ETNOBOTÂNICA COMO SUBSÍDIO PARA O ENSINO DE CIÊNCIAS NO
MUNICÍPIO DE SERRA PRETA
NATALINA SOUZA SILVA (BOLSISTA PROBIC/UEFS)
ALESSANDRA ALEXANDRE FREIXO (PROFESSORA DO DEPARTAMENTO
DE EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA)
Introdução
As práticas fitoterapêuticas utilizadas desde Antiguidade até os dias atuais estão
interligadas com os acontecimentos históricos que caracterizam cada época, cada povo,
cada cultura. Nessa época, visando o melhor tratamento, vários meios foram utilizados
para curar os males que acometiam as pessoas, dentre os quais, o chá, preparado com
erva medicinal e as substâncias produzidas pela própria natureza como a própolis.
(ARAUJO, 2002).
De acordo com Alencar (2012) as farmacopéias tradicionais constituem um rico
acervo de conhecimento teórico e prático sobre plantas, animais e até mesmo de
substâncias inorgânicas com a função de tratar, mitigar e/ou curar doenças em
comunidades humanas em todo o mundo.
É válido salientar que a apreensão dos saberes e práticas fitoterápicas, na sua
grande maioria, ocorrem por meio da oralidade, da imitação e da observação, devido ao
pouco acesso dos conhecedores dos potenciais fitoterapêuticos à educação formal, pois
geralmente são analfabetos. Com isso, as pessoas que recorrem aos conhecimentos
tradicionais para tratamento das diferentes patologias que acometem as comunidades
ainda são vistas pela sociedade como pessoas retrógradas, primitivas, que ficaram à
margem do progresso tecno-científico observado no Brasil e no mundo nas últimas
décadas. Mas, isso não impede que esses sujeitos realizem observação sistemática de
fenômenos biológicos de forma tão perspicaz quanto os cientistas (OLGUIN et al 2007).
É importante destacar que, de acordo com Baptista (2010), os conhecimentos
tradicionais são expressos e sistematizados por meio de mitos, rituais, narrações de
caráter oral e práticas. Assim, as práticas fitoterapêuticas observadas nas comunidades
rurais fazem parte de um vasto conhecimento tradicional.
De acordo com Santos et al. (2005) inúmeras são as discussões sobre os limites do
currículo institucionalizado pelo paradigma positivista, especialmente por apresentar a
realidade social como simples, desconsiderando a heterogeneidade cultural, a
pluralidade das experiências e do conhecimento vivenciados pelos sujeitos. Fato esse,
que limita um olhar complexo sobre o movimento dos atores sociais no contexto
sociocultural.
Conforme Baptista (2010) sendo as salas de aula espaços multiculturais, os
professores de ciências necessitam, é claro, estarem atentos às diversas concepções
prévias dos estudantes, para que possam direcionar as suas aulas às necessidades destes
indivíduos e das sociedades onde vivem. Assumindo esta postura os professores estarão
facilitando o processo de ensino e aprendizagem, tornando-o contextualizado, próximo
da realidade dos alunos.
O ensino de ciências - se baseado na supervalorização dos saberes científicos em
detrimento dos saberes tradicionais - pode conduzir os estudantes a conflitos entre as
explicações científicas e as explicações oriundas dos seus meios socioculturais. Essa
desvalorização dos conhecimentos prévios levados pelos alunos para a sala de aula está
diretamente relacionada com a história de formação e o tipo de colonização do Brasil
(BAPTISTA 2010).
O diálogo entre saberes no ensino de ciências constitui uma prática docente
culturalmente apropriada, na medida em que pode contribuir para que o estudante
perceba que a ciência não representa o único caminho de acesso ao conhecimento, bem
como poderá permitir que ele pense e reflita criticamente sobre os diferentes saberes e
modos de conhecer, e as diferenças entre eles (BAPTISTA, 2007).
Tomando estes referenciais como ponto de partida, investigamos junto aos
moradores mais antigos da comunidade quais conhecimentos populares sobre as plantas
medicinais tinham construído ao longo do tempo, analisando os diferentes aspectos que
influenciam nestas práticas tradicionais. Outro aspecto pertinente investigado neste
trabalho foi como os conhecimentos remanescentes de um estrato restrito da população
rural serrapretense são mantidos e reproduzidos no seio destas comunidades.
Metodologia
A abordagem antropológica presente neste trabalho o aproxima dos princípios da
pesquisa etnográfica, considerando que, numa perspectiva mais ampla, etnografia “é o
estudo da cultura”. A etnografia baseia-se suas conclusões nas descrições do real
cultural que lhe interessa para tirar delas os significados que têm para as pessoas que
pertencem a essa realidade. A função do etnógrafo “não é tanto estudar a pessoa, e sim
aprender das pessoas”. (TRIVIÑOS, 1987, p.121).
Os sujeitos de estudo foram moradores antigos de comunidades rurais do
município de Serra Preta, que possuem conhecimentos tradicionais relativos às plantas
medicinais. Contamos com a participação de cinco indivíduos, entre homens e
mulheres, com idade entre 50 e 74 anos. O critério utilizado para a escolha dos
participantes nesta pesquisa foi de acordo com a indicação do presidente da associação
comunitária dos moradores da comunidade analisada, considerando que ele conhece as
pessoas que ainda utilizam desta prática na comunidade.
O método utilizado na coleta de dados foi a entrevista semiestruturada com os
moradores antigos das comunidades rurais do município de Serra Preta, visando obter
informações sobre como essas pessoas adquiriram seus conhecimentos sobre as plantas
medicinais, como é a relação destes com as novas gerações, e como essas plantas podem
ser utilizadas.
Resultados
Analisando a narrativa dos cinco entrevistados das comunidades rurais, observase alguns aspectos importantes como a maior aproximação das mulheres com a casa,
assim a maioria das plantas que forma citadas pelas entrevistadas são encontradas nos
quintais geralmente ou no fundo de suas casas ou logo em frente próximo da porta.
Dessa forma, as plantas que são cultivadas demandam de cuidado maior como molhar
periodicamente, fazer mudas para disponibilizar espaço para o desenvolvimento das
plantas, processo conhecido na fisiologia vegetal como desbaste. Outro aspecto
importante que apareceu na fala das entrevistadas é um conhecimento maior sobre as
plantas medicinais que são usadas no tratamento de doenças afetam apenas as mulheres
em relação aos homens.
Por outro lado os homens detém o conhecimento sobre as propriedades das
plantas que são encontradas no mato, no campo ambiente que ficam afastados de casa.
São plantas que não necessitam de cuidado rigoroso e diário como as plantas que são
cultivadas nos quintais de casa.
Os entrevistados reconhecem que houve uma redução no uso das plantas
medicinais no processo de regeneração da saúde devido principalmente ao acesso das
pessoas ao serviço de saúde tradicional, contudo isso não reduz a legitimidade que dão a
esta prática, tanto que em muitos casos optam pelo uso das plantas medicinais ao invés
dos medicamentos sintéticos. Procuram passar os conhecimentos que possuem para
filhos e netos na tentativa de preservar esses saberes, contudo nem sempre tem sucesso
nesta missão em virtude principalmente do desinteresse dos jovens. Outra discussão
presente na narrativa dos entrevistados, homens e mulheres, é a influência do ambiente
no cultivo das plantas medicinais, pois muitas espécies não resistem ao tempo seco e as
altas temperaturas e desaparecem prejudicando as práticas fitoterápicas. Como afirma
Alencar (2012) populações tradicionais podem utilizar diferentes artifícios para
identificar plantas com possíveis ações medicinais, porém, independente do artifício
utilizado pelas comunidades, existe uma possibilidade de opções de plantas disponíveis
para seleção, o fator determinante para a seleção de plantas para compor uma
farmacopéia seria o ambiente no qual a comunidade está inserida.
Considerações finais
Os velhos dos povoados de Serra Preta que foram estudados resistem aos
“encantos da ciência” moderna e continuam realizando suas práticas fitoterápicas
Continuam plantando e cultivando seus remédios do mato, e procurando disseminá-las
entre os grupos mais jovens da comunidade, reafirmando a eficácia dos remédios do
mato por meio do seu uso frequente, mesmo tendo acesso ao serviço de saúde
convencional e através de caso vivenciados e observados. Os entrevistados reconhecem
que houve uma redução significante no uso das práticas fitoterapêuticas na comunidade
e atribuem ao fato das pessoas atualmente terem acesso aos serviços da medicina
ocidental, diferentemente do que era observado há algumas décadas, em que as pessoas
menos favorecidas financeiramente só tinham como opção de assistência a saúde as
plantas medicinais.
É neste cenário que o ensino de ciências tem de intervir, buscando formas de
resgatar e validar os conhecimentos tradicionais dos alunos, objetivando estabelecer um
diálogo entre os saberes científicos e tentando quebrar essa relação de hierarquização e
antagonismo observado nessas diferentes formas conhecimentos e visões de mundo.
Referências
ALENCAR, Nélson Leal. Farmacopéias Tradicionais: O papel das plantas
medicinais na sua constituição, formação e manutenção em comunidades da
Caatinga. 2012. f.129 Tese (Doutorado em Botânica) - Universidade Federal de
Pernambuco, Recife.
ARAÚJO, Melvina. Das Ervas Medicinais à Fitoterapia. 2002.
LOPES,Gisele Aparecida Dionísio. FELICIANO, Luciana Maria. DINIZ, Renato
Eugênio da Silva. ALVES, Maria José Queiroz. Plantas Medicinais: indicação popular
de uso no tratamento de hipertensão arterial sistêmica (has). Revista Ciência em
Extensão, São Paulo v.6, n.2, p.143, 2010.
BAPTISTA, Geilsa C. S. A contribuição da Etnobiologia para o Ensino e a
Aprendizagem de Ciências: Estudo de caso em uma Escola Pública do estado da
Bahia. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia e História das Ciências) 220 f.
2007. Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana.
BAPTISTA, Geilsa C. S. Importância da Demarcação de Saberes no Ensino de Ciências
para Sociedades Tradicionais. Ciência & Educação, v.16, n.3, p.679-694. 2010.
TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à Pesquisa em Ciências Sociais: A pesquisa
Qualitativa em Educação. Ed. Atlas S. A. São Paulo, 1987.
Download

etnobotânica como subsídio para o ensino de ciências