Aplicação do Método dos Elementos Finitos ao Problema de
Escavação de Túneis em Solo
Gustavo Cavalcanti da Costa Leite
Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco
Igor Fernandes Gomes e Leonardo José do Nascimento Guimarães
Departamento de Engenharia Civil, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco
RESUMO: A aplicação do Método dos Elementos Finitos na engenharia vem aumentando a cada dia impulsionada pela
crescente complexidade dos projetos e pelo aumento dos níveis de exigência quanto a segurança, funcionalidade e
economia das obras. Em particular, as escavações subterrâneas para execução de túneis utilizados em rodovias e
ferrovias são obras que muitas vezes devem atender a severos critérios de estabilidade e deformabilidade do maciço.
Este trabalho tem como objetivo mostrar que o Método dos Elementos Finitos (MEF), com a adoção de modelos
constitutivos elásticos e elastoplásticos, pode ser uma ferramenta de grande utilidade na análise de túneis escavados em
solos. Para isso, estudou-se o túnel do metrô de Brasília onde verificou-se importância da análise numérica para
descrever o comportamento do maciço adjacente à escavação. A análise considerando o material elastoplástico
mostrou-se mais realista que a análise puramente elástica, uma vez que estabelece um limite para o estado de tensões
em função dos parâmetros de resistência do solo. Conseguiu-se uma satisfatória reprodução dos recalques na superfície
do terreno (devido à escavação do túnel) e mostrou-se que a zona plastificada do solo tende a progredir até a superfície,
indicando o início de um possível mecanismo de desestabilização.
PALAVRAS-CHAVE: Escavação Subterrânea, Elementos Finitos, Elastoplasticidade, Estabilidade.
1
INTRODUÇÃO
A aplicação de modelos constitutivos a
problemas reais de engenharia geotécnica devese em parte ao desenvolvimento de técnicas
numéricas de análise como o método dos
elementos finitos (MEF).
O uso do MEF em problemas geotécnicos
vem aumentando a cada dia impulsionado pela
crescente complexidade dos projetos de
engenharia. Um exemplo são as escavações
subterrâneas para execução de túneis utilizados
em rodovias e ferrovias. Tais obras geralmente
devem atender a severos critérios de
estabilidade e deformabilidade do maciço.
A execução de túneis em solos leva a
alterações do estado de tensões na região
vizinha à escavação, provocando o movimento
de solo na direção da zona onde foi feita a
escavação (convergência). Alguns problemas
que podem ocorrer durante a execução do túnel
são: instabilidade da região escavada,
deslocamento
e
recalques
superficiais
acentuados, carregamentos elevados no
revestimento do túnel e efeitos do movimento
do solo em outras estruturas enterradas e/ou
superficiais localizadas nas adjacências da
escavação.
A modelagem em elementos finitos,
associada a modelos constitutivos mais realistas
(elastoplástico) para o comportamento tensãodeformação do solo, pode ser de grande
utilidade na previsão desses problemas, assim
como pode ser usada como ferramenta de
acompanhamento e controle da obra durante seu
processo executivo.
2
MODELAGEM CONSTITUTIVA DO
MATERIAL
2.1
Modelo Elastoplástico
A teoria clássica da plasticidade define um
limite para os estado de tensões no solo por
meio de uma função de fluência F(σ,κ),
definida no espaço de tensões ( σ ) e dependente
dos parâmetros do material ( κ ) (Gomes, 2006).
Esta função define regiões no espaço das
tensões onde o material se comportará de forma
elástica ou plástica se o estado de tensões
estiver localizado no interior ou na fronteira
desta superfície, respectivamente. Não poderá
ser atingido um estado de tensões situado fora
da superfície de fluência (região das tensões
inadmissíveis).
Modelos
constitutivos
elastoplásticos
definem incrementos de tensões σ& em função
de incrementos de deformações ε& através do
tensor constitutivo elastoplástico Dep (Equação
1). Determina-se este tensor através da
aplicação, na relação constitutiva, dos conceitos
de decomposição aditiva de deformações,
relação elástica isotrópica, regra de fluxo, lei de
endurecimento
e
condições
de
complementaridade e consistência (Sousa,
2004; Gomes, 2006).
σ& = D ep ε&
2.2
(1)
Critério de Plastificação
O critério de plastificação utilizado neste
trabalho é o de Drucker-Prager (Potts e
Zdravković,1999; Sousa, 2004) que é aplicado a
materiais não-metálicos como solos e concreto,
onde a superfície de fluência depende da tensão
média p e da tensão desviadora J. Este modelo
assume uma forma suavizada da superfície de
Mohr-Coulomb, evitando os problemas
numéricos de singularidades desta última. A
expressão matemática da superfície de fluência
de Drucker-Prager é dada pela Equação 2, onde
c e φ são os parâmetros de resistência do solo
(coesão e ângulo de atrito, respectivamente).
 c
 2 3.senφ
+ p 
=0
F (σ , κ ) = J − 
 tan φ
 3 − senφ
(2)
Esta função gera, no plano de tensões
principais, uma superfície de forma cônica
cilíndrica conforme mostrado na Figura 1.
Neste trabalho é adotado um modelo de
plasticidade do tipo associada, logo a função de
fluência e a função de potencial plástico
coincidem.
As deformações plásticas ε p ocorrem para o
estado de plastificação do material, na direção
normal à superfície de fluência no plano
desviador. Com isso ocorrem deformações
volumétricas devidas ao cisalhamento durante o
processo de plastificação (dilatância).
Figura 1. Superfície de Fluência de Ducker Prager (Sousa
2004).
3
APLICAÇÃO NUMÉRICA
3.1
Caso do Metrô de Brasília
Neste trabalho será feita a simulação
numérica da seção de uma escavação
subterrânea do Metrô de Brasília, que liga a Asa
Sul às cidades satélites, com cerca de 7 Km de
túneis rasos escavados em solo utilizando o
método NATM (New Austrian Tunneling
Method), que usa paredes diafragma prémoldadas. (Ortigão et al, 1994)
O trecho da extensão do túnel analisado é a
seção da progressiva 536 m, construído em
areia fina e média siltosa, com intercalações de
argila arenosa porosa e com eventual presença
de fragmentos de metarenito e quartzo em
pequenas dimensões. Este material encontra-se
estruturado, onde sobre a areia siltosa
estruturada existe uma camada, até a superfície,
de argila arenosa porosa vermelha de
consistência mole à média com eventuais
fragmentos de laterita(Ortigão et al, 1994). O
perfil geológico pode ser visto na Figura 2.
A cobertura de solo varia de 7,60 a 9,80
metros. Na análise numérica foi adotada uma
cobertura de 10 metros, e utilizado um diâmetro
médio de 9,025 metros.
O perfil geotécnico foi obtido através de
sondagens a percussão convencionais (Figura
3.a), e as características de resistência, coesão
c e ângulo de atrito φ foram obtidas por
ensaios triaxiais não-drenados CIU. A Figura
3.b mostra os perfis com as propriedades das
camadas de solo.
 − y2 
S = s max . exp 2 
(3)
 2.i 
Além das características anteriormente
descritas, mais informações e resultados
referentes ao Metrô de Brasília foram obtidos
nos trabalhos de Pinto (1994) e Tsutsumi e De
Angelis Neto (1994).
Figura 2. Perfil Geológico da seção do túnel (Ortigão et
al, 1994).
(a)
3.2 Simulação Numérica
A análise em elementos finitos baseia-se em
um modelo elastoplástico, com plasticidade
perfeita e associada, considerando o estado
plano de deformações. O processo construtivo
do túnel é simulado em três etapas: na primeira
o maciço não-escavado é submetido ao efeito
da gravidade, de forma a gerar um estado inicial
de tensões. Já a segunda etapa consiste no
processo de escavação e passa-se à terceira
etapa onde o maciço continua sujeito ao efeito
do peso próprio das camadas, mas com a
escavação já concluída. A seção adotada foi a
descrita na Figura 4, que possui as dimensões
reais utilizadas na execução do túnel de
Brasília.
L = 12,924
Figura 4. Seção transversal do túnel
(b)
Figura 3. Perfis Geotécnicos do Solo: (a) Perfil de
sondagem; (b) Propriedades do solo (Ortigão
et al, 1994).
Os recalques superficiais medidos foram
obtidos através de instrumentação de campo e
analisou-se a bacia de recalques superficiais
através de uma curva definida pela aproximação
de curva de Gauss (Kochen, 1998), levando à
equação de curva descrita pela Equação 3.
Nesta equação i é distância entre o ponto de
inflexão da curva e o eixo da seção escavada, S
e smax representam o recalque calculado e o
recalque máximo medido, respectivamente, e y
consiste na distância do ponto de medição de
recalque ao eixo da seção do túnel.
A simulação numérica utiliza o programa de
elementos finitos CODE_BRIGHT (Guimarães,
2002). A malha utilizada para modelar a
escavação é mostrada na Figura 5, e é formada
por 1350 nós e 651 elementos triangulares
quadráticas de 6 nós.
A modelagem apresentada foi aplicada
utilizando-se resultados de instrumentações
publicados para o caso do Metrô de Brasília
(Ortigão et al, 1994), descrito na seção (3.1).
Verifica-se que o recalque máximo medido
em campo foi de aproximadamente 350 mm,
exatamente sobre o eixo da seção do túnel,
diminuindo à medida que se afasta da seção
escavada. A simulação numérica adotando um
modelo elástico linear apresenta uma bacia de
recalque com forma semelhante à obtida em
campo, mas mostra um resultado inferior de
previsão de recalque, principalmente no eixo da
seção.
Distância ao Eixo do Tunel (m)
-30
-20
-10
0
10
20
30
0
O peso especifico γ, e os parâmetros de
resistência c e φ, adotados foram aproximados
pelos perfis geotécnicos de sondagem descritos
na Figura 3b. O modulo de elasticidade E e o
coeficiente de Poisson υ foram definidos a
partir do perfil de sondagem a percussão
(Figura 3a) através da tabela descrita em
Bowles (1968) que relaciona o SPT a esses
parâmetros. Todos estão descritos na Tabela 1.
Tabela 1 –.Valores dos Parâmetros Adotados
Solo
E
c
υ
γ
φ'
Camada 1
5
0,35
13
0,023
20
Camada 2
10
0,33
15
0,030
27
Camada 3
25
0,30
18
0,040
30
Obs.: E = Modulo de Elasticidade(MPa), υ = Coeficiente
de Poisson, γ = peso específico (kg/cm2), c = coesão
(MPa), φ' = ângulo de atrito.
4
RESULTADOS E COMENTARIOS
Como comentado no início deste trabalho,
busca-se aqui verificar a necessidade da
aplicação de um modelo constitutivo mais
complexo através da limitação do estado de
tensões atuantes, ou seja, utilizando a teoria
elastoplástica
Inicialmente é feita a verificação quanto à
bacia de recalques superficiais (Figura 5)
ocorrida com o advento da escavação através da
comparação entre os resultados numéricos
obtidos tanto para um modelo elástico linear
quanto para um elastoplástico, e com a bacia de
recalques medida por instrumentos de campo e
cuja curva foi ajustada através da Equação 5.
0,05
Recalques Superficiais (m)
Figura 5. Malha de Elementos Finitos com elementos
triangulares de seis nós para problema de
deformação plana.
0,1
0,15
0,2
0,25
Elástico
Medidas de Campo
0,3
0,35
Elastoplastico
Curva der Gauss
Figura 5. Bacias de recalques superficiais.
Já a análise elastoplástica fornece uma bacia
de recalques superficiais bastante aproximada
da real (medidas de campo) e da curva de
Gauss. O recalque máximo determinado foi na
ordem de 335 mm e há uma boa concordância
entre as curvas da análise elastoplástica e da
seção instrumentada.
Na Figura 6 pode ser observada a análise da
convergência da seção do túnel nos eixos
vertical (Seção AB) e horizontal (Seção CD).
Observa-se que no final do processo de
escavação passam-se a surgir recalques em
ambas as seções (vertical AB e horizontal CD),
ou seja, ocorre a convergência do túnel. Quando
cessada a escavação, se estabiliza o processo de
fechamento da seção. A convergência é mais
acentuada, cerca de 6% da altura do túnel
( H = 9,025 metros), na direção vertical (seção
AB) do que na horizontal (seção CD), cerca de
2,5% da abertura do túnel ( L = 12,924 metros).
Os deslocamentos obtidos na análise para o
contorno da escavação e para o maciço de solo
são mostrados na Figura 7.
Convergência da Seção do Tunel (%)
7%
A
escavação, conforme mostrado na Figura 9.
As deformações plásticas são maiores e se
concentram na região próxima à transição das
camadas e também definem uma faixa de
plastificação que tende a progredir na direção
da superfície do maciço, formando uma zona de
deslizamento.
Fim da
Escavação
6% C
D
B
5%
4%
3%
2%
1%
Seção AB
Seção CD
0%
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
-1%
Tempo (horas)
Figura 6. Convergência com o tempo de escavação.
Figura 8. Vetores de deslocamento.
Figura 7. Distribuição de deslocamentos.
Observa-se que os recalques desenvolvem-se
de forma crescente da superfície ao teto da
escavação, o que condiz com o comportamento
de um solo de altas porosidade e
compressibilidade. A base do túnel sofre um
levantamento decorrente do movimento de solo
e efeito de arco da escavação. A intensidade
destes deslocamentos também é representada
pelos vetores de deslocamento (Figura 8).
Verifica-se que no teto da escavação há uma
maior incidência de vetores no sentido de
afundamento do terreno. Kochen (1998) atribui
os recalques acentuados sobre a seção escavada
às propriedades de alta compressibilidade das
argilas porosas de Brasília e à quebra das
ligações das partículas cimentadas, pelo
movimento de solo sobre o túnel.
Os deslocamentos são aliviados quando
encontram as camadas mais rígidas, levando a
uma solicitação maior no teto do túnel e,
principalmente, na sua lateral próxima à
transição entre as camadas de argilas porosa
( E = 5 MPa ) e siltosa ( E = 10 MPa ). Isto pode
ser observado através das deformações plásticas
cisalhantes Edp atuantes no entorno da
Figura 9. Deformações Plásticas Cisalhantes.
O efeito de plastificação do material leva a
ocorrência, como visto no item (2.2), de
deformações
volumétricas
que
são
proporcionais à plastificação. Isto leva a uma
dilatação do material e pode ser representado
pela variação da porosidade, tomando como
referência um valor de n = 0,25 (Figura 10).
Por fim é feita a análise das tensões atuantes
após a execução da escavação, onde na Figura
10, observa-se a distribuição das tensões
verticais. Verifica-se que tanto no teto quanto
na base do túnel há uma concentração de
tensões devido à convergência vertical que
ocorre, se estendendo até à superfície ao longo
da bacia de recalques. Já na parede lateral do
túnel há uma concentração de tensões de
compressão principalmente na transição baseparede do túnel (onde a seção apresenta um
pico devido à concordância entre os arcos da
seção) e na parede localizada na zona de maior
plastificação (região próxima à transição entre
camadas mole e rígida).
Figura 10. Variação de Porosidade.
Isso também se verifica na Figura 11, que
mostra a representação em cruz das tensões
principais atuantes. Observa-se que as tensões
de compressão (cor azul), tangenciam a parede
da escavação e são de grande intensidade na
transição entre a parede e a base do túnel.
Figura 11. Distribuição de tensões verticais.
Figura 12. Representação em cruz de tensões principais.
5
CONCLUSÕES
A simulação numérica no problema de
escavação subterrânea (Caso Metrô de Brasília)
forneceu, na análise elastoplástica, resultados
com ótima aproximação à medição de campo.
Conclui-se então que ao limitar o estado de
tensões, através de uma superfície de fluência,
alcançam-se resultados mais representativos do
que ocorre em campo. Isto foi comprovado
através da obtenção da bacia de recalques
superficiais, onde o modelo elastoplástico
reproduziu de maneira bastante satisfatória a
curva obtida por medição de campo, ao
contrário do modelo elástico linear, que levou a
previsões de recalque bastante desfavoráveis.
Este modelo também fornece a formação de
uma zona de ruptura, decorrente do efeito de
peso próprio do solo sobre a escavação, que
tende a progredir da região plastificada até a
superfície do terreno.
REFERÊNCIAS
Bowles, J. E. (1968). Foundations Analysis and Design.
Gomes, I. F. (2006). Implementação de Métodos
Explícitos de Integração com Controle de Erro para
Modelos Elastoplásticos e Visco-elastoplasticos.
Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de
Pernambuco, Departamento de Engenharia Civil, 118
f., Recife.
Guimarães L. N. (2002). Análisis multi-componente no
isotermo en medio poroso deformable no saturado.
Phd Thesis, Geotechnical Engineering Department,
Technical University of Catalunya, Spain.
Kochen, R. (1998). Modelos de Previsão de Danos
Devidos a Escavações Subterrâneas em Solos. In: XI
COBRAMSEG, 1998, Brasília.
Oñate, E. (1995). Una introduccion generalizada al
metodo de los elementos finitos. Barcelona.
Ortigão, J.A.R., Kochen, R., Brandão, W., Macedo, P.
(1994) Comportamento de Tunel em argila porosa de
Brasília, 3º Simpósio Brasileiro de Escavações
Subterrâneas, Brasília, p.297-315.
Pinto, G. M. P., (1994). Deslocamentos do maciço e
qualidade de construção dos túneis do metrô de
Brasília. 3º Simpósio Brasileiro de Escavações
Subterrâneas, Brasília/DF, pp. 277 a 295.
Potts, D., Zdravkovic, L. (1999). Finite Element Analysis
in Geotechnical Engineering. Thomas Telford Books.
London. ISBN: 0727727834.
Sousa, R. M., (2002). Modelagem acoplada hidromecânica da perfuração de poços em ochas frágeis.
Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de
Pernambuco, Departamento de Engenharia Civil, 112
f., Recife.
Tsutsumi, M., de Angelis Neto, G. (1994). Uma análise
pelo método dos elementos finitos de um túnel raso
em solo. 3º Simpósio Brasileiro de Escavações
Subterrâneas, Brasília/DF, pp. 255 a 262.
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