EM
FREIRE
SILVA, Ursula Rosa da. – PPGE/UFPel – [email protected]
Eixo: Filosofia e Educação/n.13
Agência Financiadora: Sem Financiamento
O presente estudo faz parte de uma pesquisa que se desenvolve como tese de
doutoramento em Educação, que aborda a temática do ensino de Filosofia. Um dos
objetivos específicos do referido projeto é o de retomar algumas idéias filosóficopedagógicas a respeito do pensar na criança. O presente texto pretende estabelecer
relações sobre o conceito de pensar em Paulo Freire, teórico da educação que considera
uma das bases educativas o saber ensinar a pensar e a prática em sala de aula com o
ensino de filosofia, relacionando a curiosidade com o diálogo. A partir da análise da
categoria do pensar certo, de Freire, encontramos fundamentos para estabelecer relações
que contribuam para a reflexão do pensar, no ensino de filosofia com crianças,
principalmente no que diz respeito à passagem da curiosidade espontânea à curiosidade
epistemológica e os passos para um procedimento didático relacionando o perguntar e o
dialogar em aula com o pensar certo.
Neste estudo, abordamos as obras de Freire: Pedagogia da Autonomia (1996),
onde é possível encontrar essas categorias de pensar certo e curiosidade epistemológica,
de forma mais aprofundada; A Importância do Ato de Ler (2001), que tematiza o
diálogo e o pensar certo a partir de uma relação de percepção do mundo; Por uma
Pedagogia da Pergunta (1985), que escreve com Antônio Faundez e ambos refletem
sobre a pedagogia da pergunta e a tarefa do professor e do educando no processo de
aprendizagem e Pedagogia do Oprimido (2004), onde defende o encontro dialógico na
educação.
O enfoque metodológico dado, para a análise dos textos, é a história das idéias,
considerando que esta se volta para idéias que alcançam grande difusão e estão na base
do próprio fazer histórico.
O pensamento de Freire sobre o caráter pedagógico do pensar traz contribuições
para que novos caminhos sejam percebidos no ensino de filosofia. Especialmente,
considerando a educabilidade do pensar como um verdadeiro exercício de filosofia, ou
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seja, o pensar certo demanda que seja superada a visão do ensino filosófico como
transmissão de conteúdos e passe a ser vivenciado enquanto pensar em atitude
filosófica, que se faça filosofia em aula. O professor, por sua vez, deixa de ser
reprodutor de idéias clássicas e torna-se mediador, um provocador de discussões,
alguém que estimula a curiosidade oferece caminhos, auxilia no encaminhamento das
dúvidas para que surjam possibilidades de respostas. Freire aponta, com sua categoria
do pensar certo, para uma prática pedagógica reflexiva, negando a mera reprodução de
idéias.
Nesse sentido, o contributo deste autor permite pensar um ensino de filosofia
que seja transformador e desafiante em direção de um fazer filosófico, em que professor
e aluno possam estar envolvidos num movimento de descobertas. O estímulo ao cultivo
de pensar deve iniciar, pois, desde que nasce o movimento de um olhar curioso frente ao
mundo, ainda que não em busca de um conhecimento rigoroso, no entanto, não com
menos seriedade na constituição de um encadeamento de idéias e argumentos.
Tendo como pressuposto que ensinar não é um mero ato de transferir
conhecimento, Freire escreve Pedagogia da Autonomia para falar sobre sua concepção
de educação, as demandas do ato de ensinar e os saberes necessários ao professor, que
devem estar presentes desde sua formação até o exercício de seu ofício docente.
O conceito de “pensar certo” de Freire tem aproximações com o conceito de
“pensar bem” ou de “pensamento eficiente” de Dewey. Assim como Freire, Dewey
também acredita que o ato de pensar reflexivo nos emancipa, tornando-nos capazes de
planejar nossas ações, prever nossas atividades, evitar a atitude impulsiva, e obter
domínio sobre situações distantes. O pensar reflexivo transforma ação impulsiva em
ação inteligente.
Movido pela busca dos “saberes fundamentais à prática educativo-crítica ou
progressista” como conteúdo básico na formação docente, Paulo Freire apresenta, em
sua obra Pedagogia da Autonomia, esse conceito de “pensar certo”. Tendo como certeza
de que o ato de ensinar não existe sem o de aprender, Freire fala do papel do educador,
dando ênfase à tarefa de “não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a
pensar certo” (1996, p.27).
Freire delineia as características e os saberes, que ele acredita serem essenciais,
para a formação e atuação docente, a partir da concepção de que, sem o “pensar certo”,
é inviável ser um professor crítico, ou um verdadeiro professor. Aquele que se restringe
ao reproduzir mecanicamente idéias que passou horas a ler – o que ele chama de
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intelectual memorizador ou domesticado – pensa errado, pensa mecanicisticamente,
pois não consegue relacionar o que leu com a realidade ao seu redor. E somente quem
pensa certo pode ensinar a pensar certo, segundo ele.
Freire afirma que, para pensar certo, é preciso estar não muito “certos de nossas
certezas”, é preciso estar aberto ao conhecimento que se instaura como novo e não dar
crédito demasiado ao saber que se “fez velho” (1996, p.28).
A curiosidade, assim, é a base de diferenciação dos dois momentos do processo
de conhecimento, ou do que Freire denominou “ciclo gnosiológico”. Freire afirma que
“ensinar, aprender e pesquisar lidam com estes dois momentos do ciclo gnosiológico: o
momento em que se ensina e se aprende o conhecimento já existente e o momento em
que se trabalha a produção do conhecimento ainda não existente” (1996, p.28). E a
pesquisa torna-se, assim, fundamental para a prática deste ciclo, pois não existe, para
ele, ensino sem pesquisa e vice-versa. Ensinar demanda a busca, a investigação.
Ensinamos porque buscamos e indagamos, por outro lado, pesquisamos para constatar e
para conhecer o que ainda não conhecemos. Desta forma, pensar certo acaba sendo uma
exigência do ciclo gnosiológico, no qual a curiosidade passa de um momento ingênuo
para uma etapa epistemológica. A curiosidade ingênua, característica de um senso
comum, produz um certo saber, não rigoroso, mas necessário como forma primeira ao
desenvolvimento do processo do conhecimento: “pensar certo, do ponto de vista do
professor, tanto implica o respeito ao senso comum no processo de sua necessária
superação quanto o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando” (1996,
p.29).
Segundo Freire, é dever do professor e da escola respeitar os saberes prévios do
aluno,
tanto
os
comunitariamente.
histórico-culturais,
quanto
os
construídos
socialmente,
E é seu dever, também, tornar críticos estes saberes do senso
comum, ingênuos, pois é a mesma curiosidade ingênua que, ao tornar-se crítica, passa a
ser curiosidade epistemológica, metodicamente rigorosa no processo de conhecimento.
E relembrando a origem do filosofar, Freire diz que a filosofia começa com o
espanto e a curiosidade frente ao mundo. O conhecimento começa com a curiosidade
que já é pergunta. Assim, o professor, no ensino, deve antes de tudo, “ensinar a
perguntar” (1985, p.46). Infelizmente, segundo Freire, no ensino atual, o saber é
resposta e não pergunta: “(...) o educador, de modo geral, já traz a resposta sem se lhe
terem perguntado nada!” (1985, p.46)
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Na analogia entre educação tradicional e educação libertadora, Freire aponta
para a importância do pensar certo como mobilizador do conhecimento estabelecido,
vinculando-o à realidade, não aceitando a verdade como algo estanque e dado. Freire
enfatiza também a necessidade do perguntar, ato estimulador da curiosidade do
educando, mas também como forma de ler, olhar o mundo a sua volta como sujeito do
conhecimento: aquele que olha e pergunta-se:
E somente a partir de perguntas é que se deve sair em busca de
respostas, e não o contrário: esclarecer as respostas, com o que
todo o saber fica justamente nisso, já está dado, é um absoluto,
não cede lugar à curiosidade nem a elementos por descobrir. O
saber já está feito, este é o ensino. Agora eu diria: ‘a única
maneira de ensinar é aprendendo’, e essa afirmação valeria tanto
para o aluno como para o professor. Não concebo que um
professor possa ensinar sem que ele também esteja aprendendo:
para que ele possa ensinar, é preciso que ele tenha de aprender.
(FREIRE, 1985, p.46)
A educação autoritária afoga a indagação e a curiosidade. Uma educação que
visa a libertação do indivíduo deve contar com professores que se disponham a ensinar
aprendendo, com o aluno, com a realidade em torno deles. Para Freire, “um dos pontos
de partida para a formação de um educador (...), numa perspectiva libertadora,
democrática, seria essa coisa aparentemente tão simples: o que é perguntar?” (1985,
p.47). Salienta, no entanto, que o importante não é o ato em si de buscar o que significa
perguntar, como mero jogo especulativo, mas sim “viver a pergunta, viver a indagação,
viver a curiosidade (...). O problema que, na verdade se coloca ao professor é o de, na
prática, ir criando com os alunos o hábito, como virtude, de perguntar, de ‘espantar-se’ ”
(1985, p.48).
Tal educador estaria se colocando no movimento interno do processo de
conhecer, envolvendo-se com a curiosidade do aluno e não desrespeitando nenhuma
pergunta. Esta metodologia na realidade contemplaria uma volta ao filosofar, ao início
do conhecimento, ao espantar-se com o mundo, e também uma volta às origens da
Pedagogia, do ensinar. Ligado ao perguntar está o pensar certo, que reflete a partir das
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relações com a realidade, do cotidiano, para buscar as perguntas essenciais: “se
aprendêssemos a nos perguntar sobre nossa própria existência cotidiana, todas as
perguntas que exigissem resposta e todo esse processo pergunta-resposta, que constitui
o caminho do conhecimento, começariam por essas perguntas básicas de nossa vida
cotidiana (...)” (1985, p.48).
Nesse sentido, o pensar certo está em saber ligar a pergunta e a resposta à prática
na realidade, retornar ao mundo das pessoas e da vida para transformá-lo.
(...) o necessário é que o educando, ao perguntar sobre um fato,
tenha na resposta uma explicação do fato e não a descrição pura
das palavras ligadas ao fato. É preciso que o educando vá
descobrindo a relação dinâmica, forte, viva, entre palavra e ação,
entre palavra-ação-reflexão. Aproveitando-se, então, exemplos
concretos da própria experiência dos alunos durante uma manhã
de trabalho dentro da escola, no caso de uma escola de crianças,
estimulá-los a fazer perguntas em torno da sua própria prática e as
respostas, então, envolveriam a ação que provocou a pergunta.
Agir, falar, conhecer estariam juntos. (FREIRE, 1985, p.49)
O processo da educação envolve o permanente perguntar e a tarefa da filosofia e
do conhecimento é não resolver questões, mas perguntar, e perguntar bem. O estímulo à
curiosidade é um estímulo ao arriscar-se também, porque, para Freire, aquele que se
acomoda e não se inquieta mais diante do mundo, não se espanta, está acomodado e
burocratizado.
(...) A existência humana é, porque se fez perguntando, à raiz da
transformação do mundo. Há uma radicalidade na existência, que
é a radicalidade do ato de perguntar. Exatamente, quando uma
pessoa perde a capacidade de assombrar-se, se burocratiza. Me
parece importante observar como há uma relação indubitável
entre assombro e pergunta, risco e existência. Radicalmente a
existência humana implica assombro, pergunta e risco. E, por
tudo isso, implica ação, transformação. A burocracia implica a
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adaptação, portanto, com um mínimo de risco, com nenhum
assombro e sem perguntas. Então a pedagogia da resposta é uma
pedagogia da adaptação e não criatividade. Não estimula o risco
da invenção e da reinvenção. Para mim, negar o risco é a melhor
maneira que se tem de negar a própria existência humana.
(FREIRE, 1985, p.51)
Uma educação de perguntas é o que propõe Freire, a única educação criativa e
capaz de ser crítica, no sentido de estimular a capacidade humana de assombrar-se, de
perguntar e de responder ao seu assombro, voltando-se assim à resolução dos
verdadeiros problemas existenciais e as questões referentes ao próprio conhecimento.
Ou seja uma educação para o perguntar é uma educação para o pensar certo: “quando
aprendemos a ler e a escrever, o importante é aprender também a pensar certo. Para
pensar certo devemos pensar sobre a nossa prática no trabalho. Devemos pensar sobre a
nossa vida diária” (Freire, 2001, p. 56).
O pensar certo é um refletir, mas está voltado à práxis. Assim como o pensar
certo, o diálogo também é um caminho pelo qual “os homens ganham significação
enquanto homens”. O diálogo é o encontro do refletir e do agir de homens que
pretendem transformar e humanizar o mundo. O diálogo não se reduz à transferência de
idéias de um sujeito a outro, mas torna-se momento instaurador de significados e onde o
próprio indivíduo se conscientiza de si e de seu compromisso com o grupo, porque:
“ninguém se conscientiza separadamente dos demais” (2004, p.15). O lugar de encontro
com o outro é necessariamente o mundo, e é sobre este que o diálogo intersubjetivo
deve ocorrer. Assim como o homem não existe isoladamente, separadamente dos outros,
a comunicação, o diálogo é essencial para que se reflita sobre o mundo a ser
transformado.
As consciências não se encontram no vazio de si mesmas, pois a
consciência é sempre, radicalmente, consciência do mundo. Seu
lugar de encontro necessário é o mundo, que, se não for
originariamente comum, não permitirá mais a comunicação. Cada
um terá seus próprios caminhos de entrada nesse mundo comum,
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mas a convergência das intenções, que o significam, é a condição
de possibilidade das divergências dos que, nele, se comunicam. A
não ser assim, os caminhos seriam paralelos e intransponíveis. As
consciências não são comunicantes porque se comunicam; mas
comunicam-se porque comunicantes. A intersubjetivação das
consciências é tão originária quanto sua mundanidade ou sua
subjetividade. (2004, pp.15-16)
O diálogo é o próprio meio dos homens fazerem história, é o movimento de ir ao
mundo e de trocar com o outro, com outras subjetividades que também vivenciam o
mesmo mundo.
O diálogo fenomeniza e historiciza a essencial intersubjetividade
humana: ele é relacional e, nele, ninguém tem iniciativa absoluta.
Os dialogantes ‘admiram’ um mesmo mundo: afastam-se dele e
com ele coincidem; nele põem-se e opõem-se. (...) O diálogo não
é um produto histórico, é a própria historicização. É ele, pois, o
movimento constitutivo da consciência que, abrindo-se para a
infinitude, vence intencionalmente as fronteiras da finitude e,
incessantemente, busca reencontrar-se além de si mesma.
(FREIRE, 2004, p.16)
Se formos buscar pela origem do diálogo, encontramos em Platão uma das
primeiras propostas de exercício presencial do pensar, onde o texto em diálogo tem o
propósito de ser vivido como se os participantes estivessem presentes. A palavra
diálogo, em sua etimologia, carrega o significado ligado a uma práxis, como a de Freire
por exemplo, a ação de junto ao outro desenvolver um pensamento.
Segundo Sardi (1995), Platão parece ter sido o primeiro a tomar consciência de
que a estrutura interna do pensamento é dialógica. Tal concepção, segundo Sardi, é
expressa em dois Diálogos de Platão, no Teeteto – “Sócrates: Para mim, o pensar é uma
espécie de discurso que desenvolve a alma em si mesma a respeito das coisas que
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examina.” (Platão, Teeteto 189e-190a) – e no Sofista: “Estrangeiro: o pensamento e o
discurso ou razão são, pois, a mesma coisa, excetuado o haver este nome de pensamento
ao diálogo interior e silencioso da alma consigo mesma” (Platão, Sofista, 263e). Nestas
passagens podemos perceber que há, de um lado, a estrutura interna do pensamento
deriva de uma relação intersubjetiva concreta, empírica, e, de outro, parece haver uma
estrutura imanente do pensar, interioridade absoluta da alma, que é diá-lógos, ou
melhor, sendo um “agir”, que é dialégesthai. Nesta segunda concepção é que se
configuram as condições de realização do diálogo com o outro.
Mas não é Platão o primeiro a fazer esta relação entre o fato concreto do diálogo
e uma estrutura interna do pensamento. A relação entre diálogo e pensamento, ou entre
intersubjetividade e subjetividade, já está presente, entre os gregos, na diferenciação
entre um logos pensado (verbum mentis) e um logos proferido (prophorikós).
Hannah Arendt (1992) lembra que Platão escreve, na principal parte da Sétima
Carta, um texto contra a escrita e não contra a fala. Repetindo as críticas já levantadas
no Fedro, contra a escrita, Platão aponta três principais problemas, enfatizados por
Arendt: primeiro, a escrita ‘implanta o esquecimento’, pois o homem passa a confiar
mais no texto escrito e deixa de ‘exercitar a memória’; segundo, há ‘um silêncio
majestoso’ presente na palavra escrita que não a permite se explicar a si mesma; e
terceiro, há o inevitável perigo de o texto escrito cair em ‘mãos erradas’, pois, quando
falamos podemos escolher as palavras a dizer e a quem dizê-las, mas depois que
escrevemos perdemos o domínio sobre as leituras e apropriações que se podem fazer do
mesmo.
Parece, então, que Platão escolhe a forma literária de Diálogos, pela necessidade
de conectar o escrito à oralidade, à palavra falada, ou à arte de discorrer sobre as coisas
(dialegesthai): “isso é o sentido básico da dialética platônica, que tende para uma visão,
para um permanente atado à visão; se a fala se afasta da evidência dada na intuição, ela
degenera em um palavrório que impede a visão” (Arendt, 1992, p. 90).
Sardi compreende que o significado de uma recondução do escrito à
interioridade, sugerida por Platão, no Fedro, enfatiza a necessidade da presença do
outro e do contexto vivencial do diálogo:
A diferença principal entre oralidade e escrito reside em que, na
oralidade, está presente o contexto, (o que inclui a “presença” de
quem argumenta, condição de uma relação intersubjetiva) e isto
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instaura uma ética do “ouvir”. (...) Inerente a toda interpretação há
também um “esquecer” de algo e um certo “dizer algo a mais”,
apenas pelo fato de buscarmos dizer o mesmo, embora de outro
modo, isto é, do “nosso” modo. (SARDI, 1995, p.16)
Um outro filósofo que valoriza o caráter presencial do diálogo é Gadamer.
Conforme a leitura de Dalbosco (2006), o conceito de diálogo em Gadamer pode
contribuir para o que ele denomina de agir pedagógico. Dalbosco define o agir
pedagógico como “uma ação humana que só pode ocorrer mediante a presença de
outros seres humanos”, sendo que uma condição mínima e indispensável é a escuta. O
agir pedagógico exige a concentração dos envolvidos e a necessidade de integrar o
conteúdo específico de uma disciplina no conjunto de outros conteúdos pertencentes a
outras disciplinas, pois o mundo do professor e dos alunos não se reduz ao mundo da
sala de aula.
Assim, refletindo sobre o processo pedagógico como uma interação entre seres
humanos, Dalbosco chega a especificar que tipo de interação é esta: o agir pedagógico
exige uma interação voltada “à formação dialógica de seres humanos”, que provoque a
“capacidade para o diálogo vivido”, “a capacidade de ir ao encontro dos outros, de
querer conversar com eles e, enfim, de querer ouvir o que nos têm a dizer”.
Dalbosco menciona alguns filósofos que pensaram sobre a necessidade de os
seres humanos mostrarem-se uns aos outros. Segundo ele, Rousseau, por exemplo, no
Emílio, considerou a atitude do “sair para fora de si mesmo” como um fato notável e
fundamental no processo de socialização humana. Este “sair para fora” seria um
processo desencadeado pelo convívio social e não obra de uma consciência solitária.
Neste sentido, o mostrar-se humano já é, desde o início, uma ação social que exige a
interação entre pessoas.
Seguindo a questão de como se dá o agir pedagógico na sala de aula, Dalbosco
chega a tratar como se dá o diálogo entre pessoas no mundo contemporâneo. Gadamer
acredita que a compreensão, enquanto núcleo constitutivo do ser humano, só pode ser
apreendida como procedimento humano constituído pela linguagem que se manifesta
pelo diálogo e pela palavra viva. Ele se apóia em duas razões para dar valor
fundamental ao diálogo: na filosofia socrática – na qual o diálogo maiêutico assume a
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condição de possibilidade do exercício filosófico – e na constatação de que a sociedade
contemporânea, quanto mais se desenvolve, técnico-cientificamente, mais incapazes as
pessoas se tornam para o diálogo. “O homem contemporâneo parece ter pânico do
silêncio e da escuta e sem eles, como nos ensina Gadamer, não pode tornar-se capaz de
diálogo” (Dalbosco, 2006, p. 359).
Como em Gadamer, Freire acredita que o homem toma consciência do mundo é
na relação com o outro, na interação social e, aproximando-se de Platão, Freire também
acredita que o diálogo pode frutificar de forma produtiva, libertária e consciente os
participantes para uma práxis, ligado ao pensar certo, ao olhar crítico sobre o mundo
para poder transformá-lo.
Em Freire, esse falar sobre, conversar sobre as coisas do mundo, pressupõe uma
presença essencialmente humana, no sentido de que o diálogo, para Freire, é fenômeno
humano e é em si mesmo palavra.
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a
posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da
leitura
daquele.
Linguagem
e
realidade
se
prendem
dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua
leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o
contexto. (FREIRE, 2001, p.11)
Além de meio necessário para que o diálogo se constitua, a palavra tem duas
dimensões, para ele: a ação e a reflexão. De modo que, uma dimensão não pode existir
sem a outra, ou seja, a palavra só tem sentido se estiver voltada à uma práxis: “daí dizer
que a palavra verdadeira seja transformar o mundo” (Freire, 2004, p.77).
A existência humana, segundo Freire, deve nutrir-se de palavras, palavras
verdadeiras: “existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo” (2004, p.78).
Existem outros elementos necessários ao diálogo na concepção de Freire: o amor
ao mundo e aos homens; a humildade e a fé.
O amor ao mundo é um pressuposto no sentido de que não é possível pensar a
transformação e recriação do mundo se não for para humanizá-lo. Para que o mundo
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seja pronunciado e transformado pelo homem é preciso que este fundamente o seu
diálogo no amor e no respeito ao outro, superando o âmbito da opressão ou da
submissão: o diálogo é encontro entre sujeitos.
Além do amor, é necessária a humildade, reconhecer o outro como tão
importante quanto eu, e que sua contribuição é fundamental. Não é possível estabelecer
diálogo entre homens que se consideram auto-suficientes, totalmente independente do
outro e do grupo.
Outra característica do diálogo é a de que deve ser baseado na fé nos homens. É
preciso acreditar no poder humano de transformação, criação e recriação.
O diálogo se caracteriza, então, por ser um encontro entre os homens,
mediatizados pelo mundo, pois as pessoas se encontram para pronunciar o mundo. O
diálogo é uma ‘exigência existencial’, para Freire.
Se é dizendo a palavra com que, ‘pronunciando’ o mundo, os
homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo
qual os homens ganham significação enquanto homens. Por isso,
o diálogo é uma exigência existencial. E, se ele é o encontro em
que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados
ao mundo a ser transformado e humanizado, não pode reduzir-se
ao ato de depositar idéias de um sujeito no outro, nem tampouco
tornar-se simples troca de idéias a serem consumidas pelos
permutantes.” (FREIRE, 2004, p.79)
Por isso, a educação deve ser dialógica, uma educação onde o ensino está
baseado no espantar-se diante do mundo, perguntar e transformar. A educação deve ser
um exercício do pensar certo e ter como prática o estímulo à curiosidade para que esta
se torne hábito de pronunciar o mundo e recriá-lo.
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(...) a educação e, geral é uma educação de respostas, em lugar de
ser uma educação de perguntas. Uma educação de perguntas é a
única educação criativa e apta a estimular a capacidade humana
de assombrar-se, de responder ao seu assombro e resolver seus
verdadeiros problemas essenciais, existenciais. E o próprio
conhecimento.” (Freire, 1985, p.52)
Nesse sentido, Freire nos permite pensar um ensino de filosofia, como o
exercício de um fazer filosófico, onde a relação de ensino-aprendizagem favoreça o
olhar curioso ante o inusitado do mundo, ao invés do embotamento desta curiosidade
emergente. O estímulo ao cultivo do pensar deve iniciar, pois, desde que nasce o
movimento de um olhar curioso frente ao mundo, ainda que não necessariamente em
busca de um conhecimento rigoroso, embora, não com menos seriedade na constituição
de um encadeamento e argumentos.
Assim, acreditamos neste filosofar com crianças, com um permitir que se
questione o mundo na organização e elaboração de significados a partir uma curiosidade
emergente, para que esta possa se tornar uma busca pelo conhecimento.
REFERÊNCIAS:
ARENDT, Hannah. A Vida do Espírito: o pensar, o querer, o julgar. Rio de Janeiro:
Relume Dumará, 1992.
DALBOSCO, Cláudio Almir. Incapacidade para o diálogo e agir pedagógico; IN:
TREVISAN, Amarildo L. (org.) Cultura e Alteridade. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006, p.341373.
DEWEY, J. Como Pensamos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
______. Democracia e Educação. Introdução à Filosofia da Educação. 4ed. São Paulo:
Companhia Nacional, 1979.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
______. Educação como Prática da Liberdade. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
13
______. A Importância do Ato de Ler. 41 ed. São Paulo: Cortez, 2001.
______. Pedagogia do Oprimido. 39 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.
FREIRE, P.; FAUNDEZ, A. Por uma Pedagogia da Pergunta. Rio de Janeiro: Paz e
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GADOTTI, M. História das Idéias Pedagógicas. São Paulo: Ática, 2005.
GADOTTI, M. (org.) Freire: uma Biobibliografia. São Paulo: Cortez; IPF; UNESCO,
1996.
SARDI, Sérgio Augusto. Diálogo e Dialética em Platão. Porto Alegre: EDIPUCRS,
1995.
ROSA, Maria da Glória. A história da educação através dos textos. São Paulo: Cultrix,
1982.
TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. 5ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1994.
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