1 VÍNCULOS E SUA FUNÇÃO REORGANIZADORA * POR ADRIANA DAL- RI Neste seminário, irei abordar o tema, inspirada na teoria de Stanley Keleman sobre vínculos. Parto do princípio de que o ser humano tem um certo padrão de funcionamento: jeito de pensar , sentir ,expressar-se , movimentar-se , etc. É através desse padrão , que o indivíduo tem tanto uma referência externa para os outros ( ex: ele é um palhaço ou ele é briguento ) , quanto um sentido de identidade ( ex: eu sou assim , meu jeito é esse ) . Esse padrão é também muscular , de uma maneira que combine com o “papel”assumido. Assim , cada um , tem uma maneira específica predominante de se vincular com os outros. Esse padrão segue um roteiro do tipo de vínculos que a pessoa precisa e de que maneiras deve se estabelecer. Tendo em vista que assim deu certo ( em algum lugar da sua história ) , este roteiro se repete inúmeras vezes , mesmo que não funcione mais e que não lhe traga mais prazer ou sacie suas necessidades - a tendência é continuar a repetir. A questão é que o ser humano é potencialmente infinito. Ele tem um impulso vital básico de mudança , de crescimento , de reformulação . Um funcionamento vivo e dinâmico de pensamentos , sentimentos , gestos , visão interna , desejos e exigências . No entanto , o indivíduo geralmente não sabe como participar dos picos emocionais e das transições que ocorrem inevitavelmente . Essas transições podem ser previsíveis ( como a passagem de criança para adolescente , para adulto.... ) ou imprevisíveis (como se apaixonar , morte....). E um dos grandes aprendizados que o ser humano busca é como participar desse processo mutante e vivo , de modo a aprender a gerenciar a si próprio , ao invés de ser vítima desse processo de desenvolvimento e maturação. De acordo com a história pessoal de cada um inscrita no corpo , é que se molda a maneira como as pessoas se vinculam no presente. Assim , podemos dizer que o VÍNCULO É SOMÁTICO , ou seja , no nosso desenvolvimento aprendemos ou não os elementos essenciais para nos vincular através de uma interação de posturas somático – emocionais. São vários os estágios do desenvolvimento que formam o vínculo . O como fomos tocados , acariciados , cuidados , determina como nos relacionamos com os outros e conosco atualmente. Portanto, VÍNCULO refere-se ao modo como um indivíduo experienciou e foi correspondido somaticamente , no maior impulso que se tem na vida: o amor . A partir desta experiência , nos diferentes estágios , é determinado um padrão corporal que é a base para todas as relações afetivas e todos os aspectos da vida. O ser humano busca , sempre , organizar e reorganizar seus vínculos e sua maneira de estar no mundo . Mas fazer isso sozinho , significa cair nas armadilhas da 2 repetição de um jeito já conhecido , embora muitas vezes inconsciente . Assim , precisa de alguém que o ajude a reorganizar sua maneira de ser e suas experiências . Aí vem uma pergunta : não pode ser , “esse que ajuda” um amigo ou um parente ? Precisa mesmo ser um terapeuta ? A resposta a essa pergunta é definição que Keleman dá à vínculo : “Refere – se ao continuum relacional singular entre dois pólos : Transferência e Contratransferência , padrões somáticos tanto do cliente como do terapeuta .... Transferência é o processo pelo qual o cliente cria sua visão do terapeuta como precisa que ele seja , PROJETA no terapeuta aquelas qualidades de que ele precisa para seu próprio crescimento. Essas mesmas qualidades , serão INTROJETADAS e se tornarão parte de sua forma no próximo estágio”. O terapeuta é aquele que aceita o paciente e suas projeções . E aceitação é mais do que palavras e ações , é um estado de , verdadeiramente , RECEBER o paciente da maneira como ele é . Portanto , ele investiga o modo como seu paciente passou pelos “estágios do amor” e a maneira pela qual precisa vincular – se no presente , seja porque está preso num tipo de vínculo que não pôde se separar , ou porque está tentando reestabelecer um vínculo que foi incompleto para ele . O terapeuta precisa , então , estar atento ao tipo de vínculo que o paciente precisa e entender a natureza do seu próprio vínculo para compreender como facilita ou dificulta o processo de vínculação do paciente . A partir desse vínculo , somático e terapêutico , é que o paciente tem a possibilidade de crescimento em direção ao seu adulto verdadeiro . VÍNCULO COMO FUNÇÃO REORGANIZADORA é o acompanhamento que o terapeuta faz com seu paciente para que este possa reviver os seus estágios e a reconhecer e formar os sentimentos que foram cindidos. O como o paciente passou pelos diferentes estágios de crescimento e desenvolvimento somático , determina em que nível desse desenvolvimento ele funciona , bem como a natureza da transferencia . São 4 os níveis do vínculo : cuidar , importar – se , compartilhar e cooperar. (1) VÍNCULO : CUIDAR A reorganização , pela situação terapêutica , pode ser associada num primeiro momento ao vínculo uterino , onde há uma implantação , uma fusão entre feto e mãe . Neste nível , o terapeuta ACEITA o paciente , acolhe , serve como incubador ,útero . É o nível da implantação onde o paciente precisa de suporte para seu desenvolvimento , precisa ser nutrido . A transferência é indiscriminada , pois , o paciente precisa ser cuidado , sentir – se pertencendo . E o terapeuta “empresta” o corpo para o paciente , para que essa fusão , implantação , ocorra . (2) VÍNCULO : IMPORTAR – SE No nascimento , o vínculo baseia – se no alimento e proximidade ,repouso e separação . Nesse momento , o vínculo tem outro movimento que não é só de fusão e também não é ininterrupto . Entram outros alimentos essenciais para restaurar o vínculo 3 : a boca por onde entra o alimento , o nariz onde ocorre a respiração e o aparato sensório por onde a criança busca o calor do corpo da mãe . O vínculo terapêutico , neste nível , está baseado nesse movimento separação / proximidade , onde , terapeuta e paciente não estão fundidos , mas estão unidos . Porém , o terapeuta precisa cuidar e importar-se com o paciente , que estará insistente quando precisar do contato , porque tem uma necessidade de gratificação imediata . Precisa saber que o terapeuta estará lá quando precisar . (3) VÍNCULO : COMPARTILHAR Neste 3º estágio de desenvolvimento , a criança não é tão dependente do corpo dos pais , na medida que já domina suas emoções , percepções , sentimentos e experiências . Existe uma necessidade de compartilhar com seus pais essa descoberta e explorá – la mais , na medida que receber receptividade , interesse e singularidade . Isto cria uma confiança na construção do seu mundo interno. O terapeuta e paciente , neste nível , estabelecem uma conexão íntima para que o paciente possa , com essa união , ganhar “solidez no mundo”. Ao terapeuta cabe aceitar as projeções e ajudar a transferí-las para o mundo externo , para isso , aceita ser objeto de amor , grande amigo fantasiado , irmão . O terapeuta ajuda o paciente a afirmar ou definir , sua sexualidade adulta , e confirma para o paciente o crescimento de sua masculinidade ou feminilidade . O terapeuta aceita compartilhar , o que gera intimidade e serve ao propósito de organizar o estado interno , para que o paciente aprenda a agir a partir daí. (4) VÍNCULO : COOPERAÇÃO Para completar os estágios do vínculo , a criança precisa de cooperação , precisa fazer as coisas junto , quer se sentir parte da família , da comunidade , ampliar seus vínculos (não só uma relação dual ). Precisa de adultos que promovam espaço para que ela possa expressar suas idéias , ações e sentimentos . O vínculo terapêutico que rege este nível , se dá pela capacidade que o paciente tem em se separar do terapeuta e ao mesmo tempo , se aproximar dele para aprofundar sua maturidade e buscar novas novas respostas . É um vínculo assentado na interdependência e na cooperação emocional , voltado para realização de tarefas, atividades , e problemas . É baseado na diferenciação. O terapeuta funciona como educador , orientador , professor , irmão mais velho . O paciente já internalizou o terapeuta , que está “dentro e fora , estável e mutante alguém de quem se aproxima , mas de quem se separa”. A terapia nunca funciona apenas num nível , ela transita por eles conforme a história do paciente . Permanecer funcionando de uma só maneira , é tornar o vínculo imóvel , cristalizado , sem a pulsação necessária e vital . 4 Quem mais precisa saber disso é o terapeuta , porque se ele funcionar com sua parte inconsciente ou não vivida , inevitavelmente , sabotará ou dificultará o crescimento e a individualidade do seu paciente . Ao terapeuta , cabe representar todas as camadas do vínculo e precisa saber organizar diferentes formas para diferentes pacientes . Ele precisa organizar-se internamente , para ser : * CALOROSO – como um útero para permitir que o outro se implante. * DISPONÍVEL –como um provedor de alimentos para possibilitar a segurança básica. * VERDADEIRO – como o que aceita e ressoa com as pulsações sexuais para não tornar os pacientes assexuados ou indefinidos .Como aquele que põe limites sem desrespeitar ou diminuir , mas como quem dá referências . * ADULTO VERDADEIRO – como companheiro, como guia e amigo para que o paciente possa formar seu adulto maduro e reorganizar suas dificuldades e sua maneira de estar no mundo . VÍNCULOS..... “ palavras de vida , Toneladas de vezes mais potente que o álcool Muito mais gostoso que banho quente , depois de uma chuva de inverno , ou um banho de mar espumante no calor do verão . Sensação de que existe um coração pulsante dentro da gente . Sensação de que a gente é um coração pulsante dentro do outro . Sensação de gente vivendo com gente ”.( do livro Carícia Essencial ) BIBLIOGRAFIA : * KELEMAN Stanley . Amor e Vínculos . Ed. Summus . São Paulo 1996. * KELEMAN Stanley . O Corpo diz sua Mente . Ed. Summus . São Paulo 1996 . * KELEMAN Stanley . Realidade Somática . Ed. Summus . São Paulo 1994 . * Aulas Ministradas no Curso Extensivo de Formação em Psicoterapia Corporal no Instituto Reichiano Psicologia Clínica . * Artigo originalmente elaborado para a Revista Psicologia Corporal n°01 em novembro/98