FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC) Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo. LIMA, José Reinaldo. José Reinaldo de Lima (depoimento, 2012). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 2012. 33p. JOSÉ REINALDO DE LIMA (depoimento, 2012) Rio de Janeiro 2014 Transcrição Nome do entrevistado: José Reinaldo de Lima Local da entrevista: São Paulo - SP Data da entrevista: 16 de agosto de 2012 Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de constituição de um acervo de entrevistas em História Oral. Entrevistadores: José Paulo Florenzano (Museu do Futebol) e Bernardo Buarque (CPDOC/FGV) Transcrição: Liris Ramos de Souza Data da transcrição: 11 de setembro de 2012 Conferência da transcrição : Maíra Poleto Mielli Data da conferência: 14 de novembro de 2012 ** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por José Reinaldo de Lima em 16/08/2012. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC. Bernardo Buarque - Boa tarde, 16 de agosto de 2012, Nova Lima, Minas Gerais, depoimento de José Reinaldo de Lima para o Museu do Futebol dentro do Projeto Futebol Memória e Patrimônio que é uma parceria da Fundação Getúlio Vargas com o Museu do Futebol. Dentro do Pojeto Futebol, Memória e Patrimônio,que é uma parceria da Fundação Gentulio Vargas com o Museu do Futebol. Participam dessa entrevista José Paulo Florenzano, da PUC, São Paulo, Bernardo Buarque da Fundação Getúlio Vargas. B.B. - Boa tarde, Reinaldo, muito obrigado por acolher o nosso convite para esse depoimento, por nos receber tão carinhosamente aqui no estádio Nova Lima e agora no seu próprio clube. Reinaldo, gostaria que você começasse falando um pouquinho das suas lembranças de infância, da sua cidade natal, conta um pouquinho para gente da sua família, enfim. 2 Transcrição Reinaldo Lima - Eu, José Reinaldo de Lima, sou mineiro de Ponte Nova, zona da mata, comecei a jogar bola na minha cidade já com... desde que eu aprendi a correr eu já jogava bola na rua. Meus irmãos mais velhos sempre jogaram futebol, inclusive um deles jogava no Botafogo, a gente tinha uma ligação muito forte com o Rio de Janeiro. E desde pequeno eu sonhei em ser jogador de futebol, joguei pelada minha vida toda lá, tive a felicidade também de estudar num colégio de padres salesianos que incentivavam muito o futebol, o esporte e tinha dois campos. A minha cidade sempre teve muito campo de futebol. Já com nove anos de idade eu já fui para o futebol de campo mesmo, para o 1º de Maio, foi meu primeiro clube e já no primeiro campeonato eu já me revelei como artilheiro, como um jogador de grande talento, já era famoso na minha cidade desde pequeno, todo mundo me conhecia lá como Zé Taburé e eu fazia [inaudível]. Tive a felicidade de na minha cidade também, o Dom Miguel Clicham, que era um espanhol, que logo cedo observou as minhas qualidades de jogador e foi me preparando. E no dia 7 de setembro de 1971 o Atlético foi jogar em Ponte Nova e o DomMiguel Clichan me indicou, o Biajo também, que era um suíço, e o Renato Marinho me indicaram para o treinador do Atlético, o Barbatana1, e eu vim para Belo Horizonte, não conhecia a capital de Minas, não conhecia BH, vim para BH e no primeiro treino que eu realizei aqui no Atlético foi justamente contra o time que foi campeão brasileiro de 1971. Eu, um garoto de 14 anos, sem conhecer a capital, já fui enfrentando logo os jogadores profissionais do Atlético que era comandado pelo Telê Santana, na época, e eu entrei no treinamento e sem imaginar, sem responsabilidade nenhuma, acabei fazendo dribles, fazendo gols, isso despertou a atenção do Telê Santana e do Barbatana que imediatamente após o treinamento mandaram assinar o contrato, me contrataram. Daí eu fiz a minha carreira, a minha trajetória no futebol aqui dentro do Atlético até 1986. B.B. - Conta um pouquinho da sua família, fala um pouquinho dos seus pais, como eles viram o futebol, já tinha na família pessoas que jogavam ou você foi daqueles que pela primeira vez se aventurou no futebol, e um pouquinho da sua cidade, Ponte Nova, o que você lembra de como era a cidade? 1 João Lacerda Filho. 3 Transcrição R.L. - Ponte Nova, cidade da zona da mata, do interior de Minas, estava um Brasil ainda tropical do chá chá chá, a cidade era um polo de usina de açúcar com grandes festas e muito futebol, grande carnaval, era uma cidade bastante alegre, cidade bonita. E minha família era uma família simples, porque meu pai era ferroviário e minha mãe professora. Pelo fato dele ser ferroviário, naquela época a gente podia viajar de trem, ia para o Rio de Janeiro todas as férias. Eu conheci o mar primeiro do que Belo Horizonte, férias no meio do ano ia para o Rio de Janeiro, no final do ano ia para o Rio de Janeiro. E já garoto, meu irmão jogava no Botafogo, já garoto eu frequentava General Severiano, quando eu tive oportunidade de ali conhecer Zagalo, Jairzinho, Paulo Cesar, Carlos Roberto, Roberto, Leônidas, aquele grande time do Botafogo de 66, 67, 68, eu já convivia ali no meio deles, assistia o treino ali. Meu irmão ia me levar para o Botafogo para mim fazer teste. Ocorre que eu não tinha tirado a quarta série ainda, estava na quarta série, no final do ano eu ia para o Rio, mas o Atlético foi lá em 77, aí desviou a história aí, acabou sendo bom para mim. B.B. - Então na família já tinha seu irmão... quantos irmãos eram? R.L. - Minha família é de oito irmãos. Quatro mulheres, quatro homens. B.B. - Esse seu irmão que jogava futebol ou tinha mais alguém? R.L. - Todos os meus irmãos jogavam futebol, mas que foi de carreira de futebol foi esse meu irmão Mário, que foi para o Botafogo, jogou no Botafogo durante um bom tempo lá e que quando ia a Ponte Nova falava que ia me levar para o Botafogo. B.B. - Então seu pai chamava-se Mário Lima e a mãe Maria Coeli? R.L. - É, Maria Coeli. Meu pai foi o meu grande incentivador porque ele desde o meu primeiro treino até ele falecer ele me acompanhou e ele delirava com os meus gols, com as minhas jogadas, era um grande incentivador e também muito exigente. Às vezes eu marcava dois, três gols e ele sempre pedia mais gols. [riso] Mas ele era muito divertido, meu pai era uma pessoa muito alegre. B.B. - Na escola você também já jogava e você completou o primário, o secundário? R.L. - Em Ponte Nova eu fiz o primário e a quarta série. Depois em Belo Horizonte eu estudei o científico, na época, formei o segundo grau e depois parei. Depois mais tarde, 4 Transcrição agora, com 40 anos, aí eu voltei a estudar e me formei em jornalismo. Então eu tive minha formação acadêmica, uma base boa do colégio lá de Ponte Nova e depois aqui na capital. B.B. - Conta um pouquinho desse início no Atlético, como foi chegar, não apenas viver na cidade de Belo Horizonte, mas também chegar num clube de grande expressão, como foi esse início do futebol, profissionalização, a partir de que momento você de fato percebeu que seria um jogador, um ídolo, e que seria esse o seu futuro de vida? R.L. - Ah, foi muito rápido. Foi maravilhoso porque foi rápido a minha projeção no futebol. Eu cheguei em 7 de setembro, no dia 8 eu já treinei contra o profissional, no dia 8 mesmo eu já fui contratado pelo Atlético. Só isso já era motivo de grande orgulho, grande honra. E como eu tinha 14 anos, eu fiz o teste pelo juvenil, na época não existia júnior, o juvenil era até 18 anos, eu tinha 14, aí o técnico do infantil me convidou para que eu viesse disputar o campeonato pelo infantil, pela minha idade. E por sorte minha esse campeonato era transmitido pela TV Itacolomi, antiga TV Itacolomi que transmitia para toda Minas Gerais não, mas para várias cidades do estado, e que os comentaristas era Roberto Drummond, grande Roberto Drummond, o Cafunga, pessoas de grande expressão aqui na imprensa de Minas. E nesse primeiro campeonato de dente de leite, lá em Ponte Nova eu jogava no meio de homem, de adulto, eu vim aqui disputar com os meninos de apartamento, aí eu já fui artilheiro, e era transmitido, o Roberto Drummond já colocou um apelido de Baby Craque, eu passei a ser Baby Craque, passei a ser famoso, ganhava prêmio de uma loja Mesbla, ganhava bicicleta, ganhava tudo, então esse final de ano de 71, de setembro até o final do ano foi só sucesso, fiquei famoso assim do dia para a noite. Já em 72 eu já fui para o infanto-juvenil. Disputei o campeonato infanto-juvenil, fui artilheiro também; no dente de leite, no infantil, eu fiz 38, no infanto juvenil eu fiz 32. Aí fui para Taça Cidade de São Paulo, no final de 72, disputei a Taça Cidade São Paulo lá, perdemos na primeira fase. No final do ano voltei de férias, fui para Ponte Nova passar as férias lá, quando o pessoal do Atlético me ligou, que estava acontecendo o Torneio do Povo, naquela época, então o time principal do Atlético ia jogar contra o Flamengo, e o time misto que era profissional com juvenil que ia disputar a Taça Minas Gerais. Então eu fui convocado para jogar já no profissional, nesse início de 73. E o estádio cheio, naquela época dava 50, 60 mil pessoas no Mineirão; jogamos a preliminar contra o Valério Doce, e eu completamente 5 Transcrição desconhecido para a torcida do Galo, entrei no jogo, já fiz gol, a torcida já começou... a imprensa: “quem é esse garoto?” Já fui despertando essa atenção de todos, fazendo gol, aí continuei no profissional fazendo gols, aí o Telê já requisitou para mim ficar no profissional, e eu tinha 16 anos nessa época. Ainda existia a lei do passe, e qualquer time poderia me pegar, por isso o Atlético me profissionalizou cedo. E eu com 16 anos de idade, em 1973, eu já disputei o primeiro campeonato brasileiro, quando eu tive oportunidade de jogar contra Pelé e outros grandes ídolos, grandes jogadores. E nesse campeonato brasileiro eu disputei... Estava muito bem no campeonato brasileiro, jogando muito bem, mas já no I Campeonato Brasileiro eu já sofri a primeira cirurgia no joelho e dois meses depois a segunda e com essa cirurgia e com a medicina muito arcaica, a conduta dos médicos era muito antiga, que era muita punção, muita infiltração, isso acabou me prejudicando e mais tarde trazendo consequências mais dolorosas. Então desde meu primeiro ano de profissional, eu nunca joguei com as minhas condições ideais de jogo, sempre com algum problema no joelho. Porque joelho é uma articulação muito difícil, muito complicada e a medicina não tinha esses recursos para me ajudar. Eu nasci numa época difícil, joguei futebol numa época muito difícil que os campos eram muito ruins, os beques davam muita porrada, o juiz eram tudo ladrão e as condições para a prática do futebol era muito ruim. Mas mesmo assim, eu ainda me sinto muito feliz, muito realizado com tudo que eu fiz no futebol. Depois, mesmo com as dores, com a cirurgia, com os intervalos, eu sempre joguei...a (interrupção) B.B. - Reinaldo, no período que você acompanhava futebol, você assistia os jogos de Minas ou o Rio de Janeiro exercia maior atração naquela época? Você falou do Botafogo, como era sua relação com o futebol mineiro? Você já torcia para o Atlético, como era? R.L. - A zona da mata tem muita influência do Rio de Janeiro. O futebol nessa época, que a gente era garoto, o futebol era mais Rio e São Paulo. Minas estava começando, com a inauguração do Mineirão estava começando a surgir a divulgar os grandes times de Minas: o Atlético e o Cruzeiro. Eu me lembro, eu sempre fui atleticano porque lá em casa sempre foram alvinegro, era Botafogo, Santos, 1ºde Maio que era nosso time lá da rua e o Atlético, mas a gente quase não acompanhava o futebol de Minas. Me lembro de 6 Transcrição um jogo Atlético e Cruzeiro que o Atlético estava ganhando de 3x0, e a gente estava jogando bola na rua, e todo mundo comemorando, o Atlético ganhando de 3x0 do Cruzeiro, todo mundo comemorando, aí o Cruzeiro foi e empatou o jogo, foi uma decepção para todo mundo lá, essa é a lembrança que eu tenho do futebol de Minas quando eu estava em Ponte Nova. E também porque o Atlético, no início do Atlético, uma vez foi jogar em Ponte Nova, em 64, 65,66 por aí, eu me lembro que eu ganhei um lápis do Atlético também, essas coisas que cativa os meninos, e o Atlético já começou a me conquistar nesse lápis e no caderno que ganhamos com o escudo do Galo. B.B. - E na época ainda era o rádio, a televisão já exercia influência? R.L. - Era rádio, era rádio e figurinha, eu fazia coleção de figurinha, mas também era pouca coisa de Minas, era mais de Rio e São Paulo, e radio que a gente escutava muito rádio, escutava até boxe pelo rádio, mas tudo uma imprensa mais carioca que a gente ouvia. Depois, eu só fui ter contato com BH mesmo em 71,72, e morando, agora sou BH. B.B. - A seleção brasileira já naquela tinha... você assistia jogos, lembrança de alguma Copa? R.L. - Eu assisti um ano antes, em 1971, eu assisti a despedida de Pelé no Maracanã, sentado assim no guard-rail, eu era menino, sentado aqui assistindo aquele negócio do Maracanã, ali da arquibancada não cabia ninguém no Maracanã, assisti a despedida do Pelé e aí foi... que a preliminar foi a seleção olímpica que era Zico, Falcão, Osmar Guarnelli, porque a gente passava férias no Rio, todas as férias mãe colocava todo mundo num vão, num dormitório de trem, porque a gente não pagava o trem... Então, como meu pai era ferroviário, nas férias minha mãe pegava os meninos tudo, colocava no dormitório do trem, a gente ia ali, Ponte Nova, [inaudível], Juiz de Fora, Rio de Janeiro, Cascadura, ia descendo tudo, parava ali em Olaria. A gente ficava em Olaria, que minha tia mora em Olaria, na Rua Joaquim Rego, que eu jogava bola lá também, então a tarde... Eu conheci o mar, é praia de Ramos, isso era 74, começando as favelinhas ali ainda, e depois a gente ia para General Severiano visitar meu irmão, ficava lá. Então numa dessas viagens que nós fomos para o Rio de Janeiro, em 71 já, eu fui assistir a despedida do Pelé no Maracanã, Brasil x Iugoslávia. Inclusive a preliminar foi da seleção pré-olímpica que era treinada pelo Antoninho, que tinha Zico, Falcão, 7 Transcrição Osmar Guarnelli, quem mais? Não lembro assim... Eu era menino ali, e um ano depois eu já estava praticamente jogando no Maracanã, e depois vi a despedida do Pelé, o jogo contra Iugoslávia do Pelé, que foi uma tristeza danada, eu sempre fui fã do Pelé, o Pelé deixar a seleção foi quase uma punhalada nas costas. Eu vi aquele Maracanã cheio, aquele Rio de Janeiro tropical, era tudo lindo demais, era um sonho. B.B. - Seu irmão continuou no Botafogo? R.L. - Continuou. B.B. - Como foi a...? R.L. - Depois ele operou o joelho, aí naquela época era difícil, formou também em Educação Física e ele parou de jogar. Mas eu sempre continuei indo no Rio, joguei muita bola no Aterro do Flamengo, jogava bola... porque minha irmã depois mudou, morava no Flamengo, na Correia Dutra, perto do Catete, então, eu a tarde toda, de manhã, de tarde, de noite, eu ficava no Aterro jogando bola. No Aterro ali tinha uns campão bom demais. Então eu tive muito na minha infância, adolescência no Rio de Janeiro e é uma cidade maravilhosa e muito de esporte. Rio de Janeiro tinha, tem muita praça de esporte. Então adorava jogar bola lá e cinema também, ia muito a cinema. Então essas são as lembranças assim boas; mas acabou eu vindo para aqui, para o encontro dos mineiros aqui em BH. B.B. - O Atlético em 71 é campeão brasileiro, já no primeiro... R.L. - No primeiro treino. B.B. - E um pouco já tinha necessidade também de rivalizar com o Cruzeiro, que tinha tido uma equipe muito destacada, forte. R.L. - Tinha sido campeão. B.B. - Você chega nesse momento em que o Atlético é campeão... R.L. - É, aí o Atlético foi campeão, o Cruzeiro ainda tinha uma base boa, Cruzeiro até 75... Mas aí eu estava com muita operação, e esse time nosso do juvenil estava vindo subindo, que era eu, Cerezo, Marcelo, Danival, Marinho, Paulo Isidoro, João Leite, a gente vinha subindo. Aí da segunda vez que Telê veio treinar o Atlético, em 75, aí 8 Transcrição promoveu mesmo todos nós. Aí acabamos com essa hegemonia do Cruzeiro, de 75. Setenta e seis nós fomos campeão mineiro, o Cruzeiro tinha um grande time, foi campeão da Taça de Libertadores em 76, e com todo respeito, nós brincamos com o time do Cruzeiro nessa final, ganhamos em 76; 77 foi uma decisão complicada, mas nosso time sempre melhor do que o Cruzeiro. Depois ganhamos em 78, 79, fomos ganhando até 86, quase uma década, acho que fomos umas nove vezes campeão. Aí acabamos com essa hegemonia. Aí que o Atlético se firmou, fixou mesmo no cenário mundial do esporte, porque a gente fez muita excursão também, a gente excursionou. O Atlético nessa época tinha muitos jogadores também na seleção, então o Atlético ganhou um status maior dentro do futebol. B.B. - Você falou do Rio, você gostava de morar em Belo Horizonte? Como é se tornar ídolo de uma torcida de massa como do Atlético e morar em Belo Horizonte, como era a vida dos jogadores em 70? R.L. - Ah, Belo Horizonte é bom demais, a cidade gostosa demais. E eu peguei Belo Horizonte que a gente andava na rua. Saia a pé, saia de Lourdes, ia lá para o centro da cidade; porque quando a gente estava na categoria de base, quando chegamos aqui no Atlético, a nossa rotina era a seguinte, a gente treinava de manhã, almoçava, Dom Serafim que foi um grande atleticano, arcebispo de Belo Horizonte, Dom Serafim comandava a igreja ali no centro, igreja Santo Antônio, então a gente acabava de almoçar, a gente ia andando de Lourdes até no centro na Tamós, na Igreja Santo Antônio, ia lá para igreja. Lá Dom Serafim ensinou vários jogadores a ler, aprenderam ali, eu aprendi a jogar xadrez lá, jogo muito bem xadrez, aprendi lá com os padres, e também porque dava um rango bom, a gente comia bem melhor lá na igreja do que na concentração, e Dom Serafim sempre incentivava, punha uma musiquinha, mas também todos nós ajudávamos na missa, tinha dia que a gente rezava três, quatro missas por dia, fora vender vela, sempre ajudando dentro da igreja, foi uma adolescência legal. Depois saia da igreja, voltava andando pela rua, brincando por Belo Horizonte. Isso em 71, Belo Horizonte ainda era uma cidade jardim, uma cidade fácil de morar. E o clima, Belo Horizonte é muito agradável, o povo, e é uma cidade eminentemente atleticana, Belo Horizonte é cidade atleticana, então já passei a ser reconhecido na rua, ganhava muito presente, a cidade foi inflando meu ego. [riso]. 9 Transcrição B.B. - Esse grito do “rei, rei, rei”, surgiu no início ou foi mais...? R.L. - Isso surgiu em 76, 77... 76 surgiu esse grito de “rei, rei, rei, Reinaldo é nosso rei”, em 77 nós fizemos uma campanha maravilhosa no campeonato brasileiro, que nós fomos vice-campeão invicto, porque no último jogo contra o São Paulo a ditadura não deixou eu jogar. Porque eu fui expulso na primeira fase do campeonato, e o Serginho Chulapa foi expulso na semifinal. Como o Serginho já ia cumprir a suspensão automática, eles pegaram meu julgamento que estava na gaveta, “então vamos julgar agora”, e aí não deixou eu jogar. E se jogasse certamente a gente seria campeão, eu digo isso não é nenhuma falsa modéstia, é porque nesse campeonato brasileiro, do qual eu sou o maior artilheiro até hoje considerando a média de gol que foi 1.56 por jogo, eu fiz 28 gols em 18 jogos, eu fiz gol em todos os jogos que eu participei, eu fiz gol. Não ia ser na final, no Mineirão, que o artilheiro ia falhar, então, mas aí eu não joguei, nós fomos vice-campeão brasileiro invicto e com mais de dez pontos na frente do São Paulo. Mas a grande alegria, a contemplação mesmo do “rei, rei, rei, Reinaldo é nosso rei”, foi em 1980 que o Papa João Paulo II, o polonês, a primeira vez que ele veio para o Brasil, ele veio aqui em Belo Horizonte, e lá em cima, lá no altar, o Dom Serafim que é um atleticano nato e hereditário, Dom Serafim... a multidão de fiéis, de cristão, lá, Dom Serafim começou “rei, rei rei, o papa é nosso rei”, aí foi a consagração. Minha mãe se encheu de orgulho, minha mãe muito religiosa, aquilo foi melhor do que ter marcado um gol para minha mãe. B.B. - Então você ascende à carreira como jogador profissional em 73, correto? R.L. - Profissional. B.B. - 74 o Brasil disputa a Copa da Alemanha. Ali você já... R.L. - O problema é que sofri, eu tive uma carreira muito intercalada, jogava, jogava bem, mas machucava e estava num processo de... Eu jogava com o joelho inchadão, na verdade era punção e infiltração, então só interrompi esse processo em 1975, quando Dr. Neylor Lasmar foi para o Atlético falou: “não, não vamos fazer essa infiltração, vamos fazer um outro tipo de tratamento”, que foi através de via oral, com remédio, e também eu fiz uma operação, fiz radioterapia, que inibiu o derrame, por isso que eu tive a minha melhor fase aí em 76, 77. 10 Transcrição B.B. - É nesse momento que você é convocado pela primeira vez? R.L. - É, eu fui convocado pela primeira vez em 1975, naquela seleção da Copa América, que começou aqui em Minas depois foi agregando outros jogadores de São Paulo e do Rio de Janeiro. Nós disputamos a Copa América no Peru. Aí fui convocado em 75, depois fui convocado em 76, 77, 78, sempre fui... depois em 79 eu não joguei que fiquei recuperando, voltei 80, 81, 82, só não fui a Copa, mas participei das eliminatórias, depois voltei mais tarde, em 84, 85, sempre sem muita sequencia por causa da fragilidade mesmo fisicamente. B.B. - Muitos jogadores relatam que ali no momento crucial o problema físico acaba impedindo a participação, nesse momento você espera tanto, se prepara... R.L. - É, porque, na verdade o seguinte, não tinha nenhuma retaguarda da medicina. A medicina muito precária, como eu falei, medicina difícil, era muito agressiva a medicina, tanto do tratamento como... E ainda não tinha essa preparação que os atletas hoje têm. Hoje você tem apoio de todos, parte física, da medicina, nessa época não tinha, na minha época era tirar o menisco, mete infiltração, saquinho de abelha, hoje você tem tudo, você tem uma academia, você tem fisioterapeuta, você tem tudo. Na minha época era forno de Bier, toalha quente, não tinha recursos. B.B. - E mesmo quando vocês jogavam fora, vocês observavam em outros países se havia outros métodos ou também era...? R.L. - Não, a gente não tinha assim tanto conhecimento da medicina lá, mas tanto que em 78 eu fui operar em Nova York, e mesmo assim, a medicina em Nova York, foi um médico que operou o Cassius Clay2, operou Peter Fleming3 um grande médico lá, James Nicholas , ele fez uma toalete no meu joelho, porque esse joelho já tinha sido operado três vezes, e a minha rótula era uma estrela do mar, toda cheia de ponta, corpo livre, a cabeça da tíbia, do fêmur, tudo com aquela artrose, aquela artrose bastante avançada. A membrana sinovial já com inflamação crônica, e quando abriu lá ainda não tinha o ligamento, cruzado já tinha dançado e não tinha nem essa técnica que tem hoje de fazer 2 Muhammad Ali-Haj, nascido Cassius Marcellus Clay Jr, falecido pugilista norte americano. 3 Peter Blair Fleming, tenista norte americano. 11 Transcrição operação de ligamento. Então o que ele fez? Ele descolou o quadrípede, esse músculo aqui, o quadrípede, reinseriu ele baixo. Aí o músculo mais embaixo deu estabilidade, não deu a gaveta no joelho, deu estabilidade, mas eu fiquei de perna dura. Então quando eu voltei, eu fiquei o dia inteiro dentro de uma banheira quente, uma banheira térmica daquelas, com o cara flexionando a minha perna para mim ganhar a flexão. E ganhei 70% de flexão, isso aqui. Ainda joguei mais nove anos de perna dura, sem conseguir dobrar a perna. Quer dizer, as condições físicas minhas eram muito ruim, e os campos muito ruim, a regra não protegia os atacantes. Eu era um jogador mais habilidoso, mais de drible, os caras davam porrada de mão, de tudo quanto é jeito, então... Por isso que Brasil não ganhava Libertadores, os caras ainda tinha doping, era muito difícil. Antigamente para jogar bola o jogador antes de tudo tinha que ser corajoso. Se jogasse hoje, esses beques com cinco minutos de jogo estava expulso. [risos]. Então é isso aí. Mas mesmo assim, dentro do tempo, deu para mim. José Florenzano - Reinaldo, mas já essa primeira operação, em 73, foi decorrente desse embate com os zagueiros adversários, do jogo bruto? R.L. - Foi. Foi num jogo contra o Ceará; que na verdade eu era um adolescente jogando contra adulto, o beque já veio me atropelando. Aí minha perna estava presa, fez a alavanca, lesionou o menisco. Quer dizer, o menisco é uma cirurgia, hoje, simples, mas o problema que naquela época, operado, primeiro que cortava que nem açougueiro, cortava grande, engessava do pé até aqui, esperar a cicatrização, e atrofiava a perna. Minha perna era uma dessa grossura fininha, a outra normal. Não existia musculação, eu fazia minha recuperação com saquinho de areia, você ia pondo saquinho de areia... Como você não tem musculatura, sobrecarga no joelho e aí veio o derrame. Aí era o seguinte, pulsão diariamente, ia lá no médico, o médico tirava o líquido, injetava droga, tirava o líquido... Eu fiquei nesse processo aí uns quatro anos direto. Foi quando nós mudamos, quando Dr. Nilo chegou que mudou. Aí eu fiz radioterapia, passei por um tratamento com uma dieta também violenta, que tomava 200 mg de cortisona, 50 de Lazics, até o final. Por isso que eu parei de jogar cedo, não aguentava mais e sabia que não ia ficar bom. Então eu lutei até onde deu. B.B. - Você foi um jogador diferenciado pela sua qualidade extraordinária, por ser um artilheiro, você ficou... acabou sendo prejudicado por essa sequencia de... mas você se 12 Transcrição diferenciou pelo seu posicionamento político na década de 70. Quando começou esses germes de consignação, isso tem alguma relação familiar, que momento isso aparece para você? Estava num período de ditadura, isso já te inquietava há muito tempo? Conta um pouquinho para a gente sobre isso. R.L. - Política é o seguinte, na minha cassa minha mãe é PSD e UDN, meu pai, minha mãe, aquela coisa, eu sempre nas campanhas politicas eu era um dos que saia catando santinho, distribuindo santinho lá em Ponte Nova. Na época da revolução cubana tinha o Sr. Morete que era um funcionário do Banco do Brasil, morava do lado da minha casa e ele... estava nessa época do chá, chá, chá, todo sábado ele pegava a gente, punha no jeep, no jeep a gente ia para o campo de aviação de Ponte Nova, ele punha a gente lá para ficar lutando boxe, brincar de boxe, e ele ficava falando no rádio lá, tal. E o sr. Morete era um cara para a gente, mas a gente tudo menino. No dia que deu a revolução, meu pai faz aniversário no dia 30 de março, e lá em Ponte Nova minha casa era assim, eu dormia em um quarto, eu abria a janela e já tinha a rua, eu já pulava da cama para rua e já ia jogar bola. Aí nesse dia 30 de março, no que eu pulei, tinha dois soldados do tiro de guerra com fuzil, primeira vez que eu vi soldado de guerra com fuzil na porta, e era casa com casa assim, aí nós tomamos um susto, ninguém podia sair na rua, e ficamos em casa, foi esse grande susto que eu tomei, logo de manhã assim. A gente nem imaginava o que era esse golpe. B.B. - Você tinha sete anos, 1957, é isso, 64? R.L. - É, por aí, sete anos. Aí foi esse susto, não podia sair na rua, ficou aquela coisa, aí os meninos não estavam nem aí. Depois que vieram saber que o sr. Morete era comunista, que tinha desaparecido, e outro lá de Ponte Nova também tinha desaparecido, os comunistas tinham desaparecido. Ficou aquela história, comunista, corta cabeça de criancinha, esse fantasma todo da ditadura, mas, tudo bem. Depois, mais tarde, porque meus irmãos sempre que tiravam a quarta série, minha irmã primeiro, tirou a quarta série e foi para o Rio, meu outro irmão tirou quarta série foi para São Paulo, esse meu outro irmão tirou quarta série foi para o Rio também. A minha outra irmã, a Rosa, tirou quarta série, normal, as irmãs era normal, normalista, formava professora. Foi para o Rio também. Aí tinha a outra irmã e depois era eu, o sexto. E aí foi quando começou... 67, 68, começou aquele fantasma, minha mãe, o pessoal ficava 13 Transcrição muito preocupado com meus irmãos estudando em cidade grande, os movimentos, a gente ouvia um zum, zum, zum, preocupações, mas nada demais. Aí vim para o Atlético, beleza, fiquei. Depois, o que abriu meus olhos mesmo e despertou mesmo foi o frei Beto, porque eu morava no São Pedro, e era vizinho do Frei Beto, coincidentemente, e até da Dilma que morava na rua, tudo ali, no mesmo quarteirão. E eu era muito a migo do irmão do Frei Beto, o Leo, Leonardo Cristo. E aí foi um dia que o Frei Beto estava saindo da prisão, o irmão dele: “ah, vamos lá”, e a mãe dele, Dona Stela, que é uma grande cozinheira de receita, Dr. Antônio Carlos Cristo também, um desembargador, foi um homem que escrevia muito bem, e aí fomos receber o Beto. Conheci o Frei Beto, tal, isso já algumas conversas políticas, conheci o Lula em 75 na casa do Beto também, nessa época, então, isso tudo. Mas era uma coisa assim, o Beto morava em São Paulo, ele vinha aqui de vez em quando, não tinha nada. Aí começou vários movimentos, vários focos em vários lugares. Como a gente não tinha partido, nessa época não existia partido, existia PMDB e Arena, não tinha sindicato, não tinha nenhuma agremiação, não tinha nenhuma discussão, uma reunião, nada, mas existia aqueles movimentos, um falava aqui, ditadura, essas coisas, e a gente sempre acompanhando, esperando. Foi quando existiu o AI5, existia toda repressão, foi quando já no governo... E aí passei a ter contato com muita gente, Gonzaguinha, Fernando Brant, todos esses movimentos mais revolucionários, mas mais que sonho que revolucionário que existia na juventude. E aí quando começou a distensão política do governo Geisel, que começou a ter esse relaxamento dessa distensão política, eu dei uma entrevista no jornal Movimento, que era um jornal de imprensa alternativa, mas de circulação nacional, colocando esse posicionamento da aceleração da democratização, a volta dos militares para os quartéis, anistia, o AI5, a queda do AI5, coloquei esses posicionamentos nesse jornal, e isso foi uma bomba, que eu nem sabia da extensão disso. Foi uma bomba porque existia censura e na verdade o Brasil, o país, não esperava que isso viesse do futebol, porque futebol sempre foi tratado como alienado, como reacionário até, aí dei essa entrevista. Aí veio aquela, começou... Como não tinha nenhuma esquerda organizada, tinha uma direita poderosa, começaram uma descaracterização, uma série de pressão, ao ponto que na despedida da Copa de 78, o general Geisel, o Paulo Neri, já conhecia o ministro Paulo Neri daqui, que na época era da agricultura, uma vez ele me levou em Brasília mais para..“menino, não é bem por aí não...” , e nessa época conheci o Ney Braga também, que era ministro da educação, aí 14 Transcrição nós fomos despedir para ir para a Copa do mundo de 78, despedir do general Geisel, e ele de farda oliva, general mesmo, de quepe de tudo. E o Ney Braga falou, nós vamos lá te apresentar para o presidente, o general lá. Aí chegamos, “esse é o menino Reinaldo, tal”. “Ah, esse que é o menino? Você joga muito bem, você vai jogar bola, mas não mexe com política, não fale de política, deixa que a gente resolve as questões políticas. Vocês jogam bola.” “Tá bom, sim senhor.” E depois veio uma imprensa mais... começou reforçar que eu era... que não tinha essas condições físicas, que eu era homossexual, que eu era gay, não falava gay, falava bicha mesmo, que eu era cachaceiro, maconheiro, começaram a dar todas essas coisas para mim, que isso realmente perturbava, principalmente dentro de casa, minha mãe ficava muito assustada. B.B. - E no ambiente do futebol? R.L. - No ambiente do futebol não cabia nem essa discussão. Alias, não tinha ambiente nenhum nessa época para você conversar, nem dentro do futebol, nem em escola, lugar nenhum você falava nem o nome do presidente, não discutia política nem em bar, nem rua, nem campo de futebol. Alias, o campo de futebol era a única válvula de escape, mas não era para discutir política, era para soltar as neuras lá. J.F. - Reinaldo, nessa entrevista que você dá para o jornal Movimento, na edição seguinte, o jornal Movimento traz a notícia de que havia possibilidade de você ser cortado por causa desses posicionamentos. Então, você, de fato, correu o risco de ser cortado, qual foi o papel do Claudio Coutinho, se realmente havia o risco, se ele atuou para te manter no elenco ou não, e finalmente, uma ultima questão, se você lembra do Tostão dando um depoimento na edição seguinte do jornal Movimento, dizendo: “não tem cabimento cortar o Reinaldo pelo fato dele ter emitido suas opiniões.” Esse gesto de solidariedade do Tostão ficou marcado para você ou você não se recorda? R.L. - Não me recordo. Na verdade, o seguinte... a comissão técnica da CBD, da seleção, era toda de militar: Coutinho, Chirol, Andre Richet, almirante Heleno Nunes, mas então o Coutinho era um gentleman, Coutinho era fã meu, ele que me garantiu mesmo para eu ir a Copa, Coutinho que bancou, inclusive levou aquele aparelho para me recuperar, Coutinho era um grande fã que eu tinha. E também, antes de dar essa entrevista política para o jornal Movimento, comecei a fazer o gesto, que era um gesto 15 Transcrição de socialismo, um gesto revolucionário, que era esse gesto aqui. Só que... é racial, pantera negra, porque a gente tinha um pouco de receio também. Mas na verdade era um gesto de socialismo. B.B. - Você pensou isso em que momento? R.L. - Pensando isso com as conversas. Porque, na verdade, o seguinte, eu comecei a fazer isso para a gente acelerar essa coisa democrática, porque não era nada organizado, eu não tinha sindicato, eu não tinha partido político, não tinha ninguém, eu mesmo que fui lá, eu vou falar aqui do futebol. “Futebol é alienado”, eles falavam na época muito isso, “todo mundo é alienado”, aí eu comecei a chamar isso para o futebol. Então eu fazia esse gesto. J.F. - E o risco de ser cortado? R.L. - Ah, o risco de ser cortado. Aí fui para a seleção, quando eu fui para a seleção que eu fazia esse gesto, o André Richet, que era o coronel, o coronel Richet me aconselhou diversas vezes, “não faz esse gesto, não faz esse gesto”, me chamava, e eu na seleção quase não fiz esse gesto. Até na Copa do Mundo, quando eu faço o primeiro gol na Copa do Mundo, eu levanto e depois... primeiro eu abro os braços, depois que eu faço o gesto. Tá. Aí joguei primeiro contra a Suécia, fiz o gol, depois Espanha, foi empate, não foi bom; no terceiro jogo, o Heleno Nunes que era almirante que era o presidente da CBD, saiu do Rio de Janeiro, porque ele estava no Rio de Janeiro, desceu lá em Mar del Plata e tirou eu, tirou Zico, tirou Cerezo, foi quando entrou Jorge Mendonça, entrou Chicão e Roberto Dinamite. Isso foi assim, na reunião com o presidente, no dia que ele chegou ele mudou tudo. Aí eu fiquei fora. Voltei somente no último jogo. O Coutinho nunca teve esses posicionamentos reacionários assim, ditador. Então, foi essas restrições, essas resistências que eu fui tendo na seleção. Por isso eu devo até reclamar agora nessa lei da verdade, na lei da Comissão da Verdade, que sem dúvida eu fui prejudicado dentro dessas, pode dizer, forças ocultas aí, com certeza, se procurar alguma coisa minha no Dops, com certeza deve ter alguma citação lá, alguma coisa. B.B. - E a Copa de 78 tinha o agravante de estar sendo realizada na Argentina, que tinha sido escolhida antes, e no meio do processo, em 76, tem o golpe, com Jorge Videla. Quer dizer, tinha uma atmosfera carregada? 16 Transcrição R.L. - Atmosfera de guerrilha mesmo. Quer dizer, na verdade nós vimos essa guerrilha bem de perto foi em Mendonça só, que nós ficamos num hotel no pé da Cordilheira, a gente ouvia a noite inteira tiro de metralhadora e cachorro, o tempo que nós tivemos em Mendonça foi assim. E também via... mesmo no campo a gente via aquele povo triste. A ditadura é um negócio... o povo fica lerdo e fica triste, não é? Baixa a cabeça mesmo. Então a gente sentiu muito... Eu vi isso melhor ainda na comemoração, quando a Argentina foi campeão, aí eu falei vou para 9 de Julho, aquela avenida grande, o povo parecia que estava num velório, numa procissão, uma comemoração um pouco triste assim. E foi uma ditadura bem mais... todas são iguais, não é? B.B. - E o gesto de jogadores como Cruijff que se recusou a ir por conta do golpe. Vocês chegavam a falar sobre isso? R.L. - Não. Essa discussão política não entrava na concentração, no meio dos jogadores, até porque ninguém... Até hoje ainda, no futebol, ninguém está muito preocupado. Não deve também preocupar. Quer dizer, pode exercer sua cidadania fora ali, mas levar essa discussão para a concentração também não é conveniente. B.B. - Mas a sua percepção é que você sentia que o país estava realmente tenso? R.L. - Sentia, muito triste. Aquela coisa, aquele fantasma de uma ditadura mesmo. Ditadura traz esse fantasma, você não relaxa, você está sempre achando que está sendo traído, que alguém está alcaguetando, tinha a expressão dedo duro, então a gente num estado de exceção, num estado igual a ditadura é uma época tensa, muito tensa. Mesmo você não tendo conhecimento, não sabendo, você tem, fica estampado na sua cara que é um clima muito difícil, muito pesado. Então eu via isso aqui, o país estava nisso, todo estado do país, até nas roupas era assim, até do jeito de você vestir, de tudo. Diz que depois quando começou a distensão política que aí já veio alguma discussão, quando anunciou, quando veio a primeira das Diretas Já foi a alegria do país, o Brasil voltou a respirar, a ter uma alegria. Como hoje o povo tem, extrapola nessa democracia. Democracia hoje até pega algumas doenças do consumismo. B.B. - Na Copa de 78, isso ficou muito marcado em 70, mas na Copa de 78 havia esse horizonte de que uma vitória da seleção brasileira poderia ser de alguma maneira um apoio simbólico aquele regime político ou isso não passava? 17 Transcrição R.L. - Não, não passava, não passava não, já estava numa época um pouco mais... não dava essa motivação de usar o futebol, não. Até porque os jogadores... Mas também não tinha espaço para fazer nenhum movimento político. J.F. - Eu queria voltar um pouco na questão da intervenção do almirante Heleno Nunes. Quer dizer então que houve uma intervenção... R.L. - Direta. J.F. – Direta, e você sai não porque não reunisse condições de jogo, mas por causa de uma intervenção de cima para baixo? R.L. - É, na verdade o seguinte, ele chegou e mudou o time, na reunião mudou o time. Claro, nós empatamos com a Espanha, corria o risco de não classificar, mas de qualquer maneira um presidente chegar e fazer essas indicações... J.F. - Ele passa então por cima do Claudio Coutinho? R.L. – É. Aí tem a hierarquia, ele não é almirante, ele é o presidente, passou por cima. Coutinho sempre foi um cara mais flexível, não seria Coutinho que iria bater de frente, naquele clima de empate com a Espanha, poderia ter perdido. Mas que ele foi direto foi. Exatamente, na reunião. J.F. - Você estava presente? R.L. - Claro, todo mundo presente. [FINAL DO ARQUIVO I] J.F. - Reinaldo, qual a avaliação que você faz do desempenho da seleção brasileira nas duas partidas que você participou na Argentina? O que faltou para o time de fato engrenar e apresentar uma boa performance? R.L. - Olha, primeira coisa foi o seguinte, o gramado era muito ruim de jogar porque as placas estavam soltas e encharcadas. O gramado de Mar del Plata eram as placas todas soltas, o campo estava muito ruim. Estava um jogo muito pesado. Outra que o grupo da seleção, a gente tinha jogadores muito experientes e jogadores muito novos, existia um 18 Transcrição certo conflito com o Claudio Coutinho dele impor a maneira de jogar, ele sofreu muita pressão nisso. Encontramos dificuldade, encontramos dificuldade do próprio jogo. Foi uma época que o futebol também estava sofrendo essa transformação de mais força física. Nós pegamos adversário europeu muito bem preparado fisicamente. Nós pegamos Suécia, Espanha e Áustria, só times pesados. Mas mesmo assim, a seleção não jogou um futebol bonito pelas dificuldades que teve, táticas mesmo no estado do campo, mas ficou em terceiro lugar invicto. Não foi brilhante, não foi exuberante, mas também não foi um time medíocre, foi uma seleção que impôs, ou então a camisa que o Brasil mesmo, canarinho que ganha jogo. B.B. - A Copa de 74 tinha tido a surpresa do carrossel holandês da Holanda, o Brasil vinha de uma era de conquistas, o ápice em 1970, tinha essa ideia de reconquistar esse lugar de supremacia? Como era o ambiente dentro do grupo em termos de mostrar ao mundo o futebol brasileiro naquele momento? R.L. - Pois é, estava nesse grande dilema, a gente ter a compreensão... Porque foi justamente o Claudio Coutinho que veio trazendo essa transformação no futebol, do overlap, ponto futuro, sabe, isso para mim que estava novo querendo tudo... Para um Rivelino, o Luiz Pereira, sei lá, para o Leão, parecia que estava inventando no futebol. E realmente, nós não chegamos a ter essa compreensão desse jogo que o Coutinho queria aplicar lá, essa importação do sistema europeu de jogo. Para a gente aqui ficou meio... não sabia como fazia. Até os treinamentos era difícil da gente entender, da gente fazer, overlap, para gente era mais uma novidade. Se a gente tivesse ficado no nosso joguinho mesmo, talvez, mas o Coutinho quis impor essa nova maneira de jogar o futebol mais... Nelinho e Toninho, Toninho que é lateral também jogando de ponta direita, um jogo meio... Porque a escola brasileira é aquela escola de marcação para os homens, joga, deixa jogar. Escola europeu, escola de marcação individual, que nem a gente estava conversando, marcar o homem, não é, não marcar a zona, acompanhar o homem. Para a gente também foi difícil. Eu quando comecei a receber marcação individual... Isso ficou bem... você vê, a coisa ficou até patética mesmo, Brasil e Holanda em 74, principalmente contra o Uruguai, Uruguai e Holanda, um jogo que a Holanda fez, um jogo muito simples, que os caras... Eu depois joguei no futebol holandês, estive lá na Holanda, aquela saída, aquele carrossel, aquilo é muito simples. Quer dizer, o treinamento daquilo é o seguinte, quando você está sendo atacado, o ataque tocou a bola 19 Transcrição para o de trás, sai todo mundo na bola que você deixa o impedimento. Lá você faz isso porque confia no bandeirinha, confia na arbitragem. Aqui, por que não fazem isso no Brasil até hoje? Porque ninguém confia no bandeirinha, não confia no juiz. Principalmente jogando fora de casa, quando você faz essa linha de impedimento é dar mole. Então esse jogo sistemático europeu, que a gente queria importar, até hoje ainda não tem compreensão desse jogo, até hoje não tem. E eles jogam assim desde dente de leite até hoje eles jogam. O Brasil é um jogo mais para os homens, um jogo que apoia mais no imprevisível, na capacidade técnica do jogador de criar uma jogada. Tem alguns posicionamentos que são bem tradicional de voltar até o meio de campo, mas, na verdade, se a gente tivesse preservado na escola brasileira mesmo, talvez o entendimento, o entrosamento fosse melhor para a gente. O problema que a gente: “pô, tem que fazer overlap, começa...” E Coutinho por ter um vocabulário bem refinado era até difícil a gente entender o que ele estava falando. Mas na verdade, na aplicação mesmo dentro do campo, nós tivemos essa dificuldade e pegamos uma equipe muito bem preparada, e até com a preparação emocional, o europeu tem uma preparação emocional até melhor que a gente. Quer dizer, naquela ocasião principalmente. Hoje, até que não, o jogador brasileiro joga na Europa e tal, naquela época... Tomada aquela lição em 74, não só da Holanda, mas como também da Polônia. B.B. - E no terceiro jogo contra a Áustria entra o Roberto Dinamite. Como era essa disputa, foi muito frustrante ter que sair, como isso dentro...? R.L. - Dentro do grupo é tranquilo porque a gente respeita os colegas. O cara vai jogar, ué, você tem essa oportunidade, tudo é uma questão de oportunidade. E mais também, eu na Copa do Mundo eu já não estava nas minhas condições legal. Tanto que você vai reparar, eu só treinava de calça na seleção. Porque aqui no Atlético eu tinha uns privilégios: não treinava, ficava com o joelho enfaixado, tomava medicação de cortisona, eu tinha toda essa dieta para mim jogar, só treinava um pouquinho, não fazia treinamento de cair, na seleção eu tinha de mascarar isso. Então eu treinava com o joelho que era faixa, não tinha nem joelheira direito... enfaixava, treinava só de calça cumprida, até que o Coutinho percebeu isso, aí ele falou, vou segurar. Aí trouxe o Nautillus para mim fazer a recuperação para ganhar musculatura, mas eu já estava... Tanto que quando acabou a Copa do Mundo, no dia 2 de agosto, a Copa acabou em julho, eu já fui direto para Nova York para operar. Meu joelho já era... Porque desse 20 Transcrição período de 75 até início de 78, no Atlético, eu estava muito bem porque eu fiz um tratamento de radioterapia, eu perdi até os cabelos da perna. Isso inibia o derrame, as células de inflamação. E, além disso, tomava remédio, vivia com o joelho comprimido, então isso ajudava, não fazia treino. Na seleção tinha que treinar e aí meu joelho inchava, o que eu vou fazer? Ia chegar perto do Lídio Toledo, me cortava na hora, então eu fui enrolando, mascarando a coisa até chegar lá. B.B. - Na segunda fase Brasil engrena, depois do início é mais fácil, e tem a frustração de ser eliminado da forma que foi. Como foi dentro do grupo essa reação à vitória da Argentina que parecia tão pouco provável diante de um resultado que era para ser goleada praticamente e acabou acontecendo isso. E até hoje as polêmicas em torno se houve ou não interferência no resultado, como foi sendo...? R.L. - Quando nós ganhamos da Polônia, 3x1, a vantagem de gol, a gente sabia que era muito difícil a gente ir para a final, porque Argentina além de ter um grande time na época, está muito bem preparada, o goleiro peruano era argentino, pô. [risos]. Quer dizer, no futebol não é essa... não tem muito santo não, então, mais ou menos a gente esperava, era muito difícil, vamos torcer, mas é muito difícil, já com esse resultado de três nós já ficamos... tanto que nós tomamos um gol da Polônia, a gente fazia um saldo muito elástico, então, jogador tem essa maldade, difícil. E olhe que o Peru tinha uma seleção boa. Acho que foi das últimas seleção boa do Peru. E Argentina precisava desse título, aí sim, o governo para... Tanto que o general Videla ele ia no vestiário todo jogo! No vestiário da Argentina... devia ir no vestiário do juiz também, não é? [risos]. B.B. - Você falou da ida, quando vocês são recebidos pelo Geisel, e a volta como é, sem a vitória? R.L. - Aí é... invicto, não é? Aí à volta o Coutinho chamou muito a responsabilidade para ele, ele assumiu mesmo. O Coutinho sempre foi um grande caráter. E ele fez aquela frase histórica: “nós somos campeão moral.” Trouxe a responsabilidade para ele. J.F. - Reinaldo, quando você sai do time, para você ficou claro que você não jogaria mais o restante da Copa ou você alimentou até o fim uma esperança de uma nova oportunidade? 21 Transcrição R.L. - Não, eu já sabia que não... Até porque o Coutinho conhecia meu estado físico. Tanto que ele só voltou comigo no último jogo contra a Itália. Ele passou a acompanhar mais meu... Aí eu abri o jogo também com ele. J.F. - Contra a Argentina você estava no banco de reservas? R.L. - Não, não fiquei nem no banco. Estava lá, mas não fiquei no banco. Joguei só contra a Itália no final, no segundo tempo. B.B. - Reinaldo, nós temos uma informação e queremos checar com você. Durante a Copa você teria recebido um envelope anônimo, vindo da Venezuela, informações sobre a operação Condor. R.L. - É. B.B. - Como foi isso? R.L. - Olha, na verdade, o seguinte, a gente estava em Mar del Plata, o hotel lá que é tipo um convento, e esse envelope chegou lá para mim, no meu quarto. Abri o envelope, vi, estava tudo em espanhol também, e falando da... eu comecei a ler, eu acho que tinha esse acordo do Letelier4, falando mais da explosão do Letelier e fazendo a comparação com o acidente do Juscelino5. Um envelope, um texto mais grande, eu li só início, depois eu guardei, deixei debaixo da cama, e durante a Copa não mexi. Depois, quando eu cheguei aqui que eu trouxe, aí que eu vi mais, que mostrava os códigos, tal, mas era tudo em espanhol e eu não tinha tanto... não domino, para leitura é mais difícil. Mas eu vi que era... no início eu achei que era uma coisa mais de terrorismo, de... mas sabe, você está na concentração, você receber um negócio desse, para quê, para quê? Eu achei que era mais uma coisa assim, dar uma forçada de barra, dar uma desestabilizada, tanto que eu não quis nem mexer. B.B. - Foi enviado para você talvez por essa associação política...? 4 Orlando Letelier del Solar, foi um diplomata e político chileno. 5 Juscelino Kubitschek de Oliveira, presidente do Brasil entre 1956 e 1961. 22 Transcrição R.L. – Talvez, porque eu tinha essa coisa aqui... Acredito que foi isso mesmo, mas mais para ser uma provocação, esperando que eu falasse alguma coisa, que criasse um clima disso. B.B. - Você levou depois esse envelope para alguém? R.L. - Depois eu passei ele para o Gonzaguinha. E ainda com muito medo, mas nada... mexer... B.B. - E ele fez alguma coisa? R.L. - Não fez nada não. R.L. - Não tinha... na verdade a gente falava de política... não tinha discussão política, “óh, vamos nos encontrar para mudar esse país”, nada disso. Em 85, eu saí do Palmeiras por causa disso também. 85? É, 85, que o Frei Beto levou uma delegação nossa para o segundo encontro de intelectuais da América Latina. Quer dizer o Brasil não tinha nem relações diplomáticas com Cuba, nós fomos para lá e o governo cubano mandou... e a delegação brasileira só intelectual, Antônio Callado, Tarso Castro, Pelegrino, Antônio Candido, Chico Caruso, Paulo Caruso, Chico Buarque, Adélia Prado, tinha uma plêiade de só fera mesmo, e eu fui nessa delegação. Eles mandaram um avião da companhia cubana, saiu catando os comunistas do Uruguai, Paraguai, Argentina, Bolívia, Caribe, Colômbia, encheu o avião de comunista e... [risos] fomos lá para Cuba. O Brasil não tinha essa relação diplomática, lá conhecemos o comandante que era... Comandante Fidel Castro sempre foi um grande ícone, comandante... Tivemos com o comandante lá no Palácio da Revolução e no teatro Karl Marx onde foi o encontro de intelectuais lá. E mesmo assim, nessa época, em 85, nós ficamos num hotel lá Riviera, acho, na piscina lá [riso] o Chico Caruso e o Paulo Caruso já acabava com a revolução cubana, porque é muito diferente. Ainda mais num país pobre, você ter dois ascensorista, dois caras no elevador, você podia comprar uma cerveja, cerveja cubana, mas claro que era cerveja dinamarquesa, era um... conhecemos o Gabriel Garcia Marques no Hotel Nacional, em uma grande festa no Hotel Nacional, foi essas aventuras políticas revolucionárias que a gente participou. B.B. - Quando terminou a Copa de 78, o técnico Coutinho foi treinar o Flamengo, e você Atlético, e em 80 teve, no início dos anos 80 teve uma grande rivalidade. Como 23 Transcrição foi, teve aquela final emocionante do campeonato brasileiro, conta um pouquinho das lembranças dessa... R.L. - No Maracanã eu sempre... Adorei desde pequeno, sonhava, desde que eu vi a despedida de Pelé ali, eu sonhava com o Maracanã. Eu sempre gostei de ficar no Maracanã e sempre tive a felicidade de fazer gols no Maracanã. E, sobretudo contra o Flamengo também, eu sempre fiz muito gol contra o Flamengo. E essa final de 80 contra o Flamengo foi marcante, histórica, porque o Flamengo tinha um grande time, um time espetacular, comandado pelo Coutinho, com Zico, Junior. Leandro, Raul, era um timaço. O Flamengo nunca tinha ganhado um título nacional. O Rio de Janeiro parou. Maracanã, Rio estava 50º, um calor violento, e um público de 154 mil pagantes, naquela época no Rio de Janeiro devia ter carterada de todo mundo, devia ter umas 200 mil pessoas, como diz dramaturgo, o saudoso Nelson Rodrigues, “tinha gente pendurado no lustre”. Você via o [som de ovação do público] na frente, tão quente o jogo, um espetáculo. Quando nós chegamos no Maracanã, nosso ônibus parou ali naquele... veio a torcida do Flamengo balançou o ônibus. [risos]. Mas mesmo assim, nós também tínhamos um time experiente, um time muito bom e fomos. Mas nós começamos a perder aquele jogo aqui no Mineirão, ganhamos de 1x0 aqui, eu fiz o gol, ganhamos de 1x0 e foi considerado goleada porque o juiz era o Romoaldo Arppi Filho, muito bom o juiz tecnicamente, mas muito bom de jogador de coluna do meio. Tinha o apelido até de coluna do meio. Ele empatava qualquer jogo. Mas aqui num lance eu consegui fazer 1x0, e não existia vantagem do gol, lá no Rio... Para mim foi um dos grandes jogos, eu sempre falo que quando eu falo desse jogo eu quero até empatar o jogo, porque o Flamengo fez 1x0, na saída... e a torcida do Flamengo explodiu, uma multidão, explodiu lá, saiu a bola eu empatei o jogo. Quer dizer, provoquei um silencio profundo. Aí Flamengo fez 2x1, e aí tocava uma música lá, burubumbum, era um samba de carnaval, o Maracanã até tremia. Aí eles lançaram uma bola para mim, eu corri, tive uma distensão, aí eu sofri um massacre pior do que... o massacre da multidão, porque na hora que eu machuquei, a multidão toda começou a gritar: bichado, bichado, bichado... Eu estava bichado mesmo, de distensão. E quando uma multidão te massacra assim, começa a gritar, você tem que entrar debaixo da grama, correr para o túnel porque é um massacre. E realmente você estando bichado, estando machucado, eu perdi o chão ali, nossa senhora, eu falei, não mereço um massacre desse assim não. A multidão é 24 Transcrição violenta, pior do que jogar você na arena de leão. Aí eu fiquei lá fazendo número porque não podia nem fazer substituição lá, aí ia para a ponta direita na beirada, fiquei ali. Quando a bola chegava em mim, o Junior, me tomavam a bola com facilidade, e eu... O Junior até falava: sai, não tem condição... Não tinha condição nenhuma, deu uma distensão mesmo, coisa que eu nunca tive, e sofri a distensão aqui na parte posterior, mas fiquei fazendo número ali, sofrendo com aquilo e vendo a alegria, mas num lance que eu percebi, eu falei: ah, agora eu vou com tudo, vou arrebentar com tudo, e fui, fiz o gol do empate, aí foi um silêncio ensurdecedor do Maracanã, e para mim, um delírio, você correr com um gol do empate que dava o título, nossa, foi uma sensação maravilhosa, ali foi maravilhoso, uma sensação que não existe. B.B. - Calar o Maracanã. R.L. - Calar uma multidão dessa, o Maracanã, e ainda para comemorar o título, mas logo depois teve a intervenção de má fé do juiz Aramengo, do Aragão, que me expulsou, covardemente, me expulsou, fui passar na frente da bola, ele me deu amarelo, voltou com o vermelho, quer dizer, ele estava mal intencionado esse juiz. E o Flamengo fez o terceiro gol. Não vamos tirar o mérito do Flamengo que era um grande time, mas teve, teve...tudo conspirava para... B.B. - O Nunes, aquele gol foi... R.L. - Mas tudo conspirava, se o Nunes não fizesse, o Raul fazia, o goleiro fazia, tudo conspirava para o Flamengo ser campeão. E o Flamengo não ia perder essa oportunidade, da primeira vez chegar na final, dentro do Maracanã, com um time daquele, seria uma tragédia rubro-negra, não é, se o Flamengo perdesse o título. B.B. - E foi uma rivalidade que se prolongou até pelo menos 1987... R.L. - Depois veio a Libertadores, foi também três jogos difíceis, porque empatamos dois, e fomos para os jogos decisivos lá em Goiana que também tinha o Wright que também ajudou o Flamengo, levou o Flamengo, e o Flamengo não precisava disso, tinha um grande time, mas todo mundo queria colaborar com o Flamengo, e o Wright lá em Goiânia expulsou todo mundo, eu fui o primeiro a ser expulso. Eu fui expulso... No Maracanã quando eu tive a distensão, depois o Carlos Alberto, que estava na reserva, o Reinaldo também, que estava na reserva, eles estavam falando comigo que quando eu 25 Transcrição sofri a distensão no Maracanã e a torcida vibrou como se fosse um gol, que o banco do Flamengo também começou a vibrar: “pô, agora ele também está fodido, agora ele não tem jeito, agora nós vamos ganhar.” Aí que Coutinho, que o capitão Claudio Coutinho deu uma dura deles: “está machucado, mas está lá dentro do campo.” Aí eu vou lá e faço o gol, aí... São esses momentos fantásticos do futebol. B.B. - Na verdade em 82 então não... participar da Copa, o Telê Santana como técnico, não... R.L. - Aí eu não fui. Não, eu participei da eliminatória com o Telê, fiz o gol lá na Bolívia, fiz um gol aí, estava bem entrosado com o time, aí depois... Participei da excursão da Europa, porque o calendário era isso: eliminatórias, fazia aquela excursão da Europa, depois passava um tempo, fazia a convocação dos 40. Não era nem como é hoje a inscrição. Antigamente você punha 40. Eu não fiquei nem entre os 40. O Jorge Valença que ficou... Se eu tivesse entre os 40, eu iria, porque o Careca machucou, foi o Roberto Dinamite que estava entre os 40. E o Chulapa. Eu não fiquei entre os 40 aí fiquei frustrado com a não convocação. B.B. - Foram 12 anos de carreira profissional no Atlético, de 73 a 85. Como foi esse final, a partir de que momento você amadureceu a ideia que já tinha dado no Atlético, era o momento de mudar de clube? Você faz seu último jogo contra o Ajax da Holanda, 11 de agosto de 85, como foi sair do Atlético depois de 12 anos? R.L. - Tinha de sair. Eu tive uma decepção muito grande no Atlético, porque em 81, 82 eu recebi uma proposta do Paris Saint-Germain, era para ir para o Paris Saint-Germain, pô, eu ia ganhar U$ 1 milhão, o Atlético ia ganhar U$ 1 milhão, aí o presidente não quis vender. Ali eu já comecei a parar de jogar. Ali eu falei... aí eu fiquei muito... fiquei muito chateado, muito frustrado com aquilo, joguei mais por causa do compromisso profissional. Como naquela época tinha a lei do passe, não fiquei um profissional muito dedicado. Sobretudo porque... ah, eu sentia muita dor, tinha muita dificuldade para ir treinar, para jogar, sempre tomando remédio, era um esforço muito grande para mim ter condição de jogo, dor, dor, 24 horas de dor, você sem perspectiva de melhora, então eu já fui encerrando. Naquela época estava praticamente encerando, mas como era muito novo, fui até os 28, 29 anos. 26 Transcrição B.B. - Você vai então do Atlético para o Palmeiras. R.L. - É, aí fui para o Palmeiras, fiquei lá um período de dois meses, o Palmeiras na época estava numa situação muito difícil também, treinava lá na Freguesia do Ó, um lugar... O treinador era aquele chinesinho, depois passou um auxiliar dele, era uma bagunça, o Palmeiras naquela época era muito bagunçado mesmo. Por exemplo, nunca treinei no Parque Antártica. Tinha um grupo bom, mas era uma briga, uma confusão muito grande lá, ninguém treinava, aí fiquei lá dois meses, foi quando eu fui para esse negócio de Cuba eu falei: “ah, não dá mais não.” Saí de lá e fui direto para Cuba. B.B. - Esse período para Cuba já tinha tido a campanha para as eleições, Diretas? Você participou desse momento? R.L. - Já, eu participei dessa campanha das Diretas, todas, aqui em BH participamos de todas. B.B. - Você continua engajado? R.L. - Continuamos engajados aqui com o Tancredo, nosso saudoso Tancredo Neves, o governador era o Garcia, enfim, todos os grandes políticos de Minas que estavam aí, todos... foi muito bonito aquele momento da campanha das Diretas aqui. Comandado pelo discurso maravilhoso de Tancredo, aquilo que era bonito, esses comícios, com um discurso fantástico, não é? B.B. - Você falou do período de redemocratização, o país começa a... R.L. - É, bandeira, uma alegria, uma esperança, um negócio que estava no ar mesmo, foi muito bonito esse período do país. Um período que a gente falava: “agora vai concretizar esse sonho, agora vai...” De certa forma sim, porque nós conquistamos essa plenitude da democracia. J.F. - Reinaldo, aproveitando esse momento da campanha das Diretas Já, como você encarou e vivenciou a experiência da democracia corintiana, que foi um movimento que também participou dessa campanha das Diretas Já, e se no Atlético, na época, também houve alguma discussão para engajar o grupo no movimento? 27 Transcrição R.L. - Não. Nós acompanhamos assim de longe, com Sócrates uma vez na seleção conversei com ele, era uma participação mesmo direta dos jogadores, em todos os setores do clube, os jogadores estavam na frente mesmo. Era a vontade mesmo da maioria, isso que a gente entendia da democracia corintiana, que foi muito bem conduzida pelo Sócrates, porque essa maioria que trouxe aquela unidade mesmo do time ali, trazendo a política como um movimento político que colaborou com o futebol, porque trouxe um entrosamento muito grande dos jogadores, todo mundo fechou com aquela... B.B. - Você chegou a participar dos comícios? R.L. - Das Diretas? Participei, todos. Aqui em Minas eu participei de todos. J.F. - Essa amizade com o Sócrates... Porque você participa daquela excursão de 81 que coloca o Brasil como favorito em 82. Você, o Zico, o Sócrates e o Falcão. Não houve por parte dos companheiros nenhum movimento para demover o Telê da decisão de não coloca-lo para a Copa de 82, e, de fato, você não participa de 82 por conta do que você chamou de central de boatos que te associava a esquerda e assim por diante? R.L. - Eu acho o seguinte... Ninguém me falou porque eu não fui na Copa de 82, mas eu considero que é o seguinte, tinha um pouco de receio de eu não reunir as condições. Segundo que tinha esse desgaste todo aí, que eu era amigo do Tutti Maravilha6 que era homossexual, que eu tinha uma vida social conturbada, intensa, que de noite... quer dizer, todo esse boato, mas ninguém falou que foi por causa disso. E o Telê, talvez, ele tenha recolhido e aceitado essa pressão aí, então... J.F. – E por parte dos jogadores? R.L. - Não, por parte dos jogadores Telê nunca deu essa abertura, Telê sempre foi muito firme nisso. Ele fechou com o grupo lá depois, mas comigo aqui não me deu essa oportunidade e eu não sei nem por que eu não fui a Copa, já que eu estava na seleção antes do Telê chegar, participei de tudo. B.B. - E ele tinha sido seu primeiro treinador. 6 Se refere ao jornalista Ailton Machado. 28 Transcrição R.L. - Foi meu primeiro treinador. Telê me conhecia muito bem. Telê teve uma época que ele ficou meio assim comigo, tinha às vezes umas posições meio reacionárias também, assim, “ah, você amigo disso, não pode fazer isso”, Telê, do jeito dele, sempre pensando o melhor, mas sempre intrometendo na vida dos jogadores. Comigo foi assim também. Muitas coisas positivas, mas muitas coisas viaje dele. B.B. - Então a sequencia Palmeiras, Cuba, vamos dizer assim, na volta você vai jogar no Rio Negro? R.L. - É, aí fiquei lá... Fui para Manaus para ficar lá... joguei lá, o que, umas duas partidas, três partidas. Falei: “vou morar no meio da selva, sair desse centro aqui”, tinha uma proposta, já não queria jogar mais, não estava disposto a ter aquela intensidade de treino, falei, vou para o futebol mais... Aí fico lá. Fiquei lá, o que, dois, três meses. B.B. - Uma temporada. R.L. - É, dois, três meses e vim embora. B.B. - Depois você foi para o exterior? R.L. - É. Aí eu falei, agora eu vou para a Europa. B.B. - Ah, não, tem uma passagem pelo Cruzeiro. R.L. - Ah, é. Fui para o Cruzeiro. O Cruzeiro também é o seguinte, eu voltei de Manaus, não jogo bola, não jogo, não quero jogar, não vou jogar. Aí veio o presidente do Cruzeiro, inclusive com o Roberto Drummond, o Roberto Drummond com aquele jeito dele: “não pode parar de jogar bola, Reinaldo, e tal”. Aí eu falei : “Roberto, parei”. E aí o Cruzeiro me fez uma proposta financeira boa. Eu falei: “tudo bem.” Vamos fazer um contrato então de três meses, eu vou tentar voltar a jogar, vou treinar, e fiquei treinando lá uns dois meses, tal, aí eu falei, “não vai dar para mim...”, “Agora você tem que jogar.” Aí eu joguei, fiz um jogo no Cruzeiro. B.B. - E da parte do Atlético isso não despertou uma certa...? R.L. - Não, porque quando eu jogava os caras não ficava... eu não saia na rua, não ficava tão exposto não. [risos]. Aí é... 29 Transcrição B.B. - E não foi também de alguma maneira uma certa vingança com o presidente do Atlético por não ter liberado...? R.L. - Não, não, não. Se fosse eu não iria jogar bola no Cruzeiro. Eu fui no Cruzeiro porque falei, vou ganhar uma grana aí, e me fizeram uma proposta boa, aí eu fui para lá, mas não tinha condição. Fui muito bem tratado lá e tudo, mas minha cabeça não era mais para jogar bola. B.B. - Aí, o exterior. R.L. - Aí fui para o exterior. Aí eu fui porque eu tenho um amigo sueco de Gotenburgo ia ficar... na época foi campeão da Copa na Europa, eu falei, vou lá fazer um estágio de treinador, ver de perto o futebol sueco, tinha jogado... acompanhei um pouco o futebol assim nos treinos, mas estava lá, aí veio um time lá, o Hacken7: “vem aqui jogar com a gente.” Eu falei: “tá, mas eu queria ser treinador, acompanhar. Tá, vou lá.” Mas isso já era abril, maio, e um frio, meu irmão, um frio... [risos], polar mesmo aquele da Aurora Boreal. Aí era muito frio e eu tinha [inaudível], você treinar com aquele negócio, não tinha jeito, era muito frio. Lá é muito frio, aquele frio do polo norte lá é cruel, é cruel. Não estava assim de neve, era o frio mesmo. Tinha dia que estava um solzinho assim, mas era gelado. A noite então era terrível. Aí eu falei:“ah, não.” Como eu já tinha tido um contato com o Cruyff na minha despedida, falei: “ah, vou descer para a Holanda.” Aí fui para lá, fiquei um tempo com o Cruyff lá acompanhando. Ainda dei sorte que estava naquele time: Van Basten, Koeman, Vanenburg, Rijkaard, era um time... tudo novinho, surgindo com o Cruijff lá, fiquei acompanhando os treinamentos com o Cruijff. Estou lá acompanhando, o Ajax tem um time, tem um time não, tem um time da segunda divisão lá, [Almoden] *¹, o Telstar Almoden é uma cidade 20 km de Amsterdã, e eles foram lá para o Ajax no início da temporada, fazendo a preparação lá, e que só joga garoto até 23. Pode usar três jogadores acima de 23. Aí o cara do Telstar falou: “Reinaldo, entra aí, joga aí com a gente.” Falei: “tá bom.” Estava com 31 anos. Aí entrei no jogo, fiz o gol, fiz dois gols, o cara cruzou na linha de fundo, fiz de letra assim, e tal, rabo de vaca direto, aí fiz o outro. O goleiro saiu jogando, saiu errado eu já virei e fiz dois gols. Os caras: “pô meu, volta a jogar, vem jogar com a gente...” e eu querendo ser 7 BK Hacken. 30 Transcrição treinador. Mas como eu não entendia bem o holandês nem inglês, “vamos lá”, aí eu fui para Almoden. Mas falei, vou lá acompanhar treinamento, treinador, aí pego lá um treinador holandês, aqueles antigão, véio, mas ele gostava muito de mim, queria que eu treinasse de todo jeito. Mas eu achei que eu ia ficar mais assim para ver. “Não, vamos treinar.” “Não, não jogo bola mais.” No dia seguinte: “volta aí então, vamos treinar.” Voltei no dia seguinte, daí a pouco entra um caminhão cegonha assim, com um Volvo em cima, com laço assim, os caras: “Reinaldo, parabéns.” “Para mim?” “É”. Aí eles deram... Então eu falei, “ toca a bola então vamos jogar bola”, aí voltei a jogar lá. Aí me deram uma casa boa. E eu estava também casado na Holanda, tinha também casado com uma holandesa, aí voltei a jogar bola, aí joguei lá com eles. Estava no verão, foi bom. Mas aí eu tomei um chute aqui na panturrilha, eu nunca vi isso, abriu, dividiu o músculo, ficou tudo preto, aí eu parei, estava até jogando bem, fazendo gol, aí parei para fazer esse tratamento. Na época era tratamento de laser, primeira vez que eu vi um laser, que era 30 segundos. Melhorei rápido, nunca mais senti nada, um tratamento espetacular, numa fábrica, uma usina enorme lá. Mas aí fui voltar, estava começando o inverno, começando a esfriar, eu falei: “não dá não”, e os meninos uma correria. Aí falei: “não vou voltar mais não”, aí parei também lá. Aí fiquei morando lá mais um ano, aí só fiquei jogando xadrez nos coffee shop, joguei contra o mundo inteiro. [risos]. Joguei xadrez, joguei demais, contra todo mundo. B.B. - E essa missão de você ser treinador? R.L. - Pois é, aí eu queria ser treinador, sempre quis ser treinador, como hoje eu estou treinando Vila Nova. Eu fundei meu clube. Aí eu voltei da Europa, vim, aí a minha ideia era fundar um clube, como eu fiz o BH Futebol e Cultura. Mas eu voltei da Europa estava aquela... Eu já tinha participado da campanha de 80, da formação do PT, aquele negócio todo, sempre dando apoio para candidato do PT apesar de não ser candidato. Aí quando eu voltei em 80, falei, “ah, Lula sai candidato, vamos para a campanha do Lula”, aí resolvi entrar na política. “Entra aí na chapa.” Entrei na chapa, fui eleito. Fui eleito deputado, aí tive essa experiência aí parlamentar. Depois fiquei na politica muito tempo, mas mesmo assim, estando lá deputado, falei: “vou fundar o clube.” Foi quando eu fundei o BH Futebol e Cultura e começamos a fazer o estádio aqui, o estádio do Rei. Aí fiquei na política. A política exige prioridade como o futebol também. Aí fiquei na política, saindo candidato em outras eleições, participando de governo e tal, mas agora 31 Transcrição encerrei, pendurei minha chuteira na política e voltar para o futebol da onde eu nunca deveria ter saído. B.B. - E essa ideia do clube, futebol e cultura, por que, tinha uma concepção de fazer algo diferente dos clubes tradicionais, qual a proposta? R.L. - Não. A proposta na verdade futebol e cultura é porque foi o seguinte, quando começou a vir esse mercado, abrir esse mercado de jogador ir para a Europa e tal; na verdade, a cultura nossa aqui era dar um idioma, uma outra língua para o jogador. O cara amanhã vai para a Europa já falava inglês ou falava francês. Então a ideia mais era essa de dar um língua para o jogador. O cara treina e tal, depois vem aqui faz uma aulinha de ter essa cultura e outras culturas, tal, mas a gente não tinha... mas a ideia inicial era da língua, aprender um inglês, aprender um francês, uma outra língua. J.F. - Qual é a grande inspiração de treinador, para você hoje que está nessa nova função, ao longo da carreira quem marcou mais? R.L. - Quem me marcou mais de treinador foi o Barbatana. O Barbatana é um treinador, estrategista, um jogo sistemático, um jogo repetitivo, disciplinado, esse me marcou. Outro que me marcou também, muito, e esse também é espetacular é o Telê Santana. Porque o Telê te deixa em forma, o Telê não tem tanta estratégia de jogo, mas ele te coloca em forma, os fundamentos, ele apura todos esses fundamentos: o chute, o cabeceio, o domínio, a visão do jogo. Ele, tecnicamente foi Telê que me melhorou em tudo. Tanto que cabeceio, eu cabeceava muito bem , eu sou pequeno, do meu tamanho, pequeno do jeito que sou, eu tinha um bom cabeceio, chutava com as duas pernas com facilidade, tinha bom domínio, tudo isso é o Telê que passou. Você vê que o Telê fez grandes times, por que? Porque todos os jogadores estavam na sua melhor forma técnica. Então tecnicamente Telê é insuperável. Tem outros treinadores também, tem o Minelli também foi um treinador interessante, o próprio Claudio Coutinho que trouxe ampliou um pouco mais o jogo trazendo outras maneiras de jogar. O Procópio também é um outro treinador que consegue fazer um grupo bem fechado. Os treinadores, cada um têm suas qualidades, tem seu jeito de trabalhar e a gente aproveita um pouco de cada um. J.F. - Convêm perguntar como foi jogar com o Sócrates, com o Zico? 32 Transcrição R.L. - Ah, maravilhoso, porque eu era fã também dos caras, jogador, fama é isso... O Zico foi um jogador que sempre admirei como jogador, admirava o Zico demais, esse cara a facilidade que ele tem de bater na bola, de enfiar uma bola, como ele coordena bem o jogo. Depois quando eu fui jogar com o Zico e vendo o Zico mais de perto diariamente, além disso, o Zico é um profissional de uma responsabilidade profissional, de uma dedicação assim integral naquilo que ele faz. Isso me impressionou, daí que eu fui aprender como o cara desenvolveu, porque ele era muito profissional e aí eu fiquei fascinado com esse profissionalismo, com essa formação do Zico. E o Sócrates, apesar de não ter tanto essa dedicação, mas Sócrates era um genial, ele tinha uma visão, uma leveza para jogar, e os toques do Sócrates era impressionante. As vezes até assustava com a bola que ele me dava, nem esperava, ficava assustado como os toques do Sócrates. Outro também que não posso deixar, esse sou fã demais, esse foi um dos maiores que eu vi foi o Rivelino. O Riva, igual o Riva é Maradona, os caras falam Maradona porque Rivelino não corria tanto, se o Rivelino corresse, ele era bem melhor que Maradona. Porque Rivelino, o seguinte, quando eu conheci o Rivelino, a primeira vez que eu fui na seleção com o Rivelino, eu falei: “como é esse elástico, como você dá esse elástico, me ensina esse trem aí.” “É assim ó.” Eu falei: “mas quem te ensinou?” Ele falou: “acho que foi o Chinesinho que jogou no Corinthians, o Pavãozinho”, não sei, um desses. “É mesmo?” “E ó Reinaldo, é o seguinte”, o elástico ele dava no ar também. Eu falei: “dar elástico no ar, como é?” “Pega a bola aí”, jogava para ele, ele fazia assim [som]. É uma coisa, uma virtude dessa, uma qualidade dessa é genial. E o Riva além de tudo, o Rivelino me deu uma alegria, em 1970. Lá em Ponte Nova, comemorei a Copa do Mundo em cima de caminhão, “Brasil, pra frente Brasil, salve a seleção, pra frente Brasil”, esse era o slogan, “ame-o ou deixe-o”, “salve a seleção”. B.B. - Bom, Reinaldo, com as suas boas lembranças, vamos chegando ao final desse depoimento, o Museu do Futebol, a Fundação Getúlio Vargas te agradece imensamente, e vai ficar como um acervo para que as novas gerações, novos torcedores conheçam a sua trajetória a partir daquilo que você próprio se lembra, daquilo que foi mais significativo para você no futebol, então muito obrigado por essa tarde memorável. R.L. - Eu que agradeço, fico muito feliz de poder contribuir com a história do futebol pentacampeão, muito feliz de ter esse reconhecimento, esse carinho do povo brasileiro, fico muito feliz com o futebol que me abriu todas essas portas, me deu todas essas 33 Transcrição oportunidades, tenho boas lembranças de ter escrito aí meu nome nas páginas do futebol e estar no imaginário do povo, tudo isso me enche de alegria, fico muito honrado e parabéns para vocês de ter essa memória para o povo brasileiro, a memória do futebol. Nosso futebol que é pentacampeão merece a gente guardar bem guardado aqueles que construíram toda essa paixão do povo brasileiro. *¹ o mais próximo do que foi possível ouvir. [FINAL DO ARQUIVO II] 34