Um modo de existir psicótico
Aline Tamietti Braga Silva1
Raquel Neto Alves2
resumo:Este trabalho tem como finalidade compreender a subjetividade e a realidade vivida, ausente da realidade propriamente dita, com
os conceitos existenciais de alteridade, alienação e relação interpessoal. Para a elaboração deste estudo foram utilizados embasamentos
teóricos, da Abordagem Existencial-Fenomenológico e a vivência de atendimentos a uma jovem.
Palavras-chave: Alienação. Alteridade. Realidade.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo articular as vivências
clínicas, de uma jovem, a partir de atendimentos psicoterapêuticos de acordo com a teoria Fenomenológico-Existencial. Algumas
questões existenciais, tais como a relação com o outro, a psicopatologia e a alienação, serão enfocadas, conforme aparecem na
existência dela.
A cliente que se chamará de Joana para preservar sua identidade chega à clínica de Psicologia encaminhada pelo Departamento de Odontologia. Segundo os profissionais que a atendiam, ela
se queixava de dores de cabeça, possuía uma grande dificuldade
na fala e relatava fatos de sua vida de forma desconexa, não produzindo sentido aparente para eles.
Joana tem 24 anos e, por sua grande dificuldade na fala, é
necessária bastante atenção para compreendê-la. No primeiro
atendimento, se dirigiu ao consultório relatando sobre um namorado que amava muito e que o mesmo, estava preso há um ano
e meio, depois de ter sido encontrado pela polícia com drogas.
Joana espera este namorado sair da cadeia com promessas de se
casar. Segundo ela, já se relacionou com vários homens, porém
nenhum deles era igual ao que estava preso.
O discurso da cliente era baseado, na maior parte, neste romance, que, na percepção da psicoterapeuta, é um amor impossível e criado para que ela dê conta de sua realidade. Joana, fala pouco sobre sua família e diz que sonha sair de casa, pois, em seu lar
há grandes brigas e se sente explorada por todos. No decorrer dos
atendimentos foi possível observar o seu modo de existir psicótico.
2 QUESTÕES SOBRE REALIDADE E ALIENAÇÃO
Para Romero (2001), alienar-se é tornar-se alheio à sua própria realidade, ou seja, é estar ausente de sua realidade. A realidade mencionada é tudo o que nos toca e afeta de maneira
inevitável. Para ele, esta realidade poderá ser discernida sem es-
forços, pois ela é constituída de maneira clara pela vida e configura
o mundo de cada indivíduo, como o corpo, os relacionamentos
interpessoais, o trabalho e as obrigações cotidianas. Estas configurações de realidade se definem como um complexo de relações
que se mantém com vários objetos do mundo. A partir do que o
indivíduo cria, ele se relaciona e se transforma, sendo isso, que
mantém a sua própria realidade.
Neste ponto de vista, é possível observar, pelo discurso de
Joana, uma realidade relatada por ela constituída de maneira diferente. Daí o seu mundo é configurado podendo relacionar e
suportar os conflitos que vivencia. Por exemplo, o de sonhar em
se casar com um rapaz que está preso e dizer que ele iria lhe dar
uma casa ou um apartamento e que, quando saísse da cadeia, iria
lhe presentear com um celular de última tecnologia. Na verdade,
ele está preso, não trabalha, não possui renda e nem mesmo condição de realizar o que Joana almejava.
Segundo Duarte (2006), ao entender a idéia de percepção
como base de uma nova relação do homem com o mundo,
observa-se algumas limitações desta relação entre a pessoa e o
mundo em que está inserido. Sendo assim, é possível destacar
a realidade do indivíduo tal como ele se apresenta e a partir das
limitações e incertezas de uma demanda, o psicoterapeuta deverá
compreender os rearranjos sociais apresentados.
Em uma construção intersubjetiva da realidade, percebe-se
que essa se manifesta para a sua vivência e não para a manipulação
do sujeito. Sendo assim, fará com que o homem perceba o mundo a seu modo e se relacione com o que ele traz de associações
passadas, presentes e das relações com o outro. (DUARTE, 2006)
O autor relata que a construção das percepções subjetivas e
do perceber-com-o-outro, não é a de um indivíduo isolado em
toda a sua vida, mas de uma vivencia dia a dia, no compartilhar dos
sentimentos e espaços.
No caso de Joana, é possível compreender a sua relação com
o mundo baseada na percepção do outro, como o de sonhar que
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seu namorado estava saindo da cadeia e acreditar ser verdade,
buscando uma comprovação do que estava acreditando à psicoterapeuta. Em seu sonho, o namorado iria deixar todas as mulheres
que o rodeavam para ficar com ela. Para ela, o sonho lhe trouxe
alento para acreditar ser amada por ele.
2 RELAÇÃO COM O OUTRO E COMPREENSÃO DE SI
De acordo com Augras (1994), a relação do homem como,
“um ser social e o crescimento individual depende em todos os
aspectos, do encontro com os demais”. (AUGRAS, 1994, P.55)
A autora relata que ser no mundo é o ser com os outros, sendo que o indivíduo está configurado em sua relação com o outro e,
a partir daí, ele é compreendido e aceito. No momento em que há
esta compreensão de si, há o reconhecimento da coexistência e, ao
mesmo tempo, constituir-se-á compreensão do outro.
Augras (1994) relata que:
O que, então, assegura a compreensão de si?
A situação do ser no mundo é marcada pela estranheza.
Nesse sentido, a compreensão do outro não descansa apenas na compreensão de si, mas se justifica a partir da situação do homem como desconhecido de si mesmo. Ou seja: a
coexistência é também a co-estranheza. O outro fornece um
modelo para a construção da imagem de si. Por ser outro,
contudo ele também revela que a imagem de si comporta
uma parte igual de alteridade. (AUGRAS, 1994, P. 56)
Percebe-se então que, no caso de Joana, mesmo com toda
a sua realidade particular marcada por grandes conflitos e sua dificuldade em se comunicar no decorrer dos atendimentos, houve
uma compreensão por parte do psicoterapeuta dos fenômenos
que ali se apresentavam. A deficiência da fala que antes era um
desafio no sentido de ser compreendida, pois apresentava certa
estranheza, passou a se tornar aceita e compreendida contribuindo, assim, no processo psicoterapêutico.
Romero (1999) destaca a importância da relação terapeuta-cliente como uma forma de encontro interpessoal, pois esta relação é marcada pela compreensão e proporciona que o encontro
seja uma forma de o indivíduo encontrar-se consigo mesmo. No
momento em que o psicoterapeuta se coloca em inteira disposição do cliente, este poderá favorecer na cura, pois as máscaras
são retiradas, havendo a consciência de si e do outro.
CONCLUSÃO
Pode-se perceber, a partir dos preceitos apresentados, a importância da relação como um papel fundamental na construção
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da realidade. Como prova disso, destaca-se o relato de Joana
dizendo da importância de estar em psicoterapia, “quando estou
aqui fico mais calma”.
Observa-se então, o lugar diferencial da psicoterapia, livre de
pré-julgamentos, havendo uma busca da compreensão do indivíduo em seu modo de ser. Dessa forma, é possível observar o
homem não mais como um sujeito determinado, mas capaz de
construir a sua própria realidade e destino.
Conclui-se então que a psicoterapia no caso de Joana proporcionou uma compreensão de si mesma e do outro de acordo
com a realidade. Independentemente do que fala ou da maneira como se comporta, Joana foi aceita e compreendida em seu
modo de ser e existir.
De acordo com a percepção do psicoterapeuta, no decorrer
dos atendimentos, viu-se uma mudança em sua maneira de expressar e falar. Joana passou a ser mais clara no que queria dizer, deixando de falar do outro e falando de si, sobre seus medos e sonhos.
REFERÊNCIAS
AUGRAS, Monique. O outro. In: _______. O Ser da Compreensão. 3 ed.
Petrópolis: Vozes, 1993. p. 55 - 74.
Duarte, Matusalém de Brito. Leituras do “lugar-mundo vivido” e do “lugar-território” a partir da intersubjetividade. 2006. 136p – Instituto de
Geociências, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.ufmg.br/dspace/bitstream/1843/MPBB-6YTKVJ/4/disserta__o___sum_rio.pdf>. Acesso em: 12 de outubro de 2011.
ROMERO, Emílio. A Dimensão Social e Interpessoal. In:______. As dimensões
da vida humana: existência e experiência. 3. ed. São José dos Campos: Novos
Horizontes, 1999. p. 69 – 184.
ROMERO, Emílio. Inquilino do Imaginário: formas de alienação e psicopatia.
2. ed. São Paulo: Lemos. 295 p.
NOTAS DE RODAPÉ
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Graduanda do Curso de Psicologia do Centro Universitário Newton Paiva
Professora Supervisora do curso de Psicologia do Centro Universitário Newton
Paiva.
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