ESTABILIDADE ESTRUTURAL DE REVESTIMENTOS DE ALUMINETOS DE
NÍQUEL DEPOSITADOS POR PLASMA POR ARCO TRANSFERIDO COM PÓ
ATOMIZADO
Ana Caroline Crema de Almeida*
Marjorie Benegra**
RESUMO
Os aluminetos de níquel possuem propriedades que os tornam adequados para uso
em componentes submetidos a temperaturas elevadas. Devido à estrutura ordenada
desse composto, mantém a resistência mecânica a altas temperaturas, o que não
ocorre com as ligas convencionais. O alumínio presente forma uma camada de óxido
passivante que protege a superfície da oxidação. O presente trabalho objetiva verificar
a estabilidade microestrutural de revestimentos de aluminetos de níquel depositados
por plasma por arco transferido (PTA) com pó atomizado. Para tal, foram utilizados pós
atomizados provenientes da liga Ni-Cr-Al-C fundida que foram depositados por PTA.
As amostras foram cortadas, submetidas a diferentes temperaturas (600, 800, 1000
e 1200-ºC), por tempos diferentes (1, 6, 24 e 72h), e, em seguida, foram cortadas,
embutidas e atacadas. As análises foram feitas com microscopia eletrônica de varredura,
microscopia óptica, dureza Vickers e análises químicas por EDS. Observou-se que a
liga Ni-Cr-Al-C é estável quando exposta a altas temperaturas somente nas primeiras
horas, conforme o tempo de exposição aumenta, surgem precipitações de novas fases,
além de se notar uma queda na dureza das amostras.
Palavras-chave: Aluminetos de Níquel. Estabilidade microestrutural. Intermetálicos.
Plasma por arco transferido (PTA). NiCrAlC.
* Aluna do 4º ano de Engenharia Mecânica (UFPR). Orientadora do Programa de Apoio à Iniciação Científica
(PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
**Doutora em Materiais (USP). Coordenadora de Engenharia de Produção e Professora da FAE Centro
Universitário. E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
361
INTRODUÇÃO
Os metais encontrados na natureza aparecem, na maioria das vezes, como produtos
da corrosão, ou seja, na forma de óxidos, sulfetos, etc. Assim, o processo corrosivo de
oxidação é uma maneira que o material tem para retornar a sua forma de origem, que é
a mais estável (LIU; STIEGLER,1992; MEIER, 1989).
Os metais utilizados na indústria necessitam de alto investimento financeiro para se
tornarem adequados para o uso, e a corrosão se torna um prejuízo. Com exceção do ouro,
todos os metais puros e ligas são instáveis ao ar à temperatura ambiente, eles tendem a
formar camadas de óxidos na interface ar-metal por difusão. Altas temperaturas aceleram
o processo de oxidação.
O nome superliga indica que foram utilizados vários elementos para criá-la e sua
classificação é de acordo com o elemento que aparece em maior quantidade. As superligas
de Níquel apresentam excelente resistência mecânica em uma vasta faixa de temperaturas.
Sua estrutura cristalina é cúbica de face centrada (CFC), e a microestrutura, austenítica é
conhecida como fase y.
Não há mudança de fase desde a temperatura ambiente, até a temperatura de
fusão. Essa característica permite que as superligas sejam utilizadas em várias temperaturas.
A estrutura do tipo CFC possui alta capacidade de manter resistência à tração, à ruptura e
boas propriedades de fluência. Outras características são: excelente módulo de elasticidade
e a alta difusividade que os elementos de adição possuem nesse tipo de matriz.
As ligas de Níquel são endurecíveis principalmente por solução sólida e por
precipitação de carbonetos e de fases intermetálicas, que podem surgir durante o tratamento
térmico ou mesmo durante o prolongado serviço em temperaturas elevadas. As fases
intermetálicas são fases que se formam pela ligação entre dois ou mais metais com razão
estequiométrica definida (BENEGRA 2010).
As propriedades da matriz austenítica (CFC) rica em Níquel, já são favoráveis para
a excelente resistência das superligas às altas temperaturas, no entanto, ao acrescentar
determinados elementos, essas propriedades são reforçadas.
Com a adição do Cromo, há uma melhora significativa na resistência oxidaçãocorrosão em altas temperaturas. O Cromo é capaz de formar uma camada de óxido Cr2
O3 que é aderente e não altera a estrutura da liga. Essa camada se comporta como uma
proteção que não permite que a corrosão se expanda. O comportamento desse óxido é o
mesmo dos aços inoxidáveis, no entanto, para que o Cromo forme esse óxido, é necessário
que sua composição esteja entre 10 e 30%. O Cromo é o único elemento capaz de reduzir
os efeitos da oxidação na superliga, os outros elementos são adicionados com o intuito de
melhorar as propriedades mecânicas.
362
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O Alumínio e o Titânio, quando adicionados à superliga, formam a fase intermetálica
y’ (Ni3 (Al,Ti)) ao se combinarem com o Níquel. Essa fase é responsável pelo endurecimento
das superligas e é muito estável do ponto de vista termodinâmico. Portanto, a resistência
mecânica da superliga depende fortemente das características da estrutura das partículas dessa
fase y’, ou seja, característica como: quantidade, formato, tamanho, etc. Os precipitados
da fase y’ são tão finos que somente podem ser observados por microscopia eletrônica, de
varredura e de transmissão.
A fase y’ não tem amolecimento de grande importância com o aumento da
temperatura (ao contrário da matriz y), podendo até endurecer, ou seja, a temperatura não
influencia a origem da elevada resistência mecânica. Porém, essa fase não pode ser exagerada,
por ela possui uma ductilidade muito inferior à fase y.
Outros elementos como Tântalo, Nióbio, Molibdênio, Tungstênio e o Cromo também
podem formar a segunda fase y’, sendo os três últimos em menor quantidade. A composição
química da fase y’ dependerá dos elementos substitucionais. Os átomos de Níquel podem
ser substituídos parcialmente por átomos de Cobalto, e os átomos de Alumínio podem ser
substituídos parcialmente por átomos de Titânio, em maior escala, e por Nióbio, Vanádio, e
Tântalo, em menor escala. Elementos, como Molibdênio, Cromo e o Ferro, podem substituir
parcialmente tanto o Níquel como o Alumínio (SIMS; HAGEL, 1972).
A adição de Carbono serve basicamente para aumentar a dureza da liga, no entanto
algumas porções de Carbono são muito difíceis de serem retiradas da liga e acabam
permanecendo. O Carbono reage com os elementos da liga formando carbetos, estruturas
resultantes da união de Carbono com metal. Esses carbetos limitam o movimento dos
contornos de grão em altas temperaturas, assim, seu crescimento ocorre preferencialmente
nos contornos.
Yoshimura e Goldenstein (1996) desenvolveram uma nova família de liga a base
de Níquel chamada Ni-Cr-Al-C, composta por uma matriz intermetálica Ni3Al e dispersão
de carbonetos de Cromo com fração volumétrica entre 5 e 10% (SILVA, 2006). O intuito
inicial era ter um material competitivo com as ligas de Cobalto pelo alto custo e/ou ligas de
Ferro Fundido de Alto Cromo. Esses dois tipos de liga já eram muito utilizados, mas perdiam
resistência a altas temperaturas.
Kunioshi et al. (2005) fizeram um estudo preliminar de oxidação nas ligas NiCrAlC
e compararam os resultados com Stellite 6 e uma liga ferrosa empregada na indústria
petroquímica. Os resultados indicaram que o Stellite 6 teve menor ganho de massa em
relação ao Ni-Cr-Al-C, e a taxa de oxidação de ambos foram semelhantes a 700ºC, porém o
óxido formado na liga Stellite 6 foi menos aderente. Em relação à liga ferrosa, esta apresentou
menor resistência à oxidação do que a Ni-Cr-Al-C em temperaturas superiores a 900ºC.
Outros ensaios de desgaste, carburação e erosão, feitos nas ligas fundidas, revelam
que essa família de ligas pode ser de grande interesse comercial. Benegra et al. (2010)
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depositaram pó atomizado de Ni-Cr-Al-C por aspersão térmica a chama hipersônica (High
Velocity Oxigen Fuel – HVOF). Esses revestimentos mostraram maior resistência à corrosão
do que o substrato de AISI 316L em solução aquosa HCl 5% a 40ºC. Além disso, sua taxa
de desgaste abrasivo foi muito menor que as descritas na literatura para materiais fundidos
de mesma composição, e somente uma ordem de grandeza maior que a liga Ni-Cr-Al-C
fundida e tratada termicamente (envelhecida).
Apesar de as Ni-Cr-Al-C’s apresentarem propriedades tão boas ou melhores do
que o Stelitte 6 e o Ferro Fundido Branco de Alto Cromo (FFBAC), essas ligas contam com
grande dificuldade em sua confecção como fundidas inviabilizando seu uso comercial.
Uma maneira de aproveitar o potencial dessa família de materiais sem precisar fundi-lo,
seria processá-lo para sua utilização como revestimento.
O plasma por arco transferido (Plasma Transferred Arc – PTA) é um processo de
aspersão térmica com características de soldagem, utiliza material em forma de pó para
alimentação, o que permite a deposição de diversas ligas e possui uma fonte de calor, tal
que, proporciona a fusão superficial do substrato, diluindo parte dele no revestimento
(BENEGRA, 2010). O PTA tem vantagem sobre a deposição a laser, por apresentar taxas
de resfriamento menores, o que faz com que os precipitados sejam mais estáveis quando
submetidos a altas temperaturas, além de poder produzir cordões mais largos e ser um
processo mais barato que o laser (BENEGRA, 2010).
Em relação aos outros processos de soldagem, o PTA tem a vantagem de empregar
menor energia no processamento diminuindo a diluição e a zona termicamente afetada.
Além disso, em revestimentos processados por PTA, observa-se que a variação de
composição na zona diluída da superfície até o substrato é abrupta, o que garante um
revestimento com características mais parecidas com a liga depositada do que o observado
em outros processos de soldagem, em que a variação de composição é praticamente linear
ao longo do perfil diluído. Estudos anteriores comprovam a possibilidade de se obter por
PTA revestimentos intermetálicos espessos, com boa qualidade e soldabilidade (BAZZI;
D’OLIVEIRA, 2004).
O objetivo deste estudo é avaliar a estabilidade estrutural de aluminetos de Níquel,
obtidos por PTA com pó atomizado, tratados em diferentes temperaturas e tempos.
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2
2.1
MATERIAIS E MÉTODOS
MATERIAIS PARA CONFECÇÃO DOS REVESTIMENTOS
Os materiais e os métodos utilizados na confecção dos revestimentos encontram-se
no trabalho de Benegra (2010). A metodologia explicada neste trabalho refere-se à parte
realizada pela aluna nos laboratórios.
Para melhor entendimento dos resultados expostos, a Tabela 1 apresenta a
composição química do substrato em que o cordão de PTA foi depositado e a Tabela 2
apresenta a composição química da liga Ni-Cr-Al-C. O único parâmetro que variou no
PTA foi a intensidade da corrente utilizada (130 e 160 amperes).
TABELA 1 – Composição química do aço inoxidável AISI 316L, fornecida pelo fabricante
FONTE: Benegra, 2010
TABELA 2 – Composição química da liga Ni-Cr-Al-C
FONTE: Benegra, 2010
2.2
ENSAIO DE ESTABILIDADE MICROESTRUTURAL DOS REVESTIMENTOS
Foram cortadas 16 amostras da liga atomizada depositada com 130 A, nomeadas
como ATM130, e 16 amostras da liga atomizada depositada com 160 A, nomeadas
como ATM160. As amostras possuíam, em média, 4 mm de espessura. Foi utilizada uma
cortadeira da Struers do modelo Discotom-6. Após obter as 32 amostras cortadas, elas
foram submetidas à temperatura em forno mufla da marca Jung e modelo 9612. Cada
amostra da liga ATM130 e da ATM160 foram tratadas em temperaturas e tempos diferentes,
como mostra a Tabela 3.
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TABELA 3 – Tratamentos térmicos realizados
Temperatura
(ºC)
600
800
1000
1200
Tempo (horas)
1
ATM 130 e ATM 130
ATM160 e ATM160
ATM 130 e ATM 130 e
ATM160
ATM160
6
ATM 130 e ATM 130
ATM160 e ATM160
ATM 130 e ATM 130 e
ATM160
ATM160
24
ATM 130 e ATM 130
ATM160 e ATM160
ATM 130 e ATM 130 e
ATM160
ATM160
72
ATM 130 e ATM 130
ATM160 e ATM160
ATM 130 e
ATM160
----
FONTE: Elaboração própria
Assim que retiradas do forno, cada amostra foi embutida a quente com o auxílio da
máquina da Struers, modelo CitoPress-20. Em seguida, os corpos de prova foram lixados
nas lixadeiras Struers, do tipo LaboPol-25, utilizando-se lixas de granulometria #220, #320,
#500 e #800, nessa ordem. O polimento foi a próxima etapa, realizado nas máquinas da
Struers, modelo LaboPol-5, até 1µm com pasta de diamante.
2.3MICRODUREZAS
As microdurezas foram feitas, com um microdurômetro Wilson Instruments, modelo
402MVD, e a carga utilizada nas amostras estudadas, foi de 500 gf.
Três perfis foram feitos na secção longitudinal de cada amostra, cada um contendo
cinco medidas no revestimento. No substrato, foram feitas três medidas, porque não houve
variação significativa na dureza entre as endentações feitas no substrato. O espaçamento
entre as impressões variou de 0,30mm.
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A Figura 1 esquematiza as medições.
FIGURA 1 – Esquema dos perfis de microdurezas feitos na secção longitudinal das amostras
FONTE: Elaboração própria
Para que a estrutura das amostras pudesse ser analisada microestruturalmente, foi
necessário realizar o ataque das peças. Houve inúmeras tentativas de atacar as amostras
com o reagente Marble (que foi o utilizado na tese de doutorado que deu origem a este
trabalho). No entanto, as amostras foram queimadas e não tiveram sua estrutura revelada.
Após todas as tentativas, optou-se pelo ataque eletrolítico, que revelou com clareza a
estrutura das amostras.
Após o ataque eletrolítico, as amostras foram enviadas ao Laboratório de Microscopia
Eletrônica de Varredura do PMT/EPUSP, onde foram obtidas algumas imagens; e a outra
parte das imagens foi feita com o Microscópio Axiovert 40 MAT, do Laboratório de Análise
Metalográfica da FAE Centro Universitário. Na USP também foram realizadas as análises
químicas qualitativas feitas por espectroscopia de energia dispersiva (Electron Dispersive
Spectroscopy - EDS).
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367
3
RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Figura 2 apresenta a microestrutura com a vista geral de uma amostra da liga
NiCrAlC, na qual é possível observar a estrutura dendrítica, típica da liga.
FIGURA 2 – Estrutura dendrítica da liga NiCrAlC
FONTE: Elaboração própria
Observando as primeiras amostras tratadas na temperatura de 600ºC (Figura 3A),
percebe-se que há a precipitação de carbonetos, possivelmente de cromo.
Os carbonetos são as regiões pontuais mais escuras da estrutura. Esse padrão se
mantém em todas as amostras submetidas a 600ºC, e em quase todas submetidas a 800ºC
(Figura 3B).
FIGURA 3 – Micrografias das amostras ATM 130 tratadas a 600ºC por 1 e 6 horas (A), e a
800ºC, por 24 horas (B)
ATM130 – 600°C – 1 e 6 horas
ATM130 – 800ºC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
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Ao observar a micrografia das bordas da amostra submetida a 800ºC por 72 horas
(Figura 4), é perceptível o surgimento de uma camada de oxidação que ainda não estava
presente no tratamento de 24 horas (Figura 3B).
O resultado da EDS da camada de óxido apresenta um valor muito alto
para a quantidade de alumínio (~51,76), isso permite concluir que esse óxido é
preferencialmente alumina.
FIGURA 4 – Micrografia da amostra ATM 130 tratada a 800ºC por 72 horas, e a respectiva análise
química (EDS) de sua camada de óxido
ATM130 – 800ºC – 72 horas
FONTE: Elaboração própria
Nas amostras de 1000ºC, como esperado, houve um aumento considerável da
camada de óxidos (Figura 5). Em detalhe, os pontos 1 e 2 são da região dendrítica e
interdendrítica, e suas análises químicas são comparadas com a análise da camada. Há
muito alumínio na camada, e a quantidade de ferro é menor do que a que se encontra nos
pontos 1 e 2, concluindo que a camada de óxido também é preferencialmente de alumina.
FIGURA 5 – Micrografias da amostra ATM 130 tratada a 1000ºC por 72 horas, e as análises
químicas de cada região
ATM130 – 1000ºC – 72 horas
FONTE: Elaboração própria
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Nas amostras tratadas a 1200ºC (Figura 6A), surgiram precipitações globulares, que
se repetem nos três tempos de tratamento para essa temperatura. Essas precipitações ainda
são desconhecidas e necessitam de mais estudos para serem identificadas.
FIGURA 6 – Micrografias das amostras ATM 130 tratadas a 1200ºC por 1 hora (A) e 24 horas (B)
ATM130 – 1200°C – 1 hora
ATM130 – 1200ºC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
Nos corpos de prova tratados a 600ºC e 800ºC (Figura 7), a estrutura observada foi a
mesma para todos os tempos (assim como a ATM 130), com a precipitação de carbonetos.
FIGURA 7 – Micrografias das amostras ATM 160 tratadas a 600ºC e 800ºC por 1 hora
ATM130 – 1200°C – 1 hora
ATM130 – 1200ºC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
A partir de 1000ºC foi possível identificar as precipitações globulares nas amostras
de ATM 160 (Figura 8A), e na amostra de 72 horas (Figura 8B), os contornos de grão ficaram
visíveis. Na Figura 8B, observam-se os carbonetos que migraram para os contornos de grão,
que são as regiões de maiores falhas da amostra.
370
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FIGURA 8 – Micrografias das amostras ATM 160 tratadas a 1000ºC por 24 (A) e 72 (B) horas
ATM160 – 1000°C – 24 horas
ATM160 – 1000ºC – 72 horas
FONTE: Elaboração própria
Analisando os resultados da EDS para as camadas das amostras de 1200ºC
(Figura 9), é notável a grande quantidade de ferro que se acumulou.
FIGURA 9 – Micrografias das amostras ATM 160 tratadas a 1200ºC durante 1 (A) e 24 (B) horas
ATM160 – 1200°C – 1 hora
ATM160 – 1200ºC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
TABELA 4 _ EDS das camadas das amostras de 1200ºC
Pontos
O
Al
Cr
Fe
Ni
ATM 160 – 1200ºC – 1 hora
1
2
3
11,98
11,04
13,72
2,09
10,46
47,23
27,82
1,37
4,71
27,51
3,54
8,84
26,38
72,19
24,18
ATM 160 – 1200ºC – 24 horas
1
2
13,94
10,44
0,44
0,85
1,35
3,17
48,62
10,09
33,61
74,25
FONTE: Elaboração própria
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As micrografias das amostras ATM 160 tratadas a 1200ºC (Figura 10), continuaram
revelando a precipitação globular.
FIGURA 10 – Micrografias das amostras ATM 160 tratadas a 1200ºC durante 1 (A) e 24
(B) horas
ATM160 – 1200°C – 1 hora
ATM160 – 1200ºC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
Após a realização do ensaio de microdureza em todas as amostras, foram calculadas
as médias para cada conjunto de medidas e foi possível plotar o gráfico com os resultados
das durezas (Gráfico 1).
GRÁFICO 1 – Resultado de dureza dos revestimentos submetidos a
600, 800, 1000 e 1200°C, por tempos variáveis para
intensidades de corrente 130 e 160 A
FONTE: Elaboração própria
Analisando o gráfico, percebe-se que a dureza das amostras depositadas não variou
muito para as amostras submetidas à temperatura. No entanto, é visível uma variação na
dureza no tratamento de 1000°C tanto para as amostras depositadas com 130 A como com
160 A. De 1 a 24 horas, há um aumento progressivo seguido de uma queda na dureza
dos cordões depositados com ambas as intensidades de corrente. Isso pode ter ocorrido
pela precipitação e dissolução dos carbonetos respectivamente.
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Durante o tratamento de 1200°C, os valores da dureza mantiveram o valor medido
para o tratamento de 1000°C durante 72 horas. Como a queda na dureza ocorreu antes
de surgirem as precipitações globulares, provavelmente, essa nova fase não foi responsável
pela queda.
Com os resultados das análises químicas qualitativas feitas por espectroscopia de
energia dispersiva (Electron Dispersive Spectroscopy – EDS), foram plotados os gráficos que
indicam a variação da porcentagem de massa dos elementos de maior importância da liga.
Nos gráficos abaixo, não foi considerada a porcentagem de oxigênio.
A variação do Alumínio (Gráfico 2) foi muito pequena, e apenas nos tratamentos finais
a liga ATM 160 apresentou uma queda, enquanto a liga ATM130 aumentou a porcentagem.
GRÁFICO 2 – Variação da porcentagem de massa de alumínio durante os tratamentos térmicos
FONTE: Elaboração própria
Durante os tratamentos térmicos de temperaturas mais elevadas, observa-se o
aumento da porcentagem do Cromo (Gráfico 3) nos dois revestimentos. Esse fato pode
ter origem na elevada quantidade de Cromo no substrato (~16,62%), assim, ele acaba se
incorporando, devido à diluição.
GRÁFICO 3 – Variação da porcentagem de massa de cromo durante os tratamentos térmicos
FONTE: Elaboração própria
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A variação do Ferro (Gráfico 4) se manteve para as amostras ATM 16. Houve uma
pequena queda no tratamento de 6 horas, mas depois voltou a subir. Já nas amostras de ATM
130, verificou-se a queda na porcentagem de Ferro a partir de 24 horas de tratamento. Isso
pode ter ocorrido, porque nessa etapa foi formado óxido de ferro na superfície.
A amostra de ATM 160 possui mais Ferro em sua composição, por isso essa perda
é insignificante, e como o ATM 130 possui menos Ferro na composição, refletiu mais
claramente a perda.
GRÁFICO 4 – Variação da porcentagem de massa de ferro durante os tratamentos térmicos
FONTE: Elaboração própria
Em ambas as amostras (ATM 130 e ATM 160), a variação na porcentagem de Níquel
(Gráfico 5) se manteve e foi insignificante.
GRÁFICO 5 – Variação da porcentagem de massa de níquel durante os tratamentos térmicos
FONTE: Elaboração própria
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CONCLUSÕES
Com todos os dados obtidos, foi possível concluir que a liga Ni-Cr-Al-C é estável
quando exposta a altas temperaturas por um curto período de tempo. Porém, conforme
o tempo da exposição aumenta, surgem novas precipitações que alteram sua estrutura.
O surgimento dessas precipitações coincide com a queda da dureza das amostras, que se
mantém em seguida. No entanto, mesmo com a queda dos valores, a dureza ainda possui
um valor semelhante ao da liga depositada.
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REFERÊNCIAS
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BENEGRA, M. Desenvolvimento “IN SITU” de Aluminetos de Níquel por Plasma por Arco
Transferido Resistentes à Oxidação. 2010. 174 p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
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of NICRALC Alloys – A Preliminary study. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ABRASION
WEAR RESISTANT ALLOYED WHITE CAST IRON FOR ROLLING AND PULVERIZING MILLS,
2005, São Paulo. Anais. São Paulo: IPT, 2005. p. 213-225.
LIU, C.T.; STIEGLER, J.O. Ordered intermetallics. In: ASM HANDBOOK. 9th ed. Materials Park,
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uma nova família de ligas para fundição resistentes a altas temperaturas. In: CONGRESSO
ANUAL DA ABM, Porto Alegre, 1996. Anais. São Paulo: ABM, 1996. v. 2, p. 287-303.
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ESTABILIDADE ESTRUTURAL DE REVESTIMENTOS DE ALUMINETOS
DE NÍQUEL DESENVOLVIDOS IN SITU POR PLASMA POR ARCO
TRANSFERIDO (PTA)
Francine de Moraes Bozza*
Marjorie Benegra**
RESUMO
O presente trabalho objetiva verificar a estabilidade estrutural de revestimentos de
aluminetos de níquel desenvolvidos in situ por plasma por arco transferido (PTA),
baseados em uma liga NiCrAlC como referência. Para tal, foram utilizados cordões
depositados com misturas de pós elementares variando somente a intensidade de
corrente (100 A e 130 A), desenvolvidas por Benegra (2010). As amostras foram
submetidas a temperaturas de 600, 800, 1000 e 1200oC pelos tempos de 1, 6, 24 e
72 horas. Após os tratamentos térmicos, as amostras foram tratadas quimicamente,
submetidas a ensaios de microdureza e analisadas microscopicamente. Os resultados
mostraram que os revestimentos NiCrAlC ao serem submetidos à temperatura sofrem
oscilação nos valores de suas durezas e variação microestrutural, principalmente para
a menor temperatura de 600oC, sendo que para as demais a variação microestrutural
não refletiu consideravelmente na dureza.
Palavras-chave: Aluminetos de Níquel. Estabilidade microestrutural. Intermetálicos.
Plasma por arco transferido (PTA).
* Aluna do 4° ano de Engenharia de Produção da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Iniciação Científica
da Fundação Araucária. E-mail: [email protected]
**Doutora em Materiais (USP). Coordenadora do curso de Engenharia de Produção da FAE Centro Universitário. Professora
da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
377
INTRODUÇÃO
O crescente estudo das ligas a base de níquel tem como objetivo buscar uma
alternativa mais econômica para o desenvolvimento de equipamentos de conversão de
energia em sistemas avançados1, como turbinas de aviões, jatos, foguetes e vários outros
tipos de motores, com bom desempenho e confiáveis em altas temperaturas2.
Baseada nessa necessidade, foi desenvolvida a liga NiCrAlC, composta por Níquel,
Cromo, Alumínio, Carbono e pequenas adições de Boro. Essa família de ligas fundidas
busca combinar algumas propriedades das ligas a base de Níquel e dos ferros fundidos
brancos, juntamente com a característica do comportamento mecânico do composto Ni3Al3.
Embora essa família de ligas apresente boas propriedades, ainda existe muita dificuldade
para sua confecção como fundidas, o que torna o seu uso comercial inviável. Assim,
como alternativa para aproveitar o seu potencial, a liga pode ser processada, utilizando a
deposição por plasma por arco transferido, o qual deposita material em forma de pó em
um substrato, formando cordões4.
O PTA é um processo de aspersão térmica com características de soldagem, pois
possui uma fonte de calor que proporciona a fusão superficial do substrato, diluindo parte
dele no revestimento5. Além disso, possibilita a deposição de diversas ligas, devido ao fato
de utilizar pó para alimentação6
O principal objetivo de pesquisas relacionadas a essa família de ligas fundidas está
diretamente ligado ao interesse em desenvolver uma liga de níquel alternativa que não
perca sua resistência mecânica a temperaturas acima de 600°C. Além de ser uma alternativa
mais econômica, pois as ligas a base de cobalto, que são resistentes ao desgaste, possuem
instabilidade no preço do elemento7.
SILVA, 2006.
1
NASCIMENTO, 2007
2
SILVA, 2006.
3
BENEGRA, 2010.
4
BENEGRA, 2010.
5
GRAF, 2004.
6
SILVA, 2006.
7
378
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
1 CARACTERÍSTICAS DAS LIGAS DE NÍQUEL
A microestrutura do Níquel é austenítica de estrutura cristalina cúbica de face centrada
(CFC). E possui como propriedade alta resistência mecânica, alta ductilidade e capacidade
de diluir grande quantidade de elementos de liga, mantendo sua matriz austenítica8.
As superligas de Níquel possuem características diferenciadas, como alta capacidade
de resistência à tração e à ruptura9, alta resistência a elevadas temperaturas10 e corrosão11,
além de apresentar maior módulo de elasticidade e seus elementos secundários possuírem
alta difusividade em sua estrutura cristalina12. Sua alta resistência mecânica também é
resultante de sua alta solubilidade, dentre vários elementos de liga em sua microestrutura
austenítica e, sua capacidade de controlar precipitações de fases intermetálicas13. Quanto
ao endurecimento, pode ser acrescido com a formação de carbetos e por dissolução de
alguns elementos na estrutura por meio do endurecimento por solução sólida14.
O que torna as superligas adequadas para construções de equipamento com
resistência mecânica em média e alta temperatura é sua capacidade de endurecimento.
Além disso, outras características importantes presentes em algumas superligas são:
ductilidade, boa resistência ao impacto, à fadiga tanto de alto como de baixo ciclo, e a
fadiga térmica15. Essas características das superligas de Níquel a elevadas temperaturas
(ponto de fusão ~1453oC), como resistência mecânica e a corrosão, são alcançadas pela
adição de determinados elementos de liga16.
A alta resistência à corrosão ocorre com adição de Cromo, e o endurecimento
ocorre com a adição de Alumínio e Titânio. Esses dois elementos, quando combinados
com o Níquel, formam a fase γ’. Essa fase é responsável pelo endurecimento das superligas,
de modo semelhante ao endurecimento das ligas de Alumínio por precipitação, porém
é mais estável e resistente a altas temperaturas17. As características apresentadas pelas
partículas na fase γ’, como seu tamanho médio, quantidade, formato e sua distribuição,
CANGUE, 2007.
8
NASCIMENTO, 2007.
9
10
VALLE, 2010.
11
AZEVEDO; MOREIRA; JUNIOR SUPERALLOY, 2001.
12
NASCIMENTO, 2007.
13
SIMS; HAGEL, 1972.
14
NASCIMENTO, 2007.
15
SIMS; HAGEL, 1972; BROOKS, 1982.
16
SIMS; HAGEL, 1972.
17
BROOKS, 1982.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
379
são as principais responsáveis pela alta resistência mecânica, pois essas partículas induzem
a revelação de distorções em seu reticulado. Alguns dos elementos que favorecem esse
endurecimento são o Tântalo, Alumínio e o Nióbio18.
A alta resistência mecânica das superligas de Níquel em altas temperaturas acontece
devido ao fato da matriz γ’ possuir maior resistência ao aumento de temperatura, não
amolecendo de modo significativo, podendo também endurecer. No entanto, essa fase
apresenta como desvantagem uma ductilidade muito inferior quando comparada à sua
fase γ, fazendo com que a presença da fase γ’ não deva ocorrer de modo exagerado19.
Além da formação das fases γ e γ’, também ocorre a formação de carbetos, que
contribuem para o endurecimento das superligas de Níquel20. Os carbetos restringem o
movimento dos contornos de grãos em elevadas temperaturas, impedindo ou minimizando
o amolecimento causado pelo crescimento de grãos. Com isso, também ocorre o aumento
da resistência à fluência. Nas superligas, os carbetos estão presentes na condição fundida
e solubilizada, porém, como são muito instáveis, desaparecem com o envelhecimento21.
Outra fase que pode ser formada além dos carbetos é a dos boretos. O Boro é um
elemento essencial na produção das superligas e, geralmente, se localiza nos contornos
de grãos reduzindo a tendência ao rasgamento dos contornos durante o procedimento
que causa a ruptura22. Os boretos são caracterizados por serem partículas refratárias e
duras, apresentadas somente nos contornos de grãos23. Além disso, também atuam como
fontes de boro para os contornos, pois demonstram crescer de um contorno de grão para
o interior de um grão24.
Quando não ocorre o controle correto da composição química, podem surgir fases
indesejáveis que afetam as características mecânicas do material, principalmente durante
o processo de tratamento térmico. Dentre as fases que podem ser formadas, como fases
indesejáveis, têm-se a fase delta e as fases Topologicamente compactas (TCP – do inglês
Topologically Close-Packed Phases). Entre as fases topologicamente compactas, as fases
Sigma, Mu e Laves se sobressaem25.
SIMS; HAGEL, 1972.
18
REINALDO, 2008.
19
REINALDO, 2008.
20
SIMS; HAGEL, 1972.
21
SIMS; HAGEL, 1972.
22
REINALDO, 2008.
23
SIMS; HAGEL, 1972.
24
SIMS; HAGEL, 1972.
25
380
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
As fases TCP são formadas por camadas compactas de átomos em forma de redes,
apresentando textura em zigue-zague de cestos, alinhadas com os planos octaédricos da
matriz CFC. Essas fases prejudiciais comumente se apresentam como plaquetas finas que
geralmente se nucleiam nas partículas de carbetos presentes nos contornos de grãos26.
Tanto a fase sigma como a fase Mu e a Laves apresentam um efeito específico e
prejudicial às propriedades das superligas de Níquel. Sua morfologia em forma de plaquetas,
as quais se mostram como agulhas no plano bidimensional de imagens microestruturais,
pode provocar a iniciação e propagação de trincas, causando a fratura frágil em baixa
temperatura. Na maioria das vezes, as trincas se nucleiam próximo aos contornos de grãos,
pois são neles que ocorrem maior concentração de elementos que favorecem a formação
dessas fases indesejáveis. Essas fases possuem altos teores de metais refratários extraídos
da matriz gama, que resultam em amolecimento das superligas de Níquel27. Já o reticulado
cristalino das fases topologicamente compactas diferencia-se devido às suas camadas
compactas de átomos afastadas uma das outras por distâncias interatômicas relativamente
grandes28. Para a fase sigma, as camadas compactas de átomos estão afastadas uma das
outras por átomos maiores29.
Essas fases são indesejáveis, pois comprometem a resistência dos materiais,
prejudicando a resistência à ruptura em altas temperaturas juntamente com a redução
da ductilidade. Esse efeito ocorre tanto na fase sigma como nas fases Mu e Laves30. Na
fase sigma, além de ter sua resistência à tração reduzida drasticamente, também tem sua
ductilidade reduzida para valores praticamente nulos31.
Outra fase que pode ser formada durante o tratamento térmico ou durante serviço
é a delta. Essa fase também pode ser apresentada em plaquetas, tendo uma relação e
orientação de planos cristalográficos com o reticulado da matriz, e também pode ser
apresentada em forma de glóbulos orientados aleatoriamente. No entanto, a formação
exagerada da fase delta pode depreciar a resistência mecânica de uma superliga de
Níquel, endurecida pela fase γ’’, ao consumir elementos que auxiliam na formação de
fases endurecedoras32.
SIMS; HAGEL, 1972.
SIMS; HAGEL, 1972.
YONEKUBO, 2010.
26
27
28
SIMS; HAGEL, 1972.
NASCIMENTO, 2007.
SIMS, HAGEL, 1972.
SIMS; HAGEL, 1972.
29
30
31
32
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
381
Quando as superligas de Níquel-Ferro são endurecidas pela fase γ’, tornam-se
suscetíveis à formação da fase Eta. Essa fase possui estrutura cristalina hexagonal compacta e
pode ser formada durante o processamento termomecânico ou durante serviço; podendo,
também, apresentar morfologia em plaquetas intragranulares, conhecidas como estrutura
de Widmanstätten, que se formam a partir da fase γ’, ou em formato celular nos contornos
de grãos, tendo aspecto semelhante ao da perlita nos aços33.
2 NI-CR-AL-C
A família de ligas fundidas Ni-Cr-Al-C foi desenvolvida por Yoshimura e Goldenstein
como objetivo de unir algumas propriedades dos compostos intermetálicos à base de níquel
e dos ferros fundidos brancos, verificando o comportamento atípico do composto Ni3Al
em sua fase γ’, juntamente com o aumento da resistência mecânica em altas temperaturas
e dispersão de carbonetos de cromo de alta dureza34.
Silva (2006) realizou ensaios de compressão nas ligas Ni-Cr-Al-C e confirmou o
comportamento diferenciado das ligas ferrosas comuns do composto Ni3Al, verificando
o aumento da resistência ao escoamento com o aumento da temperatura, bem como o
aumento de dureza. Quando o autor comparou a resistência da liga Ni-Cr-Al-C com Stellite,
a liga apresentou uma menor resistência mecânica, devido à sua estrutura ordenada. Posterior
a isso, também foi verificada a microestrutura de carbonetos mais homogênea resultando
em melhor comportamento sob desgaste abrasivo, erosivo e melhor resistência à oxidação.
Outro estudo referente à liga Ni-Cr-Al-C, desenvolvido por Goldenstein et al. (2006),
teve como objetivo pesquisar a influência de tratamentos térmicos de solubilização e
envelhecimento, bem como diferentes teores de carbono sobre a resistência ao escoamento
sob compressão e dureza a quente. Os resultados encontrados pelos autores mostraram
que, independente do tratamento térmico realizado, as ligas apresentaram resistência ao
escoamento característica às superligas à base de níquel. Assim, apresentam manutenção
da resistência com o aumento de temperatura. Porém, quando estudada a dureza da liga
a temperatura de 800°C, verifica-se um amolecimento dos carbonetos de cromo com a
temperatura, tornando o uso da liga inviável.
SIMS; HAGEL, 1972.
SILVA, 2006.
33
34
382
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
3 PLASMA POR ARCO TRANSFERIDO (PTA)
O processo de deposição por plasma por arco transferido (Plasma Transferred Arc –
PTA) possui propriedades de soldagem35 em que é adicionado junto ao feixe de plasma o
material em forma de pó, resultando na fundição sobre o substrato36. Esse processo utiliza
um arco piloto, um bocal de constrição do arco e três sistemas de gás, cada qual com uma
função: adição do pó; proteção da poça de fusão; ionização, para então resultar no plasma37.
As vantagens apresentadas por esse procedimento, quando comparadas a outros
existentes, são: baixos valores de diluição; obtenção de revestimentos mais homogêneos e
densos; não apresentar resíduos sólidos, prevenindo a poluição; pequena taxa de distorção
dos componentes revestidos; não ocorre contaminação da poça de fusão; apresenta alta
flexibilidade por utilização de metal de adição em forma de pó; e possibilitar alta eficiência
na utilização desse material de adição, podendo chegar até 95%. No entanto, apresenta
como desvantagens o alto valor agregado ao equipamento e a necessidade de maior
qualificação para seu uso38.
4 MATERIAIS E MÉTODOS
4.1
REVESTIMENTOS UTILIZADOS
Para realizar a pesquisa, foram utilizados cordões depositados de misturas de pós
elementares por plasma por arco transferido (PTA), desenvolvidas por Benegra (2010).
Para realizar a deposição por PTA, foi utilizada corrente com variação de 100 A e
130 A, pós elementares e substrato de aço inoxidável AISI 316 L. Assim, com o processo
de deposição concluído, a liga final foi denominada NiCrAlC A, com balanço de massa dos
pós elementares apresentado na Tabela 1 e composição química do substrato, fornecida
pelo fabricante, na Tabela 2.
BENEGRA, 2010.
GRAF, 2004.
GRAF, 2004.
GRAF, 2004.
35
36
37
38
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
383
TABELA 1 – Carga em massa (%) utilizada para
fabricação do revestimento NiCrAlC
Elemento (% massa)
C
0,017
Mn
1,43
P
0,039
NiCrAIC A
Cromo
10
Alumínio
15
Carboneto de Cromo
5
Ferro Boro
0,1
Níquel
Bal
S
0,028
Si
Ni
Cr
Mo
0,40
10,12
16,62
Cu
2,05
Al
0,36
Co
<0,005
0,11
N
0,06
FONTE: Benegra (2010)
4.2
ENSAIO DE ESTABILIDADE MICROESTRUTURAL DOS REVESTIMENTOS
Para preparação dos revestimentos e ensaios de estabilidade microestrutural,
foram utilizados os materiais e equipamentos disponibilizados pelo Laboratório de Análise
Metalográfica da FAE Centro Universitário.
As amostras de liga NiCrAlC A foram cortadas com o auxílio de uma cortadeira de
Struers – modelo Discotom-6, de modo que fossem obtidas 30 amostras das ligas.
Após o processo de corte, foi realizado o tratamento térmico nas 30 amostras, em
forno mufla, da marca Jung – modelo 9612.
Para esse procedimento, cada amostra foi submetida a temperaturas e tempos
diferentes, conforme Tabela 3.
TABELA 3 – Tratamentos térmicos realizados
600
Temperatura (oC)
800
1000
1200
A100
A130
A100
A130
A100
A130
A100
A130
1
A100
A130
A100
A130
A100
A130
A100
A130
6
A100
A130
A100
A130
A100
A130
A100
A130
24
A100
A130
A100
A130
A100
A130
A100
A130
72
A100
A130
A100
A130
A100
A130
Tempo (Horas)
-
FONTE: Elaboração própria
No entanto, ao realizar os tratamentos térmicos, notou-se que devido à não remoção
do substrato da liga e seu ponto de fusão ser muito inferior ao da liga NiCrAlC, a partir do
384
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
tratamento de 1200°C por 24 horas, o substrato começou a fundir, tornando inviável o
tratamento de 1200°C por 72 horas, pois não seria possível remover as amostras do forno
no tempo esperado.
Após realizar os tratamentos térmicos, cada amostra foi embutida a quente, com
auxílio do equipamento da Struers – modelo CitoPress-20, o que durou 5 minutos. Em
seguida, realizou-se o processo de lixamento nas lixadeiras Struers – tipo LaboPol-25, com
lixas de granulometria #220, #320, #500 e #800, respectivamente. Após o lixamento,
realizou-se o polimento com o auxílio das máquinas da Struers – modelo LaboPol-5 – até 1µm.
4.3MICRODUREZAS
Os testes de microdureza realizadas em todas as amostras foram realizados com
auxílio do microdurômetro Wilson Instruments – modelo 402MVD. Para o estudo realizado
nas amostras, utilizou-se uma carga de 500gf.
Para o estudo realizado em laboratório, foi feito em cada amostra três perfis na
secção longitudinal, cada um com cinco medidas no revestimento e três medidas no
substrato. A quantidade de medidas realizada no substrato foi inferior, devido ao fato
de não existir uma variação significativa na dureza entre as endentações realizadas no
substrato. Além disso, foi utilizado um espaçamento entre as impressões de 0,30mm,
conforme a Figura 1.
FIGURA 1 – Esquema dos perfis de microdurezas
feitos na seção longitudinal das amostras
FONTE: Elaboração própria
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
385
Com os valores obtidos no ensaio de microdureza, foi possível calcular as médias
para plotar os gráficos apresentados nos resultados.
4.4
ATAQUE QUÍMICO
Após o teste de microdureza, para que fosse possível estudar as estruturas de
cada amostra e realizar suas metalografias, foram realizados os ataques com os reagentes
apresentados na Tabela 4.
TABELA 4 – Reagentes metalográficos utilizados para revelação das microestruturas das ligas NiCrAlC
Reagente
Marble
Eletrolítico com
ácido oxálico
Composição
Tempo
10g de sulfato de cobre numa solução de 50ml de
ácido clorídrico e 50ml de água destilada
~30s
0,2-2g ácido oxálico + H2O(100ml)
~1 a 2min
FONTE: Benegra (2010)
Para o primeiro ataque, utilizou-se o reagente Marble, no entanto, esse reagente
não revelou as microestruturas da forma esperada e, em algumas amostras, chegou a
queimá-las, impossibilitando o estudo.
Para verificar se o problema encontrava-se realmente no reagente, utilizaram-se
três frascos diferentes de Marble. Além disso, realizaram-se ataques de 1 a 60 segundos
em várias tentativas, porém, as microestruturas não foram reveladas. Com isso, optou-se
por realizar o ataque eletrolítico com o auxílio do equipamento Kristall 620, pertencente
ao Laboratório de Materiais da UTFPR (Universidade Tecnológica Federal do Paraná). Após
realizar o ataque eletrolítico nas amostras, as imagens das microestruturas foram realizadas
com o auxílio do Microscópio Axiovert 40 MAT, pertencente ao Laboratório de Análise
Metalográfica da FAE Centro Universitário.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Figura 2 apresenta a variação de dureza da amostra Ni-Cr-Al-C A. Observa-se
que a 600oC, os valores de dureza são todos maiores que os valores das amostras como
depositadas, para quaisquer tempos de ensaio e para ambas as intensidades de corrente.
386
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
FIGURA 2 – Resultado de dureza dos revestimentos submetidos a diferentes temperaturas
por tempos variáveis para intensidades de corrente 100 A e 130 A
Fonte: Elaboração própria
Esse resultado é um efeito da precipitação de fases, que pode ser visualizada na
Figura 3. Os precipitados são resistentes ao ataque químico, portanto, revelam-se como
fases escuras.
FIGURA 3 – Microestrutura das amostras NiCrAlC A submetidas a temperatura de 600oC
por 1 hora
A100 – 600°C – 1 hora
A130 – 600oC – 1 hora
FONTE: Elaboração própria
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
387
A Figura 4 mostra a evolução dos precipitados, após 24 horas de exposição a 600oC.
FIGURA 4 – Microestrutura das amostras NiCrAlC A submetidas a temperatura de 600oC
por 24 horas
A100 – 600°C – 24 horas
A130 – 600oC – 24 horas
Precipitado em forma de “agulhas” que se originaram
da fase em forma de “H”.
FONTE: Elaboração própria
A comparação entre as microestruturas da Figura 3 e 4 mostra que a fração de
precipitados aumentou à medida que o tempo de exposição foi maior, e que o tamanho
desses precipitados também aumentou. Portanto, essas alterações microestruturais
respondem pelo aumento de dureza à medida que o tempo de exposição aumenta.
De acordo com Benegra (2010), os precipitados em forma de H, como indicados na
Figura 4, possivelmente tratam-se da fase sigma, que é uma fase topologicamente compacta,
frágil e que gera um aumento de dureza. Para os precipitados em forma de agulha, a autora
afirma que são originados da fase em forma de H. Quanto à formação dos carbonetos
e de intermetálicos, sabe-se que as ligas de Níquel são endurecíveis preferencialmente
por solução sólida e por precipitação de carbonetos e de fases intermetálicas. Além disso,
essas fases podem ocorrer durante o tratamento térmico, ou mesmo durante o prolongado
serviço em temperaturas elevadas39.
39
388
BENEGRA, 2010.
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Para temperaturas a partir de 1000oC, a dureza dos revestimentos não possui
variação significativa em relação aos valores do material como depositado. Entretanto,
verificaram-se grandes variações microestruturais, como as apresentadas na Figura 5.
FIGURA 5 – Microestrutura das amostras NiCrAlC submetidas a temperatura de 1200oC
pelo tempo de 6 e 24, respectivamente
A100 – 1200°C – 6 horas
A130 – 1200oC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
A microestrutura da Figura 5 para a intensidade de corrente de 100 A é constituída
de uma fase globular, não apresentando mais as fases em forma de agulhas ou H. No caso
da amostra A130, a estrutura dendrítica foi completamente substituída por uma estrutura
em forma de plaquetas, especialmente observada em uma das duas fases que a constituem.
FIGURA 5 – Microestrutura das amostras NiCrAlC submetidas a temperatura de 800oC
pelo tempo de 24 e 72 horas
A100 – 1200°C – 6 horas
A130 – 1200oC – 24 horas
FONTE: Elaboração própria
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389
CONCLUSÕES
Com base nas análises realizadas para todas as micrografias e os ensaios de durezas,
nota-se que com o aumento de temperatura as amostras sofrem aumento nos valores de
dureza para a exposição na menor temperatura, ou seja, 600oC.
Por outro lado, para as temperaturas maiores, não foram verificadas variações
consideráveis nos valores de dureza, apesar de haver mudanças microestruturais
consideráveis. Dessa forma, nota-se a instabilidade estrutural das amostras, sem, em
princípio, comprometimento do comportamento mecânico.
390
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, C. R. F.; MOREIRA, M. F.; JUNIOR, E. H. Nickel Superalloy (INCONEL 713C) –
Superligas à base de níquel (INCONEL 713C). São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas,
2001. (Publicação IPT, n. 2767)
BENEGRA, M. Desenvolvimento “in situ” de aluminetos de níquel por plasma por arco
transferido resistentes à oxidação. 2020. 155 p. Tese (Doutorado) – Escola Politécnica,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
BROOKS, C.R. Heat treatment, structure and properties of nonferrous alloys. Metals Park:
ASM, 1982. p.
CANGUE, F. J. R. Permeabilidade do carbono em revestimentos de níquel reforçados por
intermetálicos.2007. 167 p. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba,
2007.
GOLDENSTEIN, H. et al. Influência dos tratamentos térmicos de solubilização e
envelhecimento sobre o comportamento mecânico das ligas NICRALC. 17º CBECIMat Congresso Brasileiro de Engenharia e Ciência dos Materiais, 15 a 19 de Novembro de 2006, Foz
do Iguaçu, PR, Brasil.
GRAF, K. Estabilidade a alta temperatura de revestimentos de HASTELLOY C depositados por
PTA. 2004. 89 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2004.
NASCIMENTO, J. L. Estudo da confiabilidade por análise microestrutural e de propriedades
mecânicas de superligas de níquel INCONEL 718 empregada em ambientes agressivos na
exploração de petróleo. 2007. Dissertação (Mestrado) – Universidade Tecnológica – CEFET/RJ,
Universidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2007.
REINALDO, P. R. Influência dos parâmetros de processamento por PTA e do substrato, na
resistência ao desgaste de um revestimento a base de Ni. 2008. 74 f. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008.
SILVA, W. S. Avaliação do comportamento mecânico e tribológico de ligas Ni-Cr-Al-C. 2006.
Tese (Doutorado) – Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
SIMS, C.T.; HAGEL, W.C. The Superalloys. New York: J. Wiley 1972.
VALLE, L. C. M. Efeitos da solubilização e do envelhecimento na microestrutura e nas
propriedades mecânicas da superliga INCONEL 718. 2010. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010.
YONEKUBO, A. E. Caracterização microestrutural do aço inoxidável superdúplex UNS
S32520 (UR 52N+) processado por moagem de alta energia. 2010. 109 p. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Estadual de Ponta Grossa, Ponta Grossa, 2010.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
391
COOPERATIVISMO POPULAR E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: EM
BUSCA DAS POTENCIALIDADES NO SETOR PESQUEIRO
Bianca de Castro Silva Rebolho*
Paulo Ricardo Opuszka**
RESUMO
As primeiras experiências cooperativas surgiram na Inglaterra durante a Revolução
Industrial, que foi responsável também pela mudança significativa no modo de
produção capitalista, tendo como consequência a diminuição dos recursos da classe
trabalhadora, levando esses trabalhadores a oferecer seu trabalho em condições
degradantes, a fim de garantir sua sobrevivência. Surge então a economia solidária
como forma de organização que procura minimizar o empobrecimento das
comunidades. A pesquisa objetivou estabelecer, por meio da pesquisa bibliográfica,
os elementos contidos nas potencialidades do cooperativismo popular no setor
pesqueiro relacionando-as à temática do desenvolvimento sustentável e às afinidades
existentes nas comunidades cooperativas pesqueiras com a problemática ambiental.
Verificou-se que o cooperativismo oferece aos pescadores uma nova realidade
frente aos problemas enfrentados, permitindo que tenham maior competitividade
no mercado e melhores condições de vida. Constatou-se, ainda, que não existe
consenso em relação ao conceito de sustentabilidade, que, desse modo, não pode
ser atingida sem que haja uma visão integrada das questões urbanas, abrangendo as
questões sociais e todas as suas dimensões. Infere-se, então, que não é possível que as
cooperativas populares pesqueiras cheguem ao clímax do melhor resultado produtivo
e à qualidade de vida sem que haja o atendimento aos princípios cooperativos antes
estabelecidos, aliados à temática do desenvolvimento sustentável, que garantirá a
existência dos recursos ambientais por um longo período, caso sejam respeitados
seus limites e evitados os impactos sobre o meio ambiente.
Palavras-chave: Sustentabilidade. Cooperativismo. Setor pesqueiro.
* Aluna do 5º ano de Engenharia Ambiental pela FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio
à Iniciação Científica da Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
** Doutor em Direito (UFPR). Professor do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações
e Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. Professor de Economia no curso de Direito da
Universidade Positivo. Pesquisador do CNPq. Advogado Trabalhista. E-mail: [email protected].
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INTRODUÇÃO
Os impactos ambientais causados pelas atividades humanas vêm acelerando
o processo de esgotamento dos recursos naturais, bem como a redução da qualidade
ambiental, exigindo a compatibilização da sobrevivência humana com a proteção ambiental
– adequando o sistema natural e o econômico –, a fim de garantir o desenvolvimento
sustentável. Entretanto, mais do que cuidar do ambiente, é preciso atentar para as questões
sociais, em especial na que se refere à atividade pesqueira, uma vez que essas atividades
têm influência direta sobre os demais fatores que envolvem a sociedade.
Nesse sentido, desde 2003, os empreendimentos populares são objetos de políticas
públicas do governo federal, especialmente Cooperativas e Associações Populares, a partir
de diversas ações de diferentes Ministérios (Justiça, Turismo, Desenvolvimento Social,
Pesca, Desenvolvimento Agrário, do Trabalho). Entretanto, não se define ao certo o alcance
das referidas políticas por que se dividem em políticas de governo ou sociais e políticas
públicas, nos casos que tais ações se converteram em leis.
A presente pesquisa objetivou estabelecer por meio da pesquisa bibliográfica os
elementos contidos nas potencialidades do cooperativismo popular no setor pesqueiro,
relacionando-as à temática do desenvolvimento sustentável e as relações existentes nas
comunidades cooperativas pesqueiras com a problemática ambiental, a fim de propor uma
nova visão em relação ao papel do cooperativismo e seus associados na manutenção da
vida de comunidades, no equilíbrio da relação homem-natureza e no estabelecimento de
novas alternativas para o equilíbrio dessa relação.
As primeiras experiências cooperativas significativas surgiram na Inglaterra durante
a Revolução Industrial em resistência ao capitalismo, passo importante em razão do papel
que o cooperativismo assume para a mudança da realidade das comunidades, entre elas
a pesqueira, contribuindo para a transformação da realidade atual.
Assim como o cooperativismo, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu
como um meio de enfrentamento à crise ambiental atual, a fim de reduzir os impactos
das atividades humanas sobre os recursos naturais. A partir de então é que os esforços
começaram a se voltar não apenas para um crescimento econômico, mas aliado à questão
ambiental em todas as suas dimensões.
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1 VERTENTES DA SUSTENTABILIDADE E A PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Em face da crise ecológica, o conceito de desenvolvimento sustentável surgiu como
um meio de enfrentamento, a fim de reduzir os impactos antrópicos no meio ambiente,
que, atualmente, tornam-se cada vez mais complexos tanto em termos quantitativos
quanto qualitativos (JACOBI, 1999). Dessa forma, ao se definir desenvolvimento sustentável
discute-se também o que é a sustentabilidade.
Para Jacobi (1999), o processo de desenvolvimento sustentável advém principalmente
de duas correntes. A primeira se relaciona às que influenciaram mudanças nas abordagens
do desenvolvimento econômico, especialmente a partir dos anos 1970, a exemplo do Clube
de Roma. Enquanto a segunda corrente, difundida com a Conferência de Estocolmo, em
1972, refere-se à crítica ambientalista ao modo de vida contemporâneo. “Assim, o que
se observa é que a ideia ou enfoque do desenvolvimento sustentável adquire relevância
num curto espaço de tempo, assumindo um caráter diretivo nos debates sobre os rumos
do desenvolvimento” (JACOBI, 1999, p. 175).
Segundo o mesmo autor, o conceito de ecodesenvolvimento foi utilizado pela
primeira vez por Maurice Strong, em 1973, para caracterizar uma concepção alternativa de
política de desenvolvimento. Em 1987, a divulgação do Relatório Brundtlandt – conhecido
como Our Commom Future (Nosso Futuro Comum) – trouxe novamente à tona a temática
do desenvolvimento sustentável, apresentando-se como um marco no debate ambiental
(JACOBI, 1999). A partir desse documento, rompe-se a ideia da preservação ambiental
como sinônimo de intocabilidade dos recursos naturais, sendo construída a partir de
diferentes dimensões as quais devem ser consideradas no planejamento do desenvolvimento
(MAIA, 2007).
Dando origem ao conceito de Sustainability, “que é uma ação em que a elaboração
de um produto ou desenvolvimento de um processo não compromete a existência de suas
fontes, garantindo a reprodução de seus meios” (FARIA, 2011, p. 15).
Como consequência, logo se propôs o conceito de desenvolvimento sustentável enquanto
um processo de gerar riqueza e bem-estar, ao mesmo tempo em que promove a coesão
social e impede a destruição do meio ambiente (Santana, 2008). A sustentabilidade
passou a ser então adjetivada e conceituada de acordo com paradigmas, modelos e
critérios (FARIA, 2011, p. 16).
A discussão sobre sustentabilidade que acabava de surgir apresentava a ideia de que
o crescimento econômico “tinha de estar invariavelmente ligado à dissipação infindável
de recursos” (PEREIRA; CHIARI; ACCIOLY, 2010, p. 3).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
395
Assim, a partir de então, todos os esforços começaram a se voltar não apenas
para um crescimento econômico, mas esse aliado à questão ambiental em todas as suas
dimensões, salientando, segundo Ignacy Sachs (1993 apud PEREIRA; CHIARI; ACCIOLY,
2010), a necessidade de compatibilizar a melhoria nos níveis de qualidade de vida e a
preservação ambiental.
Mesmo durante a preparação para a Conferência de Estocolmo, levantaram-se
duas vertentes distintas em relação à preocupação ambiental, tendo, por um lado, o
posicionamento de abundância (the cornucopians) – que consideravam que as preocupações
com o meio ambiente acabariam por inibir, ou até mesmo atrasar, o desenvolvimento dos
países ainda em desenvolvimento –, e, por outro lado, os catastrofistas (doomsayers) –
que denunciavam o crescimento demográfico e econômico como fatores centrais para a
exaustão dos recursos naturais e um colapso na humanidade, “para eles, a perturbação
do meio ambiente era consequência da explosão populacional” (SACHS, 2000, p. 51).
Ambas as proposições extremistas foram descartadas, uma vez que o crescimento
econômico era ainda necessário, bem como a conservação da biodiversidade, por meio de
estratégias de conservação. Dessa forma, as cinco dimensões da sustentabilidade difundidas
por Sachs são conhecidas como: (1) sustentabilidade social, (2) sustentabilidade econômica,
(3) sustentabilidade ecológica, (4) sustentabilidade espacial e (5) sustentabilidade cultural.
Segundo Pereira, Chiari e Accioly (2010), a multiplicidade desses fatores se
relacionam entre si de maneira diversificada, respeitando, no entanto, características
locais e regionais. Assim, o conceito de sustentabilidade de maneira abrangente pode
ser estabelecido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente
sem comprometer a capacidade de as futuras gerações satisfazerem as suas próprias
necessidades” (BRÜSEKE, 1995, apud PEREIRA; CHIARI; ACCIOLY, 2010, p. 2). Assumindo,
na atualidade, um sentido polissêmico, multidisciplinar, transposto e aplicável a diferentes
situações, contextos e objetivos.
Para Clovis Cavalcanti (2003 apud BARBOSA, 2008, p. 7) sustentabilidade “significa
a possibilidade de se obterem continuamente condições iguais ou superiores de vida para
um grupo de pessoas e seus sucessores em dado ecossistema”. Por meio dessa nova visão
de desenvolvimento, Barbosa (2008) coloca a real mudança provocada na discussão sobre
o desenvolvimento sustentável, limitando o progresso material e o consumo, reforçando a
ideia de recursos limitados e a necessidade de preocupação com o futuro.
Segundo Faria (2011), como paradigma que envolve três dimensões, a
sustentabilidade trata da integração entre economia, sociedade e meio ambiente, sendo
conduzida por três grupos distintos, a saber: empresários, governo e sociedade. Nesse
sentido, a sustentabilidade pode ser avaliada pelas seguintes linhas
396
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i. Como modelo colaborador-comunidade, em que explicita qual deve ser
a responsabilidade central das empresas, proporcionando bem-estar aos
colaboradores e comunidade na qual está inserida, ou seja, ir além da questão
produtiva e da lucratividade.
ii. Como critério da responsabilidade social, incitando a busca do desenvolvimento
sustentável, aliando a equidade social, prudência ecológica e a eficiência
econômica.
Conforme Faria (2011), a sustentabilidade se baseia em quatro princípios:
i. Princípio precatório: determina que diante da incerteza científica sobre a
possibilidade de prejuízos à saúde dos seres vivos, não se deve adiar a tomada
de medidas preventivas;
ii. Princípio preventivo: evitar ao máximo a ocorrência de danos e riscos ambientais,
avaliando-os previamente, a fim de permitir a adoção de solução adequada;
iii.Princípio compensatório: a necessidade de compensar vítimas da poluição e
outros danos ambientais deveria ser abordada nas legislações vigentes;
iv. Princípio do poluidor pagador: os custos da reparação ambiental e das medidas
compensatórias deveriam ser suportados pelas partes responsáveis (ONU, 2007
apud FARIA, 2011).
Ignacy Sachs (2000), em seu livro Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável,
reafirma a ideia de que é preciso que o ser humano se aperceba de que todas as atividades
econômicas estão firmemente atreladas ao ambiente natural, e, por isso, é responsabilidade
do homem a criação de projetos sustentáveis por meio do desenvolvimento de sistemas
de produção análogos aos ecossistemas naturais, e, além disso, capacitar os envolvidos
nos processos de modificação da natureza.
Faria (2011) afirma que a sustentabilidade decorre de diferentes abordagens. A
abordagem econômico-liberal de mercado apresenta duas concepções: i. Concepção
clássica ou tradicional, que parte da premissa de que a concorrência, o crescimento
econômico e a própria pressão dos consumidores leva ao uso racional dos recursos naturais
e a necessidade de adequar seu uso, compatibilizando com as exigências ambientais; ii.
Concepção moderna, que defende a internalização dos custos ambientais por meio da
criação de sistemas de estímulo de mercado, “geralmente com o auxílio de impostos e
taxas ambientais ou do comércio de títulos de poluição” (FARIA, 2011, p. 18).
Por outro lado, a abordagem ecológico-tecnocrata estabelece a concepção da
sustentabilidade planejada, partindo da ideia de que por meios gerenciais pode-se alcançar
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397
a superação dos problemas ambientais. Nessa linha, a intervenção do governo se faz
indispensável para reduzir ou evitar efeitos nocivos dos processos de crescimento econômico.
A abordagem denominada biocêntrica e a do ambientalismo radical revelam uma
visão holística, propondo que todas as atividades e políticas devem se subordinar às exigências
da sustentabilidade da natureza, visão que é utilizada também na ecologia profunda, com
o fortalecimento dos movimentos sociais. No ambientalismo radical, verifica-se, de igual
modo, uma rejeição ao consumismo norteador das modernas sociedades em busca de
incluir objetivos básicos para a sociedade, como a satisfação de necessidades econômicas
básicas e justiça social.
Por último, cita-se a abordagem da política de participação democrática ou
popular, que coloca a participação como peça-chave da política ambiental para que
haja uma mudança efetiva no que tange as políticas públicas. “O planejamento deve ser
compreendido não apenas como orientado pelas necessidades da população, mas também,
como conduzido por ela” (FARIA, 2011, p. 19).
2 A SUSTENTABILIDADE E A TEORIA CRÍTICA: A CRISE DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL
Segundo Faria (2011), a teoria crítica é fundamentada na incessante busca das
contradições sociais.
A teoria crítica pretende expressar a emancipação dos indivíduos e promover a
conscientização crescente da necessidade de uma sociedade em que os interesses
coletivos prevaleçam sobre os individuais, em que os indivíduos sejam sujeitos de sua
própria história, escrevendo-a coletivamente. (FARIA, 2011, p. 20)
Dessa forma, verifica-se que a teoria crítica da sustentabilidade pode ser descrita
em sete instâncias gerais:
i. Contradições: uma vez que os fatos se transformam, é preciso que se considere
a dinâmica contraditória da realidade para todas as ações e políticas de
sustentabilidade;
ii. Ideologia Dominante: a ideologia muitas vezes não permite que os indivíduos
tenham consciência em relação ao todo, e, portanto, nas concepções de
sustentabilidade podem estar as ideologias dominantes;
iii.Racionalidades Dominantes: as concepções de sustentabilidade existentes
acabam por racionalizar práticas exploratórias sem, muitas vezes, questionar o
modelo econômico que acaba por criar essas disfunções;
398
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iv. Contexto Social-histórico: para que se entenda o desenvolvimento, inclusive o
desenvolvimento sustentável, é preciso entender sua trajetória histórica;
v. Emancipação: caracterizada pela busca de autonomia do indivíduo e da
sociedade, a fim de construir sua própria história, “desempenhando papel ativo
sobre os problemas relevantes de interesse coletivo”;
vi.Conscientização Individual e Coletiva: a consciência pode ser definida como a
capacidade de estar ciente de si mesmo, e, portanto, a consciência individual
fragmentada não permite a consciência coletiva emancipada;
vii.R esponsabilidade Coletiva: deve-se pensar na coletividade e nas suas
responsabilidades, para que a verdadeira sustentabilidade seja praticada por meio
de uma democratização e conservação da responsabilidade pela conservação
dos recursos naturais.
Portanto, ao analisar tais concepções da teoria crítica, verifica-se que a
sustentabilidade deve ser trabalhada em um ambiente de autogestão, sem agredir o meio
ambiente e a população, podendo-se, então, definir a sustentabilidade a partir da teoria
crítica, como “a prática coletiva e democrática de produção das condições materiais de
existência que no processo de transformação preserva a fonte de recursos da natureza ou
os repõe nas mesmas condições” (FARIA, 2011, p. 22).
Deve-se, finalmente, enxergar a sustentabilidade como sendo políticas e práticas
voltadas à conservação ambiental, mas, principalmente, do respeito à coletividade e à
sociedade que está envolvido o recurso a ser preservado, tendo como alvo a garantia de
uma vida sustentável.
Para Sachs (2000), a relação existente entre as forças de mercado e o desenvolvimento
sustentável é incompatível, e, portanto, verifica-se a necessidade da promoção de estratégias
de desenvolvimento sustentável, para que isso se torne uma realidade. Quando aproveitados
adequadamente, os subsídios têm significativa importância para o aproveitamento de
recursos sustentáveis, no entanto, atualmente, em sua maioria são mal aproveitados,
apresentando, dessa forma, um efeito devastador.
É preciso, desse modo, unir às estratégias de conservação e busca pelo
desenvolvimento sustentável o respeito ao direito à vida de todas as pessoas, sem o qual não
será possível e real o desenvolvimento sustentável, conforme coloca Hubert Reeves (1990,
p. 147 apud SACHS, 2000), ao tratar que as pessoas são ‘os produtos mais complexos e
de maior atuação da natureza’, capazes de provocar mudanças significativas na natureza,
sejam elas positivas ou negativas.
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399
Segundo May (2001, apud CUNHA; HASENCLEVER, 2011), todo processo
econômico deve incorporar objetivos ecológicos, respeitando os limites físicos existentes
para o uso dos recursos naturais, e assim, ser sustentável.
Para o desenvolvimento sustentável três funções ambientais não podem ser desrespeitadas:
de provisão de recursos; de absorção e neutralização dos dejetos da atividade econômica
e de manutenção de serviços ambientais. Por outro lado, o modelo sustentável deve
promover a coesão e a mobilidade social, elevar a participação política dos cidadãos e
respeitar a sua identidade cultural, assegurando o acesso ao poder e ao desenvolvimento
das instituições sociais. (MAY, 2001 apud CUNHA; HASENCLEVER, 2011, p. 59).
Pode-se estabelecer que o desenvolvimento sustentável se baseia em três linhas,
a saber: a eficiência econômica, a excelência ecológica e a responsabilidade social; no
entanto, podem haver questões mais complexas a ser consideradas, como o contexto de
tais dimensões, a consideração das demais dimensões existentes, entre outros (MAJER,
2004 apud CUNHA; HASENCLEVER, 2011, p. 60).
Entre os economistas, ainda não se estabeleceu um conceito claro e conciso a
respeito da sustentabilidade, demonstrando que se trata de um conceito amplo e complexo,
bem como de incertezas metodológicas, e, portanto, deve-se continuar a buscar a produção
de teorias mais consistentes sobre a relação entre economia, sociedade e meio ambiente.
3 O COOPERATIVISMO E A ORGANIZAÇÃO DA GESTÃO COLETIVA DE
TRABALHO ASSOCIADO
Foi com base nos pensamentos dos economistas políticos clássicos, como Adam
Smith, David Ricardo e Karl Marx, que se consolidou o modo de produção capitalista no
século XIX. No entanto, “o trabalho assalariado, embora hegemônico no capitalismo, não
foi a única forma de trabalho importante” (OPUSZKA, 2006, p. 15).
Nas ocasiões de crise do capitalismo, o trabalho cooperado surgiu como outra
forma de organização, como resistência ao capitalismo. Embora as primeiras ocorrências
de organizações cooperativas sejam verificadas entre os egípcios, e até mesmo na Idade
Média, segundo Scheneider (apud OPUSZKA, 2006) afirma que até a metade do século
XVIII elas não tiveram tanto significado.
a classe operária reagiu ao capitalismo de duas formas: organizando os trabalhadores em
sindicatos visando a melhoria das condições de trabalho dentro do modo de produção;
resistindo a implementação do capitalismo, voltando-se para autogestão e cooperação
(OPUSZKA, 2006, p. 75)
400
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Entre seus precursores, o cooperativismo recebeu a contribuição de diversos
defensores dessa alternativa ao capitalismo. Podem-se citar alguns de destaque, de acordo
com Opuszka (2006): Charles Fourier – figura de maior relevo dentre os socialistas utópicos,
fundador de diversos sindicatos e cooperativas; Saint Simon – defendia a associação
universal dos trabalhadores; Louis Blanc – precursor das oficinas sociais, uma espécie
de cooperativa que une aprendizado e o desenvolvimento de trabalhos para geração de
renda; Beatriz Webb – por compartilhar as ideias cooperativas; e Robert Owen – socialista
utópico, que extraiu sua confiança na possibilidade de uma sociedade melhor. No entanto,
“é quase unânime a posição de que o cooperativismo se consagrou com os denominados
‘pioneiros de Rochdale’” (OPUSZKA, 2006, p. 20).
Os primeiros princípios do cooperativismo vieram de Rochdale e eram eles: adesão livre
ou porta aberta; gestão democrática; juros módicos ao capital; retorno proporcional às
operações; transações a dinheiro ou vendas à vista; neutralidade política ou religiosa;
desenvolvimento do ensino. (OPUSZKA, 2006, p. 20).
Durante a Revolução Industrial, “evento histórico-econômico que transformou
totalmente o modo de produção capitalista” (NICOLADELI, 2009, p. 17), verificaram-se
as primeiras experiências cooperativas na Inglaterra Tanto nesse episódio quanto com o
fim da Revolução Francesa, verificou-se a diminuição dos recursos da classe trabalhadora,
aumentando ainda mais a pobreza dos ingleses, levando esses indivíduos a oferecerem
seu trabalho em condições degradantes, a fim de garantir sua sobrevivência.
É nesse contexto que surge a chamada economia solidária, “como uma forma
mutualística de organização que procurava minimizar o empobrecimento dos operários e
artesãos” (SINGER, 2002 apud NICOLADELI, 2009, p. 17), destacando-se o empresário
Robert Owen, que na ânsia de provocar alterações no sistema vigente da época, persistindo
na ideia e disseminando-a, surgiram várias cooperativas por toda parte, mas sem subsistir
por muito tempo. Robert Owen apresenta-se, portanto, como um dos precursores do
sindicalismo, e, consequentemente, ao surgimento das cooperativas, ambos com a
finalidade de melhorar as condições de subsistência dos trabalhadores.
Nesse processo, foram estabelecidas algumas regras a fim de permitir a adequada
gestão das cooperativas, que eram caracterizadas pela plena democracia, tanto na entrada
de um indivíduo na cooperativa como seu afastamento dela, além da divisão igualitária
dos recursos obtidos – quer sejam lucros ou prejuízos. As regras estabelecidas, tais como a
permissão única e exclusiva para a venda de produtos à vista, a abertura para a associação
de qualquer pessoa, entre outras, visavam à reforma do meio econômico e social.
E embora as iniciativas de Robert Owen não tenham conseguido solidificar uma economia
do tipo solidária no mundo, elas fizeram com que os operários passassem a lutar por si
mesmos, levando à criação de leis específicas que procurassem resguardar seus direitos
(NICOLADELI, 2009, p. 19).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
401
Fato importante é a necessidade das cooperativas não perderem de vista os
princípios originais propostos, ante a sua existência na economia moderna, que acaba
por gerar uma vertente empresarial e sua relação com sistemas diferentes do cooperativo.
Outra iniciativa que acabou destacando o movimento cooperativista pelo mundo é a
criação, em 1895, da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), representando mundialmente
todas as cooperativas, realizando inúmeros congressos de cooperativas na Europa, e
consolidando as ideias e princípios cooperativistas. Embora muitas das cooperativas
criadas não tenham obtido êxito, o movimento cooperativista ainda permanece vivo
como forma de reinventar e modificar a presença atual do capitalismo, pois, “segundo
Schultze, pai da idéia cooperativa, somente a associação pode elevar o nível de sociedade”
(NICOLADELI, 2009, p. 24).
3.1 A VISÃO SOCIALISTA/ANARQUISTA SOBRE O COOPERATIVISMO
O ponto inicial da reflexão socialista/anarquista sobre o cooperativismo é dada por
Marx, verificando o sistema exploratório da classe operária existente no modelo capitalista
e apresentando a crítica frente a esse sistema, que tem por base a espoliação da força de
trabalho, visando à pura obtenção de lucro.
Nicoladeli (2009) afirma que a crítica de Marx a esse modelo recai principalmente
na exploração do trabalho pelo capital, pois sempre haveria aqueles que viveriam à custa
do trabalho dos outros. É a partir desse contexto que surgiram os ideais cooperativistas,
tendo como base a doutrina socialista, visando à humanização do trabalho por meio
da justa remuneração, socialização da propriedade e igualdade nos meios econômicos,
culturais e educacionais a todos os membros da sociedade.
Verifica-se assim, que o cooperativismo tem maior familiaridade com o socialismo, pois
visa a cooperação, não uma cooperação espontânea, mas uma cooperação [...]. Ao invés
do lucro, o cooperativismo visa os interesses humanos. (NICOLADELI, 2009, p. 35-36)
Nota-se, ainda, que a própria definição de cooperativa dada por Romeuf (apud
NICOLADELI, 2009) aponta para o socialismo, ao citar a sociedade cooperativa como
uma “empresa constituída e dirigida por uma associação de usuários, conforme a regra
da democracia” (NICOLADELI, 2009, p. 36), tendo por foco a prestação de serviços à
sociedade como um todo (membros e conjunto da comunidade).
Dessa forma, as cooperativas permitem ao cooperado tornar-se seu próprio patrão,
por serem criações autônomas de trabalhadores, necessitando, entretanto, que se atenham
aos cuidados necessários para que as cooperativas não corram “o risco de se tornar tão
alienante como o capitalismo [...] uma vez que reproduzem na sua organização, todos os
defeitos do capitalismo” (NICOLADELI, 2009, p. 38).
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3.2 O COOPERATIVISMO COMO FORMA DE GESTÃO
Tratando-se de alternativa ao modelo vigente do capitalismo, o modelo
cooperativista, segundo Horz (2011), se apresenta como a forma jurídica que permite novas
relações sociais. Isso se deve ao fato de que o cooperativismo promove um achatamento da
hierarquia organizacional, uma vez que todos estão no mesmo nível decisório, eliminando as
relações de poder e permitindo, dessa forma, que se criem relações mais justas e igualitárias
entre os trabalhadores, tendo como base o modelo da autogestão social, no que se refere
à possibilidade de manter suas características autogestionárias internamente, sem perder
a capacidade de se utilizar de relações externas de troca tipicamente capitalistas a fim de
garantir sua sobrevivência no mercado.
Pela peculiaridade das cooperativas, Horz (2011) salienta que esta seria a única
maneira de contradição ao modelo capitalista, isto é, instituir relações de igualdade e
posse coletiva no que tange à finalidade dos produtos, a produção em si e a partilha dos
benefícios dela obtidos.
No Brasil, o cooperativismo apresenta-se sob diversas óticas, podendo se diferenciar
tanto pela finalidade com a qual são constituídos como pelas relações de trabalho praticadas.
Horz (2011), citando Faria (2009), estabelece três tipos de cooperativas distintas, conforme
a área de atuação, a saber:
Tipo 1: semelhantes às organizações capitalistas, atuam como verdadeiras empresas,
tendo como exceção a existência de um Conselho Fiscal e Assembleia Geral, formada
pelos cooperados.
Tipo 2: nesse tipo de cooperativa observa-se a gestão coletivista, na qual os
cooperados são seus próprios gestores detendo o controle sobre o que é produzido e os
meios de produção.
Tipo 3: ocorre quando os trabalhadores estão excluídos do sistema capitalista, sem
emprego, e se organizam pela necessidade de geração de renda, recorrendo ao trabalho
informal (precarizado), como o artesanato popular.
3.3 O COOPERATIVISMO EMPRESARIAL: O NASCIMENTO DE UM SISTEMA
CAPITALISTA DE ORGANIZAÇÃO FORMAL DA MÃO DE OBRA
As primeiras cooperativas eram essencialmente de consumo, com a finalidade,
então, de angariar recursos para a subsistência de seus cooperados, conforme seus interesses
de consumo. Após sofrer muitas resistências, com o apoio do poder público, as atividades
cooperativas passaram a ser mais rentáveis, ganhando, com isso, mais adeptos.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
403
Apesar do tempo corrido, os princípios do cooperativismo foram mantidos – apenas
redefinidos – estando em vigor, atualmente, como cita Opuszka (2006), com a seguinte
nomenclatura: adesão livre e voluntária; controle democrático dos sócios; participação
econômica dos sócios; independência e autonomia; educação, treinamento e formação;
cooperação entre cooperativas; interesse pela comunidade.
A partir dos princípios difundidos por Rochdale, verifica-se que a gestão democrática
é fator importante para – se não alcançar – buscar a igualdade para todos os cooperados e
sua ampla participação. Outra característica importante é o fato de cada um, independente
da cota que possui, ter o direito a um voto (OPUSZKA, 2006).
O cooperativismo empresarial pode agregar ainda dois princípios, denominados
secundários, referentes à dupla qualidade e a retribuição pessoal diferenciada, conforme
trata Delgado (apud OPUSZKA, 2006). A dupla qualidade diz respeito ao resultado
satisfatório tanto para o contratado como para o cooperado do trabalho; e a retribuição
pessoal diferenciada refere-se à necessidade de que o cooperado tenha melhores condições
do que os trabalhadores empregados ao receber os benefícios.
Serra (2008) afirma que o cooperativismo não engessa o sistema, e, portanto, permite
flexibilizações conforme o espaço em que é introduzido, possibilitando o desenvolvimento
e consolidação das cooperativas, que devem, acima de tudo, garantir o crescimento de
seus associados, e, consequentemente, seu próprio sucesso.
No Brasil, verifica-se o contrário no que tange ao desenvolvimento das cooperativas.
Em razão do crescimento econômico que obtiveram, principalmente as cooperativas
agrícolas, passaram a “crescer na exata proporção das vantagens financeiras que tiveram
condições de oferecer aos associados” (SERRA, 2008, p. 4), deixando, entretanto, se perder
os aspectos de cunho social e ideológico.
Esse distanciamento dos princípios ideológicos que regem o cooperativismo acabou
levando as cooperativas a se aproximarem dos valores econômicos e a política dominante,
em oposição à filosofia estabelecida, sendo estruturadas do nível mais alto ao mais baixo,
raramente a partir de iniciativas das classes produtoras e sim de iniciativas governamentais.
As cooperativas passaram, então, a ser um poderoso instrumento do Estado, mesmo
que não atendessem às necessidades de seus associados, como no caso da agricultura.
Tradicionalmente, o modelo antes praticado absorvia grande parte da mão de obra que
se instalava no meio rural em função das maiores oportunidades de trabalho.
Anteriormente ao surgimento do novo modelo, as cooperativas acabavam exercendo
o papel de recebedoras e repassadoras de matérias-primas produzidas pelos associados,
sem que houvesse necessidade de um intermediador, o que permitia que os associados
melhor se identificassem com as propostas e as teorias que embasavam o cooperativismo.
404
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Porém, na nova fase, as cooperativas acabaram perdendo um pouco de sua essência social
e se consolidaram grandes empresas. Essa brusca mudança na base das cooperativas acaba
gerando ambiguidades e contradições referentes a seus próprios princípios cooperativistas.
Serra (2008, p. 9) formula que “não há como negar, por exemplo, que o quadro
associativo perdeu sua importância na sustentação da empresa, sofrendo, em relação a
ela, o que seria pelo menos na aparência, uma ruptura social e econômica”. Assim, o
distanciamento provocado pelo surgimento da cooperativa empresarial, que dissocia a
própria cooperativa do seu corpo associativo, é sustentado por fatores, como o poder
restrito dos cooperados às decisões; a separação das sobras a serem distribuídas, fazendo
distinção entre aquelas produzidas pelos cooperados e as desenvolvidas pela empresa;
a impossibilidade de cada associado repartir igualitariamente os benefícios dos recursos,
principalmente aquelas não contabilizadas na conta capital.
3.4 O COOPERATIVISMO POPULAR: A RESISTÊNCIA DOS
TRABALHADORES EM MEIO AO ALCANCE DE TRABALHO E RENDA
O cooperativismo, como já tratado, se insere no mercado como uma resposta ao
individualismo liberal. Gonçalves e Vegro (1994) salientam a finalidade do cooperativismo de,
por meio de uma reforma no capitalismo pelo uso da cooperação, transformar a realidade
das classes excluídas, reduzindo “os impactos sociais decorrentes da excludência gerada no
processo de avanço da acumulação capitalista” (GONÇALVES; VEGRO, 1994, p. 61).
As empresas cooperativas permitem a integração dos seus associados ao processo de
modernização, permitindo que esses tenham acesso às fontes, tecnologias e recursos outrora
negados, e criem condições adequadas para sua sobrevivência. Gonçalves e Vegro (1994),
citando Gonçalves (1987), afirmam, tomando o caso dos agricultores como modelo, que é
a própria cooperação dos cooperados que verticaliza as atividades, permitindo ao indivíduo
ter maior acesso e participação no valor adicionado, característica que faz com que o sistema
cooperativista de distinga dos demais sistemas de organização empresarial.
A crise verificada nas sociedades atuais decorre especialmente da grande desigualdade
socioeconômica existente que caracteriza o crescimento econômico vigente, “gerando
necessidades de abastecimento às camadas mais pobres da população, sob pena do sistema
implodir, pelo número assustador de necessitados” (NICOLADELI, 2009, p. 50).
Mas, embora a crise do trabalho seja basicamente uma crise de exclusão social, a
própria sociedade vem se mobilizando por meio de iniciativas a fim de se fortalecer e buscar
alternativas ao problema do crescimento da pobreza.
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405
A economia solidária tem sido apontada como provável solução para impedir o desabamento
do sistema. Trata-se de um movimento que é considerado por alguns estudiosos como
movimentos alternativos, por prover a subsistência da população excluída do mercado de
trabalho, e por outros, como movimento alterativo porque provoca alterações no quadro
de condução das políticas de desenvolvimento. (NICOLADELI, 2009, p. 51).
Apesar de a economia popular existir não somente pela vontade política, mas
principalmente pela vontade da própria sociedade, nota-se que é preciso uma organização
coletiva, a fim de fornecer às populações excluídas condições básicas de subsistência,
minimizando os problemas de sobrevivência, no que tange o abastecimento e trabalho
dessa população, diferenciando-a, portanto, da economia informal. A partir disso, podese definir a economia popular, conforme Icaza e Tiriba (2003 apud NICOLADELI, 2009),
como o conjunto de atividades (econômicas e sociais) praticadas pelos setores populares,
utilizando-se de suas próprias forças e recursos, visando à garantia do atendimento às
necessidades básicas.
Verifica-se que as cooperativas têm sido uma das principais formas dessa convivência
e uma maneira de organização da economia popular, entretanto, para que as organizações
cooperativas possam se sustentar deve haver uma cooperação entre elas, para, então,
reduzir sua fragilidade, com o apoio de toda a sociedade, políticos, assistentes sociais,
ONGs, Igreja, entre outros. Dessa forma, a própria economia informal existente atualmente
pode ser adaptada por meio da organização, tornando-se uma economia popular, para
que o trabalhador use seu trabalho para próprio sustento, de maneira não excludente e
que possa ser capaz de atender às suas necessidades.
Apesar de o cooperativismo inserir em seu escopo as particularidades e
características do local onde é implantado, especialmente no que tange os segmentos
sociais e econômicos, “pode-se dizer que o cooperativismo é um sistema universal que se
sustenta nos princípios da ajuda mútua e da ajuda própria” (SERRA, 2008, p. 3).
4 COOPERATIVISMO NA PESCA ARTESANAL: POTENCIALIDADES E LIMITES
A SUSTENTABILIDADE
4.1 BENEFÍCIOS DAS COOPERATIVAS DE PESCA
Apesar do diagnóstico alarmante sobre a situação do cooperativismo pesqueiro no
Brasil em função das dificuldades encontradas, principalmente no que se refere à ausência
de políticas e diretrizes governamentais e do próprio segmento cooperativista para a busca
de novos rumos, Maldonado e Santos (2006) explicitam um novo cenário em relação às
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
mudanças associadas a esse cenário, passando a ser função do próprio Estado o estimulo
à modernização da cadeia produtiva, bem como no estimulo a parcerias, associativismo
e cooperativismo.
Pode-se afirmar que as cooperativas de pesca surgiram da necessidade dos
cooperados em buscar alternativas solucionais para os problemas técnicos e comerciais,
destacando-se também o objetivo de melhores condições de vida, assim como a melhor
estruturação e condições sociais da comunidade.
A cooperativa surge, portanto, como importante fator para a redução dos custos
de produção e despesas aos associados, como a aquisição de insumos e equipamentos,
conseguindo preços mais atrativos, e, por consequência, ganhando maior visibilidade e
crédito perante os fornecedores, reduzindo o custo repassado ao comprador.
De acordo com Pinho (1984 apud MALDONADO; SANTOS, 2006, p. 325), se
cada pescador artesanal tentar colocar individualmente seus produtos diretamente no
mercado encontrará muitas dificuldades, entre as quais se destacam: a falta de recursos
para organizar uma infraestrutura de serviços de acondicionamento, conservação e
transporte de seus produtos e a fácil deterioração dos produtos da pesca, obrigando-o a
vendê-los a qualquer preço, em um período relativamente curto depois da captura. Os
custos da operação também são maiores do que os das grandes empresas, o que torna a
venda individual dos pescadores extremamente desigual e em desvantagem competitiva
em relação àquelas.
Em contraposição, melhorando as condições dos associados, por meio das
cooperativas, é possível diminuir os custos operacionais pela compra em maior volume, além
de possibilitar a centralização administrativa, financeira e técnica do negócio, aumentando
sua eficácia (MALDONADO; SANTOS, 2006). Outro benefício é a possibilidade da
divisão de trabalho, sendo os trabalhos desenvolvidos em conjunto pelos cooperados,
complementando as tarefas a serem executadas, favorecendo a especialização do pescador.
4.2 PESCA E PROBLEMAS AMBIENTAIS
Segundo Pereira (2008), a competição pela captura das espécies vem se reduzindo
ao longo dos anos, e, por consequência, alterando as relações sociais, bem como o contato
com a natureza, dessa forma, a busca pela sustentabilidade na atividade da pesca e no
meio onde vivem acaba sendo razão não prioritária. A autora salienta que, muitas vezes,
a necessidade imediata por alimento para subsistência do pescador e sua família acaba se
tornando um obstáculo para o uso de práticas que diminuam o esforço de pesca e o uso de
apetrechos que minimizam o impacto da pesca e são mais adequados à proteção ambiental.
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407
Nesse sentido, verifica-se que ambas as situações estão atreladas, pois a escassez de
recurso pesqueiro leva o pescador a usar redes com malhas mais finas para pegar peixes
menores a fim de obter resultados próximos às situações anteriores. No entanto, essa mudança
na atividade pesqueira provoca “maiores danos ao ambiente, agravando assim a situação do
estoque e comprometendo safras futuras” (PEREIRA, 2008, p. 74).
Por consequência desses fatores, a situação de pobreza dessas comunidades é
agravada, colocando-os em uma situação de vulnerabilidade social, o que torna a situação
ainda mais complexa do ponto de vista ambiental, exigindo constantes diálogos entre as
partes interessadas – governos, pesquisadores, os próprios pescadores e outros –, para que
se alcance a melhor solução para os problemas enfrentados.
Os que estudam a situação do estoque das espécies tentam convencer os pescadores de
que precisam diminuir o esforço de pesca para que haja uma renovação e reprodução
adequada. [...] No entanto, na sociedade capitalista [...] tudo ou quase tudo acaba
tomando proporções de ser visto na ótica da luta por sobrevivência para uns e busca de
lucro para outros (PEREIRA, 2008, p. 74).
Com isso, o pensamento ambiental e a luta por sua aplicabilidade são postos de
lado, para uma manifestação irracional da lei do mais forte, o capital. Surge, desse modo, a
educação ambiental – que possui como finalidade a construção de uma nova racionalidade
no uso dos recursos naturais, bem como da condição saudável de vida entre os seres
humanos (PEREIRA, 2008) –, que enfrenta diversos problemas para se efetivar, em função
das próprias dificuldades verificadas nas comunidades pesqueiras.
Um fator importante, muitas vezes negligenciado, é a necessidade do acesso à
educação das comunidades pesqueiras, tanto no que se refere à educação formal (escolar)
como informal (projetos, programas), pois ela possibilita que participem ativamente nas
decisões que envolvem a comunidade. A participação representa uma conquista para os atores
sociais e possibilita a ação interativa entre forças que se complementam e se contrapõem
numa realidade vista como totalidade, conforme Acselrad (2001 apud PEREIRA 2008).
Desse modo, infere-se que a não participação dos atores sociais, especialmente no
que se refere àqueles afligidos pelos problemas sociais “decompõe a realidade, reduzindo-a
e simplificando-a, não dando conta da compreensão de sua complexidade e somente
possibilitando intervenções parciais e fragmentadas” (PEREIRA, 2008, p. 76).
Pereira (2008) enfoca então a estratégia da utilização da educação ambiental como
propulsora de um processo de inclusão social e participação, tornando-se, dessa forma, um
instrumento de gestão capaz de intervir na realidade (ou em sua construção), permitindo
que cada indivíduo atue considerando as consequências globais de suas atividades,
consciente da globalidade que existe em cada local e em cada indivíduo. Assim, se o meio
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ambiente está relacionado a um lugar determinado em que os elementos naturais e sociais
se relacionam, é preciso lançar um olhar sobre os problemas imediatos que envolvem a
realidade do grupo social inserido nesse meio.
No âmbito da política pública, Pereira (2008) trata da alta capacidade de intervenção
da liderança de comunidades e pescadores, embora ainda se verifique que poucos
efetivamente se envolvem no processo de participação, “o que os torna alvos de oportunistas
que se aproximam com intuito de usá-los como trampolim político” (PEREIRA, 2008, p. 77).
Algumas peculiaridades da atividade pesqueira são fundamentais para entender a
realidade a que as cooperativas se inserem e subsidiar o planejamento de estratégias para
o desenvolvimento do cooperativismo na atividade pesqueira. Maldonado e Santos (2006,
p. 326) citam como peculiaridades a “dependência do poder público e a complexidade da
atividade pesqueira e das cooperativas de pesca”. Outra peculiaridade do setor pesqueiro é a
questão do próprio pescado, recurso que depende exclusivamente da reprodução biológica
e o crescimento dos indivíduos, que, segundo Marrul Filho (2001 apud MALDONADO;
SANTOS, 2006, p. 327), “são fenômenos limitados pela capacidade de carga do ambiente
no qual ocorrem, impondo limites ao tamanho dos estoques capturáveis”.
Constrói-se, assim, naturalmente, um teto máximo sob o qual a atividade pesqueira
pode operar - fato contrário à própria dinâmica do capitalismo em sua tendência ao
desenvolvimento infinito. As flutuações no tamanho dos estoques exploráveis, provocadas
tanto por fatores naturais como por aquelas decorrentes de desequilíbrios ambientais
ocasionados por atividades antrópicas, causam imensas dificuldades na previsão de
rendas futuras, resultando em altas incertezas econômicas para a atividade pesqueira
(MALDONADO; SANTOS, 2006, p. 327).
Os pontos apresentados associados aos desafios enfrentados pelas cooperativas
pesqueiras, em face de algumas exclusividades, como a de o pescado ser um produto
altamente perecível; de a atividade em pequena escala exigir dedicação exclusiva do
pescador; além de outros, que acabam limitando as potencialidades do setor. A
importância do meio marinho, constituído pelos oceanos, mangues, mares e costa, e demais
ambientes aquáticos (lagos, rios, estuários), se dá por ser componente essencial “do sistema
mundial de sustentação da vida e uma valiosa fonte de proteínas para o desenvolvimento
de uma população em constante crescimento” (CHAVEZ; TACHIBANA, s.d., p. 1).
Segundo Chavez e Tachibana (s.d.), fatores como a poluição, o desenvolvimento
tecnológico ocorrido nas últimas décadas, exigindo maiores custos ambientais, e, sobretudo,
a pesca predatória são formadores de grandes pressões sobre os recursos hídricos, em
especial o marinho, que já dá sinais de esgotamento, apesar de sua imensidão. Essa
poluição contamina não só a água, mas também sua produção para abastecimento
humano, inviabilizando, segundo especialista, o seu tratamento para consumo em pouco
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
409
tempo. A contaminação pode gerar também problemas em relação às atividades turísticas
e recreativas em cidades litorâneas, tornando-as inaptas, constituindo um grave problema
às autoridades locais.
Chavez e Tachibana (s.d.) orientam que a prevenção da contaminação se torne cada
vez mais imprescindível, pois seus impactos não se restringem à alteração da qualidade da
água, mas também exercem efeitos diretos sobre a “qualidade e variedade dos serviços
oferecidos, programas de educação, número de turistas, programas de saúde e custos
ambientais” (CHAVEZ; TACHIBANA, s.d., p. 2). Outro impacto observado é a introdução
de espécies exógenas, que acabam se proliferando rapidamente no novo ambiente onde
são colocadas, pondo em risco a biodiversidade local. O excesso de resíduos orgânicos e
inorgânicos lançados na água também contribui para o enriquecimento de nutrientes na
água, gerando, consequentemente, a eutrofização. Outro ponto é o uso em demasia de
medicamentos que, quando absorvidos pelos organismos aquáticos, acabam influenciando
no processo de geração de outros organismos resistentes à contaminação (CHAVEZ;
TACHIBANA, s.d.).
O grande desafio que se coloca na atualidade é uma forma de satisfação das
necessidades humanas aliada à proteção e resguarda do ecossistema aquático, que é a base
da vida, e, assim, viver em harmonia com a natureza, uma vez que a produção pesqueira,
infelizmente, ainda tem base na exploração intensiva dos recursos naturais e sobrecarga da
capacidade ambiental, sem levar em consideração que tanto as geração presentes quanto
as futuras dependem desse recurso e de sua produção natural.
4.3 IMPACTO AMBIENTAL DA PESCA
Os principais impactos ambientais, também os mais expressivos, decorrem da pesca
industrial cujos processos tecnológicos permitem o avanço das atividades além das regiões
costeiras, para suprimento de uma ampla faixa da população, o que exerce uma forte
pressão no meio ambiente, causando “o desaparecimento de muitas espécies, e deixado
a outras perto da extinção devido principalmente a uma pesca irracional” (CHAVEZ;
TACHIBANA, s.d., p. 10).
Entre os problemas ambientais que são verificados nos ambientes aquáticos e
acabam gerando impactos, destacam-se: os vazamentos de combustíveis/petróleo de
embarcações; a contaminação por esgotos sanitários e industriais; dejetos domésticos;
nutrientes (fosfatos e nitratos); eutrofização; metais pesados (resíduos minerais); resíduos
químicos (resíduos industriais); produtos petroquímicos; inserção de espécies exóticas; e a
própria pesca e aquicultura. Desse modo, conforme colocam Chavez e Tachibana (s.d.), o
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impacto ocasionado pela pesca pode ser dividido em impactos diretos e impactos indiretos,
de acordo com o seu nível de atuação, a saber:
Impactos Diretos: redução da população objeto da pesca; mortalidade da população
não objetiva (fauna acompanhante); destruição de habitat causado pela introdução dos
apetrechos de pesca.
Impactos Indiretos: interações biológicas (competência e depredação); efeitos
provocados no ecossistema por descartes derivados da pesca; impactos da pesca fantasma.
Outros impactos, como os provenientes dos descartes de espécies não exploradas,
“bem como dos desfechos orgânicos derivados das atividades pesqueiras” (CHAVEZ;
TACHIBANA, s.d., p. 11), podem levar a mudanças na estrutura e diversidade de espécies
das comunidades aquáticas, o que favorece o desenvolvimento de espécies detritívoras.
Os autores citam ainda o impacto originado pela água de descarga e água de cola, gerada
pelas fábricas processadoras de farinha e óleo de peixe, o que culmina na proliferação de
algas, e consequente eutrofização do ambiente. Já a pesca fantasma, aquela decorrente do
abandono de aparelhos e equipamentos de pesca decorrentes de acidentes é responsável
por mortes, ainda não mensuradas, de mamíferos aquáticos e aves, principalmente.
Em virtude desses impactos, ressalta-se a necessidade da criação de regulamentações
que estabelecem padrões e limitações quanto ao uso e exploração dos recursos aquáticos,
visando à utilização desses recursos da melhor maneira possível, sustentavelmente, para
que continuem proporcionando rendimentos adequados, sem deixar de lado a proteção
dos ecossistemas aquáticos e o ambiente como um todo.
4.4 OS LIMITES E AS POTENCIALIDADES PARA A SUSTENTABILIDADE
Apesar das fortes pressões sofridas pelas comunidades pesqueiras, sobretudo no
que se refere à evolução e expansão do sistema capitalista, “um dos grandes desafios
futuros que se apresenta trata-se de entender como essas comunidades pesqueiras têm
se organizado e sobrevivido no contexto capitalista” (PEREIRA, 2008, p. 79).
Já dizia Sartre, através de Brandão (2003), que o essencial não é o que foi feito do homem,
mas o que ele faz daquilo que fizeram dele. O que foi feito dele são as estruturas, os
conjuntos significantes estudados pelas ciências humanas. O que ele faz é a sua própria
história, a superação real dessas estruturas numa práxis totalizadora (PEREIRA, 2008, p. 79).
Nesse sentido, é fundamental que as comunidades pesqueiras tenham pleno acesso
à educação como um todo, inclusive à educação ambiental, para que se discuta e se
entenda como se articulam os poderes na sociedade e o papel da política numa situação
de desigualdade social como muitos desses pescadores vivem.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
411
Como diz Pereira (2008), os problemas ambientais não decorrem da quantidade
de pessoas existentes no Planeta, mas sim em como elas se organizam e produzem em
sociedade. Nesse ponto é que se insere a questão da educação ambiental como meio para o
enfrentamento dos problemas ambientais e solução das questões que atingem as cooperativas
de pesca artesanal, tendo como foco a busca da sustentabilidade em suas dimensões.
Nesse sentido, trabalhar educação ambiental com pescadores artesanais significa estar
articulado com lutas sociais, com a expectativa da emergência de atores sociais, com a
preservação e o reconhecimento de processos reversíveis e outros irreversíveis e com as
relações econômicas de forma crítica (PEREIRA, 2008, p. 80).
Portanto, a adoção de políticas públicas de educação ambiental voltadas para a
pesca instiga a reflexão do papel dos órgãos ambientais na tomada de decisão, tendo como
base a participação popular.
Importante ressaltar o papel do cooperativismo para a mudança da realidade das
comunidades pesqueiras, que, segundo Pereira (2008), se apresenta como um dos caminhos
possíveis para a transformação da realidade atual.
Entende-se, nesse sentido, que os pescadores e pescadoras, através da educação
ambiental, terão oportunidade de apoderar-se de ferramentas, que lhes proporcionarão
descortinar os mecanismos que movem a sociedade capitalista, criando alternativas de
mudança na busca da sustentação desta categoria social (PEREIRA, 2008, p. 80).
412
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CONCLUSÃO
O cooperativismo surgiu da necessidade dos grupos menos favorecidos como forma
de enfrentamento ao capitalismo – sistema vigente caracterizado pela busca desenfreada
pelo lucro –, e de combater a desigualdade na distribuição de recursos, exclusão de
pessoas, e o desemprego, que tem como consequência a falta de condições adequadas
para a subsistência desses grupos.
Dessa forma, as cooperativas pesqueiras, baseadas nos princípios do cooperativismo
definidos por Rochdale e difundidos, principalmente, por Robert Owen, se apresentam
como grupo organizado na busca de melhores condições de sobrevivência e competitividade
no mercado.
Muitos foram, são, e ainda serão os movimentos cooperativistas que surgem na ânsia
de modificar, pelo menos, seu contexto, a atual forma de gestão dos empreendimentos,
lutando contra o capitalismo vigente.
Infere-se, portanto, que as cooperativas propõem uma nova dinâmica à sociedade
atual, buscando a justiça social e econômica, pela divisão igualitária de direitos e deveres.
O cooperativismo oferece aos pescadores uma nova realidade frente aos problemas
enfrentados, permitindo que tenham maior competitividade no mercado, melhores
condições de vida, e valorização do trabalho. A capacidade de autogestão, obtenção de
empréstimos e o crescimento das vendas levam os pescadores a se valorizar em virtude do
trabalho cooperativo, que lhes permite oferecer seus produtos em condições que seriam
impossíveis enquanto pescadores individuais.
Verifica-se que não há consenso a respeito do conceito de sustentabilidade, e que
esse conceito se apresenta como um tema complexo e muitas vezes inatingível quanto às
várias dimensões.
Portanto, a sustentabilidade não pode ser alcançada sem que haja uma visão
integrada das questões urbanas, abrangendo as questões sociais, importantes fatores de
degradação ambiental, sendo de fundamental importância para garantir o atendimento
às condições de proteção ambiental, e, além disso, em sua visão mais ampla, de maneira
complementar proporcionar sustentabilidade social, econômica, cultural, espacial e política.
No que tange a necessidade de resolução dos problemas quanto à dimensão
ambiental na pesca artesanal, destaca-se a importância da educação ambiental, a fim
de sensibilizar os pescadores quanto ao uso dos recursos naturais e à necessidade de
preservação ambiental para que o negócio se torne sustentável, elevando o nível de vida
dos cooperados, e permitindo que se garanta qualidade ambiental para as futuras gerações.
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413
Portanto, o ecodesenvolvimento deve promover a conscientização da comunidade
local, bem como definir os padrões de sustentabilidade que serão utilizados para garantir
um crescimento local adequado.
Infere-se, então, que não é possível que as cooperativas populares pesqueiras
cheguem ao clímax do melhor resultado produtivo e qualidade de vida sem que haja
o atendimento aos princípios cooperativos antes estabelecidos, aliados à temática do
desenvolvimento sustentável, que garantirá a existência dos recursos por um longo período
caso sejam respeitados seus limites, e evitados os impactos sobre tal.
Outro destaque se relaciona à estreita ligação entre as finalidades tanto do
cooperativismo quanto da sustentabilidade, que é lutar contra o sistema vigente, buscando
oferecer às comunidades condições equilibradas e igualitárias de vida, suprindo suas
necessidades, sem desrespeitar o que pertence ao outro (nesse caso, pode-se citar o meio
ambiente e seus recursos naturais) sempre em uma gestão de cooperação.
O papel do poder público está, tão logo, em oferecer à sociedade opções para a
associação em cooperativas, o incentivo e fiscalização de suas ações para que realmente
beneficiem aqueles que necessitam, além da criação de políticas públicas efetivas para o
desenvolvimento desse setor, em especial o pesqueiro, que muito tem a contribuir com
o desenvolvimento do País, além de ser uma alternativa viável para os problemas de
desigualdade social e econômica.
Em relação ao desenvolvimento sustentável, enquanto esse não for entendido
como único meio de se atingir a proteção ambiental, principalmente como garantia de
sobrevivência desta e das futuras gerações, que dependem intrinsecamente dos recursos
ambientais, tanto o cooperativismo quanto o próprio capitalismo estarão fadados à crise,
atingindo toda a população.
414
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
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416
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELOS DANOS DECORRENTES DAS
ENCHENTES: UM ESTUDO DE CASO DAS ENCHENTES OCORRIDAS NO VALE
DO ITAJAÍ EM 2008 E NA REGIÃO SERRANA DO RIO DE JANEIRO EM 2011
Kelly Laskavski*
Mayra de Souza Scremin**
RESUMO
As enchentes que vêm ocorrendo no País têm gerado inúmeros estragos materiais e
morais. A causa das enchentes não é apenas a chuva, mas também a falta de planejamento
urbano, estrutura inadequada para os recursos hídricos, ausência de fiscalização para
obstar construções irregulares em morros, nas proximidades dos rios, além de outras
causas. Os danos causados são evidentes e inúmeros; porém pouco se fala acerca da
responsabilização daqueles que tinham o dever de evitar – ou ao menos reduzir – os
impactos causados pelas enchentes. Assim, o presente trabalho pretende levantar os
argumentos jurídicos a favor e contra a responsabilização do Estado pelos danos causados
pelas enchentes no Brasil, verificando se, de fato, ele pode ser responsabilizado. Para o
desenvolvimento do trabalho, foi realizada a pesquisa bibliográfica e o estudo de casos,
culminando na conclusão de o Estado pode, sim, ser responsabilizado pelos danos
oriundos das enchentes, tanto pela adoção da teoria da responsabilidade subjetiva,
quanto pela adoção da teoria da responsabilidade objetiva.
Palavras-chave: Danos. Indenização. Estado. Culpa. Catástrofes.
*
Aluna do 5º ano de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica da Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
**
Mestre em Direito (UFPR). Advogada. Professora da FAE Centro Universitário. E-mail: mayra.scremin@
fae.edu.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
417
INTRODUÇÃO
Todos os anos o Brasil se depara com inúmeras catástrofes decorrentes das chuvas.
São enchentes e deslizamentos de encostas que levam consigo construções, bens móveis
e vidas, deixando um rastro de danos que, em princípio, não são reparados. No entanto,
não é isso que prevê a legislação brasileira, que é clara ao definir que todo aquele que
causar dano a outrem tem o dever de indenizar. Assim, a identificação dos responsáveis
pelas enchentes abre caminho para a cobrança de reparação aos danos delas decorrentes.
Mas o que é responsabilidade? De acordo com Rui Stoco 1, a expressão
“responsabilidade” é polissêmica, podendo significar tanto diligência quanto obrigação
pelos atos praticados. A expressão originou-se nas relações creditícias em que o devedor
confirmava ter com o credor uma obrigação, a qual era garantida com uma caução ou
responsor, não guardando qualquer relação com a culpa, mas somente servindo de garantia
de satisfação da obrigação.
Atualmente, a expressão responsabilidade civil diz respeito ao dever de reparar
os danos materiais ou morais causados a terceiros, por ação ou omissão própria ou que
lhe seja atribuída por lei. Trata-se de uma exigência natural da vida em sociedade e visa
restabelecer o equilíbrio individual e social rompido com o dano2.
Maria Helena Diniz define a responsabilidade civil como
a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral e patrimonial
causado a terceiros em razão do ato próprio imputado, de pessoa por quem ele responde
ou de fato ou coisa ou animal sob a sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda,
de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).3
Rui Stoco4 menciona que a responsabilidade civil é uma instituição assecuratória
de direitos para onde acorrem os insatisfeitos e injustiçados pelo comportamento de
outrem. É, portanto, uma consequência e não uma obrigação original. Sempre que alguém
sofre um detrimento qualquer e não obtém a reparação necessária, pode lançar mão da
responsabilidade civil para se vir ressarcido, dado que a responsabilização civil consiste
na retratação de um conflito.
STOCO, Rui, 2007.
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da,
2011, p. 566.
DINIZ, Maria Helena, 2003.
STOCO, Rui, 2007.
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Assim, visando atender às expectativas daqueles que sofrem os danos – ainda que
decorrentes de enchentes – a legislação brasileira traz duas vertentes a serem invocadas: a
responsabilidade subjetiva, aplicável a uma generalidade de pessoas, para a qual o elemento
culpa é indispensável à configuração do dever de reparação do dano; e a responsabilidade
objetiva, aplicável àqueles que detêm um dever maior de diligência – como o Estado –
sendo dispensável a presença do elemento culpa para caracterização do dever de reparar,
como será visto adiante.
2
2.1
REFERÊNCIAL TEÓRICO
RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA
A responsabilidade civil subjetiva encontra guarida no Código Civil Brasileiro, mais
especificamente em seus artigos 186 e 927, os quais, cumulados, dispõem que, aquele que,
por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito, fica obrigado a repará-lo.
O ato ilícito, conceituado no artigo 186 do CC, é definido por Maria Helena Diniz
como sendo o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica, violando o direito
subjetivo individual. Assim, causado dano a outrem, cria-se o dever de repará-lo. Logo,
o ato ilícito produz efeito jurídico, só que esse não é desejado pelo agente, mas imposto
pela lei.
O ato haverá de ser considerado ilícito sempre que, como decorrência de uma
infração da regra que disciplina a atuação estritamente jurídica de alguém, se manifeste
uma desconformidade, ainda que essa não venha lesar direito subjetivo de quem quer
que seja6.
Assim, tem-se que para configurar a responsabilização subjetiva, é necessária a
presença dos seguintes elementos: ação ou omissão, dano, nexo de causalidade e culpa.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil Anotado. Editora Saraiva, 3 ed. 1997, p. 169.
SANTOS, Herez, 2006.
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A ação ou omissão ensejadora da responsabilidade civil é aquela dita antijurídica,
imputável ao agente, uma vez que a mera consumação do dano na órbita individual de
um terceiro é insuficiente para o surgimento da responsabilidade7. Complementando,
tem-se que “quem age conforme ao direito, de maneira lícita, não é responsável, porque
a responsabilidade é sanção da violação e uma regra de direito”8.
O dano, em sentido comum, significa o mal que se faz a alguém; prejuízo;
destruição, inutilização ou deterioração de coisa alheia; enquanto, em sentido jurídico,
dano é qualquer ato ou fato praticado pelo sujeito ativo, produtor de lesões a interesses
alheios juridicamente protegidos, incluindo-se no conceito de ato ou fato tanto as ações
como as omissões9. Trata-se de qualquer lesão injusta aos valores protegidos pelo Direito10.
Do dano surge a necessidade de reparação, a fim de restaurar o equilíbrio rompido11.
A doutrina é unânime12 em afirmar que não há responsabilidade sem prejuízo, concluindo
que o prejuízo causado pelo agente é o dano13. Observa-se que o dano somente será
indenizável quando for certo, especial e anormal14.
Por certo, tem-se que o dano deve ser real, já concretizado, sendo impossível o
ajuizamento de medida preventiva, isto é, medidas interpostas sob a fundamentação de que
os danos poderiam ocorrer; por especial, tem-se que se contrapõe à noção de dano geral
aplicável à coletividade como um todo, devendo ser passível de individualização; e anormal,
por não ser mero dissabor da vida em coletividade, consistindo em prejuízos atípicos.
Quanto ao nexo de causalidade, tem-se que é a relação de causa e efeito existente
entre o fato ocorrido e suas consequências15.
JUSTEN FILHO, Marçal, 2005, p. 794.
DIAS, José de Aguiar, 2006. p. 141.
MATIELO, Fabrício Zamprogna, 1998.
7
8
9
BITTAR, Carlos Alberto, 1993, p. 14.
BITTAR, Carlos Alberto, 1993, p. 16.
A título de exemplo, cita-se BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1993; SPITZCOVSKY, Celso. Direito Administrativo. 6 ed. São Paulo: Damásio de
Jesus, 2004; e MATIELO, Fabrício Zamprogna. Dano Moral, Dano Material e Reparação. 4. ed., revista
e ampliada. – Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998.
STOCO, Rui, 2007.
SPITZCOVSKY, Celso, 2004, p 263.
SPITZCOVSKY, Celso., 2004, p 266.
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Por fim, o elemento culpa é analisado em seu sentido lato senso, ou seja, tanto
pode ser que o agente causador do dano tenha praticado a ação ou dela se omitido por
dolo – vontade livre e consciente da ilicitude de seus atos –, quanto por culpa stricto senso,
caracterizada por negligência, imprudência ou imperícia.
Conclui-se, pois, que – para a corrente subjetivista – a culpa é elemento indispensável
à concretização da responsabilidade civil, devendo ser avaliada a imputabilidade, ou seja, a
consciência do agente, a vontade do infrator na prática do ato deve ser consciente16.
A obrigação de reparar decorrente da culpa corresponderia rigorosamente a um
sentimento de justiça, de modo que a reparação seria indispensável para a integração da
pessoa no meio em que vive, tanto no direito quanto na moral17.
Presentes tais requisitos, resta configurado o dever de indenizar na modalidade
subjetiva, ou seja, aquela que depende da “inexecução consciente de uma norma de
conduta, cujos efeitos danosos são desejados pelo agente (dolo) ou previsíveis, mas não
evitados pelo infrator (culpa em sentido estrito)”18 causadora do evento lesivo.
2.2
RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
Conforme dito anteriormente, a responsabilidade civil é aplicada de forma
diferenciada àqueles que detêm um dever maior de cuidado. Assim acontece com o
empregador em relação aos atos praticados por seu empregado, a quem deveria fiscalizar
e coordenar e, do mesmo modo, com o Estado.
Para essa espécie de responsabilização, é necessária tão somente a presença de
dois elementos: dano e nexo de causalidade.
A previsão legal para a responsabilização objetiva está no parágrafo único do
artigo 927 do Código Civil Brasileiro, que determina a obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os
direitos de outrem.
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da,
2011, p. 576.
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da,
2011, p. 577 e 578.
MONTEIRO, Washington de Barros; MALUF, Carlos Alberto Dabus; SILVA, Regina Beatriz Tavares da,
2011, p. 578.
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No que tange à responsabilização objetiva do Estado, a previsão legal decorre da
própria Constituição Federal da República do Brasil, que no artigo 37, §6º dispõe que
as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,
assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Percebe-se, pois, a exclusão do elemento culpa do agente, motivo pelo qual é
denominada por alguns doutrinadores – tais como Celso Spitzcovsky, Odete Medauar e
Diógenes Gasparini – como objetiva.
Odete Medauar pauta a necessidade de responsabilização objetiva do Estado por meio
do seguinte conceito: No caso da Administração, a multiplicidade e amplitude de suas
atividades e as suas prerrogativas de poder ensejam risco maior de danos a terceiros. Por
outro lado, nem sempre é possível identificar o agente causador, nem sempre é possível
demonstrar seu dolo ou culpa. Melhor se assegurar os direitos da vítima ante o tratamento
objetivo da responsabilidade da Administração19.
Tratando-se de responsabilidade objetiva do Estado, por vezes vigora a teoria do risco
administrativo, que consiste em uma responsabilidade objetiva mitigada e que pode ser afastada
ou diminuída pela culpa exclusiva ou concorrente da vítima, cabendo o direito de regresso
contra o responsável direto pelo evento, por vezes, a teoria do risco integral, aplicável nas
situações em que não há direito de regresso do ente público contra o seu agente.
Observa-se que a teoria do risco integral é demasiado extremista, podendo ensejar
situações absurdas, em que, embora o Estado nada pudesse fazer para evitar o dano, ainda
assim seria responsabilizado. Por essa razão, referida teoria não é adotada pelo Direito Nacional,
que optou pela teoria do risco administrativo.
No entanto, essas não são as únicas vertentes acerca da responsabilidade do Estado. Uma
parte da doutrina20 entende que, se tratando de omissão do Estado, haverá responsabilidade
subjetiva, devendo o lesado provar o dolo e a culpa – teoria da culpa anônima do Estado ou
teoria da falta do serviço21.
MEDAUAR, Odete, 2009, p. 377.
Os principais expoentes dessa corrente são Celso Antônio Bandeira de Mello, Hely Lopes Meirelles,
Maria Helena Diniz, Maria Sylvia Zanella di Pietro e Diogénes Gasparini.
Justen Filho diz ser mais apropriado aludir a uma objetivação da culpa, posto que aquele que detém
competências estatais tem o dever objetivo de adotar as providenciais necessárias e adequadas para
evitar danos às pessoas e ao patrimônio. Para ele, infringindo esse poder objetivo quando no exercício
de suas competências e acarretando dano, forma-se um juízo de reprovabilidade quanto à sua conduta
sem a necessidade de investigar a existência de uma vontade psíquica no sentido da ação ou omissão
causadora do dano.
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De acordo com essa teoria, respaldada no artigo 4322 do CC, o Estado deve reparar
o dano apenas se comprovado o mau funcionamento, o não funcionamento do serviço,
a falha da administração (culpa publicista ou culpa anônima). De qualquer modo, cabe
à vítima comprovar tais acontecimentos23. Esse é o entendimento do Supremo Tribunal
Federal, que defende a responsabilização subjetiva do Estado em casos omissivos24. Assim,
não existe responsabilização do Estado por crimes cometidos por fugitivos do sistema
carcerário, tampouco por mortes causadas por balas perdidas, e, de igual modo, não se
fala em responsabilidade do Estado quanto a danos oriundos das enchentes.
Mas e quando tais danos oriundos das enchentes se mostram recorrentes em
determinados locais? Ainda assim cabe ao prejudicado comprovar que os danos poderiam
ser evitados se houvesse a efetiva intervenção estatal? Na hipótese de reconhecimento de
risco administrativo, pode-se dizer que – mesmo acontecendo todos os anos na mesma
época – o excesso de chuva consiste em caso fortuito? Que mesmo o Estado detendo o
Poder de Polícia não lhe cabe retirar moradores de áreas impróprias e que os danos que
lhes acometerem decorrem de suas próprias atitudes?
A fim de responder tais questionamentos pretende-se, por meio dos estudos de
caso abaixo, verificar se é possível imputar a responsabilidade pelos danos decorrentes
das enchentes ao Estado e, se sim, qual a fundamentação para tanto.
3OBJETIVOS
3.1
OBJETIVO GERAL
Identificar de quem é a responsabilidade pelos danos causados em razão das
enchentes ocorridas no Brasil, especificamente nas áreas utilizadas no estudo de caso.
Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus
agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores
do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
MEDAUAR, Odete, 2009.
AI 727483 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 19/10/2010, DJe-222
DIVULG 18-11-2010 PUBLIC 19-11-2010 EMENT VOL-02434-03 PP-00458 LEXSTF v. 32, n. 384, 2010,
p. 72-75. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/visualizarEmenta.asp?s1=00016753
9&base=baseAcordaos. Acesso em 06. Jun. 2012.
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423
3.2
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1. Conceituar o que é responsabilidade e os elementos que a compõe;
2. Diferenciar a responsabilidade subjetiva da responsabilidade objetiva;
3. Verificar a legislação e doutrina aplicável em cada caso;
4. Analisar a responsabilização cabível no caso das enchentes ocorridas no Vale
do Itajaí e Região Serrana do Rio de Janeiro.
4
METODOLOGIA DA PESQUISA
Para o desenvolvimento da pesquisa e obtenção dos resultados foi realizada a
pesquisa bibliográfica (caráter exploratório), a fim de conceituar em que consiste e a quem
se aplica a responsabilização por danos causados.
Outrossim, foi realizado o estudo de dois casos emblemáticos de danos causados
pelas enchentes no Brasil: Vale do Itajaí, em Santa Catarina e Região Serrana do Rio
de Janeiro.
5
ESTUDO DE CASOS
Encerradas as explanações acerca do que é a responsabilidade civil, passa-se agora
para os estudos de caso e as conclusões deles decorrentes.
Inicia-se com a enchente ocorrida no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, no ano
de 2008.
O Vale do Itajaí conta com uma rica rede de drenagem formada por inúmeros
afluentes do rio Itajaí. Sua colonização foi inicialmente agrícola, composta por minifúndios a
beira do rio. Com o tempo, pequenos núcleos urbanos começaram a surgir, transformandose em pequenas e médias cidades que formam a rede urbana no Itajaí, a qual, atualmente,
conta com 51 municípios.
A economia da região, que inicialmente era baseada na agricultura e na extração,
se desenvolveu até chegar à industrialização, principalmente no ramo têxtil, que trouxe
consigo o crescimento populacional, de modo que o leito secundário dos rios, considerado
planície de inundação, e as encostas dos morros foram gradualmente ocupados, ensejando
enchentes periódicas na região25.
25
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MATTEDI, Marcos Antônio et al, 2009, p. 8.
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A enchente, ocorrida em novembro de 2008, levou 14 municípios a decretarem
estado de calamidade pública, e outros 63 decretaram situação de emergência, perfazendo
a quantia de 135 mortos e 78.656 desabrigados e desalojados26.
A intensidade das chuvas, de fato, fora considerada excepcional, perto de 500mm
em dois dias em Blumenau, mas, ainda assim, é inegável que as atividades humanas
contribuíram decisivamente para o aumento dos impactos27. A título de exemplo, cita-se
a cidade de Baú, uma das mais atingidas pelo desastre, onde o levantamento efetuado
pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e de Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI)
demonstrou que 85% dos escorregamentos de terra decorrem de ações humanas
desenvolvidas na área, tais como desmatamentos, cortes nas encontas, aterros, políticas
agrículas e urbanas inadequadas28.
Ressalta-se que “é um equívoco acreditar que quanto maior a chuva maior o
impacto, pois eventos de menor intensidade vêm produzindo impactos negativos de
magnitude cada vez maior”29. Assim, toda a destruição verificada no período pós-impacto
é fruto da cumulação de práticas cotidianas de ocupação irregular do solo e recursos
naturais, o que permite a afirmação de que os desastres que comoveram a opinião pública
nacional e internacional em novembro de 2008 foram construídos socialmente a partir
das escolhas políticas30.
Destaque-se, ainda, que essa não foi a primeira enchente ocorrida na região.
Blumenau, por exemplo, é reincidente em caso de enchentes, registrando 68 delas num
período de 158 anos31. Em todas as ocasiões, porém, as demandas da população atingida
foram respondidas com uma falsa imagem de segurança, que continua a incentivar a
ocupação de áreas de risco e uso indiscriminado dos recurso naturais, com intuito de
incentivar o desenvolvimento, sem a percepção de que esse suposto desenvolvimento
ocasiona perdas significativas quando do acontecimento de tragédias, como a vislumbrada
em novembro de 200832.
SIEBERT, Cláudia, 2009, p. 40-51.
MATTEDI, Marcos Antônio et al, 2009, p. 16.
MATTEDI, Marcos Antônio et al., 2009, p. 16.
MATTEDI, Marcos Antônio et al., 2009, p. 17.
Marcos Antônio Mattedi et al citam como exemplo as frequentes alterações no Plano Diretor da cidade
de Blumenau, que visam a expansão de aterros em áreas inundáveis, sem considerar o aumento do risco
de inundação à jusante.
MATTEDI, Marcos Antônio et al., 2009, p. 15.
MATTEDI, Marcos Antônio et al., 2009, p. 17.
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No segundo caso a ser estudado – a enchente ocorrida na Região Serrana do Rio de
Janeiro, em janeiro de 2011 –, tem-se que pelo menos 918 pessoas perderam suas vidas e
345 foram dados como desaparecidos. Estima-se que 8.900 pessoas ficaram desabrigadas 33.
As cidades mais afetadas foram Teresópolis, Nova Friburgo e Petrópolis.
Na ocasião, o Instituto Nacional de Metereologia (InMet) chegou a emitir aviso
metereológico para as Defesas Civis estadual e municipais, no entanto, de acordo com as
prefeituras de Nova Friburgo, Teresópolis e Petrópolis, não houve tempo para evitar a tragédia,
enquanto que a defesa civil estadual limitou-se a ignorar o aviso34.
Deve-se observar que, embora o volume de chuvas tenha sido elevado, ele não
representa o maior volume registrado na região. A título de exemplificação, Teresópolis
registrou 124,6 mm de chuva no dia 12 de janeiro de 2011, contra uma máxima histórica
de 140,8 mm, registrada em 28 de janeiro de 197735.
Convém acrescentar, ainda, que em 2008 o Ministério Público ajuizou ação para
demolir construções irregulares em áreas de risco do bairro do Caleme, um dos mais
atingidos de Teresópolis, cuja ação não havia sido analisada pelo judiciário na data da
tragédia. Além desse, outros 20 inquéritos constam em abertos para investigar denúncias
de ocupações em áreas de risco ou de preservação ambiental no município, que teriam
sido incentivadas pela prefeitura, por vereadores e pela iniciativa privada.
Em 1992, o MP moveu uma ação para demolir lojas construídas irregularmente na
cabeceira de um rio, perto da Ponte do Imbuí. A sentença em primeira instância saiu em
2009, 17 anos depois, mas a Defensoria Pública recorreu e o processo está no Tribunal
de Justiça36.
Não apenas Teresópolis tinha ciência dos riscos existentes, e, de acordo com os
estudos disponíveis, as três cidades tinham, antes da tragédia, pelo menos 42 mil moradores
em 230 áreas vulneráveis, onde foram construídas cerca de 10 mil casas37. Teresópolis,
inclusive, já havia sido objeto de mapeamento de áreas de risco em 2007, conforme
informou o presidente do Serviço Geológico do Rio de Janeiro (DRM-RJ), Flávio Erthal
em 09 de abril de 201238.
Disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5554636-EI8139,00-RJ+nenhuma+casa
+foi+entregue+para+as+vitimas+das+enchentes+de.html. Acesso em 13 de maio de 2012.
Disponível em http://oglobo.globo.com/pais/noblat/posts/2011/01/17/irresponsabilidade-em-cadeiaeditorial-357193.asp. Acesso em 13 de maio de 2012.
Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/chuva-nao-foi-mais-forte-registrada-na-serra-28358 6#ixzz1
unoTzzx6. Acesso em 11 de maio de 2012.
Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/ha-tres-anos-mp-entrou-com-uma-acao-para-demolir-asconstrucoes-em-areas-de-risco-no-caleme-2834165#ixzz1uo47N3kg. Acesso em 13 de maio de 2012.
Disponível em http://oglobo.globo.com/rio/antes-de-catastrofe-cidades-da-regiao-serrana-ja-tinhammapeado-42-mil-moradores-em-areas-de-2831693#ixzz1uo5ja0Yh. Acesso em 13 de maio de 2012.
Disponível em http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2012-04-09/areas-de-teresopolis-afetadas-pela-chuvasao-consideradas-de-risco-desde-2007. Acesso em 13 de maio de 2012.
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Analisando as situações acima, verifica-se que, caso seja aplicada a Teoria da
Responsabilidade Objetiva do Estado baseada no risco administrativo – conforme determinação
da Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 37 §6º –, o Estado não poderia alegar em seu
favor a existência da excludente de responsabilidade caso fortuito ou força maior39, pois ambos
os desastres eram previsíveis, seja pela existência de enxurradas anteriores, seja pelos estudos
realizados nos locais, que evidenciaram a existência de ocupações em área de risco. Também
não se trata de estado de necessidade, pois o dano é decorrente justamente da inação estatal
e não de sua atuação emergencial para combater a enchente. A culpa exclusiva de terceiros
também não serve de respaldo para a não responsabilização do Estado.
No caso de Nova Friburgo, a população chegou a temer a queda de uma caixa d’água
local, por pensar que se tratava do rompimento de uma represa, mas a situação não passou
de boato, sem maiores danos. Supondo que, de fato, a caixa d’água, ou mesmo a represa
pertencente a terceiro que não ao Estado, viesse a causar danos, aí sim estaríamos diante dessa
hipótese de excludente. Poder-se-ia falar em atenuação da responsabilidade civil do Estado
por culpa concorrente das vítimas, mas tão somente para aquelas que de fato residiam em
áreas de ocupação irregular e não para as demais, atingidas pela força das águas em áreas, até
então, consideradas seguras e regularizadas.
Esse é o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que no julgamento da
apelação cível nº 2004.000021-9, entendeu pela responsabilidade objetiva do ente público, mas
condenou-o ao pagamento de metade da indenização pleiteada por julgar que as condições
em que foi edificada a residência do requerente concorreram para o acontecimento da lesão40.
Odete Medauar disserta que “caso fortuito diz respeito a um acidente ou falha material, técnica ou
humana, sem ciência precisa do motivo. Nessa hipótese, assemelhada ao chamado fato das coisas, pode
haver responsabilização, se presente o nexo causal.” Força maior, por sua vez, são fatos irresistíveis da
natureza e, de acordo com a autora, “se neste caso, houver também omissão do Estado na adoção de
medidas que poderiam ter atenuado ou impedido os danos, caberá sua responsabilização”.
AÇÃO ORDINÁRIA DE INDENIZAÇÃO. ENCHENTE QUE DESTRUIU PARCIALMENTE A RESIDÊNCIA DO
POSTULANTE. BUEIRO ENTUPIDO. OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO EM ATENDER A SOLICITAÇÃO DE
LIMPEZA FORMULADA ANTES DO EVENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA CONFIGURADA.
COMPROVAÇÃO DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE. GRANDE VOLUME DE CHUVA E CULPA
DO REQUERENTE AO CONSTRUIR EDIFICAÇÃO MAL ESTRUTURADA, ABAIXO DO NÍVEL DO
MEIO FIO. CONCORRÊNCIA DE CAUSAS ATENUANTES DA RESPONSABILIZAÇÃO DO MUNICÍPIO.
CONDENAÇÃO AO RESSARCIMENTO DA METADE DOS DANOS MATERIAIS ADVINDOS QUANTIA
PLEITEADA CONDIZENTE COM O VALOR NECESSÁRIO AD RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS.
DESNECESSIDADE DE REMISSÃO À FASE DE LIQUIDAÇÃO DA SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE
CONCESSÃO DE DANOS MORAIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ADEQUAÇÃO DA DECISÃO.
RECURSO DO AUTOR PROVIDO PARCIALMENTE E RECURSO DO MUNICÍPIO E REMESSA
DESPROVIDOS. (TJSC - Apelação Cível n. 2004.000021-9, de São José do Cedro, rel. Des. Vanderlei
Romer, j. 18/03/2004). Disponível em: www.tjsc.jus.br. Acesso em 11 de maio de 2012.
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Essa mitigação da responsabilidade estatal encontraria óbice no poder coercitivo que
lhe cabe, pois, ciente das ocupações irregulares – como de fato estava –, era necessário que
tivesse intervindo a tempo. Para o presidente nacional da Associação Brasileira de Engenheiros
Civis, Ney Fernando Perracini de Azevedo, a ausência de planos diretores mais rígidos e
fiscalização “permitem construções em áreas impróprias. É um convite ao desastre41”.
Cláudia Siebert aduz que:
Se o Estado não exercer o papel o seu papel regulador, através do planejamento urbano, os
mecanismos de mercado estarão livres para agir em benefício de interesses individuais. O
Estado tem se mostrado omisso na regulação do mercado imobiliário; ausente na produção
de habitação social e ineficaz no controle urbanístico, com legislação incompatível
com a realidade social, falta de fiscalização de ocupações irregulares e impunidade de
loteadores clandestinos42.
O presidente do Serviço Geológico do Rio de Janeiro (DRM-RJ), Flávio Ertha, por sua
vez, afirma que:
A questão do uso do solo é responsabilidade do município. Nosso mapeamento oferece
às prefeituras uma carta com os pontos de risco iminente, com fotografias, delimitações,
casas sob ameaça e número de pessoas nessas casas. O município então, com o apoio
do estado e do governo federal, se for necessário, deve retirar as pessoas ou providenciar
obras de contenção43.
Logo, se na demanda em face do Poder Público pleiteando a indenização por
danos decorrentes das enchentes, o Poder Judiciário entender pela aplicabilidade da teoria
objetiva, ao Estado restará tão somente a tentativa de redução do quantum indenizatório
com base na culpa concorrente da vítima.
Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1087053&ch.
Acesso em 11 de maio de 2012.
SIEBERT, Cláudia, 2009, p. 49.
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phtml?id=1242491&ch=. Acesso em 11 de maio de 2012.
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Se, por outro lado, for adotada a responsabilização subjetiva, pautado na faute du
service, o Estado também poderá vir a ser responsabilizado, desde que reste comprovado
que o dano decorre de sua omissão. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já adotou
o posicionamento de que, quando existe a previsibilidade e de enchente na área, resta
configurada a culpa do ente público pelos danos decorrentes44. Em contrapartida, o Tribunal
de Justiça de Santa Catarina já decidiu pela não responsabilização do Estado em razão da
falta de provas do liame subjetivo na omissão45.
CONCLUSÃO
Realizados os estudos de caso das enchentes ocorridas no Vale do Itajaí, em 2008,
e na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 2011, à luz da doutrina nacional, tem-se que é
possível demandar, em face do Estado, pleiteando a indenização pelos danos decorrentes
das enchentes, tanto com base na teoria da responsabilidade subjetiva, quanto com base
na teoria da responsabilidade objetiva.
Isso porque, no primeiro caso – responsabilização subjetiva – o fato de o Estado
ter ciência de que existem áreas de risco e não tomar nenhuma providência para evitar o
desastre configura sua culpa, elemento diferenciador das teorias. Já na segunda hipótese
– de responsabilização objetiva do Estado –, cabe ao indivíduo lesado tão somente
estabelecer o nexo causal, enquanto que ao Estado compete, em sua defesa, alegar alguma
das excludentes de responsabilidade.
DIREITO ADMINISTRATIVO. ATO OMISSIVO. FATO DA NATUREZA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
DEMONSTRAÇÃO DA CONDUTA OMISSIVA, DA CULPA, DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE,
QUE SE APRESENTA ÍNTEGRO, A DESPEITO DA ALEGAÇÃO DE FORÇA MAIOR. EXISTÊNCIA DE PROVAS
QUANTO À PREVISIBILIDADE DE ENCHENTES NA LOCALIDADE, DADA A PROPENSÃO DA ÁREA,
QUE CONTA COM O ESCOAMENTO DE TODA ÁGUA DO MUNICÍPIO PARA A LAGOA. OMISSÃO
ESPECÍFICA. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA LIMITADA À REPARAÇÃO DE DANOS PATRIMONIAIS.
DIREITO À INDENIZAÇÃO. DESPROVIMENTO DO RECURSO. (TJRJ 0001976-03.2007.8.19.0031 APELACAO – Des. Custódio Tostes – Julgamento: 26/07/2011 – 1ª Câmara Cível) Disponível em www.
tjrj.jus.br. Acesso em 11 de maio de 2012.
APELAÇÃO CÍVEL – INDENIZAÇÃO – ENCHENTE – DANO A IMÓVEL URBANO - CONSTRUÇÃO
CLANDESTINA – CULPA POR OMISSÃO – AUSÊNCIA DE PROVA - RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO
CONFIGURADA – SUCUMBÊNCIA – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA – ART. 12 DA LEI N. 1.060/50
– RECURSO DESPROVIDO. Consoante dispõe o art. 37, § 6º, da CF/88, a Administração responde pelos
danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, independentemente de culpa (objetiva);
todavia, este critério de apuração da culpa não tem aplicação no ato omissivo do Poder Público, devendo
a vítima comprovar objetivamente o defeito no serviço ou a sua inexistência. Concedido o benefício da
justiça gratuita, a cobrança das custas e dos honorários ficará suspensa pelo prazo de 5 (cinco) anos, nos
termos do que dispõe o art. 12 da Lei n. 1.060/50. (TJSC - Apelação Cível n. 2002.012378-7, de Porto
União, rel. Des. Rui Fortes, J. 07/11/2003) Disponível em www.tjsc.jus.br. Acesso em 11 de maio de 2012.
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Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
429
Nos casos estudados, caberia ao Estado alegar apenas a responsabilidade concorrente
da vítima quando esta ocupava área não legalizada na área atingida. Ainda assim, essa
concorrência deve ser mitigada, haja vista o dever estatal de atuar coercitivamente no
planejamento e fiscalização urbanística.
Embora exista embasamento legal para sustentar a responsabilização do Estado
por ambas as teorias, entendemos que não há razão para diferenciação entre as condutas
comissivas e omissivas do Estado. Primeiro, porque a Constituição Federal – que prevê
a responsabilização objetiva do Estado – é hierarquicamente superior ao Código Civil –
que prevê a responsabilização objetiva em casos omissivos –, de modo que a disposição
da Constituição Federal deveria prevalecer em todos os casos. Segundo, porque a
responsabilização objetiva apresenta como grande diferencial a inversão do ônus da
prova, cabendo ao lesado – hipossuficiente da relação– apenas comprovar a existência
do dano e do nexo causal. Já ao Estado caberia fazer prova em contrário, comprovando
que realizou tudo que estava ao seu alcance, a fim de evitar ou mitigar o dano, mas que
ainda assim ele ocorreu.
Tem-se, portanto, que a responsabilização objetiva, sob a modalidade do risco
administrativo, por si só, já é suficiente para embasar a responsabilização do Estado pelos
danos decorrentes das enchentes.
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
A RESPONSABILIZAÇÃO DOS ENVOLVIDOS NAS ENCHENTES
Alessandra Araujo Marcondes*
Mayra de Souza Scremin**
RESUMO
Este artigo tem como base a análise das legislações nacionais, desde a Constituição
Federal às leis ambientais, para apuração da responsabilidade civil e ambiental dos
envolvidos nos desastres de alagamento. Para tanto, é preciso analisar os aspectos
da responsabilidade civil, da responsabilidade do Estado e da responsabilidade
ambiental. Deve-se, ainda, levar em consideração a obrigação prevista pelo artigo
225 da Constituição Federal, que cabe ao Poder Público e à sociedade defender e
preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Palavras-chave: Enchentes. Poder Público. Dever. Direito ambiental.
* Aluna do 5º ano de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
**Mestre em Direito (UFPR). Advogada. Professora da FAE Centro Universitário. E-mail: mayra.scremin@
fae.edu.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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INTRODUÇÃO
Todo o ano são noticiados desastres envolvendo enchentes em várias regiões do
Brasil. Apesar desse problema vir se tornando cada vez mais comum, não são evidenciados
os responsáveis pelos danos causados por esses desastres.
Indaga-se, assim, se as enchentes ocorrem somente pelo excesso de chuva, ou
se poderiam ter sido evitadas por determinadas ações do Poder Público, previstas em
leis ambientais e normas urbanísticas, e, ainda, se há influência das próprias vítimas
desses desastres.
Este trabalho tem o intuito de questionar se as legislações pertinentes preveem
formas de se evitar o problema das enchentes, pela análise das leis ambientais e urbanísticas.
A partir disso, verificar a responsabilidade tanto do Estado, levando em consideração o
dever estatal de manter o meio ambiente ecologicamente equilibrado e prover moradia
digna a seus cidadãos, quanto da própria vítima.
O desenvolvimento deste trabalho se fundamentou em pesquisa doutrinária e
jurisprudencial, bem como na legislação pertinente ao tema. Para a arguição teórica, são
utilizados os ensinamentos de autores como: Helly Lopes Meirelles, Celso Antonio Bandeira
de Mello, Édis Milaré, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, entre outros que contribuem para
o desenvolvimento deste trabalho.
1 RESPONSABILIDADE CIVIL
No Código Civil Brasileiro de 2002 está descrito no caput do artigo 9271 que “aquele
que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. A descrição do
cometimento de atos ilícitos está presente no artigo 1862, que determina que comete ato
ilícito a pessoa que, seja por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola
direito e causa dano a outra pessoa. O artigo 1873 prevê a hipótese de cometimento de ato
ilícito por pessoa que ao exercer o seu direito excede manifestamente os limites impostos
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
1
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,
risco para os direitos de outrem.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
2
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os
limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
3
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pelo próprio fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos costumes. O parágrafo único do
artigo 927 ainda estabelece que “haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida
pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.
Portanto, a responsabilidade civil por uma ação ou omissão do agente causador
pode decorrer tanto de um ato ilícito quanto de um ato lícito, devendo este último
estar fundamentado na teoria do risco. Resta evidenciado que o Direito Civil Brasileiro
determina que quem causar dano a outrem passa a ter o dever de indenizar a vítima. O
ato de o responsável indenizar quem sofreu o dano pelo agente causador se denomina
responsabilidade civil.
Conforme esclarece o autor Carlos Alberto Bittar4, é necessária a comprovação de
alguns pressupostos para que o lesado tenha direito à reparação. Esses pressupostos são o
próprio dano sofrido, o fato de terceiro que o tenha causado (ação ou omissão do agente
causador) e que haja um nexo de causalidade entre o evento danoso e a ação de terceiro.
A doutrina classifica a responsabilidade civil em responsabilidade contratual e
extracontratual, também chamada de aquiliana, e em objetiva e subjetiva, entre outras5.
A responsabilidade civil é dita contratual quando decorre do descumprimento de um
acordo previamente feito entre as partes, devendo aquele que deu causa ao prejuízo
indenizar a outra parte. Portanto, “antes de a obrigação de indenizar emergir, existe, entre
o inadimplente e se cocontrante, um vínculo jurídico derivado da convenção”, conforme
leciona Silvio Rodrigues6. Na extracontratual não existe uma relação preestabelecida entre
as partes. O vínculo entre elas surge a partir do momento em que alguém causa dano a
outrem e, por determinação legal, passa a ter obrigação de lhe reparar os prejuízos.
Nos ensinamentos de Washington de Barros Monteiro7 “na responsabilidade
subjetiva, fundamentada na culpa, é preciso demonstrar o modo de atuação do agente, sua
intenção dolosa, isto é, a vontade do lesante de causar o dano, ou o seu comportamento
negligente, imprudente ou imperito”. O autor ainda explica que a responsabilidade objetiva
se fundamenta no risco, não importando se houve dolo, negligência, imprudência ou
imperícia, pois apenas a verificação dos pressupostos de dano, ação e nexo causal são
suficientes para que surja o dever do agente causador indenizar o prejudicado.
BITTAR, Carlos Alberto, 2005, p. 8.
4
Não é objeto deste trabalho trazer todas as classificações existentes na doutrina pátria atual.
5
RODRIGUES, Silvio, 2009, p. 9.
6
MONTEIRO; SILVA; MALUF, 2011, p. 571.
7
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435
2 RESPONSABILIDADE DO ESTADO
O artigo 37, §6º da Constituição Federal do Brasil, de 1988, determina que
as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços
públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou
culpa. (BRASIL, 1988)
Conclui-se, portanto, baseado no artigo acima citado, que a responsabilidade do
Estado consiste na reparação dos danos causados a terceiros por agentes públicos, ou
quem preste serviço público, no exercício da função pública. Nas palavras de Romeu
Felipe Bacellar Filho8,
cabe às pessoas jurídicas de direito público, de um modo geral ao Estado e às pessoas
jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público, reparar todos os danos
decorrentes da atuação de seus agentes nessa qualidade.
Jose Cretella Júnior9 explica a responsabilidade do Estado por uma visão social ao
declarar que
Quando a atividade administrativa causa dano a um só que seja dos administrados,
está rompido o equilíbrio social, e ao direito, que funciona como um termostato, cabe
recompor o prejuízo sofrido, lançando-se mão dos recursos públicos para os quais
concorreu também o próprio cidadão prejudicado.
Com relação à espécie de responsabilidade por que o Estado responde, Jose de
Aguiar Dias10 defende a ideia de que o Estado responde objetivamente pelos atos de seus
representantes, sejam praticados de maneira comissiva ou omissiva.
Hely Lopes Meirelles11 também entende que se trata de responsabilidade civil
objetiva quando os danos são causados pelos agentes públicos, sob a modalidade da teoria
do risco administrativo. Essa teoria se fundamenta no risco que a própria atividade pública
gera, levando em consideração a possibilidade de se causar danos a alguns membros
da sociedade, não sendo necessário que a vítima demonstre a falta de serviço ou culpa
do agente, pois somente a demonstração do ato lesivo e injusto causado a terceiro pela
Administração já justifica o dever de indenizar o dano causado. Para fundamentar seu
BACELLAR FILHO, Romeu Felipe, 2009, p. 217.
8
CRETELLA JÚNIOR, José, 2002, p. 71.
9
DIAS, José de Aguiar; DIAS, Rui Belford, 2006.
10
MEIRELLES, Hely Lopes, 1990..
11
436
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posicionamento, o autor alega que os princípios subjetivos da responsabilidade da culpa
civil não podem ser aplicados na responsabilização da Administração pelos danos causados
por aqueles que lhe são subordinados, visto que a Administração goza de autoridade e de
prerrogativas públicas, não podendo ser comparada ao particular.
Diogenes Gasparini12 esclarece que o §6º do artigo 37 da Constituição Federal exige
para a configuração da responsabilidade objetiva que haja uma ação do representante
estatal, pois o dispositivo constitucional utiliza o verbo causar. Portanto, quando houver uma
atuação do agente público, a culpa do Estado é presumida e o ônus da prova é invertido.
Para que haja a responsabilização do Estado, portanto, não é necessário que a vítima
comprove a culpa ou dolo da ação estatal que lhe causou prejuízo, devendo demonstrar
apenas o dano sofrido, a conduta danosa praticada por agente público e o nexo de
causalidade entre o dano suportado e a conduta do representante estatal.
Entre os autores, é pacífica a teoria sobre a responsabilidade do Estado pela ação
dos agentes públicas, seja essa lícita ou ilícita, restando divergência quando se trata de
comportamentos omissivos do Estado.
Para alguns autores, como José de Aguiar Dias e Hely Lopes Meirelles, a teoria da
responsabilidade objetiva descrita no artigo 37, §6º da Constituição Federal é aplicada
tanta para a ação quanto para a inação do Poder Público. Enquanto para outros autores,
como Celso Antônio Bandeira de Mello (2002), Maria Silvya Zanella Di Pietro (2009), Maria
Helena Diniz (2008) e Diogenes Gasparini (2008), aplica-se a teoria da responsabilidade
subjetiva quando há omissão estatal.
Para o presente estudo, convém adentrar somente na segunda teoria, já que a
primeira é aplicada nos moldes da responsabilidade objetiva por ação, já descrita acima.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello13, aplica-se a teoria da responsabilidade
subjetiva quando a ocorrência de um dano decorre da omissão do Estado, quando o
serviço não funcionou, ou funcionou tardia ou ineficientemente, apenas fazendo sentido
responsabilizá-lo quando houver o descumprimento de um dever legal de obstar o evento
lesivo. Não havendo, portanto, obrigação do Poder Público em impedir o evento danoso
não há razão para lhe impor o encargo patrimonial sobre as consequências dessa lesão.
GASPARINI, Diogenes, 2008. p. 1043.
12
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, 2002.
13
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437
Logo, a responsabilidade do Estado por ato omissivo decorre de um comportamento
ilícito, para o qual a responsabilidade é subjetiva, pois as condutas estatais ilícitas devem
decorrer de negligência, imprudência ou imperícia, ou, ainda, por dolo, quando houver
intenção de violar norma que constitua a obrigação. O autor ainda destaca que os
acontecimentos passíveis de acarretar responsabilidade por conduta omissiva ou atuação
insuficiente do Estado, que podem ser por comportamento material de terceiros ou por
fatos da natureza cuja lesividade o Poder Público não impediu, embora tivesse de fazê-lo, e cita como exemplo o alagamento de casas devido o empoçamento de água pluviais
que não escoaram por omissão do Estado em limpar os bueiros galerias que teriam como
objetivo dar vazão às águas da chuva.
Para Maria Silvya Zanello Di Pietro, que também adota a teoria subjetiva nos casos
de omissão estatal, também é necessário comprovar que havia o dever de agir do Poder
Público e que este se omitiu, agindo, então, ilicitamente. Nos dizeres da autora,
no caso de omissão do Poder Público os danos em regra não são causados por agentes
públicos. São causados por fatos da natureza ou fatos de terceiros. Mas poderiam ter sido
evitados ou minorados se o Estado, tendo o dever de agir, se omitiu. [...] Enquanto no
caso de atos comissivos a responsabilidade incide nas hipóteses de atos ilícitos, a omissão
tem que ser ilícita para acarretar a responsabilidade do Estado.14
Nesse sentido, Meirelles admite a possibilidade de responsabilidade subjetiva
quando o dano for ocasionado por atos de terceiros ou por fenômenos da natureza,
nos quais se incluem as enchentes, já que o dispositivo constitucional que estabelece a
responsabilidade estatal se refere a condutas de agentes públicos. Nesses casos de fatos
estranhos e não relacionados com a atividade estatal, deve se observar o princípio geral
da culpa civil, devendo, portanto, comprovar “imprudência, negligência ou imperícia na
realização do serviço público que causou ou ensejou o dano”15.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2009, p. 651.
14
MEIRELLES, Hely Lopes, 1990, p. 655.
15
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3 RESPONSABILIDADE AMBIENTAL
A responsabilidade civil ambiental surge no ordenamento jurídico pela Lei nº
6.938/1981, conhecida como a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, que determina
que aquele que causar danos ao meio ambiente passa a ter a obrigação de recuperar ou
indenizá-los (art. 4º, VII)16 e ainda esclarece que, independentemente de culpa, deverá
indenizar os terceiros afetados (art. 14, §1º)17.
A responsabilidade presente no artigo 14, §1º é a responsabilidade civil objetiva,
pois, como citado acima, independe da existência de culpa do agente infrator, ou
seja, independentemente se a pessoa quis causar o dano e se causou por negligência,
imperícia ou imprudência. Para a responsabilidade civil ambiental, não há exclusões
de responsabilidade em casos de força maior ou caso fortuito. Priscila Santos Artigas18
esclarece que “basta, assim, para a incidência da Lei, a configuração do dano ambiental
e o estabelecimento do nexo de causalidade”.
Édis Milaré esclarece que o Direito Ambiental tem basicamente três esferas
de atuação: a preventiva, a reparatória e a repressiva. A prevenção é um preceito
constitucional, por meio do qual cabe ao Poder Público e à coletividade o dever de defesa
e preservação o meio ambiente. A reparação dos danos ambientais causados funciona
dentro da perspectiva das normas da responsabilidade civil, a partir da qual quem causa
dano a outrem deverá repará-lo. A repressão faz-se àqueles agentes causadores de danos
ambientais, por meio da imposição de obrigação de reparar os danos causados, indenizar
terceiros prejudicados e ainda sofrer aplicação de sanção administrativa19.
A responsabilidade civil ambiental deve sempre ser vista à luz dos princípios
ambientais. Segundo Sergio Luis Mendonça Alves20, os mais relevantes princípios ambientais
são aqueles presentes nas disposições da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente e que
foram recepcionados pela Constituição Federal de 1988.
“Art 4º A Política Nacional do Meio Ambiente visará:
VII -à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados
e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.”
17
“Art 14 Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não
cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados
pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:
§ 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente
da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
18
ARTIGAS, Priscila Santos; ALMEIDA, Gabriel Gino; SERAFINI, Leonardo Zagonel, 2006.
19
MILARÉ, Édis, 2009.
20
ALVES, Sergio Luis Mendonça, 2003. p. 21-66.
16
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3.1 PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO
Presente no caput do artigo 22521 da Constituição Federal, que determina que um
meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, sendo, portanto, um bem
de uso comum do povo e essencial para que haja uma sadia qualidade de vida, e impõe
como dever do Poder Público e da coletividade a defesa e proteção do meio ambiente
para as presentes e futuras gerações.
Para assegurar a efetividade desse direito, o §1º do artigo 22522 impõe ao Poder
Público ações como a de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover
o manejo ecológico das espécies e ecossistemas (inciso I); preservar a diversidade e
integridade do patrimônio genético do País, fiscalizando as entidades dedicadas à pesquisa
e à manipulação de material genético (inciso II); definir a proteção para determinados
espaços territoriais e componentes presentes em todas as unidades da Federação a serem
especialmente protegidos (inciso III, primeira parte); e proteger a fauna e a flora, proibindo
práticas que provoque perigo à função ecológica, existência das espécies ou que submetam
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do poso e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
21
Art. 225 - § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
22
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e
ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas
à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada
qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa
degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente;
VII -proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função
ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
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os animais à crueldade (inciso VII), conforme as determinações da Lei nº 9.985/200023,
que regulamentou os incisos acima citados. Ainda determinou que deverá o Poder Público
exigir estudo prévio de impacto ambiental para obras ou atividades que possam causar
significativa degradação do meio ambiente (inciso IV); controlar produção, comércio e
utilização de técnicas, métodos ou substâncias que causem risco à vida, à qualidade de
vida e ao meio ambiente (inciso V); e promover a educação ambiental e a conscientização
da sociedade como forma de preservação do meio ambiente (inciso VI).
O conceito de preservação do meio ambiente está descrito no artigo 2º, inciso
V, da Lei nº 9.985/2000, que descreve ser um “conjunto de métodos, procedimentos e
políticas que visem a proteção a longo prazo das espécies, habitats e ecossistemas, além da
manutenção dos processos ecológicos, prevenindo a simplificação dos sistemas naturais”.
Portanto, o princípio da prevenção consiste em utilizar meios, sejam manejos de
espécies, fiscalização, proibição de determinadas práticas, exigência de estudos de impactos
ambientais, para preservar o meio ambiente e prevenir danos a este.
3.2
PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
Como complementação do princípio anterior, o princípio da precaução está,
conforme o ensinamento de Alves, previsto no artigo 225, §1º, inciso V, da Constituição
Federal, que determina como obrigação do Poder Público “controlar a produção, a
comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco
para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”24.
Esse princípio consistiria em não permitir a realização da atividade quando houver
uma previsão, uma probabilidade ou possibilidade de ocorrência de dano ambiental,
para que não se produzam as consequências indesejadas que, por fim, prejudicariam as
presentes e as futuras gerações.
A Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, regulamentou os incisos I, II, III e VI do §1º do artigo 225 da
Constituição Federal e ainda instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza, além
de outras providências.
23
ALVES, Sergio Luis Mendonça, 2003.
24
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441
3.3
PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO
Este princípio diz respeito às formas de participação no Direito Ambiental e está
previsto no artigo 225 da Constituição Federal, que determina como dever do Poder Público
e da coletividade defender e preservar o meio ambiente. Portanto, aqui se destaca uma
das formas de participação da sociedade, pela defesa e preservação do meio ambiente.
Celso Antonio Pacheco Fiorillo esclarece que “não se trata de um aconselhamento,
mas sim de um dever da coletividade”25. A participação comunitária nas questões ambientais
pode acontecer no processo legislativo, em órgão colegiado, na formulação e execução
de políticas públicas ambientais e ainda pelo Poder Judiciário.
No processo legislativo, essa participação se efetiva a partir da iniciativa popular, com
apresentação de projetos de leis complementares, desde que obedeça aos critérios, como número
mínimo de cidadãos, ou por referendo acerca de uma lei relacionada com o Direito Ambiental.
Junto aos órgãos colegiados dotados de poderes normativos, a participação
comunitária se concretizaria pela presença de representantes que são indicados por
associações civis para conselhos e órgãos de defesa do meio ambiente.
A defesa do meio ambiente, de forma judicial e por iniciativa dos cidadãos, poderá
ser realizada por ação direta de inconstitucionalidade, ação civil pública, ação popular
constitucional, mandado de segurança coletivo ou mandado de injunção. A propositura
de ação popular que tenha como intuito anular ato lesivo ao meio ambiente, entre outros,
sendo qualquer cidadão parte legítima como autor e ficando isento das custas judiciais e
do ônus da sucumbência, exceto quando comprovada má-fé.26
3.4
PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Está previsto no artigo 170, inciso VI, da Constituição do Brasil, que diz respeito à
determinação de que a ordem econômica deverá observar, entre outros, o princípio de
defesa do meio ambiente.
Assim, o princípio do desenvolvimento sustável se resume em conciliar a atividade
econômica com a preservação do meio ambiente, para garantir o direito de meio ambiente
ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, 2009, p. 56.
25
Art. 5º LXXIII qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao
patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente
e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e
do ônus da sucumbência;
26
442
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3.5
PRINCÍPIO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
A educação ambiental também é vista como um princípio do Direito Ambiental
e está prevista como forma de preservação ao meio ambiente, juntamente com a
conscientização pública, devendo ser promovida pelo Poder Público, como descreve o
artigo 225, §1º, inciso VI, da Constituição Federal.
Fiorillo explica que
a educação ambiental decorre do princípio da participação na tutela do meio ambiente”,
a partir da qual se busca trazer “consciência ecológica ao povo, titular do direito ao
meio ambiente, permitindo a efetivação do princípio da participação na salvaguarda
desse direito.27
Em 27 de abril de 1999 foi promulgada a Lei nº 9.795, que dispõe sobre a educação
ambiental e institui a Política Nacional da Educação Ambiental. Essa lei definiu como
educação ambiental
os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais,
conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do
meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade (BRASIL, 1999).
O artigo 2º da Lei nº 9.795/1999 esclarece que a educação ambiental é um
componente essencial e que deve estar presente e ser permanente na educação nacional,
em todos os níveis e modalidades de processo educativo.28
3.6
PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO
O acesso à informação é um direito fundamental descrito no artigo 5º, inciso
XIV da Constituição Federal do Brasil. Portanto, é direito de todo cidadão ter acesso às
informações ambientais para que possa cumprir com o seu dever de defesa e proteção ao
meio ambiente, que lhe é incumbido pelo caput do artigo 225 da Constituição da República.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, 2009. p. 58.
27
BRASIL, 1999. Art. 2º A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação
nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo
educativo, em caráter formal e não-formal.
28
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443
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente determinou em seu artigo 9º, inciso
VII, a criação do Sistema Nacional de Informações sobre o Meio Ambiente, que, por sua
vez, foi regulamentado pelo Decreto 99.274/1990.
Milaré29 lembra, com receio, a criação da Lei nº 10.650/2003, que teve como
objetivo dar à coletividade livre acesso aos documentos, expedientes e processos
administrativos que contenham matéria ambiental, obrigando, assim, que todos os órgãos
competentes forneçam as informações que tenham sob sua guarda. Essa garantia de
acesso às informações deverá ser cumprida sem a necessidade de o indivíduo comprovar
o interesse específico nessas informações.
3.7
PRINCÍPIO DO POLUIDOR PAGADOR
Um dos mais importantes princípios do Direito Ambiental foi criado pela Lei da
Política Nacional do Meio Ambiente, que determina em seu artigo 4º, inciso VII (primeira
parte) que ao poluidor e ao predador haverá a imposição da obrigação de recuperar e/
ou indenizar os danos causados.
A lei conceitua, em seu artigo 3º, inciso IV, poluidor como pessoa física ou jurídica,
de direito público ou privado, direta ou indiretamente responsável por atividade causadora
de degradação ambiental. Degradação ambiental, por sua vez, é conceituada como
alteração adversa das características do meio ambiente.
A brilhante descrição de Milaré esclarece que, por esse princípio, se busca
imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um
mecanismo de responsabilidade por dano ecológico, abrangente dos efeitos da poluição
não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza.30
Para José Adércio Leite Sampaio, Chris Wold e Afrânio José Fonseca Nardy31, “o
princípio do poluidor pagador induz os Estados a promover uma melhor alocação dos custos
de prevenção e controle”, razão pela qual a aplicação desse princípio é considerada como
orientação geral do Direito Ambiental para evitar episódios de degradação ao meio ambiente.
MILARÉ, Édis, 2009, p. 200.
29
MILARÉ, Édis, 2009, p. 827.
30
SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio José Fonseca, 2003, p. 25.
31
444
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3.8
PRINCÍPIO DO USUÁRIO PAGADOR
Presente na segunda parte do inciso VII do artigo 4º da Lei da Política Nacional do
Meio Ambiente, determina a imposição “ao usuário, da contribuição pela utilização dos
recursos ambientais com fins econômicos” (BRASIL, 1997).
O princípio do usuário pagador é, portanto, uma forma de onerar aquele que
utiliza os recursos naturais para exploração de atividade econômica com o intuito de evitar
que haja uma exploração desnecessária ao meio ambiente e, mediatamente, incentivar
a conservação deste.
Estudados os princípios, é necessário observar o que dispõe a legislação ambiental
acerca da ocupação dos solos e sobre a necessidade de ações para que essa ocupação
seja feita de maneira que não venha a prejudicar o meio ambiente.
A Carta Magna determina no artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de
vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações.” (BRASIL, 1988)
Portanto, sendo o meio ambiente um bem de todos e necessário para a promoção e
manutenção de uma vida sadia e com qualidade é necessário que proceda a sua preservação
e conservação, sendo que essa obrigação cabe ao Poder Público e à sociedade civil.
O artigo 1º, inciso VI do novo Código Florestal, Lei nº 12.651, de 25 de maio de
2012, determina a
responsabilidade comum de União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em colaboração
com a sociedade civil, na criação de políticas para a preservação e restauração da vegetação
nativa e de suas funções ecológicas e sociais nas áreas urbanas e rurais (BRASIL, 2012).
Novamente se vê a determinação da legislação da participação mútua do Poder
Público e da coletividade nas ações que visem à preservação do meio ambiente.
A Lei nº 6.766/1979, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo Urbano, prevê em
seu artigo 2º que “o parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento
ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e
municipais pertinentes.” (BRASIL, 1979)
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
445
O artigo 6º dispõe que o sistema de escoamento das águas pluviais é a infraestrutura
básica do parcelamento do solo.32 O artigo 3º estabelece que as hipóteses de admissão
do parcelamento do solo para fins urbanos nas zonas urbanas, de expansão urbana ou de
urbanização específica, são definidas por plano diretor ou aprovadas por lei municipal. O
parágrafo único prevê ainda que o parcelamento do solo não será admitido em terrenos
alagadiços e sujeitos a inundações, com declividade igual ou superior a 30% (trinta por
cento), salvo se atendidas as exigências específicas das autoridades competentes, ou onde
a edificação não é aconselhada devido às condições geológicas.33
Também devem ser observadas as legislações municipais, como a Lei Orgânica e
Plano Diretor, para que se verifiquem, caso a caso, as imputações legais acerca das ações
cabíveis ao Poder Público quanto ao uso do solo e preservação do meio ambiente.
No entanto, de acordo com o disposto nas legislações federais, é possível
perceber que compete ao Estado o planejamento da utilização do solo e da realização de
infraestrutura básica das áreas ocupadas com saneamento básico e sistema de escoamento
das águas pluviais e de esgoto. Para a efetiva proteção ambiental pelo Estado, é necessário
que também restaure o que foi destruído ou degradado, conforme aponta Meirelles34, que
cita como exemplos a necessidade de reflorestamento das áreas desmatadas, recomposição
dos terrenos erodidos ou escavados, regeneração de terras exauridas, entre outros.
6º A infraestrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de
interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de:
32
II - escoamento das águas pluviais; [...]
Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão
urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal.
33
Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:
I - em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o
escoamento das águas;
II - em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam
previamente saneados;
III - em terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências
específicas das autoridades competentes;
IV - em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;
V - em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis,
até a sua correção.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1977.
p. 589.
34
446
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Havendo a inação do Estado quanto à implementação de sistemas de escoamento
de águas pluviais e de esgoto, ou até mesmo de sua manutenção, caracteriza-se o
descumprimento de dever legal de agir, que, por sua vez, acarretará o agravamento de
precipitação de chuva intensa ocasionando enchentes. Logo, é possível imputar ao Estado a
obrigação de reparar os danos causados às vítimas, pois há a previsão legal do dever estatal
de promover infraestrutura básica com escoamento das águas provenientes de chuva.
Conforme visto acima, nesses casos, caracteriza-se a responsabilidade subjetiva
estatal, por omissão dos agentes públicos, devendo, portanto, ser demonstrada a culpa do
Estado, mais especificamente a negligência. Conforme explicado por Marçal Justen Filho,
se o resultado danoso proveio de [...] fato pertinente ao mundo natural, não há
responsabilidade do Estado. Mas, se o evento foi propiciado pela atuação defeituosa do
serviço público ou dos órgãos estatais, existe responsabilidade civil. [...] O Estado pode
ser responsabilizado quando deixar de limpar galerias pluviais, daí derivando inundação
das vias públicas e prejuízos a terceiros.35
Com relação aos casos de acontecimento de força maior, é esclarecedora a
observação de Di Pietro quanto à omissão do Estado, que atesta que
mesmo ocorrendo motivo de força maior, a responsabilidade do Estado poderá ocorrer
se, aliada à força maior, ocorrer omissão do Poder Público na realização de um serviço.
Por exemplo, quando as chuvas provocam enchentes na cidade, inundando casas e
destruindo objetos, o Estado responderá se ficar demonstrado que a realização de
determinados serviços de limpeza dos rios ou bueiros e galerias pluviais teria sido suficiente
para impedir a enchente.”36
Portanto, demonstrada a culpa do Estado pela inação dos seus agentes públicos, cabe
ao Poder Público a obrigação de reparar os danos causados àqueles cidadãos que os sofreram
de maneira direta, mas também àqueles que sofreram de maneira indireta com os prejuízos
causados ao meio ambiente como um todo, seja em parques, praças ou monumentos.
Com relação aos desmoronamentos dos morros em que há construções irregulares
de casas há que se fazer algumas considerações. Primeiramente, compete ao Poder Público
prover a seus cidadãos habitação digna. O planejamento e licenciamento da ocupação do
solo são obrigações do Estado, assim como a devida fiscalização, pois
em referência às atividades humanas que resultam em intervenções (positivas e negativas)
sobre o meio ambiente, o monitoramento ou monitoração é um procedimento essencial
para o estabelecimento de ações preventivas e, quando necessário, também corretivas.37
35
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. ed., rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
p. 809 e 815.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, 2009. p. 648.
36
MILARÉ, Édis, 2009, p. 332.
37
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
447
Há que se avaliar, ainda, a responsabilidade daqueles que construíram em locais não
autorizados e sem a devida licença necessária para ocupação do solo. Haverá a chamada
culpa concorrente entre o Estado e as vítimas do desastre, porquanto o Estado se omitiu
quanto ao dever de fiscalizar a ocupação do solo, e a vítima, por sua vez, contribuiu com
a ocorrência do dano, cabendo, assim, responsabilidade a ambos os envolvidos.
448
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REFERÊNCIAS
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450
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O NÃO EXERCÍCIO COMO CARACTERIZADOR DO ABUSO DE DIREITO:
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA EM DEFESA DO
DEVEDOR EM FACE DA MORA DO CREDOR
Barbara Dias Largura*
Regis Tocach **
RESUMO
O abuso do direito e seu exercício disfuncional são práticas vedadas pelo
Direito Civil de tradição romana; entretanto, a submissão do devedor à relação jurídica
obrigacional clássica tornavam sua proteção menos eficaz, permitindo ao credor que
deixasse de exercer seus direitos de crédito por longos períodos. O Código Civil brasileiro
vigente adotou o sistema de cláusulas gerais, dentre elas a da boa-fé objetiva, de modo
que a sujeição do devedor aos desígnios do credor deixa de ser absoluta e passa a
refletir uma efetiva relação jurídica bilateral. Muito embora o atual Código Civil faça
tal alteração, não se percebe claramente os instrumentos jurídicos necessários para a
liberação do devedor quando o não exercício do direito pelo credor passa a ser abusivo
ou disfuncional.
Palavras-chave: Abuso de Direito. Exercício Disfuncional. Direito das Obrigações.
Mora do Credor.
* Aluna do 3º ano de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Científica
Iniciação da Fundação Araucária. E-mail: [email protected]
** Mestre em Organizações e Desenvolvimento pela FAE Centro Universitário. Professor da FAE Centro
Universitário. E-mail: [email protected].
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451
INTRODUÇÃO
A mora do credor sempre foi vista com reservas por parte do legislador, pois, afinal,
se deveria proteger o credor contra os atos de inadimplência do devedor. Entretanto a
inação do credor pode representar um grave risco ao próprio devedor e à sociedade em
geral, que deve ter a seu favor um mínimo de segurança para a realização de sua atividade
civil e, eventualmente, empresarial.
O atual Código Civil brasileiro incorporou uma série de inovações, dentre elas a
adoção das cláusulas gerais dos negócios jurídicos, afastando-se da concepção clássica de
proteção exacerbada do credor em face do devedor. Porém, especificamente em relação
às obrigações de fazer e de não fazer a proteção do devedor contra a mora do credor
mostra-se muito menos enfática e efetiva.
Daí a questão que emerge desse contexto leva ao problema de pesquisa
proposto: existem formas de garantir a proteção do devedor em face do credor que deixa
voluntariamente de exercer seus direitos de crédito, ou os exerce de forma disfuncional,
especialmente em relação às obrigações de fazer e de não fazer?
O desenvolvimento do estudo fundamenta as respostas ao problema de pesquisa e
a identificação de mecanismos efetivos de proteção do devedor quando da mora do credor
em obrigações de fazer e de não fazer. Portanto, o objetivo geral é analisar a implicação
dos prazos prescricionais e medidas judiciais e administrativas específicas como formas de
garantia da segurança jurídica e negocial do devedor em face do credor.
Os desdobramentos para operacionalizar tal objetivo levam aos seguintes objetivos
específicos:
1. verificar no não exercício abusivo uma violação ao princípio da boa-fé objetiva;
2. identificar mecanismos judiciais e extrajudiciais de defesa efetivos, notadamente
em relação às obrigações de fazer e de não fazer;
3. apresentar de que forma as soluções encontradas podem ser operacionalizadas.
1METODOLOGIA
O presente estudo é estritamente qualitativo, de natureza teórica, com procedimento
de pesquisa exploratória, seguindo a orientação de Gil (2002), em que o desenvolvido
ocorre mediante o emprego de pesquisa bibliográfica e documental.
Nesse sentido, Marconi e Lákatos (1996) defendem a importância do estudo
exploratório para desenvolver a familiaridade do pesquisador com o objeto e suas
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peculiaridades. Com a exploração, o pesquisador se torna apto a categorizar, desagregando
o seu objeto sem perder de vista sua complexidade e suas interações com os demais
integrantes do campo epistemológico (VASCONCELOS, 2002).
O roteiro para análise de conteúdo das fontes consultadas foi o instrumental, que
tornou possível compreender as relações que há entre os sujeitos personagens do estudo
– credor e devedor – e o impacto causado pela atuação de cada um deles na esfera não
só jurídica, mas de poder dos demais, ou seja, na esfera mais privativa, em que não há
interferência de instâncias superiores.
Desse modo, os modelos e as formulações propostas no problema e nos objetivos são
respondidos à medida que os dados obtidos são colocados em contraposição ao conjunto
de regras e instrumentos jurídicos criados pelo Estado nas diferentes épocas avaliadas.
A metodologia aplicada se consolida na pesquisa teórica, o que possibilita
reestruturar os dados necessários ao estudo proposto com ampla utilização de material
bibliográfico e legislações.
2 REFERENCIAL – TEORIA E ANÁLISE
Dentro de um histórico mais recente do Brasil, levando em conta o Código Civil
de 1916, pode-se observar que não havia muitas garantias ao devedor, um dos poucos
benefícios a ser tutelado por essa lei era a proteção do bem de família. Maurício Jorge
Pereira da Mota situa o período vivido pelo País, “o Código Civil de 1916, impregnado pelo
individualismo jurídico e pela doutrina do laissez-faire, o liberalismo econômico smithiano,
não recepcionou muitas das medidas de proteção ao devedor” (MOTA, 2006, p. 330).
O Código Civil atual, de 2002, desvia-se do individualismo exagerado do Código
de 1916, e passa a seguir um caminho de maior proteção ao devedor, pautado pelos
princípios de operabilidade, eticidade e socialidade. O Direito Civil moderno, cada vez
mais, vem sofrendo o fenômeno chamado de constitucionalização, ou seja, a interpretação
das legislações e de seus institutos é voltada para o bem da coletividade, realizada à luz
da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que, por sua vez, acrescentou
inúmeros mecanismos para a proteção contra o abuso do direito, como as cláusulas gerais.
É inegável que existem inúmeros meios de proteção ao credor contra aquele
popularmente chamado de mal pagador, mas com o avanço das relações jurídicas a níveis
mais complexos se faz necessário possuir também mecanismos para proteger o devedor
do credor que abusa do seu direito, ou exerce sua obrigação de forma disfuncional. A
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mora do credor sempre foi vista com ressalvas pelo legislador, porém, a inação do credor
pode representar um grave perigo ao próprio devedor e à sociedade, que deve gozar de
um mínimo de segurança jurídica para a realização de suas atividades.
Nesse sentido, Oliveira Ascenção (2010) descreve o exercício inadmissível do direto
como uma figura a ser reprimida, pois sua repercussão mostra-se danosa à segurança
jurídica e a perpetuação do sistema jurídico como um todo.
A partir do que foi discorrido, o presente estudo aborda as formas de garantir a
proteção do devedor em face do credor, que deixa voluntariamente de exercer seus direitos
de crédito ou os exerce de forma disfuncional, especialmente em relação às obrigações
de fazer e de não fazer.
2.1 PERSONAGENS JURÍDICOS DA PROBLEMÁTICA – CREDOR E DEVEDOR
É interessante para o estudo em questão, que a abordagem dos personagens da
trama – credor e devedor – fique clara no entendimento dos leitores, para que este trabalho
possa atingir um nível mais profundo de alcance, saindo da esfera meramente jurídica,
podendo beneficiar, assim, cidadãos em busca de algum tipo de informação acerca do
assunto.
Pode-se caracterizar credor como aquele que está apto a receber algum valor em
pecúnia ou outra prestação derivada de prévio acordo entre partes, ou seja, popularmente
aquele a quem se deve algo. Já o devedor, por sua vez, é aquele que possui uma obrigação
para com alguém.
No campo das obrigações, o credor possui a pretensão de que um objeto venha a
ele. E, nesse caso, o objeto pode ainda não existir, tendo de ser feito pelo devedor, como
acontece em contratos de serviços.
2.2 RELAÇÕES JURÍDICAS
Para a efetivação do presente estudo, é necessário abordar, antes de tudo, o conceito
de relação jurídica e como essa relação se dá no campo das obrigações, pautada no vínculo
entre credor e devedor, principalmente nas relações de fazer e não fazer.
Silvio Rodrigues define o conceito de obrigação como sendo “o vínculo de direito
pelo qual alguém (sujeito passivo) se propõe a dar, fazer ou não fazer qualquer coisa
(objeto), em favor de outrem (sujeito ativo)” (RODRIGUES, 2002, p. 3).
Em consonância com essa definição estão Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona
Filho, entendendo a obrigação como “relação jurídica pessoal por meio da qual uma parte
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(devedora) fica obrigada a cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação patrimonial
em proveito de outra (credora)” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2002, p. 17).
No campo obrigacional, o item essencial é o vínculo jurídico entre credor e devedor,
no qual, tomando como base um viés modernizado do Direito Civil, ambos devem possuir
uma proteção eficaz contra os abusos e ao exercício disfuncional.
2.3 OBRIGAÇÕES DE FAZER E NÃO FAZER
Após esclarecer sobre a obrigação em si e sobre o vínculo que une credor e devedor
dentro da relação jurídica, é preciso dar um breve esboço acerca das obrigações de fazer
ou não fazer, cenário principal da problemática estudada.
A obrigação de fazer se caracteriza no interesse do credor pelo próprio serviço a
ser prestado pelo devedor, ou seja,
Na obrigação de fazer o devedor se vincula a determinado comportamento, consistente
em praticar um ato, ou realizar uma tarefa, donde decorre uma vantagem para o credor.
Pode esta constar de um trabalho físico ou intelectual, como também da prática de um
ato jurídico. (RODRIGUES, 2002, p. 31)
A obrigação de fazer é positiva, está ligada à realização de uma atividade pelo
devedor em proveito do credor, presente em contratos de empreitada, por exemplo. Em
contraposição, está a obrigação de não fazer, que é negativa, ou seja, possui um caráter
omissivo por parte do devedor.
Rodrigues (2002) também elucida sobre a obrigação de não fazer, trazendo seu
conceito como a obrigação em que o devedor se compromete a não praticar determinado
ato e que poderia realizar se não existisse o vínculo que o liga ao credor.
A obrigação de não fazer encontra respaldo em diversas situações práticas do
cotidiano, como traz Gagliano e Pamplona Filho (2002, p. 64): “é o que ocorre quando
alguém se obriga a não construir acima de determinada altura, a não instalar ponto comercial
em determinado local”, e tantos outros exemplos que podem ser utilizados.
No campo das obrigações de fazer e não fazer existem muitas divergências
doutrinárias quanto à possibilidade ou não da sua executoriedade, no caso de o devedor
se negar a realizar a obrigação pactuada.
Código Civil Brasileiro, em seu artigo 247, reiterando o conteúdo do Código Civil
de 1916, diz que nas obrigações personalíssimas, a recusa no cumprimento da obrigação
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somente permite ao credor exigir perdas e danos, silenciando sobre possível execução
específica da obrigação. (CAHON, 2005, p. 2)
Essa interpretação literal do Código Civil não possui grande aceitabilidade, pois já
não se pode mais aceitar que o credor não possua meios de obter a prestação contratada
quando o devedor deixar de cumprir a obrigação por mera vontade. Theodoro Júnior
coloca pertinentemente acerca de como costumava ser tratada essa questão:
Na plenitude do liberalismo, então, não havia lugar, em princípio, para a execução
específica das prestações de fazer e não fazer. Por ser intocável o devedor em sua liberdade
pessoal, uma vez recalcitrasse em não cumprir esse tipo de obrigação, outro caminho
não restava ao credor senão conformar-se com as perdas e danos. Teria de apelar para
a execução substitutiva ou indireta. (THEODORO JÚNIOR, 2001, p. 3)
Há de se observar que uma porção da doutrina brasileira, de acordo com Cahon
(2005) não concorda com a interpretação do texto legal de forma literal, admitindo a
possibilidade de execução até mesmo das obrigações personalíssimas. Esse autor esclarece
ainda que “a recusa do devedor de obrigação de fazer infungível é equiparada à culpa na
inexecução de obrigação de fazer fungível, pois trazem as mesmas conseqüências jurídicas”
(CAHON, 2005, p. 4).
Modernamente a execução específica se mostra possível com a previsão contida
no artigo 461 do Código de Processo Civil, que autoriza o juiz a aplicar as medidas
necessárias ao cumprimento coercitivo da determinação judicial, ou até mesmo substituir
a manifestação de vontade do devedor nas obrigações de fazer. Entretanto, o grande
problema apresentado é justamente o contrário, isto é, quando o credor não exerce o
direito de executar o devedor da obrigação de fazer, ou pior, não lhe outorga as condições
necessárias ao cumprimento da obrigação.
Para tanto, o presente estudo pretende analisar as situações em que o não exercício
do direito por parte do credor poderá configurar ato abusivo, e, por consequência, ato
ilícito contra o devedor.
2.4 BOA-FÉ OBJETIVA
Com o fenômeno da constitucionalização das obrigações, passou a ser necessária
a interlocução do direito das obrigações com a Constituição para uma compreensão e
aplicação adequada das normas e regras civis.
Paulo Lobo levanta essa questão de forma pertinente, lembrando que:
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A unidade do direito das obrigações não está mais enraizada nos códigos civis,
exclusivamente, mas, também, no conjunto de princípios e regras que se elevaram à
Constituição e aos tratados internacionais, em torno dos quais gravitam os microssistemas
jurídicos que tratam das matérias a ele vinculadas (LOBO, 2011, p. 13).
Seguindo essa lógica, surgiram as cláusulas gerais como mecanismos de proteção
contra abusos possivelmente cometidos, uma delas é a cláusula da boa-fé objetiva, que é
um princípio, que determina a probidade e a boa-fé obrigatoriamente presente nas relações
jurídicas. Isto é, significa uma atuação refletida, respeitando os interesses e expectativas
das partes vinculadas, agindo com lealdade, sem abuso, sem obstrução e sem causar lesão,
cooperando para atingir o bom fim das obrigações.
Miguel Reale ressalta de maneira enfática a importância da boa-fé em toda e
qualquer situação dentro do direito:
Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que
condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos
legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas conseqüências. (REALE, 2003, p. 7)
2.5 ABUSO DO DIREITO
A doutrina brasileira é majoritária ao reconhecer a existência da figura do abuso
de direito, porém o modo como ela é trabalhada é bastante variada, devido a sua divisão
em duas teorias diferentes: objetiva e subjetiva.
A teoria objetiva possui, ainda, duas vertentes essenciais para explanar o abuso de
direito. Cláudio Antônio Soares Levada traz esta interpretação:
Duas as principais correntes dentro das teorias que procuram explicar objetivamente o
abuso de direito, as que afirmam consistir o abuso no exercício anormal de um direito,
da qual o principal expoente é Saleilles, e a que defende o ato abusivo quando deixe ele
de atender à sua finalidade, à função para a qual o direito foi criado e justificadamente
existe. (LEVADA, 2003, p. 9)
O abuso do direito é definido pelo artigo 187, da Lei nº 10.406/02, que encaixou
o exercício disfuncional de direito entre os atos ilícitos. A opção adotada pelo Código Civil
brasileiro é tratar o abuso de direito pela teoria objetiva, aferindo a ilicitude pela simples
transgressão do fim determinado pelo direito, sem levar em conta a questão do dolo ou
culpa. Outro lado da doutrina, mais tradicionalista, defende a ideia do abuso de direito
dentro da teoria subjetiva, como Rui Stoco (2002), concluindo em seus estudos que a
teoria subjetiva deve ser a adotada no abuso do direito, de forma que o abuso se salienta
apenas quando o ato é realizado com dolo ou culpa.
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Historicamente, já houve a discussão quanto ao campo de abrangência do abuso
do direito, se ele poderia ser considerado como um ramo autônomo, ou se era apenas
um aspecto da responsabilidade civil. Não há mais dúvidas de que o abuso do direito
vem alcançando sua independência, e tomando contornos muito vastos, sendo aplicado
a todas as áreas do Direito. Porém, a maioria da doutrina ainda o coloca dentro das bases
civis de responsabilidade.
Entretanto, a discussão acerca da abusividade da omissão no exercício de
direito subjetivo ainda não possui a maturidade necessária para que se permita a
confortável determinação do ato omissivo como ilícito, ou ainda, como caracterizador de
responsabilidade civil contratual ou aquiliana.
Por tal razão, o objeto do presente estudo se mostra árduo, pois o único sistema de
segurança jurídica estabelecido em favor do devedor para os atos omissivos é o temporal,
isto é, a prescrição e a decadência. Porém, os prazos gerais de decadência mostram-se
muito longos para que o devedor aguarde o exercício do direito por parte de credor.
Assim, o sistema jurídico civilista, hoje posto, encontra inafastável ponto de ruptura,
pois convive com institutos de direito estritamente patrimonialistas e tantos outros institutos
de caráter personalista e protetivo dos direitos pessoais. Tal dicotomia deve ser enfrentada
sob o prisma das cláusulas gerais dos contratos, em especial a função social do contrato
e a boa-fé objetiva.
2.6 PROTEÇÃO DO DEVEDOR EM FACE DO CREDOR
Neste ponto do estudo proposto, é possível estabelecer uma comunicação entre
os elementos para chegar ao principal objetivo da pesquisa: a proteção do devedor em
face do credor.
É inegável que existem inúmeros meios de proteção ao credor contra aquele
popularmente chamado de mal pagador, mas com o avanço das relações jurídicas a níveis
mais complexos, se faz necessário possuir também mecanismos para proteger o devedor
do credor que abusa do seu direito, ou exerce sua obrigação de forma disfuncional.
Dentro de um histórico mais recente do Brasil, levando em conta o Código Civil
de 1916, pode-se observar que não havia muitas garantias ao devedor, um dos poucos
benefícios a ser tutelado por essa lei era a proteção do bem de família. Maurício Jorge
Pereira da Mota situa o período vivido pelo País, “o Código Civil de 1916, impregnado pelo
individualismo jurídico e pela doutrina do laissez-faire, o liberalismo econômico smithiano,
não recepcionou muitas das medidas de proteção ao devedor” (MOTA, 2006, p. 330).
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O Código Civil atual, de 2002, desvia-se do individualismo exagerado do Código
de 1916, e passa a seguir um caminho de maior proteção ao devedor, pautado pelos
princípios de operabilidade, eticidade e socialidade.
A proteção do devedor estende o instituto do abuso do direito,
Por exemplo, na proibição do venire contra factum proprium que protege uma parte
(via de regra, o devedor) contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em
contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa
expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento
futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato
contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. (MOTA, 2006, p. 338)
Devido a heranças históricas e culturais, por vezes, o acesso do credor aos meios de
proteção é mais facilitado. O devedor disponibiliza de recursos de ação contra eventuais
abusos, e, cada vez mais, tem recorrido a esses mecanismos, tornando o debate sobre o
tema mais frequente, no qual muitas críticas são feitas nessa seara.
2.7 INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL E AUTOTUTELA
A tendência ao monopólio, pelo Estado, do poder de solucionar conflitos se deu de
maneira gradual. Houve a substituição da vontade das partes pela jurisdição estatal. Dessa
forma, o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional foi se afirmando “em todos
os Estados modernos, indicando ao mesmo tempo o monopólio estatal na distribuição da
justiça (ex parte principis) e o amplo acesso de todos à referida justiça (ex parte populi)”
(GRINOVER, 2007, p. 13).
Ao lado do princípio da inafastabilidade estão todas as garantias do devido processo
legal, como o contraditório e a ampla defesa. Porém, devido à incapacidade do Estado
em resolver todos os conflitos de maneira célere e eficiente fez surgir a necessidade da
existência de outras modalidades não jurisdicionais para pacificação social. Além da duração
do processo, existem inúmeros outros entraves ao acesso à justiça, como o seu custo.
Cabe ressaltar que os meios alternativos, chamados equivalentes jurisdicionais, não
são estatais, mas possuem certas limitações:
Esses meios alternativos de solução das controvérsias podem ser extrajudiciais, mas mesmo
assim se inserem no amplo quadro da política judiciária e do acesso à justiça: pode-se
falar, portanto, de uma justiça não estatal, mas que também não é totalmente privada.
Ou seja, de uma justiça pública não-estatal. (GRINOVER, 2007, p. 15)
Em regra, a autotutela é proibida por nosso direito pátrio, mas em alguns casos
excepcionais a própria lei autoriza a satisfação de interesses por meio dela. Podem ser
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citados como exemplos de autotutela no ordenamento brasileiro o direito de retenção, o
desforço imediato, a autoexecutoriedade das decisões administrativas, prisões em flagrante
e atos realizados em legítima defesa.
A autotutela é justificável nessas situações por dois motivos: falta de confiança
no desapego alheio, o que sugere a possibilidade de uma autocomposição; e a não
possibilidade do Estado-juiz estar presente quando um direito estiver sendo transgredido
ou a ponto de ser (GRINOVER, 2007).
No campo das obrigações de fazer e não fazer, já houve a discussão quanto à
fungibilidade delas. Nas obrigações de não fazer
a infungibilidade pode ser puramente jurídica, e nesse caso, quando violada a proibição,
surge do inadimplemento um comando positivo e, em substituição à obrigação de não
fazer, ter-se-á a obrigação de fazer o necessário para repor o status quo ante (GRINOVER,
2007, p. 16).
Pode-se evidenciar a problemática sobre a tratativa da tutela jurisdicional no âmbito
das obrigações de fazer e de não fazer com os ensinamentos de José Barbosa Moreira
O mecanismo começa a “ratear” desairosamente quando se passa das obrigações de dar
às obrigações de fazer – sobretudo nos casos de prestação infungível – e às obrigações
de não fazer, às quais se pode equiparar, para os fins aqui considerados, as obrigações
de tolerar e os deveres de abstenção correspondentes aos direitos chamados “absolutos”
(MOREIRA, 1978, p. 119).
É importante destacar que nos casos de obrigações de fazer ou não fazer infungíveis
por natureza não cabe a possibilidade de execução forçosa, e a solução singular é a
indenização por perdas e danos.
Ainda com relação ao tema das obrigações de fazer ou não fazer, a opção do atual
Código Civil pela indenização denota somente que o credor tem o direito de ajuizar ação
reparatória por perdas e danos contra o devedor de forma imediata (GRINOVER, 2007).
Existem alguns pressupostos, explícitos e implícitos, para a utilização da autotutela
nas obrigações de fazer e não fazer. O requisito explícito é a urgência, os “pressupostos
implícitos da autotutela, que impregnam todo o sistema do Código Civil: o princípio da
boa-fé, da eticidade, da fustigação do abuso do direito” (GRINOVER, 2007, p. 18).
Os riscos pelo emprego da autotutela correm por conta do credor, pois, embora
os dispositivos em questão se tratem de expressões abertas, isso não significa uma licença
ilimitada ao credor.
José Carlos Moreira (1978, p. 121) defende uma tutela preventiva, pois se as formas
de restituição ou ressarcimento não são suficientes
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o de que precisam os interessados é de remédios judiciais a que possam recorrer antes de
consumada a lesão, com o fito de impedi-la, ou quando menos de atalhá-la incontinenti,
caso já se esteja iniciando. Em vez da tutela sancionatória, a que alguns preferem chamar
repressiva, e que pressupõe violação ocorrida, uma tutela preventiva, legitimada ante a
ameaça de violação, ou mais precisamente à vista de sinais inequívocos da iminência desta.
Entretanto, a autotutela do devedor em face do não exercício abusivo do direito
pelo credor configuraria um ato ilícito, de modo que a solução mais plausível seria a tutela
preventiva pela consolidação da decadência convencional, para somente em um segundo
momento se obter o provimento jurisdicional necessário à exoneração do devedor.
2.8 PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
É unânime na doutrina o entendimento de que os prazos prescricionais e
decadenciais diferem. Isto posto, é necessário ter em mente como cada um desses institutos
são caracterizados, para tanto, o critério apresentado por Agnelo Amorim Filho (1960) é
o mais indicado por sua densidade e clareza.
Uma das máximas amplamente utilizadas quando se tenta diferenciar os dois
tipos de prazo é de que a prescrição extingue o direito de ação, ou seja, de reclamar
determinado direito no poder judiciário, e a decadência extingue o próprio direito. “O
critério mais divulgado para se fazer a distinção entre os dois institutos é aquele segundo
o qual a prescrição extingue a ação, e a decadência extingue o direito” (AMORIM FILHO,
1960, p. 2).
partir do Direito Romano surgiu a necessidade de determinar um lapso temporal para
encerrar relações jurídicas que apresentam controvérsias, assim nasceu o fundamento
da prescrição. Portanto,
com a prescrição, limita-se o prazo para exercício da ação. Esgotado o prazo, extingue-se
a ação, mas somente a ação, pois o direito correspondente continua a subsistir, se bem
que em estado latente, podendo até, em alguns casos, voltar a atuar (AMORIM FILHO,
1960, p. 13).
Deve-se observar que a pretensão é a primeira a ser atingida pela prescrição, antes
mesmo que a própria ação.
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Compreende-se facilmente o motivo da escolha da pretensão como termo inicial do
prazo de prescrição. É que o estado de intranqüilidade social que o instituto da prescrição
procura limitar no tempo, não resulta somente da possibilidade de propositura da
ação, mas também de um fato que sempre lhe é anterior, e que pode até ocorrer sem
que haja nascido a ação: a possibilidade de exercício da pretensão. Pouco, ou nada,
adiantaria paralisar a ação, com o objetivo de alcançar aquela paz social, se a pretensão
permanecesse com toda sua eficácia. (AMORIM FILHO, 1960, p. 16)
Outra observação importante acerca da prescrição é sua aplicação condicionada
apenas às ações condenatórias, ou seja, “só as ações condenatórias podem prescrever, pois
são elas as únicas ações por meio das quais se protegem os direitos suscetíveis de lesão”
(AMORIM FILHO, 1960, p. 16). Isso ocorre porque as ações condenatórias são as únicas
que protegem direitos lançadores de pretensões.
Em contra partida, a decadência tem como
efeito imediato [...] a extinção do direito, ao passo que o da prescrição é a extinção da
ação. [...]
Há certos direitos cujo exercício afeta, em maior ou menor grau, a esfera jurídica de
terceiros, criando para esses um estado de sujeição, sem qualquer contribuição da sua
vontade, ou mesmo contra sua vontade. São os direitos potestativos. É natural, pois, que a
possibilidade de exercício desses direitos origine, em algumas hipóteses, para os terceiros
que vão sofrer a sujeição, uma situação de intranqüilidade cuja intensidade varia de caso
para caso. Muitas vezes aqueles reflexos se projetam muito além da esfera jurídica dos
terceiros que sofrem a sujeição e chegam a atingir interesses da coletividade, ou de parte
dela, criando uma situação de intranqüilidade de âmbito mais geral. Assim, a exemplo
do que ocorreu com referência ao exercício das pretensões, surgiu a necessidade de se
estabelecer também um prazo para o exercício de alguns (apenas alguns) dos mencionados
direitos potestativos, isto é, aqueles direitos potestativos cuja falta de exercício concorre
de forma mais acentuada para perturbar a paz social. (AMORIM FILHO, 1960, p. 18)
É fato que a situação de sujeição do devedor ao credor nas obrigações de fazer e
não fazer causa uma grande instabilidade jurídica e social. Dessa forma, conclui-se que a
essas relações deve ser aplicado o instituto decadencial, por ser o único que atende a todas
as necessidades surgidas a partir do avanço desse tipo de negociação. Dito isso, deve-se
identificar a forma pela qual a ideia se aperfeiçoa, haja vista a profunda diferença entre a
decadência legal e a decadência convencional. Ao se tratar de decadência convencional,
seu prazo pode ser negociado entre as partes de forma autônoma, fazendo com que o
devedor tenha em seu favor um instrumento de relevo.
A constituição do credor em mora, a partir da sua notificação inequívoca para
permitir que o devedor da obrigação de fazer tenha condições suficientes para adimplir
sua obrigação concedendo-lhe prazo para constituir seu direito, cria uma nova situação
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jurídica: a decadência convencional em prol do devedor. Em caso de silêncio do credor, seja
para constituir seu direito, seja para rechaçar a nova convenção acerca da decadência, cria,
em favor do devedor, a presunção de aceitação da decadência convencional, constituindo
o credor em mora.
Com isso, tem-se a possibilidade de o devedor obter a eficácia liberatória muito
antes do prazo prescricional da ação de obrigação de fazer que poderia perdurar por até
10 (dez) anos, conforme artigo 205 do Código Civil brasileiro.
4 RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES
Diante de todas as informações colhidas durante a pesquisa, pode-se afirmar que
a proteção do devedor estende o instituto do abuso do direito
Por exemplo, na proibição do venire contra factum proprium que protege uma parte
(via de regra, o devedor) contra aquela que pretenda exercer uma posição jurídica em
contradição com o comportamento assumido anteriormente. Depois de criar uma certa
expectativa, em razão de conduta seguramente indicativa de determinado comportamento
futuro, há quebra dos princípios de lealdade e de confiança se vier a ser praticado ato
contrário ao previsto, com surpresa e prejuízo à contraparte. (MOTA, 2006, p. 338)
Quando, nas obrigações de fazer e não fazer, o devedor está sob a sujeição de
realizar determinada tarefa ao credor, é correto o devedor ficar submetido à vontade do
credor sem nenhuma limitação? Ficar submetido ao momento em que o credor julgar mais
conveniente para o exercício da atividade?
Está claro que essa ideia não é a mais adequada. Pois isso gera atos abusivos do
direito, e causa a instabilidade e insegurança jurídica e social, pois como pode ficar o devedor
esperando por longo período que o credor determine o cumprimento da obrigação?
Portanto, a solução eficaz encontrada para a problemática proposta indica o
instituto decadencial, ao passo que a decadência é fundada na segurança e certeza das
relações jurídicas.
Inequívoco que o critério doutrinário mais respeitado para distinção dos institutos de
prescrição e decadência foi redigido pelo magistrado Agnelo Amorim Filho. A decadência,
instituto que possui como efeito a extinção de um direito, conforme visto no estudo de
Amorim (1960), abrange o direito potestativo, aquele sobre o qual não recai qualquer
discussão, ou seja, é incontroverso, cabendo à outra parte apenas aceitá-lo, sujeitando-se ao
seu exercício. Dessa forma a ele não se contrapõe um dever, mas uma sujeição. As únicas
ações cuja não propositura implica na decadência do direito são as ações constitutivas, que
têm prazo especial de exercício fixado em lei.
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As ações constitutivas, por seu turno, não contêm condenação, mas declaração
acompanhada da constituição, modificação ou desconstituição de uma situação jurídica.
Portanto, o instituto da decadência se adéqua às situações em que o credor deixa
voluntariamente de exercer seus direitos de crédito, ou os exerce de forma disfuncional em
relação às obrigações de fazer e de não fazer. A decadência vem se apresentando como o
meio de proteção mais eficaz ao devedor nessas obrigações.
Assim, ao final da pesquisa proposta, observou-se a evolução do direito civil com o
fenômeno da constitucionalização, o que trouxe maior segurança aos envolvidos em uma
relação jurídica.
É perceptível a preferência de parte majoritária da doutrina na proteção do credor,
partindo-se da premissa de que como é o devedor que se encontra numa posição de realizar
determinada tarefa, sendo apenas ele quem pode descumprir as cláusulas de um contrato,
acaba deixando, dessa forma, o credor em uma situação desfavorável.
Porém, com o avanço das relações jurídicas, surgiu a necessidade da criação de
mecanismos de proteção mais eficazes também ao devedor, pois ele é parte integrante do
vínculo jurídico e deve gozar de igualdade de direitos. Portanto, da mesma forma que o
credor possui direito a exigir que o devedor cumpra a obrigação prevista, realizando, assim,
o objetivo acordado, o devedor também possui o direito de se defender das atuações escusas
do credor, que por vezes abusa de sua condição para obter vantagens, indo além do que
dispunham as cláusulas contratuais.
Para que o instituto decadencial cumpra a necessidade de amparar o devedor nas
obrigações de fazer e não fazer, é possível estabelecer um prazo de decadência menor, por
livre convenção das partes
No tangente à natureza desse instituto, note-se que o prazo decadencial pode ser fixado
em lei, tendo em vista os valores sociais supra aludidos (segurança e certeza), revestindose, nesta hipótese, de caráter público e imperativo. Ao revés da prescrição, entretanto,
as partes podem estabelecer, em vista ao atendimento de seus próprios interesses, lapsos
temporais para o exercício de certos direitos. Aqui, ter-se-á a decadência convencional,
fruto da autonomia que rege as relações entre particulares, caracterizada pela natureza
privada (SILVANY, 2006, p. 3).
Com o término dos estudos, obteve-se o caminho do instituto decadencial como
forma de garantir a proteção do devedor em face do credor, que deixa voluntariamente
de exercer seus direitos de crédito ou os exerce de forma disfuncional, especialmente em
relação às obrigações de fazer e de não fazer.
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REFERÊNCIAS
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 744, out. 1960.
ARRIGHI, G. A ilusão do desenvolvimento. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
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466
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O NÃO EXERCÍCIO ABUSIVO DE DIREITO DO LOCADOR COMO ATO
ILÍCITO E OS MECANISMOS DE DEFESA DO LOCATÁRIO
Daniel Rogério de Carvalho Veiga*
Regis Tocach**
RESUMO
Os contratos de locação, como os contratos típicos, possuem regras próprias destinadas
à proteção das partes, independente da destinação e uso do bem imóvel locado. A
primazia da proteção é dada ao locador que deve possuir respaldo legal suficiente
para manter sua fonte de renda em situações adversas como a inadimplência ou
o comportamento nocivo do locatário à conservação da propriedade. Também o
locatário possui diversas formas de defesa e direitos assegurados contra os excessos
praticados pelo locador, entretanto poucas são as soluções oferecidas ao inquilino
quando o problema se origina do não exercício de um direito do locador de forma
abusiva. É nesse sentido que o presente artigo se coloca sobre a plausibilidade de
configurar o não exercício de um direito como ato abusivo e, finalmente, como ato
ilícito, a fim de liberar o inquilino de uma imputação que exige o prévio exercício
do direito pelo locador.
Palavras-chave: Abuso de Direito. Locação. Segurança Jurídica. Proteção do
Hipossuficiente.
* Aluno do 3º ano de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
** Mestre em Organizações e Desenvolvimento pela FAE Centro Universitário. Professor da FAE Centro
Universitário. E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
467
INTRODUÇÃO
O direito positivista sempre procurou proteger o credor em face do devedor, o
proprietário em face do possuidor, e assim por diante. Essa proteção exacerbada é percebida
no primeiro Código Civil de 1916, fundado sob um caráter patrimonialista e paternalista,
advindo das codificações europeias pós-napoleônicas.
Nesse mesmo sentido, a mora do credor sempre foi vista com reservas por parte
do legislador, pois, afinal, é mais lógico e comum que se deveria proteger o credor contra
a inadimplência do devedor. Todavia, a inação do credor pode representar um grave risco
ao próprio devedor e à sociedade em geral, que deve ter em seu favor um mínimo de
segurança [jurídica] para a realização de sua atividade civil e, eventualmente, empresarial.
O atual Código Civil brasileiro incorporou uma série de inovações, dentre elas a
adoção das cláusulas gerais dos negócios jurídicos, afastando-se da concepção clássica
de proteção exacerbada do credor em face do devedor. Esses institutos são facilmente
perceptíveis e aplicáveis em determinados negócios jurídicos, ou determinadas modalidades
contratuais; contudo, em outros, pouco se aperfeiçoam em função da complexidade e
particularidades da relação jurídica em que se estabelece como ocorre em alguns contratos
típicos, como o contrato de locação.
A dicotomia estabelecida entre a proteção dada aos direitos reais e a proteção e
lealdade contratuais passa a ser analisada sob o viés da função social do contrato e da boafé objetiva, cláusulas gerais dos negócios jurídicos e fonte moderna da segurança jurídica.
Dessa forma, o presente trabalho abordará o exercício inadmissível do locador
em face do locatário, assim como os eventuais mecanismos de proteção do locatário em
função do abuso de direito por parte do locador.
1 A BOA-FÉ OBJETIVA
Hodiernamente, as discussões que se fazem sobre os mais diversos institutos civis à
luz da Constituição são recorrentes, na medida em que tais instrumentos ganham notória
aplicabilidade nas análises jurisprudenciais e no meio acadêmico. O caminho inverso
também é válido, pois o meio acadêmico e as discussões jurisprudenciais despertam para
uma análise que até então a legislação se omitia ou era evasiva.
No Direito Civil isso é facilmente perceptível, pois a legislação civilista vigente é
oriunda de um projeto anterior ao atual ordenamento jurídico, dado que o projeto do
Código Civil de 2002 é da década de 1970, e a atual Constituição foi promulgada em 1988.
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Nesse sentido, cada vez mais os operadores do Direito têm atotado uma
interpretação do Direito Civil à luz da Constituição, visando assegurar às pessoas os direitos
e garantias preceituados na Carta Magna. Dessa forma, sobre as relações privadas de
natureza contratual também se aplica essa máxima, tal como ensina Flávio Tartuce (2010,
p.78), que assevera que os princípios do Direito Civil Constitucional não somente podem
como devem ser aplicados aos contratos. Esses princípios são a valorização da dignidade
da pessoa humana (art. 1º, III, da CRFB 1988); a solidariedade social (art. 3º, I, da CRFB
de 1988); e a igualdade ou isonomia (art. 5º, caput, da CRFB de 1988).
Uma das inovações advindas da interpretação constitucional da codificação civil
brasileira são as cláusulas gerais dos contratos. As cláusulas gerais são princípios que deverão
ser seguidos na celebração dos contratos. Aqui se ressalta que o Direito Civil tem caráter
supletivo, ou seja, se as partes pactuarem diferentemente considerar-se-á o avençado;
contudo, se não pactuarem, sobrevêm o que está expresso na lei. Entretanto, as cláusulas
gerais são norma cogente, ou seja, mesmo se as partes celebrarem diferentemente valerá
o que está preceituado na lei. Assim também ocorre com outros institutos e princípios que
deverão ser seguidos na celebração de negócios jurídicos.
O Código Civil brasileiro procurou deixar expressas duas cláusulas gerais (art. 421 e
422), as quais deverão ser consideradas na celebração, execução e extinção dos contratos,
são elas: (i) a boa-fé (objetiva); e (ii) a função social dos contratos.
Quanto à função social dos contratos, Orlando Gomes assevera que:
O princípio da função social do contrato, inovação pioneira do Código Civil de 2002,
vem expressamente previsto no seu art. 421: “A liberdade de contratar será exercida em
razão e nos limites da função social do contrato.” Trata-se, como é evidente, de norma
de ordem pública, como esclarece o art. 2.035, parágrafo único do mesmo Código. A
locução “função social” traz a idéia de que o contrato visa atingir objetivos que, além de
individuais, são também sociais. O poder negocial é assim, funcionalizado, submetido a
interesses coletivos ou sociais (GOMES, 2008, p. 48).
A função social do contrato reflete uma ideia de direito coletivo, ou seja, o
contrato não é uma expressão tão somente do interesse das partes, mas sim expressão
de uma vontade geral. O contrato deve ser celebrado, executado e extinto a partir de
uma concepção de que ele tem um fim coletivo e o seu adequado cumprimento fazse necessário, pois a sociedade assim espera, e uma eventual execução disfuncional a
lesionará. Todavia, esse princípio não é objeto do presente estudo, mas sim o da boa-fé.
Quanto à boa-fé, cabe, preliminarmente, mencionar que este é um dos princípios
mais relevantes, pois está ligado a todos os demais aplicáveis aos contratos civis. A boa-fé
representa presentemente, possivelmente, a cláusula geral de maior extensão (ASCENSÃO,
2010, p. 146). Esse princípio tem sido aplicável a quase todos os ramos do Direito, pois é
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
469
esperado que os sujeitos [de direito] em suas relações ajam sob a boa-fé. Destarte, faz-se
imprescindível a conceituação desse princípio, para desenvolvimento do estudo que este
trabalho pretende propor.
De Plácido e Silva conceitua a boa-fé:
Sempre que se teve boa-fé no sentido de expressar a intenção pura, isenta de
dolo ou engano, com que a pessoa realiza o negócio ou executa o ato, certa
de que está agindo na conformidade do direito, consequentemente, protegida
pelos preceitos legais.
Dessa forma, quem age de boa-fé está capacitado de que o ato de que é agente,
ou do qual participa, está sendo executado, dentro do justo e do legal.
É, assim, evidentemente, a justa opinião, leal e sincera, que se tem a respeito do
fato ou do ato, que se vai praticar, opinião esta tida sem malícia e sem fraude,
porque se diz justa, é que está escoimada de qualquer vício, que lhe empane
a pureza da intenção.
Protege a lei todo aquele que age de boa-fé, quer resilindo o ato, em que se
prejudicou, quer mantendo aquele que deve ser respeitado, pela bonae fidei actiones.
É assim que a boa fé, provada ou deduzida de fatos que mostram sua existência,
justifica a ação pessoal, pela qual se leva à consideração do juiz o pedido para
que se anule o ato praticado, ou se integre aquele que agiu de boa-fé no direito,
que se assegurou, quando de sua execução (SILVA, 2010, p. 120).
Ainda, Miguel Reale assevera que:
É a boa-fé o cerne em torno do qual girou a alteração de nossa Lei Civil, da qual destaco
dois artigos complementares, o de nº 113, segundo o qual “os negócios jurídicos devem
ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”, e o Art. 422
que determina: “os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato,
como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”.
Como se vê, a boa-fé não constitui um imperativo ético abstrato, mas sim uma norma que
condiciona e legitima toda a experiência jurídica, desde a interpretação dos mandamentos
legais e das cláusulas contratuais até as suas últimas consequências.
Daí a necessidade de ser ela analisada como conditio sine qua non da realização da
justiça ao longo da aplicação dos dispositivos emanados das fontes do direito, legislativa,
consuetudinária, jurisdicional e negocial (REALE, s/d).
470
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Cumpre acrescentar que a boa-fé, assim como outros princípios do Direito, por
serem gerais, é, por vezes, muito aberta conceitualmente e pode exprimir um sentido de
forma abstrata, de modo que José de Oliveira Ascensão justifica:
O recurso dos princípios generalíssimos, como a repressão da fraude, é muito
perigoso, porque cria grande insegurança na aplicação.
É de toda a conveniência substituir o recurso a critérios muito gerais por critérios
mais precisos, que são mais úteis por sua maior compreensão. É por isso de
desejar que o avanço se faça por desenvolvimentos sociais e de critérios ou
subcritérios mais concretos.
A boa-fé não pode servir como panaceia universal, doutro modo arrisca-se
a tornar-se um critério nominalístico, suscetível de todos os entendimentos
(ASCENSÃO, 2010, p. 146).
Salienta-se que isso tem uma razão de ser, pois o legislador, em determinados casos,
intenciona que o intérprete tenha liberdade na aplicação de um princípio, para que venha
abarcar a maioria das situações juridicamente possíveis. Todavia, o princípio da boa-fé é
demasiadamente extenso quanto à sua aplicabilidade, justamente porque está intimamente
ligado a diversos valores sociais (coletivos), como a honestidade, probidade, justiça, entre
outros. Assim, para melhor entendimento e aplicabilidade, a doutrina majoritária divide
a boa-fé em duas espécies: objetiva e subjetiva.
A boa-fé subjetiva é medida a partir de uma expectativa de conduta da outra parte,
ou seja, espera-se que o sujeito em determinada situação, notadamente quando a discussão
versa sobre a posse de bens móveis e imóveis, aja de boa-fé. Essa definição parece ser
confusa, contudo, fica mais clara quando se define a boa-fé objetiva, que, por sua vez, é
um critério normativo de valoração de condutas. A boa-fé subjetiva não possui relevância
como cláusula geral dos contratos, mas influi diretamente na caracterização de parte
significativas dos vícios do consentimento (ASCENSÃO, 2010, p. 147). Ou seja, a formação
do negócio jurídico não possui dependência direta daquilo que a parte contratante pensa
ou pretende realizar, porém a sua validade e sua eventual exigibilidade serão analisadas
à luz da intenção do sujeito e da eventual tentativa de caracterizar o prejuízo deliberado
da parte contrária.
Flávio Tartuce trata da introdução da boa-fé objetiva às codificações europeias, o
que refletiu na inserção desse princípio no nosso ordenamento jurídico, pela codificação
civil de 2002, in litteris:
Uma das mais festejadas mudanças introduzidas pelo Código Civil de 2002 refere-se à previsão
expressa do princípio da boa-fé contratual, que não constava da codificação anterior.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
471
Como se sabe, a boa-fé, anteriormente, somente era relacionada com a intenção do
sujeito de direito, estudada quando da análise dos institutos possessórios, por exemplo.
Nesse ponto era conceituada a boa-fé subjetiva, eis que mantinha relação direta com a
pessoa que ignorava um vício relacionado com uma pessoa, bem ou negócio.
Mas, desde os primórdios do direito romano, já se cogitava uma outra boa-fé, aquela
direcionada à conduta das partes, principalmente nas relações negociais e contratuais.
Com o surgimento do jusnaturalismo, a boa-fé ganhou no Direito Comparado, uma
nova faceta, relacionada a conduta dos negociantes e denominada boa-fé objetiva.
Da subjetivação saltou-se para a objetivação, o que é consolidado pelas codificações
europeias. (TARTUCE, 2010, p. 110).
A doutrina tradicional conceitua a boa-fé objetiva a partir de uma concepção de
homem médio, ou do homem comum, ou seja, espera-se que determinado sujeito aja em
conformidade com os padrões sociais e que sua conduta seja perceptível pela sociedade
como não lesiva aos interesses da coletividade.
Assim, o indivíduo quando exerce um direito, espera-se que, no seu exercício, ele
não viole o princípio da boa-fé objetiva. Se assim o fizer, estará praticando um ato que,
embora tenha previsão legal, pois advém de um direito legalmente previsto, estará ferindo
uma expectativa socialmente prevista, a qual seja o exercício não abusivo do direito. O
exercício inadmissível ou o abuso de um direito são situações repudiadas pela sociedade,
cuja prática procurou o legislador tratar como conduta ilícita suscetível à reparação por
eventuais perdas e danos, conforme preconizado no artigo 187, combinado com o artigo
927 da codificação civil.
Entretanto, não há regramento específico para caracterizar o não exercício
de um direito como ato ilícito, notadamente no atual sistema jurídico que protege os
direitos subjetivos com longos prazos de prescrição e de decadência. Baseando-se em tal
constatação, o presente trabalho pretende deitar-se sobre as figuras protetivas existentes,
para, de forma analógica, vislumbrar sua aplicabilidade em situações problema de não
exercício abusivo de direito por parte do locador.
472
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2 O ABUSO DE DIREITO
2.1
O ABUSO DE DIREITO E O EXERCÍCIO INADMISSÍVEL
Quando se discorre sobre exercício inadmissível ou abuso de direito, faz-se
necessário delimitar que espécies de direitos são suscetíveis à prática abusiva que serão
expostas a seguir.
Os direitos, em sua essência, são divididos em direitos objetivos e subjetivos. Os
direitos objetivos são aqueles delineados pelo ordenamento jurídico e que independem
da manifestação de vontade de um titular. Os direitos subjetivos, por sua vez, são aqueles
que advêm de “um interesse protegido pelo ordenamento jurídico mediante um poder
atribuído à vontade individual” (GOMES, 2008, p. 98), ou seja, a manifestação do direito
subjetivo se dá por meio do seu exercício pelo titular, pois está vinculada a sua faculdade
de agir.
Com base na definição exposta, pode-se realizar a seguinte afirmação: como o
direito subjetivo advém de uma faculdade de agir, da vontade do seu titular, é possível
que em seu exercício este exceda as finalidades da tutela objetivada por aquele direito,
ou melhor, que o sujeito ao exercer o seu direito exceda os fins sociais pretendidos por
aquela tutela causando prejuízo a outrem. Dessa forma, infere-se que os direitos subjetivos
são suscetíveis à prática abusiva, pois decorrem da faculdade de agir do seu titular.
Segundo José Ricardo Alverez Vianna (2009), na História, o abuso de direito tem
sido coibido e impugnado com o intuito de proteger o cidadão que age com probidade
e boa-fé e de penalizar aquele que não age de acordo com tais princípios ou que tem o
interesse de prejudicar outrem. O instituto tem raízes no direito romano que, embora tenha
apresentado contornos ao abuso de direito, não procedeu à sistematização enquanto prática
contrária ao ordenamento jurídico. Os romanos somente utilizaram-se desse instituto em
determinados casos concretos (CARVALHO NETO, 2009, p. 28). Posteriormente, na Idade
Média, foi tratado na forma de ato emulativo, consubstanciado num exercício disfuncional
e ilegítimo de um direito (ASCENSÃO, 2010, p. 219), cuja aplicabilidade estava mais ligada
aos direitos inerentes à propriedade.
O abuso de direito tem sido repudiado pelos aplicadores do Direito, mas poucas
são as discussões, doutrinas e jurisprudências existentes, pois dependem da demanda dos
efetivamente lesionados. Por vezes, torna-se inviável o ingresso judicial, pois, como se trata
de uma interpretação subjetiva do exercício inadmissível de um direito, é mais dificultoso
instruir por meio de provas o abuso de direito.
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473
Quanto às discussões acadêmico-científicas, os doutrinadores se dividem em duas
correntes teóricas para definir o abuso de direito: a subjetivista e a objetivista, conforme
expressa Orlando Gomes:
A noção de abuso de direito varia conforme o critério que se adote. Para os subjetivistas,
consiste no uso do direito com o fim de causar dano a outrem. O defeito dessa orientação
está em exigir a investigação do imóvel do ato. Para os objetivistas, num desvio em seu
exercício, porque falta ao titular legítimo interesse para exercê-lo daquele modo, ou
porque sua destinação econômica ou social foi frustrada. (GOMES, 2008, p. 119).
A codificação civil brasileira, de acordo com o professor Orlando Gomes (2008),
preferiu abarcar a definição objetivista1, sob a inspiração do direito português (CARVALHO
NETO, 2009, p. 33), nos termos do artigo 187, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
in verbis: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes” (BRASIL, 2002).
Cumpre destacar que o abuso de direito é equiparado ao ato ilícito, por opção
do legislador brasileiro, acompanhando a escolha da legislação portuguesa, contudo,
distingue-se deste, conforme afirma Jorge Americano:
se por um lado, a noção do direito exclui a ideia do abuso, porque o abuso desnatura
o direito e faz com que deixe de o ser, por outro lado não há contestar a realidade dos
fatos, que verifica, numa série de atos ilícitos um falso assento em direito, diversamente
do ato ilícito, genericamente considerado, em que se não invoca nenhum assento em
direito. (1932, p.5 apud CARVALHO NETO, 2009, p. 190).
Em relação ao campo de aplicação da teoria do abuso de direito, ensina Orlando
Gomes (2008, p. 121) que essa não se aplica somente na esfera dos direitos patrimoniais,
embora essa classe de direitos foi mais naturalmente tratada ao longo da História, mas a
aplicabilidade se dá em todas as relações jurídicas existentes, assim como nas relações
estabelecidas entre locador e locatário, ou mais especificamente nos contratos de locação
de pessoas jurídicas, objeto do presente estudo.
Inácio de Carvalho Neto (2009, p. 33, 84-86) ainda acrescenta que o direito brasileiro, além da teoria
objetivista, abarcou a teoria finalista, na qual afirma que os pretensos direitos subjetivos não passam de
direitos-funções, “que têm finalidade a cumprir e dela não se podem desviar, sob pena de cometimento de
abuso de direito”.
1
474
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2.2
O ABUSO DE DIREITO NOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO
2.2.1 Breve caraterização dos contratos
As diversas relações jurídicas existentes desencadeiam a prática de determinados
atos que são revestidos de juridicidade e validade perante o Direito denominados de atos
jurídicos. Os atos jurídicos, por sua vez, são fatos jurídicos que possuem a interferência
humana. Dentre os atos jurídicos, há determinados atos que produzem, de alguma forma,
responsabilidade civil às partes evolvidas, denominados de obrigações.
Para Arnaldo Rizzardo (2008, p. 1), as obrigações, assim como os direitos, são
essenciais para viabilização da convivência social. Dessa forma, as diversas relações
jurídicas existentes constituem em criação de direitos e obrigações entre os envolvidos,
cuja coexistência implica na efetivação de um negócio jurídico. Tais relações negociais,
por vezes, se aperfeiçoam a partir de um instrumento, tal como ensina Arnaldo Rizzardo:
As relações dos indivíduos, visando constituir direitos e obrigações traduzem-se
em contratos, verificados quando há convergência de duas ou mais vontades sobre
determinado interesse, que é o objeto, e na determinação daquilo que cada uma delas
deve fazer, acetar, respeitar, abster-se, e nos resultados positivos ou vantagens que daí
decorrem. (RIZZARDO, 2008, p. 21).
Destarte, com base no enunciado, pode-se afirmar que os contratos são negócios
jurídicos revestidos de formalidades legais. Em relação ao conceito de contrato, Flávio
Tartuce assevera que:
O contrato é um ato jurídico bilateral, dependente de pelo menos duas declarações
de vontade, cujo objetivo é a criação, a alteração ou até mesmo a extinção de direitos
e deveres de conteúdo patrimonial. Os contratos são, em suma, todos os tipos de
convenções ou estipulações que possam ser criadas pelo acordo de vontades e por outros
fatores acessórios. (TARTUCE, 2010, p. 32).
O conceito compreendido acima denota que os contratos são atos jurídicos bilaterais
ou sinalagmáticos, ou seja, há causalidade entre as prestações, por exemplo, entrega-se o
bem em função do pagamento realizado pela outra parte.
No entanto, o conceito de bilateralidade apresentado por Tartuce (2010) é extensivo,
pois um contrato não é, unicamente, celebrado por apenas duas partes, mas pode ser
celebrado por outras mais, como ocorre nos contratos administrativos de consórcio. Nesse
sentido, Orlando Gomes (2008, p. 4) afirma que “o contrato é uma espécie de negócio
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
475
jurídico que se distingue, na formação, por exigir a presença pelo menos de duas partes.
Contrato é, portanto, negócio jurídico bilateral, ou plurilateral”.
Acrescenta-se que, sendo bilaterais, os contratos possuem um conjunto de direitos
e obrigações para as partes envolvidas, de forma que cada uma das partes responderá
por, pelo menos, um dever, e aferirá por, pelo menos, uma vantagem. Por essa razão que
se espera que haja boa-fé no cumprimento de um contrato, pois não sendo cumprido,
incorrerá num desequilíbrio contratual, uma vez que deverá ser corrigido, seja pela via
extrajudicial ou pela via judicial, conforme será visto nos tópicos seguintes.
No Código Civil, instituído pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, os
contratos são tratados nos artigos 421 ao 853, tendo a mencionada codificação tratado de
contratos em espécie como os contratos de compra e venda, troca ou permuta, contrato
estimatório, doação2, empréstimo, prestação de serviços, empreitada, depósito, mandato
comissão, agência e distribuição, corretagem, transporte, seguro e o de locação, este último
foi objeto do presente estudo.
2.2.2 O Contrato de Locação
O contrato de locação é uma das espécies de contratos típicos organizado na
codificação civil brasileira pelos artigos 565 a 578, na qual estão compreendidas as regras
contratuais para locação de coisas, pouco sendo tratada a locação de imóveis, cujo
regramento é dado, no caso de imóveis urbanos, pela Lei nº 8.245, de 18 de outubro de
1991; e para os imóveis rurais, pelo Estatuto da Terra – Lei nº 4.504, de 30 de novembro
de 1964 –, hipótese do arrendamento rural.
De acordo com o artigo 565, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, “na
locação de coisas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou
não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retribuição” (BRASIL, 2002).
Essa definição legal implica caracterização dos contratos de locação em relação a outras
espécies de contratos, pois quando se fala em cessão de uso e gozo de coisa fungível há
outra espécie de contrato, que não locação, a qual seja o contrato de mútuo3; quando
Há discussão doutrinária sobre a bilateralidade dos contratos de doação, contudo, por não se tratar do foco
do presente estudo, essa não foi abordada.
2
Existe a possibilidade de locação de coisas fungíveis, de acordo com DINIZ (2006, p.112), ocorre quando seu
uso e gozo for concedido ad pompam vel ostentationem, como na hipótese de alguém ceder ao locatário,
por certo prazo e aluguel, 20 garrafas de vinho, a fim de que elas sirvam de ornamentação na inauguração
de um negócio.
3
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não há a retribuição pelo uso e gozo da coisa também ter-se-á um contrato de cessão de
uso e gozo, contudo, a título gratuito.
Assim, a definição do mencionado diploma legal também implica a caracterização
dos elementos essenciais para a existência de constituição dos contratos de locação,
que, segundo Pontes de Miranda (1971, p.31, apud LOBO, 2011, p.331), são três: a)
promessa (e consequente prestação) do uso; b) promessa (e consequente prestação) da
retribuição; c) concordância sobre a duração, que pode ser por tempo indeterminado.
Desses elementos, podem-se extrair outros decorrentes deles que são vitais à existência e
aperfeiçoamento da locação, os quais, conforme Maria Helena Diniz (2006, p. 109-118),
são: (i) consentimento válido das partes; (ii) capacidade civil dos contratantes em contrair
obrigações; (iii) cessão da posse do objeto locado; (iv) remuneração; (v) lapso de tempo
determinado ou não; e, por fim, (vi) forma livre4.
Em relação à contratualidade da locação de coisas, nos ensina, ainda, Maria
Helena Diniz:
[...] tem natureza contratual, constituindo contrato: a) bilateral, porque tanto o locador
quanto o locatário se obrigam reciprocamente; b) oneroso, visto que cada contraente
busca obter para si determinada vantagem, havendo propósito especulativo; c) comutativo,
porque as mútuas vantagens são equivalentes e conhecidas desde a celebração do ato
negocial; d) consensual, uma vez que não depende, para a sua formação, de forma
especial, exceto em casos muito particulares; p. ex.: na locação comercial, para a
renovação compulsória, exige-se contrato por escrito pelo prazo de cinco anos (Lei n.
8.245/91, art. 51, I e II); os bens imóveis pertencentes a menores sob tutela somente
poderão ser alugados pelo tutor mediante preço conveniente (CC, art. 1.747, V); a locação
de imóveis de União dependerá de concorrência pelo maior preço [...]; e) de execução
continuada, pois sobrevive com a persistência da obrigação, apesar de ocorrerem soluções
periódicas, até que, pelo decurso de um certo prazo, cessa o contrato. O pagamento
de aluguel, salário ou preço não libera os contraentes senão da dívida relativa a certo
período, de modo que o vinculo contratual perdurará até o final do prazo avençado para
o término do contrato. (DINIZ, 2006, p. 108).
Diz-se, ainda, que a locação não pode ser perpétua, para que não se transforme em
alienação da coisa ao locatário, confundindo-se com a compra e venda (LOBO, 2011, p. 332).
Tratando, ainda, sobre as espécies de locação de imóveis, especificamente sobre
os fins que se destina, poderá ser realizada para fins residenciais e para fins comerciais ou
empresariais, sendo esta última modalidade preferida neste artigo.
Segundo Maria Helena Diniz (2006, p.118), a forma livre nos contratos é um princípio em que é permitida
a concretização do contrato de forma livre, visto que a lei não exige forma especial. Não será, portanto,
necessário que a manifestação contratual se dê por escrito.
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2.2.3 O Abuso de Direito nos Contratos de Locação
Conforme já demonstrado nos tópicos anteriores, são várias as formas de
manifestação do abuso de direito, contudo para delimitação do estudo proposto faz-se
necessária a caracterização de algumas das formas de exercício abusivo de direito inerentes
aos contratos de locação, mais especificamente nos contratos de locação empresarial.
Também já foi abordado que a legislação protege, via de regra, o locador em face do
locatário, pois se entende que aquele poderá ser naturalmente lesado pelo último, como no
eventual inadimplemento dos valores pagos a títulos de aluguéis. A doutrina pouco discute
e a jurisprudência, até então encontrada, é pouco esclarecedora no sentido de debater
as práticas abusivas por parte do locador em detrimento do frágil poder argumentativo
do locatário.
Na esfera empresarial não é diferente. Por vezes, o locador do espaço destinado à
prática empresarial age em descompasso ao que se espera, e há casos em que o empresário
fica refém dos desmandos daquele, pois este intenciona proteger seu ponto comercial, tão
caro aos esforços dispensados na conquista de sua clientela.
O abuso de direito por parte do locador poderá ser constatado desde a
celebração do contrato, pois, conforme exemplifica Pedro Batista Martins (apud
CARVALHO NETO, 2010), configura-se o abuso de direito os contratos de locação
que vedam ao locatário o direito de sublocar, de forma que cumprirá ao julgador e
aplicador do direito verificar se a proibição é fundada em motivos legítimos, e se não
contraria a destinação econômica do contrato.
Um exemplo, embora previsto doutrinariamente, mas não muito frequente, de
abuso de direito por parte do locador do imóvel, já na execução do contrato e tentativa
de conclusão, está na simulação de oferta do imóvel à venda com o intuito de desocupálo. A legislação disciplina que o locatário possui o direito de preferência na compra do
imóvel, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa:
O art. 27 da Lei da Lei do Inquilinato é minucioso. O direito de preempção ou preferência
cabe nos casos de venda, promessa de venda, cessão de direitos ou dação em pagamento
do imóvel locado. O locatário terá a preferência na aquisição, em igualdade de condições
com terceiros. O parágrafo único exige que a comunicação ao locatário contenha a
descrição de todas as condições de venda. Assim, a notificação não pode ser vaga e
imprecisa. Deve conter o preço, com condições, prazo, índices de juros e correção
monetária se houver. A lei vai mais além, obrigando que o vendedor comunique a
existência de ônus reais e indique local e horário em que a documentação referente ao
imóvel se encontrará a disposição de inquilino. (VENOSA, 2010, p. 160).
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Assim, o locador deve dar a preferência na compra pelo locatário, de forma que, se
for verificada a intenção de tão somente desocupar o imóvel, deve ser aplicada a regra do
artigo 29, da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, in verbis: “Ocorrendo aceitação da
proposta, pelo locatário, a posterior desistência do negócio pelo locador acarreta, a este,
responsabilidade pelos prejuízos ocasionados, inclusive lucros cessantes” (BRASIL, 1991).
Quando o locador não exerce seu direito de crédito, ou seja, quando não aceita
o pagamento do aluguel ou de alguma forma se exime de recebê-lo, ou, ainda, recusase a dar-lhe devida quitação, incorre também numa prática abusiva de um direito. Pois,
em primeira análise, conquanto o pagamento da prestação de aluguel (retribuição ao
direito de uso da coisa) seja uma sujeição do locatário, portanto um direito do locador,
a contraprestação, o recebimento e emissão do recibo, é uma condição de sujeição do
locador, que, se não cumprir, incorre num exercício inadmissível de um direito de crédito.
Assim, a legislação também protege o locatário, quando o locador recusa-se a dar recibo
de quitação, conforme alude Maria Helena Diniz (2006, p. 127): “Com a sua recusa em
conceder o recibo, o locador incidirá em contravenção penal à ação consignatória do
inquilino, prevista no art. 941 do Código Civil”.
Cumpre registrar que a alusão citada faz referência ao Código Civil de 1916, sendo
o referido direito do locatário (devedor) previsto no artigo 319 do Código Civil de 2002,
e a referida prática, por parte do locador, também considerada abusiva, conquanto não
tenha indicação expressa na legislação vigente. Outro exercício inadmissível de um direito
do locador ocorre quando este toma o imóvel sem notificação prévia ao locatário, devendo
aquele ressarcir os eventuais prejuízos causados em decorrência de sua prática abusiva.
Outros casos poderão configurar eventual abuso de direito do locador em face do
locatário, ao verificar o artigo 22 da Lei de Locações, há um rol não taxativo de deveres
do locador, sendo esses a contrario sensu, considerados direitos do locatário. Dessa forma,
o descumprimento de tais obrigações legais, por parte do locador, quando invoca sua
condição [direito] de proprietário do imóvel, pode ser considerado como prática abusiva.
No inciso II, do artigo 22 do supracitado diploma legal, o legislador procurou deixar
expresso que é dever do locador: garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico
do imóvel locado; assim, o locador que, na vigência da locação, invoca seu direito de
proprietário e procura turbar o uso do imóvel também incorre num abuso de direito. Nesse
mesmo raciocínio, o inciso IV apresenta um caso clássico de abuso de direito, pois o locador,
quando oculta os defeitos da coisa impondo ao locatário o ônus sobre o vício preexistente,
incorre numa prática abusiva na condição frágil do locatário que não viu o defeito em
tempo da celebração do negócio. Para esses casos e outros mais, as jurisprudências dos
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tribunais têm entendido5 e afirmado que sempre que o proprietário excede a sua condição
de senhorio e não cumpre com seus deveres legais, incorre em abuso de direito, devendo
ressarcir o locatário de eventuais prejuízos causados.
Nesse diapasão, pode-se afirmar que a supressão dos direitos do locatário por parte
do locador, quando este invoca sua condição de proprietário do imóvel, poderá incorrer
numa prática abusiva de direito, por exemplo, quando o locador retoma o imóvel sem o
devido ressarcimento das benfeitorias úteis e necessárias e suprimindo o direito de retenção
do imóvel do locatário.
Sobre esse aspecto, o artigo 35 da Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991,
preceitua que:
Art. 35. Salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas
pelo locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que
autorizadas, serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção. (BRASIL, 1991)
Cumpre asseverar que segundo a inteligência do citado diploma legal, as benfeitorias
úteis e necessárias deverão ser ressarcidas somente quando autorizadas pelo locador.
Portanto, o locatário ao término do contrato de locação, se não for ressarcido, tem o direito
de retenção. O locador ao tomar o imóvel sem o devido ressarcimento incorre numa prática
abusiva do seu direito, sob a qual faz jus a indenização do locatário.
Acrescenta-se, ainda, que a doutrina e a jurisprudência dos tribunais também têm
afirmado que o locador que retoma o imóvel deve apresentar os requisitos de seriedade
e sinceridade, pois, não sendo apresentados, configura-se abuso de direito, conforme
julgado abaixo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO RENOVATÓRIA. PEDIDO DE RETOMADA DO
IMÓVEL. REQUISITOS DE SERIEDADE E SINCERIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. O
deferimento do pedido de retomada de imóvel comercial formulado pelo locador deve
preencher os requisitos de seriedade e sinceridade, sob pena de configurar abuso de
direito. (TJMG; AGIN 1.0024.08.073422-1/0011; Belo Horizonte; Décima Segunda
Câmara Cível; Rel. Des. Domingos Coelho; Julg. 03/06/2009; DJEMG 29/06/2009)
Destarte, pode-se inferir que qualquer direito do locatário que seja suprido pelo
locador, ou qualquer prática por parte do locador que transcenda os limites impostos
pela lei e que venha lesar dolosamente o locatário, poderão ser consideradas práticas
abusivas de um [eventual] direito, sendo passíveis de desfazimento e reparação, conforme
tratado a seguir.
Julgados STJ: REsp 407160 / AM; REsp 159228 / SP
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3 OS INSTITUTOS E MECANISMOS DE PROTEÇÃO DO LOCATÁRIO EM
FACE DE ABUSO DE DIREITO DO LOCADOR
No capítulo anterior foram abordadas algumas formas de abuso de direito por parte
do locador, que não necessariamente está vinculado a um não exercício de um direito,
sendo que tal prática, por vezes, acaba por acarretar em ônus ao locatário, causando
prejuízos de grande monta. Dessa forma, passar-se-á a estudar os institutos do Direito que
visam proteger o locatário em face de abuso de direito do locador.
Segundo Inácio de Carvalho Neto (2010, p. 195-200) são duas as espécies de
sanções para o ato abusivo: direta e indireta. De acordo com o autor (2010, p. 195) a sanção
direta é aquela reparação in natura, ou seja, implica o desfazimento do ato. Por outro lado,
a reparação indireta implica a reparação do dano pelos princípios da responsabilidade
civil. Todavia, a doutrina apresenta uma questão sobre a referida temática a ser saneada:
a responsabilidade civil do ato abusivo é objetiva?
Sobre a problemática suscitada, o doutrinador português Fernando Augusto Cunha
de Sá esclarece o que segue:
É certo que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio de que só existe obrigação
de indenizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (art. 483º, n. 26)
e em lado algum se contempla o abuso de direito como um caso de responsabilidade civil
objetiva; mas já atrás houve oportunidade de fazer referência à reinvindicação do abuso
do direito como uma das manifestações do dever de indenizar baseado no risco [...] o
abuso prescinde quer da causação de danos (pode haver um ato abusivo não danoso),
quer, quando os haja, de qualquer elemento subjetivo, na forma de dolo ou de mera
culpa: ora, sendo assim, a exigência de culpa como requisito da responsabilidade civil
por atos abusivos, depende da possibilidade de emitir um juízo de reprovação sobre a
conduta do agente, pois nisso mesmo é que consiste a culpa. Dito por outras palavras,
depende da existência de um dever que impenda sobre o titular do direito subjetivo ou
da diversa prerrogativa jurídica a que este tenha violado voluntariamente. (1997, p. 638
apud CARVALHO NETO, 2009, p. 199).
Portanto, a responsabilização civil do ato abusivo, depende de um juízo de valor
do intérprete, pois a subjetividade é própria do abuso de direito.
Voltando ao âmbito normativo-legal, a obrigatoriedade de indenizar por perdas e danos
é disciplinada no artigo 927, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que diz: “Aquele que,
por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. (BRASIL,
A regra mencionada pelo autor é do Código Civil Português, sendo equivalente ao art. 927 da codificação
brasileira.
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2002). Dessa forma, o locador que causar prejuízo ao locatário, mesmo que dentro dos
limites legais, mas de forma abusiva, deve ressarcir tal prejuízo, indenização que poderá ser
demandada judicialmente por meio de ação própria. Nesse sentido, cumpre acrescentar
que a jurisprudência dos tribunais tem pactuado dessa premissa, conforme julgados abaixo:
LOCAÇÃO. RETOMADA DO IMÓVEL. ABUSO DE DIREITO POR PARTE DO LOCADOR.
Dever de indenizar danos morais e materiais emergentes de sua conduta. (...) (TJRS; AC
505097-65.2010.8.21.7000; Não-Me-Toque; Décima Sexta Câmara Cível; Rel. Des.
Paulo Sérgio Scarparo; Julg. 16/12/2010; DJERS 10/01/2011).
JUIZADOS ESPECIAIS. CIVIL. CONTRATO DE ALUGUEL. RETOMADA
ARBITRÁRIA POR PARTE DO LOCADOR. DESPESAS REALIZADAS PELO
LOCATÁRIO PARA REFORMA DO IMÓVEL LOCADO. CONFIGURAÇÃO DE
ABUSO DE DIREITO. DANOS MATERIAS CARACTERIZADOS. SENTENÇA
MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A retomada do
imóvel locado de forma arbitrária, sem a devida notificação do locatário e prévia
rescisão contratual configura abuso de direito (artigo 187 CC). 2. As despesas
realizadas pelo locatário para realizar reforma no imóvel que lhe foi retirado
o direito de uso configura danos materiais que merecem ressarcimento. (...)
(TJDF; Rec. 2009.09.1.022190-8; Ac. 442.485; Primeira Turma Recursal dos
Juizados Especiais Cíveis e Criminais; Relª Juíza Giselle Rocha Raposo; DJDFTE
02/09/2010; Pág. 263).
No que diz respeito à omissão do locador no recebimento de coisa/quantia certa,
ou seja, quando o locador não exerce o seu direito de crédito ou não dá a devida quitação,
de forma injustificada; ou quando ele não recebe as chaves no término do contrato de
locação; incorrerá, conforme tratado no capítulo anterior, em abuso de direito. De sorte
que a legislação civil protege o devedor, analogicamente o locatário, que de boa-fé intenta
realizar o pagamento e não obtém êxito, permitindo-lhe a realização da consignação de
pagamento, disciplinada nos artigos 334 e seguintes do código civil, in verbis: “Considera-se
pagamento, e extingue a obrigação, o depósito judicial ou em estabelecimento bancário
da coisa devida, nos casos e forma legais.”. Dessa forma, o depósito judicial ou bancário,
nos termos que a lei definir, são formas de proteger o locador e consequentemente lhe
afasta a mora. Assim, ensina Venosa:
A consignação em pagamento tem a ver com a imputação da mora ao credor. No entanto,
não é obrigatório ao devedor recorrer à ação de consignação para conseguir esse efeito.
A mora do credor pode ser reconhecida na ação que este move contra o devedor: se o
devedor é cobrado judicialmente e alega que não paga porque o credor não cumpriu com
sua parte na avença, aplicação da exeptio non adimpleti contractus (art. 476), reconhecida
essa situação, reconhecida estará a mora do credor. (VENOSA, 2008, p. 228).
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Na codificação civil, há a possibilidade de realização da consignação em pagamento
judicial e extrajudicial. No entanto, a lei de locações prevê a modalidade específica para
o assunto em comento, a qual seja a Ação de Consignação de Aluguel e Acessórios da
Locação, disciplinada no art. 67 do mencionado diploma legal.
No âmbito empresarial, há um instituto muito eficaz, que visa proteger o ponto
comercial do empresário: a Ação Renovatória. Tal instrumento consiste na demanda judicial
intentada pela empresa (pessoa jurídica) em face do locador com o intuito de renovar o
contrato de locação por igual período avençado em instrumento anterior. Os requisitos da
Ação Renovatória estão disciplinados no artigo 51 da Lei de Locações (BRASIL, 1991), sendo
eles: i. proposição da ação nos primeiros seis do último ano de vigência da locação; ii. o
contrato, objeto de renovação, tenha sido celebrado por escrito e por prazo determinado;
iii. deve existir um ou sucessivo(s) contrato(s) prévio(s) que representem locação ininterrupta
por um período não inferior a 5 (cinco) anos; iv. o empresário deve exercer no mesmo
ramo (na mesma atividade) pelo período mínimo de 3 (três) anos ininterruptos.
A prescrição e decadência são institutos que visam a pacificação social e a segurança
da ordem jurídica, pois, como é notório, o exercício de um direito não pode ficar pendente
de forma indefinida no tempo (TARTUCE, 2010, p. 429). Assim, o legislador brasileiro
inseriu no Código de Civil de 2002, nos artigos 189 e seguintes, tais institutos, os quais
são aplicados em quaisquer dos negócios jurídicos, incluindo os contratos de locação.
A prescrição, nos termos do artigo 189 do supracitado diploma legal, visa proteger
o devedor, in casu o locatário, em intenção de o locador demandar judicialmente eventual
pretensão de direito que em tempo não moveu a devida ação judicial. Conforme bem
alude Flávio Tartuce:
Se o titular do direito permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria
por via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um benefício a favor do devedor,
pela aplicação da regra de que o direito não socorre aquelas que dormem, diante da
necessidade do mínimo de segurança jurídica nas relações negociais. (2010, p. 432)
Entretanto, o locatário, por vezes, torna-se refém de uma condição temporal, que não
se efetiva, pois em diversas situações o locador demanda judicialmente indevidamente, de
modo óbvio que antes de transcorrido o prazo prescricional, ou age em descompasso com
o direito, cometendo abusos de qualquer ordem, conforme já tratado anteriormente, sendo
que tais práticas abusivas não podem ser atacadas pelos mecanismos de proteção já citados.
Destarte, o locatário pode lançar mão de outro instituto do Direito Civil, que visa
sanar mais facilmente eventuais dificuldades criadas na execução do contrato de locação
e coibir eventuais atos abusivos por parte do locador. Esse instituto é o da decadência. A
decadência difere-se da prescrição, pois conforme ensina Antonio Luiz da Câmara Leal:
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É de decadência o prazo estabelecido pela lei, ou pela vontade unilateral ou bilateral,
quando prefixada ao exercício do direito pelo seu titular. E é de prescrição, quando fixado,
não para o exercício do direito, mas par ao exercício da ação que o protege (LEAL, 1939,
p. 133 e 184 apud AMORIM FILHO7, s/d).
No tocante às espécies de decadência, Flavio Tartuce (2010, p. 461) assevera que:
“a decadência pode ter origem na lei (decadência legal) ou na autonomia privada, na
convenção entras as partes envolvidas com o direito potestativo”. Dessa forma, subentende-se que a decadência, se não estiver expressa na lei, poderá ser convencionadas entre as
partes, ou seja, locador e locatário.
Assim, o locatário que se vê prejudicado por uma ausência do locador decorrente
do não exercício de um direito (abuso de direito), poderá notificá-lo para que venha
exercer o seu direito em um determinado prazo sob pena de decair o seu direito. Dessa
forma, a partir da notificação expressa, tem-se a convenção da decadência, por parte do
locatário. Registra-se que tal prazo deverá ser convencionado aplicando, analogicamente,
a regra de responsabilização por vício de produto ou serviço utilizada nos termos do §2º
do artigo 18, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), na qual estabelece o intervalo
igual ou superior a sete, e igual ou inferior a 180 dias.
A situação acima se mostra eficaz em situações de obrigações de fazer imputadas
ao inquilino, cujo cumprimento depende da exigência prévia do locador, ou, ainda, de
concorrência de esforços de locador e locatário.
Várias são as situações abusivas, como o direito de vistorias exercido sem prévio
agendamento de horário, ou ainda a determinação de desocupação temporária para
manutenção preventiva sem determinação de prazo de início e final das efetivas obras.
O locatário efetua o pagamento pelo uso e gozo da coisa e deve tê-la em sua posse
durante todo o lapso temporal, sendo apenas toleradas a interferências inafastáveis, justas
e razoáveis, sob pena de caracterização do abuso de direito do locador.
Porém, a situação mostra-se muito mais grave quando o direito do locador
deixa de ser exercido de forma deliberada como forma de causar prejuízo ao locatário,
hipótese em que deverá o inquilino constituir o locador em mora e estabelecer a
decadência convencional como forma de se exonerar da responsabilidade de esperar
a boa vontade do senhorio.
Agnelo Amorim Filho propõe em sua obra um critério científico para distinguir a prescrição da decadência.
Ao aludir sobre essa obra, Flávio Tartuce (2010, p. 466) elucida que “os prazos decadenciais referem-se às
ações constitutivas, sejam elas positivas ou negativas, diante da existência de um direito potestativo”.
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Cumpre aludir que a decadência visa prevenir e não solucionar um problema já
instaurado, que então caberá somente a reparação de danos, conforme vislumbrado nos
comentários iniciais deste capítulo.
CONCLUSÃO
Com base em todo o exposto, pode-se afirmar que as relações locatícias, inclusive
nas hipóteses de locação empresarial, podem ser acometidas por práticas abusivas por
parte do locador, sejam elas comissivas, ou ainda omissivas.
A legislação brasileira cria poucos institutos de proteção do locatário, em face de
abuso de direito pelo locador, justamente porque sempre procurou proteger o credor em
face de mora do devedor. Todavia, conforme ilustrado neste trabalho, o locador poderá
incorrer em práticas abusivas de direito, por vezes invocando sua condição de senhorio,
que prejudicam o locatário e lhe traz prejuízos de grande monta.
Destarte, os aplicadores do direito podem lançar mão de determinados institutos,
visando à proteção do locatário, figura mais frágil na relação locatícia, ou, ainda, no caso
de eventual prejuízo demandar contra o locador em ação de reparação de danos.
A conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, porém, somente poderá ser
efetuada após a constituição do credor em mora e a formatação da decadência convencional
por meio de notificação formal dirigida ao locador omisso para que exerça o direito no
prazo estipulado, sob pena de, em não o fazendo, não poder exigir a obrigação de fazer
do locatário.
A figura se aproxima da exceção de contrato não cumprido prevista no CCB, em seu
artigo 476, porém mais adequada à situação problema, pois não servirá apenas de hipótese
excludente de responsabilidade, mas hipótese extintiva de direitos subjetivos do locador.
Cumpre destacar que, conquanto a legislação seja singela em relação ao instituto
da decadência, o locatário poderá usá-lo visando à prevenção a um eventual abuso de
direito, pelo não exercício de um direito por parte do locador.
Por fim, ainda que não se vislumbre claramente a solução, senão pela interpretação
analógica da legislação vigente, o inquilino e os demais obrigados a prestações de fazer
possuem mecanismos eficientes de se eximir da responsabilidade que poderia se eternizar
durante um longo período prescricional sem que houvesse a certeza da exigência do direito
por parte do credor.
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REFERÊNCIAS
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O NÃO EXERCÍCIO COMO CARACTERIZADOR DO ABUSO DE DIREITO:
APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA EM DEFESA DO
DEVEDOR EM FACE DA MORA DO CREDOR NOS CONTRATOS DE FRANQUIA
Carina Martini*
Regis Tocach**
RESUMO
A clássica submissão do devedor à relação jurídica obrigacional nos contratos
de franquia torna sua proteção menos eficaz ante ao abuso de direito ou seu exercício
disfuncional por parte do credor. Essas práticas, proibidas desde os primórdios do
Direito Civil, permitem que o credor deixe de exercer seus direitos de crédito por
longos períodos. Como forma de minimizar o problema, o Código Civil brasileiro vigente
adotou o sistema de cláusulas gerais, como a boa-fé objetiva. A partir daí, a sujeição
do devedor aos desígnios do credor deixou de ser absoluta para ser efetivamente uma
relação bilateral. Mas qual seria então a forma de defesa do devedor? Mesmo com a
atual mudança no Código Civil, é quase imperceptível a existência de mecanismos
necessários para a liberação do devedor quando o credor exerce seu direito de forma
abusiva ou disfuncional. Nesse sentido, a partir de uma pesquisa qualitativa de cunho
exploratório, com o emprego de levantamento bibliográfico, foi possível identificar o
instituto da decadência como forma de proteção e liberação do devedor ante a mora
do credor.
Palavras-chave: Contrato de Franquia. Abuso de Direito. Exercício Disfuncional.
Direito das Obrigações. Mora do Credor.
* Aluna do 5.º ano do curso de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à
Iniciação Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
** Professor do curso de Direito da FAE Centro Universitário. Orientador do Programa Acadêmico de
Iniciação Científica.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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INTRODUÇÃO
O legislador sempre teve como foco a proteção do credor contra os atos de
inadimplência do devedor. O oposto nem sempre foi encarado ou mesmo discutido.
Ocorre que o credor, ao exercer o seu direito de crédito de forma abusiva ou disfuncional,
representa grave risco para o devedor e para a sociedade em geral, pondo em cheque a
segurança jurídica nas relações negociais.
A submissão do devedor à relação jurídica obrigacional clássica tornava a sua
proteção menos eficaz. Com a evolução do Direito Civil brasileiro, pela adoção de cláusulas
gerais, como a Boa-fé Objetiva, o liame existente entre credor e devedor passou a ser
efetivamente uma situação e relação jurídica, na qual ambos devem exercer seus direitos
de forma adequada, não havendo mais a clássica submissão absoluta do devedor em
relação a seu credor. Por óbvio, a adoção das cláusulas gerais dos negócios jurídicos pelo
Código Civil afastou a concepção de proteção exacerbada do credor em face do devedor.
Contudo, mesmo com tal mudança por parte da legislação, os mecanismos de proteção
do devedor ainda se mostram obscuros.
Nesse sentido, o presente trabalho tem como finalidade estabelecer qual ou quais
as formas de garantir a proteção do devedor em face do credor que deixa voluntariamente
de exercer seus direitos de crédito ou os exerce de forma disfuncional, especialmente no
que tange aos contratos de franquia e suas obrigações. Para tanto, é necessário estabelecer a
configuração de uma situação e relação jurídica nesse tipo de contrato, bem como verificar
a implicação dos prazos prescricionais e medidas judiciais e administrativas específicas
como formas de garantia da segurança jurídica e negocial do devedor em face do credor.
Para consecução dos objetivos desse trabalho a metodologia adequada é a de um
estudo qualitativo de cunho exploratório a partir de levantamento bibliográfico a fim de
demonstrar a viabilidade do instituto da decadência como mecanismo liberatório quando
do não exercício do direito de crédito por parte do credor.
1DESENVOLVIMENTO
Partindo da teoria proposta por José de Oliveira Ascensão (2010) o contrato de
franquia empresarial pode ser caracterizado como, além de uma situação, uma relação
jurídica bilateral, não mais como uma simples relação de subordinação absoluta do devedor
ao credor.
490
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Para a caracterização do contrato de franquia empresarial como uma situação e
uma relação jurídica exige-se a conceituação do que seria tal instituto.
Assim, necessário se faz recorrer ao conceito do contrato de franquia presente
na Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, o qual pode ser encontrado no artigo 2º,
exposto da seguinte forma:
sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de uma marca
ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos
ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação
e administração de negócios ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo
franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique
caracterizado o vínculo empregatício. (BRASIL, 1994).
Como se pode observar a partir do conceito trazido pela própria legislação, nesse
tipo de contrato há uma cessão de direitos inerentes à propriedade industrial, por parte
do franqueador ao franqueado, sem que isso signifique vínculo empregatício ou que o
franqueado se classifique como sócio.
O contrato, também denominado como franchising, traz, na maioria dos casos,
vantagens para ambos os contratantes, uma vez que o franqueado investe em um negócio
já formatado e o franqueador vê a possibilidade de ampliação, sem que haja necessidade
dispêndio de grandes investimentos.
A partir da conceituação daquilo que se entende por contrato de franquia, passou-se a investigar se esse se insere nas categorias de relação e situação jurídica apresentada
na obra de José de Oliveira Ascensão (2010).
2 SITUAÇÃO E RELAÇÃO JURÍDICA
Na obra, Direito Civil Teoria Geral, Oliveira Ascensão (2010 ) apresenta a Relação
Jurídica como sendo uma espécie do gênero Situação Jurídica. Isso se dá, de acordo com o
autor, em virtude da especificidade do conceito de relação que é insuficiente para abarcar
todas as situações valoradas pelo Direito.
Nesse sentido, as situações jurídicas são “situações de pessoas, resultante da
valoração histórica da ordem jurídica” (ASCENSÃO, 2010, p. 10), embora resultem da
aplicação de uma norma não se confundem com esta.
Por ser uma situação de pessoas, a Situação Jurídica tem natureza diversa da norma,
uma vez que esta é de natureza geral e não pessoal, como aquela.
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491
Partindo dessas premissas, podemos dizer que o contrato de franchising enquadra-se perfeitamente no conceito de Situação Jurídica. Isso por se tratar de uma situação em
que, a princípio, duas pessoas pactuam a respeito do uso de determinada marca/patente
aplicando a norma jurídica que diz respeito a essa situação, em outros termos, é uma
relação pessoal resultante da valoração histórica da ordem jurídica.
Como se vê, o contrato de franchising pressupõe uma norma que o regule, mas
não se confunde com esta, já que a norma é abstrata e a situação jurídica do contrato em
si é concreta e histórica.
3 CLASSIFICAÇÃO DA SITUAÇÃO JURÍDICA NA QUAL SE INSERE O
CONTRATO DE FRANCHISING
Ascensão (2010) classifica em sua obra a Situação Jurídica de diversas formas. Nesse
diapasão, ela seria Abstrata ou Concreta; Naturais ou Precárias; Simples ou Complexas;
Ativa ou Passiva (com especial crítica a respeito dessa classificação); e Pessoal ou Patrimonial.
Situações jurídicas abstratas seriam aquelas abstratamente previstas nas normas
jurídicas, as quais se confundem com elas. Em contrapartida, as situações jurídicas concretas
seriam aquelas historicamente formadas.
Com relação às situações jurídicas naturais, o autor apresenta um exemplo para
conceituá-las – são as obrigações naturais – sendo que sua característica é a de que o
devedor não pode ser coagido ao cumprimento. Ainda há que se dizer que as situações
jurídicas podem ser precárias em que sua subsistência está dependente da vontade livre
de outra pessoa.
Ainda podem ser simples ou complexas. Aquelas que, por sua vez, podem ser
compostas ou coletivas. As compostas são formadas por situações simples que perdem
sua autonomia no conjunto, já as coletivas são universalidades de direitos em que cada
situação simples não perde sua autonomia perante o conjunto.
As situações complexas também podem ser divididas em situações unissubjetivas
ou plurissubjetivas. O que as define é a quantidade de sujeitos. Como o próprio nome
sugere, as unissubjetivas são aquelas em que as situações jurídicas pertencem apenas a um
sujeito, diferente da outra categoria em que há uma pluralidade de sujeitos.
A complexidade, como se vê, pode dar ensejo a uma série de modalidades de
situações, por exemplo, a pluralidade de partes, a pluralidade de vínculos jurídicos,
cotitularidade de situações jurídicas e conjunção funcional (ASCENSÃO, 2010, p. 17).
Com relação à classificação em ativa e passiva, Ascensão faz uma crítica afirmando que:
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A pretensão de haver em toda a relação jurídica um polo ativo e um polo passivo é
falsa, pois o que divisamos normalmente, dentro da relação como figura complexa, é
um equilíbrio de posições, em que vários sujeitos são simultaneamente ativos e passivos.
Assim, na permuta, há uma relação jurídica, em que é impossível caracterizar qualquer
dos participantes como ativo e passivo. (ASCENSÃO, 2010, p.18).
Como se vê, essa classificação é desnecessária. O contrato de franchising é complexo
o suficiente para que franqueado e franqueador ocupem, ao mesmo tempo, posições de
atividade e passividade. Isso se dá em virtude do franqueador ceder sua patente/marca e
ser credor da taxa que o franqueado paga pelo uso pela da celebração do contrato.
Por último, classifica-se a situação jurídica como pessoal, quando há um prevalente
aspecto ético, ou patrimonial, cuja essência é compatível com a redução a um valor pecuniário.
A partir dessas classificações apresentadas por Ascensão (2010) pode-se afirmar que o
contrato de franchising, desde o momento de sua celebração, é uma Situação Jurídica Concreta,
uma vez que nasce a partir da realidade concreta de seus contratantes e não apenas de uma
previsão legal; Precária, já que há coercibilidade no pagamento da taxa e na cessão da marca
ou patente; e Patrimonial, por ser redutível a um valor pecuniário.
4 RELAÇÃO JURÍDICA
Na mesma linha que todos os outros doutrinadores, Ascensão (2010) aponta o
aspecto da qualificação da relação jurídica como uma relação social, dessa forma, “toda
relação jurídica é, necessariamente, relação social” (ASCENSÃO, 2010, p. 35).
A relação jurídica se dá entre termos determinados. Essa é a conclusão que se
chega a partir da crítica a Relação Absoluta apresentada por José de Oliveira Ascensão. De
acordo com o autor, a “relação supõe necessariamente dois ou mais entes em presença.
Estes podem ser quaisquer, abstratos ou concretos. Deverá porém mediar entre ele uma
afinidade” (ASCENSÃO, 2010, p. 25).
A afinidade é tida como elemento base no conceito ontológico de relação. Dessa
forma, concretiza-se, de acordo com Ascensão (2010, p. 45), como independência ou
complementaridade. “A situação dum é o que é, porque é o que é a situação do outro.
Ou seja, a situação de cada um só se define em referencia à do outro.” É uma referência
de dois seres, mútua, e é nisso que consiste a relação.
O surgimento da relação jurídica se dá quando dois sujeitos ficam definitivamente
implicados naquela situação comum. Esse é o momento em que se concretiza o preceito
jurídico que dá a forma da relação (ASCENSÃO, 2010, p. 46).
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493
Como se pode extrair daquilo que o autor entende por relação jurídica, o Contrato
de Franchising é tido como tal por estabelecer-se entre pessoas que têm afinidade, qual
seja o interesse na obtenção de lucro com redução de riscos e de investimentos. Mostra-se, portanto, que o contrato em questão é uma relação jurídica bilateral.
5 CLASSIFICAÇÃO DA RELAÇÃO JURÍDICA NA QUAL SE INSERE O
CONTRATO DE FRANCHISING
As relações jurídicas são tidas como simples ou complexas.
Para Ascensão (2010, p. 40) a relação jurídica simples é aquela cujo conteúdo se
estabelece apenas em uma posição de poder e uma posição de dever, já a relação jurídica
complexa seria aquela cujo conteúdo é composto por várias posições de poder ou dever.
O autor ainda apresenta uma subdivisão das relações complexas. Seriam as coletivas
e as compostas, que têm as mesmas características das situações jurídicas coletivas ou
compostas, ou seja, o que determina se se trata de uma ou outra é a perda, ou não, de
autonomia quando presentes em conjunto.
Dessa forma, o contrato de franchising apresenta-se como Relação Jurídica
Complexa, pois, embora haja, a princípio, apenas dois sujeitos, há mais que uma posição
ocupada por eles dentro na relação, ou seja, o franqueador tem, concomitantemente,
posição de dever e de poder, assim como o franqueado. Ainda, se mostra como uma
Relação Jurídica Complexa Composta, uma vez que não há autonomia das posições de
dever e de poder ocupadas pelas partes dentro do contrato.
6 EXERCÍCIO DISFUNCIONAL
Primeiramente faz-se necessário considerar que os direitos não são absolutos, assim,
seu titular não pode exercê-lo como bem entenda sem que haja intervenção da ordem
jurídica. Desse modo, verifica-se que as situações jurídicas possuem certas finalidades,
ou seja, conforme expõe Ascensão (2010, p. 218) “são criadas para o desempenho de
objetivos ou funções”, apresentando-se como categoria de limites aos direitos.
Quando o titular de um direito se afasta da destinação funcional que possui, há
o exercício disfuncional, qualificado como exercício ilegítimo. “É ilegítimo o exercício
formal quando não há interesse: temos os atos ditos como chicaneiros. Por maioria de
razão, é ilegítimo o exercício quando o fim for de prejudicar outrem: temos os atos ditos
emulativos” (ASCENSÃO, 2010, p. 219).
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Assim, pela finalidade ou utilidade social de um direito, pode-se dizer que seu
exercício não pode se dar de maneira a violar sua destinação básica. A partir daí, considera-se abusivo o exercício quando há manifesto excesso com relação aos limites impostos pelo
fim social ou econômico. Esses limites não são apenas de cunho negativo, exprimindo-se
em proibições, pode haver a imposição de condutas positivas que condenam a omissão
do agente.
Além da limitação funcional ao exercício de direitos, há também a limitação imposta
pelos bons costumes e a boa-fé que abrange o exercício incorreto, resultado de violações
de cláusulas gerais.
O ato abusivo, seja pelo exercício incorreto, seja pelo exercício disfuncional é
ilegítimo, podendo ser ilícito ou não, inválido ou não. O exercício inadmissível é medido
objetivamente e abrange situações em que nada há de negativo na vontade do agente e
pode ter como consequência o dever de indenizar, sendo necessária a ilicitude. “Sendo
assim, o abuso pode não se repercutir na constituição de responsabilidade civil. Se o
ato abusivo for também ilícito, dá-se uma aplicação cumulativa dos dois institutos.”
(ASCENSÃO, 2010, p. 228).
A conclusão de Ascensão (2010, p. 230) é a de que o abuso de direito “é apenas
uma capa, que cobre uma pluralidade de figuras muito distintas entre si.” E devido a essa
característica, deve-se concretizar o princípio da boa-fé tendo como base uma pluralidade
de princípios dele derivados, por exemplo, o principio da lesão ou da reação contra esta,
que se ilustra a partir da desproporção entre vantagens e sacrifícios.
Assim, enuncia-se o princípio geral de que “o exercício do direito encontra o seu
limite quando houver uma grande desproporção entre o benefício recebido e o prejuízo
imposto a outrem.” (ASCENSÃO, 2010, p. 234).
Por fim, o não exercício é caracterizado como uma forma de abuso, uma vez que,
em certos casos, “a passividade pode levar a perda do direito.” (ASCENSÃO, 2010, p. 242)
surgindo como violação da função social.
Por tudo quanto exposto acerca do exercício disfuncional, pode-se dizer que
quando o franqueador deixa de exercer seu direito de crédito está praticando conduta
abusiva, não ilícita, mas passível de repreensão, uma vez que não há observância dos
limites impostos pelo fim social ou econômico, pelos bons costumes e a boa-fé.
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7 MECANISMO DE LIBERAÇÃO DO DEVEDOR QUANDO DO NÃO EXERCÍCIO
DE CRÉDITO POR PARTE CREDOR: PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA
Antes da determinação de qual desses institutos podem ser tidos como instrumento
de proteção do devedor em face da mora do credor, é necessário estabelecer em qual
classificação dos direitos o contrato de franquia se insere. A partir daí ter-se-á um critério
científico para delimitar o que seria abarcado pela prescrição ou pela decadência.
Dessa forma, faz-se necessário a adoção da moderna classificação entre direitos e
direitos potestativos, proposta por Chiovenda (1961). Partindo dessa classificação, pode-se
dizer que direitos são aqueles que têm por finalidade um bem da vida, atingidos por meio
de uma prestação, seja ela negativa ou positiva, como é o caso dos direitos reais e pessoais.
Direitos potestativos são entendidos como um poder que a lei confere a determinadas
pessoas de influírem sobre as situações jurídicas de outros sujeitos. Essa influência se dá
mediante simples declaração da vontade, mesmo que contra a vontade da pessoa sobre a
qual recai o exercício do direito potestativo é o que Chiovenda (1961) chama de sujeição.
Os direitos potestativos podem ser exercidos de três formas distintas: a primeira
delas é pela simples declaração de vontade de seu titular; a segunda se dá quando o
direito potestativo pode ser exercido mediante simples declaração da vontade de seu
titular, sem apelo ao judiciário, desde que quem sofre a sujeição concorde com a forma
de exercício do direito; por fim, a terceira forma de exercício é mediante ação judicial
de caráter obrigatório.
A partir dessa moderna divisão entre direitos e direitos potestativos, fez-se necessário
uma nova classificação das ações a qual também foi proposta por Chiovenda (1961),
que segundo esse autor, as ações podem ser divididas em condenatórias, constitutivas
e declaratórias. As ações condenatórias são aquelas em que se pretende obter do réu
determinada prestação. Já as ações de cunho constitutivo são aquelas em que se objetiva
a criação de um estado jurídico, ou a modificação, ou a extinção de um estado jurídico
preexistente, sem que haja lesão a um direito. Por fim, as ações declaratórias têm por
objetivo conseguir uma certeza jurídica.
Postas essas considerações, Agnelo Amorim Filho (1961) passou a efetivamente
estabelecer os fundamentos da prescrição e da decadência.
No que diz respeito à prescrição, pode-se dizer que seu termo inicial é o nascimento
da ação (actio nata), a qual, por sua vez, nasce pela violação de um direito. A actio nata
caracteriza-se por dois elementos: existência de um direito atual, passível de ser reclamado
em juízo, e sua violação. Entende-se ação como pretensão.
496
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Conforme exposto pelo autor, não é correto dizer que o prazo prescricional começa
fluir do nascimento da ação processual, oriunda da lesão a um direito. Isso porque da
violação do direito não se origina a ação de forma direta. O início do prazo prescricional
se dá com o nascimento da pretensão, assim, pode-se dizer que a primeira coisa atingida
pela prescrição é a pretensão e não a ação. É por isso que há casos em que a prescrição
se opera com relação à pretensão, sem que haja sequer o nascimento da ação.
A partir dessas considerações acerca da prescrição, o autor chega à conclusão de que
somente os direitos a uma prestação conduzem à prescrição, uma vez que somente esses
direitos são passíveis de lesão ou de violação, somente os quais dão origem a pretensões.
Já os direitos potestativos são, por definição, direitos sem pretensão, ou sem prestação,
não podendo, jamais, darem ensejo ao prazo prescricional.
Com relação aos fundamentos da decadência, Amorim Filho (1961) indica que o
efeito imediato desse instituto é a extinção do direito, ou seja, extingue a possibilidade
de exercício do direito. O exercício dos direitos pode ser regido por dois princípios:
o da disponibilidade, segundo o qual o direito é exercido de forma facultativa; e o da
inesgotabilidade, segundo o qual os direitos não se esgotam pelo uso – seria o caso das
ações constitutivas sem prazo especial estabelecido em lei.
A possibilidade de exercício dos direitos potestativos, em algumas situações, pode
gerar uma intranquilidade para os terceiros que sofrerão a sujeição e, não só para esses,
como também para toda a coletividade. Daí vem a necessidade de estabelecer um prazo
para o exercício de alguns dos direitos potestativos (aqueles que são disponíveis, ou seja,
de exercício facultativo), cuja falta de exercício perturba a paz social. Certos direitos
potestativos são subordinados a prazo e se exercitam por meio de ação. Esses prazos são
estipulados pela lei e o decurso desse sem o exercício do direito implica sua extinção.
A partir daí, Amorim Filho (1961) indica que somente os direitos potestativos podem
estar subordinados à decadência, uma vez que o objetivo dessa é a extinção dos direitos
não exercitados no prazo fixado em lei.
os únicos direitos para os quais podem ser fixados prazos de decadência são os direitos
potestativos e, assim, as únicas ações ligadas ao instituto da decadência são as ações
constitutivas que tem prazo especial de exercício fixado em lei” (AMORIM FILHO,
1961, p. 26).
A título de conclusão, Amorim Filho (1961) apresenta o critério científico para
diferenciação entre prescrição, decadência e ações imprescritíveis: adoção da moderna
classificação das ações e a diferença entre direitos e direitos potestativos. Assim, estão
sujeitas à prescrição todas as ações condenatória, e somente elas; estão sujeitas à decadência
as ações constitutivas, as quais têm prazo especial fixado em lei, ou pela vontade das partes,
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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já que existe a possibilidade de convencionarem a seu respeito; por fim, são perpétuas as
ações constitutivas sem prazo especial fixado em lei e todas as ações declaratórias.
A partir daí, diz-se que não há ações condenatórias perpétuas, nem sujeitas à
decadência; não há ações constitutivas sujeitas à prescrição; e não há ações declaratórias
sujeitas à prescrição ou decadência.
Contextualizando as considerações de Agnelo Amorim Filho (1961) acerca dos
institutos da prescrição, da decadência e das ações imprescritíveis, pode-se dizer que com
relação ao contrato de franquia os direitos de crédito são direitos potestativos. Isso porque
são entendidos como um poder que a lei confere a determinadas pessoas de influírem
sobre as situações jurídicas de outros sujeitos. No caso, o poder que o franqueador tem
de influir na situação jurídica do franqueado.
O direito de crédito nas obrigações de fazer e não fazer nos contratos de franquia
pode ser exercido pelo franqueador mediante simples declaração de vontade, mesmo que
contra a vontade do franqueado sobre qual recai tal direito. Tal exercício também pode
se dar por uma ação judicial de caráter obrigatório. No caso, a ação será constitutiva, já
que se trata de direito potestativo.
Por se tratar de um direito potestativo, por definição, direito sem pretensão, ou sem
prestação, jamais haverá possibilidade dos direitos de créditos das obrigações de fazer e
não fazer advindas do contrato de franquias darem ensejo a prazo prescricional.
Existe a possibilidade de o exercício dos direitos potestativos relativos ao contrato
de franquia gerar certa intranquilidade para o devedor que sofrerá a sujeição, e não apenas
para ele, como também para toda a coletividade. Daí vem a necessidade de estabelecer
um prazo para o exercício do direito de crédito, cuja falta de exercício, pelo credor,
perturba a paz social.
Nesse sentido, como o exercício dos direitos relativos ao contrato de franquia
podem ser regidos por dois princípios: o da disponibilidade e o da inesgotabilidade, o
prazo decadencial pode ser convencionado entre as partes.
Portanto, o instituto da decadência mostra-se como instrumento hábil para a
liberação do devedor nas obrigações de fazer e não fazer relativa aos contratos de franquia.
O procedimento a ser aplicado é simples: por meio de uma notificação extrajudicial, o
devedor estabelecerá um prazo para que o credor se manifeste acerca de seu interesse
no exercício do respectivo crédito sob pena de decair do direito. Caso o credor insista em
manter-se silente, o devedor estará liberado de sua obrigação.
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CONCLUSÕES
O contrato de franchising, mesmo não sendo previsto pelo Código Civil de 2002,
deve obedecer aos imperativos do princípio da boa-fé objetiva, que rege o Direito dos
Contratos em geral. Isso porque esse, por sua natureza, se enquadra plenamente nos
conceitos de situação e relação jurídica, características de todos os contratos.
Esse contrato é tido como Relação Jurídica Bilateral por estabelecer-se entre pessoas
que têm afinidade, qual seja o interesse na obtenção de lucro com redução de riscos e de
investimentos. Dessa forma, apresenta-se como Relação Jurídica Complexa em que seus
sujeitos ocupam mais que uma posição dentro da relação, não havendo autonomia das
posições de dever e de poder ocupadas pelas partes dentro do contrato, mostrando seu
caráter de Relação Complexa Composta.
Com relação ao exercício disfuncional dentro dessa categoria de contrato, é possível
afirmar que se trata de uma forma de abuso, mesmo não sendo um ato ilícito, uma vez
que a passividade do credor pode levar a perda do direito devido à violação da função
social. O deixar de exercer o direito de crédito mostra-se como uma conduta passível de
repreensão por violar o sistema de cláusulas gerais dos negócios jurídicos. Nesse sentido,
o instrumento de liberação do devedor e consequente repreensão do credor é o instituto
da decadência. Isso se dá em virtude de os direitos de crédito no contrato franquia serem
de natureza potestativa.
Como o direito de crédito nas obrigações de fazer e não fazer nos contratos de
franquia pode ser exercido pelo franqueador mediante simples declaração de vontade, sua
inação gera certa intranquilidade para o devedor que sofrerá a sujeição. Como também afeta
a segurança jurídica das relações negociais, vem a necessidade de estabelecer um prazo para
o exercício do direito de crédito pelo credor. Tal prazo pode, inclusive, ser convencionado.
O instituto da decadência mostra-se como instrumento hábil para a liberação do
devedor nas obrigações de fazer e não fazer relativa aos contratos de franquia, tendo
em vista que há possibilidade das partes convencionarem a seu respeito. Dessa forma,
bastaria a elaboração de notificação extrajudicial, estabelecendo prazo para que o credor
se manifeste acerca do interesse no exercício do respectivo crédito, sob pena de decair
do direito. Entretanto, se mesmo assim, o credor insistir em permanecer inerte, o devedor
estará liberado de sua obrigação.
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REFERÊNCIAS
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500
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O NACIONAL DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO: CONTRIBUIÇÕES
PARA UMA POSSIBILIDADE DE ORGANIZAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO
Heloise Moreira*
Paulo Ricardo Opuszka**
RESUMO
O objetivo do presente trabalho é identificar de que maneira as premissas defendidas
pelos autores do nacional desenvolvimentismo, em especial Celso Furtado, podem ser
aplicadas às cooperativas no cenário econômico brasileiro atual. A partir do estudo
das obras nacional desenvolvimentistas, bem como de diversas obras que tratam
da gestão cooperada de trabalho, foi possível depreender que o ideal de economia
autossustentável defendido pelos referidos autores não encontra aplicabilidade
imediata junto às cooperativas. Muito embora os princípios aplicados a essa gestão de
trabalho incluam o princípio da intercooperação, nenhuma das cooperativas consegue
manter sua infraestrutura e desenvolver suas atividades contando exclusivamente com
seu próprio capital de giro. Nesse sentido, o governo federal, por meio de parcerias
realizadas com instituições públicas, fornece subsídios para o desenvolvimento
do trabalho cooperado. Ainda que despontem grandes cooperativas de produção
no mercado, isso somente é possível em razão da disponibilização, por parte do
governo, de linhas de crédito e financiamentos. De qualquer modo, em relação à
gestão de trabalho assalariado, pode-se afirmar que o trabalho cooperado vem sendo
desenvolvido timidamente, não podendo ser unicamente considerado como alternativa
viável e consistente para promover o desenvolvimento econômico brasileiro.
Palavras-chave: Nacional desenvolvimentismo. Cooperativas. Economia solidária.
* Aluna do 5º ano de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica da Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
** Doutor em Direito (UFPR). Professor do Programa de Mestrado Interdisciplinar em Organizações e
Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. Professor de Economia no curso de Direito da Universidade
Positivo. Pesquisador do CNPq. Advogado Trabalhista. E-mail: [email protected].
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501
INTRODUÇÃO
A partir da análise aprofundada das ideias defendidas por Celso Furtado, acredita-se
que seja possível realizar projeções sobre as possibilidades de aplicação da gestão cooperada
de trabalho nas regiões em que há maiores índices de pobreza no cenário nacional. Para
tanto, o presente estudo tem o objetivo geral de analisar a potencialidade da atividade
cooperada a partir da contribuição da análise da economia brasileira, em especial pelas
obras de Celso Furtado, distinguindo suas principais características e especificidades em
relação aos demais sistemas de gestão de trabalho.
A operacionalização dos objetivos específicos pretende averiguar se o sistema de
trabalho cooperado pode funcionar como saída viável e inovadora para o desenvolvimento
econômico nacional ante as análises já realizadas do caso brasileiro. Por meio de pesquisas
realizadas em obras nacional desenvolvimentistas, bem como com o levantamento dos
aspectos históricos do trabalho cooperado, foi possível desenvolver o presente estudo,
visando atingir os objetivos delineados.
O cooperativismo teve sua origem na Inglaterra, por volta do ano de 1844. Durante
o regime de economia liberal, surgiu a necessidade de o homem unir-se para solucionar
problemas. Ainda que a ideia de ajuda mútua seja antiga, foi apenas a partir do século
XVIII que começaram a ser repensadas e formalizadas estruturas que viabilizariam a
realização desse ideal. O trabalho cooperado iniciou-se originariamente com um grupo
de tecelões que tinha por objetivo principal a aquisição de bens de primeira necessidade.
Posteriormente, expandiram seus objetivos à construção de casas para os associados,
fabricação de alguns bens e arrendamento de terras, com a finalidade de minorar os efeitos
da Revolução Industrial.
Segundo Polonio (1999, p. 23)
no Brasil as cooperativas deram início em 06 (seis) de janeiro de 1903 pelo Decreto nº
979 que regula a classe dos sindicatos e cooperativas rurais e de consumo, antes em 1890,
existiam movimentos formados pelos militares, mas não vigoraram, posteriormente em 05
de janeiro de 1907 pelo Decreto nº 1.637, este então instituíram formas de constituição
as cooperativas, vinte anos mais tarde em 1932 com o Decreto n º 22.239 formou-se o
marco do cooperativismo no Brasil, dando formalização legal as cooperativas, o qual era
denominado “o estatuto do cooperativismo”. No ano seguinte este Decreto foi substituído
pelo Decreto nº 23.611.
Em 1964, destacam-se três legislações que regulam a atividade cooperada: a) Lei
nº 4.380, que aborda sobre as Cooperativas Habitacionais; b) Lei nº 4.504, que aborda a
Cooperativa Integral de Reforma Agrária; e c) Lei nº 4.595, que aborda a Cooperativa
de Créditos.
502
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Já em 1966, apropriou-se o regime jurídico das cooperativas, e, finalmente em 16
de Dezembro 1971, foi promulgado o Estatuto Geral do Cooperativismo a partir da Lei
nº 5.764, vigente até hoje. Essa lei define a Política Nacional do Cooperativismo e institui
o regime jurídico das Cooperativas. Logo, a Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso
XVIII, o qual recepcionou a legislação das cooperativas, autoriza aos cidadãos brasileiros
a iniciativa de constituição de associação (Cooperativas), sem intervenção Estatal.
Nos primeiros anos, estudar as Cooperativas Populares parecia ser um belo sinal
de resistência, visto que, no início dos anos 2000, o Movimento Sindical apresentou sérios
sinais de esgotamento, no que tange ao modo de organização do operariado. Atualmente,
o Movimento Sindical, especialmente a partir do governo Lula, transformou-se em um
verdadeiro espaço de chancelamento (funcionando quase como um Cartório) de rescisão de
contratos de trabalho ou mediadores de Negociações Coletivas para designação de correção
salarial a partir da inflação Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Pouco se teve
de aumento real nos salários da classe trabalhadora via Negociação Coletiva do Trabalho,
ou pouco se ouviu falar em lutas do Movimento Sindical nas questões relevantes do País.
Infelizmente, pouquíssimas são as experiências exitosas de lutas no espaço
de mobilização sindical. Parece que o sistema está superado. Por outro lado, os
empreendimentos populares, desde 2003, são objetos de políticas públicas do governo
federal, especialmente Cooperativas e Associações Populares a partir de diversas ações de
diferentes Ministérios (Justiça, Turismo, Desenvolvimento Social, Pesca, Desenvolvimento
Agrário, do Trabalho).
Entretanto, não se define ao certo o alcance das referidas políticas, porque se
dividem em políticas de governo ou sociais e políticas públicas, nos casos que tais ações se
converteram em leis – nova Lei da Pesca, de junho de 2009; leis que fundam o Programa
Fome Zero; inclusão de 30% de alimentos orgânicos na merenda escolar (programa de
segurança alimentar); entre outros projetos e programas de transferência de renda.
1
FORMAÇÃO ECONÔMICA DO BRASIL: INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA
DO CENÁRIO ECONÔMICO BRASILEIRO QUE RESISTE À PASSAGEM
DO TEMPO
A obra Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (2003), divide-se em cinco
partes e 36 capítulos. Para a elaboração e o desenvolvimento da obra, o economista utiliza-se de linhas de argumentação sobre o desenvolvimento da economia brasileira. Verifica-se
inicialmente que o autor contrasta a economia subdesenvolvida do cenário nacional com
o desenvolvimento norte-americano.
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503
Numa análise econômica em ampla visão, é possível identificar os elementos
que podem ser compreendidos como obstáculos à expansão de renda, formação do
mercado interno e diversificação da estrutura produtiva ao longo dos diversos períodos
da economia nacional.
O autor discute, já nos primeiros capítulos da obra, a questão da colonização da
América, inferindo dados sobre a ocupação territorial, a economia escravista açucareira, e
indica como fatores particularmente favoráveis a esse desenvolvimento agrícola a indústria
portuguesa de equipamento de engenho, que já tinha a experiência da colonização das
ilhas do Atlântico. Aponta, também, como fator favorável à exploração açucareira no
Brasil, a contribuição dada pelos holandeses, que eram os únicos que dispunham de
estrutura para uma organização comercial de um mercado de grandes dimensões para um
produto que ainda era considerado novo. Importante ressaltar que essa contribuição não
se deu somente na experiência comercial, mas também com ajuda financeira, uma vez
que a Holanda, além de financiar as instalações produtivas no Brasil, também financiou a
refinação e comercialização do açúcar no mundo.
A questão da mão de obra também foi de salutar reflexo para o desenvolvimento da
economia brasileira. A oferta de retribuir com terras o trabalho realizado não foi muito atrativa
na Europa, uma vez que as terras brasileiras não possuíam ainda valia econômica. O que
veio a facilitar a situação foi que, à época, Portugal já detinha um completo conhecimento
do mercado de escravos africanos e, mediante a expansão desse mercado, seria possível
ampliar o negócio e organizar a transferência para a nova colônia. Portanto, a mão de obra
barata também é indicada como fator que viabilizou a exploração econômica do Brasil.
Ainda em relação à economia açucareira, um dos pontos de destaque dado pelo
autor, é de que reunia algumas das condições necessárias à geração de um desenvolvimento
econômico dinâmico. Isso porque se tratava de ampla disponibilidade de terras com elevada
rentabilidade exportadora. A renda, no entanto, permanecia concentrada nas mãos dos
senhores de engenho e, além disso, era revertida em quase sua totalidade para o exterior
por intermédio de importações ou pela mera retenção de parte da renda fora do País em
razão do controle da produção interna feito por empresários não residentes no Brasil. A
renda interna era, portanto, praticamente nula.
Em razão dessa concentração de renda, não haveria possibilidade de um
desenvolvimento econômico com base no impulso externo. Apesar do rápido crescimento
demográfico, não haveria como balancear o consumo e a produção, motivo pelo qual o
dinamismo desse desenvolvimento econômico restou prejudicado.
504
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Celso Furtado (2003) defende, ainda, que a economia escravista reagia às crises de
forma diferente das economias capitalistas de trabalho assalariado. Isso porque, diante de
uma redução da demanda externa, não era vantajoso ao empresário reduzir a produção, já
que seus custos consistiam quase que unicamente em gastos fixos. A redução da capacidade
produtiva se dava de maneira extremamente morosa, em razão de que, com a queda dos
preços das exportações, o empresário ficava impedido de enfrentar os gastos de reposição da
forma de trabalho e de equipamentos importados. A unidade exportadora, portanto, tinha
condições de sustentar sua estrutura mesmo com uma crise de grandes proporções, como
a que ocorreu em razão da concorrência das Antilhas.
A explicação sobre a preservação da estrutura do setor açucareiro é um dos elementos
empregados pelo autor para explicar o que chama de “complexo econômico nordestino”,
composto pela economia açucareira e seu reflexo, a pecuária. A atividade pecuarista se
desenvolveu a fim de atender a demanda de carne e de transporte para o setor açucareiro,
tendo se deslocado da área de plantação de cana-de-açúcar para o interior. Mesmo sendo
uma atividade considerada dependente da exploração açucareira, a pecuária era, de certa
forma, uma atividade completamente diferida. Predominava a criação de subsistência, o
que também colaborou para o desenvolvimento nordestino, principalmente o interiorano.
Ainda sobre a economia açucareira, Furtado pontua que a retração da atividade e o
crescimento demográfico aumentavam a importância da atividade de menor produção no
complexo econômico nordestino. Ao contrário do caso das plantações de cana-de-açúcar,
a reposição e ampliação do capital se davam pela incorporação de novas terras e de mão
de obra livre, o que gerou um lento atrofiamento na economia nordestina, com declínio da
renda per capita. Para o economista, as duas formas de economia que se desenvolveram
no Brasil nessa época, quais sejam: a exploração açucareira e a pecuária, as quais foram
fatores de essencial importância para o subdesenvolvimento brasileiro.
Na referida obra, toda a análise da economia nordestina é feita em simultânea
comparação com a norte-americana. A atividade econômica que predominava na América
do Norte até o século XVII era compatível com a pequena propriedade de base familiar
e desvinculada da geração de capital para envio ao exterior. Desse modo, verificou-se o
primeiro momento de distinção entre as duas economias a partir da sua colonização e
atividades iniciais. Segundo o autor, as diferenças existentes foram provenientes dos grupos
sociais dominantes nos dois tipos de colônia, ou seja, a colonização norte-americana
(enquanto colônia setentrional) se deu de maneira autônoma em relação à metrópole,
essencialmente o oposto ao que ocorreu com o Brasil. Nesse sentido ainda, a colonização
norte-americana contou com um conjunto de fatores, como exemplo: estímulo à expansão
da produção doméstica, corrente de capitais vindos da Inglaterra, base técnica e empresarial
e classe de dirigentes dinâmica.
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505
Após a análise da atividade açucareira, tem início a análise do ciclo cafeeiro na
economia nacional. Diferentemente do primeiro ciclo abordado na obra, preexistia uma
atividade pecuarista rudimentar à atividade mineradora, espalhada pela região centro-sul.
A população nessas áreas era considerada escassa, e com o advento da exploração de
minérios destacam-se dois importantes fatores: primeiro, buscava-se decuplicar a população
de origem europeia na colônia; e, segundo, as características da atividade mineradora
seriam de difícil manutenção, uma vez que se constituíam mecanismos de irradiação dos
benefícios econômicos da mineração pela elevação dos preços dos alimentos e dos animais
de transportes das regiões vizinhas.
A parcela de população livre e reunida em centros urbanos na região mineira era
muito maior que a nordestina durante o ciclo do açúcar, embora a renda média ainda fosse
inferior. Afirma Furtado (2003) que a principal causa disso seria a incapacidade técnica dos
imigrantes para iniciar atividades manufatureiras em escala apreciável. A economia baseada
na mineração desfez-se em poucas décadas, com a dispersão de seus elementos em uma
economia de subsistência, tendo se espalhado os grupos dos centros urbanos. Essa população
dispersa viria a constituir um dos principais núcleos demográficos do País.
Da mesma forma que analisou as economias açucareira e mineira, o autor também
realizou a análise da estrutura econômica da economia cafeeira, de modo a indicar como
fatores de importância para o desenvolvimento desse ciclo econômico: a) as características
demográficas (por meio da distribuição da população); e b) o fluxo de renda gerado a
partir do setor.
O problema da mão de obra resolveu-se com a imigração europeia, dirigida
especialmente para as lavouras de café. A partir da vinda dos imigrantes, foram duas
situações enumeradas no corpo da obra que mereceram destaque: a vinda de estrangeiros
para trabalhar nas lavouras, que poderia ser um indicativo da escassez de mão de obra
nacional; e também se questionou o que teria acontecido com a mão de obra escrava
tornada livre com a extinção do trabalho servil.
Sobre as duas situações apontadas, discorreu Furtado (2003) que, em relação à
primeira, a população estava tão dispersa em razão do atrofiamento da economia mineira
que o recrutamento da mão de obra exigiria grande mobilização de recursos, além de ser
necessário contar com o apoio dos grandes latifundiários. Por isso, na metade do século XIX
coexistia no País uma grande reserva de potencial mão de obra na economia de subsistência
e escassez de braços na lavoura de café. Em relação à segunda situação descrita, sobre
a abolição da escravidão, teria resultado em ampliação da economia de subsistência e,
por outro lado, acirramento da escassez de executores para o trabalho. Isso porque, em
razão da abundância de terras, os ex-escravos se deslocavam para as áreas de terras mais
férteis. Parte dessa população que foi para as lavouras de café conseguiu aumentar sua
renda, o que gerou, simultaneamente, queda na produtividade, porque teria induzido aos
ex-escravos a reduzir suas horas de trabalho.
506
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Ao irromper a crise de 1929, o setor cafeeiro estava debilitado por uma crise de
superprodução, que acarretou drástica queda no preço do produto. O nível de produção
e a renda do setor, no entanto, não foram profundamente afetados. Primeiramente, em
razão da desvalorização cambial, e também porque se iniciou uma política de retenção e
destruição de parte da produção. Com isso, foi possível preservar os empregos não somente
no setor exportador, mas inclusive daqueles setores produtivos ligados ao mercado interno.
Para o autor, a destruição de parte da produção de café funcionou como um “programa
de fomento nacional”.
Em seguida, Celso Furtado dá sequência analisando o processo de crescimento
que ocorreu no período de transição da economia cafeeira para a economia industrial.
Nessa parte é possível verificar que a abordagem torna-se mais propriamente estruturalista.
O processo de industrialização na economia brasileira é visto como problemático,
porque ocorreu com grande rapidez sobre uma estrutura considerada atrasada. Dada a
abundância da mão de obra e das terras subutilizadas, o fluxo de renda criado pelo setor
exportador passava a disseminar-se para o restante da economia, gerando a necessidade
de produção e comercialização local de uma série de bens de consumo e melhor
uso dos fatores de produção disponíveis. Com isso, verifica-se o desenvolvimento do
chamado mercado interno, com aumento da produtividade não ligado à transferência de
trabalhadores do setor de subsistência para o setor exportador e também com a absorção
da economia de subsistência nas novas atividades ligadas ao mercado exportador.
No entanto, a elevação da produtividade não refletia numa elevação de salários
reais, mas numa elevação da renda média, porque crescia a população ocupada nos
setores monetários de exportação e mercado interno. Afirma o economista que “a massa
de salários monetários – base do mercado interno – aumentava mais rapidamente que o
produto global” (FURTADO, 2003, p. 153). A partir disso, o autor posiciona-se no sentido
de que se os salários absorvessem parte da elevação da rentabilidade auferida no auge do
ciclo, haveria maior capacidade de defesa contra a queda de preços e a deterioração dos
termos de intercâmbio na fase de baixa. Por esse motivo, caracteriza-se o mecanismo de
ajuste à contração cíclica típica das economias dependentes, ou seja, seria de se esperar que
a concentração de renda produzida na fase alta cíclica se reduzisse na fase baixa. Porém,
ão foi o que não aconteceu, porque os empresários conseguiram transferir a pressão para
os demais setores da economia pelo mecanismo de depreciação cambial. A depreciação
cambial consistia num mecanismo de socialização de perdas resultante da contração cíclica
das exportações. Utilizando-se desse mecanismo, além de manter a renda concentrada,
foi possível que a economia resistisse à crise como um todo.
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507
Nesse momento, há o chamado “deslocamento do centro dinâmico” da agricultura
de exportação para as atividades do mercado interno. Um mecanismo que teria funcionado
como estímulo seria a política do câmbio fixo, instaurada em 1947, resultante de uma
decisão tomada após a forte evasão de divisas ocorrida após a Segunda Guerra. Desse modo,
protegia-se a indústria de bens de consumo nacional e nascia a possibilidade de ampliação
da importação de bens de capital e matéria-prima industrial, em razão da inflação interna.
Por esse motivo, a elevação da produtividade associada à melhoria nos termos de troca
estaria sendo capitalizada no setor industrial. Nessa época, a renda nacional aumentou
cerca de 50%, mas a capacidade de importar seria a mesma que em 1929. Com isso,
esperava-se que houvesse desequilíbrio no balanço de pagamento e pressões inflacionárias.
O problema da inflação decorrente do duplo quadro de rigidez de oferta, tanto
externa quanto interna, ainda seria agravado pelo fato de que a elevação dos preços
das exportações necessitaria desviar recursos da agricultura de mercado interno para o
externo. Com isso, haveria redução da oferta de alimentos, justamente quando a renda
da população estava aumentando.
O autor ainda aponta as disparidades regionais verificadas com o processo de
industrialização, que desenvolveu principalmente a região Sudeste de forma tal que
afirma que crescimento intenso de uma região é necessariamente a contrapartida da
estagnação de outras.
Como é possível perceber, a obra de Celso Furtado, ainda que editorada há mais
de 50 anos, mantém uma atualidade inquestionável. Toda a análise histórica realizada
pelo autor para esclarecer ao leitor a atual situação econômica brasileira, também
permitiu que fossem feitas projeções sobre o desenvolvimento econômico brasileiro
nas próximas décadas.
O processo de integração econômica dos próximos decênios, se por um lado exigirá a
ruptura de formas arcaicas de aproveitamento de recursos em certas regiões, por outro
requererá uma visão de conjunto do aproveitamento de recursos e fatores no país. [...]
Demais, as inversões de capital na infra-estrutura poderão ser melhor aproveitadas, em
razão da menor dispersão de recursos. É de supor que, caso progrida essa integração, a
taxa média de crescimento da economia tenderá a elevar-se.[...] Sendo assim, o Brasil
por essa época ainda figurará como uma das grandes áreas da terra em que maior é a
disparidade entre o grau de desenvolvimento e a constelação de recursos potenciais.
(FURTADO, 2003, p. 242)
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Ao final da obra, o economista indica as características ideais para o desenvolvimento
de uma política econômica satisfatória para o cenário nacional, afirmando que:
A solução desse problema constituirá, muito provavelmente, uma das preocupações centrais
da política econômica no correr dos próximos anos. Essa solução exigirá uma nova forma
de integração da economia nacional, distinta da simples articulação que se processou
na primeira metade do século. A articulação significou, simplesmente, desviar para os
mercados da região cafeeira-industrial produtos que antes se colocavam no exterior. Um
processo de integração teria de orientar-se no sentido do aproveitamento mais racional de
recursos e fatores no conjunto da economia nacional. A medida que se chegar a captar a
essência desse problema, se irão eliminando certas suspeitas como essa de que o rápido
desenvolvimento de uma região tem como contrapartida necessária o entorpecimento do
desenvolvimento de outras (FURTADO, 2003, p. 242).
Em razão da própria viabilidade do processo de integração futuro, no sentido de
aproveitar recursos e fatores no conjunto da economia nacional, é que se busca descobrir
se o trabalho cooperado pode ser considerado como alternativa viável ao desenvolvimento
econômico brasileiro.
2
DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: INFLUÊNCIA NO
DEBATE SOBRE A QUESTÃO REGIONAL BRASILEIRA
A questão do subdesenvolvimento brasileiro é incitada pelo autor Celso Furtado na
obra Formação Econômica do Brasil (2003) em diversos momentos. A partir da comparação
feita com o caso da Antilhas e das colônias norte-americanas, e também em relação às
implicações da especialização produtiva para o dinamismo econômico, o economista
defende aquilo que chama de A teoria do subdesenvolvimento.
Num primeiro momento, consistiu em confrontar o processo de industrialização
de países desenvolvidos com os países considerados subdesenvolvidos. Com esse
levantamento histórico realizado, o autor indica que o processo de acumulação, pela
elevação do setor de bens de capital (fértil para adoção de inovações de capital, a partir
da qual haveria barateamento dos bens de capital e aplicação desses em diversos setores
da economia), poderia se tornar autossustentado e o progresso técnico seria a principal
força que impeliria a acumulação. Em relação ao subdesenvolvimento, são apontados
como problemas específicos a dualidade tecnológica, ou seja, a coexistência de setores
modernos e subsistência, e a escassa diversificação do aparelho produtivo.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
509
Seriam, portanto, esses os três determinantes históricos para que se estabelecesse
a condição de subdesenvolvimento brasileira: a) o atraso relativo do Brasil nas correntes
em expansão do comércio mundial; b) as suas profundas “dissimilitudes” em relação aos
países adiantados que compreendem a dualidade tecnológica; e c) a pequena diversificação
do aparelho produtivo.
Com o aumento e diversificação da oferta de bens de capital, a expansão do
setor iria, gradativamente, permitir que o empregado alcançasse um nível próximo ao
pleno emprego. A partir desse momento, a pressão da classe trabalhadora por melhores
salários, condições de emprego e redução das horas de trabalho modificaria a dinâmica
da distribuição de renda nos países desenvolvidos, fazendo com que os frutos dos avanços
tecnológicos fossem redistribuídos na sociedade. Seria essa a condição ideal de um país
considerado como desenvolvido.
Nos países subdesenvolvidos, o motor do crescimento era o setor exportador de
bens primários, cuja atividade era totalmente desvinculada dos demais setores da economia.
Acredita-se, a partir de afirmações do economista, que a falta de ligação direta com o setor
de subsistência fez com que a produtividade aumentasse no setor exportador sem que
houvesse significativos avanços tecnológicos e grandes investimentos em capital. É esse o
caso brasileiro, no qual a economia não atingiu esse ideal autossustentável, indicado pelo
autor como possível na economia nacional.
Apesar da economia cafeeira e seu elevado nível de emprego, em razão das
dimensões geográficas do território nacional, o desenvolvimento econômico não foi pleno
e simultâneo em todas as regiões, resultando em desigual distribuição de renda para a
população. Os fluxos migratórios inter-regionais atuaram como equalizadores do custo
da mão de obra, uma vez que a oferta era limitada, o que reforçou a rentabilidade das
inversões capitalistas na região dinâmica.
510
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3
A ORGANIZAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO: REALIDADES
CONTRAPOSTAS E SIMULTÂNEAS NO CONTEXTO ECONÔMICO
NACIONAL
O cooperativismo é um movimento social originário do final do século XVIII e início
do século XIX, período no qual o conflito entre capital e trabalho atingiu o seu ápice. As
péssimas condições de vida da classe trabalhadora fizeram com que homens, como Robert
Owen (1771-1858), Charles Fourier (1772-1837), Benjamin Buchez (1796-1865), Louis
Blanc (1812-1882), entre outros que compunham a corrente socialista utópica, viessem
a propor um ideal alternativo ao individualismo (o cooperativismo) e uma organização
alternativa à empresa capitalista (a cooperativa). A partir da iniciativa desses homens, a classe
trabalhadora começou a se organizar e a reivindicar melhores condições de trabalho e de
vida. A partir desse momento, surgiram as associações, os sindicatos, os partidos políticos
da classe trabalhadora, e, em particular, as cooperativas.
Segundo Namorado (2005, p. 3-4),
[...] as cooperativas eram algo mais do que um dos pilares do movimento operário,
já que, como sua própria designação sugere, sempre foram também uma expressão da
cooperação entre os homens. Uma expressão organizada da cooperação que a tem como
eixo. Ora, como sabemos, a cooperação é o verdadeiro tecido conjuntivo das sociedades
humanas. Nos primórdios da civilização, foi mesmo uma das condições básicas para
a sobrevivência da espécie. Por isso, as cooperativas estão longe de ser um fenômeno
circunstancial historicamente datado e passageiro. Pelo contrário sendo organizações
movidas pelo impulso da cooperação, radicam-se através dele no que há de mais essencial
das sociedades humanas. [...] Propostas estas razões pela via cooperativa e dada a evolução
do respectivo fenômeno, é legítimo que se pergunte se continua a ter sentido valorizar-se para a sua compreensão o código genético, na parte que o radica historicamente no
movimento operário. Incluo-me para uma resposta afirmativa, uma vez que essa ligação ao
movimento operário deixou marca no universo cooperativo, em termos verdadeiramente
estruturantes. E deixou-o através dos princípios de Rochdale. [...] como podemos facilmente
verificar comparando a sua versão atual, datada de 1995, com a versão original de Rochdale,
que remonta 1844, há uma identidade profunda e evidente entre ambas. Refletem uma
mesma visão do cooperativismo. Ora, na primeira versão dos princípios cooperativos está
bem presente o enraizamento da cooperatividade no movimento operário, o qual, por essa
via, continua a ser uma raiz viva da atualidade cooperativa. Por isso, esquecer essa marca
genética pode significar a subalternização da lógica mais profunda da cooperatividade.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
511
Embora sejam encontradas experiências cooperativas e associativas em períodos
bastante remotos, elas não passam de manifestações de sociabilidade característica
do homem enquanto ser social. Não é possível considerá-las partes do movimento
cooperativista, que é genuinamente moderno.
O cooperativismo enquanto doutrina, teoria, sistema ou movimento associativista de
trabalhadores é um fenômeno moderno oriundo da oposição operária às consequências do
liberalismo econômico praticado na Inglaterra e na França dos séculos XVIII e XIX. Embora
etimologicamente cooperação, cooperativa e cooperativismo derivem do verbo cooperar, de
origem latina cooperari (cum e operari), que significa trabalhar com alguém, a aplicabilidade
de tais vocábulos se dá de maneira diversa na prática. Enquanto a cooperação significa ação
conjunta com vista ao mesmo objetivo, o cooperativismo, por sua vez, significa sistema,
doutrina ou ideologia, e, finalmente, a cooperativa seria uma entidade ou instituição onde
as pessoas cooperam objetivando o mesmo fim.
Defende Pinho (1996, p. 8) que:
Cooperativismo no sentido de doutrina que tem por objeto a correção do social pelo
econômico através de associações de fim predominantemente econômico, ou seja, as
cooperativas; cooperativas no sentido de sociedades de pessoas organizadas em bases
democráticas, que visam não só a suprir seus membros de bens e serviços como também
a realizar determinados programas educativos e sociais. Trata-se, insistimos, de sociedade
de pessoas e não de capital, sem interesse lucrativo e com fins econômico-sociais.
Seu funcionamento se inspira nos chamados “Princípios dos Pioneiros de Rochdale”:
adesão livre, gestão democrática, juros módicos ao capital, retorno proporcional
às operações, transações a dinheiro, neutralidade política, religiosa e ética e
desenvolvimento do ensino.
As primeiras experiências de cooperativas de que se tem notícia são: dos
trabalhadores dos estaleiros Woolwinch e Chatham, na Inglaterra (1760); de consumo dos
tecelões de Fenwich, na Escócia (1769); e de consumo inglesa, a Oldhan Co-operative
Supply Company (1795). Depois desse período, houve uma grande proliferação de
cooperativas de consumo na Inglaterra. Entretanto, antes de 1844, todas as tentativas de
se implantar cooperativas de consumo foram fracassadas, sobretudo em Brigton (1827),
na Inglaterra, e em Guebwiller (1828) e Lyon (1835), na França.
Em 1844, por ocasião da constituição da primeira cooperativa formal em Rochdale,
na Inglaterra, os 28 pioneiros estabeleceram alguns princípios que são observados até
512
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hoje. Em 1995, por ocasião do Congresso da Aliança Cooperativa Internacional (ACI), em
Manchester, Inglaterra, a adoção dos Princípios dos Pioneiros de Rochdale como linhas
orientadoras à prática dos valores cooperativos, de acordo com Benato (1994, p.37-59),
levou ao estabelecimento dos seguintes princípios: adesão livre e voluntária, controle
democrático pelos sócios, autonomia e independência, participação econômica dos sócios,
preocupação com a comunidade, educação, treinamento, informação e cooperação entre
cooperativas.
Segundo o autor (BENATO, 1994, p.37-40):
As cooperativas são organizações voluntárias, abertas a todas as pessoas aptas a usar seus
serviços e dispostas a aceitar as responsabilidades de sócio, sem discriminação social,
racial, política ou religiosa e de gênero.
[...]
As cooperativas são organizações democráticas controladas por seus sócios, os quais
participam ativamente no estabelecimento de suas políticas e na tomada de decisões.
Homens e mulheres, eleitos como representantes, são responsáveis para com os sócios.
Os princípios norteadores do cooperativismo envolveram a sociedade, de um modo
geral, a partir do século XX, tendo início no Congresso Internacional realizado em 1966,
em Viena, e revisto em Manchester, Inglaterra, em setembro de 1995. Esses princípios
podem ser sinteticamente assim elencados: 1. Princípio da livre adesão; 2. Princípio da
neutralidade política, social, racial, sexual e religiosa; 3. Princípio de um homem, um voto;
4. Princípio do retorno das sobras; 5. Princípio da limitação dos juros ao capital; 6. Princípio
da educação cooperativista permanente; e 7. Princípio da cooperação intercooperativas.
Os benefícios da ajuda mútua foram estendidos a todos os povos. Isto é, por ser
cooperado, a preocupação com a sociedade em termos de cultura, solidariedade, educação,
participação, comprometimento e de responsabilidade passou a ser mais um dos objetivos
do cooperativismo. Nesse sentido, as cooperativas trabalham para o bem-estar comunitário,
por meio de programas socioculturais que podem ser realizados em parceria com o Estado
ou outras entidades não cooperativistas.
Ainda segundo a visão de Benato (1994, p. 52):
A educação cooperativista dos sócios, dirigentes, administradores, funcionários e da
comunidade em geral é um dos objetivos permanentes desse tipo de organização.
Desde os Probos de Rochdalle, “a educação prepara o homem para a liberdade e
para a cidadania”.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
513
Desse modo, o cooperado torna-se participativo, receptivo a novas tecnologias,
a novos conceitos e a novas regras de mercado. Essas experiências tornam o ser humano
mais comprometido com o sistema. Enfim, a educação molda o homem para a sociedade
e para toda a sua vida. A Educação, treinamento e informação derivam do valor “justiça
social” (IRION, 1994, p. 40).
Vale ainda ressaltar que a interação e a colaboração recíproca, no sentido de
ajuda mútua, entre as empresas cooperativistas criam uma visão de conjunto. Ao interagir,
as cooperativas integram-se, reduzem custos operacionais, estruturais, financeiros e,
consequentemente, beneficiam diretamente os sócios e fortalecem o sistema.
No Brasil, a cultura do sistema cooperativista revela suas origens desde a época
da colonização portuguesa. Esse processo de inserção do sistema cooperado de trabalho
no cenário nacional emergiu no Movimento Cooperativista Brasileiro, surgido no final do
século XIX, estimulado por funcionários públicos, militares, profissionais liberais e operários,
para atender às suas necessidades.
O movimento cooperativista brasileiro teve início na área urbana, com a criação
da primeira cooperativa de consumo de que se tem registro no Brasil, em Ouro Preto
(MG), no ano de 1889, com a denominada Sociedade Cooperativa Econômica dos
Funcionários Públicos de Ouro Preto. Além de se espalhar no próprio estado de Minas
Gerais, o movimento cooperativista se expandiu para outros estados, como Pernambuco,
Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul.
Em 1902, surgiram cooperativas de crédito no Rio Grande do Sul, por iniciativa
do padre suíço Theodor Amstadt. A partir de 1906, nasceram e se desenvolveram as
cooperativas no meio rural, idealizadas por produtores agropecuários, muitos deles de
origem alemã e italiana. Os imigrantes trouxeram de seus países de origem a bagagem
cultural, o trabalho associativo e a experiência de atividades familiares comunitárias, que
os motivaram a organizar-se em cooperativas.
Em 2 de dezembro de 1969, foi criada a Organização das Cooperativas Brasileiras
(OCB) e, no ano seguinte, a organização foi registrada em cartório. Nascia formalmente a
entidade representante e defensora dos interesses do cooperativismo nacional, instituída
sob formato de sociedade civil e sem fins lucrativos, com neutralidade política e religiosa.
Em 1995, o cooperativismo brasileiro ganhou o reconhecimento internacional. Roberto
Rodrigues, ex-presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras, foi eleito o primeiro
não europeu para a presidência da Aliança Cooperativista Internacional (ACI). Esse fato
contribuiu também para o desenvolvimento das cooperativas brasileiras.
Em relação ao trabalho assalariado, ao analisar o processo histórico, social e econômico
que envolveu a introdução do trabalho imigrante no Brasil, tornou-se de fundamental importância
estabelecer correlações com fatos e acontecimentos anteriores. A evolução da sociedade brasileira
baseada na economia agrária cafeeira possibilitou a acumulação de capital e, consequentemente,
o desenvolvimento da economia capitalista no Brasil.
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4
ANÁLISE E APLICABILIDADE DAS PREMISSAS DO NACIONAL
DESENVOLVIMENTISMO BRASILEIRO E AS POSSIBILIDADES E
LIMITES DA ORGANIZAÇÃO COLETIVA DO TRABALHO
Segundo Roberto Rodrigues 1 (1999), Presidente da Aliança Cooperativa
Internacional, o mercado global vive a chamada “segunda onda” do cooperativismo. Isso
significa que o cooperativismo mundial está desenvolvendo um novo fluxo em que a
globalização da economia e a liberalização de mercado são elementos marcantes. Embora
mantendo os princípios e valores do ideal cooperativista, essa nova visão cooperativista
permite a conscientização da necessidade de acompanhar as evoluções da economia
mundial para que consigam atuar em igualdade de concorrência.
No entanto, no cenário brasileiro, verifica-se que o desenvolvimento da atividade
cooperativista apenas é possível a partir das políticas públicas de incentivo. O trabalho
cooperado, em especial o cooperativismo popular, encontra apoio em projetos desenvolvidos
por universidades públicas. Como exemplo, cita-se a atuação feita pela UFPR (Universidade
Federal do Paraná): por meio da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares (ITCP),
a universidade desenvolve o assessoramento e apoio a diversas cooperativas. São exemplos:
Cooperativa Mista dos Trabalhadores da Capital Paranaense (Coopercamp), Cooperativa
dos Trabalhadores em Portaria, Conservação e Limpeza (Cooperativa XXI), Cooperativa
dos Profissionais em Tecnologia de Informática do Paraná (Coptech), dentre outras.
Não obstante, as cooperativas respondem por 5,39% do PIB brasileiro e têm uma
movimentação econômico-financeira na ordem de R$ 88,7 bilhões. Por esse motivo,
também têm forte atuação frente ao Congresso Nacional. Para realizar essa articulação
em defesa das causas cooperativas, a OCB conta com apoio direto da Frente Parlamentar
do Cooperativismo (Frencoop). O sistema cooperativista busca seu espaço no Legislativo
a partir da propositura de Projetos de Emendas Constitucionais, que são analisadas nas
duas Casas – Câmara dos Deputados e Senado Federal.
Além das possibilidades acima descritas, para o desenvolvimento das grandes
cooperativas o governo federal, em parceria com empresas públicas e privadas, conta com
a disponibilização de linhas de crédito. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social) desponta como parceiro do trabalho das cooperativas, trabalhando
com o repasse financeiro e aumentando os benefícios para concessão e liberação de
crédito. O referido banco é empresa pública federal e é, hoje, o principal instrumento de
Fonte: Revista Preços agrícolas – Mercado e Negócios Agropecuários.
1
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515
financiamento de longo prazo para a realização de investimentos em todos os segmentos
da economia, tendo uma política que inclui as dimensões social, regional e ambiental2.
O apoio do BNDES se dá por meio de financiamentos a projetos de investimentos,
aquisição de equipamentos e exportação de bens e serviços. Além disso, o Banco atua no
fortalecimento da estrutura de capital das empresas privadas e destina financiamentos não
reembolsáveis a projetos que contribuam para o desenvolvimento social, cultural e tecnológico3.
Cerca de 40% da carteira de microcrédito do BNDES é constituída de repasses para as
cooperativas que operam com micro e pequenas empresas e empreendedores individuais.
Ao final de 2010, o BRDE possuía 35.207 clientes ativos, cujos empreendimentos
financiados estão localizados em 1.047 municípios, abrangendo 88,1% dos municípios da
Região Sul. A carteira de financiamentos do Banco era composta por 42.481 operações
ativas de crédito de longo prazo, com saldo médio de R$ 147,0 mil, o que atesta a vocação
da Instituição para o atendimento às micro, pequenas e médias empresas e aos mini e
pequenos produtores rurais4. O BRDE disponibiliza linhas adequadas de financiamento
às empresas de todos os portes que atuam na área de indústria, comércio e serviços. O
objetivo é fomentar, estruturar e acompanhar o desenvolvimento de projetos relativos ao
setor, sempre visando ao aumento da produtividade e à eficiência das empresas da região
de atuação do banco5.
Logo, é possível afirmar que o trabalho cooperado somente pode ser desenvolvido
com o apoio e incentivo do fundo público de investimentos, seja por meio de linhas de
crédito ou de programas de assessoramento realizados por universidades públicas ou ainda
a partir de Projetos de Emendas Parlamentares.
Dados obtidos em: < http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/O_BNDES/A_Empresa>
2
Dados obtidos em: < http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/O_BNDES/A_Empresa>
3
Dados obtidos em: <http://www.brde.com.br/index.php/default/institucional/mostrar/id/50/secao/55/tipo/
conteudo/titulo/index>
4
Dados obtidos em: < http://www.brde.com.br/index.php/financiamento/mostrar/id/68/secao/83/tipo/conteudo/
titulo/index>
5
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após os estudos desenvolvidos para realização do presente trabalho, é possível inferir
que, para que seja possível o desenvolvimento do trabalho cooperado, as cooperativas
precisam contar com o incentivo público. Cada espécie de cooperativa, seja ela popular, de
crédito, de serviço ou grande cooperativa conta com um diferenciado auxílio do governo
federal. A partir deste estudo, em especial da percepção de que o trabalho cooperado no
território nacional é exclusivamente financiado pelo próprio Estado (por meio de linhas de
crédito oferecidas para financiamento), denota-se que o Brasil ainda não atingiu o ideal
autossustentável defendido pelo nacional desenvolvimentismo.
Portanto, o trabalho das cooperativas populares não assume destaque como o
das grandes cooperativas financiadas com fundos públicos, e, ainda que a participação
do trabalho cooperado fosse tão expressiva na economia nacional, a disparidade do
desenvolvimento econômico com os objetivos traçados pelo nacional desenvolvimentismo
se dá em razão da dissonância endêmica proveniente já da época da colonização. Desde
aqueles tempos, o Brasil traçou com o comércio internacional fortes laços, de modo
que o desenvolvimento e a industrialização nacionais ficaram em segundo plano, o que
desfavoreceu o desenvolvimento econômico brasileiro e, indiretamente, o sistema de
gestão de trabalho cooperado.
Desse modo, verifica-se que o apoio do governo, por meio de incentivos ao
desenvolvimento interno, somente ocorre em razão da condição de subdesenvolvimento
exposta pelo economista Celso Furtado e por tantos outros autores do nacional
desenvolvimentismo brasileiro. Assim, apesar da aparente simplicidade, a gestão cooperada
de trabalho apresenta um ideal de estabelecimento de redes de interesses, permitindo a
fluidez da economia de uma maneira limitada, podendo-se até mesmo dizer insuficiente
para a fase econômica em que o Brasil se encontra.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
517
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Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
519
CIÊNCIA E TECNOLOGIA DA VIDA: EM BUSCA DE UM CONSENSO
POSSÍVEL ENTRE BIOTECNOLOGIA, BIOÉTICA E BIODIREITO – UMA
REFLEXÃO ÉTICO-JURÍDICO-FILOSÓFICA
Rudinei Jose Ortigara*
Dennys Robson Girardi**
As coisas começaram antes mesmo do capitalismo, com Prometeu. Na mitologia, Zeus o castiga
porque ele furtou o fogo dos deuses para dá-lo aos homens. “Prometeu”, em grego, é “o que
enxerga ou vê antes”. Prometeu poderia ser patrono da pesquisa científica: ele fornece ao homem
o primeiro grande equipamento tecnológico – o fogo –, enxerga longe, e sofre por isso, tendo todo
dia o fígado perfurado por um abutre, até que Hércules finalmente o liberta dessa punição. Temos
aqui tudo o que compõe o difícil ethos científico: primeiro, a inovação; segundo, a ambição de ser
como Deus (ambição que está na agenda da ciência moderna desde seus primórdios); terceiro, a
aplicação prática, tecnológica, do conhecimento; e, finalmente, a dor, a culpa de romper a fronteira
entre o humano e o divino, entre a ignorância e o conhecimento, entre a submissão e o poder.
Renato Janine Ribeiro (2002)
RESUMO
Após a descoberta das estruturas genéticas da vida, principalmente na atualidade, abrem-se
diversas possibilidades de manipulação das mais variadas formas de vida trazidas pelas pesquisas
biotecnológicas. Dependendo das aplicações práticas, é possível levantar várias questões polêmicas
que demandam respostas, muitas vezes interdisciplinares, nos campos legais e éticos que, aplicados
ao campo biológico, recebem a denominação de bioética e biodireito. Diante de tal panorama,
há o questionamento: como é possível haver progresso na biotecnologia, respeitando os limites
éticos e jurídicos necessários na pesquisa e manipulação com as mais variadas formas de vida?
O presente estudo guia-se pela tentativa de aproximação de resposta para tal questionamento,
tendo como principal objetivo analisar a questão da pesquisa biotecnológica e apresentar
possíveis reflexões e parâmetros de seu desenvolvimento e progresso guiado pela bioética e pelo
biodireito, apresentando, por conseguinte, fundamentos de reflexão e princípios valorativos legais
e constitucionais mais relevantes e dignos de proteção. Para satisfazer esse objetivo, a metodologia
de pesquisa utilizada foi a bibliográfica e legislativa, principalmente a constitucional.
Palavras-chave: Biotecnologia. Manipulações genéticas. Bioética. Biodireito. Filosofia.
Princípio da dignidade da pessoa humana. Constituição Federal.
* Aluno do 5° ano de Direito da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação Científica
(PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
**Mestre em Tecnologia em Saúde (PUCPR). Professor da FAE Centro Universitário. E-mail: dennys.girardi@
fae.edu.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O mundo atual é conhecido e caracterizado pela vasta e cada vez mais intensiva
cientifização de todas as relações e atividades humanas. A ciência e seu método de pesquisa
perpassam e ultrapassam todas as atividades desenvolvidas, buscando compreender
e dar respostas à realidade ao entorno do ambiente humano. Esse fenômeno é ainda
mais marcante e visível no campo das chamadas ciências genéticas, principalmente na
biotecnologia.
A biotecnologia não é um movimento recente da ciência. A seleção de
melhores espécies, tanto animal quanto vegetal, é algo que remonta e perpassa todo o
desenvolvimento humano, constituindo-se enquanto as primeiras formas de intervenções
de melhoria de características, sendo essas, em menor escala, as primeiras formas de
desenvolvimento biotecnológico.
Ocorre que com a descoberta da base genética da vida, a seleção passou a ser
desenvolvida em níveis que antes sequer eram pensados. Nesse sentido,
Dados os avanços tecnológicos, as transformações evolutivas do mundo moderno, voltadas
à utilização de técnicas de manipulação de material genético com vistas à obtenção de
resultados proveitosos nos ramos da biotecnologia, surgiram nos últimos anos uma série
de situações as quais há poucas décadas pareciam simplesmente inconcebíveis, tais como
a fertilização in vitro; a clonagem de animais; e a possibilidade de serem criados seres
geneticamente modificados, mediante a utilização de técnicas de manuseio do material
genético que antes não existiam e, portanto, não eram ainda abrangidos pelo Direito
(VIANA; TEIXEIRA, 2009, p. 12).
As variedades agora podem ser selecionadas a partir de seu biótipo genético, o que
confere maior precisão na escolha; e com a combinação genética, possibilitada pela técnica
do DNA recombinante, pode-se até transferir características a determinadas plantas para
outras ou para animais, ou vice-versa. “Nesse sentido, a moderna biotecnologia, através
das técnicas de engenharia genética, trouxe grandes contribuições, adicionando precisão
e rapidez no desenvolvimento de novas variedades” (PENNA; CANOLA, 2009, p. 76).
522
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
As múltiplas formas de manipulação das estruturas vitais de plantas, animais ou seres
humanos trazem inúmeras possibilidades de benefícios, porém também podem trazer riscos1.
Isso se torna ainda mais relevante quando gigantescas empresas destinam cargas econômicas
do tamanho do Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países na busca de desenvolver
novas variedades de plantas ou animais pela transgenia, e até mesmo de patentear seus
desenvolvimentos, garantindo, assim, a apropriação dos resultados produzidos, ou melhor,
se apossando daquela parte considerável de vida, detendo, portanto, a exclusividade
intervenção.
A partir desses aspectos, começa a surgir discussões sobre os reais impactos das
pesquisas, os limites de aplicação e os impasses éticos. Nessa toada, configuram-se os usos
inadequados de fontes de preocupação, uma vez que podem acarretar danos irreparáveis ao
Em sentido semelhante e associando à questão atual do meio ambiente e os riscos trazidos pela má utilização
das biotecnologias, San Epifanio, em artigo intitulado Avanços biotecnológicos e meio ambiente: implicações
éticas e jurídicas da biossegurança, procede um rápido esboço sobre a evolução das técnicas de manipulação
das espécies vivas para a finalidade de utilização humana: “Milhões de anos depois da última era glacial o ser
humano se comporta [...] como se estivesse em cima da árvore genealógica de todo ser vivo, convencido de
que chegou a essa posição – se não através de Deus – ao menos como vencedor da luta pela sobrevivência. O
início do processo que lhe permitiu alcançar essa posição de privilégio é situado historicamente na substituição
da caça e da coleta de frutos silvestres por um conjunto de técnicas que, alterando deliberadamente os
sistemas naturais, lhe permitem conseguir a abundância de uma espécie ou de um conjunto de espécies
submetidas a exploração: a agricultura. No princípio do século XXI, o ser humano, que ameaça com seu
mundo artificial superpovoar o planeta, segue dependendo da exploração das demais espécies. Mas, com o
passar do tempo, suas técnicas de exploração têm melhorado, e há relativamente poucos anos, conta com
uma série de avanços que otimizarão – até mesmo em níveis antes só sonhados – a gestão da Biodiversidade.
Para referir-se a tais avanços, fala-se de nova ou moderna Biotecnologia.
1
A expressão moderna provém de que, no desenvolver das técnicas de melhoria genética tradicional – com
base no sistema de prova e erro –, se tem introduzido elementos que permitem destacar qualitativamente
os últimos avanços nas técnicas de exploração de seres não humanos. Referimo-nos, claro está, à precisão
das bases científicas da melhoria da genética tradicional (através da Biologia Molecular e da Genética) e ao
desenvolvimento de instrumentos de precisão para experimentação de ditas bases científicas, entre os quais
se destaca a Engenharia Genética. A Biotecnologia tradicional e a moderna aparecem assim aparentadas
em seu fundamento e finalidade, que podem resumir-se em ‘o manejo dos organismos vivos – ou de suas
partes – com o fim de obter assim bens e serviços que satisfaçam necessidades humanas’.
Aceito esse vínculo genealógico entre Biotecnologia tradicional e a moderna; a principal diferença entre ambas
parece situar-se nos meios de que dispões esta última. A esses meios atribui-se um potencial de impacto
ambiental que supera, em muito, os efeitos da melhoria tradicional, especialmente quando permitem cruzar
com precisão massas hereditárias de espécies animais ou vegetais que na natureza se acham muito distanciadas
entre si. De um ponto de vista sociopolítica, a adoção de decisões sobre esta tecnologia se vê dificultada
não só pelo escasso conhecimento sobre a entidade e magnitude dos riscos que se associam à mesma, mas
também pela própria situação do meio ambiente no princípio do século XXI. Trata-se de um meio de vida
já muito degradado como consequência de inúmeras causas acumuladas – muitas delas atribuíveis ao ser
humano – e, o mais importante, um meio cuja degradação segue avançando a uma velocidade vertiginosa. A
assunção de quaisquer novos riscos ambientais nos afasta de uma utilização sustentável dos recursos biológicos
e põe em sério perigo a preservação da Biodiversidade. Isso, segundo a Comissão Européia, é ‘negativo em
si mesmo e, ademais, incide negativamente no desenvolver socioeconômico’. (2004, p. 377 – 379).
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523
meio ambiente e à saúde humana. Destarte, “a utilização das novas biotecnologias sobre o
ser humano e, igualmente, sobre a fauna e a flora, comporta repercussões de toda ordem:
interesses de mercado, interesses políticos e interesses sociais” (BRAUNER, 2005, p. 34).
Dentre os principais questionamentos e repercussões, encontra-se a dicotomia
aparente entre ciência e ética. Pergunta-se: até que ponto a ciência e a ética podem
caminhar separadas, uma vez que, em última análise, todo desenvolvimento científico
deveria estar voltado para o ser humano e estar embasado em princípios e valores essenciais
à toda humanidade. Por conseguinte, não se conforta mais a realidade de se desenvolver a
ciência, principalmente à manipulação da vida, sem levar em consideração o seu impacto
ético e os seus limites de atuação social ético, científico e legal. Nesse sentido, o Direito
encontra-se também pressionado e conclamado a traçar possíveis respostas normativas
aos problemas levantados por essas novas realidades.
1
BIOTECNOLOGIA, BIOÉTICA E BIODIREITO – INTERSECÇÕES
NECESSÁRIAS
As possibilidades abertas pela biotecnologia trazem novos desafios de grandes
proporções tanto para a reflexão ética quanto para a regulamentação das atividades
biotecnológicas. Esses desafios se apresentam em diferentes e diversos contextos, por isso
a necessidade de serem tratados em seu aspecto interdisciplinar. Nessa tentativa, a reflexão
aqui trazida será orientada para a abordagem sucinta de perspectivas do problema nos
campos da biotecnologia, bioética e biodireito.
1.1
BIOTECNOLOGIA: ENGENHARIA GENÉTICA E AS POSSIBILIDADES
DE MUDANÇAS NAS ESTRUTURAS DA VIDA
Os estudos e o desenvolvimento da genética deram um grande salto quando, na
década de 1970, surgiu o estudo das estruturas genéticas. A compreensão de diversos
mecanismos biológicos e sua pesquisa pela Engenharia Genética abriu portas para aplicações
nas áreas da saúde, com a possibilidade de solução de problemas genéticos e hereditários,
bem como na de técnicas industriais, como a clonagem animal e a produção de alimentos
transgênicos (Cf. IACOMINI, 2008, p. 27).
De posse dessas possibilidades, o foco de interesse da ciência muda. Deixa de ser
feita por poucos e passa a ser regida por vários interesses e entranhar-se cada vez mais
nas estruturas sociais e na vida cotidiana. Segundo Möller,
524
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Neste período, a ciência deixa de restringir-se ao objeto de interesse do cientista e do
homem culto, e passa a incitar fortes transformações nas mais diversas esferas da vida:
das organizações sociais às organizações políticas e econômicas, do ambiente natural à
indústria, ao trabalho intelectual e à Vida Familiar (2007, p. 154).
As discussões sobre a aplicação das técnicas são várias, principalmente em seres
humanos. Para alguns autores e cientistas, é conveniente a manipulação e o aperfeiçoamento
genético da humanidade como meio natural trazido pelo próprio progresso tecnológico,
uma vez que pelo conhecimento científico a humanidade tornou-se gestora de seu próprio
destino, criando relativa independência de sua condição puramente natural2. Por outro
lado, posicionam-se autores contrários à manipulação genética, principalmente a dignidade
humana, com fins de melhorias artificiais. Para esses, a vida e o próprio ser humano são
portadores de dignidade em si mesmos, sendo a humana, especificamente, resguardada por
previsão constitucional3. Nesse sentido, as únicas intervenções aceitáveis seriam aquelas com
fins terapêuticos, sem interferência nas estruturas essenciais.
Esse embate traz à tona grande debate ético de até que ponto isso realmente deve
ser feito. Segundo Jonas, é de longo tempo na humanidade que o
[...] sonho ambicioso do Homo faber, condensado na frase de que o homem quer tomar
em suas mãos a sua própria evolução, a fim não meramente de conservar a espécie em
sua integridade, mas de melhorá-la e modificá-la segundo seu próprio projeto. Saber se
temos o direito de fazê-lo, se somos qualificados para esse papel criador, tal é a pergunta
mais séria que se pode fazer ao homem que se encontra subitamente de posse de um
poder tão grande diante do destino. Quem serão os criadores de ‘imagens’, conforme
quais modelos, com base em qual saber? Também cabe a pergunta sobre o direito moral
de fazer experimentos com seres humanos futuros. Essas perguntas e outras semelhantes,
que exigem uma resposta antes que nos deixemos levar em uma viagem ao desconhecido
(2006, p. 61).
Como exemplo, cita-se Peter Sloterdijk. Em seu livro Regras para o parque humano, o autor se mantém favorável
à continuidade do processo de aperfeiçoamento da humanidade pelos instrumentos trazidos pela biotecnologia,
ainda que isso possa apresentar alguns riscos. Entende que as aplicações da biotecnologia em seres humanos
pode ser uma possibilidade de evolução da própria humanidade. (Cf.: SLOTERDIJK, Peter, 2000)
2
A Dignidade da Pessoa Humana encontra-se erigida a categoria de Princípio Fundamental e fundamento da
República Federativa do Brasil na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que assim preceitua
em seu artigo 1º, inciso III:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
3
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana. (grifo nosso).
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
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525
A partir da possibilidade dos resultados dessas pesquisas serem aplicados para fins
escusos é que nasce a preocupação e a reflexão ética4 sobre tais práticas. Dessa forma,
a bioética se apresenta enquanto aplicação prática da ética em relação às possíveis
intervenções nas estruturas vitais de todos os seres vivos, mas também se propõe a fazer
uma reflexão sobre a relação das possibilidades humanas abertas pela tecnociência e seus
impactos na vida no Planeta.
O desenvolvimento das pesquisas científicas está voltado ao caráter experimental,
regido pelo princípio da liberdade de investigação, o que não significa que tudo deverá
ser permitido em nome do acúmulo do conhecimento científico. Dessa forma, mesmo
a bioética partindo da análise da realidade das aplicações científicas no campo da vida,
deve ser feita uma ponderação de valores tanto aqueles preservados e sagrados para toda a
sociedade como aqueles trazidos pela pesquisa científica em benefício da própria sociedade,
pois “toda inovação na ciência deve guarnecer uma preocupação e responsabilidade social
da utilização de informações genéticas na sociedade” (DALVI, 2008, p. 31).
Segundo Adolfo Sanchez Vázquez, “a ética é teoria, investigação ou explicação de um tipo de experiência humana
ou forma de comportamento dos homens, o da moral, considerado porém na sua totalidade, diversidade e
variedade. O que nela se afirme sobre a natureza ou fundamento das normas morais deve valer para a moral da
sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numa comunidade humana moderna. É isso que assegura
o seu caráter teórico e evita sua redução a uma disciplina normativa ou pragmática. O valor da ética como teoria
está naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas”
(2010, p. 21).
4
No caso da bioética, por outro lado, como muito bem explica Olinto Pegoraro (2002, p. 75 – 76), consagrou-se
a afirmação de ser essa “a disciplina ética que se formou em torno de pesquisas, práticas e teorias que visam
interpretar os problemas levantados pela biotecnociência e pela biomedicina. Por isso, a bioética é necessariamente
interdisciplinar e de identidade instável, pois não é uma filosofia global, nem uma ética geral e muito menos uma
ciência. Ela se situa na confluência do saber tecnocientífico, especialmente biológico, com as ciências humanas,
como a sociologia, a política, a ética e a teologia.
Sendo de uma identidade instável, a bioética tem a importante característica de situar-se ‘no espaço aberto’
de uma sociedade pluralista, onde se confrontam concepções diferentes e até irredutíveis umas às outras [...].
Isso constitui a singularidade ou originalidade da bioética como interação dos saberes e será tanto mais criativa
quanto mais for praticada no espaço público das sociedades pluralistas, onde os problemas éticos são discutidos
pela tecnociência, pelas crenças religiosas e concepções filosóficas que, coexistindo pacificamente, debatem o
sentido ético da vida e da morte.
Neste amplo espaço, é fundamental que a bioética mantenha sua identidade filosófica quando discute pressupostos
éticos, esclarece conceitos e valores e toma decisões sobre situações concretas, como pronunciar-se pró ou contra
o congelamento de embriões excedentes. Caso a bioética se afaste dessa posição, poderá tornar-se casuística,
pragmática, sem raízes éticas, guiando-se apenas por uma espécie de jurisprudência, que toma decisões
semelhantes em casos semelhantes. Isto não significa que a bioética deva distanciar-se das situações cotidianas.
Mas, se ela abandonar o juízo ético-prático sobre casos concretos, suscitados pela tecnociência, perde-se em
abstrações e concepções universais, sem força para decidir eticamente sobre os problemas da biomedicina.
Por isso mesmo, a bioética, que precisa conviver com os marcos teórico e prático, está longe de ser uma teoria
ética precisa, com objetivos bem determinados. Felizmente, ela é necessariamente imprecisa, devendo sempre
repensar seus marcos teóricos, em função dos novos avanços da tecnociência.”
526
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Essa responsabilidade caminha ao lado da normatização de condutas, delimitando
as permitidas e as não permitidas, apontando as condutas lícitas e ilícitas, de acordo com
observâncias éticas e valores sociais a ser preservados. Dessa forma, a reflexão ética da
vida deve sempre estar acompanhada da busca de resultados práticos que balizem ações
práticas da ciência.
Assim, a preocupação ética de manter intacta a estrutura essencial da espécie
humana e de outras formas de vida baliza as possibilidades de regulamentação enquanto
barreiras normativas baseadas na reflexão bioética, no trato para com as formas e variantes
da vida, evitando a banalização. A possibilidade de coisificação das formas de vida pela
pesquisa genética é real, sobretudo diante do atual sistema econômico e do estágio de
conhecimentos acumulados com a manipulação genética.
Nesse sentido, pelas possibilidades abertas há
[...] aumento do poder do homem sobre o próprio homem – que acompanha
inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de
dominar a natureza e os outros homens – ou criar novas ameaças à liberdade do indivíduo,
ou permitir novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas
através de demandas de limitações do poder; remédios que são providenciados através
da exigência de que o mesmo poder intervenha de modo protetor. (BOBBIO, 1992, p. 6)
Apesar disso, o poder atribuído pelas descobertas científicas necessita de um uso
racional, acompanhado de um mínimo de padrões, de reflexões éticas e valores socialmente
aceitos enquanto fundamentais para determinada sociedade e de normatização e regulação
de tais atividades.
1.2
BIODIREITO: A REGULAMENTAÇÃO DAS INTERVENÇÕES NAS
ESTRUTURAS DA VIDA
O Direito deve preocupar-se com a realidade e com os anseios sociais, bem como
dar uma resposta normativa para a sociedade, de forma a regular posturas e ações que
venham ferir ou lesar determinados valores caros à sociedade e às relações sociais.
No entendimento de Miguel Reale,
[...] a norma jurídica é a indicação de um caminho, porém, para percorrer um caminho,
devo partir de determinado ponto a ser guiado por certa direção: o ponto de partida da
norma é o fato, rumo a determinado valor. [...] Direito ao mesmo tempo é norma, é fato
e é valor. [...] O Direito, repito, é uma integração normativa de fatos segundo valores
(1994, p. 118-119).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
527
Nesse sentido, se as pesquisas científicas ultrapassam o nível do aceitável ou
tolerável, atingindo ou lesando determinado direito ou valor social, seja individual, difuso
ou coletivo, há a necessidade de limites impostos tanto no sentido ético quanto no campo
normativo do Direito.
Portanto, apesar de ser livre a ação da pesquisa científica, não pode ser ilimitada e
passa a deparar-se com um ‘freio’ posto pela ética, pela bioética, e também pelo direito.
Estes âmbitos de reflexão, valoração e regulação normativa iniciam, assim, a traçar certos
limites às realizações da ciência, a seus procedimentos e a suas aplicações (MÖLLER,
2007, p. 155).
Nem sempre os freios apontados pela bioética são suficientes para balizar as ações
da biotecnologia, uma vez que falta à ética força coercitiva. Nesse sentido,
La función esencial de la Bioética consiste en dotarnos de unas pautas con las que
afrontar los complicados problemas relacionados con la vida humana. Ello no obstante,
las exigencias que nos impone la protección de valores fundamentales no pueden ser
satisfechas de forma completa por la Bioética, sino que ésta necesita que otras disciplinas
la complementen adecuadamente. De entre todas ellas, una de las más importantes es el
derecho, en cuanto que éste outorga a la Bioética los instrumentos esenciales para que
pueda transitar desde el marco de lo teórico a una ordenación real de la vida humana
(MIGUEL BERIAIN, 2004, p. 63).
Nesse âmbito, entra a necessidade de normas com conteúdos coercitivos e legais
balizadas em valores éticos caros à sociedade, contendo direitos fundamentais ligados à vida que
devam ser protegidos. Porquanto, “a Bioética, quando sai do campo axiológico e é positivada
no ordenamento jurídico, transmuda-se em Biodireito” (DUARTE, 2009, p. 191).
A questão sobre a proteção legal do patrimônio genético humano e das demais
formas de vida, com o estabelecimento de um sistema normativo para tal, é a preocupação
de vários países, sendo várias as manifestações internacionais sobre a necessidade de
proteção do patrimônio genético e da limitação de intervenções desenfreadas. Dentre essas
manifestações, destaca-se a Declaração Universal sobre o Genoma humano5, da Unesco6.
A reunião dos países participantes da Unesco para definir o texto final da Declaração ocorreu entre os dias
6 e 8 de abril de 2005 e, posteriormente, entre 20 e 24 de junho do mesmo ano, em Paris, França. O Brasil
também estava representado entre os países participantes.
5
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) foi criada no dia
16 de novembro de 1945, quando representantes de 37 países se reuniram em Londres para assinar
a Constituição da Unesco. Essa constituição entrou em vigor em 4 de novembro de 1946, quando 20
Estados-Membros a ratificaram. “A UNESCO trabalha com o objetivo de criar condições para um genuíno
diálogo fundamentado no respeito pelos valores compartilhados entre as civilizações, culturas e pessoas e
das exigências de desenvolvimento sustentável com base na observância dos direitos humanos, no respeito
mútuo e na erradicação da pobreza. Temas esses que estão no cerne da UNESCO e em suas Atividades”
(Cf.: Unesco, 2007).
6
528
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Essa declaração ressalta a preocupação com as possibilidades abertas pela
pesquisa e aplicação biotecnológica que podem levar a novas violações de direitos
humanos, por exemplo, a descriminação genética de determinadas pessoas, tornando-se
base de bandeiras políticas e rejeitando direitos assumidos internacionalmente, como
os direitos humanos.
2
REFLEXÕES JURÍDICAS E FILOSÓFICAS: PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
E FILOSÓFICOS
Reconhece-se na quase totalidade da Comunidade Internacional que o ser humano,
enquanto pessoa, preserva em si dignidade anterior e transcendente a qualquer sistema
normativo, estando, inclusive, internacionalmente reconhecidos enquanto direitos humanos7.
Nesse sentido, Garcia destaca que
o homem – na sua condição humana – é um ser universal. Os direitos humanos decorrem
da condição humana; são, portanto, de caráter universal, aplicando-se ao ser humano,
onde se encontre, bem como a tudo que detiver a qualidade humana (2004, p. 211).
Os direitos humanos, ao serem albergados pela Constituição da República Federativa
do Brasil, de 1988, são reconhecidos enquanto direitos fundamentais8. Dessa forma, “os
Direitos Humanos a serem agasalhados em seio constitucional transformam-se em Direitos
Fundamentais” (DUARTE, 2009, p. 191). A proteção basilar dos direitos humanos deve
ser levada em consideração na comunidade internacional
dado que los valores que están en juego afectan a toda la especie humana como tal,
nungún Estado puede utilizar el paraguas de la soberania nacional para permitir que bajo
él se cobijen las más flagrantes violaciones de la dignidad humana (MIGUEL BERIAIN,
2004, p. 66).
a necessidade dos direitos humanos foi esboçada de forma mais universal por documento aprovado em
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, definido como a Declaração Universal de Direitos Humanos.
Segundo Comparato (2007, p. 226-227), “tecnicamente, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é
uma recomendação que a Assembléia Geral das Nações Unidas faz a seus membros (Carta das Nações Unidas,
artigo 10)”, não possuindo esse documento, portanto, força vinculante. No entanto, o referido autor ressalta
que “esse entendimento, porém, peca por excesso de formalismo. Reconhece-se hoje, em toda parte, que a
vigência dos direitos humanos independe de sua declaração em constituições, leis e tratados internacionais,
exatamente porque se está diante de exigências de respeito à dignidade humana, exercidas contra todos os
poderes estabelecidos, oficiais ou não. A doutrina jurídica contemporânea, de resto, [...] distingue os direitos
humanos dos direitos fundamentais, na medida em que estes últimos são justamente os direitos humanos
consagrados pelo estado mediante normas escritas.” (Cf.: COMPARATO, 2007, p. 226-227).
7
Esse reconhecimento provém de previsão legal e de observação de incorporação dessas normas internacionais,
como os tratados internacionais que versem sobre direitos humanos, conforme o trâmite apresentado pelo
artigo 5º, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
8
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
529
Como o progresso científico é constante, dificilmente se poderá prever legislativamente
todas as possibilidades e formas de lesões, o que, consequentemente, acarreta numa contínua
evolução legal, buscando se adequar sempre a finalidade de proteção do ser humano
e de sua dignidade. Portanto, é necessário partir de princípios fundamentais mínimos e
universalmente aceitos. Dentre esses princípios basilares, destaca-se, por sua importância e
abrangência, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual se configura atualmente
enquanto princípio basilar do Estado brasileiro e constitucionalmente protegido no artigo
1º, Inciso III, da Carta Magna da República Federativa do Brasil de 1988.
A concepção atual é a de que todo ser humano possui o direito inarredável de levar uma
vida digna, não podendo, de forma alguma, ser usado como instrumento para algum fim, pois é
fim em si mesmo, portanto, dotado de dignidade, sendo essa, inclusive, anterior e transcendente
da condição de proteção normativa por seu valor e importância para a humanidade.
Nesse sentido, Moraes afirma que
A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se
manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e
que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em
um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que as pessoas
excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas
sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres
humanos (2003, p. 128).
Dessa forma, à dignidade da pessoa humana transcende o campo jurídico, sendo
ela preexistente e dependente deste e da reflexão filosófica, principalmente a de Kant, uma
vez que é em seu pensamento “[...] que a doutrina jurídica mais expressiva – nacional e
alienígena – ainda hoje parece estar identificando as bases de uma fundamentação e, de
certa forma, de uma conceituação da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2007, p. 34).
2.1
DIGNIDADE DA PESSOA EM IMMANUEL KANT
Transcende aos escritos de Kant a ênfase dada ao ser humano enquanto portador
de valor em si mesmo, não podendo, portanto, ser tomado enquanto meio ou objeto, pois
possui dignidade9 em si considerado. Por ser considerado como fim em si mesmo, não há
possibilidade de fazer da pessoa humana objeto como meio para atingir determinado fim.
Dessa forma, ela é autônoma devido à sua racionalidade, que lhe é inerente, não podendo
De acordo com Petterle, “[...] a idéia da dignidade como valor intrínseco da pessoa humana tem sido pensada
e reconstruída ao longo da história dos homens, isso desde os filósofos da antiguidade clássica, passando
pelos aportes dos pensadores da idade média, especialmente impregnados do ideário cristão, cuja evolução
histórica, nos períodos subsequentes, apontou a racionalidade inerente ao ser humano como parâmetro
norteador. [...] Kant, abrindo outros caminhos, culminou o processo de secularização da dignidade, buscando
o seu fundamento na autonomia da vontade do ser humano, como ser racional, o que, por si só, já explica
a marcante influência da matriz Kantiana no pensamento contemporâneo ocidental” (2007, p. 61).
9
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ter, como os demais seres, um valor equivalente de troca, pois está acima de todo valor, por
isso possuidor de dignidade.
Tal imperativo se apresenta enquanto categórico, sendo formulado da seguinte
forma: “age apenas segundo uma máxima tal que pessoas ao mesmo tempo querer que
ela se torne lei universal” (KANT, 2005, p. 59). Desse imperativo é que deve derivar os
imperativos do dever. Nesse sentido, por ser racional e livre, o ser humano é capaz de
impor a si normas morais de conduta, que possam ser, ao mesmo tempo, universais e
válidas a todos os seres racionais. Ademais, a dignidade é intrínseca à pessoa humana por
ser racional, portanto, capaz de determinar-se, sendo que, por esse aspecto, não há a
possibilidade de sujeitá-la enquanto meio, mas apenas como fim em si mesma, “porque
a sua natureza os distingue já como fins em si mesmos, quer dizer como algo que não
pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo
arbítrio [e é um objeto de respeito]” (KANT, 2005, p. 68).
Em outra passagem, Kant destaca que
O homem [...] existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário
desta ou daquela vontade. Pelo contrário, em todas as suas acções, tanto nas que se
dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre
de ser considerado simultaneamente como fim (2005, p. 68).
Dessa forma, a dignidade parte da autonomia ética do ser humano. Essa autonomia
se constitui enquanto fundamento do ser humano, pois existe como fim em si mesmo, não
podendo, portanto, ser tratado como objeto considerado enquanto meio para alcançar
determinado fim (Cf. SARLET, 2007, p. 32). Assim, como ser racional, cada indivíduo deve
estar submetido à lei do agir moral, de acordo com o imperativo categórico, tratando os
demais enquanto fins em si mesmos. Logo, “seres racionais estão, pois todos submetidos a
esta lei que manda que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente
como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si” (KANT, 2005, p. 76). Por ser
racional, a pessoa possui dignidade. Portanto, é merecedora de respeito devendo todo
ato arbitrário ser afastado.
Nesse sentido, Kant afirma que
No reino dos fins tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um
preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma
coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite equivalente, então tem ela
dignidade (2005, p. 77).
Portanto, Kant reconhece alguns valores que possuem fim em si mesmo, como é
o caso da dignidade do ser humano. Nesse caso, a pessoa humana deve ser preservada
como algo de valor em si, por normas universalmente reconhecidas, uma vez que,
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
531
como imperativo categórico, é reconhecido seu valor em si, isentando da coisificação e
impossibilitando trocas por equivalentes10.
2.2
HANS JONAS E O PRINCÍPIO RESPONSABILIDADE
Jonas deu nova roupagem ao entendimento de Kant buscando delimitar o novo
papel da responsabilidade ética do ser humano diante do desenvolvimento tecnológico.
Para esse autor, isso é necessário, uma vez que a técnica pela tecnologia contemporânea
inaugurou novo agir humano que não se enquadra mais na ética tradicional, sendo seus
imperativos insuficientes para balizar a ação humana na civilização tecnológica, uma vez
que a ação humana, expandida pela atividade tecnológica, extrapola o círculo entre as
pessoas tanto no espaço quanto no tempo.
Diante de tal diagnóstico, buscou assentar as bases de uma nova ética baseada
na responsabilidade, mais adequada ao desenvolvimento tecnológico, e voltada para a
responsabilidade pela existência futura do ser humano e de todas as estruturas e formas
de vida. Dessa forma, a reflexão sobre o círculo de dignidade se expande para além dos
seres racionais, assumindo, para além do que pensou Kant, todas as formas de vida e suas
estruturas de dignidade.
A partir disso, o agir imperativo adquire nova roupagem: “Aja de modo que os efeitos
da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a
terra”, ou formulado negativamente “não ponha em perigo as condições necessárias para a
conservação indefinida da humanidade sobre a terra” (JONAS, 2006, p. 47-48).
Apesar da grande influência do pensamento de Kant para várias áreas da reflexão contemporânea, alguns autores
tecem críticas à sua concepção de dignidade, afirmando ser essa excessivamente antropocêntrica, uma vez
que sustenta a dignidade enquanto atributo exclusivo na pessoa humana: “[...] notadamente naquilo em que
sustentam que a pessoa humana, em função de sua racionalidade [...] ocupa um lugar privilegiado em relação
aos demais seres vivos. Para além disso, sempre haverá como sustentar a dignidade da própria vida de um modo
geral, ainda mais numa época em que o reconhecimento da proteção do meio ambiente como valor fundamental
indicia que não está em causa apenas a vida humana, mas a preservação de todos os recursos naturais, incluindo
todas as formas de vida existentes no planeta, ainda que se possa argumentar que tal proteção da vida em geral
constitua, em última análise, exigência da vida humana e de uma vida humana com dignidade” (SARLET, 2007,
p. 34). No entanto, apesar de considerações desse cunho, há o reconhecimento de que “a dignidade da pessoa
humana, esta (pessoa) considerada como fim, e não como meio, repudia toda e qualquer espécie de coisificação
e instrumentalização do ser humano” (SARLET, 2007, p. 36).
10
532
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A partir disso, o agir imperativo adquire nova roupagem: “Aja de modo que os efeitos
da tua ação sejam compatíveis com a permanência de uma autêntica vida humana sobre a
terra”, ou formulado negativamente “não ponha em perigo as condições necessárias para a
conservação indefinida da humanidade sobre a terra” (JONAS, 2006, p. 47-48).
A necessidade desse novo imperativo se deve ao fato do aumento do poder de
mudança na estrutura da natureza pelo domínio e supremacia técnica do homem sobre
a natureza, o que nem sempre se traduz automaticamente em benefícios. Dessa forma,
não é mais um agir individual e contemporâneo, mas está voltado para o agir coletivo
enquanto bem público para as atuais e futuras gerações. Jonas chamou atenção para essas
mudanças históricas afirmando que inicialmente a relação humana com a natureza possuía
contornos diferentes dos atuais:
Todas as concepções eram sustentáveis porque as incursões do homem na natureza,
tal como eram encaradas por ele, eram essencialmente superficiais e impotentes para
perturbar o seu afirmado equilíbrio. Nem há indício, no cora da Antígona ou noutro lado
qualquer, de que isto é apenas o princípio e que maiores cometimentos do engenho
e poder humanos hão de vir – de que o homem embarcou numa infindável rota de
conquista. Tão longe tinha ele ido na eliminação da necessidade, aprendido com a
sua agudeza de espírito a tanto tirar dela para a humanização da sua vida, que por aí
podia ficar. O espaço que assim tinha aberto era preenchido pela cidade dos homens
– destinada a conter e não a expandir – e por intermédio dela um novo equilíbrio se
estabelecia no interior do mais vasto equilíbrio do todo. Todo o bem ou o mal a que em
qualquer altura a agudeza do engenho do homem pode levá-lo fica dentro do enclave
humano e não afecta a natureza das coisas [...]. A vida do homem consumia-se entre a
permanência e a mudança: o permanecer da Natureza, o mudar das suas próprias obras
(JONAS, 1994, p. 31).
Essas mudanças, por sua vez, deixam registros profundos nas relações naturais. Sua
extensão não se prende apenas ao presente. Porém, seus resultados se prolongam no espaço
e no tempo, ou seja, o resultado das ações pode agora ultrapassar gerações. Estabelece-se,
portanto, uma nova forma de relação com a natureza pela técnica. Esses efeitos podem
ser mais severamente sentidos nas estruturas essenciais da vida, uma vez que o homem
agora é capaz de, pelo domínio das técnicas de manipulação do DNA, modificar as bases
essenciais de várias espécies. Para além disso, ainda, o ser humano passa a ser objeto de
si mesmo, passível de pesquisa e de mudanças em sua estrutura. Sem dúvida nenhuma,
esse agir da ciência assume grandes dimensões, sendo que essas trazem impactos em
várias estruturas sociais e em todas as esferas de conhecimento, traduzindo-se, portanto,
em poder de quem as detém.
Dessa forma, Jonas acredita que todo agir humano, por estar perpassado pelo poder,
deve ser responsável, uma vez que pode redefinir o futuro da humanidade. Portanto, a
esfera de dignidade também é estendida à natureza e não apenas ao ser humano, pois ela
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533
também é objeto de cuidado e deve ser preservada em sua estrutura essencial, uma vez
que dela é dependente a humanidade, não estando metafisicamente isolada das demais
estruturas naturais. Assim, acredita-se que o poder do homem sobre a natureza representa
também perigo para os próprios seres humanos, necessitando, portanto, de controle.
Nesse sentido, Jonas constata a necessidade de uma nova ética, capaz de trazer ao
bojo de sua reflexão a necessidade de responsabilidade por gerações futuras e pelo cuidado
para com as estruturas essenciais da natureza, para que elas possam ser preservadas para
as vindouras gerações. “Isso significaria procurar não só o bem humano, mas também
o bem das coisas extra-humanas, isto é, ampliar o reconhecimento de ‘fins em si’ para
além da esfera do humano e incluir o cuidado com estes no conceito de bem humano”
(JONAS, 2006, p. 41).
A partir disso, toda ação de interferência tecnológica nas estruturas da vida ou da
natureza, com suas possíveis manipulações ou alterações, deve estar permeada ou balizada
por limites de previsão e responsabilidade pela preservação das estruturas essenciais da
vida e de futuras gerações. Assim, todo agir tecnológico humano deve ser permeado por
uma ética de responsabilidade de longo alcance, proporcional à extensão da atuação e
das consequências do poder tecnológico.
2.3
DIGNIDADE E RESPONSABILIDADE: CIÊNCIA E DIREITO
Levando em consideração as reflexões anteriormente esboçadas, tem-se, portanto,
que é dever atual da humanidade perceber que as ações presentes podem interferir na
existência futura de todas as formas de vida. Sendo devido a esse poder que se tem a
responsabilidade pelo desenvolvimento tecnológico equilibrado, preservando as estruturas
essenciais e vitais da vida para a existência humana futura e de forma digna.
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 assegura a atividade e a expressão
científica de forma livre e independentemente de censura ou licença (Cf. art. 5º, inc. IX,
CRFB/1988), encontrando-se, inclusive, no capítulo dos direitos fundamentais, portanto,
valor essencial à sociedade brasileira. Apesar disso, essa liberdade não pode ser tomada
por suprema. Sua atividade e desenvolvimento devem ser livres desde que não contrariem
o fundamento do Estado Democrático de Direito, qual seja, o da dignidade da pessoa
humana, pois a finalidade última do estado encontra-se na proteção integral da pessoa
humana, preservando, para isso, todas as estruturas essenciais para o pleno desenvolvimento
da coletividade.
Encontra-se, aqui, consequentemente, um limite constitucional à atividade
científica. Dessa forma, “nenhuma liberdade de investigação científica poderá ser aceita
se colocar em perigo a pessoa humana e sua dignidade. A liberdade científica sofrerá as
534
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
restrições que forem imprescindíveis para a preservação do ser humano na sua dignidade”
(DINIZ, 2002, p. 7-8). Em outra passagem, a autora destaca que
Com essa nova faceta criada pela biotecnologia, que interfere na ordem natural das coisas
para “brincar de Deus”, surgiu uma vigorosa reação da ética e do direito [...] fazendo com
que o respeito à dignidade da pessoa humana seja o valor-fonte em todas as situações,
apontando até onde a manipulação da vida pode chegar sem agredir (2002, p.4).
Isso não significa enfaixar todas as possibilidades de pesquisas e as atividades
econômicas que se desenvolvem a partir delas. Há, sim, que preservar valores essenciais
à sociedade e ter cuidado com as bases da vida, ou seja, com os elementos essenciais do
meio ambiente natural e humano. Daí que toda atividade de pesquisa, e sua derivação
econômica, além do princípio da dignidade da pessoa humana, deve observar o seguinte:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre
iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios:
[...]
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação
(CRFB/1988).
Por isso, os cuidados para a realização de pesquisas, possuindo finalidade econômica
ou não, devem repousar dentro de limites humanos e ambientais enquanto consequências
negativas que possam acarretar. Há, inclusive, um capítulo específico na Constituição da
República Federativa do Brasil que trata das questões ambientais e que deve ser trazido
para dentro das discussões biotecnológicas e bioéticas. Nesse sentido, o artigo 225 é exato:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Vem estampado nesse artigo constitucional um princípio jurídico basilar e
indiscutível, que é o Princípio da Precaução. Por ele, o Estado e a sociedade devem
adotar medidas que visem impedir o início da ocorrência de atividades potencialmente
ou lesivas ao meio ambiente como um todo. Dessa forma, depreende-se que é dever
do Poder Público a preservação do patrimônio genético e de assegurar sua integridade,
para tal, estabelecendo parâmetros legais e fiscalizando as entidades que trabalham com
a manipulação de materiais vivos e genéticos nas pesquisas biotecnológicas. Deve-se tal
cuidado, uma vez que o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado aparece
aqui elevado à categoria de direito fundamental, pois ele é essencial à vida humana com
qualidade tanto para as gerações presentes quanto para as futuras.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
535
Dessa percepção, portanto, nasce a necessidade de um novo contexto, baseado
em valores essenciais e necessários para balizar ações responsáveis e que preservem os
valores supremos para a sociedade, principalmente o da dignidade da pessoa humana,
que baliza os demais valores (Cf. art. 1º; art. 5º, CRFB), proporcionando aos indivíduos
uma “existência digna” (Cf. art. 179, CRFB) e a preservação do meio ambiente natural e
humano, equilibrado e preservado em sua essência para “as presentes e futuras gerações”
(Cf. art. 225, CRFB).
3
POSSÍVEL CONSENSO NORMATIVO E DIRETIVO ENTRE
BIOTECNOLOGIA, ÉTICA E DIREITO
A dinâmica atual das pesquisas científicas, principalmente nas áreas de biotecnologia,
cria novas situações que exigem respostas adequadas. Pela complexidade que exige o tema,
tais respostas não derivam de apenas uma vertente, sendo, portanto, fruto de reflexões
científicas, éticas e jurídicas. Essa dinâmica de interdisciplinaridade se aplica ao direito
atual, uma vez que
[...] há princípios que, mesmo não sendo objeto de uma específica legislação, impõem-se
a todos aqueles para quem o direito é expressão não somente da vontade do legislador,
mas também dos valores que este tem por missão promover, dentre os quais figura, em
primeiro plano, a dignidade da pessoa humana (PERELMAN, 1998, p. 95).
Como direito fundamental garantido, o desenvolvimento científico aparece também
ao lado de outros valores e bens jurídicos reconhecidos constitucionalmente. O mau uso
dessa liberdade científica pode interferir de forma negativa nos demais direitos e valores
éticos caros à sociedade. Portanto, se faz cada vez mais necessário o caráter complementar
da reflexão ética e mesmo científica para a formulação de normas legais, tendo em vista
o caráter complexo deixado pelas novas relações sociais, as quais exigem do Direito uma
resposta normativa. Nesse sentido,
A evolução das diversas áreas do conhecimento e a constante especialização da ciência
e da tecnologia convergem, como já mencionado, para reflexões sobre a pessoa humana
e sua dignidade, buscando conciliá-la aos princípios éticos a serem adotados e aos riscos
aos quais deve se submeter para viabilizar as conquistas científicas e tecnológicas, em
prol dos interesses de determinadas comunidades (científica, empresária, política, etc.),
provocando uma postura pró-ativa do Direito, o qual tem sido chamado para uma
constante reavaliação de seus conceitos, princípios e valores, de modo a acompanhar
e controlar impactos e expectativas, garantindo a proteção dos direitos humanos e
fundamentais e a equalização entre os interesses individuais e coletivos (PÁDUA, 2008,
p. 72-73).
536
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Logo, é necessária uma delimitação de valores caros à sociedade. Essa delimitação
pode ser alcançada a partir de um consenso. Para Jürgen Habermas (2003), filósofo
consagrado por sua teoria do agir comunicativo, o consenso possível deve girar em torno
da racionalidade comunicativa que tem por tarefa identificar e reconstruir condições
universais de entendimento possível. No caso em análise, é pelo consenso comunicativo
que se pode traçar valores caros à sociedade, preservando-os em normas constitucionais e
construir o progresso científico baseado em valores essenciais, estabelecendo regulamentos
e diretrizes claros sem deixar de lado os benefícios humanos e sem descuidar da vida de
um modo geral.
3.1
VALORES CONSTITUCIONAIS ASSEGURADOS E A PESQUISA
BIO-CIENTÍFICA
Os valores constitucionais assegurados dizem respeito à preservação de bens
jurídicos e de direitos fundamentais caros à sociedade. Nesse sentido, também a atividade
científica deve se embasar nesses valores, uma vez que
limitações ou proibições de pesquisas sobre o genoma devem ser determinadas a partir
de colisões com direitos fundamentais, com outros bens jurídicos protegidos ou outros
instrumentos jurídicos semelhantes, inclusive as Declarações de Direitos Humanos
(MYSZCZUK, 2005, p. 78).
A Constituição Federal pátria traz um rol de bens jurídicos a ser preservados,
presentes também nas legislações infraconstitucionais. Visível é o fato de que não há a
possibilidade de se estabelecer um bem jurídico comum a todas as pesquisas genéticas
possíveis, uma vez que cada uma possui suas peculiaridades e formas de atuação. Dessa
forma, “los problemas y los riesgos que presenta una realidad de esta magnitud debe
llevarnos a reconocer en que son muchos y muy variados los bienes jurídicos que pueden
llegar a verse afectados” (ROMEO MALANDA, 2006, p. 120).
Diante das novas tendências das pesquisas genéticas, apresenta-se, a seguir, os principiais
bens ou valores sociais, ao lado da dignidade da pessoa humana, a ser preservados na
adequação das atividades biocientíficas.
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537
3.1.1 Principais Bens Jurídicos Tradicionais
Tradicionalmente, a constituição preserva alguns valores fundamentais. São
inúmeros os bens preservados, porém, limitando o objeto do estudo, descreve-se os
princípios basilares quando se trata das pesquisas de manipulação da vida, ao lado do já
destacado princípio da dignidade da pessoa humana.
3.1.1.1Vida
Acompanhando as técnicas de pesquisas genéticas de sua aplicação prática, ou
simplesmente de sua pesquisa em seres vivos, há o risco de trazer lesões, principalmente no
sentido de privação da vida. Nesse sentido, é clara a previsão constitucional quando quer
preservar toda forma de vida e sua dignidade como valor fundamental a toda sociedade.
Em relação aos seres humanos, essa proteção, por claro, não deve se estender somente
aos seres nascidos, como também aos que ainda não nasceram; é o caso dos nascituros,
cuja proteção se encontra na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, o Código Civil de
2002, que em seu artigo 2º garante a proteção e a integridade, desde a concepção, dos
ainda não nascidos.
Assim, Alexandre de Moraes (2000, p. 61) destaca que “o direito à vida é o mais
fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito a existência e exercício
de todos os demais direitos. A Constituição Federal, é importante ressaltar, protege a vida
de forma geral, inclusive a uterina.” Dessa forma, a vida constitui-se enquanto princípio
basilar de proteção, uma vez que é essencial para o exercício de todos os outros direitos.
Há doutrinadores que apresentam tal direito sem a possibilidade de reservas,
destacando que o entendimento desse conceito deve ser amplo. Como afirma José Afonso
da Silva (1994, p. 182),
a vida humana de que trata a Constituição Federal, integra-se de elementos materiais
(físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais), sendo abrangente do direito à dignidade
da pessoa humana, do direito à privacidade, do direito à integridade físico-corporal, do
direito à integridade moral, e, especialmente, do direito à existência.
538
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Nesse sentido, a preservação e tudo o que envolve a proteção à vida se constitui
enquanto direito e garantia fundamental de todos, tanto dos seres humanos quanto das
demais formas de vida, conforme exposto nos artigos 225 e 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988.
3.1.1.2
Integridade física pessoal
Esse princípio encontra-se mais focado às possibilidades de intervenção em seres
humanos, devido às possíveis lesões físicas causadas por experimentações genéticas.
A aplicação de novas técnicas não plenamente pesquisadas, ou mesmo a intervenção
sem pesquisas conclusivas prévias, pode ter várias consequências negativas. Por isso, a
integridade física pessoal funciona como um grande limitador para aplicações de todo e
qualquer tipo de pesquisas e intervenções gênicas para preservar a integridade a todos. A
partir disso, Romeo Malanda destaca que
En efecto, una intervención genética, como puede ser el caso de una terapia génica,
puede causar al paciente consecuencias imprevistas (o previstas) para su salud, aunque
no llegue a ocasionarle la muerte, siendo el paciente, a estos efectos, tanto el ser humano
nacido como ser humano no nacido. [...] Este riesgo aumenta cuando se trata de técnicas
experimentales, pues en tales casos son totalmente desconocidos los efectos de dicha
actuación pueda producir en el sujeto objeto de experimentación (2006, p. 137).
Essa proteção deve ser extensiva a todo e qualquer momento da vida, ou seja,
desde a concepção até o último suspiro, sob pena de degradação da integridade e da
vida, ferindo outro princípio constitucional, qual seja, o da dignidade da pessoa humana.
Ligado a esse e digno de proteção, encontra-se o direito à saúde como meio essencial de
se evitar lesões.
3.1.2 Novos Bens Jurídicos em Relação às Pesquisas e Intervenções Genéticas
Para além dos chamados bens tradicionais, as intervenções sobre a estrutura da
vida trazida pelas novas tecnologias abrem várias reflexões de seu alcance e possibilidade,
impondo, também, a necessidade de consideração e ponderação de novos valores.
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539
3.1.2.1
Superveniência da espécie humana
As intervenções e manipulações genéticas podem produzir vários aspectos
significativos, desde os benéficos até a quebra do equilíbrio natural, desenvolvido
paulatinamente durante milhões de anos. A possibilidade de várias intervenções e
manipulações genéticas traz riscos não apenas à espécie humana como às demais. Nesse
sentido, Romeo Malanda (2006, p. 147) destaca que “la evolución tecnológica (no solo a
biotecnológica) ha venido acompañada del aumento de los riesgos, no ya únicamente para
parcelas aisladas de la población, sino incluso para la especie humana en su conjunto”.
Portanto, pelas possibilidades de desenvolvimento, pode o ser humano alterar
significativamente as estruturas vitais existentes, e isso possui duplo significado. Ao mesmo
tempo em que é capaz de alterar a natureza ao seu entorno, também é igualmente
capaz de alterar sua natureza. Detendo-se à modificação capaz da estrutura humana,
Malanda destaca que
La superveniencia de la especie humana debe ser entendida en un doble sentido. Por
un lado deben evitarse aquellas técnicas que pueden suponer, no tanto la desaparición
de la vida, sino su evolución no natural hacia outra especie distinta. Ello podría suceder
mediante la provocación artificial de modificaciones genéticas en el ser humano, de tal
forma que lleguen a sustituirse los caracteres próprios de la espécie humana por otros, que
quizás consigam que los nuevos seres se adapten mejor a las nuevas circunstancias, pero
que suponen la extinción de la especie humana tal e como se conoce em la actualidad. La
evolución natural es un elemento innato a la especie humana. Ahora, bien, la provocación
artificial de la evolución puede producir consecuencias desconocidas e imprevisisbles
para las cuales el hombre no se encuentra preparado (2006, p. 147).
Destaca-se, ainda, que a superveniência da espécie humana não acontece e não
poderá acontecer tomando-se em consideração o ser humano isolado no Planeta, uma
vez que cada vez mais se demonstra a ligação essencial entre todas as espécies. Dessa
forma, a diversidade genética e a preservação das demais formas de vida é essencial
para a manutenção da espécie humana. Portanto, atos atentatórios a essa diversidade
também devem ser considerados como atentatório à própria espécie humana. Esse ato
é importante para a coletividade do homem, sendo, portanto, um bem jurídico coletivo.
Nesse sentido, “la existencia del presente bien jurídico carece de toda duda pues con
él se pretende garantizar nada menos que la propria existencia de los seres humanos”
(ROMEO MALANDA, 2006, p. 151).
540
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3.1.2.2
Identidade genética enquanto digna de proteção
É por claro que na Constituição pátria do Brasil não há menção à proteção
à integridade genética como um bem-jurídico fundamental. No entanto, devido às
possibilidades atuais de suas alterações pelas novas biotecnologias, há a nascente e crescente
preocupação doutrinária, por parte do Direito e da ética, com sua consequente reflexão
filosófica, sobre tal proteção. Nesse sentido, enquanto proteção específica da identidade
genética humana, Romeo Malanda destaca que
En la actualidad puden encontrarse disposiciones que aparentemente apuntan en dicha
dirección. Así, la Declaración Universal Sobre el Genoma Humano y los Derechos
Humanos, de 11 de noviembre de 1887, estabelece en su art. 11 que “no deben permitirse
las prácticas que sean contrarias a la dignidad humana, como la clonación con fines de
reproducción de seres humanos [...]”. Igulamente, el art. 2b.) dice que la dignidad impone
el respeto a la unicidad de todos los indivíduos (2006, p. 163).
Por sua importância, a preservação da integridade genética deve estar elencada no
patamar de bem jurídico a ser preservado enquanto bem jurídico fundamental, mesmo
que não previsto constitucionalmente.
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541
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As considerações sobre biodireito, bioética e biossegurança, elencadas no decorrer
deste trabalho, não tiveram o intuito de serem conclusivas, porém a pretensão foi a de
iniciar um esboço de reflexão sobre tema tão amplo e cada vez mais relevante para as
relações sociais atuais.
A reflexão sobre as possibilidades desenvolvidas pelas ciências e tecnologias de
manipulação genética envolvem vários fatores práticos, éticos e legais, que, em última análise,
devem se entrelaçar no desenvolvimento das atividades científicas e biotecnológicas. Assim,
a reflexão (bio)ética encontra seu fundamento na problematização das técnicas aplicadas
e seus limites de atuação, principalmente sobre técnicas desenvolvidas pela biotecnologia,
e da aplicação das descobertas e dos produtos finais provindos de técnicas industriais. O
(bio)direito, por sua vez, preocupa-se com a regulação e os limites normativos e legais de
interferência nas estruturas essenciais e na aplicação das tecnologias em casos concretos,
partindo das preocupações sociais e das reflexões da bioética para formular preceitos normativos
fundamentais e mínimos para regular as práticas biotecnológicas na sociedade, sem deixar de
lado, porém, a universalidade característica do direito.
Essencial a esse entendimento é, portanto, a preservação de valores caros à sociedade
e passíveis de serem protegidos a nível constitucional. O primeiro valor, e o mais fundamental
entre eles, é o da dignidade da pessoa humana, centro e cerne do sistema normativo nacional,
que, por sua importância, é fundamento da República Federativa do Brasil, assim definido
na Constituição da República Federativa do Brasil de 1982. Ao lado desse, outros princípios
devem ser observados, tais como: a inviolabilidade da vida humana, a superveniência da
espécie humana e a integridade genética. Esses dois últimos não previstos constitucionalmente,
mas por sua importância, a proteção deve a eles ser estendida devido às vastas possibilidades
alcanças pela atualmente pela biotecnologia.
Nesse sentido, é relevante a contribuição de Hans Jonas quanto à proposta e à
observação do Princípio Responsabilidade nas atividades científicas e biotecnológicas,
embasando as ações tecnológicas e apresentando fundamentos éticos de ação. Ao encontro
dessa proposta, é essencial a compreensão da necessidade da preservação das estruturas
essências, tanto às presentes quanto às futuras gerações. Reflexão esta que vai de encontro ao
previsto constitucionalmente no artigo 225, guarnecendo que o meio ambiente equilibrado
é um bem da presente e das futuras gerações e digno de preservação. Entendimento o qual
deve se estender também ao cuidado com a integridade genética.
Portanto, a biotecnologia, a bioética e o biodireito, em sua ação, devem levar em
consideração os valores expostos acima. Dessa forma, a construção de uma sociedade eticamente
responsável passa pelo conhecimento complexo, ou seja, pelo diálogo interdisciplinar entre
as diversas áreas do saber, levando em consideração a realidade que a envolve e o conjunto
de conhecimentos, uma vez que o desenvolvimento científico ultrapassa a fronteira individual
e atinge a sociedade como um todo, exigindo, portanto, respostas múltiplas, albergando as
riquezas do pensamento humano como um todo.
542
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
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544
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
INICIAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL – PERÍODO DE 2001 A 2010
Nathalia Johanna Greidanus*
Cleonice Bastos Pompermayer**
RESUMO
O presente artigo propôs buscar informações sobre a iniciação científica desenvolvida
no Brasil entre os anos de 2001 a 2010, traçando como objetivo geral apresentar o
perfil da iniciação científica no Brasil nesse período especificado. A pesquisa parte de
uma análise histórica sobre iniciação científica, conceitos de pesquisa, conceitos de
bolsa e de auxílio e, por fim, uma análise dos dados extraídos do site do CNPq para
analisar a evolução da iniciação científica no Brasil ao longo da década analisada. A
metodologia desenvolvida tem como ponto de partida o referencial teórico sobre
o histórico da iniciação científica e definição de variáveis a serem analisadas, tais
como: número de bolsas, modalidades de pesquisa e nível de investimento. As
variáveis definidas serviram de base de dados para o desenvolvimento de análises,
possibilitando, dessa forma, uma compreensão sobre a evolução da iniciação
científica. Como resultado, tornou-se possível identificar que, embora a iniciação
científica apresente um grau de relevância em relação às demais modalidades de
pesquisa, seu crescimento apresenta-se pouco significativo no tocante ao número
de bolsas concedidas e níveis de investimento, além de uma significativa predileção
por determinadas áreas do conhecimento.
Palavras-chave: Pesquisa. Iniciação Científica. Bolsa de pesquisa. Investimento.
*
Aluna do 3º ano de Administração, da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à
Iniciação Científica (PAIC 2011-2012). E-mail: [email protected]
**
Doutora em Engenharia da Produção (UFSC). Professora de graduação e pós-graduação da FAE
Centro Universitário. Coordenadora do Núcleo de Pesquisa Acadêmica da FAE Centro Universitário.
E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
545
INTRODUÇÃO
A ciência e a tecnologia, como já se sabe, é uma das chaves para o sucesso no
crescimento e desenvolvimento de uma sociedade ou nação. A ciência é o estudo rigoroso
de um objeto, dentro de uma norma ou método científico; e a tecnologia, termo originado
do grego que significa estudo da técnica, arte, ofício, é o conhecimento técnico e científico,
e suas ferramentas são os processos e materiais utilizados a partir de tal conhecimento. Em
termos econômicos, a tecnologia é o emprego do conhecimento para combinar recursos
e produzir algo desejado.
A pesquisa científica é um dos meios de se atingir a ciência e a tecnologia. Para
autores como Gil (2002) é um procedimento racional sistemático que tem como objetivo
proporcionar respostas aos problemas formulados. A pesquisa é muito importante
quando não se tem muita informação sobre o objeto a ser estudado, ou as informações
são desconexas. Outros autores, como Ludke e André (1986), citam que ao se fazer
uma pesquisa é preciso que haja um confronto de dados entre evidências e informações
coletadas sobre um determinado assunto, além do conhecimento teórico sobre ele,
que muitas das vezes ocorre a continuidade de uma pesquisa já iniciada por outros
pesquisadores. Azevedo (1999) diz que é importante que a pesquisa tenha um tema
suficientemente importante, que tenha relevância científica e social, para que possa ser
explorada posteriormente. Santos (1999) comenta que existem três grandes beneficiários
com a pesquisa: sociedade, ciência e escola.
De acordo com os autores mencionados, é possível refletir sobre a influência que
o Estado tem sobre o desenvolvimento, incentivo e investimento da ciência e tecnologia.
Além desses fatores externos, para se realizar uma pesquisa exige-se rigor, tempo e recursos
dos mais variados tipos, como o humano e o financeiro. Além disso, é um processo que
demanda paciência também aos que estão investindo, pois os resultados são vistos,
observados num longo prazo, já que esse processo é gradual e fragmentado, a fim de que
se chegue à compreensão do todo.
Partindo-se da importância da pesquisa e seu papel na sociedade, tornam-se
necessários estudos, incentivos e acompanhamentos sobre o seu desenvolvimento nas
esferas educacionais e governamentais. Esse acompanhamento pode se dar por meio de
investigações constantes sobre as ações e políticas empreendidas por esses segmentos.
O presente artigo se propôs buscar informações sobre a iniciação científica
desenvolvida no Brasil entre os anos 2001 a 2010. Diante do exposto, a questão central
deste artigo é apresentar o perfil da pesquisa científica desenvolvida no Brasil na última
década, e observar a evolução da iniciação científica no âmbito da pesquisa. Para tanto, o
546
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
objetivo geral concentra-se em apresentar o perfil e características da iniciação científica
no Brasil no período de 2001 a 2010.
Para o desenvolvimento, foram traçados os seguintes objetivos: contextualizar
a origem da iniciação científica no Brasil, identificar a evolução da iniciação científica
segundo modalidades de pesquisa e investimentos, e avaliar a representatividade
da iniciação científica em relação a outras modalidades de pesquisas realizadas por
programas de fomento.
A metodologia adotada partiu de uma pesquisa exploratória, com pesquisa
bibliográfica em livros relacionados à temática proposta, bem como em publicações
periódicas, artigos científicos, principalmente da base Scientific Electronic Library Online
(ScIELO), e em pesquisa documental, retirados de sítios eletrônicos, como o do órgão de
fomento CNPq e Fundação Araucária.
Após a análise das variáveis a serem estudadas, os dados referentes a elas foram
coletados e extraídos junto a um dos principais órgãos de fomento, o CNPq. A técnica
utilizada para realização da análise foi por meio de uma abordagem vertical e horizontal
na série histórica de 2001 a 2010, relacionada ao número de bolsas de iniciação científica,
na modalidade de pesquisa e investimentos em pesquisa.
O artigo encontra-se estruturado na seguinte série: contexto histórico, conceitos
de pesquisa, conceito de bolsa-auxílio, evolução da iniciação científica (IC) no Brasil e
análise dos dados levantados e, finalmente, as considerações finais.
1
CONTEXTO HISTÓRICO
Na década de 1940, já havia práticas de atividades entre professores e alunos de
pesquisa acadêmica (BARIANI, 1998), porém a sua institucionalização se deu a partir da
década de 1950, quando foi criado o CNPq, o qual criou o programa de iniciação científica,
concedendo bolsas anuais para fomentar a pesquisa na graduação.
A Iniciação Científica (IC) como atividade universitária institucionalizada foi uma
reprodução de modelos estrangeiros “Para criar o programa de Iniciação Científica, as
universidades brasileiras foram buscar inspiração nos países que já tinham uma atividade
científica institucionalizada: Estados Unidos e França.” (BAZIN, 1983, p. 82). Por
consequência, surgiu a Iniciação Científica no Brasil, a qual, desde sua implantação, se
tornou algo seletivo, elitista e limitado desde sua criação, destinado a uma pequena parcela
dos alunos do Ensino Superior.
Para que houvesse um efetivo financiamento das atividades de IC, as universidades
conseguiram apoio na Lei da Reforma Universitária de 1968 (Art. 2º, da Lei nº 5.540, de
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
547
28/11/1968), a qual determinou o “princípio da indissociabilidade ensino-pesquisa” como
uma “norma disciplinadora do ensino superior” (MALDONADO, 1998). E, em 1988, foi
incorporada à nova Constituição brasileira essa associação entre pesquisa e ensino, o
que pode proporcionar um pouco mais de visibilidade e volume de investimento à
modalidade de pesquisa.
Nesse novo cenário da pesquisa para universitários, em 1988 foi criado pelo CNPq
o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC). O programa traçou
alguns objetivos principais como:
•Avaliação da IC como atividade de formação do universitário;
•Avaliação do PIBIC com relação aos objetivos almejados pelo programa;
•Caracterização de algumas particularidades do desenvolvimento da atividade de IC.
De acordo com dados do CNPq (BRASIL, 2010), o aumento de bolsas concedidas
para o programa de IC tem sido expressivo desde a sua implementação até os dias atuais.
Massi e Queiroz (apud MARTINS; MARTINS, 1999) definem a década de 1990 como a
fase de valorização da modalidade IC, “período da IC”, na qual houve maior investimento
por parte do Estado para a pesquisa.
Luciana Massi, em sua tese de doutorado, mostrou que estudos comprovam que a IC
tem tido cada vez mais influência na formação educacional, e esses dados são confirmados
pelos autores Aragón, Martins e Velloso (1999), em uma pesquisa encomendada pelo CNPq.
Nessa pesquisa foi possível constatar que um ex-aluno bolsista do PIBIC tem seis vezes
mais chance de iniciar uma pós-graduação do que um graduado não bolsista. Isso porque
“3 em cada 10 bolsistas PIBIC chegam ao mestrado [...] o prazo médio de transição entre
a conclusão da graduação e o ingresso no mestrado, para um ex-bolsista PIBIC, é de 1,2
ano”, enquanto para os não bolsistas chega a 6,8 anos em média (ARAGÓN; MARTINS;
VELLOSO, 1999), ratifica Massi.
Apesar de nos últimos anos ter sido crescente o número de bolsas concedidas para a
IC, nos últimos cinco anos houve uma estabilização, mantendo uma média de participação
de 12% com relação às demais modalidades de pesquisa científica (CNPq, 2010).
A Iniciação Científica está inserida no conjunto da Ciência e Tecnologia de uma
determinada nação, e para entender melhor como a posição dessa modalidade no rol
de desenvolvimento de um país, é preciso, primeiramente, analisar o contexto histórico.
Um estudo realizado nos anos 1980 por Eduardo M. Krieger e Fernando Galembeck
mostrou que o Brasil não estava preparado para um investimento massivo em pesquisa,
tampouco se observou a necessidade do desenvolvimento da pesquisa. Desde o início
da implantação da iniciação científica, o comprometimento do governo com a pesquisa
548
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
tem sido pequeno, lento e muito elitizado em comparação a outros países, nos quais, por
exemplo, alinham a pesquisa à prática concomitantemente desde a graduação (BAZIN, 1983).
Historicamente, pode-se notar que o governo brasileiro, maior investidor em
pesquisa, não se preocupou com esse assunto. Nos anos 1930, com o governo de Getúlio
Vargas, houve importação e não a criação de tecnologia no Brasil, o que estimulou apenas
a formação de recursos humanos treinados para a reprodução e manuseio das novas
técnicas, e não um desenvolvimento de novas técnicas, novos meios.
Com o Golpe de 1964, houve uma separação do setor acadêmico do setor
econômico, o que aprofundou ainda mais a situação. Segundo Krieger e Galembeck,
SCHWARTZMAN(1995), verificou-se que:
- perenidade de um conflito estéril de interesses entre os defensores da “pesquisa básica” e
os da “pesquisa aplicada”, ignorando a dependência inerente entre ambas e a necessidade
de atividade simultânea entre elas.
- a ausência de argumentos de rejeição mútua, entre profissionais e pesquisadores
universitários; sociedades científicas e sociedades profissionais são corpos distintos, que
não interagem entre si, com exceção de alguns casos notáveis.
- a existência de argumentos de rejeição mútua, entre profissionais de empresas e
pesquisadores universitários, embora tenham todos a mesma origem – a universidade.
Ainda hoje não houve uma mudança radical no pensamento, apesar de
números apontarem um maior investimento brasileiro no âmbito da pesquisa Krieger
e Galembeck (1996).
Como a iniciação científica é a porta de entrada para iniciar um jovem nos ritos,
técnicas e tradições da ciência, este programa foi instituído dentro das universidades
brasileiras como uma atividade desempenhada na graduação, com a orientação de um
docente. Além do CNPq, existem também as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs),
que também financiam a IC.
Mesmo com um aumento no número de bolsas para a iniciação científica nas últimas
décadas, ainda não são suficientes para o número de estudantes na graduação. Conforme
a com a tabela abaixo, pode-se notar que as quantidades ofertadas são consideravelmente
pequenas, bem como distribuídas de forma desigual. Isso, todavia, impossibilita que os
alunos de graduação obtenham a experiência com pesquisa científica.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
549
TABELA 1 – Número de bolsas segundo região
REGIÃO
ANO
NORTE
NORDESTE
SUDESTE
SUL
CENTROOESTE
TOTAIS
2001
796
3.842
9.091
3.644
1.404
18.778
2002
775
3.725
9.095
3.892
1.377
18.864
2003
784
3.421
8.923
3.758
1.352
18.237
2004
820
3.595
9.589
3.717
1.535
19.255
2005
850
3.884
9.774
3.745
1.658
19.912
2006
980
4.174
9.957
3.790
1.802
20.703
2007
1.050
4.313
10.033
3.839
1.786
21.022
2008
1.157
4.602
10.413
4.020
1.826
22.018
2009
1.320
5.131
11.266
4.447
2.031
24.195
2010
1.604
6.348
15.359
5.143
2.370
30.823
TOTAIS
10.135
43.033
103.502
39.997
17.140
213.807
FONTE: CNPq/AEI. Adaptação dos dados do período 2001 a 2010 feito pelos autores. (2012)
2
CONCEITOS DE PESQUISA
Para se esclarecer sobre os conceitos de pesquisa, buscou-se entender os dois
tipos de conhecimento que existem: o conhecimento com base em dados empíricos, por
dedução, baseado em imitação e transmitido de maneira informal; e o científico embasado,
ou seja, é um pensamento treinado, regido pela razão, conduzido de forma racional. O
que diferencia um conhecimento um do outro não é seu conteúdo nem o objeto, mas sim
a forma como ele é adquirido, o método que é utilizado para cada um.
Há ainda outros dois tipos de conhecimento: o filosófico e o religioso. O
filosófico é baseado essencialmente em hipóteses, é racional, vem da experiência, sendo
fundamentalmente racional – já que seu aprofundamento é baseado em lógica e não em
métodos empíricos. Por fim, o conhecimento religioso é um conhecimento que também
se caracteriza pelo modo valorativo, vem por intermédio da inspiração, sendo regido,
necessariamente, por doutrinas. Seu conhecimento não é verificado, e é aceito pela fé.
Por sua vez, a ciência é a sistematização dos conhecimentos “um conjunto de
proposições logicamente correlacionadas sobre o comportamento de certos fenômenos
que se deseja estudar” (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 80).
550
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
3
ORGÃOS DE FOMENTO À PESQUISA
Para tornar a pesquisa viável, são necessários veículos que fomentem os processos,
para que possa ser realizada a pesquisa. Segundo o site das Fundações e Entidades de
Amparo a Pesquisa (FAPs), “As agências de fomento têm como objeto social a concessão
de financiamento de capital fixo e de giro associado a projetos na Unidade da Federação
onde tenham sede”, com o intuito de desenvolver e melhorar o País.
No Brasil, atualmente, conta-se com órgãos federais, estaduais, e privados. Para os
institutos federais conta-se com:
• ANP – Agência Nacional do Petróleo;
• Capes – Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior;
• CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico;
• Finep – Financiadora de Estudos e Projetos;
• MRE – Bolsas de Pós-Graduação para estudantes Estrangeiros (PEC-PG);
• Pronex – Programa de Apoio a Núcleos de Excelência;
• Prossiga – Programa de Informação e Comunicação para Pesquisa.
Nos estados brasileiros conta-se, principalmente, com as FAPs. O Brasil dispõe,
em quase todos os estados, uma FAP para fomento próprio à pesquisa local, somando no
total 23 agências.
Como alguns exemplos, as principais agências são:
1. Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo;
2. Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
do Paraná;
3. Facepe – Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco;
4. FAP-DF – Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal;
5. Fapemig – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais;
6. Fapergs – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul;
7. Faperj – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do
Rio de Janeiro;
8. Funcitec – Fundação de Ciência e Tecnologia do Estado de Santa Catarina.
Os órgãos de fomento à pesquisa têm como diretriz propiciar aos mais jovens a
experiência no universo da pesquisa científica, como, por exemplo, a iniciação científica;
e aos pesquisadores por profissão, mestre e doutores, um canal que viabiliza e oportuniza
produção de mais conhecimento e informação.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
551
O objetivo essencial dos órgãos de fomento é de oferecer condições para se realizar
pesquisa, principalmente relevância para o desenvolvimento econômico, cultural e social
da sociedade. Visa, sobretudo, à inovação tecnológica do setor produtivo, ao intercâmbio
e à divulgação científica, tecnológica e cultural; além de estimular a formação de recursos
humanos, o fortalecimento e a expansão da infraestrutura de pesquisa no Estado.
Os recursos financeiros custeiam projetos de pesquisa científica e tecnológica, e
são advindos, principalmente, dos tributos das receitas estaduais. Nos sites das FAPs do
estado de São Paulo e Paraná, divulga-se que os investimentos são de, aproximadamente,
1% e 2%, respectivamente.
4
CONCEITO DE BOLSA-AUXÍLIO
A bolsa (mensalidade) e os auxílios são os meios mais tradicionais de se amparar
a pesquisa científica. São concedidos por meio de acordo com o tipo de pesquisa a ser
realizada, seja ela iniciação científica ou pós-graduação. Concedidos em circunstâncias
normais por período de um ano, não sendo permitido um período menor que seis meses
para a concessão de bolsas pelo CNPq.
A bolsa para iniciação científica, por exemplo, pode ser renovável após uma análise
do desempenho do bolsista e de seu histórico escolar; já para o mestrado, o período de
sustento a pesquisa é de 24 meses, assim como para as demais modalidades com seus critérios.
Além da concessão de bolsas, o CNPq, assim como outras fundações de amparo
à pesquisa, proporciona auxílio à pesquisa como detalhado no site do próprio CNPq:
participação em eventos e congressos científicos, editoração de revistas cientificas.
O quadro abaixo mostra a relação que é feita, para a concessão de bolsas de
pesquisa científica, dados coletados e adaptados do site do CNPq.
552
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
QUADRO 1– Critério de concessão de bolsas e auxílios / CNPq
Bolsas no País
Graduação
MODALIDADE
FINALIDADE
BENEFÍCIOS
Despertar vocação
científica e incentivar
talentos potenciais entre
estudantes de graduação
Iniciação Científica - IC
Mensalidade
universitária, mediante
participação em projeto de
pesquisa, e orientados por
pesquisador qualificado.
DURAÇÃO
MENSALIDADE
Até 12 meses
ao estudante,
renovável,
sucessivamente,
R$360,00
por tempo
indeterminado
à entidade
parceira.
Pós-graduação
MODALIDADE
FINALIDADE
BENEFÍCIOS
DURAÇÃO
MENSALIDADE
Mestrado - GM
Apoiar a formação de
recursos humanos no
âmbito de pós-graduação.
Mensalidade
Até 24 meses
ao estudante,
improrrogáveis.
R$1.200,00
Doutorado Pleno - GD
Apoiar a formação de
recursos humanos no
âmbito de pós-graduação.
Mensalidade
Até 48 meses
ao estudante,
improrrogáveis.
R$1.800,00
FONTE: CNPq/AEI. Adaptado pelos autores (2012)
5
A EVOLUÇÃO DA INICIAÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL
Para melhor compreensão sobre o comportamento da IC no Brasil, o item a seguir
apresenta seu comportamento evolutivo no período analisado.
Para tanto, considera-se o número de bolsas destinadas à pesquisa no Brasil segundo
modalidade de pesquisa e investimentos em iniciação científica, estimados em reais, e o
número de bolsas segundo grande área do conhecimento e investimentos nas grandes áreas.
5.1
ANÁLISE POR MODALIDADE DE PESQUISA
A análise dos dados a seguir foi feita a partir de duas variáveis: número de bolsas
por modalidade de pesquisa, e investimento, em reais, segundo modalidades de pesquisa.
Tomado por esse pressuposto, verifica-se a evolução das modalidades de pesquisa no
período de 2001 a 2010 sob uma análise vertical e outra horizontal.
Em uma análise ano a ano, para cada modalidade de pesquisa, observa-se que a
evolução da concessão de bolsas de IC é superior às demais, contudo seu número não
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
553
aumentou, sendo que nos últimos dez anos caiu 23%, enquanto para o doutorado 18%,
e o mestrado apresentou média de 13% ao longo da década.
A representatividade e a importância quanto ao número de bolsas concedidas para
IC em 2001 mostra-se considerável – 223% superior ao volume de bolsas para doutorado
e mestrado, e 31% a mais do número de bolsas que é fornecido para o agrupamento das
demais modalidades de pesquisa, o que revela a importância da IC para o CNPq.
Para o ano de 2010, mesmo com uma queda no número de bolsas proporcionadas
para a IC com relação às demais modalidades, o volume de bolsas continuou superior
às quantidades proporcionadas ao doutorado e mestrado, sendo de 209% e 223%,
respectivamente, conforme a tabela 1 a seguir:
TABELA 1 – Número de Bolsas segundo modalidade de pesquisa
MODALIDADES DE PESQUISA
ANO
INICIAÇÃO
CIENTÍFICA
DOUTORADO
MESTRADO
DEMAIS
TOTAIS
MODALIDADES
2001
42%
13%
13%
32%
100%
2002
42%
13%
12%
34%
100%
2003
39%
13%
13%
35%
100%
2004
38%
12%
13%
37%
100%
2005
38%
13%
14%
35%
100%
2006
37%
13%
14%
36%
100%
2007
35%
13%
14%
39%
100%
2008
35%
13%
14%
38%
100%
2009
35%
12%
15%
38%
100%
2010
34%
11%
13%
41%
100%
FONTE: CNPq/AEI. Adaptado pelos autores (2012)
Do ponto de vista de investimentos monetários, a IC, com relação às demais
modalidades de pesquisa, apresentou uma média de 12% ao longo do período; o doutorado
apresentou uma média de 24%; o mestrado, 14%; e as demais modalidades agrupadas,
50% do total.
Em uma análise vertical, houve um decréscimo nos investimentos de 2% para a
iniciação científica; um aumento de 3% para o doutorado; o mestrado aumentou 1%;
e as demais modalidades os investimento caíram 2%, analisando apenas o primeiro e o
último ano do período.
Fazendo uma comparação entre os investimentos médios, relativos ao período
estudado, com relação à IC e ao doutorado há uma diferença significativa de -50% para
554
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
IC; e observando o IC e o mestrado, nota-se uma diferença de 14%, conforme mostra a
tabela 2, logo abaixo.
TABELA 2 – Investimentos na Modalidade de Iniciação Científica
MODALIDADES DE PESQUISA
ANO
INICIAÇÃO
CIENTÍFICA
DOUTORADO
MESTRADO
DEMAIS
MODALIDADES
TOTAIS
2001
15%
21%
14%
50%
100%
2002
14%
20%
13%
53%
100%
2003
12%
22%
12%
53%
100%
2004
10%
23%
13%
53%
100%
2005
11%
24%
13%
52%
100%
2006
12%
25%
14%
49%
100%
2007
11%
25%
14%
50%
100%
2008
11%
26%
16%
47%
100%
2009
10%
27%
18%
45%
100%
2010
13%
24%
15%
48%
100%
FONTE: CNPq/AEI. Adaptado pelos autores (2012)
Pode-se afirmar que essa diferença negativa apresentada anteriormente se dê
devido ao valor unitário da bolsa de IC ser bastante inferior às de doutorado e mestrado,
conforme pôde ser visto no quadro 1, apresentado anteriormente no item 4.
5.2 ANÁLISE POR GRANDE ÁREA DO CONHECIMENTO
Um aspecto importante a ser considerado quanto ao estudo de evolução ao estudo
em pesquisa refere-se à distribuição da mesma em relação às áreas de conhecimento, uma
vez que essa distribuição evidencia as prioridades determinadas em políticas econômicas
e educacionais.
A análise dos dados a seguir foi desenvolvida com os dados da iniciação científica
a partir de duas variáveis: número de bolsas, e investimento, em reais, segundo as grandes
áreas do conhecimento. Tomado por esse pressuposto, verifica-se na tabela abaixo a
evolução das grandes áreas do conhecimento no período de 2001 a 2010 sob uma análise
vertical e outra horizontal.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
555
TABELA 3 – Número de bolsas de IC segundo grandes áreas do conhecimento
GRANDE ÁREA DO CONHECIMENTO
Ciências
Linguística Ciências
Sociais
Letras Artes Agrárias
Aplicadas
Ciências Ciências
TOTAIS
Engeda
Exata e
Outros
nharias
Saúde da Terra
ANO
Ciências
Humanas
2001
15%
7%
5%
17%
17%
13%
13%
14%
0%
100%
2002
15%
8%
4%
13%
18%
13%
13%
16%
0%
100%
2003
15%
8%
5%
13%
18%
13%
14%
16%
0%
100%
2004
15%
7%
5%
13%
17%
12%
15%
15%
0%
100%
2005
14%
7%
5%
14%
17%
13%
15%
15%
1%
100%
2006
14%
7%
5%
14%
17%
14%
14%
14%
1%
100%
2007
14%
7%
5%
14%
17%
14%
14%
14%
1%
100%
2008
14%
7%
4%
14%
17%
14%
14%
14%
1%
100%
2009
14%
7%
5%
14%
17%
14%
15%
13%
1%
100%
2010
13%
6%
4%
13%
14%
13%
24%
12%
1%
100%
Ciências
Bioló-gicas
FONTE: CNPq/AEI. Adaptado pelos autores (2012)
Para melhor entendimento dos dados, foram criados dois agrupamentos,
classificando grupo I as áreas mais beneficiadas pelo CNPq, e o grupo II são as menos
favorecidas.
O grupo I é composto pelas áreas de: Ciências Humanas, Ciências Agrárias, Ciências
Biológicas, Ciência da Saúde, Ciências Exatas e da Terra, e Engenharias, com percentuais
do número de bolsas concedidas à IC variando de 17% a 13%. Já o grupo II é composto
pelas áreas de Ciências Sociais e Aplicadas; Linguística, Letras e Artes; e outros, com
percentuais variando de 8% a 0%.
Examinando e comparando o grupo I com relação ao grupo II, pode-se perceber
um volume bastante superior, 257% a mais para o grupo I.
Analisando isoladamente as áreas de conhecimento que possuem uma média de,
aproximadamente, 17% em relação às áreas de Linguística, Letras e Artes – média de 4,5%,
nota-se essa desarmonia, que chega a ser 273% superior às Ciências Biológicas.
Para a tabela de investimentos em IC segundo as grandes áreas de conhecimento
(TAB 4), partiu-se também da classificação em grupos, como explicado anteriormente.
556
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
TABELA 4 – Investimentos em IC Segundo Grande Área do Conhecimento
GRANDE ÁREA DO CONHECIMENTO
Ciências
Humanas
Ciências
Sociais
Aplicadas
Ciências
Exatas e
da Terra
Engenharias
Outros
2001
11%
6%
3%
13%
17%
8%
17%
24%
0%
100%
2002
12%
7%
3%
14%
2003
12%
6%
3%
14%
16%
8%
16%
23%
1%
100%
18%
8%
16%
21%
2%
100%
2004
11%
5%
3%
12%
16%
8%
17%
21%
7%
100%
2005
11%
5%
2006
11%
5%
3%
13%
18%
10%
18%
20%
4%
100%
3%
12%
18%
11%
16%
20%
4%
100%
2007
9%
4%
2%
12%
18%
10%
17%
20%
8%
100%
2008
9%
5%
3%
14%
19%
11%
17%
18%
5%
100%
2009
9%
4%
2%
17%
18%
10%
16%
18%
6%
100%
2010
9%
5%
2%
16%
18%
11%
17%
18%
5%
100%
ANO
Linguística, Ciências
Letras Artes Agrárias
Ciências Ciências
Biolóda
gicas
Saúde
TOTAIS
FONTE: CNPq/AEI. Adaptação dos dados do período 2001 a 2010 feito pelos autores. (2012)
O grupo I contou com percentuais de bolsas concedidos à IC para as ciências
variando de 17% a 9%; e o grupo II com percentuais variando de 5% a 4% dos investimentos
totais para a modalidade de IC.
Pode-se notar uma diferença percentual de 263% do grupo I com relação ao grupo
II, o que significa 263% a mais de investimentos para o grupo I.
Analisando isoladamente as áreas de conhecimento de Ciências Biológicas – a
mais favorecida de todas as áreas com aproximadamente 17% em média – em relação a
área de Linguística, Letras e Artes – com 2,7% em média –, pode-se notar ainda mais a
discrepância vista na análise de concessão de bolsas por áreas do conhecimento, que chega
a ser de 529% superior para as Ciências Biológicas, como pode ser observado na tabela.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
557
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tomando-se as etapas e as análises do tema estudado, torna-se possível tecer alguns
comentários sobre a importância que a modalidade IC tem para a pesquisa no Brasil, sua
representatividade apresenta-se superior às demais modalidades de pesquisa praticadas
no sistema de pesquisa brasileiro, tais como mestrado e o doutorado.
Outro fator relevante e informativo é o de que a distribuição das bolsas de IC se
dá de forma heterogênea entre as regiões brasileiras, destacando-se, em primeiro lugar, o
Sudeste; em seguida, o Nordeste, ficando em terceira posição o Sul.
Outro fator preponderante trata-se da prioridade às áreas de conhecimento nas
quais se pôde observar destacada participação das Ciências Biológicas, seguidas das Ciências
Agrárias, Ciências Exatas e da Terra e Engenharias.
No tocante aos investimentos totais, os dados também demonstraram a importância
da IC em relação às demais modalidades desenvolvidas, fator fundamental para a educação
brasileira na busca da capacitação e produção do conhecimento.
É possível apontar também outro aspecto importante no desenvolvimento da
pesquisa, ou seja, a caracterização entre a percepção sobre a pesquisa auferida por meio
de leitura e pesquisa bibliográfica, bem como os indicadores quantitativos informados nos
órgãos responsáveis pela pesquisa no Brasil.
558
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
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560
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
PERFIL DE ESTUDANTES DE GRADUAÇÃO NA MODALIDADE A
DISTÂNCIA EM CURSOS BASEADOS NA WEB
Marta Costa Vaz*
Carlos Roberto de Oliveira de Almeida Santos**
RESUMO
O presente artigo trata de um estudo sobre as condições necessárias para que o
estudante na modalidade a distância alcance bom êxito no processo de ensinoaprendizagem. Além de revisar a literatura sobre a educação a distância, baseia-se nas
teorias pedagógicas, consulta a História e analisa dados de questionário anteriormente
aplicado aos alunos ingressantes nos cursos on-line da instituição de ensino mantenedora
da FAE. Por considerar que a modalidade a distância está inserida no contexto dos
paradigmas educacionais como propulsor de reflexões sobre todo o sistema e teorias
da educação, buscou-se demonstrar a oportunidade presente nessa modalidade para
um aprofundamento dessas reflexões. Os pressupostos adotados levam a crer que o
sucesso dos alunos bem como o perfil ideal para o bom desempenho na aprendizagem
está intimamente ligado à uma postura inovadora e democrática para a educação. A
história da educação a distância e as teorias pedagógicas foram revistas com o intuito
de trazer a tona aspectos que sejam comuns na evolução desses campos entre si e com
o principal objeto de estudo. A análise dos dados, levantados em pesquisa documental,
foi centrada no estilo de vida que melhor se ajusta aos critérios indicados para o perfil
do aluno bem sucedido em cursos de graduação baseados na web. A pontuação
alcançada pelos respondentes permite evidenciar a aptidão dos alunos para o bom
desempenho em atividades educativas na plataforma web.
Palavras-chave: Educação a distância. Competências. Ensino-aprendizagem.
*Aluna do 4° ano de Pedagogia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011 - 2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]
**Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da
FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected]
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
561
INTRODUÇÃO
O Plano Nacional de Educação (PNE), atualmente em vigência, contempla entre
suas propostas, mecanismos legais para formação profissional e à promoção humanística,
científica e tecnológica do País, bem como o aprimoramento da qualidade da educação.
Ao propor modalidades de ensino, uma em especial, a Educação a Distância e
Tecnologias Educacionais, o PNE indica que, não somente o docente ou os modelos
de gestão, mas também o discente/aprendiz, principal foco da educação, possua perfil
diferenciado em relação à educação tradicional e conservadora.
É desafiante fugir do paradigma atual, em que professor e aluno ocupam o
mesmo espaço e tempo. O desafio é fazer educação sem a presencialidade de ambos
simultaneamente. Cita-se o Artigo 1º do Decreto nº 5.622/2005, no qual a Educação a
Distância caracteriza-se como
modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de
ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação
e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em
lugares ou tempos diversos.
Mas como estimular o desenvolvimento de habilidades e competências por parte
do aluno para que ele obtenha sucesso em cursos modelados na plataforma web?
A investigação dessa questão poderá, por meio de sua divulgação, contribuir para
o aprimoramento de metodologias nas quais o aluno, ao cursar disciplinas a distância,
possa cumprir ao máximo os objetivos pedagógicos definidos.
O grande desafio em levantar o perfil adequado para a aprendizagem online
está em identificar as habilidades, atitudes e competências que o aluno deverá possuir
para obter sucesso em cursos a distância oferecidos via web. Um dos grandes problemas
enfrentados nessa modalidade é a evasão escolar, por diversas razões. Os argumentos mais
contundentes para a desistência variam desde a falta de tempo para dedicar-se aos estudos
até a ausência de assistência por parte do corpo docente.
Autores especialistas como Palloff e Pratt (2004) indicam propostas de pesquisa
para levantamento das habilidades, atitudes e competências em cursos online.
562
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
1 PANORAMA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
À medida que as tecnologias mediadoras da informação e da comunicação se
desenvolvem, transformam a educação a distância, que vem se aperfeiçoando e se
especializando tanto em formatos quanto em metodologias.
Os investimentos na modalidade de ensino a distância para 2011, segundo os dados
publicados no censo EaD-Br de 2010, realizado pela Associação Brasileira de Educação a
Distância (Abed) mostram crescimento para os cursos autorizados, com foco especialmente
na ampliação da oferta de cursos. (ABED, 2011, p.15).
Segundo Moore (2007, p.25) a primeira geração da educação a distância, seria
“quando o meio de comunicação era o texto, e a instrução por correspondência”. Com
o desenvolvimento de tecnologias, como as aplicadas às redes ferroviárias que facilitaram
a distribuição de correspondência, iniciou-se nos Estados Unidos, em 1880 a expansão
dessa modalidade. Os cursos ofertados podiam conceder graus de bacharel ou vocacionais,
sendo estes últimos cursos do tipo que atualmente classificaríamos como sem crédito.
Tempos depois a rejeição de um projeto para cursos acadêmicos, que beneficiariam
trabalhadores na Inglaterra, levou aos Estados Unidos o seu defensor, o pastor Richard
Mouton. O pastor, junto com outro teólogo, criou cursos universitários, iniciando-se assim
uma prática replicada em diversas instituições e níveis de ensino.
No Brasil o ensino a distância é praticado desde 1904. Inicialmente com o uso
do Sistema de Correios para envio de material impresso mais tarde, aproveitando-se da
tecnologia da radiofonia, gravação em vinil e cassete, e televisão, chegando à atualidade, em
que as diversas tecnologias permitem variadas combinações e recursos para a aprendizagem.
De acordo com ALVES (2011) não há notícia das primeiras experiências com
educação a distância antes do século XX no País.
Segundo a retrospectiva histórica da EaD em Maia e Mattar (2007, p.24-25) o
primeiro registro de curso por correspondência consta na página de classificados do Jornal
do Brasil em 1904, na forma de um anúncio, oferecendo instrução profissionalizante em
datilografia.Com a difusão radiofônica, novos cursos via rádio foram ofertados em 1923, e,
em 1934, além do rádio, somou-se o recurso da correspondência e do material impresso.
Em 1939, tem-se nova iniciativa com o surgimento do Instituto Monitor oferecendo
sistematicamente cursos profissionalizantes por correspondência. Em 1941 foi criado o
Instituto Universal Brasileiro que atendeu a milhões de alunos em cursos abertos e atua
até hoje. O Senac iniciou como patrocinador de cursos a distância em 1947 e ainda atua
na área.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
563
Maia e Mattar (2007) relatam que a partir da década de 1990, Instituições de Ensino
Superior (IES) começaram a desenvolver cursos a distância baseados nas novas tecnologias
de informação e comunicação. Em 1996 surgem as bases legais para a modalidade de
educação a distância na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96
(LDB/96), e é criada a Secretaria de Educação a Distância (SEED) pelo MEC, e o Programa
TV Escola da Secretaria de Educação a Distância do MEC. Em 2000 é formado um consórcio
que reúne 70 instituições públicas do Brasil oferecendo cursos de graduação, pós-graduação
e extensão (MAIA; MATTAR, 2007, p. 28-35).
Com a chegada do computador, da internet e a simplificação do acesso a
esses recursos levam pensadores a considerar como exequível a democratização do
conhecimento. Andrew Feenberg (2008) defende a busca de uma sociedade em que se
reconheça o direito de todos à participação no poder, que é atributo do uso da tecnologia.
Essa tecnologia é fruto e pode ser também mediadora dos conhecimentos historicamente
construídos pela humanidade. Segundo Feenberg (2008. p. 9) a filosofia deve ocupar-se
da questão tecnológica mais do que é comum nas ciências humanas “e explicar como
a tecnologia moderna pode se resignar a se adaptar às necessidades de uma sociedade
mais livre.” O desenvolvimento de uma comunidade global e informatizada que permeia
e transforma relações sociais, comerciais e do conhecimento, vai refletir nas políticas
públicas da educação e na legislação que as regulamentam.
De acordo com a LDBEN, (Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional nº
9.394, de dezembro de 1996), “Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimento
e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de
ensino, e de educação continuada.” (BRASIL 1996). O Decreto nº 5.622 de 2005 vem
regulamentar o art. 80 da LDBN caracterizando a EaD como
modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de
ensino e aprendizagem ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação
e comunicação, com estudantes e professores desenvolvendo atividades educativas em
lugares ou tempos diversas.” (BRASIL, 2005)
Em 2006 o Decreto nº 5.773 dispõe sobre o exercício das funções de regulação,
supervisão e avaliação das IES de graduação no Sistema Federal de Ensino, incluindo os
da modalidade a distância, constando no Capítulo II, na Seção I, Subseção V a disposição
sobre Credenciamento Específico para a Oferta de Educação a Distância. (BRASIL, 2006)
Outro marco importante para o desenvolvimento da educação a distância é percebido nos
Referenciais de Qualidade para a Educação Superior a Distância, em 2007. (BRASIL 2007)
564
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
2 O ENSINO E APRENDIZAGEM PARA A ATUALIDADE
O desafio na formação do cidadão capaz para atuar na sociedade contemporânea,
em constante transformação, reflete-se no sistema educativo.
Segundo Libâneo, (2011, p.33) “as reformas educativas executadas em vários países
do mundo europeu e americano, nos últimos 20 anos, coincidem com a recomposição
do sistema capitalista mundial”.
Conforme Luckesi (1991), a Pedagogia progressista caracteriza-se pelas “finalidades
sociopolíticas da educação e manifesta-se em três tendências: a libertadora, a libertária
e a crítico-social dos conteúdos. As duas primeiras, de acordo com Luckesi (1991, p.64)
“têm em comum o antiautoritarismo, a valorização da experiência como base da relação
educativa e a ideia de autogestão pedagógica.” A pedagogia crítico social dos conteúdos
valoriza a “ação pedagógica enquanto inserida na prática social” com vistas à apropriação
do conhecimento, pelo estudante, de modo contextualizado à realidade do aluno e
aos seus interesses. É o resultado da transformação do conhecimento do aluno frente à
experiência adquirida com o novo conhecimento. Aprender, dentro da visão da pedagogia
dos conteúdos, é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os
estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência
Para Gadotti (2006, p. 3) “é preciso mudar profundamente os métodos de ensino
para reservar ao cérebro humano o que lhe é peculiar, a capacidade de pensar, em vez
de desenvolver a memória.” Pensar de modo crítico segundo o autor, requer domínio
sobre todas as linguagens, dentre elas, a eletrônica. Ainda de acordo com Gadotti os
sistemas educacionais ainda não perceberam o potencial da comunicação audiovisual e
da informática para alcançar os jovens.
Segundo o autor,
As consequências da evolução das novas tecnologias, centradas na comunicação de
massa, na difusão do conhecimento, ainda não se fizeram sentir plenamente no ensino,
[...] mas a aprendizagem a distância, sobretudo a baseada na internet, parece ser a grande
novidade educacional neste início de milênio. (GADOTTI, 2006, p. 3)
Ramón Flecha e Iolanda Tortajada, (2000 p. 22) analisam as mudanças no novo
século como uma transformação da sociedade e economia “com o surgimento da sociedade
da informação.”
Para Gadotti (2006) a escola deve impulsionar a produção da inovação tecnológica,
ou seja, mudanças são requeridas para o ensinar. Essa demanda projetada pelas profundas
transformações na organização da sociedade tem em sua origem o desenvolvimento
de “uma Revolução da Informação como ocorreu no passado a revolução Agrícola e a
Revolução Industrial.” (GADOTTI, 2006, p. 6)
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
565
Pfromm Neto (2001, p.56) critica a falta de cuidados de ordem científica no uso
das tecnologias. Para o autor, nas primeiras iniciativas de ensino a distância houve pouca
consideração pelo “planejamento e produção de unidades de ensino e aprendizagem,
solidamente fundamentados em conhecimentos sobre os processos mentais da
aprendizagem humana.”
3 O ALUNO NA EDUCAÇÃO ONLINE
O domínio da linguagem eletrônica é considerado atributo para a adaptação do
aluno ao estudo em via web, mas quando não faz parte da competência do estudante
não inviabiliza um bom desempenho, pois, tal habilidade pode ser diagnosticada numa
etapa de adaptação do curso, e sua carência resolvida com instrumentação básica na área.
Segundo o Ibope (2010) são mais de 67,5 milhões de pessoas com 16 anos ou mais que
possuem acesso à web, no último trimestre de 2009.
A expansão do acesso à internet, que influencia nos hábitos e costumes, amplia
as habilidades de linguagem eletrônica pelo seu contato e uso. A educação on-line está
inserida no grupo da quinta geração da educação a distância, e segundo Moore (2007), o
mundo todo tem interesse em acompanhar os avanços nessa área.
Com base na internet a EaD, favorece-se do uso de Ambientes Virtuais de
Aprendizagem (AVAs), capazes de agregar, conforme a conveniência, diferentes recursos
como o correio, áudio e vídeo, textos e telecomunicações. O AVA que apresenta um
desenho amigável, com acesso aos diferentes recursos mencionados, facilita a mediação
pedagógica de uma metodologia construtivista favorecendo a atividade colaborativa de
aprendizagem via web.
No entanto, Palloff e Pratt (2004), listam como uma das características do aluno
virtual de sucesso do aluno virtual o acesso à tecnologia e saber usá-la:
A tecnologia pode ser fonte de frustração para o aluno virtual, pode impedir o progresso
e tornar-se um obstáculo que ele não consegue transpor. [...] Se um aluno encontrar
dificuldades técnicas, é importante informar-lhe de que existem outras opções para acesso,
tais como um laboratório de informática no campus”(PALLOFF , PRATT, 2004, p. 136).
Segundo Gadotti (2006) a prontidão para o uso de tecnologias, seria mais fácil
para o estudante do que para o professor por não estar ele, contaminado pela cultura do
papel acessando mais naturalmente as novas tecnologias com mais chance de sucesso na
aprendizagem online.
566
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Para Pallof e Pratt (2004, p. 136):
O aluno virtual de sucesso tem a mente aberta e compartilha detalhes sobre sua vida,
trabalho e outras experiências educacionais. [...] não se sente prejudicado pela ausência
de sinais auditivos ou visuais no processo de comunicação. [...] deseja dedicar quantidade
significativa de seu tempo semanal a seus estudos e não vê o curso como “a maneira mais
leve e fácil”. O aluno virtual é ou pode passar a ser, uma pessoa que pensa criticamente.
[...] tem a capacidade de refletir. [...] acredita que a aprendizagem de alta qualidade pode
acontecer em qualquer lugar e a qualquer momento.
A maturidade e autonomia fazem também parte dos requisitos desejáveis para o
aluno em curso via web. Para Palloff e Pratt (2004, p. 57) “Os adultos se dão bem com as
atividades conduzidas por eles próprios e em conjunto, precisando menos direcionamento
e estruturação para finalizá-los.”
Conforme o Censo EaD BR 2010, no curso de graduação “a conclusão ocorre
em média aos 36 anos enquanto os alunos concluem aos 28 na modalidade presencial.”
(ABED, 2011) O que indica um ingresso mais tardio em relação aos cursos presenciais.
Segundo Moore (1993) a tipologia das relações professor/aluno, na estrutura
dos programas educacionais, envolve as variáveis relativas ao ensino- aprendizagem,
isto é, ao diálogo e estrutura que são procedimentos de ensino e de aprendizagem e ao
comportamento do aluno, que diz respeito ao seu grau de autonomia. Tais elementos
vão determinar a distância transacional e, consequentemente o processo de ensinoaprendizagem, cuja efetividade é determinada pela qualidade dessas relações.
O grau de autonomia como variável nessa relação diz respeito ao comportamento
do aluno. Supõe-se que os adultos, ou os alunos de cursos na modalidade a distância
tenham um perfil mais independente ou autônomo para gerenciarem seus estudos. Otto
Petters cita Pestalozzi que caracterizou o indivíduo autônomo com a expressão: “O ser
humano é a obra dele mesmo”. Petters especifica uma dimensão didática em que
estudantes são autônomos quando [...] eles mesmos reconhecem suas necessidades de
estudo, formulam objetivos para o estudo, selecionam conteúdos, projetam estratégias
de estudo, arranjam materiais e meios didáticos, [...] organizam, dirigem, controlam e
avaliam o processo de aprendizagem.” (PETTERS, 2006, p. 95)
Uma experiência positiva em curso anterior gera um gosto pelo aprendizado o que
motiva o estudante a novos desafios e aumenta a probabilidade de eles levarem a bom
termo um curso a distância.
Pesquisa do Conselho de Educação e Treinamento a Distância nos EUA concluem
que “Os adultos que aprendem geralmente apreciam o aprendizado; os alunos que
apreciam o aprendizado aprendem! Quando isto não ocorre é provável que desistam do
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
567
curso.” (MOORE, 2007, p. 176).
Suas experiências também podem agregar um autoconhecimento sobre suas
próprias estratégias de aprendizagem, resultando que “quanto mais educação formal
as pessoas têm, maior a probabilidade de elas concluírem um curso ou um programa a
distância” (MOORE, 2007, p.183). O planejamento dos estudos é uma prática desejável,
e quanto maior a sua prática pelo aluno melhor o seu desempenho.
De acordo com Moore (2007, p 187), “Os hábitos e as aptidões de estudo dos alunos
determinam, em grande parte, o sucesso nas aulas on-line, e este é um fator que podem
controlar.” Segundo o autor (2007, p. 175), o conceito de autonomia do aluno significa
que os alunos têm capacidades diferentes para tomar decisões a respeito de seu próprio
aprendizado. A autonomia do aluno determina a distância na qual se sentem seguros e
demandam menos diálogo e estrutura, para tomar suas decisões. (MOORE, 2007, p. 251).
A interação de acordo com Rena Palloff (2002, p. 26) deve ser cuidada, o
relacionamento distante do usuário com a máquina deve ceder lugar à interação professoraluno, aluno-aluno, e todas as possíveis variáveis. A mudança exige uma reflexão sobre
a dinâmica das relações que se transformam com a introdução de diferentes elementos
interativos, cujos atores do processo, influenciam e são influenciados pela dinâmica.
Para uma prática de educação a distância, segundo Moore, “adotar a abordagem
sistêmica é o segredo da prática bem sucedida.” Isso porque não se pode isolar este ou
aquele elemento como gerador de um programa, mas toda contribuição das suas partes.
Tem-se embutido na estrutura de um curso, sistemas que dão conta do aprendizado com
subsistemas para o ensino, comunicação, criação e gerenciamento, e cada um desses
subsistemas submetidos aos sistemas individuais das pessoas que por sua vez, agregam
um grande número de variáveis. Então “essas estruturas, no interior das quais o sistema
educacional opera, podem ser vistas como partes de um supersistema mais amplo.”
(MOORE, 2007, p. 9).
4METODOLOGIA
Foi adotada a pesquisa exploratória fazendo-se a revisão bibliográfica, com leitura,
análise e transcrição de textos acerca dos temas pertinentes à educação a distância como
modalidade educacional. Segundo GIL (2010, p. 29-30) a pesquisa ou revisão bibliográfica
“é elaborada com o propósito de fornecer fundamentação teórica ao trabalho, bem como
a identificação do estágio atual do conhecimento referente ao tema”
A pesquisa documental se realizou com a análise de dados extraídos de questionário
568
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
aplicado nos dois semestres de 2011, e no primeiro semestre de 2012 pelo Programa
Especial de Dependência implantado pela Associação Franciscana de Ensino Senhor
Bom Jesus, aos alunos dos cursos a distância nas disciplinas de Administração Financeira,
Algoritmos, Análise de Custos, Arquitetura e Organização de Computadores, Cálculo
Básico, Direito Empresarial, Economia Brasileira, Economia Empresarial, Estudo do Homem
Contemporâneo, Física Básica, Formação Econômica Brasileira, História Econômica Geral,
Instituições de Direito, Introdução à Administração, Introdução à Contabilidade, Introdução
à Economia I, Introdução à Economia II, Literatura e Produção de Textos, Logística de
Suprimentos, Macroambiente Econômico, Matemática Financeira, Matemática I, Metodologia
da Pesquisa, Planejamento Estratégico.
Utilizou-se de um questionário sugerido por Palloff e Pratt. Conforme os autores
as questões foram compiladas de vários questionários na internet.
4.1
ANÁLISE DOS DADOS
Foram analisados 603 questionários, nos quais as 11 questões propostas são objetivas
e cujas alternativas podem ser classificadas em relação ao estilo de vida que melhor
atende às características do aluno bem sucedido em aprendizagem on-line. Segundo essa
classificação a letra (a) seria a resposta que atende plenamente; (b) atende parcialmente;
e (c) atende insatisfatoriamente.
De acordo com Gil,
a pesquisa documental vale-se de toda sorte de documentos, elaborados com finalidades
diversas, [...] o que geralmente se recomenda é que seja considerada fonte documental
quando o material consultado é interno à organização, [...] pode ser constituído por
qualquer objeto capaz de comprovar algum fato ou acontecimento.” (2010, p. 31)
As 11 questões do questionário são de acordo com Palloff e Pratt ( 2004, p.183)
propostas para autoavaliação do estilo de vida do estudante.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
569
TABELA 1- Questionário aplicado aos Ingressantes no PED - Programa Especial
de Dependência - FAE - 2011-2012
QUESTÃO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
Alternativa A
61,96%
72,28%
60,07%
41,15%
33,76%
11,45%
34,55%
43,43%
11,27%
37,82%
72,41%
Alternativa B
35,51%
23,91%
28,13%
35,82%
38,29%
56,91%
58,73%
41,06%
52,55%
38,18%
24,68%
Alternativa C
25,40%
3,80%
11,80%
22,73%
27,95%
31,64%
6,73%
15,51%
36,18%
24,00%
2,90
FONTE: Elaboração própria
Questão 1
Minha necessidade de fazer este curso é:
Em relação à necessidade de fazer o curso, 61,96% dos respondentes indicaram
necessitar do curso imediatamente ou para um objetivo específico (alternativa a) 35,51%
têm necessidade moderada (b) e 2,54% poderiam adiá-lo (c).
Segundo Palloff e Pratt, ter uma razão forte para fazer o curso constitui motiva­
ção importante.
Questão 2
Sentir que faço parte de uma turma:
A opção (a) fazer parte de uma turma “não é necessário para mim” foi escolhida
por 72,28%; “ser razoavelmente importante” (b) foi a resposta de 23,91% e 3,80% optou
por “muito importante” (c) fazer parte de uma turma.
O autor afirma que alguns alunos preferem a independência da aprendiza­
gem on-line.
570
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Questão 3
Eu me classificaria como uma pessoa que:
A opção (a), “ser uma pessoa que frequentemente termina as tarefas antes do
prazo” é a percepção de si demonstrada por 60,07% do total de respondentes, 28,13%
optou por (b) “precisa ser lembrado para terminar as tarefas no prazo“; e 11,80% afirmou
que “transfere as tarefas até a última hora ou não as termina” (c).
De acordo com Palloff e Pratt (2004) a educação a distância pode exigir dos alunos
maior disciplina do que nos cursos presenciais.
Questão 4
O debate em sala de aula é:
Considerado: “Raramente útil” (a) para 41,15%, às vezes útil” (b) para 35,82% dos
respondentes e “quase sempre útil” (c para) 22,73% dos respondentes.
A importância do debate para o aluno relaciona-se com o nível de interação
proporcionado pelo curso. Conforme os autores tidos como referência nesse questionário.
Questão 5
Descobrir sozinho o que as instruções dizem:
A preferência “por descobrir sozinho” o que pedem as instruções do professor
(a) é de 33,76%, 38,29% preferem “tentar seguir as instruções e depois pedir ajuda se
necessário” (b), 27,95 % preferem “que alguém explique o que fazer” (c).
Palloff e Pratt (2004) justificam a questão pela necessidade de se trabalhar a partir
de instruções escritas.
Questão 6
Preciso que os professores comentem meus trabalhos:
Pela preferência 11,45% querem ter o seu retorno em “poucas semanas para
revisão” (a); enquanto 56,91% em “poucos dias” para não esquecer o que fez e 31,64%
precisam de retorno imediato para não ficarem frustrados.
Conforme os autores do questionário, pode ser que o retorno do professor demore
pouco ou duas semanas nessa modalidade.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
571
Questão 7
Considerando minha agenda profissional e pessoal, a quantidade de tempo de que
eu disponho para um curso a distância é:
Segundo 34,55% é “Mais do que necessária para um curso presencial” (a) 58,73
disse que a quantidade de tempo é “A mesma que precisaria para um curso presencial”
(b); e 6,73% consideram ser “Menos do que precisaria para um curso presencial” (c)
A educação a distância requer tanto ou mais tempo do que a presencial, conforme
relata Pallof e Pratt (2004) sobre pesquisa realizada.
Questão 8
Considerando minha agenda profissional e pessoal, a quantidade de tempo de que
eu disponho para um curso a distância é:
Para 43,43% dos alunos seria “extremamente difícil” (a) ir ao campus no horário em
que o curso é oferecido; 41,06% dos respondentes consideram que é “Um pouco difícil,
mas posso reorganizar minhas prioridades para ir regularmente ao campus (b) e 15,51%
respondeu “não ter dificuldade para fazê-lo” (c).
“A maior parte das pessoas que são bem sucedidas na aprendizagem a distância acha
difícil ir ao campus regularmente por causa de seu trabalho/família ou agenda pessoal”.
(PALLOFF; PRATT, 2004, p. 185)
Questão 9
Como leitor eu me classifico como:
Em relação à proficiência em leitura, uma média entre os grupos revela que 11,27%
dos respondentes se classificam como um leitor “bom”, (a); 52,55% “medianos que às
vezes precisam de ajuda para compreender o texto” (b);e 36,18% se percebem “abaixo
da média”.(c)
Para Palloff e Pratt (2004) o uso de textos impressos como principal fonte de
informação e orientação dos estudantes torna a questão da leitura importante.
Questão 10
Quando preciso de ajuda para entender um assunto:
Dos respondentes 37,82% sentem-se a vontade “para pedir esclarecimento ao
professor” (a); 38,18% pedem ajuda apesar de não se sentirem a vontade (b) e 24,00%
572
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
“nunca” (c) pedem ajuda para o professor. Para Palloff e Pratt, os alunos que obtêm bons
resultados na educação a distância sentem-se a vontade para contatar o professor tão logo
precisem de ajuda.
Para Palloff e Pratt (2004) os alunos que obtêm bons resultados na educação a
distância sentem-se à vontade para contatar o professor tão logo precisem de ajuda.
Questão 11
Sobre minha capacidade de trabalhar com tecnologia:
72,41% responderam saber “lidar muito bem com o computador” (a); 24,68%
“conheço alguma coisa de computador e internet” (b); e 2,90% não tem familiaridade
com o computador e não se sente a vontade em navegar na rede(c).
Para Palloff e Pratt (2004) os alunos bem sucedidos nos cursos a distância em geral,
têm familiaridade com o computador, sabem usar a internet e enviar e-mails.
GRÁFICO 1 – Pesquisa realizada com alunos dos cursos a distância no
Programa Especial de Dependência – Associação Franciscana
de Ensino Senhor Bom Jesus – 2011/2012
FONTE: Elaboração própria
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
573
4.2
OS RESULTADOS
No espaço reservado à devolutiva no questionário, foi considerado, para um
total de 22 pontos ou mais que “Os cursos online são possibilidades reais e concretas para
o aluno”.Com 21 pontos ou menos, considerou-se que “os cursos online são uma opção,
mas você pode necessitar de esforço maior para ser bem-sucedido. Busque informações sobre o
perfil de alunos online antes de iniciar o curso. Utilize-se do Guia de Ambientação em EaD
disponível no ambiente.”
Considerando os critérios da análise dos resultados, o gráfico a seguir demonstra
a adequação da maioria dos respondentes ao estilo de aprendizagem que satisfaz às
necessidades do estudo a distância.
GRÁFICO 2
FONTE: Elaboração própria
574
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve por objetivo identificar o perfil necessário ao estudante
para que ele alcance bom êxito na modalidade a distância. Para isso, foi feita uma revisão
da literatura sobre a educação a distância, as teorias pedagógicas e pesquisa documental
com levantamento de dados sobre o estilo de vida e aprendizagem.
A bibliografia consultada nas áreas de educação a distância e das teorias pedagógicas
bem como os dados obtidos na pesquisa documental com a análise de 603 questionários
apontam para uma formação em que o aprendente é ator e autor, desenvolvendo
competências e habilidades além de participar da construção da cultura de que toma posse.
O aluno como centro do processo de ensino e de aprendizagem, mostra-se uma
necessidade para a sociedade informacional que cria raízes por todos os setores da
vida moderna. A autonomia para buscar seu desenvolvimento pessoal e profissional e a
interdependência consequente da especialização tecnológica são indicadores de uma
tipologia próxima do perfil do sujeito crítico e colaborativo que se mostra na análise
dos questionários. O perfil indicado pelas respostas do questionário é de um graduando
interativo, com domínio da linguagem eletrônica, maturidade e autonomia, responsabilidade
e independência. Atitudes e habilidades que atendem aos critérios levantados na pesquisa
bibliográfica como ideais para o bom desempenho em atividades educativas a distância.
Como sugestão para pesquisa futura, propõe-se submeter à comparação os
resultados deste estudo com a avaliação final dos respondentes nas disciplinas para as
quais se inscreveram. A continuidade da pesquisa e divulgação da qualidade educacional
na modalidade a distância pode proporcionar maior consciência das suas possibilidades.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
575
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Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
577
A ÓTICA DOS DISCENTES NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA UMA
RELAÇÃO DE MAIOR RESPEITO E APRENDIZAGEM
Maria Amélia Marçal Antonio do Nascimento*
Silvia Iuan Lozza**
RESUMO
Tem-se realizado e aprofundado, cada vez mais, a discussão sobre o relacionamento
professor-aluno. A tensão existente nessa relação, bem como sua afetividade requer um
estudo a fim de definir quais fatores influenciam positiva ou negativamente no processo
de ensino, aprendizagem e crescimento pessoal. Frente a isso, buscou-se levantar
dados sobre a prática pedagógica, na visão dos alunos, de como essa relação professor,
aluno e aprendizagem está se desenvolvendo em sala de aula, e se ela pode sofrer
influências relacionadas à formação do professor e a afetividade entre os envolvidos.
Esta pesquisa propõe, também, comparar tais dados com os que foram levantados no
PAIC 2010/2011, em que a visão era do docente. A pesquisa teve como coleta de dados
um questionário entregue aos alunos dos cursos de Pedagogia e Letras da FAE Centro
Universitário. A análise dos questionários mostrou que a falta de metodologia eficiente é
o maior problema hoje em sala de aula. Na comparação entre as pesquisas, 2010/2011
e 2011/2012, a desmotivação dos alunos foi a questão mais apontada nas duas.
Palavras-chave: Relação professor-aluno. Educação. Aprendizagem. Formação de
professor. Afetividade professor-aluno.
* Aluna do 3º ano de Pedagogia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
**Mestre em Engenharia de Produção (UFSC). Coordenadora do Curso de Pedagogia da FAE Centro
Universitário e Coordenadora do Núcleo de Extensão Universitária. E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
579
INTRODUÇÃO
Os problemas relacionados à educação são complexos e numerosos, o professor
está sob constante pressão, o que o leva muitas vezes a apresentar uma série de
comprometimentos.
“Logo, a escola, em vez de se render ao modelo dominante, deve se esforçar em
dar alternativas, e ela somente pode fazê-lo cuidando do convívio escolar tanto no plano
moral quanto no plano ético” (LA TAILLE, 2009, p. 306).
Frente a isso, urge refletir sobre a prática pedagógica e a aprendizagem do discente
para, assim, contribuir com uma maior compreensão dessa temática comum nas escolas,
colégios e universidades.
Para isso, realizou-se uma pesquisa por meio de questionários com os alunos
dos cursos de Pedagogia e Letras da FAE Centro Universitário em novembro de 2011.
Essa pesquisa nos permitirá um confronto entre os resultados das pesquisas 2010/2011 e
2011/2012, bem como um diálogo entre os anseios dos docentes e dos discentes. Perante
isso podem-se enumerar algumas dificuldades atuais em sala de aula.
Buscou-se levantar dados sobre a relação professor, aluno e aprendizagem, em
que o foco está na ação didática do professor e no seu relacionamento com o aluno, por
meio da formação docente.
Por fim, também se apresenta aos profissionais da educação um levantamento
das dificuldades encontradas em sala de aula, na visão estratégica do aluno, personagem
principal dessa pesquisa.
Para esse fim, as metodologias empregadas foram a descritiva-exploratória e a
bibliográfica.
1 RELAÇÃO PROFESSOR, ALUNO E APRENDIZAGEM
Um estudo sobre a relação e a afetividade no processo de ensino, aprendizagem
e crescimento pessoal entre professor-aluno se faz necessário. Com isso serão levantados
os fatores que influenciam positiva ou negativamente a tensão existente nessa relação.
O que parece estar claro, segundo Santos (2001), é que o corpo docente das
instituições de ensino precisa ter vocação para ensinar além de ter apoio e incentivo para
que o faça com tranquilidade. Principalmente, porque somente com o professor tendo
liberdade para trabalhar, ele pode realizar essa tarefa de forma satisfatória.
580
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
1.1
FORMAÇÃO DO PROFESSOR
Até o século XIX a docência era meramente uma transmissão de saber acadêmico,
ideia obsoleta para os dias atuais em que a educação exigida passou a ser mais participativa,
solidária e integradora, segundo Imbernón (2010).
Para esse autor, a educação evoluiu no decorrer do século XX, porém não conseguiu
romper com as diretrizes que a acompanham desde sua origem, como: “centralista,
transmissora, selecionadora, individualista [...]” (IMBERNÓN, 2010, p. 7).
Vários autores concordam com essa ideia, e que ainda é complementada por
Imbernón (2010, p. 28), afirmando que “ser um profissional da educação significará
participar na emancipação das pessoas. O objetivo da educação é ajudar a tornar as pessoas
mais livres, menos dependentes do poder econômico, político e social”.
Além disso, o professor precisa estar sustentado por pilares e não somente pelo
pilar da formação acadêmica tradicional. O avanço tecnológico e o conhecimento trazido
pela internet exigem um professor diferente, que ensine o aluno para a vida e que possua
conhecimento de mundo.
O conhecimento formal, apresentado pelas faculdades e universidades de Pedagogia
não pode excluir os futuros professores de discussões provenientes de problemas éticos,
sociais, políticos e religiosos do nosso mundo atual.
Libâneo (2010, p. 12) ressalta que os cursos de formação de professores devem
formar um docente “capaz de ajustar sua didática às novas realidades da sociedade, do
conhecimento, do aluno, dos universos culturais, dos meios de comunicação”. Destaca
também a importância de uma cultura geral mais ampliada e o conhecimento para utilizar
mídias e multimídias.
Porém, na ânsia de acertar, modismos pedagógicos são inventados ou copiados
diariamente. Antes de impor mudanças sistêmicas que afetam todo o sistema educacional
deve-se confiar na sensibilidade e experiência dos nossos professores e agir de forma
científica e não por ensaio e erro (ZAGURY, 2009).
O processo de formação deve dotar os professores de conhecimentos, habilidades e
atitudes para desenvolver profissionais reflexivos ou investigadores. Nesta linha, o eixo
fundamental do currículo de formação do professor é o desenvolvimento da capacidade
de refletir sobre a própria prática docente, com o objetivo de aprender a interpretar,
compreender e refletir sobre a realidade social e a docência (IMBERNÓN, 2010, p. 41).
Vale mencionar a formação permanente como meio de “produzir bons professores”
que vai ser fundamental para legitimar ou questionar a experiência do professor em sala
de aula, confrontando teoria e prática.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
581
1.2AFETIVIDADE
O relacionamento professor-aluno apresenta-se como fator importante para o
sucesso da aprendizagem. O vínculo estabelecido entre os dois personagens principais
desse processo mostra que quando o aluno se identifica com o professor ou com a matéria,
o conteúdo é mais facilmente compreendido, absorvido e colocado em prática, quando
possível. Ou seja, a afetividade sustenta a base de todas as reações humanas, influenciando
na formação do caráter e da personalidade das pessoas.
Para Caio Feijó (2008), a construção do vínculo com os discentes é de muita valia.
Uma relação de confiança, afeto e respeito entre as pessoas, construída ao longo do tempo,
faz a diferença no processo ensino-aprendizagem.
Referindo-se, ainda, ao respeito mútuo entre professor e aluno, Cabral (2004,
p. 328) relata:
deveria haver um equilíbrio das duas partes: o aluno respeitando o professor como
autoridade em sala de aula e, o professor respeitando o aluno como ser humano em
processo de aprendizagem, formação de valores e construção de novos conhecimentos.
Para Feijó (2008), a escola tem um papel interessante no desenvolvimento e
manutenção do comportamento antissocial dos alunos. Discentes que são incentivados,
convidados a participar das atividades de sala, têm sua autoestima reforçada e vão
apresentar melhores resultados quando comparados àqueles rotulados como imaturos,
perdidos, atrasados, relegados à sua própria sorte.
Feijó (2008) cita, ainda, que muitos professores desconhecem os pressupostos
skinnerianos sobre reforços positivo e negativo e que elogios e recompensas podem ser
mais eficazes que punições e ação coercitiva.
Vasconcelos (2005, p. 9), em seu trabalho de pesquisa, valida Feijó (2008)
e complementa que a partir da década de 1960 houve estudos comprovando “que
as expectativas dos professores podem, sob determinadas circunstâncias, afetar a
aprendizagem, independentemente da capacidade da criança”, ou seja, que as crianças
aprendem mais quando os professores esperam por isso.
Seria leviano, ingênuo e até irresponsável reduzir todo o sucesso escolar do aluno
à tão, exclusivamente, relação intercomunicativa professor-aluno, porém o incentivo ao
diálogo na educação facilitaria a troca de informações e de vivências, diluindo-se hierarquias
e gerando uma aprendizagem realmente significativa para ambos.
582
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Como bem resume Santos (2001, p. 70)
[...] mais importante é o professor acompanhar a aprendizagem do aluno do que
se concentrar demasiadamente no assunto a ser ensinado, ou mesmo nas técnicas
didáticas como tais. O ensino é visto como resultado de uma relação pessoal do
professor com o aluno.
Não há uma fórmula exata para firmar a autoridade em sala de aula. O uso de meios,
como o diálogo e a compreensão de que os professores são mestres que orientam escolhas,
são os caminhos que podem levar o educador ao nível de profissional da educação.
1.3
VALORIZAÇÃO PROFISSIONAL
O professor deve resgatar o amor à docência, mas precisa lutar por melhores
condições, por uma classe mais unida. De nada adianta os professores formarem alunos
críticos, se eles próprios aceitam a degradação da profissão sem uma postura mais reflexiva.
Libâneo (2010, p. 12) resume muito bem a importância da valorização profissional:
É preciso resgatar a profissionalidade do professor, reconfigurar as características de
sua profissão na busca da identidade profissional. É preciso fortalecer as lutas sindicais
por salários dignos e condições de trabalho. É preciso, junto com isso, ampliar o
leque de ação dos sindicatos envolvendo também a luta por formação de qualidade,
de modo que a profissão ganhe mais credibilidade e dignidade profissional. Faz-se
necessário, também, o intercâmbio entre formação inicial e formação continuada, de
maneira que a formação dos futuros professores se nutra das demandas da prática e
que os professores em exercício frequentem a universidade para discussão e análise
de problemas concretos da prática.
Candau, Lucinda e Nascimento (1999), citados por Feijó (2008, p. 21), apontam:
o esvaziamento e a fragmentação na formação dos professores, a diminuição drástica
dos salários, o profundo mal-estar e a desvalorização de educação e do magistério
acabaram por gerar uma grave crise de identidade da escola, desencadeando, assim,
um enfraquecimento do papel do docente.
Não cabe mais culpar o professor pelo fracasso do aluno ou da educação, ele é
vítima do sistema tanto quanto o aluno. Pedro Demo (1998, p. 8), em sua visão, resume
a saga de ser professor.
Até hoje, a sociedade não fez justiça ao professor, seja porque o mantém como gente
menor, seja porque lhes paga uma miséria. Pede dele um milagre, que é a construção
da cidadania popular e através dela a competência de fazer história própria, mas o
milagre mesmo é viver dignamente com seus salários.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
583
1.4FEEDBACK
“Começa, então, a surgir uma crise da profissão de ensinar” (IMBERNÓN, 2010,
p. 22). Essa nova forma de ver a educação nos faz refletir sobre algumas questões: qual é
a relação dos professores com seus alunos em sala de aula? Como se pode melhorar essa
relação para que a tarefa profissional educativa seja mais eficaz?
Segundo Imbernón (2010) a maior parte dos professores recebe pouco retorno
sobre a sua atuação em sala de aula e, em alguns momentos, manifesta a necessidade de
saber como está enfrentando a prática diária para aprender sobre ela.
De acordo com Paquay et al (2008), para uma atuação satisfatória, o professor
profissional deve ser capaz de analisar situações complexas, optar por estratégias adaptadas
aos objetivos e às exigências éticas, adaptar seus projetos em função da experiência,
analisar de maneira crítica suas ações e seus resultados e, por fim, aprender com a avaliação
contínua ao longo de sua carreira.
1.5
COMPROMETIMENTO DO ALUNO
Em todos os itens escritos anteriormente, traz na figura do professor como o
responsável pela relação professor-aluno, porém não podemos desmerecer a importância
do aluno para o sucesso dessa interação.
O aluno deve estar comprometido com sua própria formação, sendo estimulado
e incentivado pelo professor. Sua formação deve ser para o mundo que enfrentará, sendo
guiado pela experiência e conhecimento do docente.
Segundo Feijó (2008, p. 52), o conceito de vínculo é “uma relação de confiança,
afeto e respeito entre duas ou mais pessoas, construída ao longo do tempo”. Quando
se tem esse vínculo, a relação fica mais pessoal, ocorrendo maior preocupação entre as
partes envolvidas e o respeito entre elas é mais facilmente observado. Quando não há,
fatalmente, observa-se a indisciplina.
A indisciplina é o resultado da falta de comprometimento do aluno associada à
falta de habilidade do professor.
Construir a autoridade cobrando obediência, impondo suas vontades e seus valores
constituir-se-á como autoridade e obterá por parte dos alunos um respeito unilateral,
baseado no medo de punições. Já o professor que mantém relações baseadas no
respeito mútuo obterá autoridade por competência (VASCONCELOS, 2005, p. 5).
584
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
2METODOLOGIA
Conforme Gil (2009), a pesquisa utilizou o método descritivo-exploratório para
conhecer melhor o problema, descrever sua ação e suas relações e poder formular hipóteses
que possam ser pesquisadas por estudos posteriores.
O método de pesquisa bibliográfica também foi necessário para o levantamento
da atual situação a respeito desse tema.
2.1
COLETA DE DADOS
A partir do desenvolvimento da pesquisa bibliográfica, tornou-se necessário o
conhecimento da realidade enfrentada pelos discentes. Para isso, como instrumento de
coleta de dados foi entregue um questionário aos alunos dos cursos de Pedagogia e Letras
da FAE Centro Universitário, com questões abertas, fechadas e de múltipla escolha.
A pesquisa será comparada com os resultados do PAIC 2010/2011, no qual o foco
foi um levantamento junto aos professores. Os alunos participaram de forma voluntária e
tiveram suas identidades preservadas.
A todos os discentes voluntários foi explicado o objetivo da pesquisa e sua
importância, bem como que os dados obtidos serão alvo de publicação posterior.
A pesquisa foi realizada entre os dias 14 e 16 de novembro de 2011, no campus
Cristo Rei, com as turmas de 1º, 2º, 3º e 4º anos do curso de Pedagogia e 1º, 2º e 3º anos
do curso de Letras daquele ano.
2.2
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Dos 120 questionários entregues aos alunos, 101 foram devolvidos respondidos.
Dentre os alunos, 7% eram homens e 93%, mulheres. Quanto à idade predominante,
50% dos alunos tinham entre 17 e 24 anos.
Em relação à pergunta sobre qual a maior dificuldade do professor nos dias de
hoje, na visão do discente, as alternativas mais assinaladas foram as referentes a motivar os
alunos (34%), a escolha da metodologia adequada a cada aula (29%), e manter a disciplina
em sala de aula (15%).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
585
QUADRO 1 - Maior dificuldade do professor em sala de aula hoje
Motivar os alunos.
34%
A escolha da metodologia adequada a cada unidade ou aula.
29%
Manter a disciplina em sala.
15%
Manter-se constantemente atualizado em sua disciplina.
8%
Dominar o conteúdo de sua disciplina.
6%
Fazer a avaliação dos alunos.
4%
Usar recursos audiovisuais.
3%
Outra. Qual?
0%
FONTE: Elaboração própria
Sobre as causas das dificuldades encontradas em sala de aula, as respostas citadas foram:
QUADRO 2 - Causa das dificuldades
Falta de metodologia adequada
39%
Falta formação continuada dos professores
20%
Falta conscientização do próprio aluno
16%
Professor está desmotivado
10%
Falta habilidade para usar recursos audiovisuais
7%
Falta contextualizar o conteúdo da matéria com a realidade do aluno
6%
Falta tempo para o professor poder estudar mais o conteúdo e preparar melhor a aula
6%
Falta estrutura familiar do aluno
5%
Falta adequar valor da prova/trabalhos
4%
Falta motivação dos alunos
2%
FONTE: Elaboração própria
De acordo com a pergunta do que é necessário na formação docente para se
consolidar o respeito e aprendizagem na relação professor-aluno as respostas mais
citadas foram:
QUADRO 3 – Necessário na formação docente
Domínio do conteúdo
18%
Melhor formação do professor/didática
17%
Respeito de ambas as partes
16%
Valorização do professor
4%
Interesse do aluno
4%
Ética
3%
Presença da família do aluno
2%
FONTE: Elaboração própria
586
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Para os alunos questionados, a relação professor-aluno sofre influências das
relações interpessoais entre eles, como amizade; paciência; diálogo; entendimento;
companheirismo; compreensão; alegria; bom humor; boa vontade e parceria. Virtudes,
essas, que devem ser praticadas sempre, e estão fazendo falta no ambiente escolar.
Para Pedro Demo (1998), parte da explicação deve-se ao fato de as faculdades
e cursos de Pedagogia estarem, hoje, obsoletos e solapados. Esses cursos não estão
conseguindo manejar as teorias pós-modernas de educação, ensinando práticas antiquadas
que não correspondem mais às aplicadas nas escolas de hoje, nem ao que os alunos de hoje
procuram nas instituições escolares. A escolha da metodologia precisa estar vinculada a cada
assunto abordado e, também ao perfil da turma onde se trabalhará o tema, respeitando
as especificidades de cada sala de aula.
Sobre como o professor reage frente ao ponto de vista dos alunos, a opção mais
assinalada foi a que diz que o professor geralmente aceita a opinião dos alunos (40%).
Questionados se os professores utilizam de autoridade ou autoritarismo em sala de
aula, 58,3% responderam que os professores usam de autoridade e conseguem disciplinar
a turma. Sobre isso, Vasconcelos (2005) diz que dependendo do modo que o professor
demonstra sua autoridade em sala de aula vai contribuir para sua eficiência.
Nas outras questões com ênfase na afetividade entre professor e aluno, 72% dos
alunos relataram que o professor é sempre acessível, permitindo que o aluno chegue até
ele e, em 41% dos questionários, os alunos responderam que o professor se interessa por
problemas extraclasse de seus alunos.
Em relação à aprendizagem, 70% dos alunos informaram que o professor sempre
demonstra preocupação com o aprendizado dos alunos.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
587
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa realizada contribui para somar os resultados: os dados levantados dos
professores no PAIC 2010/2011 e os dados obtidos dos alunos neste PAIC 2011/2012.
O cenário educacional está em constante modificação, trazendo novos desafios
e cobrando, a cada dia, mais dinamismo e capacidade de renovação por parte dos
professores. Os alunos também fazem parte desse processo de renovação, pois eles são a
essência da instituição educacional. Para tanto, cabe entendê-los como parte integrante
dessa sociedade totalmente mutável. Sendo de fundamental importância a reflexão junto
com o aluno sobre a importância e estilo de aprendizagem e se estão condizentes com
suas necessidades.
Portanto, este trabalho nos leva a algumas reflexões referentes aos resultados dos dois
PAICs. Como os professores apontam que o maior problema é a indisciplina; e os alunos, a
metodologia, pressupõe-se que a indisciplina é decorrente da falta de metodologia adequada.
O segundo problema, a desmotivação do aluno, é comum aos dois. Essa
desmotivação é decorrente da falta de metodologia, visto que muitos alunos dizem que
os professores não têm didática, ou não usam de recursos diversificados para prenderem
a atenção do aluno.
Um professor motivado é uma pessoa feliz, tanto no ambiente escolar como em sua
própria casa, em procura de constante atualização, que busca alternativas para solucionar
seus problemas sem ficar reclamando de alunos, das instituições ou dos outros professores.
E um aluno motivado não faltará às aulas, estará sempre em dia com as matérias,
e será um aluno que não dará trabalho em sala de aula com indisciplina.
Alguns alunos não responderam às questões abertas nas quais deveriam expor suas
sugestões para melhorar a relação professor-aluno, apontando alternativas para diminuir
as dificuldades encontradas pelos professores em sala de aula e o que poderia melhorar
na formação destes.
Contudo, alguns responderam a essa questão apresentando algumas virtudes que
os professores deveriam praticar mais como a amizade, paciência, diálogo, entendimento,
companheirismo, compreensão, alegria, bom humor, boa vontade e parceria. A prática
dessas virtudes pode ser a motivação que falta para alguns alunos.
Diante disso fica mais evidente a importância de mais pesquisas na tentativa de
buscar informações para melhorar o processo de aprendizagem, ressaltando as funções
do professor e do aluno, como parceiros e não como opositores.
Enfim, acredita-se que um estudo com pesquisa fazendo um diálogo com os resultados
dos trabalhos apresentados seja pertinente numa próxima etapa, para assim, apresentar
algumas possibilidades para a formação docente, com foco no respeito e na aprendizagem.
588
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
REFERÊNCIAS
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nota 10 na sala de aula e na vida. Rio de Janeiro: Sextante, 2005.
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RAMOS, Paulo. A formação do professor na perspectiva da metadisciplinaridade. Blumenau:
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Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
589
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ZAGURY, Tânia. O professor refém: para pais e professores entenderem por que fracassa a educação
no Brasil. 9. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.
590
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O PERFIL DO NOVO PROFISSIONAL DA GERAÇÃO Y E SUA RELAÇÃO
COM AS VIRTUDES FRANCISCANAS
Arnaldo Cesar Rocha*
Ana Maria Coelho Pereira Mendes**
RESUMO
Considerando-se a Geração Y como objeto de estudo, tomam-se as virtudes franciscanas
como paradigma a ser relacionado com o perfil do novo profissional da Geração Y.
O objetivo geral é identificar o perfil do novo profissional do século 21, segundo a
autopercepção dos alunos de graduação da FAE Centro Universitário, justamente por
ser uma instituição de educação com foco em escola de negócios, analisando a presença
das virtudes franciscanas nesses perfis. As virtudes franciscanas são seculares e orientam
sentidos, conhecimentos e comportamentos a partir dos ensinamentos de São Francisco
de Assis. Mas qual a atualidade desses ensinamentos? É isso que este estudo pretende
analisar. A pesquisa parte da base de dados de uma série histórica iniciada no segundo
semestre de 2009 e projetada até os dois semestres de 2012. A metodologia utilizada
para o estudo segue o protocolo científico em três fases distintas: (1) eleição da unidade
caso; (2) a caracterização dos indicadores dos perfis da Geração Y; e (3) a finalização
da pesquisa com a análise e correlação dos dados sobre o perfil da Geração Y e as
virtudes franciscanas. A pesquisa é exploratória e utiliza-se de formulários respondidos
anteriormente a atual análise, o estudo configura-se como uma pesquisa documental.
Conclui-se que os perfis pesquisados têm relação com as virtudes franciscanas, as quais
são atualizadas pelo comportamento e discurso dos jovens profissionais, além de serem
constatadas as aproximações entre o perfil humanístico, ético e social dessa geração
com o perfil franciscano em relação ao reconhecimento do ser humano.
Palavras-chave: Geração Y. Virtudes Franciscanas. Alteridade. Profissionais humanísticos.
* Aluno do 3°ano de Filosofia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
** Doutora em Serviço Social (PUC-SP). Professora da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
591
INTRODUÇÃO
As exigências e desafios postos às Instituições de Educação Superior (IES) colocam
a educação no atual contexto econômico e social como ambiente formador de matrizes
fundamentais da sociedade contemporânea. Por essa razão, há a necessidade de conhecer
seu público-alvo: o perfil discente. Isso quer dizer que as IES fazem parte de uma realidade
concreta na qual uma geração diferente se põe a seu projeto educacional, mas com
dinâmica e necessidades específicas.
A Geração Y é aquela que se atribui o surgimento a partir de 1978. Considerando-se o
perfil da Geração Y como objeto de estudo, a relação entre tal perfil e as virtudes consagradas
do franciscanismo, pautadas em São Francisco de Assis, compõe o tema central do estudo.
Questionam-se, então, quais características da Geração Y presentes em seu discurso têm
relação com a visão franciscana?
O presente estudo tem o objetivo geral de identificar o perfil do novo profissional do
século 21, segundo a autopercepção dos alunos de graduação da FAE Centro Universitário,
justamente por ser uma instituição de educação com foco em escola de negócios, analisando
a presença das virtudes franciscanas nesses perfis.
2 O IMPACTO DA GERAÇÃO Y NA SOCIEDADE ATUAL
A partir dos estudos elaborados por Sidnei Oliveira (2010), percebe-se que os jovens
da Geração Y estão ocasionando momentos oportunos de reflexão e impacto no mercado
de trabalho e nas relações socais. Não há dúvidas que se vive em tempos de mudanças
tanto nos contextos sociais quanto familiares e interpessoais, no qual se evidencia o avanço
tecnológico e a facilidade de comunicação pela internet.
Segundo Oliveira (2010), as novas gerações estão criando uma identidade
nunca vista até então, com jeito peculiar de gerar expectativas e realizar sonhos, esses
jovens estão alterando completamente os conceitos de autoconhecimento, autoestima e
relacionamentos humanos.
Sobre o impacto da Geração Y, Oliveira (2010, p. 17-19) descreve:
Um executivo chega a sua casa depois do trabalho e se dirige ao quarto de sua
filha, que se concentrava em um trabalho escolar, e ela estava com a TV ligada no
canal Discovery, com fones ouvindo música no iPod, com o computador ligado e
conectado na internet, com três sites abertos (o Google, um blog colorido e o site de
relacionamento Orkut) e também com o Word e o Power Point acionados, teclando
com cinco amigas no MSN, além de estar com o celular na mão enviando um SMS
para um colega. E isso ocorre tudo ao mesmo tempo!
592
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O episódio descrito por Oliveira (2010), na citação acima, é excelente para
descrever o impacto entre as gerações, pois se trata de modo de agir e realizar trabalhos
escolares em épocas diferentes. Para o pai, é necessário se desligar de tarefas exteriores
que possam prejudicar os estudos, por essa razão é importante se concentrar somente
na realização de uma determinada tarefa e utilizar materiais de consulta, por exemplo,
enciclopédias que auxiliem na pesquisa acadêmica.
Entretanto, a filha utiliza de recursos tecnológicos, como a internet, para
acessar endereços eletrônicos de busca – Google, Yahoo, dentre outros – para realizar
pesquisas. Assistir programas de televisão referentes aos conteúdos do trabalho e
aproveitar o MSN1 para executar, em grupo, a tarefa escolar são outros meios utilizados
pela geração interconectada.
De acordo com Oliveira (2010), a transgressão como ferramenta de inovação e a
busca da satisfação imediata de seus sonhos são algumas das mais marcantes características
dos jovens dos dias atuais, conhecidos como Geração Y.
Para o autor, o momento atual é oportuno para reflexões sobre as gerações,
pois se está vivendo uma circunstância singular na História, principalmente, na era da
comunicação e da informação. A partir disso, verifica-se que os jovens da Geração Y
interferem e atualizam o contexto do mercado de trabalho, segundo as suas características
profissionais e humanísticas.
Observa-se que as competências exigidas dos candidatos para o ingresso no mercado
de trabalho são: a iniciativa de solucionar problemas, a autoconfiança, a flexibilidade,
a facilidade de adaptar-se às diferentes situações cotidianas e o bom relacionamento
interpessoal de interação e convivência, sem se esquecer do contato amigável com os
colegas de trabalho e o espírito de equipe em compartilhar informações e demonstrar
interesse de colaborar.
Na pesquisa realizada por Oliveira (2010) acerca dos motivos de escolha da
empresa, os resultados demonstraram que os jovens as procuram por crescimento de
carreira (buscam reconhecimento, melhores posições, estabilidade financeira e profissional),
desenvolvimento pessoal (conhecimento, aprendizado de novas técnicas), ambiente de
trabalho agradável (bem-estar, respeito e bom relacionamento com os colegas), bons
1
MSN é um recurso eletrônico da rede para troca on-line de mensagens entre participantes de
grupos fechados.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
593
salários e benefícios (salário compatível com o cargo, reconhecimento pelo que faz),
oferecimento de cursos e treinamentos (crescer junto com a empresa e aperfeiçoamento
na área de trabalho).
Os dados coletados na pesquisa de Oliveira (2010) demonstraram que as
expectativas em relação ao gestor são: conhecer o negócio da empresa, oferecer feedback
constante, saber definir prioridades, desenvolver os profissionais da sua equipe, respeitar
e estimular o talento individual, ser objetivo e claro em suas diretrizes.
Os resultados ajudam a refletir sobre a nova relação existente no mercado de
trabalho: o jovem espera por empresas capazes de desenvolver seu potencial cognitivo,
profissional e humano, e por um gestor que saiba organizar prioridades e respeite e
estimule os talentos.
Em resumo, o profissional da Geração Y com seus comportamentos e habilidades
vem transformando a realidade da sociedade atual, seja nas expectativas ou nas ações.
3 O FRANCISCANISMO – O QUE É E COMO PODE SER INTERPRETADO NA
DINÂMICA DO SÉCULO 21
Sobre a identificação do franciscanismo, Merino (1999) afirma que a arqueologia
viva do franciscanismo é Francisco de Assis e a experiência da primitiva fraternidade, que
é como o código genético que condiciona e quase determina o conteúdo e a expressão
do pensamento posteriormente elaborado.
Segundo o autor, somente a partir dessa arqueologia prévia e do código genético
comunitário que se gesta na experiência compartilhada do grupo é que poderemos
compreender aquilo que se chama de pensamento franciscano.
A respeito da experiência de Francisco de Assis, Merino (1999) comenta que o
franciscanismo é, primordialmente, vivência, mas, por ser uma vivência compartilhada,
se converte em convivência, que é onde realmente se forja o pensamento e se formula
o sistema que não se caracteriza por sua elevada sublimidade, mas por sua maravilhosa
simplicidade.
Para Moreira (1996), São Francisco parece um sujeito deslocado, um estranho a
nos incomodar. De acordo com Harada (1982), talvez esse “tal estranhamento” nos possa
acordar e nos dar um olho cordial para ver que o nosso fazer e o nosso agir é muito mais
falar, narrar, dizer e aplicar o que ideamos e sentimos do que um trabalho real para ser.
594
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
De acordo com Moreira (1996, p. 340), é necessário entender que Francisco não
é útil em padrões, mas ressalta que:
Não adianta: São Francisco não serve para ajudar a tocar uma empresa, não serve para
dirigir um negócio rentável, para fazer uma revolução política ou uma experiência
científica. Talvez aceite uma canção. Ele é sem valor de troca, sem valor de uso, sem
catecismo a nos indoutrinar, sem projetos pastorais, sem receitas para o sucesso do
tipo Lair Ribeiro, sem planos de metas que nós tenhamos de cumprir.
Para Boff (1991), São Francisco é muito mais que um santo da Igreja Católica e
o pai da família franciscana, ele é, antes de tudo, um arquétipo, uma referência, pois
seus valores lhe conferem um sentido na existência. Francisco constitui a figuração mais
cristalina do ocidente, daqueles sonhos, daquelas utopias e daquele modo de relacionar-se
fraternalmente que hoje se busca.
Agostini (1996) aponta que a crise ecológica é reveladora da crise civilizatória do
ocidente. Conforme alerta o filósofo Max Scheler, “o homem contemporâneo tem sido
um desertor da vida, pela facilidade com que tem aceitado e assumido “substitutos do
viver.” (MORAIS, 1992, p. 5 apud AGOSTINI, 1996, p. 231)
Segundo Boff (1999), é necessário uma nova experiência fundacional, trata-se de uma
nova espiritualidade que permite religar as dimensões humanas com as mais diversas instâncias
da realidade planetária, cósmica, histórica, psíquica e transcendental. Somente dessa forma
será possível o desenho de um novo sentido de viver junto com toda a comunidade global.
Conforme esse autor, é justamente nesse contexto de crise e de busca de alternativas que
refulge a figura de São Francisco de Assis como altamente significativa e evocadora.
Moreira (1996, p. 339) descreve que:
Que há em São Francisco que seja realmente interessante do ponto de vista da
modernidade? À Primeira vista a resposta é breve e incisiva: absolutamente nada. Ele
não parece ter nada em comum conosco, não é nenhum dos mitos do nosso consumo.
Não que ele esteja ausente do nosso noticiário; pelo contrário. São Francisco surge
no nosso horizonte através da mediação das centenas de livros, peças e filme que
se produziram sobre sua vida, das estruturas e hierarquias que se criam à sua volta,
enclausurado nas representações românticas, representado pela arte, louvado na
música e no imaginário popular. Na verdade São Francisco parece ser tão conhecido
e doméstico, que acabamos nos desobrigando da tarefa de meditar sua vida, de ir
buscá-lo nas Fontes e no estudo do seu tempo, contentando-nos com uma imagem
mais ou menos preconcebida de quem ele seja. Talvez esse tipo de aproximação seja
até ponto inevitável, mas ele encerra um grande risco.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
595
A partir dessas abordagens sobre a atualização e o resgate do franciscanismo,
evidencia-se que para a dinâmica do século 21 Francisco é muito mais do que um herói
medieval envolto em brumas de fantasias.
Harada (1982, p. 448) destaca que:
Nós hodiernos, narramos os feitos desses heróis. Ou melhor, nem sequer narramos os
seus feitos, pois tudo o que fizeram nos é conhecido, conhecido a partir do nosso fazer
e da nossa prática, a tal ponto de não mais estranharmos que nem sequer tenhamos
a dificuldade de compreender o que eles entendiam por fazer, lutar, agir.
3.1
O FRANCISCANISMO – ALGUMAS VIRTUDES
Abaixo são destacadas algumas virtudes franciscanas que, durante a pesquisa,
foram observadas como presença na atualidade dos jovens da Geração Y. Criou-se,
então, unidades de análise a partir da vida e dos ensinamentos de São Francisco de Assis,
considerando que tais dimensões incidem na trajetória da humanidade nos dias de hoje.
QUADRO 1 – Elaboração das unidades de análise a partir das virtudes franciscanas – 2012
continua
VIRTUDE FRANCISCANA
596
INTERPRETAÇÃO LIVRE PARA A SOCIEDADE ATUAL
Acolhimento
Acolhimento do irmão que quer dizer daquele que
é menor igual a si mesmo, ou seja, é a capacidade
de servir aos outros, se fazer presente, responsável
para partilhar a vida com o outro.
Compaixão
A palavra no significado literal quer dizer. Esse
sentimento não se relaciona com ter pena ou sentir
dor, pelo contrário, é alegrar-se junto, chorar junto,
isto é, a capacidade de ser solidário.
Cortesia
Cortesia é fundamental na virtude franciscana,
significa a gentileza e fineza no tratamento com as
pessoas. Como todos são irmãos, a cortesia constrói
a verdadeira fraternidade, fechando o círculo
fundamental da amorosidade das relações sociais.
Desenvolvimento sustentável
No Cântico das Criaturas, Francisco relaciona
sistemicamente todo o Cosmos, unindo diferentes
dimensões de sua constituição e manutenção. Ou
seja, a cadeia de manutenção da vida é interligada
com tudo e todos: com o Irmão Sol, com a Irmã
Lua, o Irmão Fogo, e assim por diante.
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
conclusão
Diálogo
O diálogo é a capacidade de ouvir o que o outro
tem a dizer, reconhecendo no outro sua importância
e responsabilidade de se fazer igual e não superior.
Isto é, em um diálogo, ninguém ganha, pois não
se trata de disputa, mas demonstra a oportunidade
de conhecer o outro. Daí que o diálogo leva ao
momento do encontro com o outro.
Encontro
A vida é um encontro. Essa palavra é essencial na
virtude franciscana, pois é a disposição de promover
o amor, a caridade e, sobretudo, a fraternidade.
Fraternidade
A fraternidade é o reconhecimento da pessoa do outro,
isto é, valorizar a dignidade de todos serem irmãos.
Lealdade
A Lealdade pode ser relacionada à franqueza,
ou seja, diz respeito à sinceridade, honestidade.
Essa virtude é essencial, pois é à base das relações
interpessoais, pois ser sincero, franco e honesto
conduz a um comprometimento com o outro e
possibilita o diálogo.
Respeito
O respeito supõe reconhecer o outro em sua
alteridade e perceber o seu valor intrínseco.
Entretanto, o respeito significa a capacidade de
reconhecer o outro como outro, ou seja, possibilitar
a convivência e a valorização do ser humano.
Sabedoria
No texto Elogio das Virtudes, Francisco exprime o
verdadeiro significado das virtudes em cada contexto
da vida humana, isto é, aprender a praticá-las. São
Francisco, ao se referir à sabedoria, afirma: “Salve
rainha sabedoria, o Senhor te guarde por tua santa
irmã, a pura simplicidade.” Enfim, a sabedoria é a
virtude de saber agir na hora certa e do jeito certo,
ou seja, é a capacidade de aprender a bem viver.
Solidariedade
Diz da capacidade de solidarizar-se com as outras
pessoas, ou seja, permite o contato com a vida do
outro não somente nas dificuldades, mas, sobretudo,
na vivência de fraternidade e vínculos recíprocos de
unidade entre os homens.
Tolerância
A tolerância consiste na atitude de saber conviver
bem com os outros, independentemente das
diferenças existentes. Conviver com o outro exige
respeito e aceitação da realidade multifacetada,
isto é, o convívio é necessário mesmo entre as
diferenças, pois é nesse contexto que se dá a
vivência fraterna.
FONTE: Os autores, 2012
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
597
3.2
AS VIRTUDES FRANCISCANAS E A RELAÇÃO COM ALGUMAS
CARACTERÍSTICAS DO PERFIL DA GERAÇÃO Y
Para identificar certas virtudes que possam ter relação com o perfil da Geração
Y, é necessário, sobretudo, apontar de forma breve e clara algumas características típicas
desse perfil. Não se trata de definições acerca do perfil dessa Geração, entretanto, busca-se
demonstrar aptidões observadas na pesquisa acerca da realidade desses protagonistas.
Segundo Oliveira (2010), alguns comportamentos caracterizam essa geração com
mais propriedade, como a necessidade de constante reconhecimento, a opção por padrões
informais e flexíveis, a individualidade como forma de expressão e a busca intensa por
ampliação da rede de relacionamentos.
Nesta pesquisa foram verificadas algumas virtudes que são características do perfil
da Geração Y. Dentre elas, destacam-se: a realização pessoal e profissional dessa geração
não descarta o envolvimento com as questões sociais e, principalmente, o compromisso
com o desenvolvimento sustentável. Além de não se preocupar somente com os seus
interesses, a atividade profissional é baseada no diálogo, no respeito e no reconhecimento
do outro. Tais virtudes franciscanas são perceptíveis no perfil da Geração Y.
4 SÍNTESE DA METODOLOGIA
O percurso metodológico para a investigação tem três fases consecutivas, tomando
como procedimento de pesquisa o estudo de caso (GIL, 1991). A unidade caso FAE Centro
Universitário foi eleita como amostra intencional (APPOLINÁRIO, 2004), justamente pelo
seu serviço educacional com tratamento humanístico, apresentado na sua missão e visão
organizacionais. A segunda fase caracteriza os indicadores dos perfis da Geração Y, segundo os
estudiosos do tema, por análises dos formulários já respondidos; e a terceira fase correlaciona
e analisa os dados que caracterizam o perfil da Geração Y com as virtudes franciscanas.
A pesquisa direciona-se para outro estudo de caso, a partir de uma das turmas
fonte de dados, para correlação entre os dados. A criação de um roteiro de análise de
conteúdo a respeito da visão franciscana sobre virtudes e a Geração Y serve de parâmetro
para o estudo.
Para tal trabalho, foi utilizado o formulário elaborado pela professora orientadora,
sendo que o questionário possui um roteiro preestabelecido para o estudo em questão.
Na primeira fase do projeto, o questionário foi direcionado aos alunos de Administração
e Ciências Contábeis, sendo que a primeira coleta de dados foi realizada entre 10 a 16 de
dezembro de 2009, nas turmas de terceiro ano do curso de Administração.
598
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O formulário possui 11 questões, algumas com subdivisões ou desdobramentos,
sendo que a última é aberta para que o respondente possa relatar a sua projeção na vida
profissional. A ênfase das correlações do estudo de caso de uma unidade caso do curso
de Administração está na questão 11, justamente por ser subjetiva.
O instrumento de análise é um dos formulários de pesquisa entregue aos alunos,
comparado com o referencial sobre as virtudes franciscanas e Geração Y. A eleição dessa
amostra é intencional pelo fato de decompor uma das primeiras turmas que foram fontes
para a coleta de dados.
A unidade de análise eleita como amostra do curso de Administração converge
para as características iniciais da série histórica pretendida, para, daí, identificar e projetar
tendências desse público-alvo.
4.1
A PESQUISA: TABULAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS
A FAE Centro Universitário é reconhecida, nacional e internacionalmente, como uma
instituição de excelência em ensino, com ênfase na escola de negócios, que se diferencia
pela formação humanista dada aos seus alunos. Tem por missão produzir e difundir o
conhecimento, libertar o ser humano pelo diálogo entre a ciência e a fé, bem como promover
fraternidade e solidariedade, mediante a prática do bem e consequente construção da paz.
A FAE Centro Universitário, fundamentada em uma visão cristã do homem e do
mundo, tem como finalidade proporcionar condições para que os alunos se habilitem ao
exercício profissional pleno e contínuo nas atividades de negócios, educação e áreas afins.
Os seus cursos contemplam tanto o desenvolvimento acadêmico-profissional quanto o da
pesquisa científica, respeitando a legislação vigente e executando exemplarmente o papel
metodológico e pedagógico.
4.2
INDICADORES DO PERFIL DA GERAÇÃO Y COM AS VIRTUDES
FRANCISCANAS A PARTIR DO QUESTIONÁRIO APLICADO
A seguir, apresenta-se análise e interpretação do formulário, já aplicado e
respondido, com as questões que foram consideradas haver relação com as virtudes
franciscanas em geral:
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
599
QUADRO 2 – Análise e interpretação do formulário de pesquisa com as virtudes franciscanas
QUESTÕES DO
FORMULÁRIO
continua
RELAÇÃO EXISTENTE
COM AS VIRTUDES
FRANCISCANAS
Perceber no perfil da Geração
Y as tendências pessoais e
profissionais em relação à família.
(prioridades de estabilidade e
realização pessoal compõem o
perfil profissional em relação à
família).
Virtudes franciscanas: Encontro
(pessoal e comunitário com
os outros, principalmente no
contexto familiar), tendo em vista
que o outro é requisito básico
para o convívio profissional e
pessoal.
No perfil da Geração Y,
pretende-se verificar qual a
relação de tal profissional com
as normas profissionais do
passado. É evidente destacar
que a Geração Y não se opõe a
métodos profissionais antigos,
entretanto, busca realizar ideais
e desenvolver características
próprias.
Deseja-se avaliar no perfil
da Geração Y possíveis
aproximações com as virtudes
franciscanas: Diálogo e
Tolerância (capacidade de
interagir com outras pessoas,
convivência sadia e harmoniosa
com gerações anteriores).
Respeito (as opiniões alheias e
atitudes).
Perceber no perfil da Geração
Y se o sucesso vale a pena
em quaisquer circunstâncias,
somente para alcançar o mérito
profissional, a promoção
desejada ou a aceitação dos
demais colegas de trabalho.
Deseja-se identificar se o sucesso
profissional deve ser conquistado
a qualquer preço, mesmo se isso
custasse o desrespeito e o não
reconhecimento dos outros, isto
é, passaria por cima dos outros
para conseguir a promoção
desejada.
4. Todo chefe deve ser um
parceiro:
Identificar no perfil da Geração
Y(percepções na vida cotidiana
de trabalho) quais seriam as
expectativas em relação ao líder
e se tais relacionamentos com os
chefes, superiores, contribuem ou
não para a sua realização pessoal
e profissional.
Perceber se há a presença das
seguintes virtudes: diálogo,
respeito e solidariedade no
convívio profissional.
5. Mudaria hábitos para
preservar o meio ambiente:
Pretende-se analisar, a partir
do perfil da Geração Y, o
comprometimento social e ético
com a preservação do Planeta,
considerando a possibilidade
de alterar hábitos na luta por
projetos sociais que contribuam
para o desenvolvimento
sustentável do meio ambiente.
Identificar tendências no perfil
da Geração Y que evidenciem
as seguintes virtudes: o cuidado
com a natureza (a percepção,
não somente de si mesmo,
mas também de respeito e
comprometimento com a
natureza). O compromisso ético
de desenvolvimento sustentável
com o Planeta (responsabilidade
social e sustentável).
1. Pensa em constituir família:
( ) logo após a formatura;
( ) depois da estabilidade
profissional;
( ) não.
2. Assinale as opções que você
concorda como presentes
no seu perfil profissional:As
normas profissionais do
passado não valem mais:
3. Vale tudo pelo sucesso: Os
fins justificam os meios?
( ) Sim
( ) Não
600
IDENTIFICAÇÃO E
JUSTIFICATIVA REFERENTE
AO PERFIL DA GERAÇÃO Y
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
conclusão
6. Não ligo se pessoas de
minha relação agridem o meio
ambiente:
Identificar no perfil da
Geração Y se, possivelmente, a
responsabilidade ética e social
na preservação do Planeta é
cobrança geral para as outras
pessoas (e se tal ato pode ser
verificado como uma tendência
fortemente observada na
Geração Y).
Pretende-se identificar nesse
perfil a relação verificada,
ou não; no perfil virtuoso: o
desenvolvimento sustentável
aparece como o cuidado,
respeito à natureza, e o
significado da relação e
importância do meio ambiente.
7. Só atuo em busca de
meus próprios interesses de
realização:
Analisar no perfil da Geração Y
se tais interesses de realização
pessoal também podem ter
relação com a prática de
atividades sociais, isto é, se é
possível nesses interesses pessoais
destacar o perfil humanístico
social dessa geração.
A partir de interesses de
realização pessoal da Geração
Y, verificar as seguintes
virtudes: Diálogo como base
fundamental para o encontro e
comprometimento com a pessoa
do outro.
8. Clareza e honestidade nas
relações são essenciais para as
pessoas:
Identificar no perfil da
Geração Y se tais atitudes de
relacionamento, a clareza e a
honestidade, formam a base das
relações interpessoais.
Pretende-se identificar, a
partir do perfil da Geração
Y, se as virtudes franciscanas
estão presentes nas relações
interpessoais: Lealdade e
Respeito na aproximação com
o outro, reconhecimento da
dignidade que há em cada ser
humano.
9. Nas redes interpessoais,
todos têm a mesma
importância:
Considerar no perfil da Geração
Y o reconhecimento e a
valorização da pessoa humana
em analisar que não existe o mais
importante, mas é necessário se
relacionar com todos.
Identificar no perfil da Geração
Y tendências que evidenciem
a relação com as virtudes
franciscanas: a fraternidade (sem
méritos a alguns, mas realmente
reconhecer o outro como irmão).
10. Chefes e professores
devem ser respeitados e
obedecidos:
Identificar no perfil da Geração Y a
sensibilidade desse profissional em
reconhecer que, também, outros
profissionais merecem respeito e
consideração, e, possivelmente,
verificar a relação com o perfil
humanístico dessa geração.
Compreender no perfil
da Geração Y, justamente
com a presença de virtudes
franciscanas, o encontro como
reconhecimento e a possibilidade
de diálogo e respeito pela pessoa
do outro.
FONTE: Os autores, 2012
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601
4.3
TABULAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS: ALGUMAS QUESTÕES DA
RELAÇÃO DA GERAÇÃO Y COM AS VIRTUDES FRANCISCANAS
O estudo de caso da unidade de análise do curso de Administração é apresentado
com dados que caracterizam tal unidade. Nas tabelas em que se identifica o perfil dos
respondentes com respostas associadas aos conceitos das virtudes franciscanas, faz-se o
destaque com a respectiva correlação.
Preferiu-se a apresentação da tabulação com dados agrupados para melhor análise
dos resultados.
TABELA 1 – Projetos para constituir família - FAE dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Logo após a formatura
2
6,06
Depois da estabilidade profissional
28
84,8
Não
3
9,09
Já tem
0
0
TOTAL
33
99,95
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
Sobre o projeto de constituir família, 84,8% dos respondentes desejam constituir
família após a estabilidade profissional. Para o perfil profissional da Geração Y, a família é
um projeto que faz parte das prioridades da vida pessoal.
De acordo com os dados coletados, observa-se que, para o estudo das virtudes
franciscanas, a variável família é primordial, porque é justamente nesse contexto que
se realiza o encontro pessoal e comunitário entre as pessoas, há um destaque maior na
convivência e as inter-relações com os outros.
TABELA 2 – Perfil profissional: as normas profissionais do passado não valem mais - FAE dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Concorda
2
Não concorda
31
93,9
TOTAL
33
99,96
6,06
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
Na tabela 2, referente ao perfil profissional, observa-se que 93,9% dos respondentes
não concordam com o argumento de que as normas do passado já estão ultrapassadas.
A partir desses resultados, verifica-se que o profissional da Geração Y não se opõe aos
métodos profissionais antigos, o que atualiza o próprio potencial no desenvolvimento profissional.
602
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
De acordo com os dados da pesquisa, observa-se que há interação do perfil da
Geração Y com as virtudes franciscanas. Para 93,9% dos respondentes, evidencia-se a
aproximação de gerações pelo diálogo, respeito e tolerância às opiniões divergentes de
pessoas que não falam a mesma língua da Geração Y.
TABELA 3 – Vale tudo pelo sucesso - FAE dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Sim
16
48,4
Não
17
51,5
TOTAL
33
99,9
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
De acordo com a área profissional e se é válido tudo pelo sucesso profissional
e pessoal, os resultados observados apontam que 51,5% dos alunos pesquisados não
concordam com a premissa de que vale tudo pelo sucesso. O jovem profissional da
Geração Y demonstra que para alcançar o sucesso profissional não é necessário conquistálo a qualquer custo. Na análise das virtudes franciscanas, tal resultado demonstra que vale
muito mais a integridade do que o sucesso temporário.
TABELA 4 – Perfil profissional: todo chefe deve ser um parceiro - FAE dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Concorda
22
66,6
Não concorda
11
33,4
TOTAL
33
100
FONTE: Alunos da FAE Centro universitário (2009)
O jovem da Geração Y demonstra uma expectativa em relação ao gestor da
empresa, de forma geral, o chefe também é responsável direto pelo desenvolvimento e
desempenho desse profissional.
De acordo com a pesquisa, 66,6% dos alunos demonstram que é necessário
estabelecer relações de confiança e parcerias entre os chefes e os funcionários. Para a análise
das virtudes franciscanas, tais resultados confirmam que é possível um relacionamento
saudável e que o diálogo e a tolerância são ferramentas fundamentais na convivência
pessoal e profissional no ambiente de trabalho.
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603
TABELA 5 – Perfil profissional: mudaria hábitos para preservar o meio ambiente - FAE, dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Concorda
23
69,6
Não concorda
10
30,4
TOTAL
33
100
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
Na tabela 5, referente ao contexto sustentável do Planeta, 69,6% dos respondentes
mudariam de hábitos para preservar o meio ambiente. O resultado é idêntico ao que já foi
verificado em outros estudos do perfil da Geração Y, em que o comprometimento ético
e social na preservação do Planeta e, inclusive, a mudança de hábitos que ajudariam na
solução dos problemas ecológicos no século 21 é pauta de compromisso.
Esses resultados mostram a aproximação das virtudes franciscanas e o perfil da
Geração Y no que se refere às ações de enfrentamento aos problemas do meio ambiente.
Foi verificado no perfil desses jovens pesquisados o compromisso com o desenvolvimento
sustentável, pois esse profissional não se preocupa apenas com as questões pessoais do
trabalho, mas demonstra a expectativa e o desejo de mudar a realidade presente no
contexto ambiental.
TABELA 6 – Perfil profissional: não ligo se pessoas de minha relação agridem o meio
ambiente - FAE dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Concorda
1
3,03
Não concorda
32
96,9
TOTAL
33
99,93
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
Pelo resultado da tabela 6, observa-se que a maioria dos respondentes (96,9%) não
concorda com a afirmação que não se importa com a atitude de pessoas que agridem o
meio ambiente.
A proposta franciscana dessa pesquisa corrobora com a apresentada no resultado,
pois a atitude franciscana se resume no cuidado e o respeito com a natureza. Tal atitude
propõe o compromisso ético-social com a sustentabilidade e a defesa da vida em quaisquer
situações, pois Francisco de Assis compreendia que todos os seres são irmãos, revelando
uma mística comunhão e amor entre os homens e a natureza. Sua atitude, ainda hoje, é
inovadora e misteriosa, desse modo, Francisco se faz presente no cotidiano da vida humana.
604
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
TABELA 7 – Perfil profissional: só atuo em busca de meus próprios interesses de realização FAE dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Concorda
4
12,1
Não concorda
29
87,8
TOTAL
33
99,9
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
Os resultados acima demonstram que 87,8% dos respondentes não consideram sua
atuação profissional somente na busca de realização própria. A partir disso, evidencia-se o
retrato do perfil humanístico dessa geração, isto é, os jovens da Geração Y são preocupados
com os outros.
Na pesquisa, verificou-se uma abertura para os outros, e a atenção a outras pessoas
que não fazem parte da relação de trabalho. Para as virtudes franciscanas, os dados coletados
caracterizam a presença do diálogo, do encontro, da fraternidade, e o compromisso com
a vida do ser humano.
TABELA 8 – Perfil profissional: nas relações interpessoais todos tem a mesma importância - FAE
dez. 2009
OPÇÃO
n
%
Concorda
10
30,3
Não concorda
23
69,6
TOTAL
33
99,9
FONTE: Alunos da FAE Centro Universitário
De acordo com os dados da tabela 8, 69,6% não concordam que nas relações
interpessoais todos têm a mesma importância. Entretanto, a proposta franciscana é a de
cultivar e promover a fraternidade, isto é, reconhecer o outro como irmão, não se trata de
eleger os melhores para se conviver.
Os dados apresentados permitem compreender a relação entre o perfil do profissional
da Geração Y e as virtudes franciscanas, fornecendo elementos para correlacionar os dados
existentes na pesquisa e o perfil humanístico dessa geração com a proposta franciscana das
virtudes, permitindo a aproximação com a realidade dos alunos pesquisados.
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605
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do objetivo geral, pôde-se identificar o perfil do novo profissional do século
21, a partir da análise das características da Geração Y, plasmado na presença e atualização
das virtudes franciscanas.
Por se tratar de uma instituição confessional com base nos ensinamentos de São
Francisco de Assis, a FAE Centro Universitário pode ter possibilitado a ambiência para a
aproximação de seu público alvo com a formação humanística. A própria escolha pela
instituição pode indicar tendências para a incidência desse perfil pessoal, que se reflete
no perfil profissional.
Os resultados dos formulários respondidos pelos alunos de Administração
contribuíram na análise e no estudo das características da Geração Y, e, dessa forma,
colaborou também na identificação do perfil profissional juntamente com a aderência
conceitual das virtudes franciscanas.
Os dados coletados mostraram a aproximação do perfil da Geração Y com as
virtudes franciscanas. Os resultados apontam que as virtudes franciscanas são atualizadas no
comportamento pessoal e profissional, bem como no perfil humanístico social dessa geração.
Percebe-se a consciência de preservação à natureza, além de se notar a preocupação por
questões ambientais que são relevantes no contexto social e o engajamento na construção
do desenvolvimento sustentável.
Os respondentes não se preocupam apenas com os seus interesses de realização
profissional, é evidente que tal perfil caracteriza essa geração como jovens que reconhecem
os outros, isto é, se empenham no compromisso ético-social e na valorização do ser humano.
Verificou-se, também, que na maioria dos respondentes o sucesso profissional
não deve estar acima do senso de honestidade e justiça. Tal questão evidencia o perfil
humanístico dessa geração em procurar a felicidade profissional, porém não se; utilizar
de meios que desrespeitem os outros. Percebe-se, também, a atualização das virtudes
franciscanas no comportamento ético e na presença do diálogo, respeito e, principalmente,
o reconhecimento do homem.
Enfim, as características do perfil da Geração Y são verificadas no comportamento
dos jovens profissionais e são perceptíveis às virtudes franciscanas, diálogo, respeito,
tolerância, fraternidade, lealdade e o acolhimento. Essas virtudes compõem o perfil
humanístico e social do novo profissional do século 21.
606
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
No princípio do estudo projetou-se a tabulação e análise dos dados, considerando-se
uma amostra por semestre da série histórica já coletada. Contudo, devido à dificuldade de
criar o modelo de análise correlacionando-se perfil e virtudes, esse objetivo ficou focado
na amostra do primeiro ano da série histórica. Acredita-se que com esse procedimento
as tendências, ora identificadas, possam ser melhores analisadas nos anos subsequentes
do estudo efetivado.
Como recomendação, sugere-se a continuidade do estudo considerando-se a
necessidade de clarificação das respostas. Existe a possibilidade de pesquisa de levantamento
com alunos para caracterizar essa relação entre o perfil da geração com as virtudes
franciscanas (algumas tendências de algumas virtudes ou do franciscanismo em geral), que
pode ficar evidenciada em outras abordagens metodológicas.
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607
REFERÊNCIAS
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do IFAN,18), 1997.
_____. Visão Franciscana da vida e do mundo. Bragança Paulista: EDUSF (Cadernos do IFAN,13), 1996.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano, compaixão pela terra. Petropólis: Vozes, 1999.
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CAROLI, Ernesto (Org.). Dicionário franciscano. Petrópolis: Vozes, 1993.
TEIXEIRA, Celso Marcio (Org.) Fontes franciscanas. Petrópolis: Vozes, 2004.
GERAÇÃO Y. Disponível em:< http://pt.wikipedia.org/wiki/gera%c3%a7%c3%a3o_y>. Acesso
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HARADA, Hermógens. À margem de uma comemoração. São Paulo: Grande Sinal, 1982. p. 449.
LOIOLA, Rita. Geração Y. Galileu, Rio de Janeiro, n. 219, p. 50-53, out. 2009.
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dez./2009.
MERINO, Antonio José. Filosofia da vida: visão Franciscana. Braga: Editorial Franciscana, 2000.
_____. Humanismo franciscano: franciscanismo e mundo atual. Petrópolis: Família Franciscana
do Brasil, 1999.
MOREIRA, Alberto da Silva. Herança franciscana. Petrópolis: Vozes, 1996.
OLIVEIRA, Sidnei. Geração Y: o nascimento de uma nova versão de líderes. São Paulo: Integrare, 2010.
608
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
ECOFILOSOFIA EMPRESARIAL: FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA
SUSTENTABILIDADE E DA RESPONSABILIDADE SOCIAL
Marcelo Bazzei Trevisol*
Léo Peruzzo Júnior**
RESUMO
A responsabilidade e sustentabilidade fazem parte do contexto empresarial do novo
modelo de gestão do terceiro milênio. A preocupação com os princípios éticos, morais
e ambientais tornaram-se necessários para que se estabeleçam critérios e parâmetros
adequados para as atividades empresariais socialmente responsáveis. Cria-se um
dilema não apenas conceitual a respeito do tema, mas também pragmático. Dessa
forma, este artigo pretende analisar como o modelo de economia, os níveis de
consumo, escassez de recursos e crescimento demográfico são fatores capazes de
reavaliar e questionar o comportamento das organizações perante seus stakeholders
exigindo uma nova ecofilosofia empresarial.
Palavras-chave: Sustentabilidade. Responsabilidade Social. Organizações.
Ecofilosofia empresarial. Economia.
* Aluno do 4º ano de Administração da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário E-mail: [email protected].
** Doutorando em Ética e Filosofia Política (UFSC). Professor da FAE Centro Universitário. E-mail: leo.
[email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
609
INTRODUÇÃO
Uma das principais dificuldades do ser humano, durante séculos, é a de
compreender situações climáticas que pareciam acontecer por causalidade ou misticismo.
A interferência humana na ordem natural do universo é um problema que surge na
modernidade, especialmente devido ao progresso da ciência e da revolução astronômica.
Dessa forma, o ser humano passou a tomar consciência da complexidade do
meio em que está envolvido e das consequências que suas ações podem causar ao
capital natural. As significativas transformações percebidas, especialmente no final do
século XX, são o principal meio que podem ajudar o ser humano a repensar sua visão de
mundo e sua forma de produção econômica. Diante do desequilíbrio dos ecossistemas,
percebe-se que o comportamento econômico está afetando negativamente o meio
ambiente e, consequentemente, o desenvolvimento da ordem social.
Com o início dos avanços tecnológicos, principalmente após a Revolução Industrial
do século XIX, e com o significativo crescimento populacional, as atividades produtivas
passaram a causar maiores impactos ao meio ambiente. Essas situações herdadas do
modelo capitalista, por si só, já são um problema de difícil compreensão e assimilação.
A partir desse contexto, é possível pensar a nova compreensão dos institutos,
fundações, associações empresariais que vêm buscando assumir uma gestão socialmente
responsável nos negócios. A responsabilidade social empresarial e a sustentabilidade são
uma forma de conduzir as ações organizacionais pautadas em valores éticos que visem
integrar todos os protagonistas de suas relações: clientes, fornecedores, consumidores,
comunidade local, governo (público externo) e direção, gerência e funcionários (público
interno). Ou seja, todos aqueles que são diretamente, ou não, afetados por suas
atividades, contribuindo para a construção de uma sociedade que promova a igualdade
de oportunidades e a inclusão social no País.
Segundo Elisabeth Rico (2004, p. 72),
as empresas, adotando um comportamento socialmente responsável, são poderosos
agentes de mudança ao assumirem parcerias com o Estado e a sociedade civil, na
construção de um mundo economicamente mais próspero e socialmente mais justo.
O modelo de economia capitalista vivido atualmente possui como premissa
maximizar os lucros das corporações e aumentar seus processos produtivos. Para
executar esse processo, extrai-se do meio ambiente matéria-prima, e, após a execução
da escala produtiva e de comércio, devolve-se ao meio ambiente resíduo sólido, gases
e efluentes líquidos.
610
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Em 2000, no Brasil, eram produzidas, diariamente, 125 mil toneladas de lixo. Em
2010, são produzidas 53 milhões de toneladas de resíduos urbanos por ano (IBGE, 2012).
A falta de cooperação entre políticas públicas e empresariais ocasionaram um
enfrentamento entre o crescimento econômico e o desenvolvimento ambiental. A partir
de tal enfoque, esta pesquisa demonstra que as ações governamentais e as iniciativas
empresariais são fundamentais para a consolidação do crescimento econômico. A não
realização dessa aproximação põe fim tanto ao processo capitalista quanto à esperada
qualidade de vida das pessoas.
Segundo Rico (2004, p. 74),
A responsabilidade social das organizações surgiu num contexto no qual há uma
crise mundial de confiança nas empresas. Para tanto, as organizações empresariais
começaram a promover um discurso politicamente correto, pautado na ética,
implementando ações sociais que podem significar ganhos em condições de
qualidade de vida e trabalho para a classe trabalhadora ou, simplesmente, podem
se tornar um mero discurso de marketing empresarial desvinculado de uma prática
socialmente responsável.
Consciente dos riscos que uma economia sem planejamento pode criar, a
sociedade civil passa a exigir do mercado e do governo um conceito de desenvolvimento
que incorpore a sustentabilidade nos negócios. Nesse panorama, as empresas começam
a rever seus processos, tendo como meta adequar-se a essa nova característica do
mundo contemporâneo.
De acordo com Kreitlon (2012), como consequência das profundas transformações
políticas, econômicas e sociais ocorridas no Brasil e no mundo a partir dos anos 1980, e
intensificadas durante a década de 1990, “os papéis que competem às esferas pública e
privada e às organizações da sociedade civil têm sido alvo de numerosos questionamentos
e redefinições, tanto no cenário local como internacional” (KREITLON, 2012, p. 273).
Entre os principais fatores responsáveis por essas transformações, segundo Kreitlon
(2012), destacam-se a globalização econômica e financeira, de caráter neoliberal; a
reorientação do papel do Estado; o agravamento das desigualdades na distribuição de
renda e de poder; a urgência assumida pelos problemas relativos ao meio ambiente; a
maior democratização no acesso à educação e à informação; e a crescente importância
atribuída às descobertas científicas e inovações tecnológicas. Essas características obrigam
ao desenvolvimento de uma ecofilosofia empresarial que passe a elaborar uma economia
baseada na sustentabilidade e na responsabilidade social.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
611
As pressões dos consumidores, a formação de políticas governamentais adequadas
e a conscientização dos modelos empresariais são ferramentas importantes para alterar
o modelo de desenvolvimento econômico no cenário internacional.1
Ao abordarmos o conceito de sustentabilidade e responsabilidade social,
pretende-se propor esses termos como requisitos indispensáveis para o crescimento
econômico das organizações e para o desenvolvimento da melhoria das condições sociais.
A burocratização do trabalho e das atividades empresariais não podem ser obstáculos
para a visão de negócios iniciadas no terceiro milênio.
O presente artigo busca rever os conceitos de sustentabilidade e responsabilidade
social, uma vez que ambos estão interligados e tomam proporções diferentes, pois
não são conceitos acabados, precisam se reinventar conforme a necessidade que as
organizações têm de apresentar resultados que justifiquem suas ações e minimizem
danos à sociedade e ao meio ambiente. Para isso, serão revisitados momentos e eventos
em que os temas foram discutidos, a fim de perceber como esse conceito pode ser
reconstruído. Pretende-se mostrar, com isso, comportamentos socialmente responsáveis
que as empresas podem adotar para se tornar não somente uma organização competitiva,
mas também sustentável.
Por se tratar de uma pesquisa de fundamentação teórica, a metodologia utilizada
apoiou-se na leitura da bibliografia indicada e no levantamento empírico das cadeias
produtivas no setor econômico nacional e internacional.
Os dados e conceitos obtidos pelos referidos estudos foram confrontados com a
necessidade de elaboração de uma ecofilosofia empresarial. Foram feitos levantamentos
das bibliografias existentes sobre o tema, revisados conceitos e propostas já apresentadas
por pesquisas das últimas décadas.
Este artigo visa demonstrar como as organizações podem implantar sistemas
eficientes para incorporar em suas atividades uma nova perspectiva de gestão focada
nas práticas corporativas de um ambiente sustentável e responsável.
Segundo Barbieri e Cajazeira (2009), a empresa responsável é um caminho sem volta, não apenas um
modismo ou estratégia de marketing.
1
612
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
2DESENVOLVIMENTO
Os conceitos de ética, responsabilidade social e sustentabilidade vêm
amadurecendo de acordo com a capacidade de implementá-los nas organizações.
Discutido por várias vertentes de conhecimento, esses conceitos começaram a ganhar
fundamentação e pauta, principalmente a partir da década de 1970. (Cf. MILLER;
SPOOLMAN, 2012). Nesse período, começou-se a perceber a necessidade de construir
ferramentas que pudessem ser aplicadas no meio empresarial. Começaram a aparecer
as questões sobre como e em que medida as corporações poderiam responder às suas
obrigações sociais e minimizar os riscos sociais e ambientais.
O crescimento global parece ser um dos grandes desafios na construção de
um desenvolvimento sustentável que seja capaz de valorizar, ao mesmo tempo, os
recursos humanos e os naturais. Nos conceitos de sustentabilidade e desenvolvimento
sustentável parecem caber vários significados, devido à similaridade com que são tratados
e, principalmente, em virtude dos vários meios em que esses conceitos são incluídos.
O crescimento, bem sabemos, é inevitável2. No entanto, está no alcance de as
organizações fazer com que suas atividades respeitem os limites ambientais, prevendo
riscos e impactos sociais. Nesse cenário de prosperidade e equilíbrio é que surge o
conceito de desenvolvimento sustentável.
Segundo Romeiro (1999, p. 2-3),
O conceito de desenvolvimento sustentável surgiu pela primeira vez, com o nome
de eco-desenvolvimento, no início da década de 70. Foi uma resposta à polarização
exacerbada pela publicação do relatório do Clube de Roma, que opunha partidário de
duas visões sobre as relações entre crescimento econômico e meio ambiente: de um
lado, aqueles, genericamente classificados de possibilistas culturais (ou ‘tecno-cêntricos’
radicais), para os quais os limites ambientais ao crescimento econômico são mais que
relativos diante da capacidade inventiva da humanidade, considerando o processo
de crescimento econômico como uma força positiva capaz de eliminar por si só as
disparidades sociais, com um custo ecológico tão inevitável quão irrelevante diante
dos benefícios obtidos; de outro lado, aqueles outros, deterministas geográficos ( ou
‘eco-cêntrico’ radicais), para os quais o meio ambiente apresenta limites absolutos
ao crescimento econômico, sendo que a humanidade estaria próxima da catástrofe.
Mantidas as taxas observadas de expansão de recursos naturais (esgotamento) e de
utilização da capacidade de assimilação do meio (poluição).
2
Cf. CENSO IBGE 2010. Disponível em www.ibge.gov.br.
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613
A partir desses conceitos e do relatório citado, começaram a surgir uma série de
previsões de como nosso planeta estaria comprometido caso o crescimento e os modelos
de produção continuassem se desenvolvendo descomprometidos com qualquer política
de segurança.
Em 1987, com a Comissão Mundial de Meio Ambiente e Desenvolvimento,
surge o conceito de Desenvolvimento Sustentável, exposto no relatório Nosso Futuro
Comum, também conhecido como Relatório de Brundtland. Nesse relatório, é possível
visualizar quais são as propostas e os problemas que novas políticas de desenvolvimento
sustentável devem fazer para melhorar os efeitos do desenvolvimento econômico.
[...] propor estratégias ambientais de longo prazo para obter um desenvolvimento
sustentável por volta do ano 2000 e daí em diante. Recomendar maneiras para que
a preocupação com o meio ambiente se traduza em maior cooperação entre os
países em desenvolvimento e entre países em estágios diferentes de desenvolvimento
econômico e social e leve à consecução de objetivos comuns e interligados que
considerem as inter-relações de pessoas, recursos, meio ambiente e desenvolvimento;
considerar meios e maneiras pelos quais a comunidade internacional possa lidar mais
eficientemente com as preocupações de cunho ambiental; ajudar a definir noções
comuns relativas a questões ambientais de longo prazo e os esforços necessários
para tratar com êxito os problemas da proteção e da melhorias do meio ambiente,
uma agenda de longo prazo para ser posta em prática nos próximos decênios, e os
objetivos a que aspira a comunidade mundial (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO
AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. xi).
Os temas discutidos na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e
Desenvolvimento tinham como objetivo colocar em discussão os desafios e esforços em
comum que precisavam ser desenvolvidos, os quais nada mais eram do que propostas
de mudanças institucionais nas áreas de desenvolvimento e meio ambiente.
Conforme se pode observar no referido documento, o desenvolvimento
sustentável é aquele que atende às necessidades presentes sem comprometer a
capacidade de as gerações futuras atenderem também suas necessidades. Essa proposta
suscita a responsabilidade gerencial das empresas e de suas atividades por meio de
políticas eficientes de controle e qualidade de sua produção. No entanto, apesar de o
documento ser um indicativo internacional, seu principal desafio é tornar-se parte das
legislações internacionais e das certificações para o desenvolvimento de quaisquer áreas
do setor produtivo (Cf. GRAYSON; HODGES, 2002).
No ano de 1992, foi realizada, no Rio de Janeiro, a Conferência Mundial sobre
Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, mais conhecida como Rio92. Esse
evento foi realizado 20 anos após a Conferência de Estocolmo, a qual tratou de diferenciar
ecodesenvolvimento e desenvolvimento sustentável.
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A Conferência do Rio consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável,
contribuindo, assim, para a ampla conscientização de que os danos ao meio ambiente
eram majoritariamente de responsabilidade dos países desenvolvidos. Nessa ocasião,
também se reconheceu a necessidade de que os países em desenvolvimento deveriam
receber apoio financeiro e tecnológico para avançarem na direção do desenvolvimento
sustentável. Esse fenômeno seria responsável pelas políticas de melhoria na infraestrutura
e nas técnicas de produção usadas por tais países.
A Rio92 contou com a presença de representantes governamentais de vários
países e teve como resultados dois importantes documentos: a Carta da Terra e a Agenda
21. De acordo com Oliveira Filho (2004, p. 6),
A agenda 21 dedica-se aos problemas da atualidade e almeja preparar o mundo para
os desafios do século XXI. Ela reflete o consenso global e compromisso político em
seu mais alto nível, objetivando o desenvolvimento e o compromisso ambiental. A
declaração do Rio visa estabelecer acordos internacionais que respeitem os interesses
do todos e proteja a integridade do sistema global de ecologia e desenvolvimento.
A partir desse momento, começa a existir de maneira globalizada uma preocupação
no que diz respeito à gestão ambiental e o desenvolvimento sustentável tanto por
parte das entidades governamentais das organizações públicas e privada como dos
consumidores deste mercado global.
A agenda 21 foi acordada pelos 170 países participantes e tinha como principal
objetivo fazer com que os países que assumiram os desafios incorporassem em suas políticas
públicas princípios de desenvolvimento sustentável. Esses princípios tornam-se uma
condição essencial para a implementação de ações que visem à redução da sobrecarga
de resíduos ao meio ambiente, além de tratar de questões internas que poderiam ser
assumidas pelas organizações, sobretudo aquelas de países desenvolvidos onde o sistema
produtivo está mais bem consolidado.
Uma década após a Rio92, na África do Sul, ocorreu a maior conferência mundial
sobre o tema Gestão Ambiental e Desenvolvimento Sustentável, denominada como
RIO+10. Nessa conferência foram tratados de assuntos referentes ao chamado Protocolo
de Kyoto, no qual os países firmaram um compromisso em que países com maior nível
de industrialização deveriam ser tributados e responsabilizados de maneira maior no
que diz respeito às responsabilidades da não preservação do Planeta para gerações
futuras. Isso deveria acontecer porque os países com maior nível de industrialização
são os maiores utilizadores de recursos naturais geradores de resíduos e poluentes (Cf.
ASHELEY et col., 2005).
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615
Procurando sintetizar os resultados das discussões a respeito do tema sustentabilidade,
a Cúpula Mundial do Desenvolvimento Sustentável, a RIO+10, baseou seus conceitos em três
pilares: econômico, social e ambiental. Esse conceito tornou-se conhecido entre as empresas
e os pesquisadores, especialmente para ilustrar uma visão mais ampla da sustentabilidade. A
partir desse conceito, fica claro que não podemos separar as questões sociais das ambientais,
ou seja, quando falamos que uma empresa é sustentável ela deve ser ecológica e socialmente
responsável, procurando sempre atender aos interesses dos stakeholders que afetam ou são
afetados por suas atividades.
Um estudo realizado por Conceição et al. (2011), caracterizado como uma
pesquisa qualitativa e quantitativa, com amostra formada por 123 empresas listadas na
Bovespa (Bolsa de Valores do Estado de São Paulo – Brasil), procurou identificar a ideia
de disclosure relativo à responsabilidade social corporativa3. Os resultados apontaram
que apenas 52 empresas apresentaram algum tipo de comunicação acerca de seu
desempenho em responsabilidade social corporativa, demonstrando, assim, um pequeno
percentual ou política de gestão.
Após 20 anos da ECO 92, ocorreu a RIO+20, organizada pela Conferência
das Nações Unidas tratando sobre Desenvolvimento Sustentável. Pressionados,
principalmente pela população que se sente ameaçada com os riscos que pode sofrer
em decorrência do desequilíbrio do ecossistema, as organizações representadas pelos
chefes de Estado se comprometeram em orientar políticas públicas de desenvolvimento
sustentável. O objetivo da conferência foi assegurar um comprometimento político
renovado para o desenvolvimento sustentável, avaliar o progresso feito até o momento
e as lacunas que ainda existem na implementação de resultados dos principais encontros
sobre desenvolvimento sustentável, além de abordar os novos desafios emergentes.
As empresas disponibilizaram seus relatórios (DFP – Demonstrações Financeiras Padronizadas) por sua
ferramenta institucional denominada Divulgação Externa (DivExt) relativos ao exercício de 2008.
3
616
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3
SUSTENTABILIDADE E RESPONSABILIDADE SOCIAL NAS ORGANIZAÇÕES
As discussões a respeito da responsabilidade social das organizações têm ocupado
um espaço cada vez maior na mídia, no meio corporativo, e também no espaço
acadêmico. Enquanto as universidades preocupam-se em formar gestores preocupados
com o desenvolvimento sustentável, a sociedade e a mídia cobram atitudes mais
responsáveis das organizações.
Não existe ainda um consenso sobre qual deveria ser o posicionamento social
das empresas. De um lado, defende-se a ideia clássica de que organização responsável
é aquela que cumpre sua função de gerar empregos, arcar com suas obrigações fiscais e
proporcionar lucros aos seus acionistas. De outro, defende-se a ideia de que as empresas
devem assumir um papel mais relevante na sociedade. As empresas deveriam ir muito
além da ideia clássica, deveriam também assumir uma postura de desenvolvimento
sustentável atendendo às legislações ambientais e as demais aspirações da sociedade.
Mas o que as empresas ganham com isso? Clientes. Pois os consumidores estão
começando a dar preferência a empresas socialmente responsáveis no momento da
compra. Além disso, as empresas ganham maior valor positivo na exposição da sua
marca, maior demanda e valorização por suas ações e preferência dos investidores.
Consequentemente, ações convenientemente dirigidas à preservação ambiental, dentro
dessa visão contributiva de marketing social e ambiental, certamente serão recompensadas
com salutares retornos de imagem diferenciada com vantagem competitiva (LEITE, 2003).
Nesse sentido, um dos grandes desafios que as organizações modernas
estão enfrentando na área de responsabilidade social é a de estabelecer políticas de
responsabilidade e sustentabilidade. Essas políticas devem resgatar a identidade da
organização de acordo com a sua missão e valores. É importante, como em todo projeto,
envolver todos os colaboradores da empresa, e definir com clareza todos os objetivos que
se pretende alcançar. Além disso, existe a necessidade de acompanhamento, avaliação
e divulgação de resultados.
A partir dos resultados obtidos neste trabalho, desenvolveu-se um conjunto de
variáveis e indicadores que permitem analisar o modelo de gestão da organização.
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QUADRO 1 – Variáveis e indicadores da gestão sustentável
Variáveis
Indicadores
1 Governança corporativa
A missão da empresa e a cultura
organizacional devem ter como pilares a
responsabilidade social e a sustentabilidade.
2 Colaboradores internos
A organização deve ter estratégias para
avaliar seus colaboradores com padrões
trabalhistas internacionais. Além disso, possuir
uma área de Recursos Humanos focada no
aproveitamento do capital humano.
3 Políticas ambientais
As organizações devem gerenciar seus
produtos e serviços, e devem aplicar algum
tipo de logística reversa.
4 Fornecedores
As organizações devem avaliar
externamente o produto e o serviço
consumido. Os produtos ou serviços
recebidos devem possuir em suas cadeias
produtivas uma gestão sustentável.
5 Público consumidor
A política comercial da organização deve
avaliar a excelência do produto e do
atendimento fornecido ao cliente.
6 Sociedade
A organização deve possuir um
planejamento de riscos e benefícios de suas
atividades para a comunidade em geral,
mesmo que essa comunidade não seja
consumidora do produto ou serviço.
7 Governo
A organização deve contar com um plano
fiscal e seguir a legislação ambiental e
comercial vigente.
FONTE: Elaboração própria
Dessa forma, o desenvolvimento de uma ecofilosofia empresarial que tenha
como pilares a sustentabilidade e a responsabilidade social é essencial a qualquer área
do desenvolvimento econômico. Ignorar tais questões é permitir que as organizações
avancem num caminho sem volta frente à escassez, poluição e má distribuição dos
recursos naturais, além de ignorar vantagens competitivas, fortalecimento da marca e
relacionamento com seus investidores.
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CONCLUSÃO
O pensamento dominante no ambiente corporativo, em suas estratégias de
marketing e gestão, aborda fundamentalmente a questão social e os desafios impostos
pelas questões ambientais como oportunidades de negócios. Essa perspectiva é vista,
especialmente, como uma forma de reduzir custos ou como uma forma de diferenciação
perante seus concorrentes (Cf. CARRIERI; SILVA; PIMENTAL, 2009, p. 1-4).
Grande parte das empresas trata essa questão como uma resposta à cobrança
da sociedade e à necessidade de manter uma imagem e uma reputação de organização
socialmente responsável e, principalmente, como uma resposta às exigências de
licenças para que possam operar. Isso nos mostra que em grande parte das empresas a
responsabilidade social ainda é uma prática reativa.
Dessa forma, a responsabilidade social e a sustentabilidade podem se tornar
responsáveis pela manutenção do bem-estar, da natureza e da população por possuir
dimensões ambientais, econômicas e sociais. Em virtude disso, as empresas devem ter
uma postura ativa, visualizando a sustentabilidade como novo critério básico e integrador,
com capacidade de fortalecer valores coletivos, com capacidade de reflexão e ação em
torno da problemática ambiental4.
Práticas corporativas ambientalmente saudáveis apontam para propostas
centradas na criticidade dos sujeitos, com vistas à mudança de comportamento e atitudes,
ao desenvolvimento da organização social e da participação coletiva. Essa mudança
paradigmática implica também uma mudança de percepção e de valores, gerando um
pensamento complexo, aberto às mudanças, à diversidade, à possibilidade de construir
e reconstruir, configurando novas possibilidades de ação.
Senge (2008) define as “organizações que aprendem” como aquelas que
aprendem a desenvolver novas habilidades e capacidades, que levam a novas percepções
e sensibilidades, que, por sua vez, revolucionam crenças e opiniões. Nesse sentido, o
compromisso social empresarial não pode ser algum tipo de filantropia5.
Cf. Pesquisa de Ação Social IPEA, 2001 apud REIS, 2007.
4
Cf. REIS, 2007, p.299.
5
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619
A premissa que norteia o conceito de ecofilosofia empresarial é o diálogo
de saberes que permite o encontro de diferentes percepções e a formação de um
pensamento crítico, criativo e sintonizado com a necessidade de propor respostas
para o futuro empresarial. Esse pensamento crítico deve ser capaz, ainda, de analisar
as complexas relações entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente em
uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais.
Para tanto, as empresas devem abordar cinco aptidões essenciais para avançar na
direção de um futuro mais sustentável: uma visão de futuro sustentável e responsável;
desenvolvimento do pensamento crítico e reflexivo sobre os mecanismos produtivos; um
pensamento sistêmico que insere complexidades e busca relações e sinergias em busca de
soluções para problemas ambientais e mundiais; construção de parcerias, promovendo
diálogo e negociação entre o setor empresarial e governamental; e fortalecimento de
processos decisórios participativos entre colaboradores e sociedade.
Procurou-se ressaltar, ao longo deste trabalho, alguns aspectos ideológicos,
econômicos e sociais que fornecem enquadramento para os atuais discursos de
responsabilidade social das empresas. No entanto, embora essa questão tenha ocupado
a pauta das organizações, muitas vezes a função, a atividade e a responsabilidade das
organizações na sociedade são questionadas. Mesmo que os termos responsabilidade
social e sustentabilidade frequentemente tenham aparecido na mídia e encontros
internacionais, eles possuem um dinamismo incomparável pela natureza de suas causas,
bem como pelos seus múltiplos desdobramentos, constituindo um ponto de tensão para
o modelo de gestão empresarial e de suas relações com a sociedade.
Portanto, um conceito é, na maioria dos casos, fruto da experiência, da verificação
empírica de um determinado fato e, no final, da tentativa de expressar um novo paradigma
no ambiente empresarial. Embora o termo esteja em voga no novo vocabulário das
empresas, não está plenamente definido e não encontrou ainda um grau de estabilidade
semântica, por isso a necessidade de revisão e criação de novos conceitos.
Cabe afirmar, portanto, que uma nova ecofilosofia empresarial necessita de revisões
constantes na forma como se estruturam suas atividades e sua relação com os stakeholders.
620
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622
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA DO RECONHECIMENTO PARA OS ESTUDOS
ORGANIZACIONAIS NA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS
Augusto Luis Pinheiro Martins*
Osmar Ponchirolli**
RESUMO
A partir da Teoria do Reconhecimento, proposta por Axel Honneth, o objetivo deste artigo
é analisar as possíveis contribuições dessa teoria para os Estudos Organizacionais na área de
Gestão de Pessoas, visto que os Estudos Organizacionais ainda encontrar-se num processo de
construção e elaboração teórica, fato que possibilita uma abordagem crítica-reflexiva. Para
tanto, é necessário um esclarecimento acerca da Teoria Crítica da Sociedade, ou seja, da
Escola de Frankfurt, juntamente com as Teorias Organizacionais. Desse diálogo podem surgir
inovações? É isso que este artigo pretende investigar, a saber: as aproximações e contribuições
da Teoria do Reconhecimento frente à Teoria das Organizações. A metodologia utilizada foi
o estudo de caso; a unidade caso é uma Instituição Privada de Ensino Superior da Região
Metropolitana de Curitiba. Utilizou-se também um questionário e entrevista semiestruturada,
contemplando o assunto em questão (Teoria do Reconhecimento). O estudo de campo
evidenciou-se como técnica adotada para coletar os dados. No início da fase exploratória
do estudo, os dados obtidos a partir da pesquisa bibliográfica foram aqueles que permitiram
identificar, a partir da literatura, os elementos que fundamentam o referencial teórico sobre as
principais dimensões da Teoria do Reconhecimento (amor, direito e solidariedade). A leitura
dos dados, o registro e a sua ordenação sucedeu-se por meio de um conjunto referencial
de categorias visando detectar, a partir do questionário realizado com 58 professores, a
intensidade dos padrões de reconhecimento, e a falta deles, ou seja, o desrespeito dentro
das relações de trabalho. Conclui-se que a proposta deste artigo mostra-se de extrema
importância para o enriquecimento da Teoria das Organizações na área de Gestão de Pessoas.
Palavras-chave: Teoria do Reconhecimento. Gestão de Pessoas. Conflitos Sociais. Desrespeito.
Autorrealização.
* Aluno do 3°ano de Filosofia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação Científica
(PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail:[email protected].
** Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Professor do Programa de Mestrado em Organizações e
Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. Filósofo. Teólogo. E-mail: [email protected]
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INTRODUÇÃO
Com o advento dos Estudos Organizacionais, a análise do fenômeno organizacional
ganhou destaque, possibilitando a reflexão teórica acerca das organizações.
Este artigo pretende discutir a Teoria do Reconhecimento como possibilidade de
concretização da Teoria Crítica na Teoria das Organizações. É uma tentativa de reconhecer
a influência da visão funcionalista e o predomínio da racionalidade instrumental no
desenvolvimento do pensamento organizacional como limitação para o entendimento do
seu objeto. Encontrar um objeto de estudo próprio faz parte do esforço de caracterizar a
Teoria das Organizações enquanto campo do conhecimento, ou seja, dar à disciplina o
status científico.
Para tanto, procurar-se-á não apenas identificar epistemologias e conceitos, mas propor
uma contribuição crítica-reflexiva a partir da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth.
O problema da busca de unidade pela ciência é instigante para a Teoria
Organizacional, capaz de levá-la a um verdadeiro salto qualitativo, principalmente por
que o estudo sobre a Teoria Organizacional ainda não foi totalmente desenvolvido. A
Teoria do Reconhecimento se apresenta, a partir da Filosofia, como uma luz para novas
investigações no universo da Teoria das Organizações.
As dimensões do reconhecimento jurídico, expressas nos direitos fundamentais,
e do reconhecimento social, na estima social das realizações individuais decorrente do
desenvolvimento da divisão do trabalho e da economia capitalista, tornam-se as categorias
centrais pelas quais se podem desvelar os processos de aprendizagem moral que marcam
a passagem das teorias tradicionais das organizações, baseadas na honra e no status
adscritivos, para as concepções atuais. A partir dessas concepções a liberdade e a igualdade
são pensadas em toda a sua extensão apontando os fenômenos de reificação que impedem
a evolução da Teoria das Organizações para novos patamares de reconhecimento recíproco
entre pessoas livres e iguais.
O presente estudo científico tem como objetivo geral, analisar as possíveis
contribuições da Teoria do Reconhecimento na área de Gestão de Pessoas em uma
Organização de Ensino Superior na Região Metropolitana de Curitiba.
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1 ESCOLA DE FRANKFURT
No presente capítulo, serão apresentados a origem e o desenvolvimento da Escola
de Frankfurt, seus principais pensadores e a importância da Teoria Crítica da sociedade.
No estudo acerca da Escola de Frankfurt, é necessário certo esclarecimento para
investigar de maneira filosófica o fundamento dessa linha de pensamento. Pois,
Parece-nos que o erro consiste em se ter interrogado muito de imediato a Escola através
das categorias em uso: “filosofia”, “sociologia”, “política”, sob pena de pressentir que a
Escola de Frankfurt não é nem uma escola filosófica nem um discurso sociológico, nem
um movimento político no sentido estrito destes termos. Mas nem por isso saberíamos
liquidar o problema desta identidade referindo-a a tal categoria nominal (qualquer coisa
como a famosa “pluridisciplinariedade”) que absorve a questão. Pelo contrário, convém
deixá-la deliberadamente aberta, praticando uma espécie de epoche fenomenológica,
suspendendo a atribuição da Escola a um gênero determinado (ASSOUN, 1991, p. 6).
O termo Escola de Frankfurt somente surgiu no ano de 1950, pois sua sede,
inicialmente na Universidade de Frankfurt (Alemanha), foi deslocada para Genebra, Paris
e Nova York devido à perseguição nazista.
A Escola de Frankfurt foi tomando forma a partir de um decreto do Ministério da
Educação, datado de 3 de fevereiro de 1923. O Instituto de Pesquisas Sociais, como a Escola
era chamada, foi iniciativa de Félix J. Weil, doutor em Ciências Políticas – responsável por
organizar a Primeira Semana de Trabalho Marxista em 1922 -, e contou com a participação
de Lukács, Korsch, Pollack e Wittfogel. A partir de uma parceria do Ministério da Educação
e a Sociedade para Investigação Social, inaugura-se as instalações oficiais em 22 de junho
de 1924 (ASSOUN, 1991).
O primeiro diretor do Instituto foi o economista austríaco, Carl Grünberg, ficando
no posto de 1923 a 1930. Posteriormente o mesmo cargo foi exercido por Max Horkheimer
(1885-1973), Theodor Adorno (1903-1969), Jürgen Habermas (1929) e, atualmente, por
Axel Honneth (1949).
1.1
A TEORIA CRÍTICA NA HISTÓRIA
Teoria Crítica é o nome de batismo, o arcabouço teórico, ou seja, a base desse
novo modo de pensar e agir que se instaura na Escola de Frankfurt. Sendo, pois, uma
teoria cujo nome é Crítica tem o dever de mover-se sempre num constante analisar e
reanalisar a sociedade e a si mesma. Tendo como ponto de referência os filósofos: Kant –
limites do conhecimento ou razão; Hegel – dialética, crítica do princípio de identidade;
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625
e Marx – homo economicus, relação de homens produzindo seus meios de existência
(MATOS, 1993).
Max Horkheimer em seu artigo Teoria Tradicional e Teoria Crítica inaugura esse
modo de reflexão crítica, ou seja, a filosofia social. Visto que essa teoria propriamente
[...] não se resume ou se dissolve em investigações especializadas e setoriais, mas tende
em examinar as relações que ligam reciprocamente os âmbitos econômicos com os
históricos, bem como os psicológicos e culturais, a partir de uma visão global e crítica da
sociedade contemporânea (REALE; ANTISERI, 2006, p.470).
1.2
PRINCIPAIS PENSADORES
Os principais pensadores da Escola de Frankfurt foram, em sua maioria, de origem
judaica, fato que influenciou muito nas perseguições provocadas por Hitler no período da
Segunda Guerra Mundial, forçando-os ao exílio em outros países, como França, Inglaterra
e Estados Unidos.
Podem-se dividir esses pensadores, mesmo que de modo impreciso, em três
gerações, sendo que em todas elas a investigação principal, o motor dos frankfurtianos, é:
“se perguntar por que as promessas Iluministas não foram cumpridas, por que o mundo
da boa vontade e da paz perpétua não se concretizou” (MATOS, 1993, p. 32).
1.2.1 Primeira Geração
A primeira geração é constituída pelos idealizadores da Escola de Frankfurt e da
Teoria Crítica, estando eles na raiz dos debates sociais, buscando uma possível resposta aos
problemas apresentados à sociedade vigente, e atentos às diversas hipóteses elaboradas em
sua época. Esses pensadores deram um salto qualitativo na maneira de se fazer Filosofia e
pensar outras possibilidades de organização social.
Em 1931, Max Horkheimer assume o cargo de diretor, dando início à publicação
da Revista para a Pesquisa Social (ZeitschriftfürSozialforschung). Foi muito influente na
defesa e divulgação da Filosofia Social, da Teoria Crítica e um forte crítico da razão
instrumental. Sobre Horkneimer, Matos (1993) destaca que cabe à Filosofia denunciar
a razão instrumental e o totalitarismo, junto com todo e qualquer abuso da dignidade
humana, pois é partindo da finitude, do sofrimento e da morte que o ser humano se
reconhece solidário com o próximo.
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Outro pensador influente da primeira geração foi Theodor W. Adorno, filósofo,
musicólogo, psicólogo e sociólogo. Em 1922 conheceu Max Horkheimer, em um
seminário sobre o pensamento de Husserl. Vinculou-se à Escola de Frankfurt somente em
1938, posteriormente esteve exilado nos Estados Unidos fato que o fez aproximar-se de
Horkheimer e juntos escreveram Dialética do Esclarecimento (1947). Persistente e crítico
da cultura contemporânea, Adorno estabelece o conceito de: indústria cultural.
A indústria cultural consiste em uma produção em massa de cultura, contudo, essa
produção leva a tendência muito forte da alienação e manipulação da sociedade. Com isso,
os meios de comunicação podem moldar valores e comportamentos, criando necessidades
desnecessárias e anulando os indivíduos de agirem conscientemente e livremente (REALE;
ANTISERE, 2006).
Em 1958, Adorno assume o cargo deixado por Horkheimer, e alguns anos depois,
escreve seu testamento filosófico, intitulado: Dialética Negativa. Desaparece em 1969, no
mesmo ano em que estavam sendo publicadas suas obras completas (ASSOUN, 1991).
1.2.2 Segunda Geração
A segunda geração caracteriza-se pelos herdeiros do pensamento frankfurtiano,
como o caso de Jürgen Habermas. Habermas foi assistente de Adorno em Frankfurt desde
1956, fato que garantiu a continuidade da Escola de Frankfurt - Teoria Crítica.
Segundo Reese-Shäfer (2008), Habermas baseou-se primeiramente no pensamento
de Karl Otto Apel, ética comunicativa, e no conceito de razão objetiva herdado de Adorno,
podendo-se encontrar esse mesmo conceito no Idealismo alemão, principalmente em
Hegel, quando escreve sobre o reconhecimento intersubjetivo.
Reese-Schäfer (2008) ainda ressalta que Habermas foi responsável pela guinada
linguística da Filosofia, mudando radicalmente o fundamento da Teoria Crítica.
A crítica feita por Habermas em relação às propostas da primeira geração consiste
em denunciar e se afastar de uma construção teórica que traz em seu interior uma
impossibilidade de ação, ou seja, de transformação. Pois “o processo de esclarecimento
que é inseparável do projeto moderno de uma forma de vida emancipada, converteu-se
na sua própria autodestruição” (NOBRE, 2003, p.12).
Habermas ainda é mais insistente, segundo Nobre (2003, p.12), dizendo que:
[...] se a razão instrumental é a forma única de racionalidade do capitalismo administrado,
bloqueando qualquer possibilidade real de emancipação, em nome do quê é possível
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627
criticar a racionalidade instrumental? Horkheimer e Adorno assumem conscientemente
essa aporia dizendo que ela é, no capitalismo administrado, a condição de uma crítica
cuja possibilidade se tornou extremamente precária.
Habermas propõe, portanto, ao invés de uma razão instrumental, a teoria da
racionalidade comunicativa, em outras palavras, teoria do agir comunicativo.
No entanto, as soluções propostas por Habermas não passaram de uma construção
de novos problemas. Pois, segundo Marcos Nobre (2003, p.10), ele “enxergou apenas uma
parte daquelas dificuldades presentes nos trabalhos de Horkheimer e Adorno”. É justamente
nesse campo de discussão que entra Axel Honneth, propondo novas reformulações para
a Teoria Crítica da sociedade.
2 AXEL HONNETH E A TEORIA DO RECONHECIMENTO
Neste segundo capítulo serão apresentados os pontos centrais para a elaboração
da teoria do reconhecimento intersubjetivo, proposta por Axel Honneth, suas influências
e inovações na Teoria Crítica da sociedade e, por fim, as três formas de reconhecimento
(amor, direito e solidariedade).
Axel Honneth nasceu em 1949, na cidade de Essen, Alemanha. Estudou Sociologia
e Filosofia em Bonn e Bochum, prosseguindo sua carreira acadêmica na Universidade Livre
de Berlim e no Instituto Max Planck de Munique. Apresentou sua tese de doutorado em
1983, sob a orientação de Jurgüen Habermas, a qual resultou em seu livro intitulado Crítica
do poder. Entre 1984 e 1990, Honneth torna-se assistente de “Habermas no Instituto de
Filosofia da Universidade de Frankfurt, onde apresentou sua tese de livre-docência, cuja
versão em livro é exatamente este” (NOBRE, 2003, p.10) que é base para o artigo: Luta
por reconhecimento: A gramática moral dos conflitos sociais, publicado em 1992.
Honneth lecionou no campo de Filosofia prática e social nas Universidades de
Berlim e de Nova York antes de transferir-se para Frankfurt. Sucedeu Jürgen Habermas
em 1996 na Universidade de Frankfurt, e alguns anos depois, em 2001, assumiu também
o Instituto de Pesquisa Social (NOBRE, 2003).
628
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2.1
UMA NOVA FORMULAÇÃO DA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE
Ao longo de toda problemática levantada, desde os primeiros filósofos precursores
da Teoria Crítica até Axel Honneth houve sempre uma tarefa de:
[...] mediar teoria e práxis com base em um arcabouço teórico renovado e uma nova
linguagem crítico-normativa para compreender um conjunto de problemas práticos em
uma constelação histórico-social específica (WERLE e MELO, 2011, p. 183).
A partir das problemáticas encontradas na filosofia de Adorno e Horkheimer
e consequentemente em Habermas, Axel Honneth elabora uma teoria que busca
“desenvolver os fundamentos de uma teoria social de teor normativo partindo do modelo
conceitual hegeliano de uma ‘luta por reconhecimento’ (HONNETH, 2003, p.23).
Para Honneth (2003, p.9):
“a Teoria Crítica não se limita a descrever o funcionamento da sociedade, mas
pretende compreendê-la à luz de uma emancipação ao mesmo tempo possível e bloqueada
pela lógica própria da organização social vigente”.
Enquadrar os filósofos, Jürgen Habermas e Axel Honneth como membros integrantes
da Escola de Frankfurt seria, até certo ponto, um equívoco, “ainda que o problema esteja,
de fato, em que esse rótulo simplesmente carece tanto de um sentido preciso como de
conseqüências teóricas produtivas” (NOBRE, 2003, p.10).
Marcos Nobre (NOBRE, 2003, p.10) adverte que:
Se não faz sentido contar Honneth entre os integrantes da “Escola de Frankfurt”, pareceme correto, entretanto, incluí-lo na tradição da Teoria Crítica. Pois, tal como Habermas,
também Honneth apresentou primeiro sua própria posição teórica em contraste e
confronto com seus antecessores. Assim como Habermas apresentou sua teoria como
solução pra impasses que detectou em Horkheimer e Adorno, Honneth tentou mostrar
que a solução de Habermas para essas aporias se faz ao preço de novos problemas. E
isso porque Habermas enxergou apenas uma parte daquelas dificuldades presentes nos
trabalhos de Horkheimer e de Adorno.
Sendo, desse modo, herdeiro da Teoria Crítica, Honneth carrega consigo um amplo
e ousado desafio que é dialogar a Teoria Crítica, que muitas vezes, foi reduzida à Escola
de Frankfurt (NOBRE, 2011), com os avanços das ciências psicológicas de sua época, ou
seja, a psicanálise.
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629
2.2
A TEORIA DO RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO DE AXEL
HONNETH
2.2.1 Hegel e Mead
Segundo Honneth (2003) verificou-se, no pensamento de Hobbes, que a
possibilidade do conflito é inerente à situação de interação. Tal possibilidade também se
encontra no pensamento de Maquiavel, porém posicionado em sentido à manutenção
de estruturas de autoconservação (NOBRE, 2003). Nessa perspectiva acerca da inegável
existência do conflito no processo de interação entre os agentes humanos, Honneth
(2003) recorre a Hegel, que formulara uma corrente da Filosofia na qual confere à
intersubjetividade da vida pública um fator essencial pra vida humana. Pois,
[...] o que importa a Hegel em sua filosofia política é a possibilidade de desenvolver na
teoria um semelhante estado de totalidade ética; em seu pensamento, a idéia segundo
a qual uma sociedade reconciliada só pode ser entendida de forma adequada como
uma comunidade eticamente integrada de cidadãos livres [...] (HONNETH, 2003, p. 40).
Assim como Habermas fez em recorrer ao jovem Hegel no período de Jena para
resgatar o valor dos processos comunicativos, Honneth (2003) também o faz, para resgatar
não apenas o valor dos processos comunicativos, mas também o resgate da análise acerca
do conflito ignorado por Habermas, e do reconhecimento social.
Para Mattos (2006), a intuição original acerca do papel central do reconhecimento
social para a sociabilidade humana deve-se a Hegel.
Honneth (2003) tem a tarefa de oferecer à ideia hegeliana da Luta por
Reconhecimento, uma inflexão materialista-empírica a partir da psicologia social de George
Hebert Mead. Para Honneth (2003), as teorias propostas por Mead expõem um dos meios
mais apropriados para reconstruir certas intuições da teoria da intersubjetividade de Hegel
numa esfera pós-metafísica.
Para tal contribuição, Honneth se aproxima de Mead devido ao conflito existente
entre “Me” e “Eu”, visto que:
[...] o me refere-se ao self social: representa, portanto, o controle social. Trata-se do self
cuja ação é convencional, conformista e habitual. O eu refere-se à ação crítica e criativa do
self. Trata-se da ação que analisa e modifica o me. Representa, portanto, uma resistência
ao controle social ou à ação convencional, conformista e habitual do self. As ações do
eu são visíveis, em algum grau, nas ações cotidianas das pessoas, e são particularmente
notáveis nas ações dos gênios, líderes, artistas, cientistas, estadistas, religiosos e filósofos
(ABIB, 2005, p. 101).
630
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Portanto, Honneth conclui esse primeiro embasamento teórico (Hegel e Mead)
para a elaboração de sua teoria do reconhecimento intersubjetivo, afirmando:
[...] com a inclusão da psicologia social de Mead, a ideia que o jovem Hegel traçou em
seus escritos de Jena com rudimentos geniais pode se tornar o fio condutor de uma
teoria social de teor normativo; seu propósito é esclarecer os processos de mudança
social reportando-se às pretensões normativas estruturalmente inscritas na relação de
reconhecimento recíproco (HONNETH, 2003, p.155).
2.3.2 Donald Winnicott e Jessica Benjamim
Apresentadas as influências fundamentais para uma luta por reconhecimento, Hegel
e Mead, que outrora já tinham sidos utilizados por Habermas, porém não aprofundadas,
Honneth (2003) aproxima-se da psicologia infantil de Donald Winnicott (1896 -1971) e
Jessica Benjamin.
Werle e Melo (2011, p.189) ressaltam que:
Ambos fornecem a possibilidade de uma reconstrução “naturalista” e “materialista” da
luta por reconhecimento, apoiada e, estudos empíricos. Por meio deles, Honneth procura
mostrar que o indivíduo desenvolve, em cada forma de reconhecimento, um tipo de
relação prática positiva consigo mesmo [...]
Honneth (2003) busca na psicanálise uma comprovação empírica para uma análise
do reconhecimento intersubjetivo. Para isso, Winnicott “serve de base para a concepção
intersubjetiva do reconhecimento, na qual a experiência que envolve a separação afetiva
conduz a uma luta contra a dependência” (MARIN, 2011, p.242).
Em sua teoria das relações de objeto, Winnicott se preocupa com as condições
necessárias para o processo de socialização de crianças pequenas. Visto que efetuou um
ardoroso trabalho com “crianças separadas de suas famílias em consequência da Segunda
Guerra Mundial, tomando como base as etapas fundamentais para o desenvolvimento
da pessoa” (FERRARI, 2011). Segundo Marin (2011), Winnicott pretende investigar que
somente se pode entender o processo de independência, ou socialização do bebê, se
analisado pela pessoa de referência (mãe) e não separadamente.
A aproximação com a filósofa feminista e psicanalista americana, Jessica Benjamin,
confirma ainda mais o argumento sustentado por Honneth, pois ela “descreve o processo
de separação da criança como uma “luta pelo reconhecimento [...]” (MARIN, 2011, p.244).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
631
Por fim, Marin afirma que a trajetória feita por Axel Honneth revela que:
[...] a concepção de Hegel de reconhecimento é muito idealista e, como tal, não se
presta para fundar uma concepção normativa com base material para a teoria do
reconhecimento. É então que ele faz intervir a psicanálise, que tem também a função
de radicalizar a perspectiva de Habermas, que não levou até o fim sua concepção
intersubjetiva, cabendo a Honneth essa tarefa, ao aplicar a intersubjetividade à forma
de relação mais básica, a relação mãe-bebê, e ao apresentá-la como uma relação de
mutualidade intersubjetiva (MARIN, 2011, p.244).
2.4
PADRÕES DE RECONHECIMENTO INTERSUBJETIVO
Para a elaboração das dimensões do reconhecimento intersubjetivo, Honneth
(2003) retoma sua base teórica enriquecendo-a com a contribuição da psicologia social e
psicanálise, como demonstra o quadro abaixo.
QUADRO 1 _ Etapas do reconhecimento intersubjetivo
FONTE: Honneth (2003)
2.4.1Amor
No que se refere ao amor, Honneth (2003, p.160) considera-o:
[...] a primeira etapa de reconhecimento recíproco, porque em sua efetivação os sujeitos
se confirmam mutuamente na natureza concreta de suas carências, reconhecendo-se assim
como seres carentes: na experiência recíproca da dedicação amorosa, dois sujeitos se
sabem unidos no fato de serem dependentes, em seu estado carencial, do respectivo outro
632
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Para Honneth (2003), o amor pode assumir três possíveis formas: interação sexual,
amizade e relação afetiva entre pais e filhos. O amor pode estar presente além da etapa da
família, na etapa da sociedade civil na forma de amizade, mas é na primeira etapa que o
amor assume função determinante para as outras etapas de reconhecimento. Na dimensão
do amor, os indivíduos se reconhecem e ao mesmo tempo reconhecem os parceiros, como
sujeitos carentes. Assim, tomam ciência do estado natural de dependência emotiva em
que se encontram.
Essa dinâmica do reconhecimento mútuo na esfera afetiva ocorre primeiramente
na relação familiar, mais precisamente na relação entre mãe e filho. O equilíbrio entre
simbiose e autoafirmação foi investigado pelo psicanalista Donald Woods Winnicott;
principalmente a parte da pesquisa desse psicanalista referente à relação interativa da
criança nos primeiros meses de vida com a mãe. É nessa relação, de dependência e
autonomia, que a priori consta o equilíbrio, do qual depende a possibilidade do amor
assumir uma forma de reconhecimento.
O equilíbrio entre a ligação afetiva e a autonomia, resulta na autoconfiança
do sujeito que é o elemento central do amor enquanto dimensão do reconhecimento
intersubjetivo.Na amizade existe a noção de ser dependente afetivamente do outro,
mantendo a autonomia em um equilíbrio que reforça a autoconfiança do sujeito para
atuar na sociedade civil (HONNETH, 2003).
2.4.2Direito
Se o indivíduo foi reconhecido enquanto sujeito autônomo, ele passa a estar na
etapa do reconhecimento dimensionada pelo direito. A partir da leitura de Hegel e Mead,
Honneth (2003) configura que o ser humano apenas pode chegar à conclusão de si como
portador de direito quando possuir um saber sobre quais obrigações têm que observar
em face de outro indivíduo.
Para Honneth (2003), é via reconhecimento do próximo, como portador de direito,
que o indivíduo passa a ser ele, uma pessoa de direito, conforme diz Hegel:
No Estado, [...] o homem é reconhecido e tratado como ser racional, como livre, como
pessoa; e o singular, por sua parte, se torna digno desse reconhecimento porque ele,
com a superação da naturalidade de sua autoconsciência, a obedece a um universal,
à vontade sendo em si e para si, à lei, ou seja, se porta em relação aos outros de uma
maneira universalmente válida, reconhece-os como o que ele próprio quer valer – como
livre, como pessoa (HEGEL, 1970, p.221 apud HONNETH, 2003, p. 179).
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633
Se o direito-autorrespeito enquanto dimensão do reconhecimento intersubjetivo
faz referência às propriedades universais dos sujeitos, faltava a Honneth (2003) fazer
referência ao processo de reconhecimento às propriedades particulares dos sujeitos, que
é justamente a próxima dimensão do reconhecimento.
2.4.3Solidariedade
As propriedades particulares estariam sempre receptivas a valores éticos da etapa
jurídica. Assim, na etapa da solidariedade, de acordo com Honneth (2003), tratar-se-ia
de reconhecer as propriedades individuais imbricadas às escolhas de vida como valiosas
para a reprodução da sociedade.
Sobre isso, Mattos (2006) ressalta que os pilares do conceito de solidariedade
desenvolvido por Honneth (2003), são as relações simétricas existentes entre os membros
da sociedade. Essas relações simétricas consistem “na possibilidade de qualquer sujeito ter
chances de ter suas qualidades e especificidades reconhecidas como necessárias e valiosas
para a reprodução da sociedade” (MATTOS, 2006, p. 93). Ou seja, as relações simétricas
garantidas na etapa jurídica são as relações que dariam chances iguais para todos obter
sua autorrealização.
Pode-se visualizar que assim como autoconfiança e autorrespeito estão
respectivamente para as dimensões do reconhecimento amor e direito, a autorrealização
está para a solidariedade ou estima mútua. Por fim, o grau de autorrealização depende
do autorrespeito e da autoconfiança.
3 A TEORIA DO RECONHECIMENTO COMO REFLEXÃO PARA A TEORIA
DAS ORGANIZAÇÕES NA ÁREA DE GESTÃO DE PESSOAS
Neste capítulo será apresentada uma reflexão entorno daquilo que já foi tematizado
nos capítulos anteriores, em vista de uma possível contribuição da teoria do reconhecimento
para a teoria das organizações na área de gestão de pessoas. Serão apresentadas também
as violações dos padrões de reconhecimento recíproco frente às relações de trabalho.
634
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3.1
GESTÃO DE PESSOAS E RELAÇÕES DE TRABALHO
Em tese, pode-se dizer que Gestão de Pessoas é o “conjunto das forças humanas
voltadas para as atividades produtivas, gerenciais e estratégicas dentro de um ambiente
organizacional” (FRANÇA, 2012, figura 1.2, p. 5).
Por isso, a Gestão de Pessoas terá dois enfoques: o comportamental e o administrativo
e somente deverá ocorrer, segundo França (2012, p. 4):
[...] a partir de visão integrada das pessoas e das questões fundamentais como: as
expectativas sobre as relações de trabalho, o contraste psicológico entre o que a pessoa
quer da empresa e o que esta quer de seu pessoal, perfis e tipos de personalidade, grupos,
equipes, lideranças, processos de cooperação, competição, apatia, cultura organizacional,
valores, questões éticas e outros aspectos ligados à vida social
Dentro do âmbito organizacional na área de Gestão de Pessoas (GP) surgem diversas
questões, podendo ainda se perguntar: a GP está realmente a serviço de quem? Pois vista
de uma perspectiva funcionalista, ela existirá apenas para “aumentar a produtividade e
favorecer a busca pela vantagem competitiva da empresa” (DAVEL; VERGARA, 2001, p.34
apud FERRAZ, OLTRAMIRI; PONCHIROLLI, 2011, p. 228).
As críticas feitas aos modelos de GP e Recursos Humanos (RH) são advindas da
preocupação com o resgate do fator humano dentro das organizações. Como destaca
Mendes e Fontoura (2011, p. 10):
Se realmente esse é o papel da GP, ou seja, uma preocupação com o fator humano,
então instituir lógicas críticas e questionamentos sobre essas teorias até então criadas
tem a contribuição de impulsionar reflexões sobre o que até então vem sendo praticado
Portanto, esse resgate não está baseado apenas no lucro da empresa, mas se encontra
enraizado numa luta por reconhecimento que tem como foco a liberdade e a dignidade
humana, ou seja, autorrealização.
3.2
PRIVAÇÕES DE RECONHECIMENTO RECÍPROCO E RELAÇÕES
DE TRABALHO
A partir dos padrões de reconhecimento recíproco proposto por Honneth, a saber:
amor, direito e solidariedade, torna-se possível a análise do sentido inverso da pesquisa,
ou seja, estudar as situações de privação de reconhecimento.
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635
Segundo Axel Honneth (2003, p. 214):
Se a experiência de desrespeito sinaliza a denegação ou privação de reconhecimento,
então, no domínio dos fenômenos negativos, devem poder ser reencontradas as mesmas
distinções que já foram descobertas no domínio dos fenômenos positivos
O desrespeito é colocado como ponto-chave para a leitura da luta por
reconhecimento em busca de uma gramática moral dos conflitos sociais. Com essa proposta,
Honneth (2003) procura investigar outros modos de desrespeito, os diferentes graus que se
apresentam e como eles “podem abalar a autorrelação prática de uma pessoa, privando-a
do reconhecimento de determinadas pretensões de identidade” (HONNTEH, 2003, p. 214).
Com essa abordagem, Honneth pretende dar algumas possíveis respostas aos
problemas elaborados por Hegel e Mead que deixaram suspensa a questão dos conflitos
sociais, e, mais precisamente, de como a experiência de desrespeito se encontra nas
vivências afetivas dos seres humanos.
Pode-se encontrar nas relações de trabalho fatos que se assemelham com a teoria
descrita por Honneth, visto que, segundo Faria (2011, prefácio xiv):
[...] não há mais qualquer dúvida de que as corporações modernas desenvolveram um
eficiente processo de sedução de seus trabalhadores, que culmina na invasão de sua vida
privada. Tal invasão da vida privada pelas corporações se deve à sua onipresença e ao
seu incontrolável desejo de onisciência e onipotência. A corporação moderna aspira ao
papel da divindade, da instância simbólica e imaginária na vida de seus “colaboradores”
As relações de trabalho sob o olhar da Teoria Crítica, ou melhor, da Teoria do
Reconhecimento, são postas em questão de validade. As tendências funcionalistas caem
em descrédito, pois muitas vezes deixavam de lado o fator humano que é o essencial de
uma Gestão que se diz de Pessoas.
Faria (2011, prefácio xvi) ainda completa:
No interior do processo de alienação desenvolve-se a reprodução da desumanidade social,
desenvolve-se o estranhamento que não apenas marca historicamente a apropriação,
pelo sujeito do capital, do resultado do trabalho realizado pelo sujeito trabalhador, como
designa a formação própria da subjetividade deste, impedindo que o mesmo exerça sua
potencialidade, que desenvolva sua criatividade e que organize coletivamente seu próprio
trabalho. A produção se torna distinta do produtor
Portanto, feitas essas explanações, torna-se compreensível, e até necessário, que a
teoria do reconhecimento de Honneth dialogue com a teoria das organizações.
636
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[...] a Teoria Crítica nos estudos organizacionais indica que para estudar as organizações é
necessário um esquema teórico-metodológico dialético que possa responder às questões
que afetam a vida dos sujeitos e que focam mais no sujeito coletivo que as próprias
organizações (FARIA, 2007. apud MENDES e FONTOURA, 2011, p.20).
Portanto, é de extrema importância refletir acerca da prática organizacional a partir
das relações de trabalho, sem perder de vista o teor crítico que norteia o seguinte projeto.
Visto que:
[...] a Teoria Organizacional é importante não somente porque reflete a prática
organizacional, mas porque também ajuda a construir essa prática. Relacionar a TO com
a GP é uma forma de produzir ou mesmo gerar novas formulações teóricas, que reflitam e
ajudem a construir a tais práticas nas organizações (MENDES; FONTOURA, 2011, p.10).
Por se tratar de pessoas, ser humano, é preciso ter um cuidado todo especial e
próprio, e essa é a contribuição feita da Teoria do Reconhecimento à Teoria Organizacional
na área de Gestão de Pessoas.
De acordo com Mendes e Fontoura (2011, p.32):
Esse percurso mostra que tais concepções teóricas, que há muito têm sido utilizadas por
pesquisadores e estudiosos da área de estudos organizacionais, possuem implicações
importantes para os modelos e teorias em Gestão de Pessoas, produzindo uma série
de questionamentos sobre a validade que tais modelos costumam assumir na Gestão
de Pessoas, assim como sobre mudanças necessárias nesses modelos para uma melhor
adequação ao fator humano. Se isso é utópico ou mesmo impossível, dados os pressupostos
teóricos e também o contexto em que os modelos e teorias em GP estão envolvidos, não
importa. O que realmente importa é a possibilidade de gerar questionamentos capazes
de sacudir, tirar do lugar comum, impulsionar novas formas de pensar nos modelos e
teorias difundidas na área de GP
Por fim, pode-se concluir que ao longo deste estudo não se pretendeu esgotar o tema
proposto, ou tornar absoluta uma determinada teoria. Mas expandir a reflexão e o estudo
crítico da Teoria das Organizações na área de Gestão de Pessoas a partir de um modo todo
próprio, a Teoria Crítica e a Teoria do Reconhecimento, que se apresentam na atualidade,
como uma possível contribuição para o que se pode chamar de: Resignificação do ser
humano e de suas relações de reconhecimento recíproco (amor, direito e solidariedade).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
637
4 SÍNTESE METODOLÓGICA
A metodologia utilizada foi estudo de caso, a unidade caso é uma Instituição Privada
de Ensino Superior da Região Metropolitana de Curitiba. Foram realizadas coleta, análise,
descrição e interpretação de dados obtidos a partir de pesquisa bibliográfica de expoentes
nas linhas do tema abordado.
Utilizou-se também um questionário e entrevista semiestruturada com 58
professores. A pesquisa foi realizada de agosto de 2011 até julho de 2012. É uma pesquisa
qualitativa e as entrevistas foram analisadas tanto individualmente como em conjunto.
5 ANÁLISE DOS DADOS
O questionário visou buscar dados no sentido de percebermos a atuação da área
dos Recursos Humanos no desenvolvimento do Reconhecimento dentro da conjuntura
dessa organização. Cada uma das questões tem relações diretas com alguns dos padrões
de reconhecimento. O objetivo dessa entrevista foi o de identificar como a teoria descrita
por Honneth, dos três padrões do reconhecimento intersubjetivo, interage na realidade.
A estrutura de cada questão é uma tentativa de determinar se as relações dos
entrevistados com seus colegas de trabalho têm base na amizade ou apenas profissional,
sem vínculo afetivo. Também é uma tentativa de verificar possíveis violações causadas por
assédio sexual ou moral e demonstrar se, no âmbito do direito, há uma participação –
mesmo se parcial – dos entrevistados na criação e manutenção das políticas educacionais da
instituição, e se o clima organizacional permite o bem-estar dos professores entrevistados.
No âmbito da solidariedade, as perguntas visam verificar se os valores, capacidades e
propriedades individuais dos entrevistados são reconhecidos ou apenas tolerados.
Este estudo dará prioridade para uma empresa do setor educacional na qual o foco
principal será a área de recursos humanos e suas interfaces com os professores da instituição.
638
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5.1 TEORIA DO RECONHECIMENTO: ANÁLISE DOS DADOS
a) pergunta 1: Você considera possível que haja, dentro do seu meio de trabalho,
um relacionamento de ligações afetivas, ou seja, de amizade?
TABELA 1 _ AMOR: UNIVERSIDADE XL – 2012
FONTE: C3 - dados primários – questionário
Analisando-se a tabela 1, observa-se uma grande incidência de respostas (96,6%).
Apenas 3,4% dos colaboradores não responderam à pergunta.
O gráfico 1 demonstra o levantamento dos dados obtidos da pergunta 1 dos
questionários respondidos.
GRÁFICO 1 – Dimensão do amor – UNIVERSIDADE X – 2012
FONTE: C3 – questionários respondidos
De acordo com o gráfico 1, observa-se que a maioria dos colaboradores respondeu
os níveis de intensidade 4 e 5, o que significa que 86,2% considera possível que haja, dentro
do seu meio de trabalho, um relacionamento de ligações afetivas, ou seja, de amizade.
Observa-se também que ninguém respondeu o nível de intensidade 1, e apenas
6,9% responderam ao nível 2, o que significa que poucos colaboradores não acreditam
na possibilidade de ligações afetivas no local de trabalho.
b) pergunta 5: A partir do que diz as relações jurídicas modernas que colocam as
pessoas como seres livres e iguais, isto é, pessoas de direito, você percebe que em
suas relações de trabalho existe uma distribuição legítima de direitos e deveres?
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
639
TABELA 2 – Dimensão do direito: UNIVERSIDADE X - 2012
FONTE: C3 - dados primários – questionário
Analisando-se a tabela 2, observa-se uma grande incidência de respostas (96,6%).
Apenas 3,4% do total da amostragem não responderam à pergunta.
O gráfico 2 demonstra o levantamento dos dados obtidos da pergunta 5 dos
questionários respondidos.
GRÁFICO 2 – Dimensão do direito: UNIVERSIDADE X – 2012
FONTE: C3 – questionários respondidos
De acordo com o gráfico 2, observa-se que a maioria dos colaboradores respondeu
aos níveis de intensidade 4 e 5, o que significa que 88% dos colaboradores percebem que
em suas relações de trabalho existe uma distribuição legítima de direitos e deveres. Observase, também, que 8,8% dos colaboradores responderam aos níveis de intensidade 2 e 3.
c) pergunta 9: As relações sociais, ou solidariedade, podem ser o ponto central
para se entender a estima social e, consequentemente, evitar a dor causada por
experiências de desrespeito?
640
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TABELA 3 – Reuniões: Dimensão solidariedade – 2012
FONTE: C3 - dados primários – questionário
Analisando-se a tabela 3, observa-se uma grande incidência de respostas (96,6%).
Apenas 3,4% do total da amostragem não responderam à pergunta.
O gráfico 9 demonstra o levantamento dos dados obtidos da pergunta 9 dos
questionários respondidos.
GRÁFICO 9 – Dimensão solidariedade – UNIVERSIDADE X – 2012
FONTE: C3 - questionáriosrespondidos
De acordo com o gráfico 9, observa-se que a maioria dos colaboradores respondeu
os níveis de intensidade 4 e 5, o que significa que 77,6% dos colaboradores acreditam que
as relações sociais, ou solidariedade, podem ser o ponto central para se entender a estima
social e consequentemente evitar a dor, isto é causada por experiências de desrespeito.
Observa-se também que 15,5% responderam ao nível de intensidade 3 e 3,4%
responderam ao nível 2.
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641
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir de tudo o que já se foi apresentado ao longo deste artigo, tendo como
ponto de partida o objetivo geral, que era propriamente analisar as possíveis contribuições
da Teoria do Reconhecimento na área de Gestão de Pessoas em Organizações de Ensino
Superior verificou-se que com a fundamentação teórica embasada na Teoria Crítica, mais
especificamente na Teoria do Reconhecimento proposta por Axel Honneth, juntamente
com o estudo de caso, elaboração de formulários e conversas pessoais com os respondentes,
a aproximação das duas teorias, com a proposta, pelo projeto pode ser considerada de
extrema importância.
As limitações encontradas concentram-se na não possibilidade de aplicar o
questionário, a todos os professores da instituição; dificuldades em agendar a aplicação
do questionário devido a outras atividades profissionais por parte dos professores da
Universidade.
No início da pesquisa, tinha-se por proposta aplicar o questionário em duas
instituições privadas de Ensino Superior da Região Metropolitana de Curitiba, porém,
devido a imprevistos surgidos ao longo do percurso, os pesquisadores tiveram de direcionar
a pesquisa somente para uma unidade de caso. Fato que não limitou a pesquisa, mas
ficou ainda suspenso, deixando em aberto outras possíveis investigações correlacionando
respostas de diferentes Instituições.
Para a surpresa dos pesquisadores, as respostas mostraram um alto índice de
Reconhecimento Recíproco dentro da Instituição analisada. No que diz respeito aos padrões
de reconhecimento (amor, direito e solidariedade), esses se mostraram numa regularidade
de resultados, fato que evidencia certa identificação de serem sujeitos autônomos, que se
reconhecem na autoconfiança, autorrespeito em vista de uma autorrealização.
Esta pesquisa não tem por objetivo a construção teórica de argumentos fechados que
limitam futuras pesquisas, mas visa uma contribuição para possíveis aprofundamentos que
podem enriquecer ainda mais o tema proposto. Recomenda-se que ao dar continuidade ao
projeto o pesquisador esclareça ainda mais as respostas, visto que há a possibilidade de se
investigar o nível de desrespeito encontrado nas análises dos respondentes. Existe também
a possibilidade de direcionar a pesquisa a outras áreas do conhecimento, juntamente com
outras abordagens metodológicas que evidenciariam a Teoria do Reconhecimento em
contribuição com a sociedade atual.
642
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
AS IMPLICAÇÕES SOCIAIS DAS TECNOLOGIAS DE GESTÃO EM
EMPREENDIMENTOS POPULARES
Marx Rodrigues dos Reis*
Rafael Rodrigo Mueller**
RESUMO
O objetivo desta pesquisa foi o de analisar as implicações das apropriações de
tecnologias de gestão para o desenvolvimento dos empreendimentos populares. Para
o desenvolvimento de nosso estudo, propomos a utilização de metodologia do tipo
quali-quantitativa; destarte, foram aplicados 121 questionários semiestruturados com
participantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), membros
do Movimento da Lapa, Região Metropolitana de Curitiba, e três entrevistas não
estruturadas com membros do Assentamento Contestado. Pôde-se perceber que aos
membros dos empreendimentos pesquisados, falta, ainda, um substancial processo de
reflexão com vistas à internalização e apropriação do caráter subjetivo e ideológico
das tecnologias de gestão.
Palavras-chave: Tecnologias de gestão. Trabalho. Planejamento. Empreendimentos
populares.
* Aluno do 2º ano de Filosofia da FAE Centro Universitário. Bolsista do programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário E-mail: [email protected].
** Doutor em Educação (UFSC). Professor do Programa de Pós-Graduação em Organizações e
Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
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645
INTRODUÇÃO
Desde as primeiras reflexões feitas acerca do conceito de tecnologia, suas diversas
interpretações divergem radicalmente em muitos aspectos se considerarmos a materialidade
histórica acumulada em seus diversos intérpretes.
Contudo, partiremos da divergência que consideramos crucial, qual seja o
entendimento da utilização da tecnologia pelo homem, para suprir suas mais diversas
finalidades, compreendendo-as como diretamente relacionadas à sua constituição enquanto
ser social. Isso nem sempre é elencado (dentre os mais diversos estudiosos do tema) como
ponto de partida analítico, mais precisamente quando não se analisa a tecnologia pela
perspectiva histórica e pela sua inextricável relação ao modo de produção vigente, mas
quando se impinge à tecnologia uma essência metafísica, um determinante teleológico da
história, retirando, consequentemente, a sua base social fundante.
A tecnologia, ou o conjunto de técnicas historicamente acumuladas, relacionada
diretamente ao trabalho humano, é categoria fundamental para a constituição e
desenvolvimento do homem em ser social. É a capacidade de projetar – ou a ‘prévia
ideação’ conforme Lukács (s/d; 1979; 1989) – que é, ao se realizar na materialidade posta,
a verdadeira essência da tecnologia.
Projetar é, pois, a capacidade que é exclusiva ao homem de relacionar fins e meios
voltados para as suas necessidades. O homem idealiza uma ação que é decorrente de uma
necessidade surgida na materialidade objetiva, promovendo, dessa forma, o conhecimento
da realidade que vai se complexificando a partir da obtenção dos fins historicamente
estabelecidos.
Podemos traduzir para o cotidiano das organizações, sejam elas privadas, públicas
ou de cunho social, que o ato de projetar se manifesta objetivamente como sendo o
planejamento necessário para o desenvolvimento de todo e qualquer empreendimento.
Destarte, o planejamento ou o conjunto de métodos e técnicas desenvolvidos para a
organização e controle sobre o trabalho pode ser considerado enquanto uma tecnologia
de gestão.
Porém, a apropriação que se estabelece a partir dessa manifestação de tecnologia,
em grande parte, tem sido realizada com base nas organizações privadas, desprezando
ou minimizando-se essa mesma discussão a partir de empreendimentos populares. Nesse
sentido, esta pesquisa pretende analisar as implicações das apropriações de tecnologias
de gestão para o desenvolvimento dos empreendimentos populares.
Considerando o contexto apresentado anteriormente, o problema de nossa pesquisa
é: de que maneira os empreendimentos populares, sejam associações, cooperativas ou
informais, se apropriam do planejamento enquanto uma tecnologia de gestão?
646
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
1 AS TECNOLOGIAS DE GESTÃO: APROPRIAÇÕES E DELIMITAÇÕES
Pretende-se, inicialmente a partir de nossa pesquisa, ampliar o debate acerca das
tecnologias de gestão, estabelecendo, com maior clareza, seus conceitos, objetivos, limites
e possibilidades frente ao processo de valorização do valor, e como, efetivamente, essa
manifestação da aplicação tecnológica da ciência colabora, direta e indiretamente, para
o incremento da produtividade.
A delimitação de sua abrangência dentro e fora da esfera da produção se tornou
fundamental para que conseguíssemos compreendê-la como uma tecnologia não física,
mas com uma efetividade concreta naquilo que, por meio dela, se propõe a atingir: a
redução do tempo do ciclo de produção de mercadorias no intuito de potencializar a
valorização do valor.
No que se refere à sua conceituação e definições, torna-se de fundamental
importância expor que não há consenso e, principalmente, muitos são os autores que se
utilizam do termo ‘tecnologias gerenciais’ (ARAÚJO, 2001; GURGEL, 2003; JUNQUILHO
et al., 2007; FRANCO, RODRIGUES, CAZELA, 2009), mas poucos são os que o definem
efetivamente (FARIA, 1997; GURGEL, 2003; FRANCO, RODRIGUES, CAZELA, 2009).
Em alguns casos mais extremos ainda, a própria definição não se remete ao termo
(VALLADARES, 2003). Percebe-se, em outros casos, que apesar de a expressão utilizada
ser variada, a definição está muito próxima daquela na qual se enquadram as tecnologias
gerenciais: ‘tecnologias de organização social da produção’ (TAUILE, 2001), ‘tecnologias
de gestão’ (FARIA, 1997), ‘tecnologias organizacionais’ (LEITE, 1995), ‘inovações sócioorganizacionais’ (KOVÁCS, 1998), etc.
Segundo o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI)1 (2008), consideramse tecnologias de gestão “um conjunto de metodologias e técnicas organizadas na forma de
um sistema de gerenciamento que busquem o alcance de objetivos estratégicos e operacionais
de uma organização ou do ambiente onde se está atuando”.
Ainda conforme o MCTI, a discussão acerca das tecnologias de gestão teve início
no Brasil na década de 1980, e o enfoque dado ao referido conceito sempre girou,
principalmente, em torno de sua efetividade a partir da melhoria do processo de Gestão
da Qualidade Total (GQT). Podemos considerar, segundo o MCTI, que as tecnologias de
gestão seriam um conjunto de técnicas e metodologias que visam à ampliação do controle
sobre os processos produtivos, tendo em vista a implementação e efetivação da Gestão
da Qualidade Total.
Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/7880.html. Acesso em: 18 de janeiro
de 2008.
1
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
647
De acordo com Lombardi2 (2006, online) as tecnologias de gestão
Incluem todo e qualquer processo estruturado e aplicado de forma continuada para
a melhor administração do negócio de uma organização. São processos que lidam
com a modernização gerencial, melhoria da qualidade, aumento da competitividade
e busca pela auto-sustentação das organizações. (grifos nossos)
Podemos considerar, a partir da conceituação proposta, que as tecnologias de
gestão envolvem os processos relacionados ao melhoramento contínuo da produção, e,
consequentemente, da produtividade a partir de seu gerenciamento. Ambas as definições
tratam de aproximar o conceito de tecnologias de gestão ao controle da qualidade por conta
de que, nos últimos 40 anos, as empresas têm conseguido aumentar sua eficiência produtiva,
principalmente pela ampliação do conceito de gestão da qualidade e da aplicação de
ferramentas relacionadas (Ciclo PDCA, Método 5W2H, Diagrama de Causa e Efeito,
Programa 5S’s, etc.) concebidas para auxiliar no processo de controle da qualidade total.
Mesmo que tais ferramentas tenham sua eficiência concreta nas organizações,
assegurada por intermédio dos altos índices de intensificação do trabalho que elas
proporcionam, não se pode limitar a definição de tecnologias gerenciais somente a
partir de sua relação estreita com as ferramentas de gestão da qualidade desenvolvidas
no decorrer de meio século. Na utilização do termo ‘ferramentas’ (para definir algumas
tecnologias gerenciais), não estamos, necessariamente, aproximando o termo de uso
comum relacionado às tecnologias físicas (máquinas), mas ampliando tal conceito para
ferramentas subjetivas que se efetivam na materialidade por intermédio de métodos e
técnicas de organização do trabalho e da produção.
Conforme Franco, Rodrigues e Cazela (2009, p. 16), tecnologias de gestão
[...] são propostas de meios de gestão que procuram auxiliar os gestores na busca pela
melhoria do desempenho organizacional, de forma que sugerem a utilização sistemática
de métodos e ferramentas que podem contribuir com a maximização daquilo que as
empresas são capazes de fazer.
Araújo (2001, p. 17) destaca que as tecnologias gerenciais têm por objetivo central
“aperfeiçoar o desempenho empresarial, de sorte a permitir a sobrevivência de organizações
competitivas de tantas turbulências e quebra constante de paradigmas”. Torna-se evidente,
a partir das definições citadas, que os autores, ao afirmarem que as tecnologias gerenciais
auxiliam os gestores na ‘maximização daquilo que as empresas são capazes de fazer’ e
‘aperfeiçoam o desempenho empresarial’, estão se referindo, necessariamente, ao processo
Disponível em: http://www.egd.abipti.org.br/palestras/aplicacaotgmelhoriacompetitividade.pdf. Acesso
em: 03 de julho de 2007.
2
648
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
de valorização do valor, vital à perpetuação do capital. A definição em questão amplia as
possibilidades de utilização e efetivação das tecnologias gerenciais no âmbito organizacional
a partir da criação e aplicação de métodos gerenciais em toda extensão das empresas,
desde que contribuam para o fim último destas.
Faria (1997, p. 30) compreende as tecnologias de gestão como
técnicas-estratégias de racionalização do trabalho; estudos de tempo e movimento,
disposição racional de máquinas e equipamentos na unidade produtiva, sequência
de etapas de produção (layout físico e de processo); organização, sistemas e métodos,
entre outros. Estas podem ser chamadas, em seu conjunto, de técnicas de ordem
instrumental.
A tecnologia de gestão compreende, igualmente e ao mesmo tempo, as técnicas de
ordem comportamental e ideológica, tais como: seminários de criatividade; mecanismos
de motivação e integração; planos de treinamento e desenvolvimento de pessoal; trabalhos
em grupos participativos; entre outros.
Esse conceito de tecnologias de gestão aprofunda, a partir de uma perspectiva crítica,
as possibilidades de sua verificação empírica, principalmente no âmbito da organização
produtiva. A distinção em termos de duas categorias criadas por Faria (1997) – tecnologias
de gestão de ordem instrumental e de ordem comportamental – auxiliam na compreensão
do termo a partir da força de trabalho envolvida em seu processo de concretização, quais
sejam, trabalhadores e gerentes.
Podemos analisar o conceito do autor em questão tendo por base essas duas
categorias relacionadas às tecnologias de gestão enquanto estágios de desenvolvimento na
produção, de maneira que a categoria ‘tecnologias de gestão de ordem instrumental’ faz
menção aos elementos constituintes dos primórdios da organização científica do trabalho
proposta por Frederik Taylor e implementadas com maior propriedade por Henry Ford,
concebidas e instituídas no início do século XX, tais como: disposição racional de máquinas
e equipamentos na unidade produtiva; sequência de etapas de produção (layout físico e
de processo); e organização, sistemas e métodos.
A categoria ‘tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica’3 alinha-se
em sua proposição aos elementos constituintes da organização do trabalho e da produção
a partir do advento da reestruturação produtiva capitalista, em que são cristalizados no e
pelo Sistema Toyota de Produção, quais sejam: seminários de criatividade; mecanismos de
3
Torna-se importante reforçar que o controle sobre o comportamento humano no ambiente produtivo não
é originário do Sistema Toyota de Produção, pois nas teorias e abordagens da administração anteriores, tais
como a abordagem das Relações Humanas e seus principais pesquisadores (Elton Mayo, Chester Barnard,
Douglas McGregor e Abraham Maslow), bem como o enfoque behaviorista das organizações (Herbert
Simon, Rensis Likert e Chris Argyris), já possuíam tais preocupações em seus estudos, considerando-se um
controle ‘não direto’, despótico, do tipo taylorista/fordista.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
649
motivação e integração; planos de treinamento e desenvolvimento de pessoal; trabalhos
em grupos participativos; entre outros.
Na categoria ‘tecnologias de gestão de ordem instrumental’, tendo em vista a sua
utilização e aplicação no âmbito produtivo, verifica-se, ainda, uma relação de dependência
das tecnologias físicas (maquinaria). Nesse caso, o processo de valorização do valor é
proveniente do intercâmbio material entre a força de trabalho (trabalho vivo) e a maquinaria
(trabalho morto), matriz característica e preponderante da acumulação capitalista a partir
da organização científica do trabalho de Taylor e Ford e que tem na Revolução Industrial
o seu demiurgo. Destarte, a aplicação tecnológica das ciências é verificada empiricamente
no quantum de trabalho morto que é incorporado na produção capitalista proporcionado,
principalmente, pelas ciências exatas e naturais.
Podemos afirmar que as tecnologias gerenciais de ordem instrumental apenas podem
ser compreendidas a partir de sua relação direta com a maquinaria. Mais precisamente,
a intensificação do trabalho cooperado no seio da produção capitalista somente pode ser
efetivada considerando a sua conjugação com as tecnologias físicas (maquinaria) em uma
relação de dependência da primeira para com a segunda, na qual os limites da utilização
de tais tecnologias gerenciais se encontram relacionados aos limites de intensificação do
trabalho no ambiente produtivo regido pelo sistema de produção taylorista/fordista.
Por sua vez, a categoria ‘tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica’,
realçando novamente a análise a partir de sua utilização, caracteriza-se como um conjunto de
métodos e técnicas de organização do trabalho cooperado para além do âmbito da produção,
em virtude de sua condição de não dependência às tecnologias físicas, diferentemente da
categoria analisada anteriormente, e tendo como base epistêmica as ciências humanas e sociais.
O centro da verificação empírica da intensificação do trabalho, propiciada pelas
tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica, é a organização do
trabalho nas empresas a partir de um estágio de cooperação qualitativamente superior ao
verificado no paradigma taylorista/fordista regido pelo modo de produção capitalista. Nesse
caso, podemos afirmar que os métodos e as técnicas como: seminários de criatividade,
mecanismos de motivação e integração, planos de treinamento e desenvolvimento de
pessoal, e o trabalho em equipes, constituintes da categoria ‘tecnologias de gestão de ordem
comportamental e ideológica’, estão mais alinhadas (considerando o desenvolvimento
histórico do modo de produção capitalista) às ferramentas componentes do Sistema
Toyota de Produção, em que a possibilidade de incremento de sobre-valor não depende
diretamente da subsunção do trabalho vivo ao trabalho morto.
Conforme a distinção categorial proposta por Faria (1997) em relação ao conceito
de tecnologias de gestão, observa-se que essa distinção não impede a utilização simultânea
de ambas nas organizações; porém, tal distinção evidencia um nível de intensificação do
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
trabalho proporcionado pelas tecnologias de gestão de ordem comportamental e ideológica
não verificado na categoria anterior em virtude da relação histórica que as tecnologias de
gestão de ordem instrumental têm com o sistema de produção taylorista/fordista. Nesse
caso, as ferramentas constituintes das tecnologias gerenciais de ordem comportamental
se enquadram na objetividade prevista no estágio de desenvolvimento do modo de produção
capitalista característico dos últimos 30 anos, no qual o Sistema Toyota de Produção tornou-se
o modelo hegemônico de organização do trabalho.
Gurgel (2003), ao tratar da questão do controle subjetivo possibilitado pelas
diversas ferramentas constituintes e provenientes da área da Administração, equivale o
termo ‘tecnologias de gestão’ a ‘tecnologias gerenciais contemporâneas’ adotando como
fundamento a mesma lógica que Faria (1997) imprime ao seu conceito.
Em tais mecanismos de controle da subjetividade é que se encontram as bases das
tecnologias de gestão contemporâneas às quais Gurgel (2003) e Faria (2004) se referem em
suas apropriações conceituais do termo em questão, ou seja, a necessidade que se conjetura
na produção capitalista atual de romper com a dicotomia produzida no e pelo paradigma
taylorista-fordista (que embasava as relações sociais de produção de mercadorias pela
divisão objetiva entre trabalho manual e trabalho intelectual a qual limitava as possibilidades
de intensificação do trabalho) – barreira transposta pelas tecnologias gerenciais alicerçadas
nos avanços científicos produzidos com maior ênfase na área das ciências humanas e sociais.
Essa é a condição objetiva que faz Gurgel (2003) verificar empiricamente as
possibilidades de resposta ao problema que se coloca à gestão capitalista: qual é a dimensão
ideológica das tecnologias de gestão na formação da consciência social? Para Gurgel
(2003), essa dimensão ideológica encontra seu habitat natural nas teorias organizacionais
propagadas desde o século XX até os dias atuais, e com maior ênfase nos cursos da área
das Ciências Sociais Aplicadas, com destaque para a Administração.
Assim sendo:
Mais que condicionar o ambiente do trabalho às necessidades da reprodução
econômica do sistema, as teorias organizacionais ultrapassam os fins produtivos,
materiais, e se convertem em formas concretas de propagação de valores ideológicos.
Não se limitam a gerenciar e reorganizar a produção e seus agentes, mas também a
gerenciar o pensamento desses agentes na perspectiva do projeto político em curso.
(GURGEL, 2003, p.84).
O objetivo primordial das tecnologias gerenciais contemporâneas, conforme a
análise do autor, é a introjeção de métodos e técnicas que atuam no âmbito subjetivo da
força de trabalho envolvida direta e indiretamente na produção de mercadorias com o
intuito de intensificar a valorização do valor, minimizando, ao máximo, qualquer forma
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
651
de questionamento ou crítica as condições de exploração imposta pelo atual estágio de
desenvolvimento do modo de produção capitalista.
De acordo com Faria (2004, p. 180),
os grupos semi-autônomos e sua concepção ‘participativa’ e as chamadas técnicas
japonesas de gestão ou toyotismo, constituem o suporte ideológico sobre o qual se
assenta a reorganização do trabalho ou a reestruturação produtiva no âmbito da
fábrica, sendo que as empresas procuram, com o emprego destas novas tecnologias,
intensificar o trabalho e não [...] apenas desenvolver programas de relações humanas
e de qualidade (FARIA, p.189. inserção nossa).
Conforme os autores que nos subsidiam e suas diversas interpretações e apropriações
acerca do conceito de tecnologias gerenciais (ou de gestão), compreendemos como
tecnologias de gestão um conjunto de métodos e técnicas de organização e controle do
trabalho, que atua, em nível objetivo (comportamental) e subjetivo (ideológico) da força
de trabalho, no intuito de intensificar e reduzir o tempo de trabalho necessário para a
produção de mercadorias.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para o desenvolvimento da pesquisa em questão, propomos a utilização do método
materialista-histórico para a apreensão e compreensão da realidade posta; destarte,
tornou-se necessária a utilização de técnicas de pesquisa que viabilizem a consecução
dos objetivos previstos.
O grupo pesquisado tem caráter campesino, participante do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), mais especificamente os representantes do
Movimento da Lapa, Região Metropolitana de Curitiba, somando 700 representantes,
distribuídos em 108 famílias.
Os questionários foram aplicados às famílias, totalizando 121, considerando que em
algumas famílias aplicou-se mais de um questionário. Não obstante, optou-se, para efeitos
de análise, fazer o tratamento somente dos dados referentes ao respondente do questionário
(fosse homem ou mulher, responsável ou não pela família ou pela renda familiar).
Os questionários eram semiestruturados, com diferenciação de gênero. Para
maior compreensão dos participantes do movimento, fizeram-se necessárias duas visitas
ao Assentamento Contestado, onde se pôde ver o trabalho dos indivíduos envolvidos,
e, posteriormente, realizada entrevista com três representantes do movimento. Essa
entrevista, não estruturada, buscou entender as nuances das respostas já encontradas
nos referidos questionários.
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3
AS TECNOLOGIAS DE GESTÃO E SUA MANIFESTAÇÃO NOS
EMPREENDIMENTOS POPULARES
Sabendo-se que as tecnologias de gestão atuam em um caráter comportamental
e ideológico, conforme salienta Faria (1997), com relação ao conceito de tecnologias de
gestão, observa-se que a utilização delas corresponde diretamente ao nível de intensificação
do trabalho proporcionado pelas tecnologias de gestão de ordem comportamental e
ideológica, e, ao mesmo tempo, a valorização do valor, uma vez que os indivíduos se
compreendem inseridos nesse contexto do trabalho.
Buscou-se, assim, compreender o grau de adesão dos representantes do movimento,
levando a cabo uma leitura sobre o grau de participação dos sujeitos entrevistados. Para
tanto, analisou-se o entendimento por parte dos participantes dos empreendimentos
pesquisados em relação ao movimento, devendo cada membro se declarar atuante, ou
não, no movimento. Da amostragem, 75,2% declararam-se atuante no movimento, e
24,8%, como não atuante no movimento.
O alto nível de rejeição em declarar-se atuante no movimento levou à formulação
da seguinte pergunta: o que os membros do Movimento Lapa compreendem como
participantes ou atuantes, uma vez que praticamente todos os entrevistados são responsáveis
por tarefas dentro do movimento e a ele respeitantes?
Para subsidiar essa pergunta, interrogou-se sobre a participação dos entrevistados
em trabalhos cooperados do movimento – que corresponde à sua forma de sustento e,
consequentemente, ao caráter de atuação no movimento. A questão, de forma objetiva,
apresenta sete frentes de trabalho do movimento e uma opção livre, ao qual o entrevistado
poderia informar outra forma de trabalho que não a do movimento.
Dos 121 entrevistados, 98,35% declaram participar de trabalhos cooperados, de
atuação do movimento, e apenas 1,65% declarou não participar de trabalhos cooperados
do movimento (apenas dois respondentes).
Quando perguntados sobre melhorias\benefícios que a entrada no movimento lhes
proporcionou, pôde-se obter, segundo as tipologias abaixo, os resultados apresentados.
De forma geral, a maior parte dos que avaliam positivamente sua entrada no
movimento compreendem que o maior ganho foi em termos político-ideológicos (o que
vem marcado por termos como “companheiro\companheirismo”, “guerreiro”, “conquista
de direito\liberdade”, “conhecimento”, etc.). Entretanto, a discrepância verificada
anteriormente (cerca de 25% dos entrevistados declaram não serem atuantes no movimento)
força a questionar o quanto tal percentual (74% declaram ganhos político-ideológicos) vem,
de fato, corresponder à internalização do discurso, ou seja, até que ponto o discurso do
ganho político-ideológico reverte-se no ‘sentir-se pertencente’ (atuante) ao movimento.
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653
Dois outros dados que podem auxiliar na avaliação dessa compreensão/apropriação
é o nível de escolaridade e a continuidade dos estudos. Do total dos entrevistados, 69,1%
frequentaram a escola até a 8ª série do Ensino Fundamental – desses, 6,6% não têm
qualquer instrução formal, ou somente um ano ou menos.
Além disso, a continuação da educação formal no Assentamento também pode
ser reveladora. Somados, os entrevistados que estão fora do processo formal de educação
(escola) são 80%. Ainda, os mesmos 25% que se declaram não atuantes no movimento
também estão fora desse processo.
Para Gurgel (2003, p. 70), parece existir grande relação entre a educação e a
formação da consciência, o que equivale dizer que a escola e, consequentemente, a
educação, têm certo “poder formador de consciência”. Dessa forma, pode-se entrever
alguma relação entre os dados apresentados acima.
Pode-se pensar, assim, que não obstante a maioria declare que o maior benefício,
depois de sua entrada no movimento, seja o ganho de consciência política, o cruzamento
com outros dados e a respectiva análise mostra que tal ganho não fora revertido em “ganho
real”, ou seja, internalizado como consciência de pertença ao movimento, ao menos no
plano ideológico. Isso pelo seguinte: embora 25% declarassem não atuar no movimento,
na prática, constatou-se o contrário, notando-se que 98,35% dos entrevistados trabalhavam
em ocupações cooperadas, dentro do assentamento.
Deve-se, aqui, retomar a reflexão de Faria (1997) e sua distinção fundamental entre
tecnologias de ordem instrumental e tecnologias de ordem comportamental e ideológica,
como já descrito acima. A partir dessa perspectiva, é possível deduzir que a aplicação, por
parte dos membros do assentamento, de tecnologias de gestão de ordem comportamental
e ideológica não acompanham necessariamente as tecnologias de ordem instrumental.
De outro modo, é possível implementar tecnologias de gestão no sentido de
racionalização do trabalho e da produção, sem que implique o caráter ideológico da
tomada de consciência e reconhecimento do declarante como “atuante” do processo.
Para compreender-se a intensificação do caráter ideológico em tais mecanismos,
deve-se perceber a relação estreita entre subjetividade do trabalhador e seu processo
de trabalho, que, no caso contemporâneo, se dá pelo controle da subjetividade, como
propõem Gurgel (2003) e Faria (2004). Ambos compreendem que as apropriações de
subjetividade se referem às suas apropriações conceituais, uma vez que as necessidades
do processo de trabalho são descobertas, como ocorre com a produção capitalista atual.
O mesmo deveria acontecer com o processo de produção do MST-Lapa, sendo
que, uma vez relacionado a um movimento que atua de modo contrário ao processo
capitalista, o caráter subjetivo toma um enfoque revolucionário. Essa é a condição objetiva
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
que faz Gurgel (2003) verificar empiricamente as possibilidades de resposta ao problema
que se coloca à gestão capitalista: qual é a dimensão ideológica das tecnologias de gestão
na formação da consciência social?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sob a perspectiva das tecnologias de gestão de ordem instrumental, percebe-se
que o assentamento responde relativamente à aplicação de estratégias de racionalização
e operacionalização do trabalho e da produção. Entretanto, pelo auferido dos dados
obtidos, pôde-se perceber que, aos membros do movimento da Lapa, falta ainda um
substancial processo de reflexão com vistas à internalização\apropriação do caráter subjetivo
e ideológico das tecnologias de gestão.
Assim, o investimento na qualificação, não somente profissional, mas principalmente
humana-intelectual do membro do assentamento, mostra-se uma possibilidade bastante
promissora para o aprofundamento da reflexão, da tomada de consciência e, por fim,
adesão ao processo.
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655
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
RELAÇÃO DE CONFIANÇA ALUNO-PROFESSOR NA APRENDIZAGEM
Ana Paula Freiberger Caron*
José Henrique de Faria**
Antoninho Caron***
RESUMO
A escola é vista hoje como uma importante instituição socializadora. É por meio
dela que as crianças irão aprender sobre sua cultura, sobre valores morais e sobre
a convivência social. Assim, o indivíduo que ingressa em uma instituição de ensino
sairá dela mais humanizado, socializado e educado. O papel do professor será o de
estimular a busca de conhecimentos; mas para que essa troca ocorra, é necessário
que haja confiança. A teoria da relação objetal mostra que essa confiança será
construída na forma como a criança for acalentada. A partir da análise de entrevistas
realizada em uma escola de Educação Infantil, este artigo apresenta os resultados
sobre como é estabelecida e desenvolvida a confiança e suas principais dificuldades.
Palavras-chave: Confiança. Relação professor-aluno. Pais.
* Aluna do 3º ano de Psicologia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica da Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
**Doutor em Administração (USP). Professor da FAE Centro Universitário e da Universidade Federal do
Paraná. E-mail: [email protected].
*** Doutor em Engenharia de Produção (UFSC). Professor do Programa de Mestrado Interdisciplinar em
Organizações e Desenvolvimento e coordenador do curso de Administração da FAE Centro Universitário.
E-mail: [email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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INTRODUÇÃO
É na escola que a criança irá deixar de imitar o comportamento de seus pais
e de outros adultos e começará a apropriar-se de outros modos de comportamento,
tornando-a mais autônoma (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2008). Há de se considerar,
entretanto, a existência de diversas formas de conceber o fenômeno educativo, pois se
trata de algo humano, histórico e multidimensional.
De acordo com determinada proposta ou abordagem pedagógica, foca-se em um
ou outro aspecto educacional. Aspecto aqui se entende como abordagens tradicionais,
comportamentalistas, humanistas, cognitivistas e socioculturais (MIZUKAMI, 1986).
É por meio da escola que se sociabiliza o sujeito, porém esse processo já começa
muito antes com os pais. Para que a criança se torne apta a viver em sociedade, é
necessário que haja uma boa vinculação com os pais na primeira infância. A partir
dessa vinculação, a criança aprenderá a confiar ou não nos outros (PULASKI, 1986;
RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981; SCHULTZ; SCHULTZ, 2006).
O professor será a figura que, segundo Furlani (1991), desempenhará
quatro papéis: transmitir conhecimento, disciplinar, avaliar e vivenciar modelos no
relacionamento com os alunos. Mas até para que a criança enxergue o professor nesse
papel, ela precisará ter passado por tudo isso, primeiramente, com seus pais (MILLER,
1997). Se a criança obtiver apoio emocional e físico nessa fase, ela estará apta também
a confiar em seus professores nas séries iniciais e por toda sua vida (RAPPAPORT, FIORI,
HERZBERG, 1981).
O objetivo do presente trabalho é identificar como é construída, desenvolvida
e estimulada a confiança na relação professor-aluno e como o professor poderá auxiliar
o indivíduo nessa tarefa.
1
METODOLOGIA DA PESQUISA
A partir de uma revisão bibliográfica do ponto de vista psicológico, busca-se
compreender as raízes da confiança, como ela começa e o que é determinante para
seu estabelecimento. Procurou-se também investigar como essa confiança primária
influenciaria a relação professor-aluno nas séries inicias, isto é, na Educação Infantil.
Para tanto, buscou-se desenvolver um estudo de caso em uma escola de Curitiba
visando responder o problema da pesquisa proposto nesse trabalho, a saber: como se
estabelece a confiança professor-aluno na Educação Infantil?
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Os entrevistados constituíram de professores e/ou estudantes de Pedagogia que
trabalhassem naquela instituição na época da coleta de dados.
2
AS PRIMEIRAS RELAÇÕES
Para entendermos como ocorre a confiança na relação professor-aluno, é
necessário retomar os conceitos iniciais sobre como construímos uma relação em que
há vínculo, afeto e confiança.
Relação objetal é uma teoria originada da psicanálise que se concentra
fundamentalmente nas relações com os objetos amados, como a mãe ou o cuidador
principal, que satisfazem as necessidades instintivas da criança, ao invés de se concentrar
nas necessidades em si (SCHULTZ; SCHULTZ, 2006).
Para Fiori (apud Rappaport, 1981), a organização afetiva ocorre com a
amamentação, denominada por Freud como fase oral. Essa fase é definida como uma
etapa do desenvolvimento humano em que a libido está organizada na zona oral, sendo
que a organização afetiva ocorre por formas introjetivas ou de incorporação (RAPPAPORT;
FIORI; DAVIS, 1981). Libido é uma forma de energia psíquica que leva a pessoa a ter
pensamentos e comportamentos prazerosos (SCHULTZ; SCHULTZ, 2006).
Erik Ericson acrescentou a teoria de Freud ao dizer que nessa etapa é formulada a
confiança e a desconfiança básica. O bebê precisará aprender a confiar nos outros para
sanar suas necessidades básicas, obtendo segurança e afeto (SHAFFER, 2005; SCHULTZ;
SCHULTZ, 2006). A sucção que o bebê faz ao mamar é inato ao ser humano, sendo
que o impulso para obter alimento é considerado um fator central da organização na
infância inicial. Assim, correlaciona-se a busca por alimentos com o prazer, uma vez
que a obtenção do primeiro gera o segundo.
É em cima do prazer inicial, da satisfação tida com a amamentação, que se aprenderá
a amar e que se aprenderá a desenvolver os vínculos de amor em seguida dissociados
da exigência biológica básica da alimentação. (RAPPAPORT, 1981, p.31)
A criança encontra-se nessa etapa em estado de dependência da mãe ou da
pessoa que a cuida, tornando essa pessoa objeto principal da libido da criança. A
maneira como a mãe responde aos pedidos do bebê formará a percepção dele acerca
do mundo, vendo-o como bom ou mal, satisfatório ou frustrador, seguro ou perigoso
(SCHULTZ; SCHULTZ, 2006; WINNICOTT,1975).
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659
O ato de cuidar de um bebê é fundamental para que ele se sinta adequado
enquanto ser humano, sendo que o vínculo básico dessa fase é estabelecido pela
amamentação (RAPPAPORT; FIORI; DAVIS, 1981). “A criança que conheceu a segurança
nesse estágio inicial começa a alimentar a expectativa de que nunca lhe faltarão e nem
a abandonarão” (WINNICOTT, 1993, p.104).
Inicialmente, todo o afeto da criança será direcionado para o seio, objeto que é
visto por ela como bom ou mal. Após esse período, a criança será capaz de dirigir seu
afeto ao pai, mãe, outras pessoas e objetos do mundo. Portanto, o processo de criação
de ligações emocionais é chamado de desenvolvimento das relações objetais (PULASKI,
1986; RAPPAPORT, 1981; SCHULTZ; SCHULTZ, 2006,).
Conforme citado anteriormente, a criança estabelecerá a confiança de acordo
com a maneira que ela foi tratada pelo seu cuidador. Para Alice Miller (1997), é
fundamental que a criança seja levada a sério desde o nascimento, sendo respeitada na
manifestação de seus sentimentos e suas sensações. É a partir desse clima de respeito
que a criança poderá romper com a simbiose que possui com a mãe e caminhar rumo à
autonomia. Com autonomia alcançada, a criança será capaz de tornar-se independente
não somente fisicamente, como também emocionalmente.
Entretanto, Miller (1997) defende que os pais apenas poderão proporcionar
essa experiência para seus filhos, se eles mesmos a tiverem vivenciado com seus pais.
Quando essa situação não ocorre, o indivíduo torna-se carente, passando a buscar
inconscientemente por alguém dedicado, que o entenda e o leve a sério. Contudo,
não obterá sucesso nessa procura uma vez que se remete a algo passado, que deveria
ter sido trabalhada na primeira infância. Enquanto essa falta não for elaborada, seja
por terapia ou por outro processo de autoconhecimento, esse indivíduo tentará suprir
essa necessidade durante toda sua vida, sendo que o mais disponível para suprir essa
carência são os próprios filhos (MILLER, 1997).
3
FIGURA MATERNA E FIGURA PATERNA
Tanto a figura materna quanto a paterna pode ser desempenhado por um homem
e uma mulher, respectivamente, não havendo uma diferenciação de gênero e nem de
parentesco para que se possa educar um indivíduo. Porém, existem diferenças entre
figura materna e mãe, bem como figura paterna e pai.
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A função paterna se ocupa com a formação da consciência dos filhos, processo
que já foi iniciado pela figura materna. Essa consciência será formada através da interdição
da relação criança/mãe, separando-as em alguns momentos, bem como será seu papel
falar de princípios, regras, leis e conceitos (LIMA, 1997). Portanto, é função da figura
materna atender às necessidades de uma criança para que ela tenha um equilíbrio
orgânico, isto é, sanar a necessidade de alimento, afeto e higiene. Também é essa figura
que auxiliará o indivíduo a construir seu esquema corporal, notando a fronteira do eu
e do outro, assim como a construção da autoestima (LIMA, 1997).
4
CONFIANÇA: PONTOS DE VISTA
Zanini (2007) propõe uma divisão no ato de confiar, um emocional e outro
cognitivo, sendo que ora prevalecerá uma forma, ora outra. Complementando essa
fala, Piaget (1962, apud PULASKI, 1986, p.140) diz que “assim como não existe estado
puramente cognitivo, não existe estado puramente afetivo”.
A parte cognitiva possibilita o cálculo do risco que o indivíduo corre em
determinada situação, chamada também, pelo autor, de confiança cognitiva ou confiança
calculada. Já a parte emocional diz respeito aos aspectos afetivos e emocionais que não
podem ser removidos, uma vez que diz respeito a um conceito central na confiança: a
crença (ZANINI, 2007). Entretanto, na criança pequena essa diferenciação não ocorre,
pois o ato de confiar está intimamente ligado ao emocional – sistema límbico.
Segundo Rogers e Stevens (1902), a qualidade da relação interpessoal que se
estabelece é o aspecto mais importante para haver confiança. Ou seja, é mais importante
a relação que se forma com outro indivíduo do que saber todos os testes e teóricos
daquele assunto. Segundo o autor, existem algumas atitudes que criam um clima favorável
para o crescimento. Primeiramente, é necessário haver congruência/coerência, existindo
a necessidade de que a relação seja sem máscaras. Assim, o facilitador da aprendizagem
poderia aceitar seus sentimentos de forma consciente, podendo comunicá-los, promovendo
um encontro de pessoa para pessoa. Com a sinceridade iniciando nos sentimentos, o
autor propõe que é mais fácil para outro ser humano confiar em alguém que se sabe
não estar encobrindo nenhum aspecto de sua personalidade, uma pessoa que está em
determinada situação de forma real (ROGERS; STEVENS, 1902).
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661
Outra característica necessária é a empatia entre os indivíduos, em que o
professor possa compreender a forma de aprendizagem do aluno sendo capaz de
comunicar essa compreensão. Segundo Gambini (1999), é necessário reconhecer que
a transmissão de conhecimento é condicionada pela psicologia do professor, sendo que
ele precisa notar-se como um ser ensinante e aprendente junto com a criança. Dessa
forma, reconhece-se que a criança também é capaz de produzir conhecimento e de
ensiná-la. É necessário perceber a confusão, a timidez ou a raiva da criança como se isso
ocorresse também com o educador, porém tendo consciência de que a sua confusão,
timidez ou raiva não entrem na relação. É a partir dessa empatia que o outro consegue
perceber-se enquanto pessoa e pode aprender, mudar e se desenvolver (ROGERS;
SETEVENS, 1902). Dessa forma, como relata Gambini (1999), está sendo introduzida
uma prática de autoconhecimento para que o professor descubra também como foi o
seu processo de aprendizagem.
5
O PROFESSOR
Para Furlani (1991), existem alguns papéis que são da competência do professor,
entre eles está a transmissão de conhecimento e vivência de modelos no relacionamento
com os alunos.
A transmissão do conhecimento poderá ocorrer de duas formas: o professor
como informador e o professor como didata. No primeiro, o docente surgirá como
mero transmissor de conhecimento, sendo que esse conhecimento será rígido sem a
possibilidade de acrescentar algo novo, e o professor não considerará o contexto em
que esse estudo é transmitido. Já o professor como didata visa à integração do aluno
ao conhecimento, em que nada é dado pronto aos alunos, e eles são estimulados a
questionar e criar. O professor didata utilizará as maneiras formais de transmissão de
conhecimento, mas não se aterá apenas a elas, uma vez que entende que os conteúdos
dados também são incompletos. Nesse tipo de ensino, entende-se que o professor é
um organizador das atividades e que o aluno também poderá ensinar (FURLANI, 1991).
Rossini (2003) também afirma que é importante que o professor demonstre
consideração sobre seus alunos, pois é a partir desse aspecto que se construirá a
autoestima da criança. Os indivíduos têm necessidade de tentar, e é papel do professor
estimular essas tentativas sem, entretanto, cobrar pela perfeição.
Furlani (1991) ainda define o papel do professor na vivência de modelos no
relacionamento com os alunos. Para ela, não é somente o conhecimento e a experiência
que contam para os alunos, mas também características afetivas, de personalidade,
sendo que existem três modelos para que o professor se situe perante o aluno: o modelo
autoritário, o permissivo e o democrático.
662
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O modelo autoritário caracteriza-se por não ocorrer diálogo, em que o conhecimento
é imposto ao aluno, não sendo permitido que este dê sua contribuição. A grande perda
desse modelo é no sentido de tolher a criatividade, iniciativa e autonomia das crianças.
Enquanto o modelo permissivo é aquele em que ocorre total liberdade de expressão,
tudo é deixado acontecer e não há limites. No modelo democrático, o conhecimento
é desenvolvido, elaborado e reelaborado pela parceria entre o professor e o aluno, na
qual cada um dá sua contribuição. Com essa democracia ocorrendo em sala de aula, o
professor consegue também acolher o aluno que ele tem, entendendo seus sentimentos,
medos e aflições, mas é necessário que o professor tenha confiança e segurança em si
mesmo, para que só então ele aceite a criança como ela é (FURLANI, 1991).
6
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
As análises apresentadas a seguir tomam como base as respostas fornecidas
no questionário.
Foi questionado perante os professores sobre como eles entendiam que se
desenvolvia a confiança do aluno. Entre as diversas verbalizações, a maioria diz ser a
afetividade o ponto central da confiança:
“Por meio da afetividade. Aprendizagem é emoção, é paixão e exige confiança
de ambas as partes. Na relação professor X aluno X aprendizagem o resultado de 2+2
quase nunca é 4. São relações intrincadas, repletas de contradições e esta é a beleza
da nossa profissão.” “Com carinho, cumplicidade, limite e amor.”
Furlani (1991), Rogers e Stevens (1902) já defendiam essa ideia ao afirmarem
que não é apenas o conhecimento teórico que conta para o aluno, mas a maneira
que esse professor o enxerga e interage com ele. Também, segundo Gambini (1999), é
necessário que ocorra empatia nessa relação, pois se o docente não se colocar no lugar
do aluno, sem julgamentos, a relação ficaria deficitária. É necessário que se note como
esse indivíduo aprende, pois nem sempre as formas tradicionais obterão resultados.
“Acredito que a confiança entre aluno e professor se desenvolva com uma postura
aberta do professor. Abertura para ouvir a criança, para receber suas manifestações de
carinho e entender quando ela não se sente tão bem. O professor deve ser carinhoso
nas palavras gestos e ser exemplo de justiça e compreensão.”
“É papel do professor acolher seu aluno de forma que ele sinta-se seguro
em permanecer na escola. A escuta e o respeito para com o aluno é o que gera a
confiança. Potencializar suas qualidades e ajudá-lo em suas dificuldades são também
aspectos importantes.”
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Rogers e Stevens (1902) definem um item chamado de consideração positiva
e consideração incondicional como fundamentais para o crescimento. A consideração
positiva ocorre quando existe a mudança e o desenvolvimento no aluno devido ao
professor apresentar uma atitude afetuosa, positiva e de aceitação do que está nesse
aprendiz. Isso significaria que a forma como esse indivíduo é, sua maneira de ser é
aceito pelo professor, sendo que este consegue respeitar o aluno em sua diferença, sem
querer modificá-lo.
A consideração incondicional é o professor conseguir olhar para o aluno de forma
total, e não condicional. Isto é, um professor que sente uma consideração positiva muito
grande por esse sujeito, sendo um sentimento aberto, e sem avaliações e julgamentos
(ROGERS; STEVENS, 1902).
A pesquisa indicou também quais seriam os problemas encontrados pelos
professores na questão da confiança das crianças, podendo-se destacar a falta de
confiança dos pais no docente: “Uma família que não confia no professor e que tem
dúvidas sobre a escola também pode passar para a criança esse sentimento.”
“Quando o pai é inseguro com a escola/professor, acaba transferindo esse
sentimento para a criança.”
A forma como a figura materna lidará com a criança irá definir se ela irá incorporar
à sua personalidade uma postura de confiança ou desconfiança no relacionamento
futuro com o meio em que ela vive. Essa maneira de lidar diz respeito à forma como
ela é amamentada, acalentada, entre outros. Se a criança for tratada com afeto, amor
e segurança, ela desenvolverá o senso de confiança que caracterizará uma visão de si
mesma e do outro. Porém, se seu cuidador rejeitá-lo ou atendê-lo de forma inconstante,
a criança poderá ver o mundo de forma ameaçadora, onde existem apenas pessoas não
confiáveis. Assim, a criança poderá tornar-se temerosa, desconfiada e ansiosa perante
os outros e para consigo (SHAFFER, 2005; SCHULTZ; SCHULTZ, 2006).
“É o meio circundante que possibilita a cada criança crescer, e sem adequada
confiabilidade ambiental o crescimento pessoal de uma criança não pode acontecer, ou
será um crescimento distorcido” (WINNICOTT, 1993 p.103). Entretanto, segundo Schultz
e Schultz (2006, p. 208) “A desconfiança na infância pode ser alterada posteriormente na
vida por meio do companheirismo de um professor ou um amigo carinhoso e paciente.”
Ambos os autores entendem que a confiança poderá ser construída mais tarde; porém,
o primeiro acredita que essa segurança será abalada, enquanto o segundo crê que ainda
poderá ocorrer sem maiores danos.
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A escolha da escola deverá ser feita pelos pais da criança, porém é fundamental
que ela seja levada ao local para conhecer tanto o ambiente como, se possível, as
professoras. A instituição deve ser escolhida de acordo com os valores da família,
para que não haja discrepância no que é ensinado em casa e na escola. Também é
necessário considerar a personalidade da criança, uma criança criativa poderá ter melhor
desempenho em uma escola que busque estimular a criação, do que em uma escola
que busque moldes fechados de ensino (ZAGURY, 2004).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo dessa pesquisa foi investigar como iniciava o processo de confiança
de um indivíduo e, posteriormente, como isso iria influenciar no desenvolvimento da
confiança com seu professor. Descobriu-se que sem uma adequada interação entre
cuidador e bebê no início da vida, esse processo de confiança se torna mais dificultoso.
É pela maneira como a criança será cuidada em seus primeiros anos de vida que ela
desenvolverá sua própria forma de acreditar e confiar nos outros.
Nas entrevistas, descobriu-se que a principal dificuldade no desenvolvimento da
relação professor-aluno é a dificuldade que os pais têm em transmitir segurança quanto
à escola e ao professor para seus filhos. O presente trabalho mostra que, quando os
próprios pais não experimentaram uma relação de confiança com seus progenitores,
é mais difícil passar esse sentimento para seus filhos. Assim, sem ter confiança em si
mesmo, os pais não poderiam passar uma imagem adequada da instituição e nem da
professora (SAFFER, 2005; SCHULTZ; SCHULTZ, 2006).
Identificou-se, também, que a postura do professor frente ao aprendizado e
aos medos da criança influenciaria a relação de ambos, tornando-a mais ou menos
conflituosa. É de acordo como esse professor lida com seus próprios medos e angústias
que ele lidará com os medos e as angústias dos seus alunos (GAMBINI, 1999).
Entretanto, deve se obter mais estudos sobre como uma falha de confiança nos
primeiros anos de vida da criança pode influenciar no processo de aprendizagem. A presente
pesquisa identifica que um professor poderá auxiliar a criança ou adulto nessa empreitada,
porém não identifica quais seriam os indicadores para que esse fenômeno ocorra.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
665
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FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
ASSÉDIO MORAL E GERAÇÃO Y: ASPECTOS RELACIONADOS À AUSÊNCIA
DE DENÚNCIA DE TRABALHADORES ASSEDIADOS
Luana Cristina Ribeiro Duvaresch*
Dori Luiz Tibre Santos**
RESUMO
O assédio moral é um tema de suma importância dentro da atualidade, principalmente
devido às grandes mudanças que surgiram no ambiente de trabalho com a globalização,
a qual gerou aumento de desemprego e concorrência. Tal cenário submeteu os
trabalhadores a passar por situações vexatórias diante das dificuldades em se posicionar
no mercado de trabalho cada vez mais exigente. Estudos realizados revelam que o
equilíbrio psíquico e a saúde mental do indivíduo são afetados pelas pressões originadas
pela organização do trabalho, podendo causar danos irreparáveis à saúde da vítima, pois
quando a pessoa é submetida a humilhações, pode manifestar doenças originadas do
estresse causado pelo sentimento de extremo sofrimento, impotência e incapacidade
que a vítima de assédio é submetida. Demilitou-se o tema à Geração Y, por ser um
tema atual e existir pouco material a respeito do assunto, o que nos permitirá relacionar
características intrínsecas ao grupo. A questão analisada neste artigo é a identificação da
causa da ausência de denúncia do Assédio Moral na Geração Y e sua correlação com
características do grupo. O método utilizado deu-se por meio de análises documentais
e pesquisa de campo, e pôde revelar aspectos interessantes dessa relação.
Palavras-chave: Assédio moral. Mobbing. Gerações. Geração Y. Ausência de denúncia.
*
Aluna do 2º ano de Psicologia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
** Mestre em Educação (UFPR). Psicólogo. Professor da FAE Centro Universitário. E-mail: dori.santos@
fae.edu.
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INTRODUÇÃO
O assédio moral, enquanto fenômeno que incide sobre as variantes psicológicas do
ser humano, pode ser caracterizado em razão de múltiplas relações (familiares, amorosas,
sociais, laborais). No entanto, o enfoque que desponta com maior veemência é aquele
direcionado às relações que envolvem o ambiente de trabalho por suas particularidades
sociais. Nesse enfoque, estão envolvidas questões relacionadas ao poder nas relações
hierárquicas, ao sistema capitalista e a determinantes sociais, como o crescente desemprego
e necessidade de sobrevivência.
Tal fenômeno existe desde que surgiram as primeiras relações de trabalho, mas apenas
nos últimos anos vem sendo amplamente discutido, principalmente devido à realidade
formada no ambiente de trabalho advinda da globalização, a qual levou os trabalhadores a
passar por situações humilhantes diante de um mercado exigente, competitivo, com menos
oportunidades de emprego e mais ofertas de profissionais. Segundo Fernandes (2005), a
cultura da empresa moderna leva à dificuldade de relacionamento entre as pessoas e falta
de solidariedade e cooperação entre elas.
Estudos realizados por Dejours (1992) em psicopatologia do trabalho revelam que o
a pressão oriunda da organização do trabalho afeta o equilíbrio psíquico e a saúde mental
do indivíduo, podendo causar danos irreparáveis à saúde de quem a sofre. A submissão
às situações humilhantes constantes ocasiona o estresse, oriundo do sentimento extremo
de sofrimento, impotência e incapacidade que a vítima de assédio é submetida.
O estresse pode levar o ser humano a um estado depressivo, de desequilíbrio
emocional, transtornos ansiosos, que podem originar ou desencadear muitas doenças.
(GUIMARÃES; RIMOLI, 2006). A saúde física e mental de uma pessoa pode ser afetada
em conjunto com o abatimento moral, o constrangimento que leva a pessoa vítima do
assédio moral a degradar sua condição de trabalho e sua qualidade de vida. Tais sintomas
podem acometer diferentes sistemas orgânicos e o trabalhador pode apresentar distúrbios
psicossomáticos, cardíacos, digestivos, respiratórios, endocrinológicos, etc.
O que se vê acontecer nas organizações em relação ao assédio moral é a
condescendência a essa prática, as organizações acabam por fazer vistas grossas, já que os
gerentes assediadores geralmente são os que mais produzem. Está formada, assim, uma teia
de relações que envolvem poder, pressão, necessidade de sobrevivência (já que estamos
falando dentro de um contexto de amplo desemprego), e exigências das condições de
trabalho que levam ao assédio.
Logo, se vê que não existe um mecanismo de denúncia estruturado que apoie os
assediados moralmente ou os incentivem a sair de tal situação. O assediado, não tendo
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direcionamento após a ocorrência do fato, acaba por não denunciar o ato por medo das
consequências ou outros motivos, os quais serão explorados nesta pesquisa. Não obstante,
existem aqueles que passam por situações de assédio moral e não a reconhecem como tal.
Independente do conhecimento do conceito de assédio moral, a ausência de denúncia
pode acarretar consequências psicológicas ao assediado.
Delimitamos também o tema de nossa pesquisa à Geração Y, por se tratar de um
assunto atual e existir pouco material a respeito. Aspectos vivenciados por esse grupo
durante o seu crescimento e desenvolvimento, bem como o contexto sócio-cultural-político
em que viveram em determinada época, têm influência direta em suas características,
seus valores e expectativas tanto em aspectos pessoais como profissionais. Exploraremos
aspectos relacionados à hierarquia e a possível ação de denúncia.
Diante do amplo acesso a informações na atualidade, bem como o perfil
característico da Geração Y de ser mais decidida, inclusiva, segura e estar constantemente
em busca de conhecimento (GARCIA; STEIN; RAMÓN, 2005), além de ser conhecida
como uma geração que se posiciona e ter uma relação diferenciada com a hierarquia,
chegamos a seguinte pergunta: Por qual motivo o trabalhador da Geração Y assediado
moralmente não denuncia o assédio sofrido? E, ainda, os trabalhadores da Geração
Y sabem o que é assédio moral?
1 ASSÉDIO MORAL NO CENÁRIO ORGANIZACIONAL
Há a banalização do assédio moral no ambiente organizacional devido às grandes e
constantes mudanças na vida dos trabalhadores. Nos dias atuais, identificamos uma busca
incessante em manter ordem perante o caos em que se encontram as organizações, as quais
buscam, cada vez mais, atingir resultados e alcançar lucros por meio das pessoas. Tal cenário
caracteriza a percepção de que não há mais espaço para uma mentalidade tradicional e que
novas formas de relacionamento e comunicação devem ser construídas. Contudo, muitas
empresas ainda mantêm os tradicionais métodos de administração de pessoas.
Com o desenvolvimento tecnológico houve a alteração das exigências dos
trabalhadores, as quais passaram de físicas a intelectuais e psicológicas, criando, assim, um
ambiente contrário à solidariedade e propício a competitividade. É de suma importância
refletir a respeito dos valores e princípios éticos organizacionais e como eles são sustentados
em suas ações e relacionamentos.
Os trabalhadores estão cada dia mais vulneráveis e ameaçados, tornando-se
perdidos e vazios, sem saber a quem recorrer e confiar. Se a violência moral existe, é
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obrigação da empresa criar condições mais harmônicas que resguardem a saúde do
trabalhador (OLIVEIRA, 2004).
A organização, de forma geral, muitas vezes faz vista grossa ou apresenta-se perplexa
diante de uma situação de assédio moral aos seus colaboradores, porém muitas não sabem
– ou não estão preparadas para gerir tais dificuldades com seus trabalhadores. Legalmente,
a empresa é considerada culpada pela violência à moral e pela conivência com a situação,
pois todas as empresas têm o dever de fiscalizar a atuação de seus funcionários, zelar pela
qualidade no ambiente de trabalho e pelo respeito à dignidade de seus funcionários.
Contudo, algumas organizações ainda mantêm a cultura de relações desumanas e aéticas,
em que predominam condutas negativas, chegando até mesmo a negligenciar o abuso,
pois prioriza sua lucratividade para gerar mais cidadãos doentes.
De acordo com Heloani (2004), o assédio moral caracteriza-se pela intencionalidade,
a qual incide na constante e deliberada desqualificação da vítima, seguida de sua consequente
fragilização com o intuito de neutralizá-la em termos de poder. Esse enfraquecimento
psíquico pode levar o indivíduo vitimizado gradualmente a uma despersonalização. Sem
dúvida, trata-se de um processo disciplinador no qual se procura anular a vontade daquele
que, para o agressor, se apresenta como ameaça. Essa dose de perversão moral – algumas
pessoas sentem-se mais poderosas, seguras e, até mesmo, mais autoconfiantes à medida
que menosprezam e dominam outras – pode levar com facilidade ao assédio moral quando
aliada à questão da hipercompetitividade.
1.1
CARACTERIZAÇÃO DE ASSÉDIO MORAL
A caracterização do assédio moral é de suma importância para a compreensão da
violência no ambiente de trabalho. A partir dela, é possível identificar atitudes que sejam
abusivas e também desconsiderar situações que não caracterizam o assédio moral. Contudo,
há diversos conceitos a respeito do assédio moral, o que dificulta sua caracterização e,
consequentemente, o combate a esse comportamento hostil.
Segundo Soboll (2008), o tema é estudado há, aproximadamente, 25 anos no
mundo, desenvolvendo-se no Brasil a partir do ano 2000 como objeto de estudo e de
intervenção profissional, sendo ainda envolto de imprecisões conceituais e metodológicas. Para
a autora, essa imprecisão está relacionada à diferente formação e época em que diferentes
teóricos viveram. O médico Heinemann utilizou o termo mobbing da etiologia de Konrad
Lorenz para descrever uma conduta de um grupo de crianças contra um menino. Leymann
também se utilizou desse termo, mas aplicando ao ambiente de trabalho para um grupo que
ataca psicologicamente de maneira contínua um trabalhador, a fim de destruí-lo. Outro termo
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pouco utilizado seria Bullying, sendo mais comum no ambiente escolar e que considera,
muitas vezes, o envolvimento de agressões físicas além da psicológica.
Tendo em vista o contexto brasileiro de assédio moral, buscou-se nesta pesquisa
identificar o termo mais adequado para descrever a violência psicológica no trabalho. Para
isso, foram analisadas obras, como a de Marie France Hirigoyen (2002), Margarida Barreto
(2005), Lis Andrea Pereira Soboll (2008) e Anastácio Ovejero Bernal (2010), entre artigos
e dissertações sobre o tema.
Segundo pesquisas de Soboll (2008), o termo assédio moral tem sido mais utilizado e
aceito: “No Brasil, o termo utilizado na área acadêmica e entre os atores sociais, difundido
por Margarida Barreto (2005), é assédio moral, seguindo o modelo francês de Marie-France
Hirigoyen (2001)”. Dessa forma, consideraremos o conceito de Hirigoyen a respeito de
assédio moral norteador em nossa pesquisa:
[...] toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos,
palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade,
ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou
degradar o ambiente de trabalho (HIRIGOYEN, 2002).
Ainda a respeito do conceito de assédio moral, segundo Ovejero Bernal:
[...] a definição mais aceita hoje em dia é a utilizada pela legislação Sueca, que
foi elaborada pela AFS (Agência Sueca para a melhoria do ambiente laboral),
em 1993, em que descreve o fenômeno como uma série de ações recorrentes,
censuráveis ou claramente negativas, que são dirigidas contra empregados
específicos, de maneira ofensiva, e que podem ter como consequências a
marginalização desses empregados da comunidade de trabalho. (BERNAL,
2009, p. 28).
No conceito apresentado acima, são mencionados características específicas do
assédio moral. Para facilitar essa tarefa, Leonardo de Oliveira Rezende (2008), advogado
trabalhista, mestre em Direito do trabalho, estabelece algumas especificidades ou critérios
que são necessários para essa definição. Tais critérios apresentados surgiram da dificuldade
do jurídico em estabelecer o que pode ser considerado assédio moral, definindo-os em
quatro pontos, os quais serão adotados neste estudo.
O primeiro ponto é a habitualidade, apesar de não haver um consenso entre os
estudiosos sobre a periodicidade, a maioria deles estabelece que o assédio moral deve ser
frequente e apresentar um tempo mínimo de ataques. Segundo Rezende (2006), alguns
autores estabelecem uma periodicidade mínima de 12 meses, e outros de até três anos
e quatro meses. Enfatiza-se ainda a importância da repetição do fenômeno, reforçando,
assim, a etimologia da própria palavra assédio, que designa insistência.
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Ainda a respeito da habitualidade, Barreto (apud FERNANDES 2002, p. 02)
considera assediar moralmente um indivíduo a “exposição prolongada e repetitiva a
condições de trabalho que, deliberadamente, vão sendo degradas”.
Tomaremos como referência de periodicidade a conceitualização de assédio moral
em pesquisa realizada por Leymann:
[...] fenômeno no qual uma pessoa ou grupo de pessoas exerce violência psicológica
extrema, de forma sistemática e recorrente e durante um tempo prolongado – por mais
de seis meses e que os ataques se repitam numa frequência média de duas vezes na
semana – sobre outra pessoa no local de trabalho, com a finalidade de destruir as redes
de comunicação da vítima ou vítimas, destruir sua reputação, perturbar a execução de
seu trabalho e conseguir finalmente que essa pessoa ou pessoas acabe abandonando
o local de trabalho (LEYMANN apud GUIMARÃES; RIMOLI, 2006, p. 03).
Diante da divergência e amplitude de periodicidades citadas por diversos autores,
tomaremos como referência o período apontado por Leymann de ocorrência mínima de
seis meses.
O segundo ponto de Rezende (2006) é o local em que ocorre o assédio. Embora
pareça óbvio, dado o contexto em que se trata o tema, o autor destaca que os indivíduos
devem pertencer ao mesmo organismo empresarial e que sejam dependentes da empresa.
Mesmo que de forma indireta, ou seja, incluem-se temporários, terceirizados e prestadores
de serviços sem vinculação direta com o organismo.
O penúltimo ponto se refere à violência psicológica. O assediador tem de apresentar
um comportamento que ataque o psicológico de seu alvo – condutas, como gritos, insultos,
repreensões, humilhações em público, entre outros. O autor enfatiza que qualquer
conduta que produza desconforto psicológico também pode ser incluída, desde que seja
de grave destaque daquilo que é suportável dentro de um padrão objetivo, ou seja, caso
não ultrapasse o limite normal, não será considerado como violência psicológica. Portanto,
esse critério não deve ser considerado isoladamente dos outros para a caracterização do
assédio moral, devido à dificuldade em mensurar a violência psicológica.
No quarto e último critério, o autor propõe a intenção do assediador em causar
prejuízo psicológico e moral ao assediado. Nesse ponto, as opiniões sobre o tema são
comuns. Precisam ser consideradas omissões e a criação de condições que propiciem a
humilhação e sua submissão a uma série de disposições abusivas.
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2 GERAÇÃO Y
Segundo Garcia, Stein e Ramón (2008), a Geração Y é formada por pessoas nascidas
entre 1984 e 1990. Existe uma divergência entre autores no que se refere ao período de
nascimento dessa geração, FOJA (2009), por exemplo, considera o início da geração os
nascidos em 1978, e ainda limita o fim dessa geração aos nascidos até 2000 (POCKET
LEARNING, 2010). Após a data limite dessa geração, surgem novas gerações, as quais
ainda não estão no mercado e trabalho, portanto, considerados irrelevantes nesta pesquisa.
O contexto em que a Geração Y cresceu se remete à globalização e ao
desenvolvimento da tecnologia, que possibilitaram o acesso rápido a um grande fluxo de
informações, velocidade e constante aperfeiçoamento de produtos, resultando, assim, em
inovação e consumismo, bem como estímulo pela mídia e tecnologia. Tais características
refletiram em imediatismo, impaciência e apreço por curto prazo em todos os âmbitos
da vida.
[...] A geração Y só conhece a democracia, e as histórias sobre a transição, na Espanha,
da ditadura para o estado atual [o que se aplica perfeitamente ao Brasil] começam a
lhe soar como batalhas de seus pais. Não deixam de se surpreender com o fato de
que a geração anterior tenha sobrevivido sob a tirania de poucas redes de televisão,
sob controle governamental estrito, e com telefones pregados na parede. [...] ao lado
de importantes transformações sofridas por seus pais [...] Na geração Y não ocorreu
uma ruptura social evidente; não houve Woodstock nem maio de 1968. (GARCIA;
STEIN; RAMÓN, 2008, p. 03).
No período de crescimento, as pessoas dessa geração não vivenciaram situações
drásticas de economia como as gerações anteriores. Tal fator reforça seu aspecto consumista
e também certo otimismo em relação ao mercado de trabalho, possibilitando às pessoas
dessa geração a se arriscar mais e a inovar.
Apesar de essa geração conhecer a democracia e as histórias de transição política
pelas quais seus pais passaram, ela nasceu em uma sociedade preocupada com segurança,
num contexto social sem grandes transformações ou rupturas sociais evidentes, bem como
possui características diferentes das outras gerações e mais expressivas. Essas pessoas foram
mais protegidas pelos seus pais, cresceram sentindo-se especiais e valorizados. Essa geração
observou a dedicação e a prioridade de seus pais à carreira profissional, deixando de lado
a família, bem como o resultado dessa dedicação após uma reestruturação da empresa
ou nova demanda no mercado, e não querem cometer o mesmo, se importam mais com
o bem-estar e o familiar do que efetivamente com uma carreira profissional, não prezam
especificamente pela hierarquia e ascensão profissional, mas pelo reconhecimento de seu
trabalho e autonomia em suas decisões.
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A Geração Y também é conhecida como a geração do milênio, da internet e do
videogame. Qual a relevância de um equipamento eletrônico, como o videogame, para essa
geração, que cresceu jogando jogos com fases cada vez mais difíceis e desafiadores, e no
final sempre mostraram o resultado de acordo com o desempenho da pessoa? Tal resultado
reflete na vida adulta dessas pessoas, que desenvolveram um perfil competitivo e focado
em resultados, apreciando sempre receber feedbacks em relação ao seu desempenho.
[...] eles sabem, por experiência, que as coisas, as informações, as novidades morrem
em pouco tempo – até mesmo a ordem mundial, que parecia tão imutável. [...] fica
claro que a geração Y responde a estímulos e motivações diferentes dos que moviam
seus antecessores. Por exemplo, para eles, o futuro já não é uma ameaça insondável
em mãos de megacorporações; ele simplesmente não existe. Essa visão apocalíptica
se incorporou aos videogames e os jovens Y se sentem à vontade com ela. (GARCIA;
STEIN; RAMÓN, 2008).
Essas pessoas, em geral, são questionadoras, repensam constantemente suas carreiras
profissionais e buscam organizações condizentes com seus valores. Receberam muito mais
atenção, carinho e dedicação de seus pais do que outras gerações; seus pais se dedicam
a auxiliar seu desenvolvimento pessoal e profissional desde pequenos, o que desenvolveu
um perfil autoconfiante, seguro e decidido. Sabem onde querem chegar e o que devem
fazer para alcançar seus objetivos.
2.1
VALORES E EXPECTATIVAS DA GERAÇÃO Y
A geração Y considera o trabalho como fonte de satisfação e desenvolvimento
pessoal, atua por objetivos, é focada em resultados e não em processos, considera sua
remuneração somente como resultado de seu desempenho, e deseja conciliar sua vida
pessoal com a profissional.
A perspectiva desse grupo é mais esperançosa referente ao futuro, é mais decidido,
possui uma postura de cortesia frente às autoridades, preza pelo coletivismo e pela
inclusão social. Também preza por uma empresa com responsabilidades em relação aos
seus colaboradores, comunidade e meio ambiente. O trabalho é simplesmente um meio
para viver a vida com qualidade, e não um fim.
Outra característica [...] é a confiança que os membros da geração Y possuem em si
mesmos. Desde cedo esta geração tem sido guiada pelos seus pais tanto no âmbito
pessoal como profissional. Os pais destes jovens têm atuado como direcionadores,
criadores e até mesmo como coaches. (MACIEL, 2010)
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Essa criação propiciou a esses jovens autoconfiança, com isso, apreciam desafios,
prezam pelo reconhecimento, liberdade e autonomia para agir em seu cotidiano na
empresa. São abertos a novas correntes ideológicas, e são sensíveis à injustiça. O que retém
esses profissionais em uma empresa não é necessariamente a oportunidade de crescimento
hierárquico, mas o desenvolvimento e reconhecimento profissional. Prezam por atingir um
alto grau de liberdade e tomada de decisões do que uma nomenclatura de cargo elevado.
Possuem interesse em ascensão rápida, mudam de direção quando percebem que isso
não acontecerá em um curto espaço de tempo, o que os torna instáveis.
São fatores de autodesenvolvimento buscados pela Geração Y, segundo Tulgan (2009
apud MACIEL, 2010): performance baseada na compensação financeira; agenda flexível;
local flexível; habilidades vendáveis; acesso aos tomadores de decisão; crédito pessoal
pelos resultados alcançados; área clara de responsabilidade; chance para expressão criativa.
2.2
GERAÇÃO Y E SUA RELAÇÃO COM A HIERARQUIA
Segundo pesquisas do The Generational Divide (POCKET LEARNING, 2010), a
relação da Geração Y com autoridade é de respeito desde que esta demonstre competência.
Por dominar o uso de tecnologia, há, predominantemente, uma inversão de papéis ao
ensinar o superior a lidar com a habilidade.
As pessoas da geração Y não reconhecem muito hierarquia, nem têm o mesmo tipo de
respeito pela autoridade [...] elas têm mais facilidade para se expressar e acham que
podem dizer o que pensam, mesmo quando estão em posições mais baixas na empresa.
Elas querem ter responsabilidade rapidamente e querem ter voz [...] dão sua opinião
sem esperar ou obedecer a hierarquia. (COHEN apud POCKET LEARNING, 2010).
A postura dessa geração diante da autoridade é de cortesia, há uma troca de
informações e conhecimentos, relação bem diferente de outras gerações que lidam com
uma situação de respeito e lealdade, ou até mesmo de amor e ódio. Busca crédito ao
seu gestor por resultados alcançados, e busca acesso e relacionamento com as pessoas
responsáveis por tomar decisões, para que possa ter alguma participação.
3 METODOLOGIA DE PESQUISA
A metodologia proposta é de caráter exploratório e qualitativo, considerando-se
que a base de conhecimento da relação entre assédio moral e os efeitos psicológicos em
quem sofre esse assédio não permite, ainda, estabelecer relações de cunho mais específico.
Essa investigação é de natureza qualitativa, exploratória e descritiva.
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O grupo é caracterizado independente de gênero e classe socioeconômica,
componentes da Geração Y (nascidos entre 1984 e 1990, segundo GARCIA; STEIN;
RAMÓN, 2008), estudantes de graduação e pós-graduação em Instituição de Ensino
Superior em Curitiba, atuantes no mercado de trabalho no mínimo há seis meses
(LEYMANN apud ELGENNENI, VERCESI 2009, p. 06), e assediados moralmente, segundo
contextualização do tema. A pesquisa foi realizada fora do ambiente de trabalho, obtendo
um caráter mais informal, sem a pressão exercida do ambiente de trabalho.
Os métodos e procedimentos utilizados se deram por meio de análises documentais
e demais registros sobre o assunto, bem como por pesquisa de campo e coleta de dados.
Foi aplicado o modelo conceitual de análise de dados por exploração e descrição do
conceito de assédio moral e Geração Y, proporcionando maior entendimento, e construindo
hipóteses que expliquem o comportamento dos apontamentos feitos nesta pesquisa.
O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionário (Apêndice 1), o qual
aborda tanto aspectos característicos do grupo quanto questões relacionadas ao tema:
a. Características do grupo: sexo, faixa etária, tempo no mercado de trabalho, tempo
na empresa atual.
b. Questões relacionadas ao tema: entendimento do conceito de assédio moral,
vivência do assédio moral, existência de denúncia, justificativa de ausência de denúncia,
e sentimento após ser assediado.
O instrumento de pesquisa foi elaborado a partir de referenciais teóricos e aplicação
de questionário piloto, o qual possibilitou direcionamento em relação aos conceitos
de assédio moral de senso comum e características apresentadas pelo grupo inicial. Os
resultados do pré-piloto não foram considerados na análise final, servindo somente para
redirecionamento e aperfeiçoamento do questionário durante o projeto de pesquisa.
A pesquisa foi realizada em um grupo de 139 pessoas, sendo que dessas, 90 foram
consideradas integrantes da Geração Y, e as 49 restantes foram desconsideradas da pesquisa
devido à idade e pertencimento a outras gerações, as quais não são o foco desta pesquisa.
Foram analisados dados quantitativos referentes às pessoas que se consideram
assediadas, ou não, permitindo, assim, uma análise crítica do conhecimento a respeito
do tema.
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4 RESULTADOS DA PESQUISA
Em relação aos resultados apurados na pesquisa, pôde-se observar que 34% dos
entrevistados relataram terem sido assediados moralmente no ambiente de trabalho, sendo
79% mulheres e 6% homens (Gráfico 1). Dos que se consideram assediados moralmente,
somente 7% dos pesquisados efetivamente passou por uma situação de assédio moral,
considerando a periodicidade do fenômeno.
GRÁFICO 1 – Assediados moralmente no ambiente de trabalho – 2012
FONTE: Elaboração própria
O conceito de assédio moral é conhecido por 86% dos pesquisados, que consideram
ter passado pela situação, porém não há relação do conceito do tema com o período de
ocorrência pelos entrevistados. Sendo considerado por apenas 16% a periodicidade de
seis meses (gráfico 2). Tais dados apontam, primeiramente, que a maioria dos pesquisados
da Geração Y possui conhecimento adequado a respeito do conceito de assédio moral.
Contudo, há a banalização do tema em relação à periodicidade que caracteriza o assédio
moral, considerando que 49% dos entrevistados consideram ter vivenciado situações
de assédio moral, porém essas situações ocorreram somente uma ou algumas vezes em
período inferior a três meses.
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GRÁFICO 2: Tempo de ocorrência nas situações de Assédio Moral - 2012
FONTE: Elaboração própria
Ainda, daqueles que se consideram assediados moralmente (31%), aproximadamente
48% não tomaram nenhuma atitude diante do acontecimento. Em relação àqueles que
realmente passaram por situações de assédio moral, 60% também não o fizeram.
De forma geral, as atitudes diante do assédio podem ser observadas no gráfico 3, abaixo.
GRÁFICO 3 – Atitudes diante do assédio moral – 2012
FONTE: Elaborado pelos autores
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Tais dados refletem a ineficácia das organizações em ter uma estrutura que apoie
ou incentive a denúncia dos assediados, e que deveria ser prioridade em um momento em
que as empresas se preocupam tanto com a gestão de pessoas e desenvolvimento humano.
Ao mesmo tempo em que criam o clima de competitividade, e diante do cenário que
o mercado de trabalho se encontra, as empresas acabam propiciando de forma indireta
esse tipo de abuso.
No gráfico 4, podemos observar os motivos apontados em relação à ausência de
denúncia entre os que se consideram assediados, sendo o maior item assinalado o medo
de comprometer a carreira profissional, seguido da exposição frente ao colega de trabalho.
GRÁFICO 4 – Justificativa da ausência de denúncia dos considerados assediados – 2012
FONTE: Elaborado pelos autores
Em relação às características da Geração Y relacionadas à hierarquia, considerando
a postura diante da autoridade, a característica maior, teoricamente, seria a de cortesia.
Contudo, essa foi a que teve um índice de 0% na pesquisa, enquanto a preferência por
uma relação de respeito foi apontada por 89,5% dos pesquisados, sendo uma característica
de outra geração (Gráfico 5).
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GRÁFICO 5 – Postura dos entrevistados em relação à autoridade
FONTE: Elaboração própria
Outra característica explorada foi em relação ao estilo de liderança almejado, o
qual, teoricamente, haveria uma preferência pelo coletivismo. Contudo, o coletivismo e
a competência tiveram o mesmo índice, 9% (Gráfico 6).
GRÁFICO 6 – Estilo de liderança considerada ideal
FONTE: Elaboração própria
Em relação às características as quais os pesquisados mais se identificam, apenas 25%
relataram ser esperançosos e decididos, características consideradas na teoria, enquanto
50% assinalaram ser práticos e dedicados, características de outra geração (Gráfico 7).
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GRÁFICO 7 – Característica qual mais se identifica - 2012
FONTE: Elaboração própria
As justificativas de ausência de denúncia apresentadas na pesquisa – em que a
maioria significativa dos pesquisados se consideram assediados e não denunciaram por
medo de comprometer a carreira profissional e, ainda, o fato de não querer se expor
em frente aos colegas de trabalho – contradizem ao perfil característico dessa geração,
encontrados em pesquisa, de ser autoconfiantes, seguros e expor suas ideias de forma direta.
Ainda em relação às características dessa geração, pode-se constatar que há
divergência na aderência ao perfil pesquisado na amostra aplicada, em relação à postura
diante da autoridade, estilo de liderança apreciado e características de identificação.
A partir desses dados, questiona-se o motivo da discrepância entre as atitudes
e características que compreendem a Geração Y, o que nos leva a refletir se dentro da
complexidade humana podemos realmente determinar características de um grupo devido
ao seu contexto sociocultural, e de que forma essas características podem realmente
condizer à realidade.
Em relação ao principal fator nesta pesquisa – justificativa da ausência de denúncia
–, podemos observar uma característica relacionada à insegurança no grupo, o que poderia
ser aprofundado em outra pesquisa, podendo verificar, por exemplo, se há relação em
serem mais novos no mercado de trabalho ou possuírem alta cobrança e expectativas diante
de seu perfil tendencioso ao sucesso e conquistas. Afinal, já que possui tanta informação,
conhecimento e apoio dos pais, por que motivo a Geração Y se sente insegura em relação
à sua carreira, suas decisões e à exposição? E, ainda, até que ponto o estudo de gerações
se torna fidedigno na sociedade atual?
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681
APÊNDICE 1
Atenção! As informações aqui cedidas são de caráter sigiloso e para fins de
pesquisas científicas, portanto não há necessidade de se identificar.
VOCÊ DEVERÁ MARCAR SOMENTE UMA OPÇÃO POR QUESTÃO, EXCETO NAS
QUESTÕES “3” e “7”.
Sexo: (
(
) F
(
) M
) 28 a 32 anos; (
|| Faixa etária: (
) 21 a 27 anos;
) Acima de 33 anos.
Tempo de atuação no mercado de trabalho:
(
) Menor que um ano
(
) Entre um e três anos
(
) Entre três e cinco anos
(
) Acima de cinco anos
Tempo na empresa atual:
(
) Menor que seis meses
(
) Entre seis meses e dois anos
(
) Entre dois anos e cinco anos
(
) Acima de cinco anos
1. O que você entende por assédio moral no ambiente de trabalho?
(
) É quando um trabalhador é coagido com piadas constrangedoras e fofocas
(
) É quando o chefe se aproveita do poder de sua função para exigir muito do
trabalho de um empregado
(
) Quando um superior é assertivo com seu subordinado publicamente
(
) É qualquer conduta abusiva, que aconteça repetidamente contra a dignidade
ou a integridade de um trabalhador
(
) É quando há insinuações sexuais vindos de um superior para um trabalhador
2. Você já foi assediado moralmente no ambiente de trabalho?
(
)Sim
(
)Não
3. Assinale as situações abaixo pelas quais você já tenha passado no ambiente
de trabalho: (Nesta, poderá marcar mais de uma opção)
682
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(
) Recebeu críticas em público
(
) Recebeu propositalmente instruções confusas e imprecisas
(
) Teve sua presença ignorada frente a outros colegas
(
) Circularam boatos maldosos e calúnias a seu respeito
(
) Foram solicitados trabalhos urgentes sem real necessidade
4. Em relação à questão “3”, caso tenha passado por algumas das situações,
durante quanto tempo ocorreu?
(
) Somente uma vez
(
) Algumas vezes em período inferior a três meses
(
) Diversas vezes em período superior a três meses, e inferior a seis meses
(
) Frequentemente em período igual ou superior a seis meses
5. De acordo com sua resposta na questão “3”, qual sua atitude diante de tal fato?
(
) Não passei por nenhuma das situações
(
) Nenhuma, não fiz nada
(
) Contatei o gestor da empresa
(
) Contatei o RH da empresa
(
) Solicitei desligamento da empresa
(
)Outro:
6. Caso não tenha denunciado o ocorrido, por qual motivo não o fez?
(
) Necessidade financeira de manter o emprego
(
) Medo de comprometer a minha carreira profissional
(
) Não quis me expor frente aos colegas de trabalho
(
) Medo de represália
(
)Outro:
7. Liste abaixo quais os sintomas você percebeu sentir após passar pelas situações
citadas na questão “3”: (Nesta, poderá marcar mais de uma opção).
(
) Nenhum sintoma
(
) Dores de cabeça
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683
(
) Impotência (apatia)
(
)Depressão
(
)Estresse
(
) Atitudes agressivas
(
)Culpa
(
)Humilhação
(
)Ansiedade
(
)Raiva
(
)Medo
(
)Vergonha
8. Como você considera sua postura diante da autoridade?
(
)Respeito
(
)Amor/ódio
(
)Desinteresse
(
)Cortesia
9. Que estilo de liderança você considera o ideal em um ambiente organizacional?
(
)Hierarquia
(
)Consenso
(
)Competência
(
)Coletivismo
10. Assinale a opção com as características quais você mais se identifica:
684
(
) Prático e dedicado
(
) Otimista e focado
(
) Cético e equilibrado
(
) Esperançoso e decidido
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686
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
EFEITOS PSICOLÓGICOS DO ASSÉDIO MORAL NA GERAÇÃO Y
Allan Lazaro Santos Quintiliano*
Dori Luiz Tibre Santos**
RESUMO
Este artigo visa apresentar os resultados de uma pesquisa realizada com 139
trabalhadores da Geração Y, abordando o tema assédio moral no ambiente profissional
e seus efeitos psicológicos. Apesar de o assédio moral não ser uma prática recente, o
seu estudo teve grande ascensão nestes últimos anos, porém mesmo assim, poucos
trabalhos sobre o assédio moral na Geração Y são encontrados. Para obtenção dos
dados, adotou-se a aplicação de questionários com questões fechadas, possibilitando
um espaço em cada questão para que o entrevistado pudesse falar livremente caso
sua resposta não se encaixasse nas alternativas apresentadas. Para delimitar a amostra,
dois principais critérios foram estabelecidos: ter idade mínima de 18 anos e estar
atuante no mercado de trabalho. Os entrevistados são trabalhadores, com vínculo
empregatício formal (carteira assinada) e informal (sem carteira assinada), porém a
pesquisa foi realizada fora do ambiente de trabalho, obtendo um caráter mais informal
e, sem a pressão exercida do local.
Palavras-chave: Assédio moral. Geração Y. Efeitos psicológicos.
* Aluno do 3° ano de Psicologia da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à Iniciação
Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
** Mestre em Educação (UFPR). Psicólogo. Professor da FAE Centro Universitário. E-mail: dori.santos@
fae.edu.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
687
INTRODUÇÃO
O assédio moral é um assunto pesquisado há, aproximadamente, 25 anos
(SOBOLL, 2008), e nos últimos tempos vem sendo amplamente divulgado e discutido
a partir de alguns estudos já realizados, palestras e movimentos sindicais. Com isso, é
possível verificar o quanto esse tema vem ganhando espaço no cenário organizacional.
O uso do termo assédio moral é bastante comum, remetendo ao sujeito pensar
em comportamentos abusivos praticados por chefes contra seus subordinados. Essa ideia
não está totalmente errada, mas o assédio moral não é apenas isso, é muito mais amplo,
ocorrendo em diversos ambientes. Entretanto, pretende-se, neste artigo, observar apenas
o assédio moral no ambiente organizacional, pois esse fenômeno tem sido bastante
frequente no meio profissional. As suas razões são as mais variadas, porém destacam-se,
aqui, aquelas que ocorrerem devido às pressões do mercado de trabalho.
Muitos trabalhadores podem estar sofrendo esse tipo de abuso em sua jornada
laboral e não se dão conta disso. A violência moral, segundo Hirigoyen (2011), é silenciosa
e acontece com bastante frequência nas relações interpessoais. Percebe-se no aspecto
profissional que muitas empresas possuem código de ética, mas estimulam a violência
dentro de suas próprias estruturas (HELOANI, 2004).
Essas relações perversas (HIRIGOYEN, 2011) que se estabelecem no ambiente
organizacional atingem diversas faixas etárias, inclusive a Geração Y. Esse grupo citado foi
o escolhido para ser pesquisado. Dele, observaram-se quais são os efeitos psicológicos do
assédio moral, pois segundo Dejours (1995), as pesquisas realizadas pela psicopatologia
do trabalho revelam que o equilíbrio psíquico e a saúde mental do indivíduo são afetados
pelas pressões originadas pela organização do trabalho.
1
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Sobre o tema apresentado é possível encontrar autores consagrados como
Marie France Hirigoyen, que ajudaram a difundir o estudo do assédio moral no
mundo. As obras de Hirigoyen abriram caminhos para pesquisas sobre a violência no
ambiente de trabalho, para a criação de leis e, principalmente, para este projeto, o
olhar psicopatológico dessa prática.
A escolha de Marie France Hirigoyen como norteadora proporciona apoiar
os objetivos estabelecidos. É importante relatar que em nenhum momento houve
pretensão em desabonar outras teorias sobre o fenômeno do assédio moral, mas houve
concordância dos idealizadores deste artigo sobre o olhar que essa teórica estabelece
a respeito da violência moral.
688
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Nos tópicos seguintes se fará a exposição da teoria sobre o assédio moral como
uma violência perversa do cotidiano e seus efeitos psicológicos, de acordo com Hirigoyen
(2011). Mas antes desse aprofundamento, será apresentado o conceito de assédio moral,
suas variações de nomenclatura e suas características. Logo após, será apresentado um
tópico sobre o conceito de Geração Y e suas relações com o assédio moral.
2
CARACTERIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL
Como um dos objetivos desta pesquisa com a Geração Y, a caracterização do
assédio moral é de suma importância para a compreensão da violência no ambiente
de trabalho. Tendo compreensão da violência, é possível identificar atitudes que sejam
abusivas e também desconsiderar situações que não caracterizam o assédio moral. As
existências de várias definições sobre o tema dificultam ainda mais a sua caracterização
e, consequentemente, o combate a esse comportamento hostil.
Segundo Soboll (2008), ainda que pesquisado há mais de 25 anos no mundo, aqui
no Brasil o assédio moral desenvolveu-se a partir do ano 2000 como objeto de estudo e de
intervenção profissional, sendo ainda envolto de imprecisões conceituais e metodológicas.
Para a autora, essa imprecisão está relacionada à diferente formação e época em que cada
autor vive. Termos como mobbing, dado pelo médico Heinemann a partir da etimologia
de Konrad Lorenz, é usado para descrever uma conduta de um grupo de crianças contra
um menino. Leymann também se utilizou desse termo, mas aplicando ao ambiente de
trabalho para um grupo que ataca psicologicamente de maneira contínua um trabalhador,
a fim de destruí-lo. Como também o termo bullying, pouco utilizado sendo mais comum
no ambiente escolar, e muitas vezes envolvendo agressões físicas, além da psicológica.
Tendo em vista o assédio moral no contexto brasileiro, buscou-se neste artigo
identificar o termo mais adequado para descrever a violência psicológica no trabalho.
Para isso, foram analisadas obras como a de Marie France Hirigoyen (2011), Margarida
Barreto (2006) Lis Andrea Pereira Soboll (2008) e Anastácio Ovejero Bernal (2010), além
de muitos artigos e dissertações sobre o tema.
Será utilizado, então, o termo assédio moral (além de representar todos os
outros termos, pois sua diferença é apenas teórica, a palavra assédio moral também
indica insistência, o que caracteriza o assédio moral segundo a opinião neste estudo).
Considerando essa nomenclatura, podemos dizer que segundo Hirigoyen (2011, 67.)
assédio moral é:
Toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se, sobretudo por comportamentos,
palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade, ou
à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar
o ambiente de trabalho.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
689
Ovejero Bernal (2006, p.174.) defende que:
A definição mais aceita hoje em dia é a utilizada pela legislação Sueca, que foi
elaborada pela AFS (Agência Sueca para a melhoria do ambiente laboral), em 1993,
em que descreve o fenômeno como uma série de ações recorrentes, censuráveis ou
claramente negativas, que são dirigidas contra empregados específicos, de maneira
ofensiva, e que podem ter como consequências à marginalização desses empregados
da comunidade de trabalho.
No conceito apresentado acima, são mencionados características específicas do
assédio moral. Para facilitar essa tarefa, Rezende (2008), advogado trabalhista, mestre em
Direito do trabalho, estabelece algumas especificidades ou critérios que são necessários
para essa definição. Esses critérios apresentados pelo autor auxiliam na dificuldade
que o jurídico tem em estabelecer o que é assédio moral. Ao todo, são quatro critérios
apresentados, que serão adotados como parâmetros neste artigo.
O primeiro é a habitualidade. Apesar de não haver um consenso entre os
estudiosos sobre a periodicidade, a maioria deles estabelece que o assédio moral deva
ser frequente e também apresentar um tempo mínimo de ataques. Como relata Rezende
(2008), alguns estabelecem um tempo de 12 meses, e outros de até 3 anos e 4 meses,
mas o importante é que haja um repetição do fenômeno, como a própria palavra assédio
em sua língua pátria designa: insistência.
Para a pesquisa deste artigo, foi estabelecido o critério de periodicidade de
Leymann (1996):
[...] fenômeno no qual uma pessoa ou grupo de pessoas exerce violência psicológica
extrema, de forma sistemática e recorrente e durante um tempo prolongado – por
mais de seis meses e que os ataques se repitam numa frequência média de duas vezes
na semana – sobre outra pessoa no local de trabalho, com a finalidade de destruir
as redes de comunicação da vítima ou vítimas, destruir sua reputação, perturbar a
execução de seu trabalho e conseguir finalmente que essa pessoa ou pessoas acabe
abandonando o local de trabalho (LEYMANN apud GUIMARÃES; RIMOLI, 2006, p.3).
O segundo ponto é o local em que ocorre o assédio. Embora pareça óbvio,
dado o contexto em que está se tratando o tema, Rezende (2008) destaca que os
indivíduos devem pertencer ao mesmo organismo empresarial e que sejam dependentes
da empresa, mesmo que de forma indireta, incluindo temporários, terceirizados e
prestadores de serviços sem vinculação direta com o organismo.
690
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O penúltimo ponto indica a violência psicológica. O assediador tem de apresentar
um comportamento que ataque o psicológico de seu alvo, ou seja, condutas como
gritos, insultos, repreensões, humilhações em público, entre outros. Rezende (2008)
enfatiza que qualquer conduta que produza desconforto psicológico também pode
ser incluída, desde que seja grave de um padrão objetivo, ou seja, caso não ultrapasse
o limite normal não será considerado como violência psicológica. Contando com isso,
esse critério não deve ser considerado isoladamente dos outros para caracterização, pois
existem situações em que não será possível verificar a violência psicológica.
No quarto e último critério, o autor propõe a intenção do assediador em causar
prejuízo psicológico e moral ao assediado. Nesse ponto, as opiniões sobre o tema são
uníssonas. Segundo Rezende (2008), as omissões, a criação de condições que propiciem
a humilhação e sua submissão a uma série de disposições abusivas também precisam
ser consideradas.
Foram definidos até agora os critérios do assédio moral, mas também se faz
necessário uma definição clara do público que foi pesquisado: a Geração Y.
3
A GERAÇÃO Y
Recentemente estudada, a Geração Y cresceu em um momento de grande avanço
tecnológico e econômico, sendo formada pelos jovens nascidos de 1984 a 1990. Existem
outras variações referentes ao período de nascimento determinante para classificação
das gerações por diversos autores. Mas, para esta pesquisa, foram adotados como datas
de referência os períodos citado por Garcia-Lombardia, Stein, Ramón (2008), do artigo
Quem é a geração Y, no qual trazem informações sobre todas as gerações, porém, trata
especificamente da Geração Y.
Segundo esses autores, as gerações que convivem nos tempos atuais são: Tradicionais,
Baby Boomers, X e Y. Sabendo disso, destacam-se, a seguir, alguns aspectos que podem
indicar situações que caracterizam o assédio moral sofrido ou partido desta geração.
3.1
O ASSÉDIO MORAL NA GERAÇÃO Y
Conforme citado anteriormente, Garcia-Lombardia, Stein, Ramón (2008)
apresentam em sua pesquisa que, devido à escassez de profissionais no continente
europeu, a extensão de idade dentro do mercado de trabalho está sofrendo e sofrerá
ainda mais modificações. Isso corresponde tanto à entrada antecipada no mercado de
trabalho como o tempo de aposentadoria.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
691
No Brasil, a tendência parece seguir da mesma forma, segundo dados do
IBGE do último Censo realizado. A população até os 25 anos, em 2010, teve a menor
representatividade no total da população, enquanto a idosa em 1991 a população
idosa representava 4,8%, passando para 5,9%, no de 2000, chegando a 7,4%, em
2010. De acordo com o IBGE, esse crescimento nos últimos dez anos é decorrente do
crescimento da população adulta. Com essa população adulta em crescimento, talvez
se possa atribuir um menor espaço no mercado de trabalho e mais competitivo para
um indivíduo pertencente à Geração Y.
Segundo Sidnei Oliveira (2012), o contexto vivido pela Geração Y favoreceu
uma relação com o poder hierárquico diferente das outras gerações. Essa geração não
viveu, por exemplo, os tempos de regime militar. Muitas vezes, o reconhecimento por
parte do superior hierárquico que um Y deseja receber, pode torná-lo vulnerável a sofrer
assédio moral (HIRIGOYEN, 2011).
Para Hirigoyen (2011), isso acontece ainda na primeira fase do assédio. Segundo
a autora, o assédio moral pode ser compreendido em duas fases: a primeira de sedução
do assediado; e a outra, da violência manifestada contra o mesmo. Na primeira fase
o agressor percebendo que seu alvo o admira, ou tenta agradá-lo, ou tenta atraí-lo,
corrompendo-o e subornando-o de forma indireta e em segredo. Porém, pode-se
pensar também na situação inversa, um Y sendo o assediador. Isso pode ocorrer de
várias formas, como por brincadeiras ofensivas e a exclusão de projetos Basílio (2011).
De acordo com a matéria publicada por Basílio (2011), a chegada da Geração
Y nas empresas e a competitividade entre as organizações também tornam os jovens
mais intolerantes em relação aos problemas no trabalho, e cada vez mais exigentes e
exigidos por resultados. Muitos deles são gestores. E um dos fatores que colaboram
para o assédio dentro das organizações é a impaciência desses chefes em esperar pelos
resultados. A matéria ainda aponta que a relação da Geração Y com autoridade é de
respeito, desde que esta demonstre competência. Por dominar o uso da tecnologia, há
uma predominante inversão de papéis ao ensinar seu superior a lidar com a ferramenta.
Sua postura diante da autoridade é de cortesia, havendo uma troca de informações e
conhecimentos, relação bem diferente de outras gerações que lidam com uma situação
de respeito e lealdade, ou até mesmo de amor e ódio. Há busca por crédito do gestor
por resultados alcançados, como também busca acesso e relacionamento com as pessoas
responsáveis por tomar decisões para que possa ter alguma participação (BASÍLIO, 2011).
De acordo com Hirigoyen (2011), alguns sintomas podem surgir decorrentes
do assédio moral, sendo: dores de cabeça, impotência, depressão, estresse, atitudes
agressivas, culpa, humilhação, ansiedade, raiva, medo e vergonha. Itens os quais serão
discutidos mais adiante nos resultados.
692
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4METODOLOGIA
A metodologia proposta é de caráter exploratório e qualitativo, considerando-se
que a base de conhecimento da relação entre o assédio moral e os efeitos psicológicos
em quem sofre esse assédio não permite, ainda, estabelecer relações de cunho mais
específico. Essa investigação é de natureza qualitativa, exploratória e descritiva.
A pesquisa qualitativa, segundo Minayo (1996), trabalha com o universo de
significados, motivos, aspirações, crenças, valores, atitudes, aprofundando-se no mundo
dos significados das ações e relações humanas.
A investigação exploratória, para Gil (1995), permite ao investigador aumentar
sua experiência em torno de determinado problema, podendo ser descritiva quando
observa, registra, analisa e correlaciona fatos com os fenômenos sem manipulá-los.
Como afirma Triviños (1994), os estudos descritivos pretendem descrever com exatidão
os fatos e fenômenos de determinada realidade.
Para pesquisar os efeitos psicológicos do assédio moral na Geração Y, buscaramse os métodos mais adequados.
Como afirmam Maciel e Gonçalves (2008), as pesquisas sobre assédio moral
apresentam desafios metodológicos que requerem a determinação de vários parâmetros,
cada um necessitando de clara definição para o aprofundamento no estudo do fenômeno.
De acordo com pesquisa bibliográfica realizada pelos autores, os métodos subjetivos
e objetivos apresentam vantagens e desvantagens à pesquisa sobre assédio moral.
O método subjetivo valoriza o relato da vitima, avalia respostas e comportamentos
específicos, possibilita saber se, de fato, a vítima foi ou não assediada e, por fim, permite
explorar diferentes percepções da violência moral. Suas desvantagens são: excesso de
subjetividade, dificuldade para tabulação de dados e muito tempo para coleta de dados.
Como afirmam Maciel e Gonçalves (2008), as pesquisas sobre assédio moral
apresentam desafios metodológicos que requerem a determinação de vários parâmetros,
cada um necessitando de clara definição para o aprofundamento no estudo do fenômeno.
De acordo com pesquisa bibliográfica realizada pelos autores, os métodos subjetivos
e objetivos apresentam vantagens e desvantagens à pesquisa sobre assédio moral.
O método subjetivo valoriza o relato da vitima, avalia respostas e comportamentos
específicos, possibilita saber se, de fato, a vítima foi ou não assediada e, por fim, permite
explorar diferentes percepções da violência moral. Suas desvantagens são: excesso de
subjetividade, dificuldade para tabulação de dados e muito tempo para coleta de dados.
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693
O método objetivo apresentado por Maciel e Gonçalves (2008) focaliza a
incidência e as variáveis determinantes do assédio moral nos diversos cenários do local
de trabalho, permitindo comparações entre regiões, rapidez de correções em amostras
grandes. Porém, as desvantagens são: não conseguir diferenciar se os comportamentos
são ou não são suportáveis pelo sujeito, e também nem todas as formas de assédio são
descritas nesses instrumentos objetivos (questionário), a diferença nas taxas de prevalência
pode variar de acordo com o critério de assédio adotado. Como os métodos apresentam
suas limitações, os autores propõem a combinação dos métodos.
Considerando esse ultimo aspecto, adotou-se a aplicação de questionários com
questões fechadas (método objetivo), possibilitando um espaço (método subjetivo) em
cada questão para que o entrevistado pudesse falar livremente, caso sua resposta não
se encaixasse em nenhuma alternativa apresentada.
Como dito no início desse tópico, buscou-se o método que fosse mais adequado,
além disto, análises documentais e demais registros disponíveis sobre o assunto também
foram consultados.
O público alvo desta pesquisa foi 139 (cento e trinta e nove) jovens da faixa etária
compreendida entre 22 e 28 anos, independente de gênero e classe socioeconômica,
atuantes no mercado de trabalho. Sendo considerados trabalhadores aqueles com
vínculo empregatício formal (carteira assinada) e também informal (em carteira assinada);
porém, a pesquisa foi realizada fora do ambiente de trabalho, obtendo um caráter mais
informal e sem a pressão exercida do local.
5
RESULTADOS DOS EFEITOS PSICOLÓGICOS OBTIDOS EM
PESQUISA
De acordo com o gráfico abaixo, pode-se verificar que o sintoma estresse aparece
com maior referência, seguido do sintoma vergonha.
GRÁFICO 1
FONTE: Elaboração própria
694
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Segundo Hirigoyen (2011), o estresse que a vítima sente é consequente da tensão
interior em se esforçar para não reagir diante do agressor. Dessa forma, o assediado
busca acalmar o assediador, evitando aquilo que teme – a violência moral.
Conforme o gráfico abaixo, pode-se analisar quantos dos trabalhadores se
consideram assediados.
GRÁFICO 2
FONTE: Elaboração própria
Apenas 7% dos entrevistados vivenciaram uma situação de assédio moral. O
gráfico também nos mostra que 34% dos entrevistados se consideram assediados, mas
nem todos configuram uma circunstância de assédio moral. Segundo Hirigoyen (2011),
isso acontece por haver uma banalização do assédio moral, causada por uma sociedade
laxista, ou seja, permissiva e de valores morais demasiadamente relaxados.
O próximo gráfico, trata da frequência com que o assédio ocorre. Como um dos
principais critérios que caracterizam o assédio moral, a frequência é fator determinante
a ser analisada para diferenciar fatos isolados de assédio moral. Apenas 17% dos
entrevistados apresentaram violência frequente em período igual ou superior a seis meses.
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695
GRÁFICO 3
FONTE: Elaboração própria
Apesar de 34% dos entrevistados admitirem ser assediados por diversas vezes
em período superior a três meses, conforme critérios aqui apresentados, esse grupo
não contempla o critério de seis meses de frequência exigida para ser considerado
assediado. Por outro lado, não se sabe se esse grupo pode vir a se tornar um grupo de
futuros assediados.
Conforme exposto em tópicos anteriores, há muita contradição quanto a esse
critério, ainda são necessários estudos que possam determinar com maior precisão
quando uma pessoa foi realmente assediada.
Abaixo temos o gráfico que apresenta o gênero sexual dos assediados pesquisados.
GRÁFICO 4
FONTE: Elaboração própria
696
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Pode-se observar que 79% dos entrevistados são do gênero feminino,
apresentando um número muito superior ao gênero masculino. Para essa discrepância,
pode-se atribuir a alguns fatores que influenciam negativamente nos resultados obtidos.
Um deles se refere ao número superior de entrevistados ser do gênero feminino. Outra
influência pode ser relacionada ao fato de que os assediados do gênero masculino não
se enquadraram na idade da Geração Y, público-alvo.
Podem-se fazer alguns apontamentos quanto ao grupo que não se considera de
assediados. Falta de conhecimento sobre o fenômeno, e os sintomas apresentados por
esse grupo não são percebidos como sinais de assédio moral.
Parte dos resultados apresentados comprova os estudos e conclusões sobre o
tema. E, de acordo com os estudos apresentados de metodologia para assedio moral,
não são satisfatórios para apurar os assediados moralmente. Há necessidade de pesquisas
que auxiliem na construção desses critérios.
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697
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699
INSTITUCIONALIZAÇÃO DA QUESTÃO AMBIENTAL NO BRASIL
NO CONTEXTO DO DESIGN
Adriano Oliveira*
Valdir Fernandes**
RESUMO
Este artigo apresenta uma sistematização da produção acadêmica de Design sobre
a temática ambiental e da área de Ciências Ambientais, tendo por objetivo a
contextualização do Design com a Sustentabilidade. Para tanto, foi enquadrada uma
amostra de artigos científicos das áreas estudadas nas categorias gestão, tecnologia
e educação, posteriormente cruzadas com os 12 princípios da engenharia verde de
Anastas e Zimmermann (2003). Trata-se de uma pesquisa de caráter qualitativo e
quantitativo do tipo exploratória descritiva. A análise dos dados coletados permitiu
concluir que a principal área de pesquisa no âmbito acadêmico de design é a de
Gestão, seguida de Educação e Tecnologia. Também se conclui que nem todas
as temáticas suscitadas pelos 12 princípios da engenharia verde são abordadas e
trabalhadas, demostrando que as questões ambientais são incorporadas no design
de forma parcial.
Palavras-chave: Design. Sustentabilidade. Ciências Ambientais. Institucionalização.
* Aluno do 4º ano de Desenho Industrial da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio à
Iniciação Científica da Fundação Araucária. E-mail: [email protected].
** Pós-Doutor em Saúde Ambiental (USP). Professor do Mestrado Interdisciplinar em Organizações e
Desenvolvimento da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
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701
INTRODUÇÃO
Este artigo insere-se no projeto Análise e caracterização exploratória das Ciências
Ambientais no Brasil, do grupo interdisciplinar de pesquisa sobre a Institucionalidade
Socioambiental no Brasil. O objetivo deste estudo é o de sistematizar e destacar o
papel do Design na problemática ambiental e nas discussões sobre sustentabilidade e
desenvolvimento.
Delimitam-se como universo da pesquisa as produções bibliográficas e periódicos
nacionais encontrados no portal de periódicos da Capes e Scielo, além de artigos publicados
em periódicos disponíveis online, localizados a partir do Google acadêmico. A delimitação
da amostra de análise foi definida conforme o número de trabalhos encontrados e relevância
para os fins desta pesquisa.
Este estudo justifica-se na necessidade de um olhar crítico sobre a introdução da
temática Sustentabilidade na produção científica de Design e no enquadramento das
questões suscitadas pelos acadêmicos de Design na área de Ciências Ambientais.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DESIGN COM A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
QUESTÃO AMBIENTAL NO BRASIL
A institucionalidade da questão ambiental no Brasil se dá em diferentes esferas,
tais como: política, econômica, social, educacional etc., cujos estudos teóricos com
enfoque em sustentabilidade são objeto de estudo das Ciências Ambientais. Essa área do
conhecimento, acreditada pela Capes, difere da Ecologia e Engenharia Ambiental, sendo
uma ciência naturalmente interdisciplinar.
No contexto do Design, essa institucionalização pode ser encarada como um
desdobramento das questões econômicas, sociais e culturais, visto que o Design é tido
como uma área do conhecimento que dialoga com diferentes saberes, como Psicologia,
Semiótica, Estética, Ergonomia, Engenharia etc.
A introdução no ensino do Design no Brasil se deu com o surgimento de um curso
no Instituto de Arte Contemporânea no Masp (Museu de Arte de São Paulo), em 1951
(DENIS,2000 apud LUCCA,2006). Como ainda não havia especialistas em Design nessa
época, o curso foi fortemente influenciado pela Arte e Arquitetura. Somente em 1963 seria
fundada a primeira escola de Design no Brasil, a ESDI (Escola de Superior de Desenho
Industrial), no Rio de Janeiro.
702
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
O Design é uma disciplina recente se comparada às profissões que a cercam em seus
limites de atuação, como a Arquitetura, a Engenharia e as Artes. Mesmo a Publicidade e
Propaganda, que efetua importante interface com o Design Gráfico, apresenta uma história
mais sólida em termos de fixação profissional, organização de classe e reconhecimento
público. (LUCCA, 2006 p. 94)
Vale lembrar que a profissão do designer ainda não é reconhecida e nem
regulamentada no Brasil. Conforme lembra Lucca (2006), em decorrência disso, constatase que o Design, a nível nacional, ainda não possui bases teóricas muito consolidadas e
que a própria identidade da atividade não é significativa.
Quando o Design começa a se desenvolver no Brasil, a maioria dos problemas
ambientais já estavam esboçados. Em 1968 é publicado um relatório pelo Clube de Roma
intitulado Limites do Crescimento, no qual foram apontados que os recursos naturais se
esgotariam no caso da continuidade do ritmo de crescimento verificado naquela época. Nos
dias de hoje, o relatório é considerado controverso, uma vez que o futuro apresentado no
relatório era demasiado catastrófico, e não se realizou. A principal repercussão do relatório
se deu na tomada de consciência da emergência de se pensar as questões ambientais e
se repensar o modelo de crescimento econômico e de consumo.
Em 1972 é realizada a Conferência de Estocolmo, onde, conforme ressalta Régis
(2004), as medidas sugeridas para os problemas ambientais foram mais sensatas do que as
sugeridas pelo Clube de Roma. Dentre os conceitos desenvolvidos, temos o de produção
limpa, isto é, tomada de decisões de produção que não agridam o meio ambiente com
a geração de resíduos.
Na mesma época, em 1971, é publicado o livro Design for the Real World, por Victor
Papaneck, tido como um marco para o campo do Design. Papaneck ressalta a importância
e o papel do designer no processo de preservação do meio ambiente.
A partir da segunda metade de 1980, surge uma nova corrente relacionando o
design com sustentabilidade. Trata-se do Ecodesign:
é a abordagem conceitual e processual da produção que requer que todas as fases do
ciclo de vida de um produto ou de um processo devem ser orientados para o objetivo
de prevenção ou minimização de riscos, de curto ou longo prazo, à saúde humana e ao
meio ambiente (OLIVEIRA apud RÉGIS, 2004, p.10)
Tanto o termo como os princípios tratados por essa abordagem são definidos com
algumas variações pelos diversos autores que tratam do assunto, ora aparece com Design
for Environment (DfE), ora como Análise do Ciclo de Vida (ACV), mas, em linhas gerais,
trata-se do mesmo princípio, conforme esclarece Chaves (2009). A aplicação de tal conceito
por empresas nacionais parece ser insipiente, conforme sugere a análise da pesquisa de
Alperestedt, Quintella e Souza (2010).
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
703
Em uma pesquisa referente às estratégias de gestão ambiental adotadas por 88
empresas de médio e grande porte, constatou-se que a prática de gestão ambiental mais
adotada é a reciclagem, e que o emprego do Ecodesign figura entre as últimas opções, ficando
à frente somente do uso da logística reversa e do mercado de créditos de carbono (MCC).
1.1
O SURGIMENTO DA PROBLEMÁTICA AMBIENTAL E SUAS
CONSEQUÊNCIAS NO DESIGN
Os danos para o meio ambiente, consequência da produção industrial, foram
sentidos logo nos primórdios da Revolução Industrial. Mas de início não houve nenhuma
iniciativa por parte dos designers de criar projetos para produtos que reduzissem os
impactos ambientais.
A primeira manifestação contra o modelo de produção vigente se deu na segunda
metade do século XIX, com movimento utópico de William Morris (1834-1896) chamado
Arts & Crafts. Esse movimento pretendia resgatar o valor do ofício dos artesãos, buscando
eliminar a distinção entre arte e artesanato. Com uma produção artesanal de alta qualidade,
norteada por princípios de design, pretendia-se superar a produção mecanizada e de massa.
Na atualidade, uma das principais questões de preocupação do design está no ciclo
de vida do produto (CVP). “O ciclo de vida de um produto é um conceito (ou modelo)
que descreve a evolução de um produto ou serviço no mercado” (KAZAZIAN, 2005,
p.188). Se no surgimento da área o designer apenas se preocupava com a produção e
lançamento do produto no mercado, com a introdução do conceito de CVP, é tarefa do
designer se preocupar com o produto desde a extração da matéria-prima que o compõe
até o descarte do mesmo feito pelo usuário.
Nesse sentido, uma mudança na visão do CVP foi possível conforme uma visão
de mundo sistêmica. Conforme critica Capra (1982), essa visão se opõe a um paradigma
mecanicista e reducionista sintetizado no cartesianismo. A visão do CVP é linear, racional
e previsível. Na nova visão de mundo apontada por Capra, o sistema é apresentado de
forma sistêmica, complexa e interdependente.
Mesmo sendo utilizado de forma mercadológica, o ciclo de vida do produto
utilizado de forma sistêmica leva muito mais variáveis em consideração, tornando-se uma
importante ferramenta de gestão para analisar a utilização de matéria-prima e energia
que entram e saem do sistema. Essas medidas se mostram fundamentais, uma vez que
tanto energia como matéria-prima estão se tornando escassas e caracterizam alguns dos
principais problemas a ser enfrentados pelos designers e pela sociedade.
704
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
Além dessas questões, esse tipo de pensamento tende a levar em consideração
as necessidades reais dos consumidores, diferindo de quando se leva em consideração
unicamente as necessidades do mercado e da economia, que são de crescimento ilimitado.
No modelo linear, atitudes como a obsolescência programada, a obsolescência
percebida pela moda e o incentivo contínuo ao consumismo desenfreado tornam-se
compatíveis e até aceitáveis; mas quando se analisa o problema de um ponto de vista
sistêmico, pode-se chegar a conclusão de que o mal gerado pelo sistema não compensa
seus benefícios. Uma crítica a esse modelo pode ser estabelecido no seguinte enunciado:
há privatização dos lucros e socialização dos prejuízos.
Outro aspecto que passa a ser considerado a partir dessa perspectiva é a de que
existe outro ciclo de vida do produto, o ciclo de vida natural. Cada produto é feito a
partir de uma matéria-prima extraída da natureza e que muitas vezes não é renovável.
Sem levar esse fator em consideração, corre-se o risco de cair em uma atitude predatória
do meio ambiente, a partir da qual não se respeita a resiliência da natureza, levando ao
esgotamento dos recursos naturais.
Algumas das respostas dadas pelos designers à problemática ambiental podem ser
ilustradas pela produção do designer Chistian Ullmann e dos irmãos Campana. A produção
desses designers se destaca pela escolha de materiais alternativos para compor seus projetos,
exemplificadas nas famosas Cadeira Favela e Poltrona Homeless (Figuras 3 e 4).
FIGURA 3: Cadeira Favela
FIGURA 4 – Poltrona Homeless de Christian Ulman
FONTE: Flor de Casa (online)
FONTE: Delas Casa (online)
Tais produtos nasceram do conceito dos 3R’s: reduzir, reutilizar e reciclar.
Posteriormente, o conceito evoluiu para 5R’s: repensar, reduzir, reutilizar, reaproveitar
e reciclar. Essas medidas nasceram da preocupação com a escassez de matérias-primas,
reciclagem e reaproveitamentos das sobras de produção que se tornariam lixo.
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705
2METODOLOGIA
Esta pesquisa tem característica exploratória descritiva do tipo qualitativa. Como
primeira etapa da coleta de dados, fez-se uma leitura de reconhecimento das obras
relacionadas ao tema em estudo com posterior análise crítica desses dados.
A coleta de dados foi realizada via internet, a amostra foi extraída do portal de
periódicos Scielo e do portal Scholar Google, por meio de palavras-chave. Após a coleta de
dados, foi efetuado o cruzamento das temáticas dos periódicos de design com os periódicos
de Ciências Ambientais, disponíveis no Qualis vinculado à Capes na área de Engenharias I.
Como modelo de análise, utilizam-se os 12 princípios da Engenharia Verde de Paul
T. Anastas e Julie B. Zimmermann, a saber:
1) Inerente ao invés de circunstancial: garantir que todo material que entra ou
sai do processo produtivo seja inerentemente não perigoso.
2) Prevenção ao invés de tratamento: é melhor prevenir o desperdício de
materiais e a geração de resíduos do que buscar alternativas para limpar o
lixo depois de formado.
3) Design para a separação: considerando-se as propriedades físico-químicas
intrínsecas dos materiais, facilita-se e se barateia a separação e purificação deles.
4) Maximizar a eficiência de massa, energia, espaço e tempo: eliminação do
desperdício não somente de materiais, mas de espaço, tempo e energia em
todo o ciclo de vida de produtos e projetos.
5) “Puxar as saídas” contra “empurrar as entradas”: minimizar a quantidade de
recursos, materiais e energéticos, para transformar entradas em saídas desejadas.
6) Conservar a complexidade: seria contraprodutivo reciclar substâncias altamente
complexas, enquanto substâncias de complexidade mínima favorecem a reciclagem.
7) Durabilidade ao invés de imortalidade: produtos não devem ter duração além
de sua vida útil comercial. O tempo de vida de um produto deve ser projetado
de tal forma que evite a imortalidade de materiais indesejados no meio ambiente.
8) Realizar o necessário, minimizar excessos: o design com capacidade
desnecessária deve ser considerado como falha de projeto, uma vez que os custos
de material e energia de sobredesign e capacidade não usável podem ser altos.
9) Minimizar diversidade de material: reduzir a diversidade de materiais
determina a facilidade de desmontagem para reuso e reciclagem.
10) Integrar matéria local e fluxo de energia: ao se aproveitar energia e fluxo de
materiais existentes, a necessidade de gerar e/ou adquirir e processar matériaprima é minimizada. (ANASTAS; ZIMMERMANN, 2003, p. 17).
706
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11) Design para um fim comercial “após a vida útil”: reduzir o desperdício de
componentes que permanecem funcionais a partir de seu reuso.
12) Renovar ao invés de esgotar: entradas de materiais e energia devem ser
renováveis ao invés de depredatórios (ANASTAS; ZIMMERMANN, 2003, p. 4).
Os artigos de design foram analisados com base nos princípios listados acima.
Buscou-se classificá-los por meio da leitura dos resumos e das palavras-chave nos diferentes
princípios propostos pelos autores. Os dados coletados também foram classificados nas
categorias Gestão, Tecnologia e Educação e, posteriormente, cruzados para verificação da
incidência dos 12 princípios por categoria.
3 RESULTADOS DA PESQUISA
Da pesquisa preliminar foram consideradas na busca 21 palavras-chave listadas a seguir:
Água; Ambiental; Ambiente; Avaliação; Conservação; Consulta; Desenvolvimento Sustentável;
Ecodesenvolvimento; Educação; Gestão; Manejo; Meio Ambiente; Natural; Natureza; Poluição;
Recursos Naturais; Saneamento Ambiental; Sócio Ambiental; Sustentabilidade.
A partir da análise dos artigos listados na área de Engenharias I do catálogo Qualis
da Capes foram encontrados dez periódicos de Ciências Ambientais com as seguintes
palavras-chave: Água; Ambiental; Ambiente; Conservação; Desenvolvimento Sustentável;
Educação; Gestão; Meio Ambiente; Natureza e Saneamento Ambiental.
Os artigos foram analisados e classificados em três grupos, a saber: Gestão,
Tecnologia e Educação, conforme a leitura e análise de palavras-chave e resumos.
Do total de artigos analisados, 95 pertencem à área de Gestão; 26 de Educação; 76
de Tecnologia; e 4 foram classificados como Gestão/Tecnologia. Portanto, houve equilíbrio
entre artigos de gestão e tecnologia.
Em relação aos artigos de design pesquisados, do total de 201 artigos foram
encontrados 60 relacionados ao design; 35 pertencentes à área de Gestão; 15 de Educação;
9 de Tecnologia; e 1 classificado como Gestão/Educação.
Comparando com o modelo de análise baseado nos 12 princípios do design, que
são: 1 – Inerente ao invés de circunstancial; 2 – Prevenção ao invés de tratamento; 3 –
Design para a separação; 4 – Maximizar a eficiência de massa, energia, espaço e tempo;
5 – “Puxar as saídas” contra “empurrar as entradas”; 6 – Conservar a complexidade; 7
– Durabilidade ao invés de imortalidade; 8 – Realizar o necessário, minimizar excessos;
9 – Minimizar diversidade de material; 10 – Interar matéria local e fluxo de energia; 11 –
Design para um fim comercial “após a vida útil”; 12 – Renovar ao invés de esgotar, infere-
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
707
se que a questão permeia, ainda que de forma tímida, aspectos do design, tais como o
reaproveitamento de materiais, a utilização de materiais alternativos, redução do número
de componentes e matérias-primas nos produtos, otimização do processo de produção,
reinserção de produtos no mercado, inclusão social, e exploração de novas tecnologias.
TABELA 1 – Cruzamento dos 12 princípios por categorias
P
P
P
P
P
P
P
P
P
P
P
P
Princípio
Categoria
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
GESTÃO
X
X
X
X
X
X
X
X
TECNOLOGIA
X
EDUCAÇÃO
X
X
X
X
X
X
X
FONTE: Elaboração própria
CONCLUSÃO
Com o surgimento da revolução e do design de produtos, surgiram inúmeros
problemas causadores de danos ao meio ambiente, como escassez de matérias-primas e
de recursos energéticos. A preocupação com o futuro da humanidade e do Planeta nos
leva a inúmeras abordagens. Pode-se constatar que no âmbito acadêmico destacam-se os
artigos científicos voltados à área de Gestão.
A disciplina de design é relativamente nova no Brasil, não possuindo um arcabouço
teórico tão profundo quanto às disciplinas mais tradicionais, como as Engenharias. É
possível que esse fator influa diretamente na diversificação das temáticas estudadas e na
profundidade com que os assuntos são tratados.
Conforme esclarecem os autores Paul Anastas e Julie Zimmermann (2003), inúmeros
artigos e conferências vêm sendo realizadas acerca da temática ambiental com vistas a reduzir
os impactos ambientais causados pela ação do homem no meio ambiente. Mesmo com a
emergência de uma mudança de mentalidade, tanto de produção quanto de consumo,
muitas das medidas estudadas, adotadas por empresas e discutidas no meio acadêmico
parecem não dar conta da complexidade da questão. Conclui-se que isso acontece pela falta
de integração e consideração da interdependência entre as temáticas abordadas.
708
FAE - Centro Universitário | Núcleo de Pesquisa Acadêmica - NPA
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Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
709
O ESPAÇO É UM LUGAR PRATICADO: O FOURSQUARE E OS OLHARES
DOS SUJEITOS SOBRE A CIDADE DE CURITIBA
Henrique Hegenberg*
Annelore Spieker de Oliveira Finger**
RESUMO
Este trabalho objetiva analisar a relação primária do homem em deixar uma marca
em seu espaço vivido e a sua relação com esse espaço dentro de um ambiente
virtual, potencializando o uso de canais de comunicação, como o Foursquare, que
pode ser utilizado via dispositivo móvel convergente com acesso à internet, para
observar a expressão dos sujeitos sobre a capital paranaense, Curitiba, por meio
do ciberespaço. Entre alguns objetivos específicos, buscou-se explorar o celular, o
smartphone e o tablet como canais de comunicação públicos; privilegiar o local de
Curitiba como foco do estudo; analisar a rede social Foursquare em um estudo de
caso; produzir pesquisa bibliográfica sobre convergência midiática, tecnologia móvel,
entre outros. Percebe-se que os sujeitos fazem uso de redes sociais para expressar
suas impressões sobre o espaço vivido, deixando suas marcas para a posteridade.
Palavras-chave: Foursquare. Espaço urbano. Ciberespaço. Curitiba. Convergência
midiática. Cotidiano. Dispositivos móveis convergentes. Mobilidade.
* Aluno do 3º ano de Publicidade e Propaganda da FAE Centro Universitário. Bolsista do Programa de Apoio
à Iniciação Científica (PAIC 2011-2012) da FAE Centro Universitário. E-mail: [email protected].
** Mestre em Cominucação e Informação (UFRGS). Professor da FAE Centro Universitário. E-mail: annelore.
[email protected].
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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INTRODUÇÃO
Uma cidade também é vivida por meio de tecnologias informacionais digitais.
Essa característica modifica a forma que os sujeitos vivem e habitam o espaço urbano.
Conforme Lemos (2003b, p. 2): “a cidadania, o exercício social na urbis, passa hoje por
esse sentimento de conexão generalizada. Esta é que caracteriza as cidades contemporâneas
pela nova dinâmica instaurada pelas redes telemáticas”. Os sujeitos podem manifestar suas
opiniões por novas redes de comunicação, que, até então, não existiam, exercendo mais
o seu papel como cidadão e cidadã.
Para este trabalho, pretendeu-se resgatar o estabelecimento das relações humanas
por meio de novas tecnologias de comunicação móveis, como um possível facilitador para
os sujeitos se comunicarem em qualquer lugar e momento, pois – além da mobilidade –
esses dispositivos incorporam elementos de outros aparatos tecnológicos: internet, chats,
mensagens de texto e de voz, câmera digital (fotográfica e de vídeo), rádio, televisão, além
da comunicação via telefonia.
Tão paradoxal quanto a nova era da informação, via tecnologias de transmissão
de dados por meio de dispositivos móveis, é o presente em que vivemos. E, talvez, mais
controverso ainda seja o futuro que nos aguarda ao pensarmos sobre o cenário social e
cultural que as novas tecnologias de comunicação, juntamente com a ação do homem,
poderão moldar. Trazer à luz um momento tão distinto e contraditório como o presente
implica refletir sobre quão complexa é a relação homem/máquina e quais mudanças a
partir desta se configuram.
Com este trabalho, tem-se a intenção de analisar, dentro de um ambiente virtual, o
uso de canais de comunicação como o Foursquare, que pode ser utilizado via dispositivo
móvel convergente com acesso à internet, para observar a expressão dos sujeitos sobre a
capital paranaense, Curitiba, por meio do ciberespaço.
Para atingir esse objetivo, foram perseguidos os seguintes passos específicos:
implementar o projeto no empírico; explorar o celular, o smartphone e o tablet como
canais de comunicação públicos; privilegiar o local de Curitiba como foco do estudo;
estudar a rede social Foursquare; produzir pesquisa bibliográfica sobre convergência
midiática, tecnologia móvel, entre outros; analisar o material coletado para, finalmente,
tecer considerações sobre a pesquisa.
Partindo da premissa de que pensar sobre tecnologia é também considerar os
impactos na vida humana que dela provêm, pretendeu-se discorrer sobre as mudanças na
sociabilidade e na cultura que as novas tecnologias móveis podem causar. A autora deste
trabalho tem como formação superior o curso de Publicidade e Propaganda. Acredita que
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sua formação auxiliou a busca por perceber transformações socioculturais que poderão
acarretar modificações nos hábitos de vida e, por consequência, no consumo. Inclusive,
crê-se na possibilidade de mudanças nos padrões socioculturais que resultam em produtos
comerciais, assim como do uso de produtos que transformam hábitos, valores e rotinas
de vida na sociedade. Ainda, acredita-se que o consumo pode auxiliar, tanto para quem
consome quanto para quem analisa o consumo, a refletir sobre a contemporaneidade.
Para a coleta de dados, utilizaram-se os métodos fenomenológico, pesquisa
qualitativa, exploratória, bibliográfica e estudo de caso, buscando-se, assim, o estudo da
produção e do consumo de informações geradas por ferramentas de georeferenciação
na cidade de Curitiba. O objeto de estudo escolhido para esta pesquisa é a rede social
georeferenciada Foursquare.
1 CONVERGÊNCIA DAS MÍDIAS: DO TELÉGRAFO AOS DISPOSITIVOS
MÓVEIS
Para dar início ao estudo desta pesquisa, inicia-se a discussão resgatando-se
historicamente a evolução da comunicação a distância. Para isso, faz-se uma retrospectiva dos
media a partir do advento do telégrafo1. Da mesma forma, recupera-se o desenvolvimento
do telefone para, então, discutir aparelhos móveis convergentes, como os smartphones e
tablets. Pretende-se, com essas argumentações, refletir sobre as modificações culturais que
essas transformações tecnológicas incidiram nos grupos sociais. Assim, dá-se a partida na
investigação sobre a relação entre o uso cotidiano de dispositivos móveis convergentes e
as rotinas de vida dos sujeitos na contemporaneidade.
O termo “convergência” pode ser entendido por diversos escopos, tais como
introdução de novos sistemas de comunicação, união de duas ou mais ferramentas em
um novo aparelho ou em adaptação a algum já existente. Para este trabalho, tomou-se a
convergência dos meios de comunicação no seu sentido social e cultural, em decorrência
de transformações políticas e econômicas dos sistemas culturais nos quais ocorreram.
Dispositivos como os smartphones e os tablets podem agregar web, computador
pessoal, MP3 player, câmeras digitais, televisão e, pelo fato de utilizarem linguagem
1 O telégrafo permitia a transmissão de dados por meio de ondas eletromagnéticas. Há diversos cientistas
associados ao desenvolvimento e à pesquisa nessa área, mas se deve a um pesquisador a invenção de um
dos códigos mais usado e famoso do mundo, o Morse. Criado em 1838 por Samuel Finley Breese Morse,
esse sistema foi largamente utilizado pelas forças armadas, principalmente, pelo exército e pela marinha para
a transmissão de informações a longas distâncias.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
713
numérica (digital), com o uso da rede, acessam e-mails, sites, rádios, vídeos, games,
softwares, jornais, revistas e MSN. Percebe-se, por meio do uso desses aparelhos, que
os sujeitos carregam consigo informações e documentos antes estanques a lugares fixos,
como o desktop. Com esses dispositivos móveis convergentes, une-se à web uma espécie
de minicomputador. É possível não somente carregar informações a qualquer lugar, mas
acessar, executar, editar, enviar, receber e falar.
Para refletir sobre algumas mudanças culturais no processo de evolução dos meios de
comunicação, serão abordadas aqui algumas ideias dos autores Santaella (2003) e Matuck
(1995). Até o século XIX, a cultura ocidental era polarizada em duas categorias: cultura
de elite e cultura popular. A cultura de elite, representada pela literatura, por concertos,
óperas e festas da alta sociedade, era contraposta à criação popular de artesanatos, cantigas,
danças folclóricas, vestes e rituais específicos daquela cultura. Porém, segundo Matuck
(1995, p. 20), “o sistema de teledifusão de massa determinava uma homogeneização do
pensamento e da ação, produzindo um público consumidor adaptado às exigências de
uma sociedade industrializada em crescente expansão”. Essa observação do autor se refere
ao período pós Segunda Guerra Mundial, ou seja, na metade do século XX.
Para o autor, os conhecimentos adquiridos durante esse período bélico – e inclui
aqui aprimoramento dos sistemas de propaganda (o nazismo constituiu uma base sólida
nesse quesito), assim como as pesquisas sobre comportamento do consumidor e explicações
científicas sobre a mente humana – começavam a ser utilizados, nos EUA, para fins eleitorais
(pesquisas de opinião) e publicidade.
A partir do período pós-guerra (anos 1950 e 1960), o campo da comunicação vai
se consolidar como uma área de investigação reconhecida. Disciplinas como o jornalismo,
as relações públicas e a educação buscam nesses estudos apropriação de saberes sobre o
homem e seus comportamentos.
Com o desenvolvimento das culturas de massas, por meios de comunicação
como o jornal, a revista, o rádio, o cinema e a fotografia, e, posteriormente, a televisão,
gerou-se uma impactante mudança no cenário, antes bipolarizado, entre as culturas de
elite e as populares. A cultura de massas tendeu a dissolver as fronteiras que separavam
a erudição do ordinário. “Disso resultam cruzamentos culturais em que o tradicional e o
moderno, o artesanal e o industrial mesclam-se em tecidos híbridos e voláteis próprios
das culturas urbanas” (SANTAELLA, 2003, p. 52), o que levou a uma indistinção, já no
século XX, entre essas culturas, tendo os anos 1980 como o seu auge. Essa foi uma década
em que a tecnologia para o consumo popular se desenvolveu rapidamente, lançando no
mercado videocassetes, videoclipes, controles remotos, videogames, televisão com sistemas
de transmissão por cabo e satélite, “[...] ou seja, tecnologias para demandas simbólicas
heterogêneas, fugazes e mais personalizadas” (SANTAELLA, 2003, p. 52).
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Com a segmentação midiática, a opção pelo que se deseja consumir se tornou
possível. Um dos conceitos de convergência que Santaella (2003) argumenta se refere ao
fluxo de comunicação que os produtos midiáticos percorrem pelos meios de comunicação.
Para a autora, se um sujeito assiste a um show na televisão, pode comprar o CD ou o
DVD, à venda nas lojas. Ocorre de forma similar com filmes baseados em livros que viram
sucesso de bilheteria e, logo depois, despontam as suas vendas nas livrarias. “Nesse ponto,
a hegemonia da cultura de massas, até então inquestionável, foi posta em crise junto com
a invasão, que já se anunciava, da informatização, penetrando em todas as esferas da vida
social, econômica e da vida privada” (SANTAELLA, 2003, p. 53).
Acredita-se que novas linguagens surgirão com o desenvolvimento dos smartphones
e dos tablets, o que não significa anular ou aniquilar a existência das mídias que lhes
antecederam2. “A tendência que se pode prever é das novas alianças, como aquela que se
anuncia da TV digital, interativa com o computador e as redes telemáticas” (SANTAELLA,
2003, p. 57).
É interessante observar que as tecnologias digitais adaptam-se ao uso que os sujeitos
fazem desses dispositivos. Novas linguagens surgem do hibridismo midiático entre os meios
de comunicação. Misturam-se gêneros e formas de produtos culturais que, antes, somente
era possível aplicar em lugares estanques e bem definidos. E não apenas os sujeitos auxiliam
a moldar as novas formas tecnológicas, o desenvolvimento de dispositivos digitais permitiu
que o mercado também se expandisse, criando novas formas de consumir a cultura que
circula na mídia. “No cerne dessa revolução está a possibilidade aberta pelo computador de
converter toda informação – texto, imagem, vídeo – em uma mesma linguagem universal”
(SANTAELLA, 2003, p. 59). A web e os smartphones (assim como os tablets) facilitam a
convergência das mídias porque a linguagem digital padroniza os dados que são transmitidos
e produzidos no mundo. Assim, qualquer mídia pode ser editada, organizada, arquivada,
enviada, recebida e distribuída com a digitalização das mídias, levando à sua concentração
em um único suporte: o numérico, do código binário digital.
Para Castells (2005, p. 67), “[...] no final do século XX vivemos um desses raros
intervalos na história. Um intervalo cuja característica é a transformação de nossa ‘cultura
material’ pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da
tecnologia da informação”. O autor argumenta que o desenvolvimento tecnológico, além de
ser caracterizado pela convergência e, assim, estar capacitado à reprodução digital, também
se distingue pela interação em distintos campos, como a biologia, a eletrônica e a informática.
Aqui se ressalta o uso desses equipamentos porque o objeto de estudo desta pesquisa, o Foursquare, é uma
rede social georeferenciada que só pode ser acionada por meio desses dispositivos móveis.
2
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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Escreve que os avanços tecnológicos dessas áreas permitiram uma maior troca
e acesso a informações que anteriormente apenas circulavam dentro do seu campo
de atuação. O que caracteriza a atual revolução tecnológica não é a centralidade de
conhecimento e informação, mas a aplicação desses conhecimentos e dessa informação
para a geração de conhecimentos e de dispositivos de processamento/comunicação
da informação, em um ciclo de realimentação cumulativo entre a inovação e seu uso
(CASTELLS, 2005).
Um exemplo dado pelo autor é a nanotecnologia, cujo principal objetivo é encontrar
um controle preciso e individual dos átomos. O desenvolvimento da nanotecnologia
necessitou agrupar conhecimentos da medicina, da eletrônica, da ciência da computação,
da física, da química, da biologia e da engenharia dos materiais. A nanotecnologia pesquisa
e desenvolve a criação de novos materiais a partir do estudo dos átomos. Graças a ela,
hoje, existem os chips, circuitos integrados, semicondutores, entre outros.
O desenvolvimento de tecnologia de informação permite adaptar os produtos
existentes ao uso que se faz dos dispositivos digitais. Os produtos são pesquisados, testados
e desenvolvidos para serem postos no mercado. Ao mesmo tempo em que os sujeitos
consomem esses produtos, novas formas de uso e de significados são conferidas a eles. “Pela
primeira vez na história, a mente humana é uma força direta de produção, não apenas um
elemento decisivo no sistema produtivo” (CASTELLS, 2005, p. 69). O uso da web ilustra
bem esse momento a que chamam Santaella (2003) e Castells (2005) de “revolução”.
Desenvolvida nas últimas três décadas do século XX, a internet (web) surgiu como
estratégia militar. Inicialmente batizada de ARPANET16 (rede projetada pela Agência de
Projetos de Pesquisa Avançada – ARPA), seu objetivo era manter a comunicação entre as
bases militares, de modo que a transmissão de informações não fosse cortada, caso uma
guerra nuclear fosse desencadeada pela Guerra Fria, em 1969. “Com base na tecnologia
de comunicação por comutação de pacotes, o sistema tornou a rede independente de
centros de comandos e controle, de modo que as unidades de mensagens encontrassem
suas rotas, sendo remontadas com sentido coerente em qualquer ponto do sistema”
(SÁ, 2005, p. 15). Como metáfora, seria o mesmo que se um bolo fosse fatiado em
dez pedaços. Cada pedaço seria levado por um caminhão diferente. Os ocupantes dos
caminhões desconhecem suas cargas e os caminhões com o restante do carregamento.
Todos os caminhões seguem por rotas distintas com um único objetivo em comum: chegar
ao mesmo ponto. Quando atingem o destino final é que se descobrem todas as fatias que
montam o bolo novamente.
Posteriormente, em 1992, a tecnologia digital atingiu um patamar de desenvolvimento
superior, permitindo que informações de imagens e sons também fossem transmitidas desse
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jeito. Estudantes da Universidade de Illinois desenvolveram um software que permitiu criar
a internet da forma como é conhecida hoje: a world wide web. Esse software possibilita
a navegação entre redes.
O desenvolvimento da computação permitiu a criação de computadores pessoais
portáteis, os laptops. O nome desse aparelho foi dado inclusive para distingui-lo do termo
desktop (em cima da mesa), laptop quer dizer “em cima do colo”. Foram desenvolvidos
para permitir maior liberdade de locomoção para o usuário. Esse dispositivo funciona com
os mesmos aparatos, ferramentas e aplicativos que o computador pessoal. E conta, ainda,
com adaptadores de redes wireless.
2 O URBANO, O COTIDIANO E AS TECNOLOGIAS DE COMUNICAÇÃO
A criatividade das pessoas se mostra de uma forma não objetiva, mas velada, sutil,
silenciosa, sem, em nenhum momento, deixar de ser eficaz. As pessoas inventam seu fazer,
exprimem uma maneira própria de conviver com a imposição cultural e social dos meios
de comunicação de massa e com a imposição econômica dos produtos e serviços eleitos
pela sociedade do espetáculo e consumo. Vivemos hoje numa sociedade mundial em que
a comunicação de massa tem alcance quase totalizado no globo terrestre.
O tempo e o espaço como dimensões materializadas e tangíveis praticamente
desapareceram. Vivemos a compressão do tempo-espaço, a aceleração no giro do capital,
em que bens de consumo duráveis são substituídos por bens de serviços, mais adaptáveis
à demanda pelo instantâneo, pelo descartável. Tempos de manipulação de desejos e
gostos mediante imagens inventadas. Tempos de inversão de valores, no qual a imagem
produzida se instaura como o valor máximo da sociedade pós-moderna, em que a realidade
convive com o simulacro, a ponto de não serem mais diferenciados ou separados. Valores
são adquiridos de forma instantânea e imagens são construídas e também destruídas da
noite para o dia.
Para Certeau (1994), as pessoas inventam seu fazer, exprimem uma maneira própria
de conviver com a imposição cultural e social dos meios de comunicação de massa e com
a imposição econômica dos produtos e serviços eleitos pela sociedade do espetáculo e
consumo. Utilizam qualquer coisa que possam encontrar no contexto em que agem para
dar vida a um incessante trabalho de “fabricação” de significados pessoais. O resultado
desse trabalho não são objetos concretamente visíveis nem produtos que possam ter uma
colocação no mercado.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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Trata-se de reelaborações que permanecem escondidas e silenciosas, até porque
são geralmente cobertas pela grande quantidade de mensagens criadas paralelamente
pelo sistema da produção. Considera-se a atividade de recepção não como um processo
passivo, mas como um processo ativo ao longo do qual o destinatário de toda mensagem
(de consumo, midiática, urbanística), astutamente e usando tudo o que está disponível
segundo a sua vontade, emancipa-se daquele papel subordinado ao qual o impelem aqueles
que detêm o poder no sistema econômico. O destinatário pode, portanto, ser considerado
uma espécie de viajante em movimento dentro de um espaço que é definido por outros,
os quais são seus legítimos proprietários. O ato de leitura é exemplar.
Em vez da suposta passividade dos consumidores da cultura de massa, existe
uma significativa criatividade que pode manifestar-se de maneira sutil, mas eficaz. Essa
manifestação é potencializada com as tecnologias atuais, pelas quais os consumidores se
manifestam de forma instantânea. Porém, a manifestação é resultado de toda uma bagagem
de informações já recebidas e assimiladas.
Para Bauman (2003, p. 78-79), as novas tecnologias, como o celular, permitem
que as pessoas circulem comunicando-se, porém, tornam as relações humanas mais
superficiais. Para este projeto o que importa é a mudança no panorama social: estar em
bando, individualmente, a distância.
De acordo com Thompson (1998, p. 77), com a introdução social de novos
meios de comunicação, criam-se “[...] novas formas de ação e interação e novos tipos de
relacionamentos sociais - formas que são bastante diferentes das que tinham prevalecido
durante a maior parte da história humana”. É o que se percebe com o estabelecimento
do consumo dessas novas tecnologias de comunicação digital wireless. É mais complicado
distinguirmos o aqui e o lá, o agora e o daqui a pouco, o público e o privado, o real e o
virtual, os papéis sociais, os lugares e os momentos de desempenhar o trabalho e o lazer.
3 CIBERCIDADES E MOBILIDADE
Para refletir sobre modificações tecnológicas e possíveis impactos socioculturais
em decorrência da tecnologia, iniciaremos com o conceito sobre cibercidades. Para
Lemos (2003b), a cibercidade não está apenas representada no ciberespaço por meio da
internet como ferramenta de comunicação. A cibercidade é, para o autor, toda a cidade
em qualquer parte do mundo que tenha infraestrutura de telecomunicações e possua à
disposição de seus cidadãos tecnologias digitais. É o conjunto composto pela cidade física
e pela possibilidade de usufruir de serviços por novas tecnologias, como o voto eletrônico,
o banco on-line, compras por sites, educação a distância, aparelhos móveis com conexão
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wi-fi, celular, telecentros, declaração de imposto de renda on-line, páginas do governo na
internet para os cidadãos entrarem em contato, entre outros.
Cibercidade é uma cidade que também é vivida por meio de tecnologias
informacionais digitais. Essa característica modifica a forma que os sujeitos vivem e habitam
o espaço urbano. Conforme Lemos (2003b, p.2), “a cidadania, o exercício social na urbis,
passa hoje por esse sentimento de conexão generalizada. Esta é que caracteriza as cidades
contemporâneas pela nova dinâmica instaurada pelas redes telemáticas”. A cibercidade
é uma nova configuração do espaço urbano, redefinindo os espaços público e privado. A
possibilidade, por exemplo, de acessar a conta bancária de casa ou do trabalho, após o
horário bancário, ou tornar a ideia de trabalhar à beira da praia exequível, ou em locais
como parques, shoppings e nas ruas, onde seja permitido conectar-se com tecnologias
wireless, são características de uma cibercidade.
Pensar sobre cibercidade não significa anular a importância da cidade real e dos
espaços urbanos físicos. Entretanto, refletir sobre a cibercidade implica discutir novas formas
de comunicação entre os cidadãos que, somadas às tradicionais, auxiliam no fortalecimento
da democracia por meio da criação de fluxos comunicacionais pelas novas tecnologias
digitais aliadas às ações locais.
Posto isso, pode-se associar a evolução cronológica do próprio computador.
Segundo Lemos (2005b), o PC passa, com a expansão da internet, de um artefato
tecnológico individual para um “computador coletivo” e, agora, com as redes telemáticas,
a “computadores coletivos móveis” (ou, como o autor denomina, “CCM”), com o
desenvolvimento das tecnologias móveis como laptops, celulares, palms e smartphones.
Essas transformações vêm ocorrendo de forma gradual e invisível, semelhante ao uso de
óculos escuros ou de um relógio de pulso pelos sujeitos, como Pellanda (2004) argumenta.
Hoje em dia, pode-se conectar um computador a um celular pela tecnologia bluetooth,
por exemplo, carregando-o para qualquer lugar, modificando o cenário anterior que
conectar-se apenas era possível estando em frente ao computador.
Com a introdução de tecnologias de conexão móveis, os sujeitos estão em
movimento e on-line, “desta maneira junta-se através da técnica três anseios do homem
da contemporaneidade: a rapidez, a eficiência de locomoção e o permanente contato
com os demais membros da comunidade” (PELLANDA, 2004, p. 5). Assim, na cibercidade,
os espaços urbanos e os ambientes virtuais conjugam-se num “ambiente generalizado
de conexão” (LEMOS, 2005b) pelas redes de transmissão de dados para tecnologias
móveis. Dessa forma, o espaço é uma dimensão que se modifica tanto quanto o tempo
na pós-modernidade e na cibercultura. A mobilidade permite que os indivíduos estejam
conectados a distância, criando-se redes relacionais antes limitadas. O celular, para ilustrar,
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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possibilita que o sujeito esteja no trem e ao mesmo tempo falando com outras pessoas
que não tenham relação direta com aquele lugar. Ou seja, a comunicação não se limita
mais ao comprimento dos cabos e dos fios de telefone, pois hoje se tem transmissão de
dados pelo ar, tornando possíveis pontos móveis de comunicação. Lemos (2005b, p. 3)
define mobilidade “como o movimento do corpo entre espaços, entre localidades, entre
espaços privados e públicos”, sendo um conjunto de novas práticas sociais que permitem
a interface entre mobilidade, espaço físico e o ciberespaço.
Trata-se de uma mudança na experiência do uso e do habitar dos espaços, que
cada vez mais serão configurados por tecnologias invisíveis, pervasivas e ubíquas. Além
da possibilidade de conectar-se em lugares públicos e por meio de dispositivos móveis, as
tecnologias digitais estão incorporando mídias que até pouco tempo atrás eram usufruídas
em lugares bem definidos: rádio, televisão, internet, máquina fotográfica, entre outros,
que existiam, de certa forma, em separado. Somando-se a reunião dessas mídias em
um único dispositivo, tem-se na palma da mão acesso a músicas, canais de TV, banco,
e-mails, software, câmeras, páginas da internet, redes sociais, podendo carregá-los para
qualquer lugar.
Não somente as informações são acessadas a qualquer momento, de qualquer
lugar, as pessoas podem se comunicar enquanto se deslocam estando em espaços públicos
ou em espaços privados. Pessoas circulam com seus dispositivos portáteis, trabalhando no
almoço, no ônibus, nas viagens, nos aeroportos, ou, o movimento contrário, indivíduos
conectados com seus amigos, esposas, familiares em reuniões, almoço, em serões ou
durante a rotina normal de produção.
O termo utilizado por Joshua Meyrowitz (2003) para denominar esse perfil de
sujeitos em meados do século XXI é “global nomads”, ou nômades globais. Meyrowitz
disserta sobre a proximidade do estilo de vida cotidiano do ocidente contemporâneo
com os hábitos e modelos de comportamentos socioculturais da época ancestral dos
nômades pré-históricos. Em tempos de nomadismo, os seres humanos faziam tudo em
conjunto, deslocando-se em bandos para sobreviver. Pelo fato de não haver paredes ou
muros que delimitassem o espaço físico de cada um, o papel que cada indivíduo exercia
na sociedade também era, de certa forma, homogêneo, semelhante aos demais. Isso se
refletia no modo como as crianças eram tratadas pelos adultos (elas não eram vistas como
diferentes), assim como entre os gêneros: homens e mulheres caçavam e cuidavam da
prole e do grupo, em conjunto.
Até mesmo em regiões nas quais não havia acesso a tecnologia de comunicação
alguma, hoje, com o desenvolvimento do wireless (comunicação sem fio), principalmente
por celulares digitais, as fronteiras estão ficando mais estreitas, as distâncias, mais curtas.
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Meyrowitz chama a atenção para que pensemos sobre as modificações e os impactos
que esse novo tipo de comunicação está causando nos indivíduos e no ambiente. “Como
as fronteiras se tornaram mais porosas, mais permeáveis, mais transparentes, não estamos
sofrendo simplesmente uma homogeneização. Estamos experimentando ambas novas
formas de fusão e novas formas de desintegração” (MEYROWITZ, 2003, p. 98). É muito
tênue a linha entre união e separação dos sujeitos. Num nível macro, o mundo está mais
homogêneo, as fronteiras se perdem nos meios de comunicação digital. Em contrapartida,
os sujeitos vêm desempenhando papéis mais complexos e diversos daqueles tempos de
categorias fechadas que a modernidade poderia imaginar.
Para este projeto, pretende-se aproveitar todas essas potencialidades de dispositivos
móveis convergentes com acesso à internet para formar um canal de comunicação entre os
sujeitos, por meio de expressões, depoimentos, fotografias, debates e discussões sobre Curitiba.
4 METODOLOGIA DE PESQUISA
Estudo da produção e do consumo de informações geradas por ferramentas de
georeferenciação na cidade de Curitiba. Para análise do processo comunicacional, optou-se
pelos métodos fenomenológico, pesquisa qualitativa, exploratória, bibliográfica e estudo
de caso.
Segundo Gil (1999), o método fenomenológico tenta explicar a realidade pela
interpretação do pesquisador. Esse método permite ao sujeito autor da pesquisa uma maior
autonomia interpretativa, pois reconhece que a análise e a produção do conhecimento
científico são inerentes à subjetividade humana, o que consequentemente imprime uma
liberdade de assumir que o pesquisador consiga buscar nas suas referências e na sua história
de vida uma visão da realidade. Para Gil (1999), não há uma única realidade. Esse autor
considera que o termo realidade é um processo de construção de diversos saberes e que
dentro de cada ser humano essa mesma realidade pode ser (re)construída. Ou seja, há
sim tantas realidades provenientes das possíveis explicações e interpretações dos sujeitos
atores do processo científico.
Além disso, o autor afirma que o mundo é criado pela consciência e, por esse fato,
presume-se que ela pode ser alterada de acordo com as inúmeras visões e impressões que
se podem dar ao objeto estudado.
Uma pesquisa qualitativa, segundo Malhortra (2001, p. 155), é “não-estruturada,
exploratória, baseada em pequenas amostras, que proporciona insights e compreensão do
contexto do problema”. Ela permite ao pesquisador dissertar sobre o assunto pesquisado
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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de um modo mais completo. Além disso, aprofunda-se o tema, entrando em detalhes de
forma mais dissertativa, permitindo que haja maior poder de reflexão e de inferências por
parte do pesquisador.
Observa-se que a pesquisa qualitativa abrange cinco características principais (LIMA,
2004, p. 30). A primeira é a importância do indivíduo na investigação dos fenômenos
sociais, valorizando o aprofundamento da pesquisa em torno do sujeito. Como segunda
característica dessa investigação está a qualidade, e não a quantidade, do objeto (ou sujeito)
de estudo. A terceira característica é a credibilidade das conclusões atingidas “[...] reflexo
das multiperspectivas resultantes das diferentes fontes de consulta exploradas pelo método
qualitativo. Isto pressupõe um olhar profundo e prolongado da realidade” (LIMA, 2004,
p. 30). Dessa forma, a quarta está relacionada com o tempo de investigação somado à
intensidade dos contatos estabelecidos entre pesquisador e pesquisado, reduzindo, com
isso, o risco de comportamentos falsos e convenientes. A quinta e última característica é
a soma do tempo de investigação à multiplicidade de fontes de evidência, dificultando,
assim, pré-concepções da realidade cultural investigada pelo pesquisador.
A pesquisa exploratória tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e
modificar conceitos e ideias. Formulam-se problemas de pesquisa mais específicos ou
hipóteses pesquisáveis. É um tipo de pesquisa para o pesquisador ter um primeiro contato
com o tema a ser trabalhado, geralmente, utilizando uma amostra pequena.
A partir dos resultados da pesquisa, o investigador pode redefinir seu problema
de pesquisa e sua hipótese, para partir a uma investigação mais aprofundada do tema.
Geralmente, trabalha-se com levantamento bibliográfico; documental; entrevistas não
padronizadas; estudos de caso. Ainda, costuma ser uma pesquisa de natureza qualitativa.
É importante destacar que o uso de métodos de coleta de dados quantitativos não são
usuais nesse tipo de pesquisa.
O tipo de pesquisa bibliográfico é utilizado para embasar a análise, a qual Lima
(2004, p. 115) salienta que “[...] só ganha credibilidade quando o pesquisador dispõe de
repertório teórico consistente para poder imprimir sentido aos conteúdos dos documentos
analisados”. Esse tipo de pesquisa também é chamado de revisão bibliográfica ou revisão
da literatura e serve para embasar o desenvolvimento do tema da pesquisa. Este trabalho
contou com tal método para embasar o material de análise, já citado acima.
E, para finalizar, tem-se o estudo de caso, que é um método qualitativo. É um dos
métodos preferidos pelos pesquisadores quando se pergunta algo do tipo: “Como...?” ou
“Por que...” (YIN, 2005). O uso desse método dependerá do tipo de problema de pesquisa,
se ele tem como questões uma ideia de forma sobre o conteúdo da problemática (“como?”
e “por quê?”); do controle que o pesquisador possui sobre eventos comportamentais
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efetivos; do foco em fenômenos históricos, em oposição a fenômenos contemporâneos.
O pesquisador tem pouco controle sobre os eventos; e o foco se encontra em fenômenos
contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real. Pode-se ainda utilizar um caso
único ou casos múltiplos.
5 OBJETO DE ESTUDO: O FOURSQUARE3
O Foursquare é uma rede social que foca na localização física de seus usuários,
disponível para todos os sistemas operacionais mobile, funciona por meio de um aplicativo
no celular ou computador que detecta via GPS a localização do usuário e mostra os locais
nas proximidades onde o usuário pode realizar um check-in, fazer comentários sobre o
local e compartilhar com amigos na própria rede ou também em outras redes, como o
Twitter e o Facebook. A informação geolocalizada é a tendência na internet, e o Foursquare
quer saber onde os usuários estão, em tempo real, diferente do Twitter e Facebook, que
querem saber o que os usuários estão fazendo.
O Foursquare possibilita ao usuário deixar comentários e dicas sobre os lugares
visitados. Ao fazer check-in, por exemplo, em um restaurante, pode escrever que o
atendimento é ruim e que em algum determinado dia a casa fica lotada. É uma espécie de
marca virtual, como se os comentários escritos ficassem nas paredes do estabelecimento
para os próximos frequentadores visualizarem. É recomendado o uso do Foursquare
para explorar partes que o usuário não conhece da sua cidade, como parques, bares,
restaurantes, entre outras opções.
Outro recurso do aplicativo é a visualização dos amigos que estão no mesmo local,
ou perto do local, onde está o usuário, focando no deslocamento dos usuários do ambiente
virtual para o contato com o mundo real. Diferente de outras mídias sociais como Orkut,
Twitter e Facebook, o Foursquare promove uma interação mais direta do mundo on-line
com o off-line.
O Foursquare também funciona como uma espécie de jogo, com pontuação e
cargos. Há o cargo de prefeito, por exemplo, que é concedido ao usuário que fizer o
maior número de check-ins de algum determinado lugar. Além disso, quando faz check-in,
o usuário ganha pontos e pode destrancar badges, prêmios que se referem aos lugares
visitados. Por exemplo: “Pizzaiolo” é a badge para quem passar por 20 pizzarias diferentes,
ou “I’m on a boat”, para quem fizer check-in dentro de um barco. O Foursquare criou até
Os dados aqui citados estão disponíveis em https://pt.foursquare.com/ (acesso em: 08 jun. 2012).
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723
uma badge para o Polo Norte: “a Last Degree” (Último Grau, em português). O texto do
prêmio diz: “Parabéns por fazer isso no Polo Norte! Respire fundo, coloque sua bandeira
e tenha certeza de voltar para casa em segurança!”.
Apesar de ter um sistema de classificação como um jogo, aos poucos, os usuários
usam o Foursquare como um guia cultural e gastronômico de cidades. Em entrevista ao
Wall Street Journal, David Crowley, cofundador e CEO da empresa, declarou que o app
conta com milhares de usuários que o acessam com a intenção de consumir informações
oferecidas por ele.
5.1HISTÓRIA
O Foursquare foi lançado em março de 2009, por Dennis Crowley e Naveen
Selvadurai no festival South by Southwest Interactive em Austin, Texas. Dennis Crowley
criou o Foursquare a partir de outro projeto, o Dodgeball. Criado em 2000, o Dodgeball foi
o primeiro serviço social móvel dos EUA, uma pré-história do Foursquare. Funcionava por
meio de SMS (o Foursquare também funciona, para quem não tem iPhones, Blackberries
e celulares com Android, mas só no território americano) e era bem mais simples. O
Dodgeball foi comprado pelo Google em 2005, fechado em 2009 e substituído depois
pelo Google Latitude.
5.2ESTATÍSTICA
Em janeiro de 2009, eram 100 mil usuários cadastrados no site. Em julho/agosto
de 2010, o site atingiu a marca de três milhões de usuários e 3.850.000 estabelecimentos
cadastrados. Já no final de 2010, a rede comemorou um milhão de check-ins na cidade
de São Paulo. No Brasil, cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Porto
Alegre são as que mais utilizam o serviço.
Atualmente o Foursquare conta com uma comunidade com mais de 20 milhões de
pessoas em todo o mundo, já ultrapassou a marca dos dois bilhões de check-ins e possui
mais de 750.000 empresas cadastradas.
A base de dados do Foursquare é alimentada pelos próprios usuários no momento
do cadastro e nas ações diárias na rede. O serviço conta ainda com usuários que moderam
os lugares, editando as informações de forma a seguir um padrão de visualização. Na divisão
territorial, o Foursquare tem seu grande público nos EUA com 50% dos seus usuários,
enquanto a outra metade de usuários está distribuída no mercado internacional.
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5.3
VERSÃO 5.0
Lançada no dia 06 de junho de 2012, a nova versão do aplicativo do Foursquare
permite ver atualizações no feed que vão além dos check-ins mais recentes dos amigos, assim
como dicas e locais. As principais alterações se deram nos ambientes de recomendações,
perfil e na página de local. Essa nova versão tem bastante foco nas recomendações. O
aspecto do jogo continua presente, mas não é central, refletindo a evolução dos próprios
usuários, que vêm usando o serviço mais pelas recomendações do que propriamente pelos
check-ins próprios e de seus amigos.
5.4SISTEMÁTICA
O usuário deve se cadastrar no site do Foursquare (https://pt.foursquare.com) e criar
um nome de usuário e uma senha. Após o cadastro, basta fazer o download do aplicativo
para smartphone ou tablet. O aplicativo é compatível com os sistemas operacionais iOS,
Android e BlackBerry. A interface principal tem quatro opções: amigos, lugares, dicas e
perfil. Para fazer um check-in, o usuário deve ir à aba Lugares, visualizar a lista dos lugares
próximos à sua localização e escolher o estabelecimento onde está localizado. Após fazer
o check-in, o usuário é redirecionado para uma nova página, na qual será possível escrever
um comentário sobre o local, adicionar uma foto e também compartilhar essa informação
pelo Facebook e/ou Twitter. Ao finalizar esse processo de check-in e comentários, o aplicativo
concede pontos e insígnias, de acordo com o tipo de lugar onde que o usuário fez check-in.
A cada novo check-in, o usuário ganha mais pontos, e a pontuação é diferenciada para
cada situação, tendo relação direta com o local e a frequência com que o check-in foi feito.
Alguns valem mais e outros menos, e a pontuação é comparada com os amigos do usuário.
Na aba Amigos, é possível procurar e adicionar contatos conhecidos e que
também estão cadastrados na rede. Quanto mais amigos o usuário possuir, maior será sua
“concorrência” no jogo criado pelo Foursquare. O site permite importar automaticamente
os contatos do Facebook, Twitter e Gmail.
Em Dicas, é possível ler informações que outros usuários deixaram nos locais
visitados. É importante ao usuário ter a consciência de que o Foursquare pode ser um
serviço bem útil para mostrar onde as pessoas estão e o que estão falando sobre diversos
lugares, procurar detalhes de localização e saber o que tem perto, por exemplo.
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5.5PROMOCIONAL
Junto com o entretenimento, está um modelo de negócios, para aproveitar a
sincronia tempo/espaço proporcionada pelo site. Diversas empresas estão usando o
Foursquare para fazer anúncios em seus pontos de venda. Para quem é dono de um
estabelecimento, as promoções vêm naturalmente: dar brindes para os prefeitos. Com o
Foursquare, o dono de um bar pode saber quem é o frequentador mais assíduo do seu
balcão e dar bebidas de graça para ele. Um programa de fidelidade que visa a cativar o
cliente no momento em que ele está mais propenso a consumir.
Outra prática comum entre algumas marcas é a utilização de badges próprias. A
Starbucks possuiu a badge “Starbucks Barista”, a prefeitura de Chicago também usa o
Foursquare com dicas sobre turismo e badges exclusivas relacionadas com a história da
cidade: como a “On Location”, para quem visitar cinco lugares de Chicago em que foram
filmadas cenas clássicas do cinema. O Foursquare já fez parcerias de badges com HBO,
History Channel, Universidade Harvard, jornal Metro, New York Times, Warner Bros, entre
tantas outras empresas e instituições.
Parte das marcas que estão hoje nesse site pertence a empresas que possuem sedes
físicas, de segmentos e tamanhos diferenciados, indo de pequenas cafeterias de bairro a
multinacionais famosas. A Starbucks foi uma das primeiras empresas de grande porte a
utilizar o Foursquare para aquecer os negócios nos pontos de venda. No início de 2010,
a empresa criou uma badge customizada para usuários que realizavam check-ins com
frequência em seus estabelecimentos. Inicialmente, a ação “Barista Badge” não oferecia
nenhuma recompensa direta para os usuários, mas esse foi o primeiro passo da Starbucks
para conquistar a fidelidade de seus clientes por meio do reconhecimento. Meses depois,
a partir de maio de 2010, a empresa passou a oferecer recompensas diretas para usuários
que possuíam o status “prefeito” em alguma de suas lojas. A estratégia consiste em
estimular a participação dos clientes, não apenas com a premiação de uma badge própria,
mas também oferecendo descontos para aqueles que visitam a loja com frequência. Por
exemplo, o abatimento de US$ 1 em um frappuccino de qualquer tamanho e sabor caso
o usuário fosse o prefeito de uma das lojas Starbucks.
Já a marca de calçados Jimmy Choo foi mais criativa na hora de usar os recursos
que o Foursquare fornece na promoção da sua marca. Para divulgação da sua nova coleção
de tênis, a empresa lançou uma caça ao tesouro com a ajuda do aplicativo. Um par de
tênis da nova coleção realizava o check-in em diversos pontos da cidade de Londres,
permanecendo por alguns minutos no local e depois partindo para outro ponto da cidade,
realizando um novo check-in. Quem conseguisse chegar ao local do check-in a tempo
ganhava um par de tênis.
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Já no Brasil, podemos destacar a ação que a rede de restaurantes Spoleto realizou
em maio de 2010. Com o auxílio do Foursquare, a empresa promoveu a seguinte ação:
toda sexta-feira, em uma das sete lojas selecionadas (três em São Paulo e quatro no Rio
de Janeiro), o prefeito da loja deveria se dirigir ao caixa, realizar um check-in e mostrar
que ainda é o prefeito do local, para receber um prato gratuito. O prêmio só era válido
para o primeiro prefeito que aparecesse na loja na sexta-feira. Desenvolvida pela agência
It’s Digital, a ação trouxe resultados positivos para a empresa.
O Foursquare apresenta um grande potencial para o monitoramento e a mensuração
do desempenho das marcas na internet e do feedback do seu público-alvo. É possível obter
dados precisos na rede, tais como: número de check-ins, número de visitantes únicos,
número de comentários, tudo isso segmentado pelo local analisado. Esses dados podem ser
obtidos no próprio site ou por ferramentas paralelas de análise. Também é possível acessar
todos os comentários realizados pelos usuários, dando um status para cada (positivo, neutro
ou negativo), além de mensurar quais assuntos foram mais abordados, quando ocorre a
maior parte das atualizações, ou mesmo, quem são os usuários que defendem ou atacam
a marca/empresa na rede.
6ANÁLISE
Para essa pesquisa, foram selecionados três espaços urbanos de Curitiba para coleta
de dados e análise nas interações dos usuários nesses espaços, observando as ações no
mundo virtual e sua efetiva relação com o espaço no mundo real, vivido pelo o usuário.
Para isso, foi utilizada somente a ferramenta Foursquare, já mencionada acima.
6.1
AEROPORTO INTERNACIONAL AFONSO PENA
O Aeroporto Internacional Afonso Pena está situado a 18 quilômetros de Curitiba
e conta com uma área de 45.000m². Considerado um dos 20 aeroportos mais modernos
do mundo, é o oitavo maior aeroporto brasileiro, com capacidade para atender 3.500.000
passageiros por ano.
No Foursquare, o aeroporto possui o total de 90.971 check-ins (até 25/06/2012, às
9h). Com 44 check-ins nos últimos 60 dias, o prefeito do aeroporto é o usuário “Dan M.”.
Abaixo temos a relação das dez mais populares dicas/comentários sobre o local.
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Tessalia S. Abril 6, 2011: “Dentro da sala de embarque, opte pela famosa casa do
pão de queijo, próximo ao portão 1. Na parte de fora, no piso superior, há restaurantes
de gosto duvidoso”, 203 pessoas curtiram.
Cristian P. Maio 25, 2010: “Utilize o ônibus executivo que faz a linha AeroportoCentro de Curitiba. Você vai economizar um bom dinheiro se comparar com uma corrida
de táxi a partir do aeroporto”, 150 pessoas curtiram.
Tessalia S. Abril 6, 2011: “Você sabia? No piso superior do aeroporto há uma
enooorme janela onde você pode ver a pista de pouso. Ótima pedida para distrair crianças
enquanto aguardam um voo ;)”, 171 pessoas curtiram.
Tessalia S. Agosto 29, 2011: “NÁO VÁ DE TAXI! Por 9 reais um ônibus executivo
te leva até a rodoviária, principais hotéis e rua 24 horas num trajeto semi-direto! Se optar
por taxi pagarás mais caro que um GRU-CGH! Raios! Fuja!”, 47 pessoas curtiram.
Pedro M. Julho 1, 2011: “Procure as pessoas que também deram chekin no
aeroporto! Pode ser que você faça um novo amigo. Além disso, sempre tem gatas perdidas
pela área de embarque! Pode ser a sua chance”, 46 pessoas curtiram.
Carlos F. Setembro 19, 2011: “Para seu próprio bem, compre uma passagem só de
ida para qualquer lugar do planeta. Abs”, 26 pessoas curtiram.
Rodrigo S. Novembro 2, 2010: “Estacione fora do estacionamento. Ninguém mais
multa os carros, e é mais fácil e rápido para pegar seus amigos”, 26 pessoas curtiram.
Luis A. Agosto 27, 2010: “Se puder, evite os táxis para o centro de Curitiba, pois
chegam a custar R$ 60,00. Prefira o ônibus executivo”, 22 pessoas curtiram.
Alexandre G. Abril 9, 2012: “Vem gente que aqui tem neblina e aeroporto fechado”,
21 pessoas curtiram.
Daniel M. Dezembro 7, 2010: “Curitiba merecia um aeroporto melhor”, 20 pessoas
curtiram.
6.2
PARK SHOPPING BARIGUI
Segundo a própria descrição no Foursquare: “O ParkShoppingBarigüi é o melhor
e mais completo shopping de Curitiba, e reúne o que há de melhor em moda, diversão,
gastronomia e serviços”. Com o total de 42.922 check-ins, o Park Shopping Barigüi ocupa
a oitava posição no ranking nacional de check-ins feitos pelo Foursquare. É o primeiro
colocado na categoria “shopping”.
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Com 45 check-ins no período coletado, o prefeito do shopping é o usuário “Fábio
O.”. Abaixo temos a relação das dez mais populares dicas/comentários sobre o shopping:
Tatiane W. Outubro 28, 2010: “A expansäo ficou demais, com lojas como North
Face, Hugo Boss e Oakley, esse shopping ficou imbatível!”, 46 pessoas curtiram.
Marcelo R. Novembro 15, 2010: “Fujam do Rest. Red Rock. Pior atendimento da
cidade”, 36 pessoas curtiram.
Alessandro M. Outubro 30, 2010: “Esqueça a praça de alimentação. Vá direto ao
Espaço Gourmet onde é tranquilo e servem as pessoas com talheres de gente grande”, 32
pessoas curtiram.
Quadros R. Novembro 1, 2010: “O melhor com ctza”, 24 pessoas curtiram.
Juliana Natalia M. Abril 20, 2010: “melhor shopping, e do lado de casa”, 24 pessoas
curtiram.
Bia K. Dezembro 5, 2010: “Mesmo depois da ampliação, o estacionamento continua
uma lástima nos fins de semana”, 20 pessoas curtiram.
Mohamad H. Junho 1, 2010: “Melhor shopping de Curitiba”, 19 pessoas curtiram.
Maria Vitrine Agosto 31, 2011: “O shopping possui diversas lojas âncoras: FNAC, PB
Kids, Livrarias Curitiba, Ponto Frio, Centauro, C&A, Renner, Zara entre outras. Acompanhe
as últimas novidades do ParkShoppingBarigui”, 18 pessoas curtiram.
Cristian P. Abril 2, 2011: “Um dos melhores de Curitiba”, 16 pessoas curtiram.
Luis Henrique M. Fevereiro 14, 2011: “Estacionamento péssimo, nunca se acha
lugar de primeira [...]”, 15 pessoas curtiram.
Pela data das postagens, fica claro que o perfil do shopping teve um período bem
aquecido nas interações no segundo semestre de 2010, tendo em vista que, das 10 dicas
mais curtidas, mais de 50% ocorreram nesse período.
Podemos destacar a ação promocional realizada pela CIA Athletica Curitiba no
Foursquare. A ação foi simples e visava a mostrar sintonia na relação da academia com seus
diversos públicos frequentadores e aproveitou para diminuir o uso de copos plásticos por
meio da doação de squeezes. A promoção tinha a seguinte sistemática: o aluno que chegava
à CIA, localizada no piso G6 do Shopping Barigüi, dando um check-in e apresentando-o
na recepção, no seu aplicativo mobile, ganhava um squeeze exclusivo da academia.
Outra empresa a desenvolver uma ação promocional no shopping é a marca de
restaurante italiano Spoleto. Toda sexta-feira o prefeito ganha uma massa tradicional: basta
ir até o caixa, fazer o check-in, comprovar que é o prefeito do restaurante, e ganha o prato.
Essa ação tem abrangência nacional.
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
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Das marcas presentes no shopping com perfil no Foursquare podemos destacar a
Companhia Athletica, com 4.007 check-ins, Spoleto Culinária Italiana, com 1.081 checkins, Pizza Hut, com 1.780 check-ins, e Au-Au, com 270 check-ins.
6.3
MUSEU OSCAR NIEMEYER
Instalado em uma área de 35 mil metros, é considerado um dos maiores complexos
de exposição do Brasil, possui mais de 17 mil metros quadrados de área expositiva potencial.
Conta com diversos ambientes, incluindo um auditório para aproximadamente 400 lugares,
café e espaços de lazer.
O Museu Oscar Niemeyer (MON) é um dos principais cartões-postais de Curitiba,
tendo como principal chamariz o espaço conhecido como “Olho”. No Foursquare, o
museu possui o total de 6.361 check-ins (até 25/06/2012, às 11h). Com 35 check-ins nos
últimos 60 dias, o prefeito atual do aeroporto é o usuário “Lorraine V.”. Abaixo temos a
relação das dez mais populares dicas/comentários sobre o museu:
Raul A. Fevereiro 28, 2010: “There are some good and charming restaurants at
Manoel Eufrásio street, just in front of the museum. Aproveite para conhecer e se deliciar
com alguns restaurantes do outro lado da Rua Manoel Eufrásio”, 21 pessoas curtiram.
Marcus Y. Setembro 27, 2011: “Precisa de uma reforma, mas é um ótimo museu.
Ah! Também precisa de uma melhor gestão”, 14 pessoas curtiram.
Fábio M. Junho 4, 2010: “Mais uma maravilha do Oscar”, 12 pessoas curtiram.
Julia G. Maio 27, 2011: “Ótimo para sentar, beber e fumar narguile com os amigos”,
9 pessoas curtiram.
Phellipe W. Abril 10, 2011: “Tinha um povo estranho, fazendo umas danças
estranhas. Otakus. Não chegue perto deles”, 7 pessoas curtiram.
Pedro S. Março 27, 2010: “É o lugar ideal pra ficar sentado fazendo nada ou ver
exposições”, 7 pessoas curtiram.
Maíra O. Julho 3, 2011: “Todo primeiro domingo do mês o ingresso é grátis!!”, 6
pessoas curtiram.
Roger M. Agosto 24, 2011: “Pôr do sol fantástico!”, 05 pessoas curtiram.
Raquelnews. Junho 4, 2010: “Ótimo para dias de chuva”, 4 pessoas curtiram.
Também podemos destacar a presença do MON Café no Foursquare, com 937
check-ins. Abaixo temos a relação das cinco mais populares dicas/comentários sobre o café:
Rodrigo A. Setembro 15, 2011: “Vale a pena a visita ao Museu e parar para tomar
um café no Mon. Ambiente agradável e quitutes gostosos fazem parte deste bonito lugar
que ainda conta com free wireless”, 9 pessoas curtiram.
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Bruno B. Outubro 15, 2010: “Tem que ter um pouco de paciência com o tempo
de atendimento, mas o ambiente é bem legal”, 9 pessoas curtiram.
Leonardo S. Fevereiro 6, 2011: “Haja paciência! Atendimento ruim e demorado,
isso quando não esquecem de trazer o seu pedido”, 3 pessoas curtiram.
Fernando F. Abril 16, 2011: “Senha da wi-fi: vickmuseu”, 2 pessoas curtiram.
Roberto M. Março 20, 2012: “A tortinha 4 queijos compensa o péssimo atendimento!
Infelizmente funciona apenas até as 18 horas”, 1 pessoa curtiu.
Nas dicas acima listadas, pode-se perceber uma relação direta entre a publicação
no ambiente da rede social (Foursquare) e o espaço vivido urbano (aeroporto, shopping e
museu). As “marcas”, de profunda necessidade humana (CERTEAU, 1994), são percebidas
como “pinturas nas cavernas” ou novas formas de “pichações” da contemporaneidade.
Recados, desde uma maior utilidade pública (tais como o uso do ônibus executivo ou
poder deixar o carro fora do estacionamento, entre outros) até alguns mais superficiais
(como “compre uma passagem só de ida a qualquer lugar do planeta” ou encontre as
pessoas que fizeram check-in para conhecer algumas “gatas”), corroboram as ideias do
autor sobre a experiência de vida estar de acordo com a experiência vivida no espaço.
Além disso, também reiteram o discurso de Certeau (1994) sobre a relação do “contar
histórias” e registrar o olhar, a ideia, a observação, a visão da realidade.
Meyrowitz (2003) e Bauman (2003) notam, pelas falas acima expressadas (pelos
usuários do Foursquare), a concepção de estarmos juntos a distância em bandos virtuais,
característica contemporânea, fortemente marcada pelo uso da tecnologia e de dispositivos
móveis convergentes, como o smartphone e o tablet, os quais os usuários precisam utilizar
para postar seus comentários. A ideia dos autores é mostrar que os sujeitos contemporâneos
são distintos de sujeitos de outras épocas, tendo como característica principal o isolamento
decorrente de uma série de mudanças em processos socioculturais, entre elas, do uso da
tecnologia. Porém, ao mesmo tempo em que a tecnologia isola o indivíduo do convívio
público, quando utilizada para dar voz à sua opinião, seu ponto de vista, sua experiência
vivida, traz à tona um poder até então não permitido de ser feito da mesma forma em
função desse desenvolvimento tecnológico. Agora, mesmo isolados, podemos compartilhar
pensamentos e expressá-los na web aos demais participantes do “bando”.
Isso também faz recordar o que autores como Lemos (2003b) chama de cibercidade,
em que a prática e o exercício da cidadania vão além do voto ou da escolha de um candidato
para representação na vida política. Viver a cibercidade é exercer um maior poder como
cidadãos, hoje, graças às tecnologias móveis convergentes e à possibilidade de publicar
conteúdo na internet. Como citado anteriormente, “a cidadania, o exercício social na
urbis, passa hoje por esse sentimento de conexão generalizada. Esta é que caracteriza as
cidades contemporâneas pela nova dinâmica instaurada pelas redes telemáticas” (LEMOS,
2003 b, p. 2). A ideia é justamente incorporar ao cotidiano do cidadão e da cidadã uma
Programa de Apoio à Iniciação Científica - PAIC 2011-2012
731
prática para reclamar, sugerir, denunciar etc., trazendo essas situações do seu dia a dia
para um hemisfério maior, como a propagação na web. Como o espaço do aeroporto é
um espaço público, envolvendo pessoas que estão ali por motivos profissionais e pessoais,
a necessidade de colocar luz sobre questões emergenciais é fundamental sob o ponto de
vista do direito cívico.
Para Certeau (1994), as pessoas podem inventar seu fazer, exprimindo uma maneira
própria de conviver com a imposição cultural e social dos meios de comunicação de massa
tradicionais e com a imposição econômica dos produtos e serviços eleitos pela sociedade do
espetáculo e consumo. Entre as diversas características que marcam o período contemporâneo,
a possibilidade de fazer uso de qualquer coisa ou artefato (como um dispositivo móvel
convergente) que possam encontrar no contexto em que agem para dar vida a um incessante
trabalho de “fabricação” de significados pessoais torna-se válida. A ideia (e a possibilidade) de
criar e fazer uso desses aparatos para deixar marcas no espaço vivido corrobora a premissa de
que o espaço é um lugar praticado. Ou seja, vivenciado, experienciado, usado, percebido e,
consequentemente, marcado (por “pichações”, virtuais ou não).
Os avanços tecnológicos das áreas da comunicação, com o passar dos séculos
e das décadas, permitiram uma maior troca e acesso a informações que anteriormente
apenas circulavam dentro de determinado campo de atuação (somente na política,
somente na medicina, somente na biologia etc.). O que caracteriza a atual revolução
tecnológica (SANTAELLA, 2003; CASTELLS, 2005) não é a centralidade de conhecimento e
informação, mas a aplicação destes para a geração de novos conhecimentos e de aparatos
de processamento da informação e de comunicação, em um ciclo de realimentação
cumulativo entre a inovação e seu uso, o que até pouco tempo atrás não era permitido
pelos meios de comunicação de massa, pois a produção do receptor não existia no modelo
comunicacional vigente. Agora, com a web e dispositivos móveis convergentes, tais como
o smartphone e o tablet, os sujeitos têm a possibilidade de ser receptores e emissores,
em um processo de coprodução constante e alimentado por outros indivíduos que se
conectem e acessem essas redes.
Percebe-se, então, que a hegemonia da cultura de massas (SANTAELLA, 2003), até
então inquestionável, está sendo dissolvida pouco a pouco por meio do acesso à tecnologia
e, principalmente, pelo uso de tecnologias convergentes e de redes sociais que permitem
inserir a informação em todas as esferas da vida social, econômica e da vida privada. O
espaço público, além de ser um espaço vivido e experienciado, é também um espaço de
manifestação, de produção e circulação de conteúdo gerado pelo sujeito comum, e não
apenas pelos detentores de poder dos meios de comunicação de massa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pelo uso de tecnologias de conexão móveis, ou dispositivos móveis convergentes,
os sujeitos agora estão conectados e em processo de mobilidade, não se restringindo
mais apenas ao uso dos meios de comunicação tradicionais ou a um espaço físico
determinado e estanque. Aqui, podem-se unir a essas questões três anseios do homem da
contemporaneidade: a rapidez, a eficiência de locomoção e o permanente contato com
os demais membros da comunidade. Somente por meio da mobilidade, da convergência
midiática e do uso de dispositivos móveis convergentes, como o smartphone e o tablet,
por exemplo, essas questões são possíveis de serem colocadas em prática.
Vivendo-se, então, em um período que remete ao nomadismo, pode-se chamar de
nomadismo global, percebe-se que o ser humano ainda pratica diversas ações do cotidiano
de forma coletiva, entre elas a produção de conteúdo e informação compartilhada. Mesmo
esta pesquisa não tendo sido palco para iluminar características mais subjetivas e de
ordens pessoais dos sujeitos produtores de conteúdo, é possível refletir sobre a mudança
de alguns papéis sociais que se atenuam, em função desse novo nomadismo. No período
do nomadismo antigo, os seres humanos faziam tudo em conjunto, deslocando-se em
bandos para sobreviver. Como esses bandos (atuais ou antigos) circulam em conjunto,
é difícil estabelecer um limite para o papel de cada indivíduo na sociedade. Ou seja, os
papéis sociais são menos evidentes e fáceis de serem classificados e, talvez, estabelecidos.
Essas fronteiras se tornaram mais permeáveis e finas, consequentemente, mais
complexas e translúcidas, o que não significa que há uma homogeneização nesse processo
de desenvolvimento de papéis sociais. Não é um retorno à massa homogênea e sem
distinção e classificação que poderíamos refletir na teoria hipodérmica, por exemplo, mas
se vive em um período de possibilidade de criar novas formas de fusão e novas formas
de desintegração, quando se é produtor e receptor ao mesmo tempo. Somente com a
convergência midiática essas novas formas de definições sociais são possíveis.
Pode-se confirmar a premissa, pois com a introdução social de novos meios de
comunicação, são criadas novas formas de ação e interação e novos tipos de relacionamentos
sociais. Essa introdução, por meio do uso de dispositivos móveis convergentes e da
experiência da web, cria novas formas bem diferentes das que prevaleceram durante a maior
parte da história da humanidade. Perceber uma alteração na inquestionável hegemonia
dos meios de comunicação de massa torna-se palco para a evolução da expressão humana
pelo acesso à informação e à sua disseminação pessoal. A troca de eixo no poder da
cultura de massas permite que o espaço urbano seja um espaço vivido, experienciado e,
principalmente, compartilhado entre os sujeitos que ali habitam ou que apenas estiveram
de passagem como nômades virtuais, reais e globais. Sem a possibilidade de unir tecnologia,
comunicação, ciberespaço e mobilidade, acredita-se que é impossível estabelecer um novo
processo de comunicação e de expressão da vida privada e da vida pública.
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REFERÊNCIAS
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CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.
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