Autora: Silvana Aparecida Dias Bello
Título:
O
romance
contemporâneo de Ana
Possibilidades de leitura
histórico
Miranda:
Orientadora: Dra. Mariléia Gärtner
Material Didático: Folhas
Quando nos referimos às narrativas
de
ficção
(contos,
romances)
escrevemos: histórias ou estórias?
Não responda sem antes dar uma
olhada no que alguns dicionários
trazem. Nos de bolso, o vocabulário
estória não aparece, não é mesmo?
Então veja como o Pequeno
Dicionário Enciclopédico Koogan
Larousse (1980) define a palavra
estória: s.f. Narrativa de ficção; exposição
romanceada de fatos puramente imaginários
(distinta da história, que se baseia em
documentos ou testemunhos); conto, novela,
fábula; estórias de quadrinhos.
Assim, poderíamos dizer que a
história
designa
narrativa
de
verdade, estória é narrativa que traz
fatos que nunca ocorreram. Será
verdade?
Mas o que é a verdade?
“Não se aprende filosofia, mas a
filosofar”, já disse Kant. A filosofia
não é um conjunto de idéias e de
sistemas que possamos aprender
automaticamente, não é um passeio
turístico
pelas
paisagens
intelectuais, mas uma decisão ou
deliberação orientada por um valor:
a verdade. É o desejo do verdadeiro
que move a filosofia e suscita
filosofias.
O espanto, a admiração, assim como
a dúvida e a perplexidade, nos fazem
querer saber o que não sabíamos,
nos fazem querer sair do estado de
insegurança ou de encantamento,
nos fazem perceber nossa ignorância
e criam o desejo de superar a
incerteza.
Quando isso acontece, estamos na
disposição de espírito chamada
busca da verdade.
Nossa
idéia
de
verdade
foi
construída ao longo dos séculos, a
partir de três concepções diferentes,
vindas da língua grega, da latina e
da hebraica.
Em grego, verdade se diz aletheia,
significando
não-oculto,
nãoescondido,
não-dissimulado.
O
verdadeiro é o que se manifesta aos
olhos do corpo e do espírito; a
verdade é a manifestação daquilo
que é ou existe tal como é. O
verdadeiro
se
opõe
ao
falso,
pseudos, que é o encoberto, o
escondido, o dissimulado, o que
parece ser e não é como parece. O
verdadeiro é o evidente ou o
plenamente visível para a razão.
Em latim, verdade se diz veritas e se
refere à precisão, ao rigor e à
exatidão de um relato, no qual se diz
com
detalhes,
pormenores
e
fidelidade
o
que
aconteceu.
Verdadeiro se refere, portanto, à
linguagem enquanto narrativa de
fatos
acontecidos,
refere-se
a
enunciados que dizem fielmente as
coisas
tais
como
foram
ou
aconteceram. Um relato é veraz ou
dotado de veracidade quando
linguagem enuncia os fatos reais.
a
estudiosos concluem que nele há
duas correntes.
Em hebraico, verdade se diz emunah
e significa confiança. Agora são as
pessoas e é Deus quem são
verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou
um amigo verdadeiro são aqueles
que cumprem o que prometem, são
fiéis à palavra dada ou a um pacto
feito; enfim, não traem a confiança.
Veja como identificar o
romance histórico tradicional.
Palavras
como
“averiguar”
e
“verificar”
indicam
buscar
a
verdade; “veredito” é pronunciar um
julgamento verdadeiro, dizer um
juízo
veraz;
“verossímil”
e
“verossimilhante”
significam
ser
parecido com a verdade, ter traços
semelhantes aos de algo verdadeiro.
Existe ainda uma quarta teoria da
verdade que se distinguem das
anteriores
porque
define
o
conhecimento verdadeiro por um
critério que não é teórico, e sim
prático.
Trata-se
da
teoria
pragmática,
para
qual
um
conhecimento é verdadeiro por seus
resultados
e
suas
aplicações
práticas, sendo verificado pela
experimentação e pela experiência.
A marca do verdadeiro é a
verificabilidade dos resultados.
Agora que você já sabe a verdade
sobre a verdade, pois acompanhou o
pensamento da filósofa Marilena
Chaui, no seu livro Filosofia (2002),
poderá compreender melhor um
subgênero da literatura: o romance
histórico, que traz o não-acontecido
dentro do acontecido.
O marco inicial deste tipo de
romance foi a publicação de Ivanhoé
(1819), de Sir Walter Scott, escritor
inglês. A partir daí, a febre alastrouse na Europa e chegou à América. Os
•
Assim como nas novelas ou
filmes de época, há um
ambiente
histórico
rigorosamente construído no
qual se dá a ação. Figuras que
realmente existiram convivem
com personagens... inventados
e intrigam o leitor.
•
A trama do romance acontece
num passado anterior ao
presente do escritor. Isto quer
dizer que ele precisa fazer
muita pesquisa histórica para
atingir a verossimilhança.
•
Este
ambiente
histórico
servirá de pano de fundo para
uma
trama
fictícia
onde
costumam aparecer paixões,
episódios cômicos, sátiras.
Através da qual o leitor tem a
possibilidade de fugir de uma
realidade menos atraente.
•
Oferece uma releitura da
história, supre deficiências da
historiografia ao dar voz a
discriminados silenciados pela
sociedade como, por exemplo,
os negros, mulheres, índios,
judeus.
•
O romance será como uma
máquina
do
tempo,
permitindo-nos
uma
aproximação íntima com o
passado.
O
romance
histórico
contemporâneo ainda traz:
•
Apresentação
de
idéias
filosóficas,
questionamentos
sobre fatos que pareciam
incontestáveis.
•
Algumas distorções da história
oficial por causa de omissões,
exageros,
inserção
de
episódios.
•
Figuras
bem
conhecidas,
heróis, mártires cristalizados
pela história atuam como
personagens
fictícios
que
protagonizam o enredo.
•
Há
metaficção,
ou
seja,
comentários do narrador de
como o livro foi produzido.
•
Intertextualidade – aparecem
documentos, poemas, cartas,
notícias de jornal inseridos na
obra.
No
Brasil,
escritores
famosos
também deixaram suas contribuições
em romances históricos, como José
de Alencar (As Minas de Prata);
Érico Veríssimo ( O Continente);
Jorge Amado (Tocaia grande); José
Lins do Rego (Os cangaceiros); Jô
Soares (O xangô de Baker Street); os
paranaenses Paulo Leminski ( O
catatau)
e
Domingos
Pelegrini
(Caramuru).
Nas últimas décadas foram às telas:
Galvez, Imperador do Acre e Mad
Maria, de Márcio Souza; A Muralha,
de Dinah Silveira de Queirós;
Carlota Joaquina e Xica da Silva de
João Felício dos Santos; O Quatrilho,
de José Clemente Pozenato; O
Memorial de Maria Moura, de
Rachel de Queiroz; Desmundo, de
Ana Miranda.
Cartaz do filme
Ana Miranda
Esta última que citamos merece ser
melhor estudada, pois é considerada
o maior expoente do gênero no
Brasil. Ela iniciou sua carreira de
escritora publicando dois livros de
poesias: Anjos e Demônios, 1979 e
Celebrações do Outro, 1983. Após o
seu primeiro romance histórico-Boca do Inferno (1989), que logo
vendeu 50.000 exemplares, deu-se
início a sucessivas publicações desse
subgênero da literatura no nosso
país. Ana Miranda nasceu em
Fortaleza, em 1951 cresceu em
Brasília, foi professora universitária
no Rio de Janeiro e atualmente mora
em São Paulo.
A maioria de seus livros traz
escritores
consagrados
pela
literatura
nacional
como
personagens ficcionalizados. No seu
primeiro romance o protagonista é
Gregório de Matos, que atua junto
ao Padre Antônio Vieira, ambos
representantes do Barroco no Brasil.
Neste livro, a autora descreve a
Bahia do século XVII.
Gregório de Matos
Leia
alguns
romance:
fragmentos
deste
Numa suave região cortada por rios
límpidos, de céu sempre azul, terras
férteis,
florestas
de
arvores
frondosas, a cidade parecia ser a
imagem do Paraíso. Era, no entanto,
onde os demônios aliciavam almas
para povoarem o Inferno. (p. 12)
...
Esta cidade acabou-se” pensou
Gregório de Matos, olhando pela
janela do sobrado no terreiro de
Jesus. “Não é mais a Bahia.
Antigamente havia muito respeito.
Hoje, até dentro da praça, nas
barbas da infantaria, nas bochechas
dos granachas, na frente da forca
fazem assaltos à vista .(p. 13)
...
De
noite,
aqueles
mesmo
freqüentadores de missas andavam
em direção aos calundus e feitiços.
Homens e mulheres compareciam
com devoção a esses rituais de
magia, em busca de ventura. Iam
gastar suas patacas com os mestres
do cachimbo. Deliravam, dançavam
de maneira que muitos acreditavam
ver dentro deles o próprio Satanás.
Quando se confessavam na igreja,
escondiam isso dos padres apesar de
não ser raro ver-se um sacerdote em
tais cerimônias. .(p. 14)
Os fiéis que chegavam à igreja
traziam rosários e devocionários.
Antes de entrar muitos faziam o
sinal-da-cruz, sendo que alguns
deles, como observava Gregório de
Matos, persignavam-se ao contrário
do que ensinava o catecismo. Dentro
da igreja, prosternavam-se com um
leve tocar do joelho no chão, como
se fossem um besteiro prestes a
atirar. (p. 14)
Enquanto aguardavam a missa,
alguns admiravam os santos em seus
nichos, outros preferiam ficar vendo
o movimento das pessoas. Um
homem cochilava sentado no muro,
um grupo de jovens olhava duas
belas negras que iam passando com
fardos à cabeça. (p. 15)
As mulheres que se dirigiam à igreja
usavam brincos, mangas e volá,
broches, saias de labirintos. Com
essas alfaias iam caminhando ao
som do repicar dos sinos do Carmo,
São Bento, colégio ou São Francisco.
Muitos
comentavam
que
as
mulheres iam à missa para maldizer
seus maridos, ou amantes, ou talvez
cair em erros indignos. (p. 15)
A porta da igreja estava repleta de
miseráveis e loucos. Com tanta
riqueza, havia grande pobreza e
muita gente morria de fome. (p. 15
O sexo com prostitutas, assim como
as ciladas de inimigos, eram
atividades associadas às sombras da
noite, quando Deus e seus vigilantes
se recolhiam e o Diabo andava à
solta, as armas e os falos se erguiam
em
nome
do
prazer
ou
da
destruição,
que
muitas
vezes
estavam ligados num mesmo intuito.
Os furtos, passatempo da cidade,
também ocorriam à noite. De dia as
missas
se
sucediam
interminavelmente, às quais o povo
comparecia para expiar suas culpas
e assim poder cometer novos
pecados: concubinatos, incestos,
jogatinas,
nudez
despudorada,
bebedeiras, prevaricações, raptos,
defloramentos, poligamia, roubos,
desacatos,
adultério,
preguiça,
paganismo, sodomia, lesbianismo,
glutonaria. .(p. 21)
Nos últimos cem anos todos os bispos
pelejaram contra os governadores.
Sardinha contra Duarte da Costa,
Constantino Barradas contra o Diogo
Botelho. Diogo Botelho era aquele
filho da puta que usava para fins
militares o dinheiro destinado a
órfãos e viúvas, e por sua vez
acusava o outro filho da puta, que era
o
bispo,
de
santo
unhate.
Intransigências,
hostilidades,
excomunhões,
interdições,
imposições
sempre
aconteceram
entre nossos homens da Igreja e da
Coroa. No fundo o problema era os
salários eclesiásticos. (p.103)
1. Nos fragmentos temos a descrição
da Cidade da Bahia, no tempo do
Brasil Colônia. Como aparecem os
tipos humanos nestes textos?
2. Como Gregório de Matos expõe a
hipocrisia na sociedade da Colônia?
3. Gregório de Matos aparece como
personagem do romance. Quem foi
ele? Em que época ele viveu?
4. Os fragmentos foram extraídos do
romance Boca do Inferno, de Ana
Miranda. Na sua opinião, porque o
romance recebeu esse título?
5. É característica do romance
histórico contemporâneo apresentar
uma nova leitura da história. Quais os
elementos históricos presentes nestes
fragmentos? Como a escritora propõe
a crítica à história oficial?
6. O que esses fragmentos têm em
comum com esta poesia de Gregório
de Matos?
Define a Sua Cidade
De dois ff se compõe
esta cidade a meu ver:
um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
e quem o recopilou
com dous ff o explicou
por estar feito, e bem feito:
por bem digesto, e colheito
só com dous ff o expõe,
e assim quem os olhos põe
no trato, que aqui se encerra,
há de dizer que esta terra
de dous ff se compõe.
Se de dous ff composta
está a nossa Bahia,
errada a ortografia,
a grande dano está posta:
eu quero fazer aposta
e quero um tostão perder,
que isso a há de perverter,
se o furtar e o foder bem
não são os ff que tem
esta cidade ao meu ver.
Provo a conjetura já,
prontamente como um brinco:
Bahia tem letras cinco
que são B-A-H-I-A:
logo ninguém me dirá
que dous ff chega a ter,
pois nenhum contém sequer,
salvo se em boa verdade
são os ff da cidade
um furtar, outro foder.
7- Os dois ff representam a denúncia
dos dois maiores problemas sociais da
Bahia segundo Boca do Inferno. Quais
eram?
8- Tanto Gregório de Matos (no Brasil
Colônia) como Ana Miranda (no Brasil
contemporâneo) utilizam expressões
consideradas de baixo calão em seus
textos, que sentido esta técnica
literária produz em suas respectivas
obras?
Uma das características de Ana
Miranda é a reavaliação do papel da
mulher na história, para isso vale-se
de vários modelos femininos na sua
obra: moças angelicais, mulheres
negras
e
escravas,
respeitadas
senhoras da sociedade da época,
prostitutas, freiras, beatas, entre
outras. Coincidentemente (ou não) as
poesias de Gregório de Matos
também
são povoadas por vários
tipos de mulheres. Leia mais esta
poesia do escritor baiano e descreva a
mulher que aí aparece.
Flor angélica Polianthes tuberosa
http://www.holminas.com.br/corte.asp
?tipo=outras
9. A obra de Gregório de Matos dividese em satírica, religiosa e lírica.
Em quais temas, os poemas que você
acabou de ler, se encaixam?
10.
Gregório de Matos é um
representante do Barroco. O que você
sabe sobre essa escola literária?
Pesquise.
À mesma dona Ângela
Anjo no nome, Angélica na cara!
Isso é ser flor, e Anjo juntamente:
Ser Angélica flor, e Anjo florente,
Em quem, senão em vós, se uniformara:
Quem vira uma tal flor, que a não cortara,
De verde pé, da rama florescente;
E quem um Anjo vira tão luzente;
Que por seu Deus o não idolatrara?
Se pois como Anjo sois dos meus altares,
A presença da mulher na história
do colonialismo brasileiro, sob a
ótica masculina, também pode ser
observado na pintura, como em O
Jantar no Brasil (1827), do francês
Jean Baptiste Debret.
Fôreis o meu Custódio, e a minha guarda,
O Brasil Colônia também é
Livrara eu de diabólicos azares.
tema
do
romance
Desmundo
Mas vejo, que por bela, e por galharda,
(1996). A leitura inicial dessa obra
Posto que os Anjos nunca dão pesares,
faz o leitor perceber que a obra
Sois Anjo, que me tenta, e não me guarda.
comporta muitos elementos do
modelo de romance histórico do
século XIX. No entanto, a forma
bestiários
como a mulher é aí apresentada,
desenhadas
rompe
sentido observe a vinheta número
com
a
concepção
tradicional de ficção histórica. Pois
Desmundo
é
mais
que
medievais,
pela
autora.
foram
Neste
sete, denominada DESMUNDO:
uma
simples releitura do passado, uma
vez que se aproxima da ficção
mais do que do discurso oficial
documentário.
através
de
Assim, o leitor,
um
processo
de
Figura 1 Desmundo
construção mimética, crê que os
acontecimentos
contados
são
realmente passados no século XVI,
inclusive porque a autora tenta
reproduzir a linguagem utilizada
11.
A
vinheta
representa
o
estranhamento de Oribela diante
do Novo Mundo. O que
seria
“desmundo” para você?
na época.
As gravuras que ilustram a obra
são partes integrantes do romance,
elas estando intimamente ligadas ao
processo de construção de sentido da
narrativa. Dez vinhetas introduzem as
diferentes partes do livro, elas são
mais que gravuras, fazem parte da
linguagem
assemelhando-se
do
romance,
aos
antigos
Sempre que Oribela se refere
à nova terra, utiliza palavras que
são iniciadas pelo prefixo de
negação “des”, e entre elas
algumas
palavras
são
dicionarizadas e outras não:
“despejado
lugar”
(MIRANDA,
1996, p. 16), “terras desabafadas”
(MIRANDA,
1996,
p.
26),
“desventura” (MIRANDA, 1996, p.
1), “desrumo” (MIRANDA, 1996, p.
138) , “desmundo” (MIRANDA,
1996, p. 138) e “desmoveu”
(MIRANDA, 1996, p. 151). Esse
recurso confere à linguagem uma
matiz arcaica e ao mesmo tempo
popular, resultado da contínua
evolução histórica de uma língua
viva. Mas, o uso do prefixo “des”
também remete à negação e à
desconstrução
dos
valores
patriarcais possíveis nesse mundo
anti-feminino.
ao rei de Portugal o envio
mulheres brancas para o Brasil:
O fragmento que segue
apresenta a concepção de Oribela
em relação ao “desmundo”:
A’ El-Rei D. João (1552)
Havia ainda em meu coração o desejo
de tornar, embora fosse a cada
anoitecer mais pálida a vista da
Princesa, suas torres e muralhas
dentro de mim, mais apagada a vista
do rio, mais borrada a face de minhas
amizades, de Sabina, de Giralda, de
dona Isobel morta. Nem em sonhos
vinha mais minha mãe, vinha sim
uma terra seca de cinzas e a mulher
velha, a lembrança má dos marujos
se servindo de mim, o mouro em fogo
avoando sobre minha cama a tentar
com sua beleza má, seus olhos de
pérolas brancas, nos meus quilates
de virtude em que devia exercitar
minha vida, afastada da igreja por
maldade de um esposo que só queria
se adentrar pelo mato a ter para
consolação um pé de santa a beijar
no oratório, pequena como porcelana.
De bom restava as flores do Mendo
Curvo e o mel de suas abelhas. E a
tanto me agarrava eu, como se fosse
um fio de seda que levasse ao
mundo, estando eu no desmundo
(MIRANDA, 1996, p. 138).
Já que escrevi a Vossa Alteza a
falta que nesta terra ha de mulheres,
com quem os homens casem e vivam
em
serviço
de
Nosso
Senhor,
apartados dos pecados, em que
agora vivem, mande Vossa Alteza
muitas orphãs, e si não houver
muitas, venham de mistura dellas e
quaesquer, porque são desejadas as
mulheres brancas cá, que quaesquer
farão cá muito bem à terra, e Ella
se ganharão, e os homens de cá
apartar-se-hão do pecado.
12. Você entendeu o porquê do
título
Desmundo?
Que
tal
pesquisar em uma gramática mais
alguns prefixos que compõem a
estrutura das palavras da Língua
Portuguesa?
O histórico e o ficcional se
entrecruzam já no início do romance,
quando aparece a carta em que o
padre Manuel da Nóbrega solicita
de
JESUS
Manuel da Nobrega
13. A carta de Nóbrega é um
documento histórico?
14. Por que ele solicita o envio de
mulheres para o Brasil?
15. Qual o perfil da maior parte
dos primeiros colonizadores do
Brasil?
Observe
como
Ana
Miranda
descreve estes colonizadores no
seu texto ficcional:
...e se disse ter a nau mais de
quatrocentas pessoas, sem contar
escravos, uns tantos que ficavam
na terra do Brasil, outros que
seguiam às Índias, para onde iam
uns viciosos, que antes se metiam
lá os fidalgos para fazer suas
mercas e ficar muito ricos, mas
agora eram ladrões, chatins
cobiçosos que lá iam fazer coisas
feias (MIRANDA, 1996, p.22).
Diziam que era aquela gente
tanoeiros, carvoeiros, caldereiros,
cavaqueiros,
soldados,
sangradores, pedreiros, ferreiros,
calheiros, pescadores, lavradores,
eiros, eiros, ores, ores, e tudo o
mais necessário para se fazer do
mato uma cidade (MIRANDA,
1996, p.25).
ervas e netas das águas correntes.
As enjeitadas, as fideputas, que
nem se rapta nem se dota, mulher
de cafraria. Que teve a rainha de
dotar e o rei de dar ofício. Mulher
de pele branca e fala um bom
português (MIRANDA, 1996, p.52).
19. A história oficial discute a
presença da mulher na colonização
brasileira?
20. Qual a diferença entre as órfãs
e as negras ou índias que
povoavam o Brasil?
16. O texto de Miranda é ficcional,
mas descreve um fato histórico.
Qual a diferença deste texto em
relação aos textos dos livros e
manuais de história?
17. Na sua opinião, Ana Miranda
escreveu Desmundo e Boca do
Inferno preocupada com a verdade
histórica? Por quê?
18. Por que filmes e romances com
temáticas históricas têm grande
aceitação do público, nos dias
atuais?
Observe como a protagonistanarradora descreve sua condição
de orfandade:
“Órfã, só o que restava, pudesse
querer se mover a tão distante
país, como se diz desse tipo de
mulher que ninguém quer, tesoura
aberta, martelo sem cabo, alfinete
sem ponta, que como o cão
sorrateiro morde o cavalo e mata
o cavaleiro. Filhas das pobres
Extraído e adaptado do livro História das Mulheres no Brasil,
Editora Contexto, São Paulo, 2000
Como na gravura, em Desmundo
também percebe-se a presença da
mulher no Brasil quinhentista. Não
como mero artefato doméstico,
mas interagindo com a cultura
local:
Eu pintava o rosto de urucum, comia
do prato das naturais e me
desnudava nos dias quentes, deixava
os chicos chuparem meus peitos,
dançava, de modo que dona Branca
veio baixar umas regras, antes que
virasse eu uma bárbara da selva e me
metesse a comer de carne humana.
(MIRANDA, 1996, p.127).
A Chegada
Figura 2 Desmundo
1
A vista de uma colina distante
tangeu dentro do meu coração
música de boas falas, com doçainas
e violas d’arco, a ventura mais
escondida clareia a alma. Ali estava
bem na frente a terra do Brasil, eu a
via pelos estores treliçados, lustrada
pelo sol que deitava. Uxtrix, uxte,
xulo, cá! Verdadeira? Tão pequena
quanto pudesse eu imaginar, lavada
por uma chuva de inverno, verde,
umas palmeiras altas no sopé, por
detrás de nuvens de tapeçaria, véu
de leve fumo. Hio, hio, huhá!
Espantada que a alegria pudesse
entrar tão profundamente em meu
coração, em joelhos rezei. Deus,
graças, fazes a mim, tua pequena
Oribela, a mais vossa mercê em
idade inocente, um coração novo e
um espírito de sabedoria, já estou
tão cegada pela porta de meus olhos
que nada vejo senão deleitos,
folganças do corpo, louvores, graça
prazentes
e
meu
coração
endurecido, entrevado sem saber
amar ou odiar. Assim como o azeite
acende o lume, a vista acende o
desejo. Dá a mim a graça de muitas
lágrimas com que lavar o meu
sonho, maior que meu corpo.
Nossa carne quebrada, já sendo
vencida pela fraqueza e ainda assim
se batiam palmas. Cantai, cantai.
Davam pancadas nas tábuas de
nosso camarote para aviso da terra,
não tivéssemos dois olhos bons em
cada fuça, diziam para darmos
mostra da ventura, queridas, boa a
chegada, acabada a água do armário
do camarote e só chuva para tomar,
atinava eu que ia beber água fresca,
água fresca, água fresca água fresca
águafrescáguafresca
larari
lara,
molhar as mãos, as ventas, derramar
o que fosse, sem contar gota por
gota, não ouvir mais gente bradar
por água, molhar meus cabelos em
um chafariz, bica, ter um lugar onde
ficar só, sem ver caçarem os peixes,
ferroarem seus olhos, rasgarem suas
gargantas, pardeus, sem ouvir mais
a litania do padre Antolim e suas
gritarias para despossuir gente
tomada pelo Diabo, as más línguas
da Parva amarrada ao pé do
condenado, ia eu ter uma cama onde
pudesse estirar minhas pernas e sem
me acordarem cotovelos alheios,
nem o medo, nem o suor, nem as
vacas batendo os chifres nas
cavernas, será? (p. 11)
2
Ia tirar de mim o cheiro de lã
podre, vestir camisa limpa, lavar o
sal da pele, comer fruta da árvore,
carne assada, esquentar as mãos
num fogão de lenha, assentar à
mesa, adeus ferrugem, adeus carne
de porco na banha, ai um pão
quente, um ceitil de cerejas, tudo
parecia alta maravilha, qualquer
botão de corno, qualquer fita nova
vida, sem rezar pelas monções nem
temer as tempestades e jogar os
pequenos ágnus-dei de cera na água
para acalmar rainha de nossa sorte,
lançar às águas as cartas de baralho,
os livros de pecados e fornicações
fora o preço da nossa vida tão mal
paga, que nada vale, ia poder andar
numa relva, ter uma igreja onde
assistir à missa e imagem de santa,
deixar malga de leite à janela para
os mortos, lavar minha boca, que
sentia os dentes escuros da mula
espanhola, ia deitar numa cama sem
me importar se era dia santo ou
domingo e ao acordar comer
chorizos de sangue, depois de
estômago cheio rezar pois, dissera
meu pai, na hora do batismo
encostaram em minha testa uma
cruz e eu gritara muito, prova de
haver coisa em mim. Amém, amém,
mas nada podia eu compreender do
mundo e do céu, meu modo era
esquivar e renegar, no que fiz o
sinal-da-cruz no peito, a face vazia
sem obra sem costume, sem a
memória do passado, os olhos
alongados ao verde da terra,
pensando
naquelas
coisas
que
desfazem um coração limpo. (p. 12)
O poder da Igreja atingia toda a
sociedade
colonial,
funcionando
como instrumento de controle social.
Essa ação encontrava eco, pois a
condição
social
do
individuo
implicava
o
“ser
cristão”.
A
obediência aos preceitos religiosos
era conseguida através de medidas
como a excomunhão e a exposição
dos pecadores à reprovação pública.
Dimensão Religiosa na Colonização
2) Reúna-se com alguns colegas da
sua sala de aula, converse sobre o
envio
de órfãs
para casarem-se com
Estória=>
Ver história
os desbravadores do Brasil depois
Com inspiração no inglês, tem-se
escreva
proposto osobre
termo esse
estóriaassunto,
(forma
priorizando
nele
éticospara
e
aportuguesada
do valores
inglês story)
morais.
referência
a
peça
de
ficção,
folclórica, reservando-se história
3)Na Bahia do século XVII, Gregório
(forma correspondente ao inglês
de
Matospara
denuncia
alguns
problemas
history)
designar
história
real.
sociais.
E
sua
cidade
seu
bairro,
tem
Os irmãos ouvem tudo aquilo como
se
problemas?
Liste alguns
e em
fosse uma ESTÓRIA,
algo
quegrupo,
nunca
poderiam
imaginar
busque
soluções.
Pode-se nas
redigir suas
um
cabecinhas.
texto
e enviá-lo às autoridades, como
vereadores,
Que tal?
Entretanto, prefeitos.
o substantivo
história é
o usual (99%) tanto para ficção
4) Afinal como se explica história x
quanto para fatos reais. Estória é um
estória?
neologismo
proposto por João
Ribeiro
(membro
da
Academia
Brasileira de Letras) em 1919, para
designar, no campo do folclore, a
narrativa popular, o conto tradicional.
A influência da Igreja no processo
colonizador foi considerável. Os
primeiros jesuítas chegaram com
Tomé de Souza em 1549, chefiados
por Manoel da Nóbrega (...)
A criação do bispado em 1551,
coordenando as atividades de forma
mais organizada, facilitou o êxito de
seus intentos: restaurar o poder
político da Igreja de Roma, impedir a
penetração de seitas consideradas
heréticas e manter idéias católicas
entre os colonos. (...)
A Igreja patrocinava festas e
divertimentos populares, orientando
formas de manifestações coletivas.
No conjunto, pode-se afirmar que
disciplinava maneiras de pensar e
sentir na colônia.
KOSHIBA, Luiz e PEREIRA, Denise
Manzi Frayse. História do Brasil p.51
1)
Identifique
algumas
características
do
Romance
Histórico presentes nos fragmentos
de Boca do Inferno e Desmundo.
Alguns consideram o termo arcaico,
mas ele difere claramente de
“História”, pelo primeiro ser algo
inventado e o segundo algo verídico.
O termo acabou por não ter uma
aceitação generalizada, uma vez que
pode ser feita a distinção entre
E fizeram o Carnaval.
Para alguns filósofos a “verdade”
pode ser relativa. E há quem não se
preocupe com a verdade sobre a
“verdade”. Veja por exemplo, o humor
de Oswald de Andrade, escritor
modernista, quando se refere a fatos
do Brasil- Colônia.
Brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E preguntou pro guarani da mata virgem
−
Sois cristão?
−
Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da morte
Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu!
O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra respondeu
−
Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum!
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Autora: Silvana Aparecida Dias Bello Título: O romance histórico