Fluência Drenada em Solo Tropical do Município de Mangaratiba
Raquel Maciel dos Santos, Willy Alvarenga Lacerda e Anna Laura L.S. Nunes
Programa de Engenharia Civil, Coppe/UFRJ, Rio de Janeiro
RESUMO: Neste trabalho são apresentados os resultados de dois ensaios de fluência drenada, realizados em
solo proveniente da região de Coroa Grande (RJ). Tais ensaios foram realizados em célula triaxial, onde foi
utilizada água deaerada como fluido confinante. A aplicação das cargas foi feita em estágios de 25, 50, 75 e
95 % da tensão de ruptura, a qual foi obtida através de ensaios triaxiais do tipo drenado, previamente
realizados. As condições de temperatura e carga para o ensaio de fluência drenada foram controladas.
PALAVRAS-CHAVE: Fluência, Ensaio Triaxial, Colúvio, Solo Residual, Taludes.
1
INTRODUÇÃO
Fluência são deformações que ocorrem ao
longo do tempo, mantendo-se constante o
estado de tensões. No contexto de taludes,
fluência é o movimento lento que ocorre a uma
velocidade quase que imperceptível sob
carregamento constante.
Visando uma maior compreensão do
fenômeno de fluência, que ocorre tanto em
taludes naturais como em taludes de corte,
foram realizados ensaios de fluência drenada no
laboratório de Reologia da COPPE/UFRJ.
A escolha pelo ensaio do tipo drenado se
deve ao fato de ser uma condição bastante
representativa de uma situação real de campo,
onde a velocidade de deformação é
suficientemente baixa de modo a permitir a
dissipação da poro-pressão. Se o solo é pouco
compressível e possui alta permeabilidade, este
movimento se dá em condições essencialmente
drenadas, desde que as velocidades médias de
deslocamento sejam suficientemente baixas
(<1m/ano), como é o caso dos colúvios
saturados em regiões tropicais.
Não foi considerada ainda a atuação de
nenhum agente externo capaz de provocar
sobrecarga ou mesmo alívio no terreno, de
modo que as condições de carregamento
permaneceram constantes.
2
LOCAL DE ESTUDO
Foram realizados apenas dois ensaios de
fluência drenada, sendo os dois solos
provenientes de uma encosta situada em Coroa
Grande, município de Mangaratiba (RJ), o qual
faz parte da área piloto do duto denominado
ORBIG (Oleoduto Rio de Janeiro Baía de Ilha
Grande).
Este local foi escolhido para o estudo do
fenômeno de fluência por apresentar grandes
deslocamentos ao longo do tempo. A
instrumentação do local no período de 1985 a
2000, mostrou velocidades médias de
deslocamento da ordem de 200 mm/ano
(Freitas, 2004), o que é bastante significativo e
ao mesmo tempo preocupante na medida em
que pode levar à ruptura dutos de óleo
existentes no local, causando sérios danos
ambientais e sócio-econômicos.
A seguir encontra-se uma fotografia
aérea do referido local (Figura 1), estando
marcada a língua coluvial de onde foram
coletadas as amostras do tipo Denison,
utilizadas para os ensaios de fluência drenada.
Esta língua coluvial representada é o trecho da
encosta onde são observados os maiores
deslocamentos, tendo sido instrumentada por
inclinômetros e piezômetros, assim como os
demais trechos da encosta (Freitas,2004).
3
O SOLO ESTUDADO
O solo estudado foi retirado por meio do
amostrador Denison, que preserva a estrutura
do solo razoavelmente intacta. Com o auxílio
do arco de serra, cortava-se o amostrador e
colocavam-se braçadeiras nas extremidades
deste pedaço de amostra, que era então levado
para a fresa onde seriam abertas três frestas
longitudinais de cerca de 3 mm de espessura,
dispostas 120° entre si. A Figura 2 a seguir,
mostra o processo de extrusão da amostra,
muito delicado e vagaroso.
Língua Coluvial
superfície de ruptura a qual se encontra a cerca
de 9,00 m de profundidade. O solo também é
arenoso e apresenta muita mica e veios de
feldspato.
A seguir, nas Tabelas 1 e 2, encontramse a caracterização e a quantificação dos
minerais presentes nos solos ensaiados,
respectivamente.
Figura 1: Fotografia aérea da região do ORBIG. A área
indicada mostra o colúvio que sofre movimentos
expansivos.
Silte (%)
Argila (%)
INC
500
0
+01
A
INC
500
0
+01
*
A
PZM
3000
037/
038
PZM
300- 0
037/
*
038
Obs.: * =
defloculante.
Areia (%)
Pedregulho (%)
Amostra
Tabela 1: Resumo dos ensaios de caracterização dos
solos ensaiados.
76
17
7
78*
22*
0*
80
17
3
92*
8*
G
LL
LP
IP
2.767
57
NP
-
2.730
-
NP
-
0*
ensaios realizados sem a adição de
Figura 2: Processo de extrusão da amostra.
Fração
Biotita (%)
Quartzo (%)
Feldspato (%)
Biotita (%)
Quartzo (%)
Feldspato (%)
Tabela 2: Quantificação dos minerais presentes nas
amostras ensaiadas.
Amostra
INC 500+01 A
PZM 300 -037/038
A primeira amostra em que se realizou o
ensaio foi a INC 500+01 A. Esta é amostra de
um colúvio localizado a uma profundidade
entre 3,00 a 4,20m, não pertencente à superfície
de ruptura, a qual estava a aproximadamente
14,00 m de profundidade. O solo é arenoso e
visivelmente rico em mica.
A segunda amostra ensaiada, PZM 300
037/038, é um solo residual situado a uma
profundidade entre 9,70 e 10,70 m, próximo da
Areia
Grosa
15
84
1
2
90
8
Areia
Média
85
14
1
80
17
3
Areia Fina
95
5
0
95
5
0
Observa-se grande quantidade de mica
presente nas frações correspondentes às areias
5
RESULTADOS
As figuras 2 a 5 mostram os resultados dos
ensaios de fluência drenada realizados nas duas
amostras.
20.0
Deformação axial (%)
média e fina, em ambas as amostras analisadas.
O quartzo predomina nas frações de areia
grossa enquanto que o feldspato é minoria em
todas as frações. Na fração de areia média da
amostra PZM 300-037/038, verifica-se a
presença de concreções, ou seja, o feldspato
intemperizado formou argilominerais que se
encontram em forma de concreções. A amostra
INC 500+01A, localizada na profundidade de
3,00 m, apresenta maior quantidade de mica que
a amostra PZM 300-037/038, localizada a 10,00
m de profundidade. Devido à sua estrutura
laminar, a mica torna o solo menos resistente ao
cisalhamento e, portanto, mais sujeito aos
mecanismos de deslizamentos.
15.0
10.0
5.0
0.0
0.0E+00 1.0E+03 2.0E+03 3.0E+03 4.0E+03 5.0E+03 6.0E+03 7.0E+03
t (min)
O ENSAIO
0 - 50%
0 - 75%
0 - 95%
0 - 100%
0 - 125%
Figura 2. Gráfico deformação axial (acumulada) x tempo
da amostra INC 500+01A.
1.0E+00
Taxa deform ação axial (% /m in)
1.0E-01
1.0E-02
1.0E-03
1.0E-04
1.0E-05
1.0E-06
1.0E+00
1.0E+01
1.0E+02
1.0E+03
1.0E+04
t (log - min)
0 - 25%
0 - 50%
0 - 75%
0 - 95%
0 - 100%
0 - 125%
Figura 3. Gráfico log taxa de deformação axial x tempo
(log) da amostra INC 500+01A.
25.0
20.0
Deformação axial (%)
Os ensaios de fluência drenada foram realizados
sob carga constante e temperatura controlada,
mantida em torno dos 19° C (± 1 °C).
Visando determinação dos estágios de
carga a serem aplicados no ensaio de fluência,
foi realizado um ensaio triaxial drenado (CID)
em uma amostra “irmã” àquela a ser utilizada
para o ensaio de fluência, de forma a ser obtida
a tensão de ruptura mais fiel possível do solo
ensaiado.
O corpo de prova foi submetido ao
processo de saturação por contra-pressão, de
modo a serem eliminadas as bolhas de ar
presentes em seu interior, utilizando-se água
deaerada. O processo de saturação durou cerca
de 24 horas e a contra-pressão aplicada foi de
100 kPa. Com o fim da saturação iniciou-se a
etapa de adensamento, que se deu com uma
tensão confinante de 150 kPa, a mesma que foi
utilizada na etapa de cisalhamento. Após a fase
de adensamento, iniciou-se o cisalhamento do
corpo de prova, onde a carga foi aplicada por
estágios inicialmente definidos em 25, 50, 75 e
95% da tensão de ruptura, e cuja duração foi de
aproximadamente três dias cada um.
Posteriormente optou-se por partir do estágio de
50%, ao invés de 25%, e deixar os estágios por
cerca de uma semana cada um.
0 - 25%
25.0
15.0
10.0
5.0
20.0
D eform ação axial (% )
4
0.0
0.0E+00
1.0E+02
2.0E+02
3.0E+02
4.0E+02
5.0E+02
6.0E+02
t (min)
15.0
10.0
5.0
0.0
0.0E+00
5.0E+03
estágio 50%
1.0E+04
estágio 75%
1.5E+04
t (min)
estágio 95%
2.0E+04
2.5E+04
estágio 125%
3.0E+04
estágio 150%
Figura 4. Gráfico deformação axial (acumulada) x tempo
da amostra PZM 300-037/038.
1.0E-02
1.0E-03
1.0E-04
1.0E-05
1.0E-06
1.0E-07
1.0E+00
1.0E+01
1.0E+02
1.0E+03
1.0E+04
1.0E+05
t (log - min)
estágio 50%
estágio 75%
estágio 95%
estágio 125%
estágio 150%
Figura 5. Gráfico log taxa de deformação axial x tempo
(log) da amostra PZM 300-037/038.
Observando-se as Figuras 3.2 e 3.4,
nota-se que os corpos de prova das amostras
INC 500+01A e PZM 300 037/038 não
romperam ao atingir o estágio de 95% da tensão
de ruptura determinada pelo ensaio triaxial
drenado, o que ocorreu apenas nos estágios de
125% e 150%, respectivamente. O corpo de
prova da amostra INC 500+01A alcançou a
ruptura no estágio de 125% após um dia e meio.
Por sua vez, o corpo de prova da amostra PZM
300 037/038 não rompeu após doze dias
submetida ao estágio de 95% e, ao contrário da
primeira amostra ensaiada, também não rompeu
com 125% da tensão de ruptura, mesmo após
um período de vinte dias. A ruptura só foi
alcançada no estágio de 150% após cerca de dez
horas. Este fato talvez possa ser atribuído à
heterogeneidade do solo.
Bishop e Lovenbury (1969), realizaram
ensaios de fluência drenada na argila de
Londres, sobreadensada, e na argila de
Pancone, Itália, normalmente adensada, como
pode ser visto nas Figuras 6 e 7 a seguir.
Conforme observado por Bishop e
Lovenbury (1969), nos ensaios de fluêncai
drenada realizados também se verifica a
presença de instabilidades na velocidade de
deformação, as quais segundo aqueles autores,
podem estar associadas a mudanças bruscas na
estrutura do solo. Tais instabilidades, por não
levarem à situação de ruptura, são chamadas de
instabilidades “limitadas”.
Velocidade de deformação axial (%/dia )
1.0E-01
Tempo (dias)
Figura 6. Velocidade de deformação como função do
tempo para vários níveis de tensão: ensaios drenados em
amostra indeformada da argila de Londres (adaptado de
Bishop e Lovenbury, 1969).
Velocidade de deformação axial (%/dia)
Taxa deform ação axial (% /m in )
1.0E+00
Tempo (dias)
Figura 7. Velocidade de deformação como função do
tempo para vários níveis de tensão: ensaios drenados em
amostra indeformada da argila de Pancone (adaptado de
Bishop e Lovenbury, 1969).
Os autores, porém não formularam
nenhuma teoria para explicar o comportamento
observado.
Para a interpretação destes ensaios,
existem muito poucos modelos teóricos
disponíveis. Portanto, numa tentativa de
compreender o fenômeno da fluência drenada,
achou-se necessário investigar no futuro mais
detalhadamente um dos aspectos do modelo de
Martins (1992) que, no entanto, foi aplicado
inicialmente ao caso não drenado. Thomasi
(2000) iniciou os estudos visando à aplicação
daquele modelo ao caso do adensamento
hidrostático (drenado), e verificou a existência
da viscosidade na parcela da tensão normal
efetiva.
Desta forma, achou-se necessário antes
de prosseguir nos ensaios de fluência drenada,
ingressar nesta outra linha de pesquisa, para que
seja possível pelo menos contribuir com novas
informações que levem ao desenvolvimento de
um modelo capaz de explicar este complexo
fenômeno.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer ao Prof. Ian
S. M. Martins, por suas sempre prertinentes
observações, e aos técnicos Sérgio Iório e
Mauro, pela ajuda dada no decorrer do trabalho.
À Transpetro pelas informações fornecidas
do local, e a empresa Geomecânica S.A. pelas
amostras Denison cedidas.
REFERÊNCIAS
Bishop, A. W. e Lovenbury, H. T. (1969) “Creep
characteristics of two undisturbed clays”, In:
Proceedings of the 7th International Conference on
Soil Mechanics and Foundation Engineering, v. 1,
pp. 29-37,México.
Freitas, N.C. (2004) Estudos dos Movimentos de um
Colúvio no Sudeste Brasileiro. Dissertação de M.Sc.,
COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro,RJ,Brasil.
Martins, I. S. M. (1992) Fundamentos de um Modelo de
Comportamento de
Solos Argilosos Saturados.
Tese de D.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro,
RJ,Brasil.
Thomasi, L. (2000) Sobre a existência de uma parcela
viscosa na tensão normal efetiva. Dissertação de
M.Sc., COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ,Brasil.
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