XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
A PESCA ARTESANAL NA COLÔNIA SÃO PEDRO (Z3),
PELOTAS, RS
STELLA MARIS NUNES PIEVE (1) ; ADALBERTO KOITI MIURA
(2) ; ANELISE GRACIELE RAMBO (3) .
1,3.PROGRAMA
DE
PÓS-GRADUAÇÃO
EM
DESENVOLVIMENTO RURAL - PGDR/UFRGS, PORTO
ALEGRE, RS, BRASIL; 2.EMBRAPA - CPACT, PELOTAS, RS,
BRASIL.
[email protected]
APRESENTAÇÃO ORAL
AGRICULTURA, MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
A PESCA ARTESANAL NA COLÔNIA SÃO PEDRO (Z3), PELOTAS, RS
Grupo de Pesquisa: 6 - Agricultura, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável:
Coordenação: Flávio Borges Botelho - UNB
Resumo
A colônia São Pedro (Z3) é uma colônia de pescadores artesanais localizada às margens da Lagoa
dos Patos, Pelotas, RS. O presente trabalho tem por objetivo caracterizar os pescadores artesanais
locais social e economicamente, bem como a atividade por eles praticada. A metodologia utilizada
foi o snowball sampling (cadeia de informantes) e para a coleta de dados entrevistas semiestruturadas, compostas por dois roteiros: um socioeconômico e um sobre a atividade da pesca. Os
resultados obtidos mostram que a idade média dos pescadores é de 51 anos, a renda média mensal
é de 1 a 2 salários mínimos e as principais técnicas de pesca são rede de espera e de lance. Foram
citadas 22 etnoespécies de recursos pesqueiros diferentes, dentre elas peixes e crustáceos,
entretanto os principais recursos utilizados pela comunidade são a tainha (Mugil platanus), a
corvina (Micropogonias furnieri), o bagre (Netuma barba), o linguado (Paralichthys orbignyanus)
e o camarão (Farfantepenaeus paulensis). A partir deste trabalho pode se concluir que as técnicas
de pesca utilizadas na colônia São Pedro (Z3) são restritas se comparadas ao resto do país,
entretanto fica evidente a pesca como atividade de subsistência local.
1
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
Palavras-chave: pesca artesanal, etnobiologia, subsistência.
Abstract
The São Pedro (Z3) cologne is a handmade fisherman community located at Patos Lagoon bank,
Pelotas, RS. This work has the object of characterize the handmade fisherman in social and
economic ways, as well as the fish activity as a practice. The used methodology was the snowball
sampling (chain of informers) e to the information collect semi-structure interview, composed by
two itineraries: one social and economic e one about the fisher activity. The results showed that
the middle age is 51 years, the middle income is about 1 and 2 minimum wage and main
techniques of fishing are wait net and throw net. It was mentioned 22 ethnospecies of fishing
resources, from fishes and crustaceans, however the main resources used by the community is the
tainha (Mugil platanus), the corvina (Micropogonias furnieri), the bagre (Netuma barba), the
linguado (P. orbignyanus) and the camarão (Farfantepenaeus paulensis). Since this work was
conclude that the techniques used in São Pedro (Z3) cologne were restricts if compared to the rest
of the country, however is evident that is a livelihood activity.
Key word: handmade fishing, ethnobiology, livelihood.
1 Introdução
A pesca artesanal é marcada hoje pela baixa renda do setor e drástica redução do estoque
do pescado. Devido a este motivo, o IBAMA estabeleceu o período de defeso, época em que
as espécies pesqueiras realizam seus ciclos naturais de reprodução e que, varia de acordo com a
região do país (Teixeira, 2007: 3; 6).
No estuário da Lagoa dos Patos, por estar ligado ao sul com o Oceano Atlântico,
encontramos dois períodos de defeso, um para espécies de água salgada – que vai de junho a
setembro – e, um para espécies de água doce – de novembro a janeiro.
Durante este período de defeso, todo pescador artesanal que pesca individualmente ou em
regime familiar e, pára sua atividade durante 4 meses, tem direito ao seguro desemprego (Souza,
2007: 6). Este seguro é responsabilidade do IBAMA e equivale a um salário mínimo, onde
familiares - esposa e filhos - maiores de 18 anos também podem receber, desde que não possuam
carteira assinada.
Essas dificuldades econômicas e ambientais se refletem no setor social da pesca artesanal,
justificando estudos sobre seus atores sociais - os pescadores - e os manejos de pesca por eles
utilizados - técnicas, equipamentos e percepções.
Estudos desta natureza vêem aumentando no Brasil, já que tal atividade é praticada de
norte a sul da costa brasileira e águas interiores, como é caso da Amazônia. Dentre estes podemos
citar Hanazaki (1997) em Ubatuba, litoral paulista; Pacheco (2006) em Maraú, BA; Pasquotto
(2005) em São Lourenço do Sul, RS, estuário da Lagoa dos Patos.
Este artigo tem por objetivo caracterizar a pesca artesanal na Colônia São Pedro (Z3),
estuário da Lagoa dos Patos, Pelotas, RS, discutindo o perfil sócioeconomico dos pescadores
pertencentes a esta localidade, além de descrita a principal atividade econômica local, a pesca, a
partir de observações dos próprios pescadores resgatadas através de entrevistas.
2
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
2 Material e método
A coleta de dados foi de agosto de 2006 a janeiro de 2007, totalizando 5 meses de visitas à
Colônia de Pescadores São Pedro (Z3), Pelotas, RS. O método de amostragem utilizado no
presente estudo foi o snowball sampling (Biernacki e Waldorf, 1981), também conhecido como
método bola-de-neve ou cadeia de informantes (Penrod, 2003: 101; 102).
A técnica utilizada foi a entrevista semi-estruturada, que une aspectos da entrevista
estruturada - perguntas previamente formuladas -, com aspectos da entrevista aberta ou não
estruturada – onde o tema proposto é abordado livremente (Neto, 1994: 58).
Para a caracterização sócioeconomica dos pescadores e da atividade pesqueira na Colônia
São Pedro (Z3), Pelotas, RS, foram utilizados dois roteiros de entrevistas, aplicados no mesmo
dia a cada um dos entrevistados.
O primeiro deles é composto de 70 questões relativas à fatores econômicos e sociais, tais
como, idade, situação civil, número de filhos, naturalidade, escolaridade, renda mensal e renda
mensal familiar, condições de habitação, se tem energia elétrica, se ali é feita coleta de lixo, se
possui televisão, rádio, geladeira, automóvel microondas, aspirador de pó, máquina de lavar
roupas, telefone (celular e/ou fixo), banheiro dentro de casa ou computador/internet.
No segundo roteiro de entrevista são levantadas 100 questões acerca da atividade por eles
praticada, bem como, o tempo (em anos) que pesca, como começou a pescar, com quem
aprendeu, se gosta de pescar, o que pesca, com que técnicas, quais os equipamentos que utiliza,
etc.
Estes dados foram tabulados e analisados no pacote estatístico SPSS.
3
Referencial Teórico
Em comunidades ribeirinhas, litorâneas e costeiras do Brasil, a pesca artesanal, ainda é
uma importante atividade fornecedora de renda e alimento. Entretanto, as espécies exploradas, as
estratégias de pesca empregadas e a realidade socioeconômica destes pescadores artesanais ainda
são pouco conhecidas (Silvano, 2004: 189).
Hanazaki (1997) estudou o uso de plantas, pesca e dieta alimentar em duas comunidades
caiçaras - Ponta do Almada e Praia do Camburí - em Ubatuba, litoral paulista. Neste trabalho, a
autora destaca aspectos sociais, pesqueiros e alimentares destas comunidades, destacando a
utilização de recursos naturais locais, do ponto de vista etnoecológico.
Desta maneira, Hanazaki (1997: 19; 24) definiu e comparou entre as duas comunidades
pesquisadas, as principais espécies vegetais citadas nas seguintes categorias de uso: medicinais,
alimentares, manufatura (artesanato e construção) e outros (ornamentais e alimento de pássaros) .
No Ponta do Almada, foram coletadas informações sobre o desembarque pesqueiro entre
agosto de 1995 e junho de 1996 e suas variações, as espécies capturadas, a freqüência das
pescarias e as tecnologias de pesca utilizadas (Hanazaki: 52; 53), bem como, aspectos de sua
dieta alimentar, a relação entre a produção pesqueira e peixes por eles consumidos, tabus
alimentares e o comportamento do nicho alimentar na comunidade (Hanazaki, 1997: 74).
Também no litoral de São Paulo, Clauzet et al. (2005) investiga a pesca artesanal e o
conhecimento local de duas populações caiçaras - Enseada do Mar Virado e Barra do Una. Para
tal, os mesmos autores, consideram o perfil socioeconômico, o número de embarcações e
tecnologias de pesca utilizadas, as espécies capturadas e o conhecimento local sobre estes peixes
e seus hábitos alimentares.
Após este levantamento, foi feita uma comparação entre o conhecimento local das duas
comunidades participantes do estudo e, entre o conhecimento popular e a literatura científica.
3
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
Com as respostas dos pescadores sobre a alimentação dos peixes, foram construídas teias
alimentares para cada uma das localidades (Clauzet et al., 2005: 12-16).
Souza (2005) sob a abordagem da ecologia humana resgatou o etnoconhecimento caiçara
e as utilizações dos recursos pesqueiros por pescadores artesanais e esportivos no Vale do
Ribeira, SP. Deste modo, é discutida a pesca artesanal e sua importância, bem como, os
pescadores, os pontos de pesca, as espécies capturadas e os métodos utilizados para tal, os pontos
de pesca e suas qualidades, e as variáveis que influenciam tais pescarias, lua, marés, chuvas.
Então, foi apresentada a etnoictiologia dos pescadores caiçaras, abordando técnicas de
captura e aspectos alimentares, descrição, habitat e reprodução das etnoespécies citadas durante o
trabalho. E, por fim, uma descrição da pesca esportiva a partir de suas freqüências, preferências
de espécies, comércio de iscas, hospedagem e perfil dos pescadores (Souza, 2005).
Já Pacheco (2006) em Maraú (BA), pesquisou a atividade pesqueira, o uso de recursos
marinhos e a dieta alimentar dos pescadores e marisqueiros artesanais locais.
O autor também considerou as espécies capturadas, as tecnologias utilizadas, os pontos de
pesca e aspectos do conhecimento local. Além disso, traçou o perfil sócioeconomico dos
pescadores, analisou o comércio destes recursos, a influência das variáveis da pesca (ciclos
naturais, luas, marés) e a percepção dos pescadores em relação a isto (Pacheco, 2006: 9-34). Em
um segundo momento, Pacheco (2006: 35-53) relatou a diversidade de pescado disponível,
caracterizando a dieta e o nicho alimentar local e os tabus alimentares ali presentes.
O extremo sul do Rio Grande do Sul, possui um importante complexo lagunar
denominado Patos-Mirim, onde duas Lagoas - dos Patos e Mirim - são ligadas pelo Canal São
Gonçalo. A Lagoa dos Patos, dividida em cinco unidades biológicas: Rio Guaíba, Enseada de
Tapes, Lagoa do Casamento, corpo central da lagunar e estuário, conecta-se ao oceano Atlântico
pela Barra do Rio Grande (Asmus, 1998: 9).
O estuário da Lagoa dos Patos é um importante habitat de desenvolvimento de plantas e
animais, devido à dinâmicas do ventos, trocas de água e precipitações ao longo do ano. Esses três
fatores associados, causam oscilações entre períodos de água doce e salgada, o que possibilita a
entrada de organismos marinhos, tais como peixes, crustáceos, que podem tornar-se importantes
recursos pesqueiros locais (Seeliger, 2004: 70; 71).
Hermann Von Ihering (1850-1930), um naturalista alemão, que viveu onze meses na
cidade de Rio Grande (RS), escreveu o artigo “Die Lagoa dos Patos”, século XIX, apresentando
uma visão completa das condições físicas, biológicas, socioeconômicas e geológicas da Lagoa
dos Patos e região na época. A compilação e tradução desta obra por Odebrecht (2003), além de
deixar clara a importância de tal ecossistema, permite uma comparação deste ambiente do século
XIX até hoje.
Garcez e Sánches-Botero (2005)
fazem uma análise das comunidades pesqueiras do
Rio Grande do Sul, definindo as colônias de pescadores existentes no estado, as área de atuação,
número de pescadores, pescados capturados, renda média mensal, formas de comercialização e
freqüência das pescarias, bem como, características socioeconômicas tais como, idade, sexo,
escolaridade, saneamento, água e bens materiais fazem parte do levantamento.
Na colônia de pescadores Z4 também na Lagoa dos Patos, Distrito de Itapuã, RS, Bruto
(2001) pesquisou as três comunidades de pesca artesanal - Varzinha do Jacaré, Praia da Pedreira
e Vila de Itapuã - ali presentes. Também participaram da pesquisa compradores de peixe
(intermediários e atravessadores), seus funcionários e pescadores que, equipando seus barcos com
camas e materiais de cozinha residem longos períodos em seus botes procurando melhores pontos
de pesca (Brutto, 2001: 41).
Brutto (2001) além de contextualizar a organização sócieconomica das três comunidades,
caracterizou também a pesca artesanal local: pescados capturados, volumes e formas de
4
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
comercialização, espaços de pesca e sua utilização e a legislação vigente que regulariza a pesca.
Em seguida, fez um levantamento do conhecimento ecológico dos pescadores locais,
particularizando a dinâmica dos ecossistemas Lagoa dos Patos e Guaíba, peixes e fauna
acompanhante. Ainda no mesmo trabalho, o autor fez uma análise das atitudes de conservação ali
desenvolvidas, como a criação da unidade de conservação Parque do Itapuã e propõe formas de
manejo alternativo.
Pasquotto (2005) também pesquisou uma das colônias de pescadores que se encontra na
Lagoa dos Patos, São Lourenço do Sul (RS), colônia Z8, que também faz parte do estuário desta
Lagoa.
A partir de uma análise geral do histórico da pesca artesanal no estado do Rio Grande do
Sul e, casando realidades sociais com dinâmicas ambientais, o trabalho citado define os sistemas
pesqueiros atuais presentes em tal colônia. Para a diferenciação destes, o autor caracterizou
técnicas de pesca por eles utilizadas, espécies capturadas e relações de trabalho existentes
(Pasquotto, 2005).
Na cidade de Pelotas (RS), no ano de 2002, o Instituto Técnico de Pesquisa e Assessoria
Universidade Católica de Pelotas (ITEPA) preparou um estudo sobre a estrutura socioeconômica
sobre a atividade pesqueira no município, envolvendo a Colônia São Pedro.
Neste estudo, são descritas características locais, renda anual, aspectos da atividade
pesqueira, estrutura familiar, habitação, perfil profissional, infra-estrutura para a pesca e
produção e comercialização do pescado.
4 Resultados e Discussão
4.1 Os Pescadores Artesanais da Colônia São Pedro (Z3)
A presente pesquisa totalizou 23 entrevistas aplicadas a 22 pescadores artesanais
profissionais e 1 proprietário de uma peixaria no local.
A idade média dos pescadores/informantes entrevistados da colônia São Pedro (Z3) é de
51 anos - variando de 35 a 70 anos - média considerada relativamente alta, se levado em conta
que a idade do pescador do Rio Grande do Sul é 42,9 anos (Garcez e Sánches-Botero, 2005: 21).
No entanto, os pescadores do Jairê, Iguape (SP) têm em média 55,14 anos (Souza, 2005: 31).
Dentre os 22 pescadores entrevistados, 21 são homens e 1 é mulher, 91,7% deles afirmam
a pesca como atividade principal e metade deles declaram exercer outras atividades, a saber,
agricultura, serviços de carpintaria, aposentadoria e atividades sociais, tais como, participação em
organizações vinculadas ao pescador, Cooperativa Lagoa Viva, Sindicato dos Pescadores, Pronaf
(Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e MPPA (Movimento dos
Pescadores Profissionais Artesanais).
Como observado em outras localidades, é comum que pescadores artesanais exerçam
outras atividades esporadicamente na praia do Camburí em Ubatuba, SP (Hanazaki, 1997: 14),
ligadas ao turismo (comércio, caseiros e aluguel de barcos) na Vila do Una, também em São
Paulo (Clauzet et al., 2005: 5) ou agricultura, confecção e comércio de materiais de pesca em
feiras livres, pintura em geral ou aposentadoria em Maraú, BA (Pacheco, 2006: 18).
Garcez e Sánches-Botero
(2005: 22) verificaram uma efetiva participação das
mulheres na pesca, direta (pescando com os maridos) ou indireta (beneficiando
pescado/consertando ou fabricando aparelhos de pesca). Na colônia São Pedro, a principal
atividade das mulheres dos pescadores entrevistados é o serviço doméstico (53,6%), entretanto, 4
pescadores declararam que suas mulheres auxiliam em sua atividade, 2 pescando, 1 consertando
redes e 1 beneficiando o pescado para a Feira do Pescador. Brutto (2005: 47) na colônia de
pescadores Z4, verificou que a maioria das mulheres são donas de casa e, às vezes são
5
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
responsáveis pela venda do peixe em casa, porém poucas auxiliam no reparo de redes (Brutto,
2005: 47).
As famílias entrevistadas na colônia São Pedro, moram em aproximadamente 3 pessoas na
mesma casa, 34,8% dos filhos auxiliam sempre na atividade dos pais e 13% quando podem ou
estão de férias. Quanto a naturalidade, 65,2% dos entrevistados são pelotenses, sendo, 34,8% da
colônia São Pedro (Z3), 21,7% da área central da cidade e 8,7% da Ilha da Feitoria, enquanto
26% são da região e 8,7% do estado de Santa Catarina (Fig. 1a).
Como observado na maioria dos trabalhos, quanto à escolaridade, o pescador artesanal
tem ensino fundamental incompleto (Pacheco, 2006: 14; Garcez e Sánches-Botero, 2001: 21), o
que também acontece com os pescadores entrevistados nesta pesquisa, 78,3% não completaram o
ensino fundamental e 13% são analfabetos (Fig.1b).
Conforme observado por Garcez e Sánches-Botero (2005: 24) a renda do pescador
artesanal do Rio Grande do Sul, varia de meio a 4 salários mínimos. No presente trabalho, a
maioria dos pescadores recebem, mensalmente, de 1 a 2 salários mínimos (65,2% dos
entrevistados), variando essa renda no defeso, 4 meses em que esse valor dobra, devido suas
mulheres receberem 1 salário mínimo referente ao seguro-desemprego (Fig.1c; 1d).
Embora 73,9% dos entrevistados sempre foram pescadores e 95,7% destes têm parentes
pescadores na própria comunidade, 87% deles não gostariam que seus filhos exercessem a
mesma profissão, ou seja, a pesca, devido à crise e dificuldade em que se encontra o setor
atualmente.
Contudo, Garcez e Sánches-Botero observaram que, no Rio Grande do Sul, vem
ocorrendo ingresso de jovens na pesca em localidades onde possibilidades de emprego e
continuidade dos estudos são limitadas, tais como Santa Vitória do Palmar, São José do Norte e
nas margens Rio Uruguai. Já Clauzet et al. (2005: 6) no litoral paulista e Brutto (2001: 46) na
colônia Z4, região de Itapuã (RS), notaram que poucos jovens têm se iniciado na na pesca,
procurando trabalho em outras atividades (Brutto, 2001: 45; 46).
(a)
(b)
20
40
18
35
20
Porcentagem
Percentagem
30
22
10
13
10
9
9
9
3
4
0
0
io
éd
M
pl
m
co
In
l
ta
en
am
nd
Fu
.
nd
Fu
to
be
fa
al
An
rte
No
do
sé
Jo
ço
ão
en
S
ur
a
Lo
r in
ão
ta
S
a
C
ta
an
e
S
ro
nd
ed
ra
P
G
io
ão
R
S
ia
r ia
ôn
ol
i to
C
Fe
da
a
Ilh
tro
en
C
o
et
Naturalidade
Escolaridade
(c)
(d)
70
70
60
60
50
50
40
6
30
Percentagem
Figura
Percentagem
65
61
40
30
26
20
20
6
17
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
13
10
10
9
0
0
1-2SM
3-4 SM
5-6 SM
Renda Mensal (em salários mínimos)
até 1 SM
2-3 SM
4-5 SM
4
4
6-7 SM
8-9 SM
Renda familiar mensal (em salários mínimos)
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
Figura 1 - Caracterização da amostra de pescadores artesanais da colônia São Pedro (Z3), Pelotas,
RS: (a) Naturalidade; (b) Escolaridade; (c) Renda Individual Mensal; (d) Renda Familiar Mensal.
Fonte: Dados da pesquisa.
A maioria dos pescadores participantes da pesquisa seguiu e continua nesta atividade
devido a tradição familiar (47,8%) e por mais que considerem a pesca uma atividade em
decadência, 60,9% dos entrevistados nunca pensaram em mudar de ramo.
Quanto as condições habitacionais, é verificado que, dos entrevistados, 95,7% usam água
encanada, 95,7% têm energia elétrica, todos têm seus lixos coletados pela prefeitura da cidade,
todos possuem televisão, 87% possuem rádio, todos têm geladeira, 17,4% possuem automóvel,
91,3% têm banheiro dentro de casa, 21,7% têm computador, 17,4% estão conectados à Internet.
Dados do do ITEPA (2002: 7) mostram que 65,4% dos moradores da colônia São Pedro têm
disponível água encanada e 66,7% têm o lixo coletado.
Segundo Garcez e Sánches-Botero (2005: 21), das residências de pescadores artesanais do
Rio Grande do Sul, 80% possuem água encanada, 89% possuem energia elétrica, 79% têm
geladeira e televisão e 90% têm rádio. Nos três distritos de Itapuã, colônia Z4, analisados por
Brutto (2001: 42, 43), Varzinha do Jacaré é abastecida com luz elétrica, porém não existe água
encanada, são utilizados poços artesianos com bombas elétricas, e a coleta de lixo é precária ou
inexistente; Praia da Pedreira não tem água encanada ou poço artesiano e nem energia elétrica e,
Vila de Itapuã também tem água encanada.
4.2 A Pesca Artesanal na Colônia São Pedro (Z3)
A maioria dos entrevistados começou e aprendeu a pescar com o pai, pescam há
aproximadamente 38 anos, variando o tempo de trabalho entre 12 e 58 anos e 86,4% deles
gostam de pescar. Garcez e Sánches-Botero (2005: 22) relatam que no Rio Grande do Sul,
geralmente, os conhecimentos acerca da pescaria são passados de pai para filho, perpetuando
famílias de pescadores.
Como observado por Hanazaki (1997: 12) mais da metade dos entrevistados em Ponta do
Almada, Ubatuba, SP, são filhos de pais pescadores, Clauzet at al. (2005: 6) também aponta que
o conhecimento da pesca na região de Barra do Una e Enseada do Mar Virado, é transmitido dos
mais velhos aos mais jovens, condicionando a prática da pesca e Brutto (2001: 46), afirma que
com poucas exceções, os pescadores da região de Itapuã aprenderam a pescar por volta dos 7
anos de idade participando de atividades de pesca com familiares ou pescadores das praias onde
viviam.
Segundo Garcez e Sánches-Botero (2005: 24, 26) em todo o estado são comercializados
no mínimo 35 espécies de peixes, 5 espécies de camarão e 2 espécies de siri, entretanto,
praticamente em todas as regiões, pescadores enfatizam a diminuição de tamanho e quantidade
do pescado.
Nesta pesquisa, foram citados 11 espécies de peixes estuarinos ou marinhos (Tab. 1), 9
espécies de peixes de água doce (Tab. 2) e 2 espécies de crustáceos, siri e camarão (Tab. 3),
conhecidos na Colônia São Pedro (Z3).
Nome Popular
Nome Científico
7
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
Raia
Bagre
Bagre Guri
Rhinobatos horkelii (Muller e Henle, 1841)
Netuma barba (Lacépède, 1803)
Genidens genidens (Valencienes, 1839)
Cação
Mustelus fasciatus (Garman, 1913)
Cascuda
Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823)
Cascote
Corvina
Anchova
Pomatomus saltatrix (Linnaeus, 1766)
Linguado
Paralichthys orbignyanus (Valenciennes, 1839)
Miraguaia
Pogonias cromis (Linnaeus, 1766)
Burriquete
Peixe-Rei
Odontesthes argentinensis (Valenciennes, 1835)
Savelha
Brevoortia pectinata (Jenyns, 1842)
Tainha
Mugil platanus (Günther, 1880)
Tabela 1 - Peixes estuarinos ou marinhos citados pelos pescadores artesanais da colônia São
Pedro (Z3), Pelotas, RS.
Fonte: Dados da pesquisa.
Nome Popular
Nome Científico
Cará
Geophagus brasiliensis (Quoy e Gaimard, 1924)
Carpa
Ciprinus carpio (Linnaeus, 1788)
Jundiá
Rhamdia sp
Lambari
Astianax sp
Pintado
Pimelodus maculatus (Lacépède, 1803)
Tambica
Oligosarcus spp
Cachorro
Traíra
Hoplias malabaricus (Bloch, 1794)
Voga
Cyphocharax voga (Hensel, 1870)
Biru
Tabela 2 - Peixes de água doce citados pelos pescadores artesanais da colônia São Pedro (Z3),
Pelotas, RS
Fonte: Dados da pesquisa.
Nome Popular
Nome científico
Camarão-rosa
Farfantepenaeus paulensis (Perez Farfante, 1967)
Siri-azul
Callinectes sapidus (Rathbun, 1869)
Tabela 3 - Crustáceos citados por pescadores artesanais da colônia São Pedro (Z3), Pelotas, RS.
Fonte: Dados da pesquisa.
Dos peixes citados, o bagre (Netuma barba, Lacépède, 1803), o bagrão, pescado durante
o inverno (junho, julho e agosto), segundo os pescadores entrevistados, não entra mais no
estuário. Atualmente, aparece mais o bagre-guri (G. genidens) e em fevereiro. Segundo Reis
(19921) apud Abreu e Castello (1998: 203), os estoques de N. barba e M. furneiri foram
1
REIS, E.G. An assessment of the exploitation of the white croaker Micropogonias furnieri (Piesces, Sciaenidae) by
the artisanal and industrial fisheries in coastal waters of southern Brazil. Tese de Doutorado, Univ East Anglia
Inglaterra.
8
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
drasticamente reduzidos no estuário, devido às quantificações irreais de biomassa presentes no
ecossistema.
Já, a miraguaia ou burriquete (P. cromis), de acordo com os pescadores locais
entrevistados, hoje, “não se encontra um nem pra remédio” [sic]. Tanto a miraguaia (P. cromis)
quanto o burriquete (P. fasciatus) são citados por Ihering (Odebrecht, 2003: 27) em sua
expedição pela Lagoa dos Patos no século XIX. Segundo o mesmo autor, a miraguaia era o maior
peixe comercializado seco, isto é, dividido ao meio, salgado e seco dos dois lados, provável
processo de “escalar” o peixe. Os pescadores mais antigos participantes desta pesquisa relataram
que, antes do uso de gelo para o armazenamento do pescado, o processo utilizado era este,
“escalar” o peixe, que consistia em: abrir o peixe ao meio, eviscerá-lo, lanhá-lo, salgá-lo e deixálo secar ao sol.
Pesca é o termo científico utilizado para designar captura de peixes e crustáceos, entre
outros, no entanto, na colônia São Pedro, o termo local utilizado para esta captura é “matar”.
Desta forma, das espécies estuarinas ou marinhas, as mais pescadas são a tainha (M. platanus)
e a corvina (M. furnieri), seguidas pelo bagre (N. barba) e linguado (P. orbignyanus). Já, entre as
espécies de água doce mais pescadas, estão o jundiá (Rhamdia sp), a traíra (H. malabaricus) e a
voga (C. voga) (Fig. 2).
Percentagem
30
25
24
20
20
12
10
7
5
2
0
3
V
a
g
o
a
ír
ra
T
a
h
in
a
T
o
d
ta
in
P
a
v
ia
i
e
P
-r
e
ix
e
o
P
d
a
u
g
in
L
iá
d
n
u
a
in
J
re
g
a
rv
o
C
B
Quais os peixes que você pesca?
Figura 2 - Peixes estuarinos, marinhos e de água doce pescados pelos pescadores artesanais da
colônia São Pedro (Z3), Pelotas, RS.
Fonte: Dados da pesquisa.
Entre os crustáceos, 79,5% dos entrevistados pescam o camarão (F. paulensis) e 24,1%
deles pescam o siri (C. sapidus) (Fig. 3).
9
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
80
Percentagem
76
60
40
24
20
0
Camarão
Siri
O que você pesca além de peixe?
Figura 3 - Crustáceos pescados pelos pescadores artesanais da colônia São Pedro (Z3), Pelotas,
RS.
Fonte: Dados da pesquisa.
Souza (2004: 34) observou que no Vale do Ribeira, mesmo com grande diversidade de
espécies, algumas espécies são mais capturadas e comercializadas do que outras. Entre as
espécies mais importantes para tais pescadores são citadas a tainha (Mugil sp) e a corvina
(Micropogonias furnieri). Hanazaki (1997: 57) também observou a pesca da tainha, corvina e
bagre em Ubatuba, SP, assim como Clauzet et al. (2005: 6) em Barra do Una, litoral paulista.
Brutto (2001: 50) observa que os pescadores da colônia Z4, também Lagoa dos Patos, tem
como espécies principais de pesca a tainha (M. platanus), o bagre (N. barba), o jundiá (Rhamdia
sp), a piava (L. obtusidens), a traíra (H. malabaricus) e o linguado (P. brasiliensis). E, faz
menção a pequena diversidade de espécies comercializadas devido ao maior volume
comercializado estar concentrado em poucas espécies (Brutto, 2001: 51).
Em relação as técnicas de pesca utilizadas, a rede de espera foi citada por todos os
entrevistados, sendo utilizada tanto para peixes quanto para a pesca do camarão e do siri. Tal
técnica consiste em deixar as redes em pontos de pesca e “safar” o pescado no dia seguinte (Fig.
9).
Na pesca do camarão, são utilizadas duas técnicas de rede de espera, o “aviãozinho” captura se dá em partes rasas - onde as redes são presas a calões e utiliza-se luz para atraí-lo e, o
“saco de fincão” - pescaria de fundo - geralmente, próxima ao canal de navegação quando o
camarão, saindo da Lagoa está a meia água e a rede encontra-se boiada (Fig. 10).
Segundo Hanazaki (1997: 58) em Ponta do Almada, Ubatuba (SP) e Clauzet et al. (2005:
6) em Barra do Una e Enseada do Mar Virado a rede de espera foi a técnica mais citada nas três
comunidades caiçaras. Na Lagoa dos Patos, Brutto (2001: 61) evidencia tal técnica na região de
Itapuã e, Pacheco (2005: 93) em São Lourenço do Sul, faz referência a esta como uma das
praticas mais utilizadas. Já os pescadores de Maraú (BA) não citam tal aparelho de pesca
(Pacheco, 2006: 18).
Para a captura do siri, ainda não existem técnicas de pesca apropriadas, se utiliza o próprio
“avião” ou “saco de fincão”. Também foi verificado que, entre os entrevistados, a pesca do siri
ainda não é muito praticada, inclusive, siris não são bem quistos em redes por estragá-las.
“...siri, a gente até pega ele aí porque ele vem de intruso na rede aí e, a gente nem gosta, que aí
ele, bah, uma rede que nem essa aqui, ele pega aí, ele dá trabalho! É igual um rato para demolir
10
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
com a rede então quando ele vem, o pau pega, amassa ele. Mas gostaria que não desse nenhum
na rede” [Sic]
Ao contrário do que acontece na Colônia de pescadores São Pedro, em Maraú (BA), o
“catado”, termo localmente utilizado para a carne de siri é o principal produto da pesca na Ilha do
Tanque após o beneficiamento, separação da carne e da carapaça. Inclusive, esses pescadores
utilizam uma técnica especial para a sua captura, o manzuá, que consiste em uma armadilha fixa
com iscas para atrair os siris (Pacheco, 2005: 16; 26).
Também foram citadas como técnicas de pesca na Colônia São Pedro, o “lance” ou
“cerco”, onde são necessárias duas embarcações que encontrando o cardume cerca-o, esta é
utilizada principalmente para a pesca da tainha; o espinhel, uma pesca de anzol com várias iscas
para a pesca do jundiá, a tarrafa, uma rede circular com peso nas bordas, para a pesca da
miraguaia. Além destas, técnicas de pesca proibidas, “trolha” ou “caracol” e “plancha” - pesca de
arrasto - principalmente da corvina, e do camarão, respectivamente e, “feiticeira”, para a pesca do
bagre (Tab. 4).
Tipo
Estratégias
Rede com um pano simples e fixa
Rede de cerco
Rede de espera para camarão em lugares
rasos e com auxílio de luz
Saco de fincão
Rede de espera para camarão em lugares
fundos, beira de canal
Plancha
Arrasto de fundo com duas “portas”
utilizadas para a pesca do camarão
Espinhel
Linha comprida com vários anzóis
Trolha ou Caracol
Rede de arrasto
Tarrafa
Rede de pesca circular com peso nas bordas.
Feiticeira
Rede de espera com três panos, uma malha
interna menor e duas externas maiores
Fisga
Tipo de arpão
Tabela 4 - Aparelhos de pesca citados pelos pescadores artesanais da colônia São Pedro (Z3),
Pelotas, RS.
Fonte: Dados da pesquisa.
Rede de espera
Lance
Aviãzinho
Clauzet et al. (2005: 6) menciona o arrasto de camarão em Enseada do Mar Virado, já que
a região é local de criação e reprodução de algumas destas espécies (Penneaus spp). Os
pescadores da colônia Z4, região de Itapuã (RS), citaram, a feiticeira para a pesca do bagre, mas
também linguado e tainha; a rede de lanço para a tainha e o espinhel para o bagre, jundiá, traíra e
pintado (Brutto, 2001: 61). Em São Lourenço do Sul (RS), colônia Z8, Pacheco (2005: 93)
identificou o “lance” para a pesca da tainha e o “arrasto de porta”, a “plancha”, para pesca do
camarão.
Segundo Pianka (1982)2 apud Hanazaki (1997: 64) são dois os modos extremos de
obtenção de alimento: “sentar e esperar” que depende da abundância e alta mobilidade de presas
2
PIANKA, E.R. Ecologia Evolutiva. Barcelona, ed. Omega.
11
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
e pouca necessidade energética do predador, no caso, a estratégia da rede de espera e, “obtenção
de alimentos numa zona ampla”, onde o predador ativamente busca sua presa, como na pesca de
“lance” ou “arrasto”.
A maioria dos pescadores praticam a pesca como fonte de renda, entretanto convém
lembrar que 34,8% dos pescadores participantes da pesquisa também são aposentados. Dos
entrevistados, 90,9% têm embarcação própria, os 9,1% são proeiros em embarcações de amigos
ou parentes.
Conforme descrito por Brutto (2001: 62), o conjunto dos “petrechos” de pesca, incluindo
redes, bandeiras, âncoras e botes, e da tripulação é chamado “parelha”. Segundo este mesmo
autor, o sistema de divisão dos lucros usado entre os pescadores da colônia Z4, é o da meação partilha separada de acordo com a quantidade de redes que cada pescador possui - mesmo em se
tratando de relações entre pais e filhos (2001: 43). Pacheco (2005: 95; 99) descreve algumas
relações de trabalho, entre elas, o sistema de partes, via acordo do grupo de pesca, patrão e
“proeiros”, o sistema de partilha diferenciado, onde os “caranchos”, grupo de pescadores que
dispõem de algumas redes de pesca que levam consigo (dentro do limite estipulado pelo patrão),
trabalham no conjunto de tarefas e recebem “o peixe que cair em sua rede” e uma pequena
participação, em torno de 2,5% do total e, a unidade de produção familiar, onde pescam famílias
inteiras (2005: 95; 99).
No presente trabalho, a maioria dos entrevistados utiliza o sistema de “partes”, onde as
despesas - comida e combustível - são divididas, o proprietário da embarcação e dos materiais de
pesca ganha, geralmente, duas partes para a “parelha” e uma para ele e, o restante é dividido entre
os “proeiros”. “Proeiro”, é o modo como são chamados os empregados da “parelha”. Dentre os
outros pescadores participantes da pesquisa, cinco, que pescam com amigos ou parentes, dividem
as despesas e repartem o lucro entre todos os tripulantes e, um, pescando com um amigo e um
irmão, utiliza um sistema de meação, similar ao da colônia Z4, onde as despesas são divididas e,
cada um recebe “o que der em sua rede”.
Quanto aos equipamentos utilizados nas pescarias, a rede, que pode ser manufaturada com
malheira, agulha e fio de nylon, hoje, geralmente é apenas “entralhada”, compra-se o pano da
rede e coloca-se cortiça, corda e chumbo. Dos entrevistados, apenas um declarou fabricar
manualmente sua rede e, um relatou que sua mulher o faz, todos os outros, apesar de afirmarem
saber o processo, apenas “entralham”.
Quando questionados sobre o que fazem durante o defeso, os pescadores entrevistados em
sua maioria responderam que consertam redes e reparam embarcações. Ao serem questionados
sobre a pesca durante o período, 59,1% disseram não pescar, 31,8% assumiram que pescam e
9,1% responderam que às vezes pescam, isto porque declaram o seguro-desemprego - que
corresponde a, 1 salário mínimo a todo pescador artesanal, devidamente regulamentado,
associado ao Sindicato dos Pescadores e sem carteira assinada - pouco para sobreviver. Quando
questionados sobre a variação da renda neste período, 40,9% disseram que não varia, que a renda
do pescador é em média 1 salário mínimo mesmo, 13,6% disseram que sim, ou diminui porque
não pode pescar, ou aumenta porque a mulher também recebe o seguro desemprego, 9,1%
responderam que às vezes varia e, 36,4% dos entrevistados não recebem o seguro porque são
aposentados.
O pescador artesanal da colônia São Pedro, participante desta pesquisa, pesca diariamente
(50%) - vai de manhã, safa sua rede ou procura seu pescado e volta -, semanalmente (40,9%) escolhe um ponto de pesca e acampa, geralmente, de segunda a sábado, quando retorna para
passar o domingo em casa - ou, mensalmente e nas safras (9,1%) - quando esperam as safras de
peixe para buscá-lo. Este pescador passa em média 8h pescando, sendo que, quando vai e volta
no mesmo dia, vai de madrugada, volta para o almoço em casa, passa a tarde “remendando” suas
12
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
rede e, a tardezinha volta ao seu ponto de pesca para verificar seu material. A pesca da tainha e
do camarão são as pescarias de grande importância para a região, chegando a turnos 24 horas de
pesca em épocas de safra.
Garcez e Sánches-Botero (2005: 24) também verificaram pesca diária e acampamentos de
2 a 15 dias em beira de rios e lagoas, no Rio Grande do Sul. Pasquotto (2005: 98) analisando os
sistemas de pesca artesanal em São Lourenço do Sul, analisa as freqüências de pesca em dois
sistemas diferentes: o das “parelhas grandes”, que vão a longas distâncias e voltam no mesmo
dia, caracterizando a pesca diária e, o das “parelhas pequenas” que utilizam o sistema de
“acampamento”, deslocando-se a uma certa distância do município e montam acampamento nas
ilhas e margens da Lagoa.
Quanto à comercialização do pescado, 66,7% dos entrevistados vendem seus produtos em
firmas ou salgas, 16,7% declararam vender para a Cooperativa Lagoa Viva, 8,3% participam da
Feira do Pescador, vendendo para o consumidor direto e, 8,3% que são “donos de peixarias”
comercializam com mercados e distribuidoras.
Assim, a maior parte do tempo, o pescado é comercializado sujo/fresco ou sujo/gelado,
contudo, os pescadores que participam da Feira do Pescador, beneficiam uma parte do seu
pescado e entregam outra parte nas “salgas”. Dois pescadores entrevistados participam da Feira
do Pescador, de 15 em 15 dias nas feiras de sábado, no centro da cidade, um deles é auxiliado
pela esposa e, uma pescadora contrata os serviços de um conhecido. O beneficiamento para a
feira consiste em limpar o peixe, escamar e eviscerar, congelar, o que dobra o valor do peixe em
relação a venda nas salgas e filetear, processo que pode até triplicar este valor. No entanto, a
venda direta ao consumidor é complicada pelos seguintes fatores, tempo disponível para o
beneficiamento e armazenamento dos produtos.
Pacheco (2005: 27) retrata que a comercialização do pescado em Maraú (BA) também é
via intermediários (atravessadores), onde o valor do pescado varia de acordo com a oferta e
procura ao longo do ano, entretanto, durante o verão, quando a região é bastante procurada para o
turismo, o pescado alcança maiores valores, principalmente com a venda do siri (Callinectes
danaei). Já no Rio Grande do Sul, segundo Garcez e Sánches-Botero (2005: 24), o pescado pode
ser vendido direto ao consumidor, em bancas, feiras ou à domicílio, não sendo possível, o
intermediário (atravessador) faz o escoamento da produção, porém este, recebe no mínimo 100%
a mais que o pescador em sua venda direta.
Segundo os pescadores entrevistados, 77,3% deles, o período do ano em que as vendas
são aumentadas é na Semana Santa devido à crença religiosa de se comer peixe e,
conseqüentemente aumento no valor do pescado. Garcez e Sánches-Botero (2005: 24) também
referenciam um crescimento da renda no período da Semana Santa, porém também enfatizam a
safra do camarão e a Feira do Peixe.
Souza (2004: 38) observou que os pescadores artesanais atribuem o sucesso ou fracasso
de suas pescarias a varáveis ambientais, tais como, lua, chuva, marés, etc. Como observado por
Diegues3 (1995) apud Pacheco (2006: 29) pescadores artesanais vivem sob influência dos ciclos
naturais que determinam o aparecimento de certas espécies de pescador e a intensidade de
trabalho do pescador.
As variáveis correspondentes aos melhores meses do ano para a pescaria, os melhores
períodos, seca ou chuva e a melhor maré, alta ou baixa, na visão dos pescadores entrevistados
durante a pesquisa, têm relação direta com a dinâmica do ecossistema da Lagoa dos Patos, já que
para eles, os melhores meses do ano para a pescaria são, de outubro a abril (primavera e verão), o
3
DIEGUES, A.C. Povos e mares: leituras em sócio-antropologia marítma. São Paulo: Nupaub-USP. 269p. 1995.
13
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
período é de seca e a é maré baixa, porque - respectivamente - é a entrada de peixe,
principalmente, corvina, tainha e camarão e, a Lagoa salga ou, se mantém salgada.
“...chuva, a gente não quer que caia nem sereno pra nós, que aqui, a miséria aqui é água doce,
quando passa anos aqui com água doce nós tamo ralados. Enquanto tem água salgada tem
fartura aqui e quando tem água doce a miséria bate.” [Sic]
Pasquotto (2005: 94) também menciona a importância de salinidade adequada na Lagoa,
produzida pela entrada de água do oceano para a possibilidade de capturas mais expressivas,
especialmente o camarão e a tainha em São Lourenço do Sul, colônia Z8, também pertencente ao
estuário da Lagoa dos Patos.
De acordo com a literatura científica, embora larvas e ovos de peixes ocorram durante
todo o ano no estuário, devido à altas temperaturas do final da primavera e inicio do verão,
desovas da maioria das espécies ocorrentes na região costeira coincide com o período de máxima
penetração de água salgada no estuário. Dentre estas, está o camarão rosa (Penaeus paulensis),
que se estabelece nas enseadas rasas do estuário, onde passa por metamorfose até atingir a fase
adulta. Para peixes como o bagre marinho (Netuma barba) e a corvina (Micropogonias furnieri) o
estuário prevê condições de crescimento e alimentação (Abreu; Castelo, 1998: 201; 202).
Questionados sobre os melhores locais de pesca na colônia São Pedro, os pescadores
citam várias ilhas do estuário: Ilha da Feitoria, Ilha da Sarangonha, Ilha Nova e Ilha da Torotãma.
De acordo com a linguagem local dos pescadores entrevistados, a Lagoa dos Patos e o estuário
são divididos, sendo o “quadro”, o estuário, que vai da Barra do Rio Grande até a Ilha Nova
(próxima a Ilha da Feitoria) e a “Lagoa dos Patos”, que vai da Ilha Nova em diante, até a região
de Porto Alegre. Esta separação, também se remete à profundidade das duas regiões, sendo o
estuário ou “quadro”, a parte baixa ou rasa, com alta profundidade somente no canal de
navegação e a “Lagoa dos Patos”, a parte funda.
Para peixes de água doce, as Lagoas Baixa ou Pequena, o Canal São Gonçalo e o Arroio
Pelotas são apontados como melhores locais.
5 Conclusões
A descrição da pesca artesanal e do perfil socioeconômico dos moradores da colônia de
pescadores São Pedro (Z3), Pelotas, RS, feita neste capítulo demonstra que esta é a atividade de
subsistência local.
E, que mesmo aposentados, pescadores artesanais locais, continuam participando
diretamente, ainda pescando, ou indiretamente, apenas “em terra” consertando redes para seus
familiares, da atividade.
Foi verificada pouca participação de mulheres na pesca, visto que, apenas 1 pescadora foi
entrevistada e, quando questionados sobre a atividade das esposas, apenas 3 pescadores
afirmaram a colaboração destas.
O número de espécies exploradas é relativamente baixo se contada a diversidade de
espécies presentes no local e, como já percebido pelos próprios pescadores, estas, devido a
sobrepesca tendem a diminuir. Desta maneira, faz-se necessárias ações de co-manejo em sistemas
pesqueiros para o ecossistema.
As técnicas de pesca utilizadas são restritas se comparadas ao resto do país,
principalmente para a pesca do siri. Isto deixa evidente, que a sobrepesca das espécies
consideradas por tais pescadores mais importantes, como a tainha, a corvina e o camarão, causa
sérios risco de superexploração.
14
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
Os pescadores locais percebem, classificam e utilizam seu ambiente e suas técnicas, isto é
comprovado a medida em que estes pescadores observam as variáveis ambientais e esperam a
“água salgada” e as safras de peixes para a pescaria, quando nomeiam localmente suas técnicas,
como “safar o peixe” da rede e seu habitat quando determinam a parte funda da Lagoa em “Lagoa
dos Patos” e o estuário em “quadro”.
“Geralmente a gente pesca nas duas partes, é no quadro que a gente diz e do banco pra lá é a
Lagoa até Porto Alegre, né”. [Sic]
“Olha, tirando da Ilha Nova pra cá, atrás da Torotãma é dos melhores setores pra pescar, o
quadro que a gente chama. A gente pesca na Lagoa tb, às vezes, no camarão”. [Sic]
6
Referências Bibliográficas
ABREU, P.C.; CASTELLO, J.P. Interações entre os Ambientes Estuarinos e Marinhos. In:
SEELIGER, U.; ODEBRECHT, C.; CASTELLO, J.P. (eds.). Os ecossistemas costeiro e
marinho do extremo sul do Brasil. Rio Grande: Ecoscientia, 1998. pp. 21-25.
BIERNACKI, P. & WALDORF, D. Snowball Sampling: Problems and techniques of Chain
Referral Sampling. Sociological Methods & Research, vol. nº 2, November. 141-163p, 1981.
BRUTTO, L.F.G. Ecologia humana e etnoecologia em processos participativos de manejo: o
caso do Parque Estadual de Itapuã, RS e os pescadores artesanais. Dissertação. UFSCar.
Ecologia e Recursos Naturais. São Carlos, 2001.
CLAUZET, M.; RAMIRES, M. & BARRELLA, W. Pesca artesanal e conhecimento local de
duas populações caiçaras (Enseada do Mar Virado e Barra do Una) no litoral de São Paulo,
Brasil. A Linguagem da Ciência n 4, maio de 2005. 22p.
GARCEZ, D.S. & SÁNCHES-BOTERO, J.I. Comunidades de Pescadores Artesanais no Estado
do Rio Grande do Sul, Brasil. Atlântica, Rio Grande, 27 (1): 17-29, 2005.
HANAZAKI, N. Conhecimento e uso de plantas, pesca e dieta em comunidades caiçaras do
minucípio de Ubatuba (SP). Dissertação. USP, Ecologia, São Paulo, 1997.
ITEPA. Instituto Técnico de Pesquisa e Assessoria. Universidade Católica de Pelotas. Estrutura
Socioeconômica da Atividade Pesqueira do Município de Pelotas. 2002. (Informe
Socioeconômico nº 07). 21p.
NETO, O.C. O trabalho de campo como descoberta e criação. In: MINAYO, M.C.S. Pesquisa
Social: teoria, método e criatividade. 16ª ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. 80p.
ODEBRECHT, C. A Lagoa dos Patos no século XIX na visão do naturalista Hermann Von
Ihering/ compilado e traduzido por Clarisse Odebrecht. Rio Grande: Ecoscientia, 2003. 100p.
15
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
XLV CONGRESSO DA SOBER
"Conhecimentos para Agricultura do Futuro"
PACHECO, R.S. Aspectos da ecologia de pescadores residentes na península de Maraú –
BA: pesca, uso de recursos marinhos e dieta. Dissertação. UnB, Ecologia, Brasília, 2006.
PASQUOTTO, V.F. Pesca artesanal no Rio Grande do Sul: os pescadores de São Lourenço
do Sul e suas estratégias de reprodução social. Dissertação. UFRGS, Faculdade de Ciências
Econômicas. Programa de Pós-Graduaçao em Desenvolvimento Rural. POA, 2005. 164 fls.
PENROD, J.; PRESTON, D.B., CAIN, R. & STARKS, M.T. A discussion of chain referral as a
method of sampling hard-to-reach populations. Journal of Transcultural nursing, vol 4. nº 2.
April, 2003. 100-107p.
SEELIGER, U.; CORDAZZO, C.; BARCELLOS, L. Areias do Albardão: um guia ecológico
ilustrado do litoral no extremo sul do Brasil. Rio Grande: Ecoscientia, 2004. 96p.
SILVANO, R.A.M. Pesca Artesanal e Etnoictiologia. In: BEGOSSI, A. (org.) Ecologia de
Pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo, Fapesp/Hucitec, 2004. 332p.
SOUZA, M. R. Etnoconhecimento caiçara e uso de recursos pesqueiros por pescadores
artesanais e esportivos do Vale do Ribeira. Dissertação. USP, Esalq, Ecologia de Ecossistemas.
Piracicaba, 2004.
SOUZA, T.R.V. & ABDALLAH, P.R. Políticas públicas e atividades pesqueira no estado do
Rio Grande do Sul. Disponível em http://www.2furg.br/depto/dceac/ceema. acesso em:
15/12/2007.
TEIXEIRA, G.S. & ABDALLAH, P.R. Política de seguro-desemprego e pesca artesanal no
Brasil: em análise o estado do Rio Grande do Sul e a região da Lagoa dos Patos. Trabalho
publicado no VI Encontro de Economia Ecológica, realizado de 22 á 25 de novembro, UnBBrasília. Disponível em: http://www.2furg.br/depto/dceac/ceema/paperseguro.pdf. Acesso
em: 15/12/2007.
16
Londrina, 22 a 25 de julho de 2007,
Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural
Download

"Conhecimentos para Agricultura do Futuro" A PESCA ARTESANAL