A Prática do Voluntariado e o Significado de Ser Voluntário: um Estudo à Luz da Teoria da Comunidade de Prática na Rede Feminina de Combate ao Câncer Autoria: Juliana Souza Vilela, Eloy Eros da Silva Nogueira Propósito Central do Trabalho: O voluntariado, como objeto de estudo e nossa área, ainda é recente; e os trabalhos científicos estão mais focados nas contribuições que a prática voluntária traz para a sociedade (EVANGELISTA, 2002; SPOSSATI, 2002; LINS, 2002; SILVEIRA, 2002) e outros na gestão destes grupos voluntários alinhando-os com o mercado privado e o Estado (JUNQUEIRA, 2002; TEODÓSIO, 2002; MAÑAS, 2002). Assim como as organizações com fins lucrativos se preocupam com a aprendizagem de seus colaboradores, as entidades sem fins lucrativos também precisam compreender quais são as formas de aprendizagem necessárias para garantir a existência e eficiência do trabalho voluntário. A Rede Feminina de Combate ao Câncer, que trabalha com mão de obra quase totalmente de voluntários, com mais de meio século de existência, é instituição ímpar pelos serviços que presta à comunidade e ao Hospital Erasto Gaertner. Ela possibilita estudarmos, por um lado, o voluntariado através da teoria da Comunidade de Práticas, e, complementarmente, estudarmos as condições para se considerar a Rede Feminina de Combate ao Câncer comunidade de prática. Estudar o voluntariado através da Teoria da Comunidade de Prática, com raízes na Teoria da Aprendizagem Social, faz-se importante para elucidar quais são as práticas do voluntariado e o sentido de ser voluntário, com o intuito de compreender quais as práticas que o voluntário vai aprendendo e como este aprendizado muda o seu sentido de ver a si próprio e o mundo, através do processo de negociação de significados. Marco Teórico: Na perspectiva social da aprendizagem o foco principal é o exercício da prática e da experiência. Tomando como referência as teorias que compõe a teoria social da aprendizagem, Wenger (1998, p.5), define quatro componentes para caracterizar a participação social e o processo de aprendizagem: Significado: uma maneira de falar sobre a nossa (mutante) habilidade – individual e coletiva – de experimentar a nossa vida e mundo como significativo. Prática: uma maneira de falar sobre os recursos históricos e sociais compartilhados, molduras, e perspectivas que podem sustentar e apoiar o mútuo engajamento na prática/ação. Comunidade: uma maneira de falar sobre as configurações sociais nas quais, nas nossas empresas são definidas e nossas participações reconhecidas como competências. Identidade: uma maneira de falar sobre como a aprendizagem muda quem somos e criam historias pessoais “de tornar-se” no contexto das nossas comunidades (WENGER, 1998, p. 5). Estes quatro elementos estão intimamente ligados e definem-se mutuamente no processo de aprendizagem. Para que gerem aprendizado, precisam acontecer no âmbito coletivo através de interações sociais. Lave e Wenger (1991), inspirados pela antropologia e pelas teorias da aprendizagem situada e aprendizagem social, criaram uma unidade de analise chamada de comunidades de prática para estudar o fenômeno da aprendizagem. As relações entre os membros das comunidades de prática são constituídas de cooperação e colaboração através da participação nas atividades, gerando a construção do conhecimento coletivo. Para que as comunidades de prática se desenvolvam, além dos elementos estruturantes citados acima, também são fundamentais recursos, vocabulários e símbolos em comum. Segundo Wenger (1998) e Piper (2003, p.62), uma comunidade passa a ser uma comunidade de prática quando “um grupo de pessoas que dividem interesses em uma mesma área se engaja em um processo de aprendizado coletivo que cria laços entre eles”. Através da interação pela prática, criam um empreendimento negociado e repertório compartilhado. Abaixo seguem as três dimensões de relações da prática com a comunidade, conforme Wenger (1998): • Engajamento mútuo: 1 compartilhar, relacionar-se, realizar tarefas em conjunto, manter a comunidade. • Empreendimento negociado: confiança mútua, respostas locais, ritmos, interpretações, empreendimento conjunto. • Repertório compartilhado: estórias, artefatos, discursos, conceitos, estilos, ferramentas. Os membros das comunidades de prática estão a todo o momento negociando significados entre si, não apenas por motivos de pressões externas, mas também para lidarem com a dualidade da participação e da reificação. A aprendizagem é fruto da negociação dos significados, o qual é visto como um processo produtivo que acontece em relações próximas da horizontalidade. É através da negociação de significados que são decididos o que os membros precisam aprender, o que torna um membro efetivo e como aderir novos membros. Espera-se que esse elementos teóricos possam contribuir para se compreender como os participantes do grupo de voluntários da Rede Feminina de Combate ao Câncer, sejam candidatos a voluntários, sejam veteranos, em seu cotidiano, no nível individual e no nível de grupo, aprendem, tornam-se competentes, constroem os significados e realizam os sentidos de sua práticas e identidades, considerando as condições tão especiais de um ambiente de tratamento de pacientes oncológicos. Método de investigação se pertinente: Ele se baseia nos resultados obtidos em pesquisa realizada nessa instituição, com metodologia etnográfica, apoiada em observação participante, testemunho de experiência pessoal, entrevistas em profundidade e análise de documentos e de informações obtidas a partir da observação. Originalmente, a pesquisadora imergiu no objeto de estudo, participou do processo admissional de voluntários e foi aprovada. Para estudar o tornar-se voluntário junto à Rede Feminina de Combate ao Câncer e investigar os elementos que poderiam identificar e inter-relacionar comunidade, prática e significado à luz da teoria da aprendizagem situada, pareceu-nos mais apropriado conduzir a pesquisa sob orientação metodológica etnográfica, capaz de se articular com métodos e meios de coletar os dados e analisa-los. Segundo Angrosino (2009, p. 8) a pesquisa qualitativa “[...] esmiúça a forma como as pessoas constroem o mundo a sua volta, o que estão fazendo ou o que estás lhe acontecendo em termos que tenham sentido e que ofereçam uma visão rica”. Outra propriedade da pesquisa qualitativa que atendeu a proposta do trabalho refere-se à liberdade de desenvolver e refinar os conceitos no decorrer da vivência no campo, dando espaço para novas descobertas e permitindo o aprofundamento de conceitos, possibilitando ainda o encontro de lacunas na teoria base não previstos no início da investigação. O contexto social foi vivenciado no ambiente natural dos sujeitos, o que permitiu criar uma relação de reconstrução da realidade através do consenso entre pesquisadora e pesquisados. Para Angrosino (2009), a pesquisa qualitativa valoriza o pesquisador em si, como uma parte do processo de pesquisa, ele tornase um membro do campo que está estudando. Nesta pesquisa a pesquisadora tornou-se um membro participante do campo, possibilitando a compreensão da realidade por parte do mesmo. O desenho utilizado para o estudo foi de natureza descritiva, a qual permitiu identificar as práticas e as características da Rede Feminina de Combate ao Câncer e de seus membros – candidatos, novatos e veteranos voluntários – bem como as condições de sua existência e funcionamento; dados que permitiram uma descrição detalhada das particularidades que circulam e interagem no meio comunitário, influenciando as práticas, a comunidade e a negociação dos significados. Resultados e contribuições do trabalho para a área: Para ser voluntário na RFCC a pessoa tem que estar aberta a realização de práticas que vão além das executadas no setor o qual foi destinado. A pessoa não basta ser apenas solidária, também tem que se permitir a experimentar a si próprio estando disposto: a interagir com diferentes atores sociais (pacientes e seus familiares, voluntários veteranos e novatos, 2 colaboradores do hospital, colaboradores de outras organizações, população em geral); a realizar práticas de produção, de arrecadação, de educação e de assistencialismo; a seguir regras escritas e não escritas; a transmitir o seu conhecimento tácito nas práticas realizadas; a ensinar e aprender com os outros membros das comunidades e apresentar flexibilidade e adaptabilidade para superar adversidades. O significado de ser voluntário na RFCC conforme as respostas dos voluntários veteranos, esta centrado no ato de ajudar. Por de trás do significado identificado nas respostas percebe-se que o ato de ajudar, não esta concentrado só na ação de fazer algo pelo outro, mas fazer algo para si próprio. Nas respostas percebe-se que o ato de “poder” ajudar alguém, ou seja, conseguir ter esta capacidade de ajudar o outro, acaba ajudando a própria pessoa a: mudar o seu comportamento, a reconhecer as suas competências, a enxergar a sua relação com o mundo e com as pessoas de outra forma. Novos significados e sentidos vão sendo construídos gerando aprendizagens de valores, de comportamentos e de sentimentos para estes voluntários. Foi observado que o trabalho voluntário é complexo, não basta à pessoa ingressante se limitar apenas a execução das práticas produtivas, a sua continuidade na Rede dependerá da sua capacidade de se relacionar, de se comunicar, de improvisar e de se permitir a experimentar novas práticas, como a participação nas campanhas de arrecadação de recursos e nos eventos educacionais. A prática do voluntariado, não traz benefícios apenas a quem esta sendo ajudado, quem ajuda também é beneficiado. Ser voluntário permite as pessoas terem as suas competências reconhecidas e desenvolverem novas, muitos dos voluntários são aposentados e donas de casa, que ao praticarem o trabalho voluntário sentem se úteis e incluídos na massa produtiva da sociedade. Os significados e sentidos do voluntariado são construídos na participação nas comunidades de prática e nas suas relações: com a estrutura social, com os membros e com as suas experiências no mundo e como membros da comunidade. Segundo Wenger (1998, p.54) “o significado não existe dentro de nós nem no mundo exterior, mas na relação dinâmica da vivência no mundo”. Estes sentidos e significados construídos mudam a sua maneira de ser e a sua relação com o mundo, tornam-se voluntários não apenas no contexto do HEG, mas na extensão da sua vida. O significado em ser voluntário na RFCC está em ajudar o próximo e o sentindo esta na grandeza de ser um agente transformador da sua realidade e da realidade da sociedade. O processo de identificação do voluntário com a instituição, com a causa, com as práticas e com o grupo que foi inserido, faz-se fundamental na continuidade deste membro no voluntariado. O voluntário tem que se identificar com estes elementos, considerando-os significativos dentro de si, atrelando as suas competências e expectativas com as experiências vividas no trabalho. Isto faz com que seja construído um sentido que os motivam a continuar. Pode se concluir que as comunidades de prática estão presentes na Rede Feminina de Combate ao Câncer e são espaços de construção de significados e sentidos através da participação dos seus membros, gerando aprendizagens e desenvolvimento de novas práticas. Os participantes da RFCC tornam-se voluntários que estendem as suas práticas voluntárias para a vida, são agentes que multiplicam as aprendizagens das comunidades de prática para a sociedade. Referências bibliográficas: WENGER, E. Communities of practice: learning, meaning, and identity. New York: Cambridge University Press, 1998. BROWN, J. DUGUID, P. Organizational learning and communities-of-practice. Organization Science, v. 2, n. 1, p. 40-57, 1991. LAVE, J. WENGER, E. Situated learning: legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press, 1991. 3 BROWN J DUGUID, P. Knowledge and Organization Social Pratice Perspectives Fonte: Organization Science, vol. 12, No. 2 (mar-abr, 2001), p.198-213 SILVEIRA, Jairton Dimas. Trabalho Voluntário: da filantropia à cidadania.. In: Perez, Clotilde e Junqueira, Luciano Prates (orgs). Voluntariado e a Gestão das políticas sociais. Futura. São Paulo, 2002. 4