1. CAPÍTULO 3 CARACTERIZAÇÃO DO CASO DE ESTUDO 3.1 Enquadramento geográfico da área de estudo Situada a 50 Km do Porto, a área em estudo (Figura 3.1), pertence ao designado Couto Mineiro do Pejão, estendendo-se desde a localidade Germunde até ao Rio Arda. É limitada a norte pelo rio Douro, a sudoeste (em parte) por uma linha de água fortemente encaixada (ribeira da Arega) e a nordeste e sudeste pelo rio Arda. Insere-se na folha nº 134 (Foz do Sousa) da Carta Militar de Portugal (escala 1/25 000) e na Folha 13-B (Castelo de Paiva) da Carta Geológica de Portugal, à escala 1/50 000 (Medeiros et al., 1964). 175000 176000 177000 178000 179000 180000 456000 456000 # 0 Melres 455000 455000 # 0 Lomba Rio Mau Além da Ponte 453000 453000 Pedorido Picão Póvoa Legenda 452000 452000 Sante 454000 454000 Moreira # 0 Povoações # 0 Vértices Geodésicos Água superficial Lavercos 451000 451000 Estradas Escombreira Instalações Mina Germunde Zona Industrial Arejinha 175000 176000 177000 178000 179000 180000 450000 450000 Gaido Figura 3.1 Enquadramento Geográfico da área de estudo 34 Situada na margem esquerda do Rio Douro, a freguesia de Pedorido, localiza-se a cerca de 17 km do centro da vila de Castelo de Paiva, tem 1593 habitantes, segundo os Censos 2001 elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística. Antes do encerramento da mina, no final de 1994, grande parte da população ainda se encontrava ligada à actividade mineira sendo esta a principal fonte de rendimentos da população desta freguesia e das circundantes. Após o encerramento da mina, deu-se a construção da zona industrial de Lavagueiras que, ao longo destes anos, tem vindo a crescer. Segundo informação disponível no site da Câmara Municipal de Castelo de Paiva, Pedorido é hoje a freguesia mais industrial do Concelho, graças à construção daquela zona industrial, com mais de 15 empresas e empregando mais de 500 pessoas. De acordo com os censos 2001, 126 indivíduos encontram-se ligados à agricultura. A freguesia tem uma área total de 12,1 km2, dos quais 30 hectares estão a ser utilizados como superfície agrícola. O uso agrícola, segundo o Recenseamento Geral da Agricultura de 1999, divide-se em cultivo de cereais para grão, de leguminosas secas para grão, de prados temporários, de culturas forrageiras, de cultura de batata, de hortas familiares, de fruto fresco, de vinha e de prados e pastagens permanentes. O terreno florestal constituído por matas e floresta corresponde a 34 hectares. A zona apresenta uma morfologia bastante acidentada em que a maior parte das linhas gerais do relevo actual exibem características estruturais herdadas da orogenia varisca que estruturou o substrato geológico regional. O modelado superficial, evoluindo por acção do entalhe da rede hidrográfica actual faz salientar alguns relevos dominantes de natureza resistente (Figura 3.2). Tratam-se de bancadas de rochas quartzíticas que, por erosão diferencial, deram origem a cristas de orientação NW – SE (N 130º E a N 140º E). No entanto, localmente, esta orientação média é desviada devido a alguns acidentes transversais e aos dobramentos a que foram sujeitas aquelas formações. 35 Figura 3.2 Modelo esquemático do relevo e hidrografia da área de trabalho com localização das principais escombreiras (a verde) e das instalações da mina de Germunde (a vermelho) (exagero vertical 1,5 vezes) A nível hidrográfico, a área de estudo encontra-se inserida na bacia hidrográfica do Douro, encontrando-se circunscrita a sudoeste pela sub-bacia do Portal e a nordeste pela sub-bacia do Arda (Rebelo, 1975) (Figura 3.3). Figura 3.3 Enquadramento da área de estudo nos limites da Bacia Hidrográfica do Douro e das subbacias do Portal e Arda. Rectângulo a preto a indicar a localização das instalações da mina de Germunde (adaptado de INAG (2004) e Rebelo, 1975) (sem escala) A erosão fez sentir fortemente os seus efeitos talhando numerosas linhas de água subsidiárias, em geral, normais ao desenvolvimento longitudinal do jazigo, especialmente, no flanco nordeste. A rede hidrográfica regional adapta-se, com relativa facilidade, à competência das rochas quartzíticas, não as atravessando e ajudando, assim, na definição morfológica das mesmas. No entanto, por vezes, alguns cursos de água conseguem transpor os quartzitos através do aproveitamento de fracturas transversais à orientação média das cristas quartzíticas (Rebelo, 1975). 36 Na bacia do Douro existem várias captações de água para abastecimento público. Na área envolvente à mina de Germunde, segundo dados do INSAAR (2005), existem na área envolvente captações de origem superficial, sendo as suas localizações relativamente à mina as seguintes: • a jusante, aproximadamente a 1,5 km, existe a captação de abastecimento superficial de Pedorido, que serve 1400 pessoas residentes no concelho de Castelo de Paiva; • a montante, a cerca de 4 km, encontra-se a captação de abastecimento superficial da Lomba, que abastece 1700 pessoas da freguesia da Lomba de Gondomar. As captações de água para abastecimento público de Lever, as maiores da região Norte, encontram-se 20 km a jusante da mina de Germunde. 3.2 Caracterização climática Os dados meteorológicos utilizados pertencem à Estação Meteorológica de Luzim, uma vez que não existe uma estação climatológica na área em estudo. Esta estação encontra-se integrada na rede de monitorização do Instituto de Meteorologia (Tabela 3.1) e localiza-se, aproximadamente, a 16 km para nordeste da área de Germunde, no concelho de Penafiel. Tabela 3.1 Dados da Estação meteorológica de Luzim Latitude Longitude Altitude (m) Período de monitorização Média de precipitação anual (mm) Luzim 41° 8' 60’’N -8° 15' 0’’W 174 1994 -2004 1419,5 A precipitação anual ao longo do período de monitorização (1994 – 2004) varia entre 1148.2 e os 1771.0 mm/ano (Figura 3.4). Os dados de precipitação fornecidos pelo IM encontra-se no Anexo A. 37 Prec ipitação mens al ( mm) 600 400 200 2005 2004 2003 2002 2001 2000 1999 1998 1997 1996 1995 1994 0 Figura 3.4 Variação temporal da precipitação (1994-2004) para a estação metereológica de Luzim Por observação do gráfico da precipitação pode-se verificar que a precipitação entre 1994 e 2004 apresenta uma distribuição variável, com diferenças de precipitação dentro da mesma estação de 700 mma-1 (inverno) e 200 mma-1 (verão). Segundo o IM, a partir de 2002 esteve-se perante anos anómalos, uma vez que para além de se ter registado um valor menor de precipitação anual, ocorreram episódios chuvosos fora de época. No ano de 2004 registou-se o valor mais baixo do total de precipitação anual desde 1931 (IM, 2004). Outro facto anómalo foi a ocorrência de valores de precipitação extremamente elevados durante o mês de Agosto. O valor da temperatura média anual, para o período em estudo, é de 14.6ºC. Os valores da temperatura média mensal do ar variam regularmente durante o ano, atingindo um valor mínimo de 8.7ºC em Janeiro e um valor máximo de 21.1ºC em Agosto. No geral, a região caracteriza-se pela existência de um período quente e seco de 4 meses, entre Junho e Setembro, e por um período húmido de Outubro a Maio que concentra 88% da precipitação anual (Figura 3.5). 38 25 200 20 150 15 100 10 50 5 0 Temperatura (ºC) Precipitação (mm) 250 0 Jan Feb Mar Apr May Jun Precipitação Jul Aug Sep Oct Nov Dec Temperatura Figura 3.5 Variação média mensal da precipitação e temperatura para o período de 1994 e 2004 3.3 Enquadramento geológico A área investigada faz parte de um conjunto de unidades de idade paleozóica que, no seu conjunto, formam a macroestrutura varisca do Anticlinal de Valongo e a zona de cisalhamento associada ao respectivo flanco inverso. Esta zona de cisalhamento, com cinemática transcorrente esquerda desde, pelo menos, o início da orogenia varisca, apresenta em alguns sectores movimentos compósitos com componentes dip-slip, sendo também frequentes as ramificações do plano principal da zona de cisalhamento (Domingos et al., 1983). Associado aos vários ramos da zona de cisalhamento em referência, aflora uma série de unidades carboníferas de fácies continental. Tais ocorrências são, no seu conjunto, designadas por Bacia Carbonífera do Douro (BCD) e a zona de cisalhamento é usualmente designada por zona de cisalhamento do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão (obra citada). A zona estudada tem, deste modo, a estratigrafia constituída por unidades do ciclo varisco, quer do Paleozóico Inferior de fácies marinha que formam o Anticlinal de Valongo, quer do Carbonífero continental. Neste último caso, encontram-se alinhadas e tectonizadas ao longo da zona de cisalhamento do Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão. Nas unidades carboníferas, de importância central neste trabalho, há, portanto, que reter a forte tectonização que apresentam. 39 Passando agora a descrever em maior detalhe a geologia da BCD no sector de Germunde, refere-se que, a nordeste, o limite entre o Carbonífero e o Paleozóico Inferior faz-se pelo megacisalhamento esquerdo (denominado Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão). Isto provocou o cavalgamento (ϕ1) da BCD sobre as formações mais antigas do Paleozóico Inferior do flanco inverso do Anticlinal de Valongo (Domingos et al., 1983; Pinto de Jesus, 2001). A sudoeste, o contacto entre o Carbonífero e o Precâmbrico e/ou Câmbrico Inferior (“Complexo Xisto-Grauváquico”) corresponde, aparentemente, a uma descontinuidade com inconformidade (Pinto de Jesus, 1987; Pinto de Jesus e Gaspar, 1997). A BCD foi datada como pertencente ao Estefaniano C Inferior a partir da flora fóssil (Wagner e Sousa, 1983), dos elementos paleozoológicos (Eagar, 1983) e de estudos de palinomorfos (Fernandes et al., 1997). O reconhecimento da cartografia geológica de pormenor da área de estudo comportou diversas etapas, nomeadamente: • reconhecimento de gabinete de trabalhos geológicos anteriormente elaborados e dos locais onde existiu exploração (subterrânea e/ou a céu aberto); • trabalho de campo, onde se realizou uma revisão de aspectos divergentes da geologia de superfície dos diversos trabalhos (publicados e/ou inéditos) e reconhecimento dos locais de exploração e escombreiras; As unidades geológicas consideradas para o sector Germunde — Arda (Figura 3.4) são resumidas a seguir. 3.3.1 Câmbrico Inferior: “Complexo Xisto-Grauváquico” (CXG) – Grupo das Beiras indiferenciado Os terrenos do CXG formam uma larga faixa, com orientação geral NW-SE, acompanhando e debruando para sudeste toda a faixa paleozóica e, ainda, o núcleo do Anticlinal de Valongo. Estão incluídos no denominado Grupo das Beiras indiferenciado (Oliveira et al., 1992). Do ponto de vista litológico, o CXG é constituído por sedimentos de origem turbidítica, tipo flysch, ou seja, intercalações de xistos argilosos e metagrauvaques de tonalidades variadas e onde, por vezes, ocorrem níveis conglomeráticos e/ou quartzíticos, predominantemente, formados por elementos quartzosos, em geral, bem calibrados e, às vezes, muito silicificados. Na zona estudada, é possível observar essas assentadas conglomeráticas, cuja inclinação das camadas é, em regra, para NE (com pendores variáveis 40 entre 60º e 85º E), nas localidades de Pedorido e Oliveira do Arda. Constituem, assim, grande parte dos relevos positivos da região. Os xistos e os metagrauvaques de grão fino a médio apresentam uma matriz quartzo-micácea com clastos quartzo-felsdpáticos e raros elementos líticos (Medeiros et al., 1964). 3.3.2 Ordovícico Formação Quartzito Armoricano Formada por quartzitos maciços de cor branca, dispostos, alternadamente, com níveis de quartzitos xistóides e bancadas conglomeráticas (Couto, 1993; Chaminé et al., 2004). Os conglomerados foram referenciados na localidade de Pedorido (Medeiros et al., 1964; Chaminé, 1992). Em alguns locais, foram, também, assinaladas alternâncias com xistos argilosos competentes (Medeiros et al., 1964; Chaminé, 1992). Estes afloramentos constituem relevos importantes, como é o caso da Serra de S. Domingos, chegando a atingir uma possança de 750 m. As cristas quartzíticas estão alinhadas segundo N 40º W e inclinam 45º e 80º para NE. É vulgar, também, encontraremse camadas de xistos finos e brechas ferruginosas intercaladas com os quartzitos. Formação de Valongo – Xistos cinzentos ardosíferos A base desta formação é constituída por xistos argilo-micáceos, muito competentes, cinzento-azulados, geralmente, fossilíferos. Em aparente continuidade estratigráfica, ocorrem xistos compactos com alguns nódulos, onde é possível encontrar fósseis de trilobites e braquiópodes. No topo, encontram-se, ainda, xistos ardosíferos finos de tons escuros. As camadas seguem, sensivelmente, a direcção N40ºW e pendem para NE, com inclinações variáveis, entre 60º a 80º. Formação de Sobrido – Intercalações de xistos e quartzitos Esta unidade é formada por xistos e grauvaques de tons claros, micáceos, em regra xistóides, intersectados, muitas vezes, por filonetes de quartzo branco. Por vezes, estes xistos apresentam uma coloração cinzenta-avermelhada, passando mesmo a xistos grosseiros, micáceos. 41 Figura 3.6 Esboço geológico do sector Germunde-Arda elaborado a partir do extracto da Planta Geológica do Sector Germunde – Arda, E.C.D., SA (elaborada por Gaspar et al., 1993) 42 Este afloramento apresenta-se ao longo de uma estreita faixa mais ou menos irregular que assenta, em aparente continuidade estratigráfica, a muro, com os xistos ardosíferos da formação de Valongo e, a tecto, com o Carbonífero. Do ponto de vista paleontológico, é inexistente o registo fossilífero. Esta unidade, está também referenciada numa escama tectónica que ocorre dentro do Carbonífero. Segundo Pinto de Jesus (2001), este afloramento não se prolonga em profundidade, pois não ocorre abaixo das travessas do piso 85 da mina. 3.3.3 Carbonífero A descrição e interpretação da sucessão estratigráfica (Figura 3.7) mais completa do Estefaniano C Inferior, localizada na área de estudo, foi estabelecida por Pinto de Jesus (2001). O seu estudo foi feito, sobretudo, a partir da aplicação da análise de fácies, construção dos respectivos modelos e posterior interpretação tectonossedimentar (Pinto de Jesus, 2001). Seguidamente, faz-se uma breve sintetização compilada das quatro unidades tectonossedimentares (UTS) fundamentais, de muro para tecto (as quais se encontram tectonicamente duplicadas na área de estudo) definidas por Pinto de Jesus (2001 e 2003): UTS A – (Complexa; UTS A1 e UTS A2) A UTS A1 é formada por depósitos de brecha de base, constituídos por conglomerados com clastos que possuem dimensões que variam desde a fracção siltítica à de bloco. No sector em estudo, o maior clasto observado à superfície tinha 250cm e em profundidade 80cm. Os clastos têm litologias muito variadas (xisto, grauvaque, granito, greisen, gnaisse, micaxisto, conglomerado, quartzito, etc.). A matriz é argilosa a arenosa, em quantidades muito variáveis, com algum cimento hematítico. A tecto desta unidade, encontram-se argilitos. A UTS A2, vulgarmente chamada de “brecha intracarbonífera”, é formada por conglomerados de matriz sericítica e cimento silicioso (pouco abundante). Predominam os clastos de quartzito, lidito, xisto e, mais raramente, arenito, cujas dimensões podem atingir os 30 cm. Ao microscópio, ainda é possível distinguir moscovite e alguns detritos opacos. Contacta com as unidades subjacentes através de uma falha inversa e, ainda, estratigraficamente com as escamas de Paleozóico Inferior que se encontram no interior da BCD. 43 Figura 3.7 Registo tectonossedimentar da BCD. A coluna total corresponde a 350 m (adaptado de Pinto de Jesus, 2001). De notar que as designações 1ª, 2ª, 3ª ou 4ª camada de carvão ou, simplesmente, camada, incluídas na figura 3.7 fazem parte da terminologia mineira empregue na BCD para designar um conjunto de camadas de carvão alternantes com camadas e/ou leitos de xisto e o seu posicionamento dentro da série estratigráfica. Neste trabalho, aplicar-se-á a mesma terminologia uma vez que simplifica a interpretação dos dados bibliográficos referentes à mina. UTS B – (Simples; UTS B1 e UTS B2) Ambas as unidades são formadas por camadas e leitos alternantes de xisto e carvão. Este carvão é classificado petrograficamente como uma metantracite (Lemos de Sousa, 1973 e 1978). 44 UTS C – (Simples; UTS C1 e UTS C2) Composta por camadas de conglomerados, de arenitos e siltitos. Ao microscópio, o conglomerado da UTS C1 é formado por fragmentos líticos angulosos a subangulosos de xisto e de clastos de quartzito com clorite, no seio de matriz pelítica sericítica; a presença de cimento carbonatado e hematítico é pouco abundante. À superfície, os arenitos apresentam matriz pelítica ou sericítica e clastos de quazto. Os fragmentos líticos presentes podem ser de quartzito, lidito, xisto da dimensão areia, turmalina, minerais siliciosos e alguns elementos opacos. Por vezes, pode existir cimento de clorite. Amostras em profundidade (piso 8) do arenito são compostas por matriz pelítica sericitizada com fragmentos líticos subangulosos a arredondados de quartzito e xisto. O conglomerado da UTS C2 é composto por uma matriz argilo-arenosa abundante, quartzo e fragmentos líticos sub-arredondados de quartzito, liditos e xisto de dimensão areia a seixo. Ao microscópio, foi possível distinguir turmalina, esfena, moscovite com penina, sendo a matriz pouco abundante e o cimento formado por carbonatos e minerais siliciosos metamorfizados. Os arenitos vão desde finos a grosseiros com matrizes sericíticas e pelíticas, apresentando, por vezes, algum cimento silicioso. Observam-se grãos de quartzo e os fragmentos líticos são de quartzito, lidito, moscovite e xisto da dimensão areia fina a média. UTS D – (Simples; UTS D1 e UTS D2) Constituída por camadas e leitos alternantes de xisto e carvão. A UTS D1 apresenta, por vezes, intercalados nesta sequência, alguns corpos lenticulares formados por conglomerados ou por arenitos grosseiros. Os arenitos são compostos por uma matriz pelítica sericitizada, por grãos de quartzo angulosos a subangulosos e fragmentos líticos angulosos a subangulosos de quartzito, micas e xisto. Os xistos apresentam uma matriz argilo-carbonosa com micas clásticas muito abundantes. Na UTS D2, embora o registo sedimentológico seja similar à UTS D1, aparecem, com maior frequência, lentículas de corpos areno-conglomeráticos. Contudo, são menos possantes que o da UTS D1. O xisto apresenta uma matriz pelítica com algumas micas clásticas e com lâminas e detritos carbonosos. Nesta camada, por vezes, o próprio carvão era designado no campo como “carvão sujo”, uma vez que a sua classificação petrográfica 45 corresponde a um argilito carbonoso composto por uma matriz carbonosa e serícitica englobando clastos de lidito e de quartzo e leitos de clorite com carvão no interior. Estudos realizados neste sector (e.g. Pinto de Jesus, 1987; Lemos de Sousa, 1978; Wagner et al., 1984; EDM, 1983/1987) comprovaram que os complexos de carvão eram mais possantes próximo da superfície e que, muitas vezes, desapareciam com a profundidade. Outros dados importantes, que não poderiam deixar de ser referidos, dizem respeito à circunstância de a frequência e possança diminuírem para sudoeste em direcção ao rio Arda e a granulometria diminuir em profundidade. Também é importante salientar a conclusão salientada por Pinto de Jesus (2001): “os sedimentos que se depositaram na BCD resultaram de processos meteóricos em que a componente de meteorização química foi claramente predominante. Assim se justifica a quase total ausência de feldspatos, a forte componente sericítica e, ainda, a presença de cimentos carbonatados e siliciosos”. Esta conclusão é de extrema importância para o desenvolvimento posterior deste trabalho aquando do estudo da modelação geoquímica. 3.3.4 Composição do Carvão da mina de Germunde O carvão é, essencialmente, uma rocha sedimentar formada como resultado da alteração de restos de plantas ou vegetais acumulados através de processos biológicos, físicos e químicos que ocorrem durante e depois do seu soterro. O carvão é uma mistura complexa de componentes orgânicos e inorgânicos, cujas proporções dependem do tipo de carvão. Os seus maiores constituintes são carbono, hidrogénio, oxigénio, nitrogénio e quantidades menores de enxofre e outros elementos (Dutta, 1971). O grau de alteração ou de metamorfismo a que esses depósitos foram submetidos determina o seu grau de incarbonização. É de consenso entre os investigadores que o processo de formação do carvão através do soterro de plantas envolve 2 fases: o processo bioquímico de transformação dos restos das plantas em turfa chamada humificação e o período geoquímico onde se dá a conversão da turfa em carvão conhecido como incarbonização (Pant e Murty, 2004). A classificação dos carvões é muito complexa; por isso, apenas se apresentam as características dos carvões que levam a entender, principalmente, as suas análises químicas. Para o efeito, recorreu-se aos estudos desenvolvidos na BCD por Lemos de Sousa (1973, 1978, 1984, 1985) e Lemos de Sousa e Pinheiro (1999). 46 A Classificação Internacional dos Carvões em Camada da CEE - Nações Unidas baseia-se nos três critérios que, actualmente, permitem definir a qualidade de um combustível sólido (Lemos de Sousa, 1985; Lemos de Sousa e Pinheiro, 1999): • composição petrográfica: é o parâmetro relacionado com a natureza dos fragmentos vegetais e as condições de depósito. Refere-se aos valores obtidos na análise maceral em termos de “composição em grupos macerais”, isto é, às percentagens, em volume, calculadas “sem matéria mineral”, dos grupos da vitrinite, da liptinite e da inertinite; • grau (de incarbonização ou de carbonificação): é o atributo respeitante ao estado de evolução do carvão atingido no decurso do processo natural chamado incarbonização. É o principal atributo dos carvões permitindo, essencialmente, a sua classificação; • categoria: é o parâmetro que nos fornece informações relativas à quantidade de matéria mineral presente no carvão. O Grau é a característica de um carvão que traduz o estado por ele atingido no decurso do processo de incarbonização. Com efeito, é por incarbonização crescente que a matéria vegetal da turfa se transforma, na ausência mais ou menos completa de ar, primeiro em “carvão de grau inferior” (lignite), depois em “carvão de grau médio” (carvão betuminoso) e, sucessivamente, em “carvão de grau superior” (antracite) (Lemos de Sousa, 1985). O carvão pertencente à Bacia Carbonífera do Douro é um carvão que sofreu um elevado grau de incarbonização, ou seja, um “carvão de grau superior” (meta-antracite). O grau, todavia, não é uma grandeza que possa ser directamente medida. Assim, para o determinar, é necessário recorrer a propriedade físicas e/ou químicas (designadas por parâmetros do grau) cuja variação seja significativa no decurso da incarbonização e que sejam possíveis de quantificar. Das propriedades existentes consideram-se os seguintes: • parâmetros químicos de grau: análise imediata (teores em humidade, cinzas, voláteis e carbono fixo), análise elementar (teores em carbono, oxigénio, hidrogénio, azoto e em halogéneos), poder calorífico superior e índice de intumescimento; • parâmetros físicos do grau: poder reflector máximo (ou médio) da huminite-vitrinite, espectro de fluorescência da exinite, microdureza Vickers ou Knoop da vitrinite e densidade do vitrino ou do carvão global. 47 Destes parâmetros apenas a análise imediata (mais precisamente o teor em voláteis), e a análise elementar são importantes para o estudo hidroquímico que se irá realizar (Tabela 3.2). Tabela 3.2 Resultados experimentais obtidos por Lemos de Sousa (1973) na determinação da análise química das antracites do Couto Mineiro do Pejão do subsector Germunde - Serrinha Nº Amostra Camada 168/181 1ª 230/239 1ª 240/248 1ª 252/254 1ª 266/273 4ª 274 1ª 275/279 4ª 286/289 4ª ** isento de humidade. Prof. (m) % H2O % Cinzas 232,60 235,50 235,50 201,00 175,00 224,00 155,00 210,00 2,80 3,90 3,80 4,80 3,80 4,00 4,60 4,20 1,60 4,80 1,40 3,40 2,10 1,40 1,80 2,50 % Mat. Volátil 2,24 2,84 2,13 2,38 2,15 2,54 2,04 2,05 Carvão seco sem cinzas ** % % % Carbono Hidrogénio Oxigénio 95,83 95,48 96,65 96,07 95,81 95,54 96,23 96,21 1,32 1,37 1,42 1,24 1,12 1,32 1,22 1,33 1,32 - As percentagens de carbono entre 95,92% e 96,75% e de hidrogénio entre 1,12% e 1,42% permitem confirmar a posição dos carvões da Bacia Carbonífera do Douro no topo da escala da incarbonização (Lemos de Sousa, 1973). O estudo da Categoria de um carvão é muito importante uma vez que permite identificar a componente mineral que se encontra associada à matéria orgânica. Aquela pode apresentar-se sob diferentes formas (Lemos de Sousa, 1978, 1979a, 1985): • cinzas vegetais – representam os constituintes inorgânicos do material vegetal primitivo; • estéreis intercalares das camadas de carvão; • inclusões minerais inseridas na massa do carvão no decurso da formação (singenéticas) ou depositadas, posteriormente, em fendas ou fissuras (epigenéticas). • rochas encaixantes (tecto ou muro) da camada de carvão; • “tonsteins”; • “coal balls” que correspondem a concreções que ocorrem nas camadas e nos encaixes próximos. Entre os minerais estéreis intercalares das camadas de carvão são muito comuns os minerais de argila. São as inclusões minerais inseridas na massa de carvão que permitem uma definição quantitativa, ao microscópio, da matéria mineral presente num carvão (Lemos de Sousa, 1978, 1985). As principais inclusões minerais identificáveis ao microscópio são minerais de argila (caulinite, ilite, sericite, clorite), carbonatos (concreções de siderite-anquerite, 48 dolomite, calcite), sulfuretos (pirite, marcassite, blenda, galena, calcopirite), óxidos (hematite, goethite), quartzo, calcedónia, fosfatos (apatite, fosforite), biotite, minerais pesados (zircão, rútilo, turmalina) e diversos tipos de cloretos, sulfatos e nitratos. Outros estudos foram realizados na BCD para determinar os minerais e elementos químicos presentes no carvão. Brito (1955-1956) realizou o estudo espectrográfico qualitativo e semiquantitativo das cinzas de antracites portuguesas. As amostras foram recolhidas de modo a representarem as diferentes camadas e, também, a sua variação dentro da camada. Assim sendo, foram analisadas amostras a tecto e a muro de cada uma das camadas de carvão dos 4 complexos de carvão existentes na mina. A metodologia analítica utilizada encontra-se descrita no artigo mencionado. Convém, no entanto, salientar que, com a técnica utilizada, se determinam os elementos que existem no produto proveniente da incineração do carvão propriamente dito e da calcinação dos terrenos com que estavam misturados. No total, foram analisadas 31 amostras e investigados 40 elementos. Em todas as amostras, foram identificados, em percentagens elevadas, Si, Al e Fe. Para além destes, em todas as amostras, foram encontrados nas cinzas, em percentagens muito pequenas, os seguintes elementos: As, B, Ba, Be, Ca, Co, Cr, Ga, Mg, Mn, Na, Ni, Pb, Ti, Va, Cu e o Sn. Outros elementos não foram identificados em todas as amostras: o Li em duas, o Mo em quatro, o Sr em duas e o Zr em cinco. A Ag, apenas, foi observada em 13 amostras. Para além destes elementos químicos, foram analisados, mas não identificados em nenhuma das amostras: Au, Bi, Cd, Ge, Hg, In, Nb, Rb, Sb, Ta, W, Zn e La. Lemos de Sousa (1979b) efectuou o estudo geoquímico das perantracites durienses e apresenta o resultado das determinações quantitativas de elementos menores correspondentes às cinzas vegetais, constituintes inorgânicos do material vegetal primitivo (Tabela 3.3). As amostras estavam localizadas no Couto Mineiro de São Pedro da Cova que corresponde ao sector norte da Bacia Carbonífera de Douro. O método analítico seguido foi de espectrografia de emissão e as técnicas de trabalho encontram-se descritas em Alpern e Morel (1968). Os dados diferem dos apresentados por Brito (1955-1956) uma vez que se referem, exclusivamente, aos elementos que se encontram ligados, simplesmente, à fase orgânica e correspondem a valores quantitativos. 49 Tabela 3.3 Resultados analíticos obtidos para as cinzas vegetais (In: Lemos de Sousa, 1979b) Nº amostra 16/18 28/31 36/39 77 101/103 104/107 204/211 308 312 Ca <100 ≅100 300 200 300 <100 <100 200 100 Mg 1600 1300 7800 8000 2800 1300 1400 2200 4400 Mo 117 104 <31 33 <31 53 170 <31 <31 Elementos menores nas cinzas (em ppm) V Co Cu Ni Pb Sr 460 44 440 370 115 260 370 44 240 320 102 316 125 45 160 320 38 280 156 105 270 450 40 230 90 <31 220 270 65 1000 350 77 210 380 35 550 700 110 370 390 135 180 100 <31 250 180 39 470 90 <31 140 105 <31 155 Ba 720 1000 900 510 3000 1500 490 1500 360 Cr 330 360 122 160 35 250 550 40 <31 Mn <31 <31 60 <31 <31 <31 <31 <31 <31 O Mg é o elemento químico dominante nas cinzas vegetais, ao contrário do Mn que apenas foi encontrado acima do limite de detecção numa amostra. As concentrações do Ba, V, Cr, e Sr das amostras analisadas são muito variáveis chegando a diferir uma ordem de grandeza entre elas. Os restantes elementos apresentam valores de concentrações mais parecidos entre as diferentes amostras. 3.4 Tectónica regional 3.4.1 Generalidades Em Portugal, o Carbonífero Superior terrestre encontra-se restrito a zonas internas (Zona Centro-Ibérica e Zona de Ossa-Morena), onde as bacias intramontanhosas se localizam ao longo das zonas de cisalhamento maiores com uma longa e intensa história de actividade tectónica vigente na Orogenia Varisca. As bacias intramontanhosas do Carbonífero Superior coincidem com longas zonas de estreitas depressões onde ocorreu uma forte subsidência que, ocasionalmente, permitiu a deposição de camadas de carvão. As zonas de subsidência desenvolveram-se durante fases tardias da deformação varisca no momento em que as zonas internas se encontravam sujeitas a um levantamento induzido pelo espessamento crustal originado pelas fases mais precoces de deformação, dando um carácter intramontanhoso a estas bacias. 3.4.2 Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão O Sulco Carbonífero Dúrico-Beirão (SCDB) constitui uma zona de cisalhamento complexa que esteve activa desde as fases precoces da Orogenia Varisca (Devónico médio a superior) até à instalação do maciço granítico de Castro Daire, no Pérmico (Domingos et al., 1983; Chaminé e Silva, 1997; Valle Aguado et al., 2000; Pinto de Jesus, 2001). Como já foi 50 referido anteriormente, a nordeste do sulco ocorre o Anticlinal de Valongo, encontrando-se a BCD preservada no sinclinal imediatamente a sudoeste. As camadas do Carbonífero superior encontram-se menos deformadas que os sedimentos subjacentes mais antigos, provavelmente, devido ao carácter pós-orogénico dos depósitos tipo molasso do Carbonífero superior relativamente às primeiras fases de deformação varisca. Todavia, estas bacias intramontanhosas foram afectadas pelas últimas fases tectónicas da Orogenia (durante o final do Carbonífero) que controlaram a sedimentação, dobraram os sedimentos depositados e lhes imprimiram a orientação NW - SE que possuem actualmente. Ao longo de toda a BCD é possível observar importantes acidentes de direcção NW SE. Estes acidentes coincidem em parte com a superfície axial do Anticlinal de Valongo (Domingos et al., 1983; Dias e Ribeiro, 1991; Pinto de Jesus, 2001). Para além deste, também se observa um outro importante sistema com orientação NE - SW com desligamentos esquerdos, quase perpendicular ao anterior. A sua origem está relacionada com as fases compressivas da orogenia (D1 e D3+4). Ulteriormente, nas fases tardi-variscas (tardi a pós D3+4) conducentes à fracturação frágil, dá-se uma variação no campo de tensões, passando a tensão compressiva máxima a assumir a orientação de, aproximadamente, N – S (Chaminé et al., 2004). A fracturação gerada nas fases precoces dúcteis é retomada como desligamentos frágeis conjugados segundo as orientações NE-SW (esquerdo) e NW-SE (direito), respectivamente. Ao mesmo tempo, desenvolvem-se grandes fracturas frágeis N-S, NNE-SSW, E-W e NNW-SSE (Domingos et al., 1983; Chaminé e Silva, 1993). 3.4.3 Estrutura da Bacia Carbonífera do Douro no sector Germunde-Arda A BCD apresenta-se tectonicamente escamizada sendo a sua principal estrutura tectónica o denominado cavalgamento ϕ1 (terminologia proposta por Pinto de Jesus (2001) em deferimento de ϕ2 (Lemos de Sousa, 1973; Domingos et al., 1983; Wagner et al., 1984; Pinto de Jesus, 1987; Freire, 1981; Freire, 1989; Chaminé, 1992)). Esta zona de cisalhamento comporta-se como uma falha dúctil com deslizamento oblíquo, de desligamento esquerdo e cavalgamento para sudoeste. Este acidente principal provocou a laminação das formações do Paleozóico inferior do flanco inverso do Anticlinal de Valongo e também das 51 camadas do topo da série do Carbonífero. Junto do Carbonífero, observa-se uma deformação mais intensa, com cisalhamento e xistificação mais penetrativa. No Sector Germunde-Arda (Figura 3.8), é possível observar outra estrutura tectónica importante, o cavalgamento ϕ4 (terminologia proposta por Pinto de Jesus (2001) em deferimento de ϕ2 (Lemos de Sousa, 1973; Domingos et al., 1983; Wagner et al., 1984; Pinto de Jesus, 1987; Freire, 1981; Freire, 1989; Chaminé, 1992)) que, aparentemente, apresenta características idênticas às do cavalgamento ϕ1, sendo este mais um dado que evidencia a “escamação” da BCD. No entanto, a sua componente de desligamento encontrase menos marcada, manifestando-se, assim, com menor intensidade. Isto sugere que o cavalgamento ϕ4 corresponde a uma ramificação do acidente cavalgante principal ϕ1. Geraram-se, deste modo, duas escamas neste sector. A escama inferior, compreende as litologias e respectivas litofácies correspondentes às UTS A1, B1, C1 e D1, com uma deformação interna menos intensa. A escama superior corresponde à duplicação de série carbonífera sendo constituída pelas litologias correspondentes às UTS A2, B2, C2 e D2 (Pinto de Jesus, 2001). Após interrupção provocado por ϕ4, há a registar a ocorrência de uma escama tectónica constituída pelo Paleozóico Inferior na base e Estefaniano C Inferior na parte superior, contactando estratigraficamente por descontinuidade sedimentar (Pinto de Jesus, 2001). Figura 3.8 Corte geológico esquemático do sector Germunde-Arda (Pinto de Jesus, 2001) 52 3.4.4 Fracturação Regional e Local O estudo da rede de fracturação fotointerpretada foi elaborado tendo como base as fotografias aéreas e as fotografias de satélite do Google Earth. Para além disso, a consulta de diversos trabalhos elaborados quer na área quer de âmbito regional foi fundamental (Rebelo, 1975; EDM, 1983/87; Chaminé, 1992; Gaspar et al., 1993; Pinto de Jesus, 2001). Foram reconhecidos na área (Figura 3.9): • acidentes sub-paralelos aos acidentes tectónicos maiores, isto é, paralelos ao megacisalhamento do SCDB com orientação NW-SE; • falhas N-S a NNE-SSW paralelos à falha de Entre-os-Rios, Gerês e Porto. Regionalmente, há o destaque de dois sistemas de fracturação regionais, como, também, foi observado por Chaminé et al. (2004): • sistemas NNE-SSW a N-S e o conjugado ESE-WNW a W-E; • sistema NW-SE e o conjugado NE-SE. Este último sistema é o principal responsável pela adaptação das linhas de água (Rebelo, 1975). A fracturação local é dominada pelo último sistema. No entanto, há outro sistema importante de lineamentos estruturais com orientação média NNE-SSW a NE-SW. Para além destas, devido descontinuidades (designadas por à subsidência mineira, originaram-se no terreno “quebras” na linguagem geológica-mineira). Estas constituem grandes superfícies de fracturação com deslocamentos relativos no terreno. Tendo em consideração que o problema da subsidência é muito importante para o trabalho em questão será desenvolvido a posteriori. 53 Figura 3.9 Sistemas de fracturação da área 54 3.5 A Exploração da Mina de Germunde O início da exploração, na área de Germunde, deu-se por volta de 1900. Todavia, só a partir de 1942 é que a exploração começou sem interrupção até ao seu fecho, no último dia do mês de Dezembro de 1994. Inicialmente, a exploração era feita por meio de trabalhos subterrâneos com acesso em flanco de encosta (pisos 185, 135, 85 e 35). Em 1961, procedeu-se à abertura do 1º piso totalmente subterrâneo, prosseguindo-se, a abertura dos pisos seguintes (do 2º até ao 9º). A distância vertical entre cada piso é de 50m do 1º ao 6º, enquanto que os pisos mais profundos (6º, 7º, 8º e 9º) são equidistantes de 60m (ECD, 1992). Cada um dos pisos possui uma galeria de rolagem, localizada subjacentemente ao jazigo e orientada segundo NW-SE, da qual partem travessas em direcção às camadas de carvão. As intersecções dessas travessas com as várias camadas de carvão são as que possibilitam o início dos trabalhos de preparação para os desmontes. De notar que as travessas dos pisos superiores (acima do 6º piso) não se encontram a uma equidistância constante, enquanto que nos pisos mais profundos (desde o 6ª piso) as travessas estão distanciadas 100 metros umas das outras (Figura 3.10). A Mina de Germunde era servida por 3 poços verticais: um poço de serviço (chamado Poço dos Materiais ou Poço de Germunde I) e um poço de extracção (chamado Poço de Germunde II) a NW e um poço de ventilação (Poço da Serrinha) a SE. 55 Figura 3.10 Esquema do interior da mina de Germunde (adaptado de Machado et al., 1970) A 1ª camada (UTS B1) foi explorada na sua totalidade até ao 3º piso e, a partir daí, passou a ser explorada em perfis isolados e com possanças pequenas. A exploração nas 2ª (UTS D1) e 3ª (UTS B2) camadas acabou praticamente ao nível 35, por volta do ano de 1965. A partir desse ano, procedia-se à exploração da 4ª camada (UTS D2) de carvão, situada a tecto da formação do Carbonífero (Figura 3.11). 56 Figura 3.11 Perfis longitudinais das 4 camadas de carvão exploradas. As zonas a preto correspondem aos locais onde se efectuou o desmonte do carvão. O ponteado corresponde a zonas estéreis (retirado de Pinto de Jesus, 2001) Um resumo dos diferentes métodos utilizados e suas variantes pode ser visto em Machado (1970) e em ECD (1990). A introdução de cada novo método de desmonte tinha como principal objectivo facilitar o trabalho de desmonte e transporte do carvão aumentando, assim, o rendimento da exploração. Até meados da década de sessenta, aproximadamente, foram utilizados, na mina, métodos de desmonte com enchimento das cavidades (“Cortes Horizontais Uniascendentes com Enchimento aos Pés”, “Método de Avanço Uniascendente por Frentes Inclinadas”). De notar que os enchimentos, nestes métodos de exploração, eram feitos através: • dos rejeitados da própria camada; • de terciários abertos a muro e a tecto de cada camada; • de escavações de superfície que, por sua vez, eram conduzidos em chaminés até aos desmontes. Após vários estudos, introduziu-se um método inovador designado por “Desmonte por Espinha”, onde deixa de haver enchimento posterior das cavidades. 57 O último método, inserido a partir de meados de 1966, chama-se o “Método de Exploração por meio de Abatimento de Chaminés Inclinadas” (Noronha e Ferreira, 1989). Consiste no abatimento do tecto em retirada a partir de chaminés inclinadas. O propósito fundamental deste método é conseguir o transporte do carvão desmontado, por gravidade, desde a frente da lavra até às galerias principais do piso em questão (ECD, 1995). 3.6 Subsidência Mineira Um dos graves problemas induzidos pela exploração das minas de carvão é a originada pela subsidência mineira. Denomina-se subsidência mineira ao conjunto de fenómenos de movimentação descendente de camadas do subsolo e da própria superfície do terreno devido à tendência do mesmo em preencher os espaços vazios que são originados pela lavra subterrânea. A exploração mineira provoca diversos efeitos à superfície dos terrenos que se manifestam quer na área de exploração quer nas áreas vizinhas. O processo de subsidência mineira ocorrido na mina de Germunde foi alvo de vários estudos de pormenor (ECD, 1990/1991/1992/1995). Desde sempre, a Empresa Carbonífera do Douro, ex-proprietária da Mina de Germunde, tentou procurar soluções para os problemas causados pela subsidência, tendo o cuidado de, ao longo dos anos, realizar um controlo sistemático da subsidência. 3.6.1 Efeitos da exploração à superfície Ao longo de todo o Couto Mineiro do Pejão, conforme atestam os diversos documentos existentes nos arquivos da Empresa Carbonífera do Douro, existiram manifestações superficiais induzidas pela actividade mineira (ECD, 1992 e 1995; Chaminé, 1992; Gaspar et al., 1994a). As primeiras verificaram-se a partir da década de 40, quando se iniciaram os trabalhos de topografia para acompanhamento de deslocamentos de marcos de referência. Em certos locais, levantamentos topográficos, efectuados em 1984, registaram aluimentos de terrenos até sete metros. À superfície, estes efeitos manifestam-se pela ocorrência de descontinuidades, vulgarmente, designadas por ”quebras” que não são mais do que grandes superfícies de fracturação onde se observam deslocamentos relativos do terreno sobre zonas limitadas da superfície. 58 Em termos de degradação ambiental, como consequência da subsidência, há que considerar três períodos: o primeiro entre 1900 e 1966, o segundo de 1966 até 1990 e o terceiro de 1990 até ao encerramento definitivo da mina de Germunde. Entre 1900 e 1966, a superfície foi pouco afectada, excepto em algumas áreas localizadas que foram intersectadas directamente pelos trabalhos mineiros. Com a alteração do método de desmonte (abatimento a partir de chaminés inclinadas) a partir de 1966, deixou de haver preenchimento dos vazios criados pela lavra, afectando, obrigatoriamente, o maciço rochoso sobrejacente e acentuando-se o processo de desabamento dos terrenos. Com a respectiva desarticulação e posterior consolidação do material desabado, este passou a ser o principal factor responsável pelo aluimento na vizinhança dos vazios e pela propagação da subsidência até à superfície. A partir de 1990, a exploração de carvão diminuiu de forma significativa. Consequentemente, a zona de subsidência deixou praticamente de se expandir. Os principais efeitos da subsidência, em termos da degradação ambiental, são: • assentamentos diferenciais, com reflexos nas edificações, redes de água, deslizamentos de taludes, esgotos e electricidade; • fracturas no terreno; • diminuição dos volumes de água nos aquíferos naturais. No sector de Germunde-Arda, as principais situações gravosas causadas pela subsidência mineira foram, fundamentalmente, prejuízos (ECD, 1995): • em habitações rurais e urbanas; • em caminhos; • em reservatórios, condutas de água e redes de saneamento; • em pequenas captações de água devido: - a desabamentos - a rebaixamento do nível freático inviabilizando de minas, poços e furos - a problemas de contaminação das águas das mesmas. A ECD foi, várias vezes, confrontada com estes problemas. Estas situações eram frequentes dado que a zona tem uma densidade populacional maior e a abertura de captações privadas para rega ou mesmo consumo ser um hábito, culturalmente, enraizado. O problema agrava-se quando se verifica o consumo destas águas uma vez que é um factor de risco imediato para a saúde pública. 59 Em termos de prejuízos globais, a Empresa tinha pago até Dezembro de 1991 cerca de 130 mil contos e estimava como custos máximos de indemnizações, correspondentes a um período de 20 anos após o encerramento da mina, cerca de 330 mil contos. Ainda hoje, após o encerramento da mina, existem problemas de degradação ambiental directamente relacionados com este fenómeno. 3.6.2 Influência dos factores geológicos e agentes naturais A subsidência mineira depende de vários factores como a geologia geral e hidrogeologia do maciço, das características geomecânicas dos materiais constituintes, da geometria das aberturas subterrâneas da exploração e do método de desmonte utilizado (Chaminé, 1992; Chaminé e Silva, 1993; ECD, 1995). O estudo da geologia de superfície é muito importante dado que permite determinar as causas de índole geológica que presidem à localização das descontinuidades no terreno. Os deslocamentos verticais que ocorrem ao longo delas são, na grande maioria dos casos, influenciados por qualquer tipo de anisotropia inicialmente existente, seja ele um contacto geológico entre formações de resistência geomecânica diferente, um plano de xistosidade ou de estratificação, uma fractura ou uma falha (Chaminé, 1992). Algumas minas de água localizadas na zona NE de Germunde (escavadas nos terrenos CXG em direcção ao Ordovícico, atingindo em alguns locais o contacto entre as duas litologias) foram locais de um estudo pormenorizado do fenómeno de subsidência uma vez que ofereciam condições privilegiadas para observar fracturas com pequenos assentamentos diferenciais (Gaspar et al., 1994b). As minas de água, em zonas de subsidência, mostram, claramente, sinais de movimentação. Aliás, quando estão abertas tendem a inclinar-se em direcção à saída, no sentido oposto ao Ordovícico, de modo a que a água possa circular livremente para fora. No entanto, quando estão afectadas pela subsidência, a saída mais afastada é mais pequena que a entrada. Pode-se observar que o movimento ocorre sempre ao longo de planos de falha preenchidos, geralmente, por argila, variando os pequenos assentamentos entre alguns milímetros até cerca de quinze centímetros. As secções de algumas minas de água sofreram rotação que se reflecte nos planos de movimentação das descontinuidades através de estrias. 60 3.6.3 Controlo Geológico-Estrutural da Subsidência Mineira Investigações efectuadas, no sector de Germunde-Arda, apontam para a existência de um controlo geológico-estrutural das descontinuidades provocadas pela subsidência mineira, tais como (Noronha e Ferreira, 1989; Chaminé, 1992; Chaminé e Silva, 1993 e 1997; Gaspar et al., 1994b; ECD, 1992 e 1995): • existência de uma relação directa entre o sistema de fracturação regional e a localização de algumas descontinuidades induzidas pela subsidência mineira aflorantes à superfície do terreno. De notar que, quando estas descontinuidades se aproximam das fracturas regionais, há um desvio da orientação principal média (NW – SE); por outro lado, as fracturas transversais à Bacia Carbonífera, de orientação média NE – SW, têm um papel preponderante no desvio de orientação sofrido por algumas quebras; • admite-se que as descontinuidades ocorrentes nos terrenos do Carbonífero sejam devido à exploração dos 1º, 2º e 3º complexos de camadas de carvão; de notar que estas descontinuidades aparecem, preferencialmente, a tecto de cada um dos complexos de carvão. Todavia, verificou-se o desenvolvimento de fissuras no seio do conglomerado de base do Carbonífero; • a maior descontinuidade de subsidência (designada por “Quebra Vertical”), que se prolonga por quase 1400m, ocorre nas unidades do Ordovícico com uma orientação média NW – SE concordante com o alinhamento geral do importante cisalhamento da bacia Carbonífera do Douro. Esta descontinuidade é uma consequência directa da exploração global dos quatro complexos de carvão (Noronha e Ferreira, 1989). É possível observar que, na parte noroeste desta descontinuidade de subsidência, existe uma falha local que controla o seu posicionamento; • as unidades do Ordovícico evidenciam comportamentos geomecânicos distintos dado que apresentam evidentes heterogeneidades litológicas entre si. Sendo assim, os contactos entre as diferentes formações, apresentando nítidos contrastes de competências, funcionam como planos de anisotropia favoráveis à instalação das descontinuidades induzidas pela subsidência. Como conclusão final da investigação geológica e geomecânica referida, salienta-se que a posição da grande maioria das descontinuidades do terreno sofreu, a par de um 61 controlo estrutural exercido pela fracturação regional, um forte controlo litológico que se manifesta pela diferença de competências dos materiais. Do exposto, verifica-se que o controlo geológico-estrutural é da maior importância, quer para o estudo da subsidência mineira, quer para o estudo da hidrogeologia, uma vez que permite determinar locais onde poderão ocorrer afluxos ou exsurgências de água. Assim, a subsidência mineira relaciona-se intimamente com a hidrogeologia presente num determinado maciço rochoso, isto é, as deformações podem criar direcções preferenciais para o fluxo das águas do subsolo, quer nos planos de fracturação, quer nos deslocamentos entre as camadas, transformando o comportamento vigente. Tal modificação, por sua vez, pode alterar os valores da subsidência, quer pela transformação das características de preenchimento das fracturas quer pelo aumento das tensões efectivas em depósitos superficiais inconsolidados. Geologicamente, o factor tempo também precisa de ser considerado, visto que poderá haver uma modificação das propriedades dos materiais rochosos, induzindo, posteriormente, movimentos superficiais (ECD, 1995). A superfície final de subsidência só é detectável muito tempo depois do término da lavra. Neste caso concreto, os últimos trabalhos efectuados sobre a subsidência mineira aconselham a continuação da investigação, dado que à data dos últimos trabalhos, ainda, não era possível prever a área de superfície final de influência da subsidência. Segundo ECD (1992), as tonelagens totais de carvão extraídas por abatimento entre o 1º Piso (iniciado em 1966) e o 7º Piso (avaliação feita até finais de 1991) equivalem a um total de 4.500.000 m3. O cálculo da soma dos volumes de vazios representados pelas galerias e travessas sujeitas ao desabamento é de cerca de 350000 m3, o que representa, apenas, cerca de 8% do volume total de subsidência em 1991. Vários métodos computacionais de subsidência mineira foram aplicados (ECD, 1992; Dutra, 1993; ECD, 1995) de modo a tentar prever a superfície final de subsidência. Todavia, em todos os trabalhos realizados até meados da década de 90, não foi possível relacionar a profundidade de exploração com as descontinuidades de superfície e o intervalo de tempo entre ambas. A análise dos resultados de acompanhamento dos fenómenos de subsidência aponta para um comportamento não-linear da migração dos vazios em função do tempo e da profundidade (ECD, 1992). Segundo Dutra (1993), da correlação dos volumes explorados com os volumes de subsidência pode-se concluir que a quase totalidade dos vazios criados 62 por uma nova exploração alcança a superfície num intervalo de tempo relativamente pequeno. A explicação para tal facto é provavelmente o alto grau de fragmentação a que o maciço foi submetido. Os problemas de subsidência na área da mina foram reanalisados em 1999 a fim de determinar as características de evolução após o encerramento. Ficou demonstrada, com base nos levantamentos topográficos, que o fenómeno ainda estava a decorrer mas comprovou-se a tendência geral para de decréscimo do fenómeno. Daquela data, previa-se que em alguns anos o mesmo se anularia (Dinis da Gama, 2000). 63