Barrão – Fora daqui
9 de outubro a 15 de novembro de 2015
Casa França-Brasil
Felipe Scovino
Esta exposição inaugura uma nova fase na obra de Barrão. Ao longo de uma
trajetória de pouco mais de trinta anos, o artista teve a música, o meio
digital, os eletrodomésticos e a linguagem televisa, em resumo, como
suportes e temas de suas obras. Corpos ou máquinas em mutação são
características que permeiam a obra do artista. Passando pelas suas
instalações sonoras, performáticas e cinéticas no início do seu trabalho, e
chegando aos trabalhos feitos com louça a partir dos anos 2000, em que
articula distintos objetos feitos com esse material, cortando e colando suas
divisões para se chegar a um objeto escultórico, o artista investiga o excesso,
o estranho e a falha não só como temas, mas como processos constitutivos
desses corpos híbridos criados em função de partes.
Nesta mostra, a cor, tão presente em obras anteriores, é substituída por um
tom monocromático, com exceção do vidro, que, aparecendo
ocasionalmente, transmite uma tonalidade esverdeada a essa paisagem
esbranquiçada, e dois novos materiais passam a fazer parte da sua pesquisa:
a resina e o gesso.É importante atentar a esse fato, pois o trabalho ganhou
uma conotação mais sóbria, o que cria um enlace com o momento atual.
Esta afirmação ganha mais sentido quando fazemos referência à antiga
função deste prédio –em 1824, e por cerca de vinte anos,foi estabelecido
por D. Pedro I como alfândega e, portanto,como porta de entrada para os
imigrantes –, com o artista instalando uma barraca (um abrigo provisório) e
outras “ilhas” que de certa forma articulam territórios (um muro de tijolos,
totens e o caminho ziguezagueado proposto por imagens de cavalinhos)
dentro do espaço da Casa. Como formas, desejos, origens e histórias tão
diferentes podem ocupar o mesmo espaço? Como conciliar
dessemelhanças? Ademais, levamos em conta que em boa parte desses
objetos a inexistência ou ocultação de partes é uma regra.
Se nesse momento passamos pela maior onda migratória do pós-guerra e
assistimos impávidos às suas profundas e tristes consequências, o artista à
sua maneira expõe as novas configurações geográficas e econômicas que se
estabelecem com o processo de migração. É perspicaz que o sujeito – como
afirma Stuart Hall em A identidade cultural na pós-modernidade,
“previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se
tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas” – possui um
diálogo com as formas dessas obras. Estas parecem estar continuamente
incompletas, dividindo-se constantemente e criando formas híbridas que não
param de cessar. Contudo, este sentimento de incompreensão e
estranhamento que temos ao avistá-las logo é encoberto pelo fato de que a
fragmentação, fenômeno intrinsecamente ligado ao moderno,é quem torna
seus objetos definitivamente humanos e inseridos no tempo presente.
Notem que o artista faz uso do molde eque vários objetos são reproduzidos
mais de uma vez. Porém, como parte da poética de Barrão, eles sempre
aparecem ao mundo de formas distintas (uns sem pata, outros sem perna,
um terceiro com o corpo encoberto e assim por diante), transmitindo
ambiguamente um senso de particularidade a um objeto que deriva de um
processo industrial e que tem como compromisso a regularidade.
É importante dizer que Barrão não tem interesse em se colocar como “artista
político” ou explorar um acento dramático desse contexto, mas dividir
conosco por meio de um campo muito próprio de seu trabalho – que abarca
a irreverência e o nonsense – a sua interpretação sobre o que acontece no
mundo ou o que está à nossa volta. Percebam que em alguns momentos um
equilíbrio precário é produzido, como no castelo de cartas com as fitas
cassete ou na armação pouco estável dos livros feitos em resina. Temos a
sensação de que em vários momentos tudo está por ruir, expandir, retrair,
perder, cair ou revelar-se por completo.A obra parece estar à espreita de um
acontecimento, isto é, na iminência da sua próxima transformação.
Há uma capacidade inventiva de aliar materiais, histórias e formas diversas
que separadas seriam completamente antagônicas; mas, como um quebracabeça, essas peças se adequam, partilham o mesmo terreno, encontram
seus pares e ganham sentido. Finalmente, se deslocássemos esses
procedimentos para uma visão política de mundo – e agora dissertando
utopicamente –, as diferenças sociais e políticas seriam mais bem
equilibradas.
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