1 MINISTÉRIO DA DEFESA ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA APLICAÇÃO DO COMPONENTE MILITAR DO PODER NACIONAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS EXTERNOS EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA EDUARDO LOPES E SILVA – CEL INFA QEMA APLICAÇÃO DO COMPONENTE MILITAR DO PODER NACIONAL NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS EXTERNOS EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia. Orientador: CMG (RM1) Francisco José de Matos Rio de Janeiro 2012 DIREITO AUTORAL E FICHA CATALOGRÁFICA C2011 ESG Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitido a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa. Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG _________________________________ Assinatura do autor Biblioteca General Cordeiro de Farias Silva, Eduardo Lopes e Aplicação do Componente Militar do Poder Nacional na solução de conflitos externos em um ambiente de não guerra / Coronel do Exército Eduardo Lopes e Silva. - Rio de Janeiro : ESG, 2012. 41 f. il. Orientador: Nome CMG (RM1) Francisco José de Matos Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2012. 1. Estratégia. 2. Geopolítica. 3. . I.Título. À minha paciência. família pelo carinho e AGRADECIMENTOS Ao Corpo Docente da Escola Superior de Guerra pelos inúmeros ensinamentos transmitidos que me fizeram entender e admirar ainda mais este gigante chamado Brasil. Aos estagiários da melhor Turma do CAEPE pelo convívio harmonioso de todas as horas. Ao CMG (RM1) Francisco José de Matos pelas orientações seguras e sugestões oportunas que permitiram a elaboração deste trabalho. Ao Professor Armando José Sales Machado pela valorosa ajuda na revisão deste trabalho. Speak softly and carry a big stick Theodore Roosevelt RESUMO Ao longo dos séculos, sucessivas crises arrastaram nações a conflitos internacionais que obrigaram-nas a aplicar todo ou parte de seu Poder Nacional em busca de sua solução. Na maioria das vezes, a parte mais forte impunha sua vontade, o quê obrigava a outra parte a uma difícil acomodação, forçando-a a abdicar de seus interesses. Com o advento da Organização das Nações Unidas que, por meio de seus diversos organismos de controle, passou a regular as relações entre os Estados, muitas questões encontraram soluções nos fóruns daquela entidade. Entretanto, em um mundo cada dia mais multipolar, por vezes Estados adotam medidas unilaterais para a salvaguarda de seus interesses, mas que, ao atingirem interesses de outras nações, provocam graves crises. Além disso, deve-se levar em consideração a presença de atores não-governamentais, de vários matizes que, também, influem na capacidade de reação das nações, limitando sua liberdade de ação. Cada vez mais as limitações à liberdade de ação apontadas pelo Gen Beaufre encontram aplicação nas relações internacionais. Embora a tradição brasileira indique a negociação como forma de dirimir contenciosos, o País não pode prescindir de utilizar todos os meios disponíveis para defender seus interesses. Este trabalho tem por escopo estudar a aplicação do poder nacional na solução de conflitos internacionais em um ambiente de não-guerra, de modo a resguardar o interesse nacional em face às novas ameaças que se apresentam no cenário internacional. Palavras chave: Estratégia. Poder Nacional. Manobra de Crise. Não-guerra. ABSTRACT Over the centuries, successive conflicts dragged nations to international crises and disputes that forced them to apply all or part of their National Power in search of solutions. In most cases, the stronger party imposed its will, forcing the weaker party to a difficult position, or to surrender . With the advent of the United Nations, (UN) through its various agencies of control, the UN began to regulate relations between states. Many questions have to be resolved at different forums. However, in an increasingly multipolar world, sometimes states adopt unilateral measures for the safeguarding of her objectives. These measures affect the interests of other nations, there by creating crises. Moreover, it is expedient to take into consideration the presence of non-state actors of all stripes, which influence the responsiveness of nations, and also limit the freedom of action. Additionally, the Beaufre equation is present in international relations. Although the Brazilian tradition favours, negotiation, as a means of settling disputes, the country can´t do without using other means to defend her interest. The purpose of this paper is to consider the application of all instruments of national power in solving international crises in an environment other than war, in order to safeguard the national interest in the light of emerging threats on the international scene. Keywords: Strategy. National Power. Crisis maneuver. Non-war. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA Nr 1 Guernica - Pablo Picasso .................................................................13 FIGURA Nr 2 Política do Big Stick .........................................................................17 FIGURA Nr 3 Poder Potencial..................................................................................19 FIGURA Nr 4 Classificação dos Óbices .................................................................21 FIGURA Nr 5 Conflito .............................................................................................21 FIGURA Nr 6 Tipos de soluções possíveis em um conflito ....................................22 FIGURA Nr 7 Métodos e Formas de Resolução dos Conflitos ...............................25 FIGURA Nr 8 Escalada do conflito .........................................................................26 FIGURA Nr 9 Dinâmica da passagem do estado de paz para o de guerra ............29 FIGURA Nr 10 Bombardeio a centro de gravidade iraquiano .................................34 FIGURA Nr 11 Retorno dos militares mortos no Haiti .............................................35 FIGURA Nr 12 Efetivos militares e PIB......................................................................37 FIGURA Nr 13 Relação entre o percentual de gastos com a Defesa e o PIB ........38 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS EB Exército Brasileiro ESG Escola Superior de Guerra ECEME Escola de Comando e Estado-Maior do Exército EGN Escola de Guerra Naval ECEMAR Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica END Estratégia Nacional de Defesa EUA Estados Unidos da América FFAA Forças Armadas PDN Política Defesa de Nacional PIB Produto Interno Bruto ONU Organização das Nações Unidas URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................ 13 1.1 O PROBLEMA ............................................................................. 13 1.2 OBJETIVOS ................................................................................. 14 1.3 HIPÓTESE ................................................................................... 14 1.4 JUSTIFICATIVA DO ESTUDO .................................................... 15 1.5 METODOLOGIA DO TRABALHO ............................................... 15 1.6 LIMITAÇÃO DA PESQUISA ........................................................ 15 1.7 ESTRUTURA DA MONOGRAFIA ............................................... 15 2. CONFLITO ENTRE NAÇÕES ..................................................... 17 2.1 ANTECEDENTES ........................................................................ 17 2.2 CONFLITO ................................................................................... 20 2.2.1 Métodos da Estratégia Nacional ............................................. 22 2.2.1.1 Estratégia Direta .......................................................................... 22 2.2.1.2 Estratégia Indireta ........................................................................ 23 2.2.2 Formas de resolução do conflito ............................................. 23 2.2.2.1 Persuasão ................................................................................... 24 2.2.2.2 Dissuasão .................................................................................... 24 2.2.2.3 Coerção ....................................................................................... 24 2.3 CRISE .......................................................................................... 25 2.3.1 Manobra de crise ....................................................................... 26 2.3.1.1 Ação Estratégica de escalar a Crise ........................................... 28 2.3.1.2 Ação Estratégica de estabilizar a Crise ....................................... 28 2.3.1.3 Ação Estratégica de distender a Crise ........................................ 28 3 NÃO-GUERRA ............................................................................ 29 4 RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE AÇÃO DO ESTADO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA .................................................. 31 4.1 FÓRMULA DE BEAUFRE ........................................................... 32 4.1.1 Liberdade de Ação (K) ......................................................... 32 4.1.2 Forças Materiais (F) ............................................................ 32 4.1.3 Forças Morais (Y) ................................................................. 32 4.1.4 Tempo (T) .................................................................................. 33 5 RESTRIÇÕES À APLICAÇÃO DO PODER MILITAR EM UM AMBIENTE DE NÃO GUERRA NO EXTERIOR ......................... 34 6 CAPACITAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO PARA ATUAÇÃO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR .................................................................................. 7 39 AMPARO LEGAL PARA A APLICAÇÃO DE PODER MILITAR BRASILEIRO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR .................................................................................. 8 42 CONCLUSÃO .............................................................................. 44 REFERÊNCIAS ........................................................................... 45 13 1 INTRODUÇÃO 1.1 O PROBLEMA Ao longo dos séculos, sucessivos conflitos arrastaram nações a tensões que deram origem a crises internacionais, obrigando-as a aplicar todo ou parte de seu Poder Nacional em sua solução. Na maioria das vezes, a parte mais forte impunha sua vontade, o que obrigava a outra parte a uma difícil acomodação, forçando-a a abdicar de parcela ou de todos os seus interesses. A partir da fundação da Organização das Nações Unidas, em 1945, as principais questões internacionais passaram a ser tratadas por meio de seus diversos organismos de controle, que normatizaram as relações entre os Estados. Entretanto, mundo cada multipolar, as em vez um mais frequentemente potências adotam medidas unilaterais para a salvaguarda de seus Figura Nr 1: Guernica - Pablo Picasso Fonte: Wikypédia objetivos. Tais ações possuem um grande potencial de geração de crises. Além disso, deve-se levar em consideração a presença de atores não governamentais de toda ordem que influem na capacidade de reação dos Estados. Cada vez mais a fórmula do General Beaufre1 encontra aplicação nos fóruns internacionais, condicionando a liberdade de ação de cada contendor. Caso mantenha os atuais índices e crescimento, a partir da segunda década do século XXI, o Brasil exercerá influência crescente no cenário internacional. A vocação pacífica brasileira e o Soft Power2, que algumas lideranças procuram imprimir à política externa país, não serão suficientes para resguardar o interesse do Estado no cenário internacional que se descortina. 1 General e estrategista francês idealizou uma fórmula para definir qual o melhor impulso estratégico a ser adotado pelo Estado, levando em consideração o tempo, as forças materiais e a liberdade de ação. 2 Soft Power é um conceito elaborado pelo professor americano Joseph Nye para definir a capacidade de países influenciarem relações internacionais e intensificarem trocas comerciais através da sedução de produtos como filmes, música, moda, mídia e turismo (Wikipédia, 2012). 14 Em função disso, o País jamais poderá abdicar da utilização do Poder Militar para a defesa de seus interesses, seja como demonstração de força, como forma de pressão ou para dissuadir possíveis agressores. Desta feita, que fatores deverão ser considerados em relação à liberdade de ação de que dispõe a Nação para o emprego do Poder Militar na solução de conflitos externos em um ambiente de não-guerra e quais os aspectos mais relevantes deverão ser observados na preparação do componente militar, desde o tempo de paz, de modo a proteger os interesses nacionais em face às novas ameaças3 que se apresentam no cenário internacional? 1.2 OBJETIVOS a. Objetivo Geral Este trabalho tem por objetivo geral estudar a aplicação do Poder Militar na solução de conflitos externos em um ambiente de não-guerra. b. Objetivos Específicos 1) Identificar a dinâmica de um conflito. 2) Identificar a dinâmica de uma crise. 3) Definir ambiente de não-guerra, apontando suas características. 4) Analisar as restrições à aplicação do Poder Militar em um ambiente de não guerra, levando em consideração os elementos da Fórmula de Beaufre. 5) Apresentar as capacidades que deverão ser desenvolvidas pelo componente militar desde os tempos de paz. 6) Apresentar o respaldo legal existente na legislação brasileira para o emprego das Forças Armadas em um ambiente de não-guerra. 1.3 HIPÓTESE A questão orientadora da pesquisa refere-se à aplicação do Poder Militar na solução de conflitos externos em um ambiente de não-guerra. A partir da definição deste problema, foi estabelecida a idéia central deste trabalho que se propõe a analisar o respaldo legal e a aplicação do Poder Militar em um ambiente 3 Segundo a ONU, as novas ameaças podem ser classificadas como:” guerra entre Estados; violência no interior dos Estados, incluindo guerras civis, violação dos Direitos Humanos em grande escala e genocídio; pobreza, doenças infecciosas e degradação ambiental; armas nucleares, radiológicas, químicas e biológicas; terrorismo; e crime organizado transnacional” (Relatório do Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança da ONU, 2004). 15 de não-guerra, considerando as restrições à liberdade de ação segundo Beaufre, de modo a permitir a Nação os melhores meios para a defesa de seus interesses. 1.4 JUSTIFICATIVA A dinâmica das Relações Internacionais muitas vezes impõe ao Estado o emprego de seu Poder Militar, de forma unilateral, para a solução de Crises. Em um mundo cada vez mais multipolar, o emprego de tal poder não ocorre de forma ilimitada em função de pressões exercidas por vários atores, governamentais ou não, que restringem à liberdade de ação dos países e influem na solução do conflito. Entretanto, a Nação não pode deixar-se imobilizar ou abster-se de contar com todos os meios de que dispõe para buscar uma solução que atenda aos seus interesses. Em função disso, torna-se imperioso conciliar as restrições à liberdade de ação com o emprego dos meios disponíveis, de modo a indicar e otimizar os caminhos a serem adotados à solução do Conflito. 1.5 METODOLOGIA DE TRABALHO Este trabalho é exploratório e utiliza pesquisa bibliográfica, por meios físicos e digitais, segundo o método dedutivo. A abordagem é estratégica e qualitativa. 1.6 LIMITAÇÃO DA PESQUISA Dentro do contexto de pesquisa exploratória e bibliográfica, são abordadas as formas de emprego do Poder Nacional em um ambiente de não-guerra na solução de conflitos externos, levando em consideração as restrições à liberdade de ação do Estado fruto de pressões exercidas por diversos outros atores alheios à crise. 1.7 ESTRUTURA DA MONOGRAFIA O trabalho está dividido em 8 (oito) seções, distribuídas da seguinte forma: a) A primeira seção – INTRODUÇÃO – procura ambientar o leitor sobre a forma preponderante de solução das crises ao longo dos séculos. b) A segunda seção – CONFLITO ENTRE NAÇÕES – define conflito e a crise e aborda aspectos relativos à manobra de crise. c) A terceira seção – NÃO-GUERRA – abord aspectos relacionados a está fase do conflito. 16 d) A quarta seção - RESTRIÇÕES À LIBERDADE DE AÇÃO DO ESTADO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA – analisa as restrições à liberdade de ação da Política Nacional, segundo Beaufre. e) A quinta seção – RESTRIÇÕES À APLICAÇÃO DO PODER MILITAR EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR – estuda a aplicação do poder nacional em ambiente de não-guerra. f) A sexta seção - CAPACITAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO PARA ATUAÇÃO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA – aponta às competências que deverão ser desenvolvidas desde o tempo de paz, visando a preparar o componente militar para ser empregado em um ambiente de não-guerra. g) A sétima seção – AMPARO LEGAL A APLICAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR – apresenta o amparo legal à aplicação das Forças Armadas na preservação de interesses brasileiros no exterior, em um ambiente de não-guerra. h) A oitava seção – CONCLUSÃO – sintetiza os principais aspectos inferidos desta monografia. 17 2 CONFLITO ENTRE NAÇÕES “[...] em questões de Estado, quem tem a força geralmente tem a razão e quem é fraco apenas e, com dificuldade, consegue não ser visto como culpado pela maioria do mundo” (Cardeal de Richelieu) 2.1 ANTECEDENTES A humanidade sempre conviveu com conflitos, motivados pelos mais diversos fatores, que obrigaram as nações ao emprego de seu Poder Nacional para buscar soluções mais adequadas ou menos ruins à sua superação. Até o século XIX, estas disputas tinham como principal forma de resolução a ameaça ou o emprego do poder militar, em diferentes graus de intensidade, de modo a resguardar os interesses dos países envolvidos. Por séculos, as relações internacionais foram apoiadas por Armadas e Exércitos poderosos que permitiram aos Estados mais fortes imporem sua vontade, subjugando o adversário. A partir do Congresso de Viena (1815), as potências européias passaram a policiar o mundo, mantendo esquadras e tropas posicionadas em todos os mares, oceanos e domínios coloniais, de modo a proteger seus impérios, respaldar seus interesses políticos e econômicos e servir como instrumento de pressão, visando a garantia de seus objetivos. Figura Nr 2: Política do Big Stick Fonte: Modern American History (2011). 18 Expressões como a “Diplomacia das canhoneiras” ou a “Política do Big Stick” tornaram-se comuns no jargão diplomático daquele período. Com o advento da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945, que passou a regular, por meio de seus diversos organismos de controle, as relações entre os Estados, muitos conflitos internacionais foram solucionados nos diversos fóruns dessa entidade. Neste início de século XXI, em um mundo cada vez mais multipolar, por vezes, Estados adotam medidas unilaterais para a salvaguarda de seus interesses em detrimento às decisões da ONU. Além disso, a presença de atores não-governamentais, de toda ordem, influem na capacidade de reação das nações e, principalmente, em sua liberdade de ação. Cada vez mais a fórmula do General André Beaufre (1902-1975), detalhada no capítulo 4, encontra aplicação nas relações internacionais, condicionando a liberdade de ação de cada contendor. Outros importantes fatores que têm de ser levados em consideração são o poder potencial e o poder efetivo de uma nação. Segundo o Professor Eduardo Siqueira Brick: O poder potencial de uma nação “assenta-se sobre uma base de recursos que o Estado pode converter em poder efetivo. Ele depende de três variáveis: tamanho do território, população e valor da produção (produto nacional). Outras variáveis também são relevantes, tais como a localização geográfica, envolvendo suas fronteiras terrestres e marítimas, o acesso a matérias-primas estratégicas e distâncias de outros centros de poder. Poder efetivo assenta-se, entre outras, sobre coesão social, educação, capacidade militar, competitividade industrial e comercial e, cada vez mais, na capacidade para desenvolvimento científico, tecnológico e inovação (CT&I). 19 Figura Nr 3: Poder Potencial Fonte: Eduardo Siqueira Brick Em recente palestra proferida na Escola de Guerra Naval para os alunos dos cursos de Altos Estudos de Política e Estratégia das escolas das três Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra, o Ministro da Defesa do Brasil, Embaixador Celso Amorim declarou: Costuma-se dar o nome de poder brando (ou Soft Power) à capacidade persuasiva, negociadora e de irradiação de valores que, no caso do Brasil, tem produzido ganhos concretos. Ao poder brando estariam associados outros atributos como a simpatia do povo brasileiro, sua tão propalada índole pacífica e uma capacidade de compreender situações complexas vividas por outros países (Informação verbal). 20 Embora a tradição brasileira indique a negociação como forma de dirimir contenciosos, o propalado poder brando brasileiro não pode ser motivo para que o País abdique em utilizar todos os meios de que dispõe o Poder Nacional para defender seus interesses, de forma a remover óbices ao atingimento de seus objetivos. 2.2 CONFLITO Assim como as relações interpessoais, as relações internacionais são caracterizadas por uma constante instabilidade, onde objetivos divergentes podem provocar tensões, desequilíbrios e ocasionar choques de interesses que, dependendo de sua gravidade, poderão vir a se transformar em um conflito que nada mais é do que um óbice ou limitação ao emprego irrestrito do Poder Nacional do Estado. A Palavra CONFLITO vem do latim “conflictu” e possui os significados de: [...] embate de pessoas que lutam; altercação; barulho, desordem, tumulto; conjuntura, momento crítico; pendência; luta, oposição; pleito; dissídio entre nações; competição consciente entre indivíduos ou grupos que visam à sujeição ou destruição do rival. Tais óbices podem ser motivados pelos mais diferentes fatores como catástrofes naturais; humanitárias; crises políticas, econômicas e sociais. Na tentativa de minimizálos, os Estados buscam firmar tratados e acordos para estabelecer e disciplinar condutas e procedimentos necessários à sua solução. Em virtude da presença ou não de contestação, os óbices podem ser classificados como Fatores Adversos quando não há intencionalidade ou em Antagonismo quando há, deliberadamente, um sentido contestatório, que por sua vez exerce uma pressão que pode dificultar ou impedir a ação do Estado. 21 FATORES ADVERSOS ÓBICES (Sem sentido contestatório) (Impedem ou PRESSÃO dificultam o atingimento dos Objetivos Nacionais) ANTAGONISMOS (Dificulta) (Deliberadamente PRESSÃO DOMINANTE contestatórios) (Impede) Figura Nr 4: Classificação dos Óbices Fonte: C 124-1 – Manual de Campanha – Estratégia Conflito, então, pode ser definido como “um choque de interesses, de qualquer natureza” (Escola Superior de Guerra, 2000, p. 48.) que ocasiona um desconforto para ambas ou somente uma das partes, gerando desequilíbrios ou óbices à aplicação do Poder Nacional. Interesses País A Conflito Interesses País B Figura 5: Conflito Fonte: Autor Pode, também, ser entendido como: Divergência de perspectivas, percebida como geradora de tensão por pelo menos uma das partes envolvidas numa determinada interacção e que pode ou não traduzir-se numa incompatibilidade de objectivos (De Dreu e Weingart, 2002; apud Dimas, Lourenzo e Miguez,, 2005; apud Pereira e Gomes, 2007). Dos diversos significados deste vocábulo, destacam-se as palavras luta, pendência e oposição que bem retratam o sentido que se emprega a este termo que se refere ao embate de Estados na arena internacional. Outro aspecto importante diz respeito à maneira como o conflito é administrado, evitando ou criando tensões cujo desdobramento poderá arrastar as partes à sua solução, à Crise ou, até mesmo, a um Conflito Armado ou Estado de Beligerância. 22 Solução Solução Possibilidade Manter o Possibilidade Piora da Agravamento do Parcial de solução Status de piora Situação da situação Conflito Quo Figura: Nr 6 Tipos de soluções possíveis em um conflito Fonte: Autor Em todas as fases do conflito deverá ocorrer a confrontação4 com ou sem enfrentamentos5 entre as partes, quando preponderarão determinadas Expressões do Poder Nacional em detrimentos das demais. 2.2.1 Métodos da Estratégia Nacional A Política Nacional emprega o Poder Nacional na execução de Estratégias que têm por finalidade atingir os Objetivos Nacionais. Entretanto, em sua ação, o Poder Nacional pode vir a se deparar com obstáculos de toda a ordem que poderão dificultar ou impedir o atingimento desses objetivos. Tais obstáculos obrigarão o Estado a traçar estratégias para superá-los de forma a submeter resistências, impondo sua vontade; ou negociar soluções, acomodando as partes. Neste sentido, duas Estratégias Nacionais são possíveis de serem adotadas para a sua superação: A Estratégia Direta e a Estratégia Indireta. 2.2.1.1 Estratégia Direta O conceito de Estratégia Nacional Direta foi difundido pelo Gen francês André Beaufre (1902-1974) nas obras "Introdução à Estratégia", "Dissuasão e Estratégia" e "Estratégia e Ação" que, por sua vez, se inspirou nas ideias do General prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831), publicadas no livro “Von Kriege”. Clausewitz acreditava que o emprego da manu militare era um instrumento legítimo da política nacional, sendo a guerra à continuação desta por outros meios. 4 Confrontação é a fase do desenvolvimento do Conflito composto por ações e reações, quando as partes oponentes buscam manter a iniciativa, mediante uma atuação que inflija, no máximo, dano igual ou ligeiramente superior ao causado pela ação adversária (ESG, 2009, p.49). 5 Enfrentamento é a disposição de lutar, entre pessoas, grupos ou nações, com a finalidade de obter determinados ganhos, de modo a conquistar ou manter os interesses almejados (ESG, 2009, p.49). 23 Dessa maneira, a Estratégia Nacional Direta preconiza a predominância da expressão militar do Poder Nacional mediante seu emprego ou a simples ameaça de sua utilização. Na Estratégia Direta a expressão militar é coadjuvada pelas demais Expressões do Poder6 e seu emprego prepondera em situações de grave crise, em um ambiente de nãoguerra, e/ou em situação de guerra. 2.2.1.2 Estratégia Indireta Estratégia Indireta foi sistematizada pelo inglês Sir Basil Henry Liddell Hart (18951970) que defendia a "ação indireta" como a melhor maneira se alcançar os objetivos, sejam eles nacionais ou militares. Liddell Hart acreditava que o armamento nuclear existente nos arsenais das grandes potências tornava inviável a guerra da maneira como era até então praticada, pois seu emprego traria terríveis consequências colaterais que extrapolariam os campos de batalha e afetariam milhões de pessoas de países não beligerantes. Em função disso, desenvolveu a Estratégia Indireta que, a nível nacional, caracteriza-se pelo predomínio do emprego das Expressões Políticas, Econômicas, Psicossociais e Científica & Tecnológica. A Expressão militar exerce uma função secundária de uma ou mais dessas expressões. A Estratégia Nacional Indireta é empregada em tempo de paz ou de não-guerra. 2.2.2 Formas de Resolução do Conflito Em recentes pronunciamentos o antigo e o atual Ministro da Defesa do Brasil, respectivamente, o Dr Nelson Jobim e o Embaixador Celso Amorim têm defendido a Cooperação como mais uma forma para se buscar a prevenção de conflitos. Tal solução vem sendo aplicada, sistematicamente, em relação aos países amigos e em particular da UNASUL. No entanto, a praxis das relações internacionais indica ao Estado, de acordo com a gravidade do Conflito, a aplicação, simultânea ou não, das seguintes formas para a solução do conflito: Persuasão, da Dissuasão e/ou da Coerção. 6 O Poder Nacional deve ser sempre entendido como um todo, uno e indivisível. Entretanto, para compreender os elementos estruturais anteriormente referidos, podemos estudá-lo segundo suas manifestações, que se processam por intermédio de cinco Expressões, a saber: Política Econômica, Psicossocial, Militar e Científica e Tecnológica. (ESG, 2009, p. 36) 24 2.2.2.1 Persuasão A Persuasão emprega meios preponderantemente não violentos para a solução do impasse, valendo-se para isso da diplomacia, de ações políticas, de tribunais e organismos internacionais. 2.2.2.2 Dissuasão A dissuasão é uma forma de resolução de conflito que se encontra entre a persuasão e a coerção, e tem por finalidade desencorajar uma ação nociva de outro Estado. A dissuasão é realizada desde o período de paz e consiste em ações tipicamente relacionadas ao Poder Militar, e tem por objetivo desestimular o oponente a adotar medidas que provoquem o acirramento do conflito. A dissuasão não pode ser confundida como uma simulação ou “blefe”, havendo, pois necessidade de se ter capacidade de implementar uma medida mais drástica, caso seja necessário. Com efeito, a dissuasão é obtida, principalmente, com Forças Armadas adequadamente motivadas, treinadas e equipadas; capacidade de pronta reação; capacidade instalada da indústria de defesa; e capacidade de mobilização. Aliando-se a esses aspectos, podem ser necessárias demonstrações de força como manobras militares e/ou concentrações de tropas em regiões fronteiriças etc, que visam a demonstrar ao opositor vontade política para, se for o caso, implementar medidas mais hostis. 2.2.2.3 Coerção A Coerção é a forma mais violenta de ação de que se vale o Estado para solucionar seus conflitos, utilizando, em diferentes graus, todas as expressões do Poder Nacional para se impor ao oponente. Esta forma de resolução de conflito caracteriza-se pela predominância de uma das expressões do Poder Nacional sobre as demais. Como exemplos de formas coercitivas, sem que haja preponderância da expressão militar, podem ser citadas: a expulsão de agentes diplomáticos; a ruptura 25 de relações diplomáticas; a proibição do uso do espaço aéreo, marítimo ou terrestre; embargos e boicotes; congelamento de bens; campanhas internacionais, etc. (EB, Manual de Estratégia, C-1241, 2004) As formas de resolução de conflitos coercitivas aplicadas pelo Estado, por sua vez, podem ocorrer em uma das seguintes modalidades: - Coerção propriamente dita - ocorre por iniciativa própria antecedendo qualquer ação do oponente; - Retorsão – ocorre com a aplicação das mesmas medidas adotadas pelo oponente; - Represália – ocorre a com a aplicação de medidas diferentes daquelas adotadas pelo oponente. Figura Nr 7: Métodos e Formas de Resolução dos Conflitos Fonte: C 124-1 – Manual de Campanha – Estratégia 2.3 CRISE A palavra krisis possui origem na Grécia antiga e deu origem ao vocábulo latino crisis que possuía o sentido de: separação, julgamento, luta, litígio, processo. Por sua vez, a palavra CRISE possui os seguintes significados em português: 26 [...] 3. Momento crítico ou decisivo. 4 Situação aflitiva. 5 fig Conjuntura perigosa, situação anormal e grave. 6 Momento grave, decisivo. 7 Polít Situação de um governo que se defronta com sérias dificuldades para se manter no poder[...] Podemos então conceituar crise internacional como um conjunto de obstáculos de toda ordem (óbices) que se contrapõem à consecução dos objetivos de uma nação que, para poder enfrentá-los, terá de empregar o todo ou parte de seu Poder Nacional. Crise é um estado de tensão, provocado por fatores internos e/ou externos, sob o qual um choque de interesses, se não administrado adequadamente, corre o risco de sofrer um agravamento, até a situação de enfrentamento entre as partes envolvidas (ESG, 2000, p.48) A crise, por sua vez, pode se desenvolver em um ambiente de paz e/ou de nãoguerra onde preponderam as negociações em detrimento da força. Entretanto, em função dos interesses envolvidos, seu desenrolar pode vir a ocasionar uma escalada do conflito, podendo chegar a um estado de beligerância. Figura: Nr 8 Escalada do Conflito Fonte: Autor 2.3.1 Manobra de Crise A Crise muitas vezes ocorre por fatores alheios à vontade dos Estados e pode ser provocada por desequilíbrios causados em função da conjuntura internacional como, por exemplo: aumento do preço do petróleo, crise financeira internacional, refugiados, insurgências, direitos humanos etc. Nem sempre a solução de um Conflito corresponde à sua superação, pois medidas paliativas podem ser negociadas sem que, no entanto, abordem as causas que lhe deram origem, as quais permanecerão, de forma latente, pautando a relação bilateral. 27 A Crise, no entanto, pode ser deliberadamente provocada de modo a respaldar a ação de um Estado que possui interesse em agravar a situação para poder intervir militarmente em outro, de modo a atingir seus objetivos políticos. Ocorre nesta situação o manejo ou condução da crise. A manobra de crise é bastante comum no cenário internacional e tem por objetivo criar condições favoráveis ao pólo mais ativo, reduzindo oposições. A manobra de crise depende da orientação do decisor político e deve sempre ser pautada pela defesa dos interesses nacionais. Em um ambiente de não-guerra, deve-se procurar aplicar o Poder Nacional, de forma crescente e proporcional aos óbices, de modo a maximizar as vantagens a serem obtidas e com um mínimo de meios empregados. Com esse intuito, a Manobra de Crise deve ser conduzida de acordo com os interesses nacionais e seguir uma “uma seqüência natural de ações e reações, que pode ser dividida em: desafio, desenvolvimento e resultados finais” (BRASIL, 2004). O desafio é lançado de forma premeditada por uma parte sobre alguma vulnerabilidade de seu oponente de modo dar início a Crise e lhe permitir assumir a iniciativa; explorar a liberdade de ação; e a surpresa. Apresentado o desafio pela parte mais forte, o conflito se desenvolve com a reação do mais fraco que tenta, inicialmente, anular e/ou esvaziar as ações do adversário para, depois, buscar a retomada da iniciativa dessas ações de forma a controlar e encaminhar a crise à melhor solução possível. Em função das ações e reações na busca pela iniciativa, ocorre a confrontação quando uma parte procura causar o máximo de dano ao oponente. A manobra de crise, quando bem administrada, leva as partes a um acordo, etapa mais importante e decisiva da manobra, que é sempre mais vantajoso à parte mais hábil. Por outro lado, se mal conduzida, poderá vir a se degenerar em um conflito armado, que caracterizará seu insucesso. Uma vez instalada a crise, os “oponentes poderão adotar um dos seguintes comportamentos político-estratégico: escalar, estabilizar e distender” (BRASIL, 2004). 28 2.3.1.1 Ação estratégica de escalar a crise A ação de escalar a crise caracteriza-se por haver um agravamento proposital, com ações mais incisivas, de modo a avaliar a disposição do adversário; sua coesão interna e/ou aproveitar uma fraqueza ou oportunidade surgida. Pode ocorrer com o aumento das partes envolvidas (escalada horizontal) e/ou do nível de hostilidade (escalada vertical). A escalada vertical, por sua vez, classifica-se em ofensiva quando ocorre um aumento de ações hostis e provocadoras em ordem crescente de intensidade; e em defensiva quando a reação a uma provocação ocorre com uma intensidade superior a ação (BRASIL, 2004). A estratégia de escalar a crise é a que mais riscos apresenta. No entanto, possui a vantagem de conduzir, mais rapidamente, a um acordo favorável à parte mais forte. 2.3.1.2 Ação estratégica de estabilizar a crise Na ação de estabilizar a crise cada movimento corresponde a uma reação oposta do mesmo tipo e magnitude cuja finalidade é acomodar as partes e manter o status quo “a fim de ganhar tempo para arregimentação de novas forças ou aguardar conjunturas mais favoráveis” (BRASIL, 2004). 2.3.1.3 Ação estratégica de distender a crise Na ação de distender a crise os adversários buscam abrandar as tensões de modo a diminuir os riscos de uma escalada do conflito e do emprego generalizado da força, de modo abrir espaço a uma negociação em um ambiente menos conflituoso. 29 3 NÃO-GUERRA “A diplomacia sem as armas é como a música sem os instrumentos”. (Bismark) A partir do final da 2ª Guerra Mundial, uma nova dinâmica passou a imperar nas relações internacionais para a defesa dos interesses do Estado, quando este tinha seus Objetivos Nacionais obstaculizados, em contraponto as situações de Paz ou de Guerra que, tradicionalmente, regiam as relações internacionais. Até então, a paz era o ambiente normal nas relações entre os países e a passagem desta situação para a guerra seguia um rito previamente definido que, na maioria dos casos, condicionava o início das operações militares contra o adversário à declaração do estado de beligerância ou de guerra e, mesmo assim, somente após não ter seu ultimatum7. atendido. PAZ GUERRA Ultimatum Conflito Armado Crise Declaração de Guerra Figura: Nr 9 Dinâmica da passagem do estado de paz para o de guerra Fonte: o Autor Esse modus operandi8. começou a ruir durante a Guerra Fria quando os EUA e a URSS realizaram diversas intervenções armadas em países de suas respectivas esferas de influência sem, no entanto, seguir o rito até então estabelecido, que culminava com o ultimatum. 7 Nome dado ao conjunto das últimas exigências, propostas ou condições que um Estado apresenta a outro e cuja não aceitação implica declaração de guerra ou à exigência feita durante o estado de guerra, por um chefe militar, no sentido de conseguir a rendição imediata do inimigo, sob ameaça de alcançá-la por meios violentos. O termo é usado por extensão à qualquer declaração final e irrevogável para satisfação de certas exigências (Fonte: Wikipédia) 8 É uma expressão em latim que significa "modo de operação". Utilizada para designar uma maneira de agir, operar ou executar uma atividade seguindo sempre os mesmos procedimentos. (Fonte: Wikipédia) 30 Esta maneira de resolução do conflito disseminou-se, sendo adotada, também, por outros Estados que viram no emprego de forma coercitiva do Poder Nacional, a melhor forma de resolver suas pendências. Tais intervenções ocorriam em países mais fracos militarmente e à revelia dos organismos internacionais. Eram justificadas com diferentes argumentos que, normalmente, estavam ligados a luta ideológica travada naquele período histórico. Com a queda do muro de Berlim, o declínio da URSS e o advento dos EUA como megapotência hegemônica, essas intervenções tornaram-se mais frequentes, passando a empregar mais intensamente ações bélicas em complemento à ação de outras esferas do Poder Nacional como forma de pressão. Tais ações ocorriam em um ambiente que já não era o de paz, visto que as relações entre os estados não eram normais, mas que não chegavam, ainda, a uma guerra declarada. A partir da década de 1990, surgiu, particularmente, da parte dos Estados Unidos e dos seus aliados da OTAN, um forte tendência intervencionista, com o objetivo de flexibilizar a soberania de qualquer Estado frente a uma situação de emergência ou de flagrante violação dos direitos humanos, avaliada sob a ótica daqueles países. Surgiu então na esfera das relações internacionais um ambiente intermediário entre a paz e a guerra que passou a ser conhecido como Não-guerra. Em palestra ministrada na ESG, em 25 de abril de 2012, o Secretário de Defesa norte-americano Leon E. Panetta ao analisar a conjuntura internacional, declarou que: Os desafios internacionais de segurança que nos confrontam ainda são muito reais e ameaçadores. Ameaças transnacionais como extremismo violento, o comportamento desestabilizante de nações como Irã e Coreia do Norte, nós vemos agora poderes emergentes no Pacífico Asiático e vemos contínuas turbulências no Oriente Médio e no Norte da África. Ao mesmo tempo, estamos lidando com a natureza mutante da guerra, a proliferação de armas e materiais letais e a crescente ameaça da invasão cibernética. Creio que o ciberespaço é, de muitas maneiras, um campo de batalha em potencial do futuro. E, aqui neste continente, enfrentamos o tráfico ilícito de drogas e desastres naturais (Informação verbal). Dessa feita, podemos conceituar o ambiente de Não-guerra como um estado das relações internacionais, intermediário entre a Paz e a Guerra, onde as ações soberanas de uma Nação sofrem graves restrições ou hostilidades que impedem ou dificultam, sobremaneira, a execução de suas Políticas Nacionais, obrigando-a a empregar seu Poder Nacional, inclusive o militar, na solução desses óbices. 31 4 RESTRIÇÂO À LIBERDADE DE AÇÃO DO ESTADO EM UM AMBIENTE DE NÃOGUERRA Interesses País A “Cada qual é artífice da própria fortuna.” (Júlio César) Em qualquer situação, o emprego do componente militar sempre teve como limitador o fator econômico. Desde a antiguidade, os governantes sempre tiveram na manutenção de seus exércitos uma constante fonte de preocupação, em função da imensa quantidade de recursos necessários ao seu preparo e emprego. As nações mais ricas, na maioria das vezes, tinham os exércitos mais poderosos e podiam se engajar em conflitos prolongados sejam eles em um ambiente de não-guerra ou de guerra. Dessa forma, a solução do conflito onde ocorria preponderantemente o emprego do Poder Militar tinha, invariavelmente, duas soluções: a destruição do inimigo nos campos de batalha ou a sua exaustão econômica que não lhe permitia mais prosseguir na luta, forçando-o a uma paz desvantajosa ou até mesmo humilhante. Paralelamente a isso, as articulações políticas e as ações diplomáticas tinham por finalidade isolar o oponente e angariar aliados e simpatizantes. A opinião pública, embora sofresse com as agruras da guerra, era facilmente manipulada em função do controle rígido das informações dos campos de batalha. Com a Guerra do Vietnã, a televisão invadiu os lares norte-americanos e mostrou, em horário nobre, os horrores daquele conflito, o que causou uma tremenda reação na população que pode acompanhar, praticamente ao vivo e a cores, os combates e o cenário de destruição e morte causado pelos combates. Tal fato impactou profundamente a opinião pública, forçando-a a se posicionar contra a decisão do governo em continuar a luta. A partir de então, a conquista do apoio da opinião pública passou a ser tão decisivo para o sucesso de qualquer campanha quanto os custos de sua manutenção. 32 4.1 FÓRMULA DE BEAUFRE O Gen Beaufre idealizou a fórmula E = KFYT para definir a melhor estratégia (E= impulso estratégico) a ser adotada em função da Liberdade de ação (K), das Forças Materiais (F), das Forças Morais (Y) e do Tempo (T). A fórmula de Beaufre deve ser entendida não como uma equação matemática, mas sim como uma relação entre os fatores que condicionam a Estratégia a ser adotada. 4.1.1 Liberdade de ação (K) É a autonomia de que desfruta um Estado para adotar um método de estratégia para a solução de um conflito. Esta autonomia varia em função dos seguintes aspectos: - Aprovação ou reprovação da comunidade e organismos internacionais; - Opinião pública interna; - Opinião pública externa; - Entidades não governamentais etc. A liberdade de ação poderá ditar condicionantes a estratégia militar a ser empregada, alterando o ritmo a imprimir às operações; a intensidade e extensão da violência; o emprego de força aérea e/ou de mísseis estratégicos; imposição ou não de bloqueio naval; adoção áreas restritas, dentre outras. 4.1.2 Forças Materiais (F) As Forças materiais são representadas por todos os meios de que dispõe a nação para a condução de sua estratégia, destacando-se a Expressão Militar e estão diretamente relacionadas aos custos das operações militares e a manutenção das tropas. 4.1.3 Forças Morais (Y) As Forças Morais são, basicamente, a expressão psicossocial, secundada pela expressão política do Poder Nacional. 33 4.1.3 Tempo (T) O tempo pode ser interpretado como o prazo disponível de que dispõe o Estado para o atingimento de seus objetivos e, também, o momento adequado para a aplicação da estratégia, de modo a aproveitar uma vulnerabilidade ou deficiência do oponente. Em um mundo cada vez mais globalizado as informações fluem de forma instantânea e se universalizam como um rastilho de pólvora, provocando na opinião pública manifestações de apoio, de indignação ou de indiferença ante a informação divulgada. Com efeito, a partir da queda do muro de Berlim, o fator “K” adquiriu preponderância sobre os demais, uma vez que a liberdade de ação dos Estados está condicionada, principalmente, a reação da opinião pública e da comunidade internacional. Desta forma, o emprego do poder militar em um ambiente de não-guerra requer, necessariamente, que seja precedido de uma preparação da opinião pública interna e externa, de modo a angariar simpatia ou, no máximo, indiferença à causa propugnada. Tal preparação passa, com algumas variações, por etapas, onde se procura incutir na população, por meio da propaganda maciça, um clima favorável à ação pretendida, explorando, de acordo com a conveniência desejada argumentos como: - Justiça da causa. - Defesa da liberdade, da democracia, da liberdade de escolha etc... - Combate ao terrorismo, ao narcotráfico etc.. - Proteção às minorias, ao meio ambiente, aos direitos humanos etc.. A conquista de corações e mentes deve ser cuidadosamente planejada de modo a respaldar a ação militar antes, durante e depois das operações junto a todos os públicos envolvidos, inclusive à opinião pública adversária. 34 5 RESTRIÇÕES À APLICAÇÃO DO PODER MILITAR EM UM AMBIENTE DE NÃOGUERRA NO EXTERIOR "O tempo é o único bem totalmente irrecuperável. Recupera - se uma posição, um exército e até um país, mas o tempo perdido, jamais." (Napoleão Bonaparte) O agravamento da Crise pode dar ensejo ao emprego do Poder Militar como último argumento do Estado e já como prelúdio de um conflito armado de maiores proporções em um ambiente de guerra convencional. O engajamento dos meios militares na crise deve ocorrer de forma gradativa para Figura Nr 10 : Invasão do Iraque - Bombardeio a centro de gravidade Iraquiano Fonte: Wikipedia (2012) permitir uma avaliação por ambas as partes das consequências que poderão advir da escalada do conflito; e da aceitação deste pela comunidade internacional . Dessa maneira, a condução das operações militares deve ser feita de forma criteriosa de modo a não permitir a exploração pelo oponente de ações mal planejadas ou executadas. Assim, cresce de importância a atividade de inteligência de modo a detectar os diferentes centros de gravidade9 do Poder Nacional adversário, de modo a permitir a sua neutralização. 9 Centro de gravidade é o ponto no organismo do Estado adversário (militar, político, territorial, econômico ou social) que caso seja conquistado, ou o inimigo dele perca o efetivo controle, toda sua estrutura de poder desmoronará. O conhecimento do centro de gravidade condiciona o objetivo ou os objetivos militares, que devem ser escolhidos. (EB, Manual de Estratégia, C-124-1, 2004) 35 Entretanto, por se tratar, ainda, de um ambiente de não-guerra, a escolha dos alvos deve, inicialmente, recair sobre objetivos militares, como bases aéreas, centros de comando e controle, instalações logísticas, concentrações de tropas e navios dentre outras. Somente em casos extremos a infra-estrutura civil de apoio à população deverá ser atingida. Esta tem de ser preservada ao máximo de modo a atenuar os impactos humanitários da operação militar. Figura Nr 11: Retorno dos militares mortos no Haiti Fonte: Wikipedia (2012) As ações deverão ser bem planejadas, além de serem pontuais e primarem pela precisão de modo a se evitar danos colaterais em relação à população civil, cujos efeitos negativos serão explorados pelo adversário e poderão influir na opinião pública interna e externa, alterando sua posição em relação ao conflito. As Operações militares deverão ser bem planejadas de modo a minimizar as baixas tanto de civis quanto de militares que podem minar o apoio interno e externo à ação do Estado. A opinião pública deverá ser preparada para esses reveses por meio de Operações Psicológicas. Tais operações têm por finalidade fortalecer o apoio já existente, conquistar os indecisos e minar a resistência dos oponentes. 36 Essas campanhas devem ser realizadas, também, junto à população adversária para dissociá-la de suas lideranças e criar um clima hostil à resistência e favorável as nossas forças. Outro fator importante e limitador da liberdade de ação do Estado são os custos da operação. Desde os ataques terroristas de 11 setembro de 2001, os Estados Unidos já destinaram mais de U$ 1,1 trilhão para operações militares no Afeganistão, Iraque e em outros países do mundo, segundo um recente relatório divulgado pelo Congresso americano. O valor leva a “guerra contra o terrorismo”, iniciada na gestão George W. Bush (2001-2009), ao segundo lugar em gastos, atrás apenas da II Guerra Mundial (1939-1945), quando os custos alcançaram 36% do PIB dos EUA. O relatório sob o título “Custo das Principais Guerras dos EUA”, feito pelo Serviço de Pesquisas do Congresso, compara os custos das guerras ao longo de mais de 230 anos, desde a Revolução Americana. A II Guerra custou US$ 4,1 trilhões, em valores atuais, apesar de, na época, ter custado US$ 296 bilhões. Hoje, a guerra ao terror custa 1% do PIB americano. O especialista em Políticas de Defesa e Orçamento e, também, autor do relatório Stephen Daggett admite que a comparação entre vários períodos pode ser problemática, principalmente levando em conta a grande diferença de preços de uma época para outra e os avanços tecnológicos, que tendem a encarecer os confrontos. Mesmo assim, o valor total da guerra ao terror pode ser ainda mais significativo, já que uma estimativa aponta que em 2017, o custo de todas as operações estará em torno de US$ 2,4 trilhões, mais do que o dobro do valor atual. De acordo com o estudo, as estimativas dos custos das operações militares não refletem os custos de benefícios dos veteranos, juros sobre a dívida relacionada à guerra ou assistência aos aliados. Elas são baseadas em dados do orçamento do governo federal e calculadas com base no dólar do ano em curso (ÍNDICE DE TRANSPARÊNCIA, 2012) Tentando minimizar tal impacto em seu orçamento, os EUA, maior potência econômica e militar do planeta, verificou a necessidade de cortar gastos militares da ordem de 487 bilhões de dólares nos próximos 10 anos, sem, no entanto, perder sua capacidade de intervenção global. Tudo isso está acontecendo em um momento nos Estados Unidos em que também enfrentamos um déficit recorde e uma dívida recorde. A Defesa tem um papel a desempenhar para ajudar a reduzir esse déficit, mas eu não creio, como alguém envolvido em questões orçamentárias ao longo de grande parte da minha carreira em Washington – eu não creio que tenhamos que escolher entre a segurança nacional e a segurança fiscal, e por essa razão, os chefes de todos os nossos serviços no Pentágono, o chefe do Estado Maior, todos os nossos secretários foram envolvidos um esforço para projetar uma estratégia para as forças de defesa dos Estados Unidos para o futuro (PANETTA, 2012). 37 Em função da crise econômica mundial, países como o Brasil, EUA, Alemanha, França, Reino Unido e Índia reduziram seu orçamento militar em 2011, na tentativa de controlar suas finanças públicas. No caso específico do Brasil, os sucessivos contingenciamentos do orçamento militar reduziram os recursos destinados a investimentos, que foram utilizados para o reforço do caixa do governo, visando o controle da economia; e para a aplicação em áreas sociais. A atual situação de gastos com a Defesa do Brasil pode melhor ser entendida quando comparamos a situação do país com emergentes e desenvolvidos. Figura Nr 12: Relação entre os efetivos militares e Produto Interno Bruto Fonte: Eduardo Siqueira Brick O Poder potencial brasileiro, bem como seu papel político, econômico e estratégico no cenário internacional requer um aumento no investimento em Defesa, na ordem de aproximadamente 1% do PIB, de modo a adequar o aparato de defesa do país aos desafios do século XXI. 38 Figura Nr 13: Percentual de gastos com defesa e Produto Interno Bruto Fonte: Eduardo Siqueira Brick Entretanto, até que os recursos adequados sejam destinados à defesa as FFAA terão que se adequar a essa nova realidade orçamentária que, apesar da nova Estratégia Nacional de Defesa (END), não deverá ser alterada em médio prazo. Assim, a opinião pública e a limitação de recursos são os fatores que mais limitam o emprego das FFAA em um ambiente de não-guerra, condicionando a decisão política e as estratégias a serem desenvolvidas. 39 6 CAPACITAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO PARA ATUAÇÃO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR Qualquer país que tenha um Poder Potencial equivalente ao do Brasil, expresso pelas suas dimensões população, produto interno bruto e território, não pode abrir mão de um Poder Efetivo para atuar no cenário internacional. Um pré-requisito para o Poder Efetivo é possuir capacidade militar e capacidade científica, tecnológica e industrial de ponta, compatível com a de outros atores de porte equivalente no Sistema Internacional. (Brick, 2005). No entanto, para se ter a capacidade de projeção e de intervenção em um ambiente de não-guerra, há necessidade de se dotar o Poder Militar de alto grau de agilidade, flexibilidade, rápida capacidade de mobilização e tecnologia avançada. Investimentos em novas tecnologias como inteligência, vigilância e reconhecimento, sistemas não-tripulados, espaço, ciberespaço, operações especiais e a capacidade de mobilização rápida quando necessário, são imprescindíveis. Tais fatores, aliados a um adequado adestramento dos quadros deverão ser buscados desde os tempos de paz, haja vista que, à medida que ocorrer a escalada do conflito, as portas para aquisição de Material de Emprego Militar (MEM) e o acesso às tecnologias sensíveis se fecharão, e não haverá tempo para o aprimoramento e/ou a transformação da estrutura militar de paz para a de guerra, já que a crise poderá vir a requerer emprego imediato dos meios militares, os quais não poderão ser improvisados. Para tanto, a Política de Defesa Nacional (PDN) estabelece as seguintes diretrizes estratégicas: I - manter forças estratégicas em condições de emprego imediato, para a solução de conflitos; II - dispor de meios militares com capacidade de salvaguardar as pessoas, os bens e os recursos brasileiros no exterior; III - aperfeiçoar a capacidade de comando e controle e do sistema de inteligência dos órgãos envolvidos na Defesa Nacional; IV - incrementar a interoperabilidade entre as Forças Armadas, ampliando o emprego combinado; V - aprimorar a vigilância, o controle e a defesa das fronteiras, das águas jurisdicionais e do espaço aéreo do Brasil; VI - aumentar a presença militar nas áreas estratégicas do Atlântico Sul e da Amazônia brasileira; XXIII - dispor de capacidade de projeção de poder, visando à eventual participação em operações estabelecidas ou autorizadas pelo Conselho de Segurança da ONU; 40 XXVI - participar crescentemente dos processos internacionais relevantes de tomada de decisão, aprimorando e aumentando a capacidade de negociação do Brasil (BRASIL,2005). Como compatibilizar, então, a necessidade de Forças Armadas modernas, adequadas às necessidades do Estado com a restrição de recursos imposta pelas conjunturas interna e externa. Sem dúvida alguma, este é um dilema que atormenta os planejadores militares, mas sua solução passa pela otimização e priorização do emprego dos recursos, evitando a duplicidade de esforços. Neste contexto, a Estratégia Militar de Defesa do Brasil, apoiada no tripé reorganização - rearticulação – indústria de defesa, indica o caminho a ser seguido pelo país para preparar adequadamente suas FFAA para os desafios que se apresentam no cenário internacional. Entretanto, a PDN e a END estão condicionadas a existência de recursos orçamentários necessários à sua implementação. O Brasil possui o 11º orçamento militar do planeta mas cerca de 80% desses recursos são gastos com o pagamento de pessoal, 13,7% em custeio e apenas 6,3% em investimentos. Em um quadro como esse, como é possível aumentar os investimentos em FFAA, sem aumentar os repasses do orçamento? A resposta está na adoção de medidas que visem diminuir os efetivos e readequar as variadas atividades assistencialistas (serviços médicos e auxilio policial) que fogem da sua função. Assim, as FFAA necessitariam passar por uma profunda reforma em sua estrutura, efetivos e organização que visem ao: - Abandono de todas as funções assistencialistas e transferência de pessoal, ativos e parte do orçamento para outros órgãos governamentais. - Redução drástica de pessoal (entre 60% e 70%) dentro de um programa de longo prazo para reduzir as despesas de pessoal (tanto da ativa como aposentados), envolvendo principalmente: - Fim do serviço militar obrigatório, por sua ineficácia do ponto de vista militar. Poderia ser substituído por serviços sociais obrigatórios sem nenhum envolvimento das forças armadas - Oferecer o ingresso nas forças armadas por contrato de tempo limitado. - Redução do quadro de militares de carreira ao mínimo indispensável, porém com a valorização da carreira, através de melhores salários (GASTOS, 2012) 41 Sem a adoção de profundas mudanças em suas estruturas, as FFAA não conseguirão realizar os investimentos necessários à sua modernização de modo a atender os desafios que se descortinam no cenário internacional. 42 7 AMPARO LEGAL PARA A APLICAÇÃO DO PODER MILITAR BRASILEIRO EM UM AMBIENTE DE NÃO-GUERRA NO EXTERIOR A ausência de litígios bélicos manifestos, a natureza difusa das atuais ameaças e o elevado grau de incertezas, produto da velocidade com que as mudanças ocorrem, exigem ênfase na atividade de inteligência e na capacidade de pronta resposta das Forças Armadas, às quais estão subjacentes características, tais como versatilidade, interoperabilidade, sustentabilidade e mobilidade estratégica, por meio de forças leves e flexíveis, aptas a atuarem de modo combinado e a cumprirem diferentes tipos de missões (BRASIL, 2008). O emprego das Forças Armadas brasileiras na solução de conflitos externos em um ambiente de não-guerra encontra previsão legal em diversos dispositivos a começar da própria Constituição Federal de 1988, que, prevê que: Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: I - independência nacional; II - prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos; ............................................................ ............................................................ VI - defesa da paz; ........................................................... VIII - repúdio ao terrorismo e ao racismo; ........................................................... (BRASIL, 1988). No entanto, a Lei nº 2.953, de 17 de novembro de 1956, é a única norma no direito interno que se refere ao envio de tropa ao exterior em tempo de paz, condicionando o envio à autorização do Congresso Nacional. A partir da publicação da PDN e da END, em 2005 e 2008, respectivamente, surgiram novos diplomas legais que passaram a estabelecer objetivos e diretrizes para o emprego das Forças Armadas que contemplam seu emprego também em um ambiente de não-guerra em defesa dos interesses brasileiros. Em sua introdução, a PDN alerta que o Brasil, com seu imenso potencial, enfrentará disputas e antagonismos ao buscar alcançar seus legítimos interesses, definindo a Defesa Nacional como um “conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses 43 nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas” (BRASIL, 2005). A imprevisibilidade das relações internacionais torna mais difícil antever cenários que permitam uma preparação prolongada. Em função disso, as FFAA deverão estar permanentemente preparadas para atuar em um mundo onde se renovaram conflitos de caráter étnico e religioso, a exacerbação de nacionalismos e a fragmentação de Estados, com um vigor que ameaça a ordem mundial. Neste século, poderão ser intensificadas disputas por áreas marítimas, pelo domínio aeroespacial e por fontes de água doce e de energia. Tais questões poderão levar a ingerências em assuntos internos, configurando quadros de conflito. Dessa forma, torna-se essencial estruturar a Defesa Nacional de modo compatível com a estatura político-estratégica para preservar a soberania e os interesses nacionais em compatibilidade com os interesses da nossa região. Assim, da avaliação dos ambientes descritos, emergem objetivos da Defesa Nacional: I - a garantia da soberania, do patrimônio nacional e da integridade territorial; II - a defesa dos interesses nacionais e das pessoas, dos bens e dos recursos brasileiros no exterior; III - a contribuição para a preservação da coesão e unidade nacionais; IV - a promoção da estabilidade regional; V - a contribuição para a manutenção da paz e da segurança internacionais; e VI - a projeção do Brasil no concerto das nações e sua maior inserção em processos decisórios internacionais (BRASIL, 2008). A PDN prevê, também, que o Brasil poderá atuar nos seguintes cenários de nãoguerra: - Em um conflito de maior extensão o país poderá participar de arranjo de defesa coletiva autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU. - No gerenciamento de crises internacionais de natureza político-estratégica, o emprego das Forças Armadas poderá ocorrer de diferentes formas, de acordo com os interesses nacionais. - Com base na Constituição Federal e nos atos internacionais ratificados, que repudiam e condenam o terrorismo, é imprescindível que o País disponha de estrutura ágil, capaz de prevenir ações terroristas e de conduzir operações de contraterrorismo (BRASL, 2008). 44 8 CONCLUSÃO “A melhor estratégia consiste em se ser sempre muito forte. Primeiramente de um modo geral e, depois, no momento decisivo”. (Clausewitz) As relações internacionais sempre foram pautadas por choques de interesses. Para minorar os conflitos, as nações firmaram tratados e se filiaram a organismos internacionais que atuam como garantidores da legalidade. Entretanto, alguns países, por vezes e a despeito dos organismos internacionais, propositadamente criam e manobram crises que tem por objetivo respaldar sua intervenção unilateral em estados mais fracos. Tais intervenções ocorrem em um ambiente de não-guerra e sofrem restrições principalmente em função da opinião pública e da limitação econômica que limitam e condicionam a ação do Estado e a condução das operações militares, conforme sistematizado pela fórmula do Gen Beaufre. O ambiente de não-guerra caracteriza-se por ser um estado intermediário entre a paz e a guerra, onde as relações entre os países envolvidos em uma crise se encontra abalada e conflituosa. As FFAA brasileiras precisam desenvolver capacidades, previstas na PDN e na END, de modo a adequá-las a atuar neste novo ambiente que pautará as relações internacionais no século XXI. Para tanto, a legislação brasileira não só oferece o amparo legal a ação das FFAA em crises externas em um ambiente de não-guerra, como determina medidas que possibilitem seu emprego nessas situações. Finalmente, este trabalho procurou mostrar, também, que a escassez de recursos, mais cedo ou mais tarde, provocará profundas mudanças na estrutura militar que, se assim não proceder, não lhe permitirá cumprir seu principal papel que é a defesa dos interesses brasileiros neste mundo novo que se apresenta ao País. 45 REFERÊNCIAS AMORIM, Celso. A política de defesa de um país pacífico. Rio de Janeiro : Escola Superior de Guerra, 2012, Integra do discurso do Ministro da Defesa do Brasil Celso Amorim, proferido na Escola de Guerra Naval no dia 9 mar. 2012. Disponível em: http:// seguro.esg.br/intranet/palestras/caepe/2012/20120309%2--%20Aula%20Magna%20%20Ministro%20-%da%20Defesa%20Celso%20Amorim.pdf . Acesso em: 27 mar. 2012. A política de Defesa dos EUA. 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