A PESSOA DO TERAPEUTA
Natália Sant´ana Massaro1
RESUMO:
Este artigo trata de alguns aspectos da experiência na Residência de Clinica e Saúde no Ceps-Unifil-Londrina
durante o ano de 2011. Dentro de uma visão psicanalítica contemporânea – especialmente a winnicottiana – será
abordada a singularidade do psicólogo, bem como algumas habilidades que este poderá desenvolver, no sentido de
proporcionar um ambiente facilitador e holding adequados aos pacientes, encaminhados pelos SUS ou vindos da
comunidade. O objetivo é transmitir aos graduandos e graduados as particularidades dessa vivência – verdadeiro
“laboratório” de aprendizagem prática. São citadas questões como: o olhar do terapeuta, sua escuta, o exercício da
paciência e igualmente o controle da ansiedade pela urgência de fechar um psicodiagnóstico. É abordada a maneira
pela qual alguns autores contemporâneos lidam com a contratransferência, relembrando também o tripé para uma
boa prática da psicanálise, levando sempre em consideração a subjetividade de cada profissional de psicologia.
PALAVRAS-CHAVE: singularidade, habilidades, aprendizagem, contratransferência.
ABSTRACT:
In this article I bring some aspects of the experience at the Residence of Clinical and Health Ceps-UNIFIL-London
during 2011. Within a contemporary psychoanalytic view - especially Winnicott - will look at the uniqueness of
the psychologist as well as some skills that you develop, in order to provide an enabling environment and
appropriate for holding patients referred by SUS or from the community. The aim is to convey to undergraduates
and graduates the particularities of this experience - true "laboratory" for learning by doing. Issues are cited as the
gaze of the therapist, his hearing, and the exercise of patience and also the management of anxiety by the urgency
of closing a psycho. It addressed the manner in which some contemporary authors deal with countertransference,
recalling also the tripod for good practice of psychoanalysis, always taking into account the subjectivity of each
professional psychology.
KEYWORDS: uniqueness, skills, learning, countertransference
Em se tratando da pessoa do terapeuta ou do terapeuta como pessoa, muitos aspectos
podem ser abordados. Em linhas gerais, sua singularidade – idiossincrasia – influencia
fortemente o decurso do processo terapêutico. Assim sendo, se faz necessário que este possua
ou busque desenvolver alguns atributos pessoais, tais como: o não preconceito ou uso de
dogmas, uma atitude respeitosa pelo seu paciente, a tolerância, acolhida, uma boa escuta, dentre
muitos outros.
1
Psicóloga. Residência em clínica e saúde - Ceps-Unifil-Londrina-Pr
Neste artigo, dentro de uma visão psicanalítica contemporânea – em especial a
winnicottiana – serão abordadas algumas dessas habilidades que tem como objetivo facilitar o
atendimento dos pacientes encaminhados pelo SUS e igualmente aqueles que vêm da própria
comunidade para serem cuidados na Residência Clinica e da Saúde pertencente ao Ceps-UnifilLondrina.
A intenção é transmitir aos graduandos de psicologia e igualmente aos profissionais já
atuantes, algumas peculiaridades da vivência nessa Instituição, uma vez que se torna possível
compará-la a um verdadeiro “laboratório” em função da vasta experiência adquirida, frente à
extensa carga horária e as particularidades dos casos ali apresentados.
No inicio dos atendimentos, diante da grande demanda e dos complexos relatos
trazidos pelos pacientes, o que parece se sobressair é uma constante insegurança do psicólogo,
aliada à incerteza do manejo adequado. Nesses momentos é comum os residentes serem
dominados por inquietações, traduzidas pela angustia do “não saber”. A sensação comum é de
desamparo diante da realidade e da responsabilidade de se ter um registro no Conselho
Regional de Psicologia e se ver totalmente responsável pelo exercício dessa profissão. Dentro
desse contexto, é possível perceber o quanto se torna indispensável o apoio do supervisor, do
analista pessoal, bem como da teoria – sempre estudada e “reestudada” de forma interminável.
Em linhas gerais, após o encontro e antes mesmo da escuta, o terapeuta deve também
direcionar o seu olhar ao paciente, levando em consideração que o individuo só existe quando é
visto pelo outro. Além de ouvir de forma fisiológica o terapeuta deve escutar com uma função
psíquica, de forma tolerante, tentando esquecer as teorias para não correr o risco de formatar o
paciente. No desenvolvimento das habilidades pertinentes ao aprendizado dessa profissão, a
paciência contribui em muito, para que o terapeuta adquira a função de um continente
apropriado – extremamente necessário na contenção das angustias do analisando.
É bom ressaltar que a junção entre a função de continente e a empatia traz consigo
uma boa capacidade de escuta – qualidade indispensável ao terapeuta. Acrescenta-se a tudo isso
que o profissional de psicologia procure controlar a ansiedade por uma compreensão imediata
em função de um possível psicodiagnóstico. Que tolere suas frustrações, e de forma especial,
que acredite sempre na relatividade das verdades, levando em conta que estas nunca estarão
acabadas.
Como há de se verificar, também poderão ocorrer comunicações silenciosas. É
bastante produtivo entender o silêncio do paciente e comunicar-se com ele através de uma
linguagem não verbal. Saber a hora de calar ou falar – interpretar. Safra (1995) comenta a
respeito da atitude do analista que, não sendo suficientemente adequada não consegue
considerar as necessidades psíquicas do paciente. Este, por sua vez, irá reagir contrário à
invasão ocultando seu verdadeiro eu, o que impossibilita e seu resgate. Dessa forma, passa a
acorrer uma sujeição às teorias do analista, entretanto, sem que qualquer evolução aconteça.
No exercício de suas funções, o analista deve buscar transmitir aquilo que consegue
captar e compreender nas entrelinhas do relato do analisando, respeitando suas limitações do
momento. Nessa devolução deve-se considerar a maneira pela qual transmite suas impressões,
lembrando que o “como” é mais valioso daquilo “que” quer transmitir. Existem importantes
comunicações que são efetuadas de forma silenciosa. Nesse momento, o paciente pode – tal
qual o bebe winnicottiano – registrar somente sua confiabilidade.
Sabe-se que a confiança é a base da formação do vinculo terapêutico – instrumento
fundamental para o tratamento. Safra (1995) afirma que é somente através do encontro com
outro ser humano que se tem a possibilidade de entrar em contato com a própria verdade, a
evolução e simbolização da vida psíquica. Vale ressaltar que o vinculo é imprescindível, ou
seja, para que ocorra a transformação do psiquismo, a boa relação entre terapeuta e paciente é
fundamental. Esta facilita a vivência de experiências simbolizadoras, que poderão culminar
com a mudança da perspectiva de mundo do analisando bem como melhorar a sua percepção de
si mesmo. Na prática porém, a flexibilidade do terapeuta que atribui maior valor ao vinculo
terapêutico não deve ser confundida com descuido e falta de ética.
Winnicott (1983), ao abordar o desenvolvimento saudável, defende que um ambiente
favorável e acolhedor sempre oferece boas condições para que a criança se desenvolva de
maneira satisfatória. O mesmo ocorre no setting terapêutico. No Caso da residência, é sempre
necessário cuidar das condições ambientais que se encontra na Instituição para promover
melhor acolhimento.
Convém salientar que, na atualidade se observa ainda a crescente consciência do
analista em instrumentalizar sua personalidade, no sentido de valorizar e desenvolver sua
própria intuição, buscando melhor compreender o psiquismo do analisando. Esse movimento
possibilita ao psicoterapeuta um outro entendimento de sua contratransferência – considerada
atualmente por vários autores tais como: Outeiral, Zimerman e Julio de Mello Filho como uma
ferramenta de grande valor terapêutico. Ao observá-la é possível definir de maneira mais
assertiva a técnica a ser utilizada.
Outeiral (2001) aborda a questão da contratransferência salientando que, o paciente
sofredor de falhas ambientais quando ainda não existia como pessoa – fase de representação
coisa – e carente de expressão simbólica, tem o poder de fazer o analista sentir, na
contratransferência, as suas experiências passadas. O terapeuta irá experienciar em si mesmo,
aquelas ansiedades vividas pelo paciente – ódio, desamparo, desolação – quando da falha
ambiental.
Nesses momentos, é possível perceber que, além da supervisão se torna indispensável
a terapia pessoal do analista. Conforme explica Winnicott (2006), a mãe suficientemente boa só
consegue identificar-se com seu bebê, porque um dia também já ocupou este lugar. Passou
pelas fases de desenvolvimento e foi adquirindo autonomia de forma gradativa. Quando criança
brincou de ser bebê, de mamãe e papai, informou-se sobre como cuidar de bebês, além de
observar e aprender com sua mãe, ou outras mães a cuidarem de seus filhos.
Como resultado dessa observação, pode-se entender que, é imprescindível ao
psicólogo ocupar o lugar de analisando e tentar obter uma boa compreensão da relação
construída no processo terapêutico para só depois, aventurar-se na caminhada de se constituir
um terapeuta. Assim como a mãe que um dia já foi bebê é interessante que o terapeuta tenha
sido cuidado por outro profissional.
Zimerman (2004) também deu uma contribuição preciosa com seu conceito de “a
pessoa real do analista”, Este se torna válido e útil na prática analítica no momento em que a
essência do terapeuta se impõe à sua aparência. Trata-se da maneira com que este profissional
lida com seus sentimentos, ideologias, sistema de valores, flexibilidade frente às necessárias
alterações em suas crenças, na forma de perceber, pensar e valorizar as verdades e
principalmente, se sente amor ou desamor pela vida e se gosta e acredita na sua profissão.
Por outro lado e conforme explica a teoria winnicottiana, o terapeuta, assim como a
mãe, também não é perfeito e comete suas falhas na relação com o paciente, entretanto,
consegue corrigi-las na medida em que vai cuidando deste. Essa adaptação, quando bem
sucedida, tem o poder de transmitir segurança ao analisando, o que leva a pensar na
necessidade de proporcionar um holding adequado à singularidade de cada paciente, bem como
funcionar como um ambiente suficientemente bom.
Os aspectos abordados neste trabalho mostraram que, a subjetividade do terapeuta se
traduz num importante diferencial em seus atendimentos, quer como residentes no Ceps-Unifil
ou em qualquer outro lugar. Alguns instrumentos citados são imprescindíveis para o bom
desempenho dessa profissão, embora seja útil lembrar sempre que a melhor ferramenta que o
psicólogo possui é a sua pessoa. Além do desenvolvimento teórico e técnico, é preciso insistir
na necessidade de se trabalhar também a questão pessoal, seguindo sempre as orientações do
pai da psicanálise quando fala do tripé para o exercício da psicanálise: teoria, supervisão e
terapia pessoal. Agindo dessa forma, o profissional de psicologia terá mais suporte para o
enfrentamento das dificuldades que poderão surgir, com a possibilidade de caminhar de forma
mais tranquila – ainda que continuamente na condição de aprendiz – pela longa e infinita
estrada do “ser terapeuta”.
REFERÊNCIAS
SAFRA, G. Momentos mutativos em psicanálise: uma visão winnicottiana. São Paulo: Casa
do psicólogo, 1995.
OUTEIRAL, J. Clinica da Transicionalidade - fragmentos da análise de uma adolescente.
Rio de Janeiro: Revinter, 2001.
PERESTRELLO, M. Cartas a um jovem psicanalista. Rio de janeiro: Imago, 1998.
WINNICOTT, D. Da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2000.
WINNICOTT, D. O ambiente e os Processos de Maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.
WINNICOTT, D. Os bebês e suas mães. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
ZIMERMAN, D. Manual de técnica psicanalítica: uma re-visão. Porto Alegre: Artmed,
2004.
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a pessoa do terapeuta