Hoje o design brasileiro acorda de luto. André Stolarski se foi. Pela manhã. Sua ausência dentre nós, porém, pode e deve ser sentida como a contínua reverberação de seus inegáveis atributos de homem gentil, no estrito senso da palavra – um gentleman, um gentilhomme. Daqueles que se interessam, daqueles que observam com atenção. E agem. Daqueles que cultivam o conhecimento, o pensar, o agir, em rara existência integradora. Em nada ambivalente, integridade é o que se revelava em André. Não fui seu amigo do peito, não privei da sua intimidade. Sequer assisti o canto em capela dirigido à sua tão amada Flávia no dia do seu casamento. Mas assumo sua amizade pelos poucos – que gostaria ter sido muito mais – encontros, sempre significativos que nos demos um ao outro. Conversas rápidas, conversas longas, em casa, por telefone, até mesmo na rua, sempre preenchidas de um teor intenso, palavras nunca jogadas fora. (talvez até gostasse de ter tido oportunidade para jogar conversa fora com ele...) Não tive a oportunidade de conviver com André durante o tempo em que deu aulas na Esdi, afastado que estava, para estudos. Acompanhei, de longe e de perto, sua intensa passagem pela ADG. Assisti a Tecnopop ser criada, sua presença ali constituindo algo razoavelmente ímpar no design brasileiro, ações conjugadas tanto junto às artes quanto ao mundo institucional. Por trás daquele turbilhão de produção, não compreendia bem como, lá estava aquele personagem discreto, tímido, depois percebi. Conheci André faz quatorze, quinze anos. Era uma mesa redonda, não lembro bem sobre o que, no MAM do Rio de Janeiro. Após alguma apresentação, ainda em tempo que era possível conhecer quase todos os integrantes do mundo do design, uma voz desconhecida, de cara também desconhecida, enunciou uma pergunta/comentário que me soou interessantíssima, incomum ao nosso meio. Quem era? Nos anos que se passaram, pouco a pouco vim sabendo daquele designer que acompanhara Agnaldo Farias em sua vinda ao Rio para atender o Museu de Arte Moderna como curador. Soube de uma conversa dele com amigos. Seu nome tornava-se cada vez mais presente. Mas por algum tempo André ainda se fazia uma incógnita para mim. Em nossos primeiros encontros, André olhava para baixo, para o lado, certo incômodo em si. Comentando com amigos, lembro, ouvia – “é, o André é assim mesmo. Estranho.” Uma tarde, peguei-o ali na Praia do Flamengo, na esquina do escritório do Rio. Já nesse tempo, sua aparente timidez se dispersava. Foi longa a conversa, e dali para frente, apesar do contato rarefeito, nos tornamos amigos. Não sabia do humor que se encerrava naqueles olhos tão inquietos. Conheci sua inquietude não somente visual, mas mental, não somente cerebral, mas da constante ação. Ao longo desse último tempo nos falamos. Por email, ao telefone, quando pôde. Soube da reincidência da sua doença assim por acaso. Como da primeira vez, quando nos encontramos em meio ao trânsito da rua Angélica e ele me contou, dizendo que deixaria para se operar depois de atendidos os compromissos de trabalho. !!! Nos dias que se seguiram à sua internação, lá estava ele nos emails, na internet, impossível em sua ação contínua. Mesmo em leito hospitalar. Nesse drive de vida, nesse seu percurso, fez livros, fez filmes, fez projetos vários, coordenou uma das melhores equipes de designers do Rio de Janeiro. Engordou, emagreceu, e casou. E me aperta o coração, Flávia, que tenha sido assim tão rápido. Mas sua intensidade irá permanecer, e isso fará que sua falta seja mais sentida ainda. Hoje fico aqui, na solidão da minha caverna, meu escritório, lembrando do sorriso do André, da sua maneira tão própria de achar graça das coisas. Viva André, você fará falta, muita falta. João de Souza Leite 31.8.2013