UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM LINGUÍSTICA
SAÚDE E RETÓRICA: ARGUMENTOS RETÓRICOS NA
CONSTRUÇÃO DO ETHOS E DA RELAÇÃO COM O
AUDITÓRIO EM PROPAGANDAS INSTITUCIONAIS DA
ÁREA DA SAÚDE
SUELI APARECIDA CERQUEIRA MARCIEL
Orientadora: Prof. Dra. Ana Lúcia Tinoco Cabral
Dissertação apresentada ao Mestrado em
Linguística, da Universidade Cruzeiro do Sul,
como parte dos requisitos para a obtenção do
título de Mestre em Linguística.
SÃO PAULO
2014
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE
TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO,
PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA CENTRAL DA
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
M266s
Marciel, Sueli Aparecida Cerqueira.
Saúde e retórica: argumentos retóricos na construção do ethos e
da relação com o auditório em propagandas institucionais da área
da saúde / Sueli Aparecida Cerqueira Marciel. -- São Paulo; SP:
[s.n], 2014.
90 p. : il. ; 30 cm.
Orientadora: Ana Lúcia Tinoco Cabral.
Dissertação (mestrado) - Programa de Pós-Graduação em
Linguística, Universidade Cruzeiro do Sul.
1. Análise do discurso 2. Ethos 3. Argumentação 4. Retórica I.
Cabral, Ana Lúcia Tinoco. II. Universidade Cruzeiro do Sul.
Programa de Pós-Graduação em Linguística. III. Título.
CDU: 81’42(043.3)
UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
Saúde e retórica: argumentos retóricos na construção
do ethos e da relação com o auditório em propagandas
institucionais da área da saúde
SUELI APARECIDA CERQUEIRA MARCIEL
Dissertação de mestrado defendida e aprovada
pela Banca Examinadora em 05/06/2014.
BANCA EXAMINADORA:
Profa. Dra. Prof. Dra. Ana Lúcia Tinoco Cabral
Universidade Cruzeiro do Sul
Presidente
Prof. Dr. Manoel Francisco Guaranha
Universidade Cruzeiro do Sul
Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Dedico este trabalho ao meu marido Carlos Eduardo, em especial, por ter
acreditado que eu era capaz, às minhas filhas Isadora e Rafaela, razões
do meu viver, por terem suportado minhas ausências.
Aos colegas que estiveram ao meu lado e desejaram minha vitória e aos
professores por me oferecerem a oportunidade de construir o meu
próprio conhecimento
AGRADECIMENTOS
À Universidade Cruzeiro do Sul pela confiança em meu desejo de formação.
À professora Ana Lúcia Tinoco Cabral pela orientação, dedicação,
compreensão e confiança no desenvolvimento deste trabalho.
À banca examinadora, Profa. Dra. Ana Lúcia Tinoco Cabral, Prof. Dr. Manoel
Francisco Guaranha, Prof. Dr. Luiz Antônio Ferreira, por sua leitura detalhada
e de importante contribuição no momento da qualificação.
A todos os professores do programa de Mestrado em Linguística pelos
ensinamentos valiosos.
A meu marido Carlos Eduardo, minha alegria e meu maior incentivador.
Às minhas filhas Isadora e Rafaela, razões do meu viver, por suportarem
minhas ausências.
Aos colegas do programa de mestrado por dividirmos estudos, dúvidas,
buscarmos soluções e torcermos uns pelos outros.
À Profa. Elizabeth Cury, em especial, que despertou em mim, ainda na
graduação com suas belíssimas aulas, o desejo de seguir adiante.
MARCIEL, S. A. C. Saúde e retórica: argumentos retóricos na construção do ethos
e da relação com o auditório em propagandas institucionais da área da saúde.
2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul,
São Paulo, 2014.
RESUMO
A presente dissertação insere-se na linha de pesquisa “Estudos estilísticos: discurso,
gramática e estilo” do programa de Mestrado em Linguística da Universidade
Cruzeiro do Sul tendo como base a Retórica e as premissas argumentativas. O
escopo da pesquisa centra-se em observar de que forma a utilização dos elementos
retóricos em propagandas institucionais da área da saúde, contribuem para a
construção do ethos do orador, considerando a sua relação com o auditório. Tendo
como pressuposto
que o discurso contido nas propagandas selecionadas é
predominantemente argumentativo, portanto, retórico, a pesquisa tem como objetivo
geral desenvolver um estudo analítico a respeito de como a escolha dos argumentos
retóricos promove identificação entre o orador e o auditório. O corpus compõe-se de
cinco propagandas institucionais da área da saúde, de um renomado hospital,
veiculadas semanalmente na revista Veja, cada uma delas contemplando um tema
diferente, sempre ligado a doenças. e que recorrem em sua estrutura textual, a
variados elementos retóricos. Assim o trabalho justifica-se pela originalidade do
corpus e pela possibilidade de análise dos elementos retóricos numa área pouco
explorada
pelos
estudos
argumentativos.
Para
cumprir
nosso
objetivo
fundamentamo-nos nos postulados das teorias retóricas; recorremos especialmente
a Aristóteles (1998) e a outros teóricos como Perelman (1996) e Meyer (2007). A
análise consistiu na observação do modo como o orador utiliza os elementos
retóricos na busca pela aproximação com o auditório e contemplou três categorias: o
auditório, as estratégias retóricas e o ethos. As análises possibilitaram-nos observar
que o hospital utiliza, em especial, o argumento de autoridade e o lugar da
quantidade representados pelos dados estatísticos em evidência no corpus. A
utilização destes argumentos promovem identificação entre auditório e orador, e
colaboram para a construção de um ethos ligado ao saber científico, capaz de
sensibilizar um auditório elitizado.
Palavras-chave: Retórica, Ethos, Propaganda, Auditório.
MARCIEL, S. A. C. Health and rhetoric: the rhetorical construction of ethos and
relationship with the audience in institutional advertisements healthcare arguments.
2014. 90 f. Dissertação (Mestrado em Linguística)–Universidade Cruzeiro do Sul,
São Paulo, 2014.
ABSTRACT
This dissertation is part of the research line " stylistic studies: speech, grammar and
style " of the Master's program in Linguistics at the University Cruzeiro do Sul based
on the rhetoric and argumentative premises. The scope of the research focuses on
observing how the use of rhetorical elements in institutional advertisements
healthcare, contribute to the construction of the ethos of the speaker, considering
their relationship with the audience. Based on the assumption that the speech
contained in the selected advertisements is predominantly argumentative, so
rhetorical, research has as main objective to develop an analytical study on how the
choice of rhetorical arguments promotes identification between the speaker and the
audience. The corpus consists of five institutional advertisements healthcare, a
renowned hospital, aired weekly on the magazine Veja, each covering a different
theme, always linked to diseases. and rely on their textual structure, the various
rhetorical elements. So the work is justified by the originality of the corpus and the
possibility of analyzing the rhetorical elements in an area little explored by
argumentative studies. To fulfill our goal fundamented in the postulates of rhetorical
theories; appealed especially to Aristotle (1998) and other theorists as Perelman
(1996) and Meyer (2007). The analysis consisted in observing how the speaker uses
the rhetorical elements in the quest for rapprochement with the auditorium and
included three categories: the audience, the rhetorical strategies and ethos. The
analysis allowed us to observe that the hospital uses, in particular, the argument from
authority and instead of the quantity represented by the statistics in evidence in the
corpus. Using these arguments promote identification between audience and
speaker, and collaborate to build an ethos linked to scientific knowledge, able to
sensitize an elite audience.
Keywords: Rhetoric, Ethos, Advertisement, Auditorium.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
CAPÍTULO 1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PROPAGANDA ................ 13
1.1
1.2
1.3
A Propaganda e as Leis ............................................................................. 16
Legislação Para Propaganda na Área da Saúde. ..................................... 22
Propaganda Institucional na Área da Saúde. ........................................... 22
CAPÍTULO 2 FUNDAMENTOS DA RETÓRICA ..................................................... 25
2.1
2.2
2.3
2.4
2.5
Retórica ....................................................................................................... 25
O Orador e o Auditório ............................................................................... 30
A Adaptação ao Auditório. ......................................................................... 33
Estratégias Retóricas ................................................................................. 35
A Construção do Ethos .............................................................................. 44
CAPÍTULO 3 ANÁLISE DO CORPUS ..................................................................... 48
3.1
3.2
3.3
3.3.1
3.3.2
3.3.3
Objetivos e Percurso da Pesquisa ............................................................ 48
Corpus da Análise ...................................................................................... 49
Análises ....................................................................................................... 52
O Auditório .................................................................................................. 52
Estratégias Retóricas ................................................................................. 55
A Construção do Ethos do Orador............................................................ 81
CONCLUSÃO ........................................................................................................... 84
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 88
9
INTRODUÇÃO
A propaganda brasileira está entre as melhores do mundo segundo os
próprios órgãos que as regulamentam. Não à toa, tamanha criatividade exige dos
profissionais de redação uma gama de conhecimentos aprofundados em
argumentação, retórica, léxico e suas possibilidades de exploração para poderem
extrair daí os mais variados efeitos de sentido.
Existe a possibilidade de fazer propaganda para todo e qualquer tipo de
produto ou assunto. As propagandas institucionais voltadas para a imagem (ethos)
do anunciante perante seu auditório são o exemplo de um tipo de divulgação que se
vale, em grande parte, de problemas enfrentados pela sociedade como um todo. Na
área da saúde, a deficiência no oferecimento de serviços de qualidade para a
grande população serve de mote para que instituições particulares ganhem espaço
entre os consumidores. Em geral, estas instituições apelam para a propaganda
institucional, que visa a propagar uma ideia, uma imagem, ou mesmo a excelência
de um serviço.
Outra boa razão para que a propaganda institucional seja uma opção, é a
individualização, ou pelo menos, a ideia de individualização que a propaganda passa
ao direcionar uma campanha para toda uma camada da população, mas que parece
falar a um indivíduo em especial. Segundo Carvalho (1996) “A via sociológica parte
do fato de que, não se dirigindo a ninguém em especial, a publicidade dá a cada um
a ilusão de que dirige-se a ele individualmente.”
O hospital Albert Einstein explora bem essa ideia de individualização da
mensagem, quando divulga orientações que parecem ser de caráter informativopreventivo em suas propagandas institucionais.
Nossa escolha por propagandas institucionais da área da saúde deve-se ao
fato de que esse é um nicho de mercado de grande relevância atualmente. Dadas às
diferenças socioeconômicas encontradas em São Paulo e em outros estados
brasileiros, os serviços de saúde entraram com força no mercado da propaganda,
pois há quem dependa dos serviços públicos, e há aqueles que podem ou esforçam-
10
se para pagar esses mesmos serviços na intenção de adquirir um diferencial ao
enfrentar problemas de saúde, saúde que, aliás, podemos classificar como um valor
universal.
Nossos questionamentos surgiram justamente pelo interesse em estudar e
compreender como, nesse tipo de propaganda, sobretudo na área da saúde, as
questões retóricas e argumentativas estão implicadas. Sabemos que as diversas
camadas da sociedade têm necessidades variadas e compete ao anunciante
(orador), através da propaganda, persuadir seu público alvo (auditório) de que esse
é melhor que aquele, em detrimento dos usos que se fazem dos elementos
retóricos.
Estabelecemos como objetivo geral, desenvolver um estudo analítico dos
argumentos retóricos que promovem identificação, na relação entre auditório e
orador, em um corpus de propaganda institucional da área da saúde, a saber,cinco
propagandas do hospital Albert Einstein.
Para cumprir o objetivo geral, estabelecemos os seguintes objetivos
específicos:

Verificar como se define o auditório nas propagandas que compõem o
corpus;

Levantar as estratégias retóricas;

Identificar o ethos construído.
Cada uma das propagandas que compõem o corpus, ocupa uma página
inteira e é veiculada semanalmente na Veja, revista de grande circulação no Brasil.
O hospital Albert Einstein, considerado um dos mais renomados da cidade de São
Paulo, tem um auditório qualificado, haja vista a escolha do veículo de divulgação e
da linguagem utilizada nas propagandas em questão.
Para dar conta dos objetivos estabelecidos, recorremos aos postulados da
Retórica, para observar, como o orador se vale dos elementos retóricos para
persuadir o auditório. E, ainda, verificar em que medida os usos destes elementos
11
retóricos promovem identificação entre o orador e auditório. E esta identificação
reforça de modo positivo o ethos do orador.
Assim, focalizamos em nossas análises questões retóricas como a
persuasão, a força dos argumentos e o entendimento de que o orador e o auditório
têm, interpondo-se entre si, necessidades que precisam ser supridas. As
necessidades do orador visam à manutenção de um ethos já construído, mas que
carece sempre de novas iniciativas para a fidelização do auditório. O orador espera
adesão às teses propostas, portanto, sua imagem é peça fundamental no quebra
cabeça da argumentação, sua idoneidade, sua respeitabilidade, devem ser capaz de
persuadir sem questionamentos.
Por outro lado, as necessidades do auditório estão vinculadas não só à
aquisição de informação, mas também à satisfação das necessidades oriundas de
interesses de um auditório particularizado.
Embasamos nossas análises nos postulados de Meyer (2007) sobre a
Retórica e Nova Retórica, nas teorias de Aristóteles (1998); Perelman (1993); Meyer
(2007); Reboul (1998); Eggs (2008) e outros estudos voltados para a argumentação
e suas especificidades, especialmente o auditório, o ethos e os argumentos
retóricos.
Também para dar conta das questões a respeito da publicidade e da
propaganda, fundamentamo-nos em autores como Pinho (1990), Carvalho (1996),
Vestergaard
e
Schroder
(2004) e
também
alguns
sites de
associações
representantes da propaganda brasileira, da ordem social e legal, para que
pudéssemos corresponder aos nossos propósitos analíticos, e entender, em que
medida a força e a manipulação dos argumentos são capazes de seduzir influenciar
e persuadir.
O trabalho está composto de Introdução, três Capítulos, Conclusão e
Bibliografia.
No Capítulo 1, encontram-se questões relativas à publicidade e a
propaganda, principalmente aspectos das propagandas institucionais para situar o
12
leitor quanto à utilização dessas propagandas e a que regulamentações elas
obedecem.
No Capítulo 2, tratamos das teorias nas quais nosso trabalho analítico está
embasado, levantamos os conceitos da retórica e da argumentação que
fundamentam nossa análise e que nos levarão a compreender o processo
persuasivo que envolve orador e auditório.
No Capítulo 3, além da apresentação das categorias de análise, tratamos da
análise individual de cada uma das propagandas institucionais escolhidas como
corpus, da construção do ethos e do estabelecimento do auditório.
13
CAPÍTULO 1 - ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PROPAGANDA
Em tempos atuais de globalização, de velocidade ímpar de transmissão de
informações, de possibilidades virtuais inesgotáveis, a propaganda é um recurso
indispensável para a concorrência. Na propaganda, os argumentos formam um jogo
retórico em que o discurso se volta para um objetivo único, que pode ser mais do
que vender um produto ou propagar uma ideia.
Pois bem, quando se fala em propaganda, possivelmente venha à cabeça
tudo o que é obvio em relação ao termo, ou seja, propaganda de todo tipo de
produto e ou marca veiculada em jornal, revista, televisão, outdoor, internet ou
estação de rádio. Enfim, há uma gama de meios ou suportes para a veiculação de
uma propaganda.
Carvalho (1996) afirma que “Usar os recursos retóricos é usar a comunicação
para definir a realidade do modo como se deseja que ela seja vista.” Isto significa
mais do que convencer: é persuadir, apelando para todo tipo de argumento possível.
Isto pode significar que ao se fazer uma propaganda, é preciso tomar cuidado com a
força das palavras, e obviamente saber usufruir dessa mesma força. O orador
escolhe os elementos retóricos de forma consciente, pautado pelo apelo que deve
existir no texto propagandístico. Argumentos que levem o auditório a se emocionar,
a refletir, ou mesmo a sentir curiosidade, podem ser criadores de necessidades
antes inexistentes. Carvalho afirma.
Tomando por base o vazio interior de cada ser humano, a mensagem faz
ver que falta algo para completar a pessoa: prestígio, amor, sucesso, lazer,
vitória. Para completar esse vazio, utiliza palavras adequadas, que
despertam o desejo de ser feliz, natural de cada ser. (CARVALHO. 1996, p.
19).
Mas saber exatamente o que significa o termo propaganda, sua origem e sua
definição, não é tão fácil. Há muitos relatos que falam do surgimento da propaganda.
Sampaio (1999, p. 19) afirma que a palavra ou o termo propaganda tornou-se
conhecido depois que a igreja católica fundou uma congregação religiosa que tinha
como objetivo propagar a fé. A palavra propaganda vem do latim, conforme Pinho
14
(1990, p. 20), “é gerúndio latino do verbo propagare, que quer dizer: propagar,
multiplicar (por reprodução ou por geração), estender, difundir. Fazer propaganda é
propagar ideias, crenças, princípios, doutrinas.”
Ainda segundo o autor, a congregação criou muitos seminários para formar
missionários e difundir a religião, além de imprimir livros religiosos e litúrgicos. Todo
esse movimento religioso ocorreu para ir de encontro à reforma Luterana1.
Depois da Reforma Protestante, outros acontecimentos marcaram a
humanidade como o surgimento da imprensa, o mercantilismo, a burguesia. Bem
mais tarde a Revolução Industrial. Juntamente com os grandes adventos anteriores,
os novos tempos fizeram com que a igreja católica perdesse muito de sua
popularidade, de sua influência, de seu poder na propagação do catolicismo.
A partir da industrialização, a propaganda tornou-se uma necessidade do
mercado, que precisou adquirir técnicas mais persuasivas para suprir à demanda
consumista da época. Falando em persuasão, este é um termo que tem diferentes
definições entre teóricos. Perelman (1996, p. 37) postula que “o discurso dirigido a
um auditório particular visa persuadir, enquanto que o que se dirige ao auditório
universal visa convencer”. Portanto, nos parece que o termo persuadir adéqua-se
melhor aos objetivos da propaganda.
As muitas mudanças de hábito que se seguiram pós-industrialização, como a
inserção da mulher no mercado de trabalho, o poder dos meios de comunicação de
massa apontaram, enfim, para as peculiaridades dos chamados nichos de mercado,
estabelecendo cada vez mais o poder persuasivo da propaganda.
1
A Reforma Luterana
O monge alemão Martinho Lutero foi um dos primeiros a contestar fortemente os dogmas da
Igreja Católica. Afixou na porta da igreja de Wittenberg as 95 teses que criticavam vários
pontos da doutrina católica. As 95 teses de Lutero condenavam a venda de indulgências e
propunha a fundação do luteranismo (religião Luterana). De acordo com Lutero, a salvação do
homem ocorria pelos atos praticados em vida e pela fé. Em suas teses condenou o culto à
imagens e revogou o celibato. Lutero foi convocado a desmentir suas 95 teses na Dieta
Worms, convocada pelo imperador Carlos V. Em 16 de abril de 1521, Lutero não só defendeu
suas teses como mostrou a necessidade da reforma da Igreja Católica.
(www.suapesquisa.com/protestante/ acesso em 03/02/2014 às 20 hs).
15
Diz-se que a propaganda se presta a atingir os diversos públicos como o
GLBT, o público infantil, público jovem, adulto e da terceira idade, as classes A, B, C
e D, os casais com e sem filhos, as famílias mosaico em que pais separados casamse novamente e têm outros filhos que se tornam meio irmãos, os adeptos da
alimentação vegetariana, orgânica, fast-food, alta gastronomia, self-service, a moda
plussize,
ou
seja,
uma
infinidade
de
produtos
e
serviços
oferecidos
verborragicamente para quem precisa, quer ou simplesmente deseja CONSUMIR.
Dentro da propaganda cabem várias classificações. Pinho (1990, p. 22) afirma
que existe a propaganda ideológica que teria como objetivo orientar os cidadãos a
considerar certo comportamento social. Existe a propaganda política, esta bastante
disseminada no Brasil, tem por objetivo propagar ideias políticas, principalmente em
tempos de eleições. Sabe-se que políticos e ou partidos abastados utilizam-se da
propaganda não só para divulgar seus planos de governo, mas também para fazer
parecer aos eleitores uma imagem que nem sempre condiz com a verdade. Em certo
sentido, dar ao eleitor uma aparência de verdade, é mais importante do que sê-lo
verdade. Por conta disso, a propaganda política seja talvez, a mais retórica das
propagandas.
Há outros tipos de propaganda como a religiosa, a governamental, a
propaganda social que objetiva criar campanhas voltadas às causas sociais como
adoção, doação de órgãos, desemprego, etc. E existe a propaganda institucional, da
qual trataremos em nosso trabalho. A propaganda institucional talvez possa ser
definida como o esforço do qual o orador se vale para legitimar sua imagem, seu
ethos. É comum dizer da propaganda, que ela não se trata de vender um produto,
que se preocupa muito mais em propagar ideias, a respeitabilidade, a credibilidade,
as “boas intenções” do orador para com a sociedade.
Será que realmente haveria diferença entre vender um produto ou uma ideia,
um conceito? Existem pessoas que pretendem diferenciar o termo propaganda do
termo publicidade. Para alguns a propaganda tem um caráter mais informativo, e de
modo geral seria utilizada institucionalmente, levando para a população informações
de todos os tipos, sem necessariamente visar ao lucro. Como observamos no
parágrafo acima, seu objetivo estaria atrelado muito mais à fixação da imagem do
16
anunciante, à sua credibilidade ou à divulgação de ideias. Diferente do termo
Publicidade.
Segundo Pinho (1990, p. 20) “A palavra publicidade designava, em princípio,
o ato de divulgar, de tornar público. Tem origem no latim publicus (que significa
público), originando na língua francesa o termo publicité.”
Há muito mais contradições que certezas na distinção de ambos os termos.
Muitos acreditam que propaganda é diferente de publicidade, outros tratam os
termos como sinônimos. Não há unanimidade com relação ao assunto, porém podese sempre questionar aos que defendem tal diferença, pois as agências de
publicidade têm profissionais chamados publicitários, e são estes que fazem
propaganda, e por fazerem propaganda, não são chamados de propagandistas. Na
verdade convencionou-se chamar de propagandista o profissional que representa
laboratórios farmacêuticos.
Diante de tamanha indefinição sobre o que é propaganda e o que é
publicidade, o que parece, é que o mercado publicitário se vale de ambos os termos
como sinônimos. Assim, poderíamos entender que propaganda ou publicidade visam
a persuadir seu auditório.
A propaganda lida com as sensações e os sentimentos do auditório, portanto
será preciso lançar mão de um aparato retórico que visa a persuadir, fazer com que
o auditório veja aquilo que o orador quer que seja visto.
1.1 A Propaganda e as Leis
É importante salientar que tanto para a propaganda quanto para a
publicidade, que invariavelmente são tratadas como sendo a mesma coisa, há
regulamentação legal. Não se trata de censura, postura, aliás, combatida
veementemente pelos meios de comunicação de massa, são princípios que
norteiam a ética dentro do meio, interpondo-se entre anunciantes e consumidores na
intenção de equilibrar os interesses e os direitos de ambos.
Tais princípios éticos são garantidos por órgãos como o CONAR (Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária) que nasceu, segundo dados do
17
próprio site do órgão, da necessidade de se prevenir contra a sanção de uma
possível lei federal dos anos 70 de censurar previamente a propaganda.
Certamente, a aprovação dessa lei consistiria um retrocesso para uma democracia
tão sonhada. A autorregulamentação publicitária prometia proteger os direitos de
liberdade de expressão de todos os envolvidos no mercado publicitário, inclusive os
do consumidor.
A missão revelou-se um sucesso em Brasília e no resto do Brasil. Num
espaço de poucos meses, anunciantes, agências e veículos subordinaram
seus interesses comerciais e criativos ao código, solenemente entronizado
durante o III Congresso brasileiro de Propaganda, em 1978. Nunca mais o
abandonaram. Logo em seguida era fundado o CONAR, uma ONG
encarregada de fazer valer o Código Brasileiro de Autorregulamentação
Publicitária. Desde então e até esta data, o CONAR já instaurou mais de 7
mil processos éticos e promoveu um sem-número de conciliações entre
associados em conflito. Nunca foi desrespeitado pelos veículos de
comunicação e, nas raras vezes em que foi questionado na justiça, saiu-se
vitorioso. (www.conar.org.br).
Sabe-se que muitas propagandas têm seus conteúdos questionados tanto
pelo público alvo (auditório) ao qual se destina, quanto pela mensagem que
veiculam. Muitas são, inclusive, retiradas de circulação por intermédio do Conselho
de Autorregulamentação Publicitária, quando expõem o consumidor a situações
vexatórias, por serem classificadas como preconceituosas, enganosas ou falsas. É
preciso dizer que o CONAR regulamenta tanto a publicidade quanto a propaganda,
pois como já dito, em geral, ambos os termos são utilizados como sinônimos. O fato
de o mesmo conselho regulamentá-las, talvez nos dê um indício de que sejam
mesmo sinônimos.
A Lei nº 4.680 de 18 de junho de 1965 passa a regulamentar o ofício do
Publicitário, profissional que exerce a função ora descrita como publicidade, ora
como propaganda.
A propaganda conta também com associações de ordem regulamentadoras
ou mesmo transmissoras de eventos da área, que além de ajudarem profissionais
das mais diversas profissões a entender como funcionam os mecanismos da
propaganda,
também
ajudam
a
levantar
aspectos
éticos
e
legais
no
desenvolvimento da profissão. Essas associações não só demonstram a força da
propaganda no Brasil como também afirmam sua organização.
18
Segundo o CONAR (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária),
a propaganda brasileira está entre as mais desenvolvidas do mundo. A criatividade
dos profissionais e a enorme diversidade brasileira oferecem a profissionais
preparados um vasto campo a ser explorado. Mas todas essas possibilidades para a
hegemonia da propaganda são possíveis porque vivemos em um país capitalista,
um país em que há grande valorização do consumo.
(...), quando uma sociedade atingiu um estágio em que boa parte da
população vive acima do nível de subsistência, a propaganda é inevitável, e
inevitavelmente persuasiva. Isso só é verdade sob uma importante
condição: que se trate de um sistema capitalista. (VESTERGAARD.
SCHRODER. 2004, p. 9)
As sociedades ocidentais, guardadas as devidas diferenças culturais e de
tradição, tornam-se cada vez mais consumistas, comportamento do qual a
propaganda sabe aproveitar-se muito bem. É importante salientar que o
consumismo está em todos os níveis sociais, independe apenas de poder aquisitivo,
é possivelmente uma questão comportamental, uma necessidade de sentir-se parte
de um grupo, uma tribo, um conjunto de pessoas que possuem os mesmos
interesses, portanto os mesmos hábitos de consumo.
A tecnologia é um indicador desse comportamento social em que consumir é
estar ou sentir-se incluído. As redes sociais são hoje um todo diversificado onde há
espaço para absolutamente tudo. Por meio dessas redes divulgam-se desde
posicionamentos, passando por entretenimento, indo até produtos variados. No que
diz respeito à propaganda, as mídias virtuais agregam rapidez de resposta, no caso
de propagandas institucionais, o clamor popular é bem vindo.
Em propaganda, a tecnologia é parte integrante, definitivamente, dos meios
de comunicação de massa, e, sobretudo, como suporte de veiculação de todos os
tipos. A força das redes sociais mostra-se implacável quando uma propaganda não
é bem vinda. Nesses casos o anunciante é rebatido e recebe uma enxurrada de
críticas, que por vezes, condenam todo um trabalho divulgado e repercute
negativamente sobre a marca, nome do anunciante ou o produto em questão.
Definitivamente, somos muitas vezes persuadidos de tal forma pela
propaganda, que acreditamos necessitar de determinado produto, até mesmo para
19
sobreviver, o que é bastante compreensível pelo viés social. Pois aos indivíduos não
basta fazer parte de uma sociedade, é preciso estar inserido e de acordo com suas
convenções. Sabemos também que uma pessoa precisa satisfazer suas
necessidades básicas em termos de alimentação, vestuário, saúde, moradia, etc.
Contudo,
há
outras
implicações
por
detrás
da
satisfação
dessas
necessidades, há o desejo de escolher entre uma marca e outra, de possuir uma
casa melhor ou maior, de experimentar gastronomicamente novos sabores, ou
novas preparações culinárias que vendem além do alimento, certa posição social.
Há o desejo de possuir, por exemplo, um convênio médico que lhe permita maior
dignidade em caso de problemas com a saúde. Enfim, todos esses aspectos sociais
estão intrinsecamente ligados, certamente, a um Brasil que não possui a estrutura
necessária para a aplicação de políticas públicas de desenvolvimento humano.
Quando falamos da falta de estrutura do Brasil, tocamos em terríveis mazelas
sociais, a começar pela falta de investimento em educação. Um país que quer ser
grande, um país que se rotula como em desenvolvimento, precisa conscientizar-se
de que sem um investimento pesado em educação, todas as demais áreas ficam
comprometidas.
Falando das demais áreas, estas têm problemas emergenciais, a falta de
investimentos em setores fundamentais como saúde e segurança pública, também
relegam os cidadãos brasileiros ao salve-se quem puder. Fica difícil para qualquer
pessoa sublimar o descaso das autoridades em oferecer oportunidades e melhores
condições de subsistência.
Daí podermos compreender o fato de que aqueles que de alguma forma,
ultrapassam o descaso das autoridades, progridem por meio de seus próprios
esforços e destacam-se individualmente, podemos, sem dúvida, compreender o
desejo desses indivíduos em buscar um diferencial, uma vez que o que lhes seria de
direito usufruir, não convém aos governantes. Em função de tamanha disparidade
social é que a propaganda ganha terreno, pois é capaz de atingir a todo e qualquer
auditório, das mais variadas formas.
As lacunas do subdesenvolvimento nacional somada à sedução das
propagandas que prometem o paraíso para aqueles que adquirirem determinados
20
produtos, tornam a propaganda, que tem um trabalho definitivamente argumentativo,
um bom material de pesquisa, pois o paraíso da propaganda não existe, o que existe
é a sensação de paisagens bonitas, famílias perfeitas, pessoas sempre bem
sucedidas, ou seja, há um sentimento de individualidade dentro do coletivo, há a
promessa de tornar-se especial por escolher aquela dentre tantas marcas ou
serviços à disposição. Este vai e vem argumentativo certamente presta-se a ser
analisado.
É difícil dizer quais são as necessidades mais importantes. Se as nossas
necessidades materiais não forem satisfeitas, morreremos de fome ou de
frio; se não o forem as necessidades sociais, tenderemos a apresentar
problemas psicológicos. O ponto crucial é que, ao consumir bens, estamos
satisfazendo ao mesmo tempo necessidades materiais e sociais. Os vários
grupos sociais identificam-se por suas atitudes, maneiras, jeito de falar e
hábitos de consumo. (VESTERGAARD E CHRODER. 2004, p. 7)
O mercado publicitário também conta com várias associações que ajudam a
manter o meio organizado, reafirmando suas convicções. São as seguintes:
ABA- (Associação Brasileira de anunciantes) que tem por função, segundo
anunciado no site da associação, defender e representar interesses das empresas
anunciantes política e institucionalmente, além de disseminar práticas visando
melhores resultados. (www.aba.com.br)
ABAP- (Associação Brasileira das agências de Publicidade) que em sua
página na web se define como uma entidade que defende e divulga os interesses de
agências brasileiras associadas à indústria de comunicação. Estando entre suas
ações a co-fundação do CONAR. (www.abapnacional.com.br)
ABERT- (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão) a
ABERT tem como objetivo divulgado pela mesma, a defesa da liberdade de
expressão, em todas as suas formas, bem como dos interesses das emissoras de
radiodifusão, suas prerrogativas como executoras de serviços de interesse público,
assim como seus direitos e garantias. (www.abert.org.br)
ANER- (Associação Nacional dos Editores de Revista) segundo informações
do site da associação, a ANER é uma entidade nacional, sem fins lucrativos, que
representa as editoras de revistas e periódicos de consumo que tem como objetivo
21
promover e defender os interesses comuns do mercado de revistas, editorial e
comercial, nos seus mais diversos segmentos, tanto em impressão como por mídia
eletrônica. (www.aner.org.br)
ANJ-
(Associação
Nacional
de
Jornais)
no
www.anj.org.br/quem-
somos/missao se define como uma entidade que defende a liberdade de expressão,
do pensamento e da propaganda, o funcionamento sem restrições da imprensa,
observados os princípios de responsabilidade, e luta pela defesa dos direitos
humanos, os valores da democracia representativa e a livre iniciativa.
Todas as associações citadas acima têm em comum uma espécie de lema
repetido e divulgado à exaustão, “A defesa da liberdade de expressão”, sem
dúvidas, nenhuma sociedade democrática e de sistema econômico capitalista
poderia prescindir desse princípio.
No entanto, essa liberdade tem alguns limites impostos pela própria
sociedade em virtude de crenças, comportamentos, e mesmo pelo CONAR que age
de modo a defender o “consumidor” de possíveis constrangimentos e desrespeito
aos seus direitos de liberdade de escolha.Há exemplos de campanhas que foram
proibidas de serem veiculadas, porque segundo o Conar e até mesmo, pelo clamor
público, causaram constrangimento ou reações negativas, gerando milhares de
reclamações nas redes sociais ou fora delas e repercutindo negativamente a
proposta do anunciante.
Diversas propagandas são alvo de críticas, mas sua proibição não é algo
simples, não basta que grande parte da população sinta-se denegrida ou
desrespeitada por seu conteúdo. Conselhos como o CONAR, ABAP, ANER, entre
outros, são chamados à discussão. É necessário que se leve em consideração
aspectos relacionados ao público alvo, ao produto, ao anunciante e àquilo que
representa toda uma sociedade.
Casos assim, de campanhas proibidas por divulgarem conteúdo “impróprio”,
geram muita polêmica na mídia, pois as mesmas partem certamente de uma
premissa, às vezes equivocada, o que reflete uma sociedade preconceituosa que
ainda não extirpou por completo os resquícios das grandes mazelas históricas de
que somos herdeiros. A opção por mulheres, homens e crianças brancas nas
22
propagandas é visivelmente maior ainda hoje, essa postura elitiza pessoas e
comportamentos, e fere a diversidade de nosso país.
Propagandas com um conteúdo provocativo, às vezes ultrapassam limites
que ferem questões políticas, pessoais ou de domínio púbico. Muitas destas
campanhas tiram partido de questões religiosas, políticas e de exploração da
imagem da mulher como objeto sexual, estes são temas recorrentes nas
intermináveis reclamações a respeito de propagandas consideradas inadequadas.
1.2 Legislação Para Propaganda na Área da Saúde.
A Lei 6.360 de 23 de setembro de 1976 – “Dispõe sobre a Vigilância Sanitária
a que ficam sujeitos os medicamentos, as Drogas, os Insumos Farmacêuticos e
Correlatos, Cosméticos, Saneantes e outros Produtos, e dá outras Providências.”
(www.planalto.gov.br). A lei prevê uma série de condições e restrições para a
propaganda voltada a medicamentos, área farmacêutica, etc. A utilização de brindes
conjuntos a medicamentos em propaganda, por exemplo, é terminantemente
proibida, como também é proibido fazer propaganda de medicamentos sem
autorização do Ministério da Saúde, assim como propagandear remédios só
possíveis de serem adquiridos com prescrição médica. A esse tipo de medicamento
só é permitida a propaganda para profissionais da área da saúde.
1.3 Propaganda Institucional na Área da Saúde.
Embora seja questionável, é possível crer que a propaganda Institucional não
visa a persuadir explicitamente o público alvo, está mais relacionada com a
responsabilidade social de uma organização perante seu público consumidor, com
temas relativos ao bem estar dos diversos públicos com os quais se relaciona,
demonstrando uma preocupação com o contingente humano do qual depende e pelo
qual deseja ser lembrada. Talvez seja o caso de crermos que a propaganda visa sim
persuadir seu auditório. No entanto, essa persuasão não precise ser explícita, basta
que seja diferente para os diferentes auditório.
Empresas de todos os ramos têm, nos dias de hoje, uma preocupação com a
própria imagem, não basta oferecer produtos de qualidade, participar acirradamente
23
da concorrência, é preciso mais, é preciso ter uma boa imagem diante do mercado e
do público consumidor. Na Verdade ter e manter uma boa imagem é imprescindível.
Essa necessidade de mostrar preocupação com o bem estar do consumidor,
com a divulgação de ideias ou informações preventivas sobre doenças, cuidados
médicos, enfim, se deve provavelmente ao interesse em garantir que a grande
massa consumidora, ao escolher entre esse ou aquele produto, o faça, mediante a
sensação de que uma empresa tem um comportamento mais humanista em relação
à outra.
Sabemos que para a propaganda a palavra é um grande recurso, senão o
mais importante, saber dizer a coisa certa, no lugar certo e na hora certa é papel da
boa propaganda, e por boa propaganda podemos entender competente, persuasiva,
argumentativa e sedutora.
A maioria das pessoas concordará que muitos anúncios, tomados
individualmente, funcionam ao nível do devaneio. Mostrando gente
incrivelmente feliz e fascinante, cujo êxito em termos de carreira ou de sexo
– ou ambos – é óbvio, a propaganda constrói um universo imaginário em
que o leitor consegue materializar os desejos insatisfeitos da sua vida diária.
(CARVALHO. 1996, p. 17)
Ao se deparar com uma propaganda institucional, seja veiculada na TV, seja
veiculada em uma revista, ou seja, veiculada em um cartaz ou outdoor, a ideia de
que haja ali, não a venda de um produto, obviamente, mas a construção de uma
imagem, certamente não é de conhecimento do consumidor. Ser bombardeado
todos os dias por uma enormidade de informações, certamente prejudica a
capacidade de reflexão desses consumidores, uma vez que, a quantidade torna
superficial o processo de escolha. Sendo assim, diante de tantas possibilidades, o
argumento é o que fará a diferença.
(...) que a argumentação não tem unicamente como finalidade a adesão
puramente intelectual. Ela visa, muito frequentemente, incitar à acção ou,
pelo menos criar uma disposição para a acção. É essencial que a
disposição assim criada seja suficientemente forte para superar os
obstáculos. (PERELMAN. 1996, p. 31).
Então argumentar é incitar a uma ação, ou ao menos criar tal disposição,
assim como a propaganda. Esta é argumentativa porque também cria necessidades
24
e faz crer ao seu auditório que depende destas necessidades para viver. A
propaganda vale-se da argumentação para conseguir a adesão das mentes às suas
teses. Quanto à propaganda institucional, esta é uma via de mão dupla, pois oferece
ao seu auditório uma predisposição humanista e em troca, espera que o mesmo
convença-se disso, ou seja, de suas boas intenções. Somos fruto dos discursos que
nos constroem, discursos esses como os religiosos, científicos, políticos e até
mesmo os discursos do senso comum.
Nada mais pode ser tão importante para um anunciante que a opinião pública.
Portanto, iniciativas que promovam sensação de bem estar, de calor humano, de
solidariedade, de preocupação com o próximo, são atitudes sempre bem vistas por
parte do auditório de propagandas institucionais.
Em se tratando da área da saúde, terreno delicado, pois para qualquer
pessoa estar com a saúde em dia é um privilégio, os novos tempos trouxeram não
só a globalização, trouxeram também um arsenal de informações, as pessoas
trocam experiências, conhecimentos, opiniões, a tecnologia promove interatividade,
tudo é pesquisável. Qualquer tema relacionado a qualquer assunto, inclusive sobre
doenças ou problemas de saúde quaisquer, podem ser pesquisados mais a fundo
por meio da tecnologia da informação.
É possível dizer que se tornou imprescindível para a propaganda a utilização
de uma abordagem clara, apesar de persuasiva. O tema saúde que não é tão
palpável, serve aos propósitos de anunciantes da área e deve ser tratado de forma
mais cuidadosa possível, mesmo porque, a saúde é uma das necessidades mais
básicas de qualquer sociedade.
25
CAPÍTULO 2 - FUNDAMENTOS DA RETÓRICA
Neste capítulo trazemos as teorias que fundamentam nosso trabalho; são
estudos nos quais nos apoiamos para explicar o processo existente no discurso do
corpus. A retórica compõe no caso específico da presente pesquisa, esse discurso
utilizado em propagandas institucionais, sobretudo as da área da saúde.
2.1 Retórica
A antiga retórica gozava de má reputação por suscitar dúvidas e estabelecer
mais conflito que solução. A partir do estudo das teorias, verificamos que no
passado os advogados eram chamados de sofistas porque utilizavam o poder da
retórica em prol das soluções de seus trabalhos. O que esses advogados defendiam
era entendido como falso saber ou sofística.
(...) à filosofia, que se recusa a sujeitar-se às aparências de verdade para
dizer tudo e também seu contrário, o que é condenável, mesmo que
rentável. Disso nasceu a ideia de que sofisma é um raciocínio falacioso e
enganador, mas que não aparece como tal. Tem todos os indícios de
verdade, salvo um, o que conta: ele é um erro. O sofista é a antítese do
filósofo, assim como a retórica é o contrário do pensamento justo. (MEYER.
2007, p. 19).
Platão era contrário aos usos da retórica. Segundo Meyer (2007, p. 19) “A
condenação de Platão foi determinante na história da retórica. Ora assimilada à
propaganda, ora à sedução, a retórica tem sido, a partir daí, frequentemente
reduzida à manipulação dos espíritos pelo discurso e pelas ideias (...)”. É difícil
reduzir a retórica somente a um ou outro determinado tipo de discurso como o da
propaganda, por exemplo. Podemos dizer que todo discurso é retórico, e em função
disso, todos os mecanismos retóricos que se possa usar para fazer valer um
discurso seriam válidos.
Contrariando a avaliação negativa de Platão, Aristóteles ensina que há, na
retórica, seriedade e até certa dignidade, mesmo que, ao contrário da ciência, a
retórica não ofereça certeza alguma.
26
Os ensinamentos de Aristóteles nos conduzem a concluir que, ao contrário do
que pensava Platão, o processo de persuasão não precisa partir apenas de
iniciativas interesseiras e mentirosas; a persuasão pode partir de um elemento
honesto e passível de ser compartilhado, ao menos por todos que consideraram
esse argumento um valor comum.
Para reforçar nosso entendimento a respeito da importância da adesão aos
valores comuns, podemos citar Perelman (1996, p. 06), que faz a seguinte
afirmativa: “(...) a ideia de adesão e de espíritos aos quais se dirige um discurso é
essencial em todas as teorias antigas da retórica. Nossa aproximação desta última
visa a enfatizar o fato de que é em função de um auditório que qualquer
argumentação se desenvolve.” Para citar o corpus, é justamente em função do
auditório que o discurso propagandístico se desenvolve. Entendendo que a retórica
é a arte de persuadir pelo discurso (REBOUL, 2000, p. XIV), essa definição se
encaixa dentro do campo da propaganda, por esta pertencer à comunicação de
massa.
O autor nos ensina ainda que a retórica da propaganda cria seus próprios
lugares e os define como “argumento-tipo”, fornecendo como exemplo o argumento
“somos jovens”, ou “filho de peixe, peixinho é”. Ou seja, argumentos aceitos
universalmente. Essa retórica parte de lugares conhecidos que se constituem nas
crenças que vigoram em determinada sociedade e são utilizados de maneira
bastante apelativa para atingir aos seus objetivos.
Por muito tempo a retórica foi mal vista dentro dos processos discursivos
como questionável, não confiável, “falso saber ou sofística, donde surgiu a ideia de
raciocínio enganador” (MEYER, 2007, p. 19). E esta má reputação do uso da
retórica esteve sempre ligada a comportamentos sedutores, à propaganda.
Há diferentes definições de retórica, mas de um modo geral, elas têm a ver
com manipulação, argumentação, boa oratória, enfim, elementos que cabem muito
bem em qualquer discurso.
Meyer (2007, p. 21) nos apresenta diferentes definições de retórica:
(1) A retórica é uma manipulação do auditório (Platão);
(2) A retórica é a arte de bem falar (ars bene dicendi, de Quintiliano);
27
(3) A retórica é a exposição de argumento ou de discursos que devem ou
visam persuadir (Aristóteles).
Talvez possamos nos atrever a dizer que as três definições, de alguma forma,
por estarem fundamentadas nos conceitos primordiais da retórica, têm mais
semelhanças que diferenças.
Em retórica, a argumentação está implícita, do ponto de vista de Meyer
(2007); podemos entender que, nesse processo, perguntas e respostas estão
envolvidas na mesma problemática.
Argumentar serve para fazer pender a balança, embora sabendo que a
resposta proposta ainda possa ser contradita por um questionamento. É por
isso que a retórica, que esvazia a priori a pergunta, é uma boa técnica
argumentativa, e, considerando que retórica e argumentação visam à
mesma coisa, ou seja, à aceitação da resposta, recorrer a uma de
preferência à outra pode ser mais oportuno, em dada situação. (MEYER.
2007, p. 69).
O autor afirma que a retórica visa a aceitação de uma resposta. Podemos
entender que, ainda que se parta de pontos de vista diferentes, o que se quer é
chegar ao mesmo fim que prevaleça sobre os outros, uma vez que seguindo um
raciocínio retórico, persuadir seria papel daquele que obtém a resposta, pois só ele
seria capaz de respondê-la. E sendo este capaz de respondê-la, tornar-se-ia o dono
de uma possível “verdade”, portanto, digno de credibilidade. A argumentação é um
processo pelo qual a articulação se faz necessária, no qual a valorização do
raciocínio e do equilíbrio entre as partes é levada em consideração.
Perelman (1996, p. 173) afirma que a nova retórica é vista “como uma teoria
da comunicação persuasiva”. Para tanto, segundo esse estudioso, o orador precisa
adaptar-se
ao
seu
auditório,
conhecê-lo
muito
bem,
seus
gostos,
suas
necessidades, suas crenças. A mensagem, ou o logos, deve respeitar os princípios
do auditório escolhido para que a recepção por parte dele esteja dentro do que foi
preestabelecido pelo orador. Por isso a comunicação encontra-se em um terreno
perigoso e incerto, porque todas as escolhas do orador, ainda que cercadas de todo
o cuidado, podem em algum momento ferir, ou mesmo desinteressar o auditório,
28
causando problemas na recepção da mensagem, podendo inclusive, fazer cair por
terra todo um trabalho.
“O carácter argumentativo está presente desde o início: justificamos uma
tese com argumentos, mas o adversário faz a mesma coisa. Neste caso a
retórica não se distingue em nada da argumentação. Trata-se de um
processo racional de decisão em situação de incerteza, de verossimilhança,
de probabilidade.” (MEYER. 1994, p. 31)
Assim Meyer (1994) considera que a retórica é equivalente à argumentação e
que sua finalidade é persuadir. O autor nos diz que a persuasão exige elementos de
efeitos de estilo que produziriam sentimentos de prazer e adesão.
Para a propaganda institucional, a aposta na utilização eficiente da
linguagem, usufruindo de possibilidades semânticas e de efeitos de sentido
variados, levando seu auditório a enxergar um mundo ideal, ou que simplesmente
pareça ideal, é fundamental, e, para isso, os recursos retóricos servem bem às
intenções do anunciante (orador). Esclarecemos que a partir deste momento
chamaremos anunciante de orador e público alvo de auditório, para estarmos em
concordância com os termos da teoria retórica que fundamenta nosso trabalho de
pesquisa.
Em livro organizado por Manuel Maria Carrilho, especificamente em artigo
produzido por Meyer, encontramos a seguinte definição de retórica:
A retórica anuncia-se como “racional”, por assim dizer. Contudo, o conceito
de persuasão remete para a adesão, e de uma forma geral para a resposta
do auditório. Esta pode nascer dos efeitos de estilo, que tanto produzem
sentimentos de prazer como de adesão. MEYER, 1994, p. 34)
Podemos entender que esse conceito de racionalidade da retórica estaria
ligado aos métodos utilizados pelo orador para persuadir seu auditório. Trata-se de
um planejamento do discurso, um processo de escolhas conscientes tendo em vista
objetivos de persuasão. Justamente, o aspecto persuasivo e racional presentes no
uso
da
retórica,
conferem
à
linguagem
um
teor originalmente
característico, que impulsiona a necessidade de satisfação de desejos.
apelativo
29
Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005, p. 1) afirmam que “o campo da
argumentação é o do verossímil, do plausível, do provável, na medida em que este
escapa às certezas do cálculo.” A argumentação, desse ponto de vista, torna-se
vazia
de sentido frente ao que é certo, evidente. O óbvio não necessita de
argumentação.
Podemos dizer que é no campo do reconhecido, do tangível, até mesmo do
razoável que as trocas são efetivadas, que as opiniões e propostas são
entrelaçadas, e é certamente no campo do reconhecido que a argumentação
encontra, por meio de vários aspectos, terreno fértil para o desenvolvimento do
processo retórico argumentativo. Fazer-se aceito pela aparência, pelo possível e o
reconhecido habilita o orador a argumentar.
Não basta escolher premissas nas quais se apoiar; cumpre prestar atenção,
uma vez que a força do argumento se deve em grande parte à sua
resistência às objeções, a tudo quanto o auditório admite, mesmo ao que
não se tem nenhuma intenção de usar, mas que poderia vir opor-se à
argumentação. (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, P.525).
Mas em propaganda, para fazer-se aceito não basta a aparência, não basta
mostrar-se bom o suficiente. Em propaganda, há que haver nos usos da retórica,
algo de sedutor. Podemos dizer que retórica e sedução são termos compatíveis em
publicidade e propaganda. Sabemos que a publicidade se vale de linguagem
apelativa, emotiva e metafórica para persuadir.
Podemos supor que, em uma propaganda institucional, essa relação entre
ethos, logos e pathos é ainda mais indistinta, uma vez que os valores universais e as
hierarquias são evidentemente levados em consideração. O discurso publicitário
aproveita-se de todos esses elementos. Meyer (2007, p. 126) nos diz que “na
verdade a sedução é algo misto: o discurso político, ela tem a pretensão de ser
sincera: no discurso publicitário, ela tem a sugestão do desejo. Esse intervalo entre
os dois faz dela um interessante exemplo para a retórica.”
Entendemos que o autor nos alerta para o lado volúvel do processo de
sedução que ganha contornos diferentes em diferentes situações. Já que a sedução
se molda, se flexibiliza as mais variadas circunstâncias. Meyer (2007, p. 123) afirma
ainda que “a sedução, o charme e a magia devem ser evocados pela retórica da
30
mensagem”. Voltamos aqui ao conceito do Docere: a retórica da mensagem
aproxima-se do Docere, aproxima-se do ensinar para convencer, é por meio da
mensagem, do conteúdo, é por meio do logos que se estabelece a ligação entre o
orador e o auditório, então o conceito do Docere cabe adequadamente nesse
momento de nosso trabalho. Uma vez que nos parece que o orador quer, deseja
estabelecer com o auditório uma relação de mestre e aprendiz.
2.2 O Orador e o Auditório
Conhecer o seu auditório, seus valores, suas crenças, estabelecer os limites
impostos por suas verdades é papel do orador, e a ele cabe também o papel de
equilibrar as emoções, conter os ânimos, de aproximar e distanciar o discurso
argumentativo do assentimento do auditório. É possível, por meio do discurso,
aproximar ideias, comportamentos, equiparar necessidades. É possível por meio do
discurso, envolver e aproximar pessoas e seus ideais, como também é possível
distanciar-se delas. Sendo assim, os argumentos retóricos servem aos mais
variados propósitos.
Em um país como o Brasil, onde há sincretismo religioso, miscigenação e
grande diversidade de pensamentos e atitudes, além de grande abismo social entre
as classes, o exercício da persuasão está presente de muitas formas, e, sobretudo,
nos meios de consumo. Até porque, em se tratando do corpus, é possível dizermos
que consumo é uma palavra chave na relação orador/auditório quando o assunto é
propaganda. É visando a ele que o orador trabalha. É buscando este consumo como
objetivo que o orador se desdobra em argumentos.
Há, em propaganda, um discurso que visa a persuadir, ou seja, fazer crer que
a vida não será a mesma sem a aceitação da ideia que está sendo veiculada. O
discurso propagandístico pretende levar o auditório a acreditar que, ao tomar para si
a proposta da propaganda como um princípio, obterá melhorias em sua qualidade de
vida em todos os sentidos, profissional, pessoal, moral. Desse ponto de vista, para
conquistar a adesão do auditório, faz-se necessário um discurso que possa criar
necessidades, promover satisfação pessoal, social e intelectual; então podemos
dizer, apoiados em Perelman, que a propaganda é retórica.
31
Desde que uma comunicação tenda a influenciar uma ou vários pessoas, a
orientar os seus pensamentos, a excitar ou a apaziguar as emoções, a
dirigir uma acção, ela é do domínio da retórica. (PERELMAN. 1996, p. 173).
Considerando que o passo principal para a argumentação é ter clareza da
resposta a que se pretende conduzir o auditório (MEYER, 1997), ou, em outras
palavras, definir uma tese e saber exatamente a quais problemas ela responde.
Entendemos que o problema ao qual as propagandas do corpus responde é a
saúde, ou melhor, a preocupação com a saúde ou ainda de que forma se pode ir de
encontro à precariedade do sistema de saúde pública. Podemos afirmar que, na
propaganda, a reposta para as necessidades dos vários públicos aos quais ela se
destina seria o próprio produto a ser divulgado; saber quais necessidades
determinado produto satisfaz é elementar para que se alcance o sucesso.
Podemos ir mais longe e supor que a propaganda cria produtos para
satisfazer às necessidades, muitas vezes criadas por ela mesma; é tão contundente
quanto mais é retórico, perguntar e mostrar-se capaz de ser o único a responder.
Não basta, entretanto, definir uma meta ou o ponto a que se pretende
conduzir o auditório. O auditório é vivo, tem opinião própria, personalidade, e pode,
em algum momento, contradizer, questionar o orador. Conforme ensinam Perelman
e Olbrechts-Tyteca (1996); o orador precisa adaptar-se ao auditório. Sendo aquele
que tem algo a oferecer, busca conquistar o auditório. Assim, dizer a verdade ou
parecer dizer a verdade é um meio pelo qual se pode tocar o auditório, emocioná-lo,
para enfim, persuadi-lo. Nesse aspecto, podemos entender que o logos é o meio
pelo qual o orador interage com seu auditório.
Em uma propaganda institucional, tudo que se espera é que o auditório
assuma para si aquilo que é proposto pelo orador. Espera-se que o auditório sintase tão bom quanto o orador. Quando essa relação se dá de forma natural, é porque
houve a identificação do auditório com o orador, ou com a imagem passada por ele.
(...) todo orador que quer persuadir um auditório particular tem de se
adaptar a ele. Por isso a cultura própria de cada auditório transparece
através dos discursos que lhe são destinados (...). (PERELMAN – TYTECA.
2005, p. 23).
32
E esse discurso destinado a um determinado auditório particular apresentarse-á da forma mais retórica possível. Sabendo que ao falar a verdade, ou parecer
falar a verdade, o orador promove um ambiente agradável, portanto a interação será
possível, ou só será possível, se o orador disser aquilo que o auditório deseja ouvir,
enquanto o auditório será persuadido, apenas, se puder crer que o orador tem
credibilidade para tal. O auditório só será persuadido se for tocado, emocionado pelo
orador.
O pathos tem a ver com as paixões, emoções, expectativas que o orador
suscita em seu auditório. Que imagem esse orador tem aos olhos desse auditório
tomado pelo pathos. Meyer (2007, p. 38) afirma que “a paixão é retórica por enterrar
as questões nas respostas que fazem crer que elas são resolvidas. É por isso que
lidar com as paixões é sempre útil, retoricamente falando (...).” Mas para lidar com
as paixões, o orador precisará conhecer muito bem seu auditório. Deverá recorrer a
questões racionais dentro da retórica.
Sabemos que não existe apenas o absoluto, o verdadeiro, o bom e o mau. No
meio desse caminho, há uma gama de possibilidades, interesses, tipos de
comportamentos mais ou menos esperados diante de determinadas situações.
Assim podemos supor que o pathos seja algo intrinsecamente ligado ao ethos, as
perguntas de certa forma já contêm as respostas, o orador as utiliza em função
daquilo que o convém. Todos os desejos do auditório, os julgamentos de valor, o
amor, o prazer, o ódio, todos esses sentimentos são parte da resposta, compõem o
processo de negociação entre orador e auditório.
O autor afirma que “a paixão é esse lugar único, mas enigmático, em que o
homem e o animal, a natureza humana e a natureza se encontram.” (1994, p. 9).
Assim a paixão seria a unidade do ser, aquilo que representa a sua individualidade,
aquilo de que o homem é feito, suas dores e seus amores, suas alegrias e tristezas,
ou seja, tudo aquilo que o afasta da razão. Esse é inclusive um aspecto
extremamente relevante no pathos, o distanciamento da razão, uma vez que a
paixão ora nos aproxima, ora nos distancia dos perigos e dos prazeres, indo de
encontro ao pensamento filosófico que está mais ligado ao pensamento racional.
33
A paixão em retórica pode ser descrita como a reação, ou a demonstração
das sensações, dos sentimentos do auditório perante a fala do orador. É o que pode
diferenciá-los, e, de certa forma aproximá-los também, pois para que haja persuasão
será importante o equilíbrio entre as partes. Posicionamentos inflexíveis, duros por
parte do orador, não fazem parte da retórica, é, pois, uma condição argumentar para
então persuadir. E esta argumentação teria o papel de levantar ou não os ânimos,
extraindo do auditório um sem número de emoções que, de certa forma, contribuem
para a identificação de ambos. Para Meyer, as emoções
(...)reflectem assim a relação inter-humana. Indicam ao outro como é que eu
reajo perante ele. São reações à sua presença, àquilo que ele pensa de
mim e ao modo como me trata. Reflicto a imagem de mim e indico-lhe o que
penso dele. Pela paixão dá-se uma fusão entre as consciências, a do outro
e a que temos de nós e ao mesmo tempo, restabelece-se um certa
diferença entre os indivíduos, nem que seja para reforçar a identidade das
imagens recíprocas.” (MEYER, 1994, p. 59).
Não devemos entender o pathos como uma reação quase irracional do
auditório em relação ao ethos do orador, pois seria uma definição muito simplista. O
pathos em retórica é alguma coisa para a qual devemos lançar um olhar singular,
multidisciplinar, tão próprio da natureza humana.
2.3 A Adaptação ao Auditório.
Segundo as premissas da argumentação retórica, argumentar é mostrar-se
flexível sabendo sempre que a resposta proposta ainda pode ser questionada ou
repudiada. As premissas da argumentação servem ao propósito de um discurso que
visa a persuadir um auditório. E é a partir das premissas que discutiremos as
questões argumentativas que permeiam a relação de adaptação do orador ao
auditório. Pois esta adaptação se processa dentro do objeto (a saúde) das
propagandas institucionais que fazem parte de nosso corpus.
A saúde, como destacamos, é um valor comum em qualquer sociedade,
motivo de preocupação, e é inclusive, sempre uma plataforma política, uma vez que
candidatos a cargos públicos invariavelmente elegem o tema “saúde pública” como
um dos pontos fortes de seus discursos. Pretendem que o eleitor acredite que, se
eleitos, promoverão investimentos na área da saúde, usando o tema muitas vezes
34
como mote principal de suas campanhas políticas, pois sabem que o desejo de
melhorias na saúde pública atinge a toda uma massa de eleitores.
Falar de saúde, reclamar da falta de investimentos na saúde, do descaso, da
falta de políticas públicas capazes de oferecer, de fato, à população que paga
impostos, serviços de qualidade, abre para instituições particulares a oportunidade
de crescer ao explorarem este nicho de mercado.
Quando falamos em instituições particulares, falamos de hospitais e clínicas
que prestam seus serviços para a população que pode pagar consultas particulares
ou ainda, que pode possuir plano de saúde. É nesse ponto que se inicia nossa
discussão sobre os argumentos que existem dentro do discurso dessas
propagandas institucionais da área da saúde, um discurso diferenciado, que apela
para o argumento da autoridade, que quer fazer parecer estabelecer com o seu
auditório uma relação de troca, inclusive intelectual.
No Brasil, em qualquer instância da sociedade, a saúde ainda é um valor
universal, mas de pressupostos diferentes. Quando se negocia com um bem maior,
não palpável, porém aceito por qualquer grupo de pessoas em qualquer sociedade
como direito de todos, será preciso ser flexível, será preciso contornar algumas
diferenças sociais para alcançar objetivos.
A saúde, que é esse bem maior está em um lugar retórico que poderíamos
chamar de lugar da preocupação com a saúde, ou seja, um valor universal. No
entanto, foi necessário que a apresentação desse valor universal, do ponto de vista
das mudanças sofridas pela sociedade brasileira, partisse de novas premissas.
Trata-se de um novo olhar, que se originou fundamentado na sociedade
contemporânea, ocidental e consumista dos dias atuais. Assim chegamos ao
processo de adaptação a uma nova sociedade, a um novo auditório. O auditório que
quer, deseja e pode consumir o direito à saúde nos termos do orador, que é pagar. E
pagar um preço alto.
Entender transformações como essas de mudanças de hábitos, de diferenças
sociais, de novos desejos e novas necessidades de consumo, é papel do orador.
Demandam tempo e estudo para escolher qual o melhor caminho, quais os melhores
argumentos para que os objetivos sejam atingidos.
35
O auditório precisará aderir a muitas premissas da argumentação, mas para
que sua adesão se concretize será necessário que haja razões de seu interesse em
jogo, razões como as da ordem, da curiosidade e do interesse.
Estas razões, de
certa forma, fundamentam-se no próprio desejo por novidades que todo ser humano
tem. Já sobre as razões do interesse, podemos afirmar que será do interesse de um
grupo específico, aquilo que lhe for conveniente, que lhe servir tanto como forma de
aceitação quanto como forma de valorização. Ser ou parecer ser aceito, ou mesmo
ser ou parecer ser pertencente a uma classe de maior valor é conveniente para
certos grupos dentro de uma sociedade.
Aceitamos quase sempre passivamente o que a propaganda nos propõe ou
nos impõe. Quanto às campanhas institucionais, as mensagens muitas vezes de
caráter
informativo-preventivo,
de
conscientização,
encerram
interesses
de
necessidades públicas que se valem de argumentos que recorrem, mais uma vez,
aos valores universais para persuadir também. Logo, saber tirar partido do Docere,
do Movere e do Delectare tornar-se-á imprescindível.
2.4 Estratégias Retóricas
Podemos chamar de logos tudo o que é falado, escrito, o que é proposto,
todas as perguntas e respostas. Chamemos de logos tudo o que é constituinte das
relações. O conteúdo, o teor das discussões, as questões levantadas, todo o
discurso em si composto de julgamento de valores, de verdades, de dúvidas, enfim,
podemos chamar de logos.
É pelo discurso e somente pelo discurso que a persuasão se dá, e, para que
ela seja completa, é necessário que esse discurso retórico se valha, assim como
postula Ferreira (2010, p. 16), de três finalidades que se fundem; “Docere, Movere,
Delectere”, ou ensinar, tocar, agradar.
O autor afirma que o Docere diz respeito a um lado argumentativo do discurso
baseado no ensinamento. Ele persuade repassando noções, ou seja, ensinar é um
processo ligado à razão, à parte lógica do ser, à teoria que prega regras, que institui
por meio da palavra O como?, O onde?, O quem? e O por quê?.
36
O Docere talvez seja a face em que a retórica é mais argumentativa, o
momento em que a pessoa inteligente só pode ser tocada pela Inteligência
atravessada pelo discurso retórico que anda lado a lado com o Movere.
O Movere envolve os sentimentos, o tocar e o emocionar. É muito importante
suscitar reação emotiva no auditório, desde que sejam reações positivas advindas
da capacidade do orador de compreender o seu auditório. Ao escrevermos sobre
emoção, não necessariamente estamos pensando em emoção na sua essência,
alguma coisa como a comoção, mas na verdade do emocionar e do tocar, talvez
pela inteligência, pelo raciocínio, pela intelectualidade.
O Delectare diz respeito à necessidade da atenção, de agradar ao próximo,
de mostrar-se cativante, carismático, confiável, um modelo a ser seguido. O
Delectare, assim como o raciocínio lógico, pode ser capaz de persuadir com um
discurso que contenha verdades ou supostas verdades.
Perelman (1996) afirma que um discurso convincente parte de premissas
universais, ou seja, aceitas em princípio por um auditório universal. As premissas
universais
fazem
parte
das
escolhas das
propagandas institucionais.
As
propagandas que compõem nosso corpus se valem desse aspecto argumentativo,
ou seja, das premissas universais, pois o argumento da “saúde”, ou da preocupação
com a saúde configura um valor universal, uma premissa já assentida pelo auditório.
E quando o orador se volta para esse auditório com um discurso que visa a oferecer
respostas para essa preocupação, mexendo com as emoções, este orador estaria
bem perto de atingir seus objetivos.
O acordo entre orador e auditório baseia-se fundamentalmente no apelo a
pressupostos comuns que constituiriam uma família de argumentos largamente
utilizados. Utilizar-se de pressupostos comuns garante um sentimento de
coletividade em que há opiniões, valores e pontos de vista partilhados.
Ao orador resta lançar mão de todo um aparato retórico para persuadir seja
qual for o auditório. Quando se trata de um auditório particular, possuidor de uma
gama de conhecimentos capazes de estabelecer um debate, caberá ao orador
equacionar as questões a seu favor. Mas, para isso, o orador deverá se apossar de
estratégias que enriquecerão sua argumentação.
37
Quando falamos de premissas da argumentação, estamos falando daquilo
que é presumido, aceito, admitido pelo auditório. Portanto o orador, para ter a
possibilidade de sair-se bem sucedido, precisa partir dessas premissas. Ainda
assim, não há garantias de que o auditório irá aderir às teses propostas pelo orador.
O processo argumentativo exige preparo.
Perelman (2005, p. 75) afirma que as premissas da argumentação podem ser
agrupadas em duas categorias, “(...) uma relativa ao real, que comportaria os fatos,
as verdades e as presunções, a outra relativa ao preferível, que conteria os valores,
as hierarquias e os lugares do preferível.” Segundo o autor, podemos entender como
parte do real tudo o que seria admitido por um auditório universal. Dessa forma,
entender que a lei deve ser cumprida, que Deus é bom, que saúde, segurança,
moradia e educação são para todos, é admitir que esses elementos são verdades,
logo fatos.
Desde que esses valores que se impõem a todos, não sejam contestados
pelo auditório, o sucesso na adesão das teses será possível. Mas se contestados,
esses valores deixam de ser valiosos ao orador, passam a depender de um reforço
na argumentação, o que caracteriza o argumento a presunção. O orador precisará
convencer o auditório de que este está enganado, e para tanto, deverá desqualificar
a contestação, mostrar, por meios retóricos, que a desconfiança é descabida,
portanto o orador deverá mostrar-se competente.
Esses valores comuns, que podem ser chamados de universais, porque
“todos” têm como premissas verdadeiras, como a beleza, a bondade, a honestidade
que são, de certa forma, assentidos pela maior parte das pessoas, caracterizam
uma universalização. Quanto mais o orador aproxima o seu discurso dos valores e
das premissas nas quais o auditório se apoia, maiores são as chances de obter
sucesso, maior a chance de universalização.
Os pontos de vista têm a ver com o que cada um entende que é melhor para
si, com as preferências pessoais. São os pontos de vista que elegem aquilo que se
pode considerar o melhor. Sabemos que existem valores que servem muito bem a
uma comunidade específica, dão conta de suas expectativas, colaboram com seus
questionamentos, satisfazem suas necessidades de respostas, encorajam essa
38
comunidade, porque o outro é um espelho si próprio. O apelo aos valores universais
é um recurso sempre válido, pois faz parte da dinâmica argumentativa do discurso.
O auditório real poderá considerar-se tanto mais próximo de um auditório
universal quanto mais o valor particular parecer apagar-se ante o valor
universal por ele determinado. É, portanto, na medida em que são vagos
que esses valores se apresentam como universais e pretendem um estatuto
semelhante ao dos fatos. (PERELMAN E TYTECA, 2005, P. 86).
Em outras palavras, podemos dizer que, quanto mais o orador universaliza os
valores, mais ele tem chances de sucesso, posto que é importante para os grupos
de pessoas, em sua coletividade, a ideia de pertencimento. Exatamente neste
momento, caberá ao orador conhecer muito bem os valores do auditório ao qual
pretende persuadir. Auditórios particulares têm valores também particulares, valores
que lhe são pertinentes e que precisam ser estudados pelo orador, avaliados e
cercados por todos os lados.
Pertencer a um grupo de amigos, a uma família, pertencer a uma instituição
escolar, a uma determinada classe social, pertencer a uma classe profissional, ou
seja, fazer parte de uma comunidade, estar e sentir-se incluído é imprescindível para
a convivência em sociedade.
A inclusão social gera uma sensação de acolhimento, de aceitação, o que
caracteriza uma zona de conforto em que os grupos se apoiam em relação às suas
escolhas, opiniões e atitudes. Os autores Perelman e Tyteca afirmam que ao
recorrer aos valores universais, o orador estabelece uma espécie de acordo em que
o modo de agir possibilita o exercício do bem conviver, extrapolando o particular
para refletir um estado de multiplicidade dos grupos. Sendo assim, a convivência
torna-se possível a partir do entendimento de que, o que é bom para um, é bom para
todos que compartilham daqueles mesmos valores, opiniões e pontos de vista.
O preferível diz respeito aos valores, às hierarquias a aos lugares do
preferível.
Os valores universais desempenham um papel importante na argumentação
pois permitirão representar os valores particulares, aquele sobre os quais se
estabelece o acordo dos grupos particulares, como o aspecto mais
determinado dos valores universais. (PERELMAN, 1996, p. 46).
39
Os valores podem ser definidos como concretos e abstratos. São valores
porque servem a um determinado auditório particular, determinam acordos possíveis
entre orador e auditório. Dentro do preferível, não podemos falar em valores
universais, que seriam, em princípio, admitidos pelo auditório universal. Os valores
aqui atendem a auditórios particulares, pois há diferenças no modo ,de agir e pensar
entre pessoas, grupos, comunidades, sociedades, e portanto é inadmissível crer que
houvesse a possibilidade de unanimidade.
Os valores concretos estão vinculados às pessoas como a instituição
religiosa, educacional, hospitalar. São valores concretos dos quais os diferentes
grupos comungam, cada um a seu modo. O domínio desses valores depende do
modo de viver desses determinados grupos e de suas tradições, de sua cultura, de
suas inquietações pessoais; depende daquilo que cada auditório particular considera
importante para si. E, durante o processo argumentativo, quando trazidos à baila,
ganham poder de persuasão por fazerem parte de um conjunto de coisas
necessárias à sobrevivência. A valorização de instituições como a igreja ou a nação,
pode ser mais legítima em um determinado grupo que em outro.
Os valores abstratos, como a justiça ou a igualdade partem de auditórios
ainda mais particulares. São princípios bastante pessoais, promoveriam ainda mais
situações possíveis de serem contestadas, por estarem intrinsecamente ligados à
pessoa, no mais íntimo do seu ser.
Os valores abstratos apoiam nos valores concretos para ganhar sentido,
poderíamos supor, por exemplo, que um cientista, quando pesquisa um tipo novo e
revolucionário de tratamento para uma doença incurável, estaria dedicando-se a
uma causa nobre e, portanto, valeria o empenho em apoiar tal virtude que traria
benefícios concretos para a humanidade.
Para recorrer aos valores abstratos, o orador precisará conhecer plenamente
seu auditório, deverá estar de posse de detalhes a respeito de gostos, atitudes,
necessidades, preferências, poder aquisitivo, posicionamentos políticos, enfim. Seria
mais produtivo aliar os valores abstratos aos valores concretos, subordiná-los uns
aos outros, estabelecer assim uma relação mais homogênea.
40
A argumentação se baseia, conforme as circunstâncias, ora nos valores
abstratos, ora nos valores concretos; às vezes, é difícil perceber o papel
representado por uns e outros. (PERELMAN, 2005, P. 88).
Conforme afirma Perelman (2005, p. 299), os argumentos fundados sobre a
estrutura do real são diferentes argumentos que encontramos dentro de uma mesma
estrutura, portando, de uso comum. Neste trabalho vamos nos ater aos argumentos
que fundam a estrutura do real que são aqueles que indicam ligações de sucessão e
ligações de coexistência.
As ligações de sucessão são aquelas que indicam uma probabilidade,
indicam causa e consequência. Quando se trata de ligações de sucessão, os
acontecimentos são pautados pela causa que os levou a acontecer, ou pelo efeito
que se houve como consequência, ou mesmo pelo efeito que se pode esperar diante
do acontecimento em questão.
Ao falarmos da causa, será preciso que se entenda o porquê, o motivo que
levou ao acontecimento ou ao fato, deixando claro que o termo acontecimento está
sendo entendido por nós como algo genérico, amplo, não particularizado. Pois bem,
saber o motivo que levou à argumentação pela causa é o que explica essa ligação
de concessão. Para entender esse tipo de argumentação será necessário entender
as razões que estariam por trás do acontecimento ou fato.
A busca da causa corresponde, em outras circunstâncias, à do efeito. A
argumentação se desenvolve, nesse caso, de uma forma análoga: o
acontecimento garante certas consequências: algumas consequências
previstas, se elas se realizarem, contribuem para provar a existência de um
fato que as condiciona. (PERELMAN, 2005, p. 302).
E entendendo as razões por trás do acontecimento, certamente nos
depararemos com um juízo de valor que relaciona a causa ao efeito, ou o contrário,
sabendo-se que as conclusões podem ou não ser favoráveis. Dessa avaliação
chegamos ao chamado argumento pragmático.
O argumento pragmático aprecia aquele que julga um fato apenas pelas suas
consequências, seus efeitos. Significa dizer que o argumento pragmático justifica-se
por si só, não depende de aceitação, uma vez que as consequências existam, sendo
conhecidas ou presumidas, não haveria como negá-las.
41
Outra ligação de sucessão é a ligação de meio e fim que define-se pela
transformação de um meio em fim ou de um fim em um meio. Como nos ensina
Perelman, um mesmo acontecimento sofre várias interpretações que podem tanto
valorizá-lo quanto desvalorizá-lo.
Um acontecimento poderá ser julgado pelos meios que se utilizaram para
chegar-se a um determinado fim, como um mesmo acontecimento poderá ser
julgado pela escolha primeiramente do fim para justificar os meios. Seja como for, a
argumentação, as relações de meio e fim põem em xeque o argumento pragmático,
porque o argumento pragmático tende a avaliar um fato tão somente pelas suas
consequências, como se as consequências fossem uma grandeza fixa (PERELMAN,
2005, p. 308), não passíveis de interpretação.
Temos ainda dentro das ligações de sucessão, o argumento do excedente,
que também pode ser chamado como o argumento do exagero. Podemos dizer que
o argumento do exagero está no valor exagerado, exaltado, hiperbólico de uma
única questão, de um único valor.
Mas é evidente que o adepto de um pluralismo de valores fará notar que
qualquer valor levado ao limite conduz a incompatibilidades com outros
valores cuja realização impede. Uma infinita liberdade é tão incompatível
com o real como com a existência de várias liberdades.
A ideia de excedente, ao indicar um direcção de pensamento, pode, graças
ao exagero, servir tanto à hipérbole como à litotes. (PERELMAN, 1996, p.
104).
Passemos às ligações de coexistência que podemos chamar de argumento
da essência. São os vínculos das pessoas com suas atitudes, com seus atos. Dentro
das ligações de coexistência, destacamos alguns argumentos retóricos como o
argumento de autoridade.
O argumento de autoridade é aquele que vale-se do prestígio que advém da
palavra de honra, do ato de coragem, aquele que advém dos cientistas, de
autoridades constituídas como o padre, o presidente e até mesmo dos valores
comuns admitidos por um auditório.
42
A mais das vezes o argumento de autoridade, em vez de constituir a única
prova, vem completar uma rica argumentação. Constata-se então que uma
mesma autoridade é valorizada ou desvalorizada conforme coincida ou não
com a opinião dos oradores. (PERELMAN, 2005, p. 350).
O autor nos diz que o argumento de autoridade será valorizado ou não
dependendo do orador. Falando das propagandas institucionais que nos servem de
corpus, o orador vale-se do prestígio de hospital renomado, de reconhecida
excelência, de possuir em seus quadros médicos conceituadíssimos. O orador valese do prestígio que os anos de experiência, de estudos e de pesquisa lhe deram,
para veicular uma propaganda de página inteira e crer que tocará o auditório.
As ligações de coexistência que também são compostas pela ligação
indivíduo/grupo dizem respeito à forma como as pessoas relacionam-se dentro de
seus grupos, uma vez que esses grupos têm voz justamente por meio de seus
representantes. Dentro das relações do indivíduo com seu grupo, há sempre
aquelas pessoas que são mais representativas, que se distinguem por sua posição
social, sua profissão, ou seja, podem ser considerados uma espécie de porta-vozes
desse grupo. Os atos dos membros de um grupo o representam, portanto estão
sujeitos a um juízo de valor que pode ser favorável ou não às suas determinações.
Existe ainda, dentro das ligações de coexistência, a ligação simbólica, o
argumento da dupla hierarquia e a diferença de natureza e ordem.
A ligação simbólica é a representação daquilo que o símbolo evoca. O
simbolismo está presente em nossa realidade, há um vínculo, inclusive emocional de
certos símbolos e suas representações. Podemos citar os símbolos religiosos, por
exemplo. Segundo Perelman (1996, p. 115), “(...) o símbolo é indispensável para
suscitar um fervor, religioso ou patriótico, pois dificilmente a emoção prende-se a
uma ideia puramente abstrata.” Mas se o símbolo está ligado a um estado ou a uma
circunstância institucional, este perderá sua função, tão logo se termine um mandato
presidencial, por exemplo.
O argumento da dupla hierarquia está fundado sobre a estrutura do real e
está mais para as ligações de coexistência. É o argumento que se vale do que é
qualitativo dentro da relação da pessoa com seus atos. A dupla hierarquia fala do
grau de superioridade existente dentro das hierarquias, ou seja, são escalas que
comparam o valor de atitudes e os vincula a uma escala de valores já admitidos.
43
Dessa forma podemos entender o argumento da dupla hierarquia como sendo o
argumento da comparação, o que nos leva à possibilidade de nos depararmos com
diferentes interpretações.
Entendemos que é de suma importância que haja, por parte do orador, algum
cuidado e, sem dúvida, é aconselhável que tome a iniciativa de conhecer e
compreender muito bem seu auditório, saber suas predisposições, estudá-lo, para
que não ocorra nenhum mal entendido. Também será preciso que o orador leve em
consideração as hierarquias concretas em que se admite a superioridade do homem
sobre um animal, por exemplo, como também as hierarquias abstratas em que se
deve prestar atenção à relevância das coisas e das atitudes como afirma Perelman
(2005, p. 90), “(...) quando o homem expressa a superioridade do justo sobre o útil.”
Sob pena de não atingir aos seus objetivos.
Falemos não só de valores concretos e abstratos, mas também da hierarquia
desses valores. Esta hierarquia tem a ver com o que cada um pensa, com suas
crenças e valores culturais, tradições, enfim, cada um tem seus lugares do
preferível, o que torna relativo e dimensiona o papel do orador no seu discurso, uma
vez que saber qual a escala dos valores admitidos por seu auditório, abre para o
orador, um vasto campo argumentativo.
Os valores, mesmo se admitidos por muitos auditórios particulares, o são
com maior ou menor força. A intensidade da adesão a um valor, em
comparação com a intensidade com a qual se adere a outro, determina
entre esses valores uma hierarquia que se deve levar em conta. Quando
essa intensidade não é conhecida com precisão suficiente, o orador tem,
por assim dizer, liberdade na utilização de cada um dos valores, sem
precisar justificar necessariamente a preferência que concede a um deles,
uma vez que não se trata de subverter uma hierarquia admitida. (
PERELMAN E TYTECA, 2005, p. 92)
Uma hierarquia admitida poderia ser comparada a um valor universal, ou seja,
um valor já assentido pelo auditório. Portanto, as hierarquias, assim como os valores
universais, aqueles para os quais não cabem questionamentos, desde que
respeitados os limites impostos por grupos que compartilham dos mesmos
princípios. Verdade, beleza e justiça, por exemplo, são qualificadores ou não do
objeto que se pretende divulgar, torna o caminho a ser percorrido pelo orador menos
44
difícil. Segundo Perelman (1993), “os valores universais não são senão instrumentos
de persuasão.”
A diferença de natureza e ordem refere-se à possibilidade de poder
transformar uma diferença quantitativa em uma diferença qualitativa. Assim:
(...) graças à teoria da evolução das espécies, a espécie humana no reino
animal, transforma-se numa diferença de grau o que antes constituía um
fosso intransponível, caracterizado pela presença de uma alma de origem
divina no homem. (PERELMAN, 1996, p. 118).
A transposição ou superação das diferenças é terreno conhecido da
propaganda. O discurso propagandístico, de modo geral, procura minimizar as
diferenças, ou ao menos torná-las objeto de desejo. Há no discurso das
propagandas algo de perfeito, algo de inatingível, mas que embora racionalmente o
auditório saiba, prefira de fato não saber. O desejo de alcançar um objeto, um ideal,
um estilo de vida é bem explorado pelo orador. A propaganda não nos mostra uma
realidade, mas sim uma representação da realidade na qual as pessoas, a natureza
e tudo que as envolve estejam em perfeita harmonia. Trata-se de um discurso ideal.
Um discurso milimetricamente construído para persuadir.
A construção desse discurso envolve a imagem do orador, é representante
desta imagem, é na verdade, também formador desta imagem.
2.5 A Construção do Ethos
O conceito de ethos tem, em nosso trabalho de pesquisa, papel fundamental,
pois, ao analisarmos propagandas institucionais à luz da retórica e da
argumentação, falamos da imagem, mais especificamente da imagem do orador, a
empresa ou marca cuja imagem está em divulgação, mais que isso, falamos da
imagem do orador dentro do discurso, daquele que detém a resposta, ou que deseja
que todos acreditem que ele as detém.
Ethos, no sentido de Aristóteles, é, segundo Reboul (1998, p. 48), “(...) o
caráter que o orador deve assumir para inspirar confiança no auditório, pois sejam
quais forem seus argumentos lógicos, eles nada obtêm sem essa confiança.”
45
Plantin (2008, p. 112) ensina que Aristóteles “(...) considera que “é o caráter
[ethos] que, podemos dizer, constitui quase a mais eficaz das provas. Ele age por
empatia, identificação e transferência.”
Meyer (2007, p.34) afirma que: “O ethos é uma excelência que não tem objeto
próprio, mas se liga à pessoa, à imagem que o orador passa de si mesmo, e que o
torna exemplar aos olhos do auditório, que então se dispõe a ouvi-lo e segui-lo.”
Podemos dizer, ao menos hipoteticamente, que há uma predisposição de aceite
tácito para tudo o que serve de modelo a um grupo de pessoas ou a uma
determinada sociedade. Tradições culturais, crenças, valores religiosos, todos, de
alguma forma, contribuem implícita ou explicitamente para uma adesão. Como
postula Chaim Perelman:
Como a argumentação se propõe agir sobre um auditório, modificar as suas
convicções ou as suas disposições por meio de um discurso que se lhe
dirige e que visa ganhar a adesão dos espíritos, em vez de impor a sua
vontade pela constrição ou pela domesticação, ser-se uma pessoa a cuja
opinião se atribui algum valor é já uma qualidade não negligenciável. Da
mesma forma, é importante poder tomar a palavra em certas circunstâncias,
ser o porta-voz de um grupo, de uma instituição, de um Estado a ser
escutado. (PERELMAN. 1996, p. 31).
A citação de Perelman leva-nos ao argumento de autoridade, pois quando o
orador é o único a poder responder às questões suscitadas, uma vez que seu ethos
garante esta propriedade, sua fala envolve-se de credibilidade. Não se trata do
conhecimento empírico, nem mesmo de todo conhecimento de mundo do orador,
ainda que estes façam parte de seu repertório; o que importa é de fato o
reconhecimento que vem precedido por um aporte, uma autoridade, o argumento de
autoridade o credencia de imediato a uma predisposição positiva do auditório para
com suas intenções.
O ethos constitui, segundo Meyer (2007), uma estrutura dimensional, muito
mais que uma identidade do orador, é algo maior, que abrange a identificação do
auditório com esse orador. Uma vez estabelecida essa inter-relação, torna-se
esperado que as questões propostas sejam aderidas. A adesão às teses do orador é
necessária para que se complete o processo de persuasão. Sem a adesão não
haveria o acordo, ainda que tácito, de que o auditório crê no orador porque este tem
um ethos que representa o espelho do que o auditório quer para si.
46
“O poder de persuasão de um discurso decorre em boa medida do fato de
que leva o leitor a identificar-se com a movimentação de um corpo investido
de valores historicamente especificados.” (AMOSSY. 2005, p. 73).
Amossy (2005, p. 21) postula que “mesmo quando o auditório não conhece
previamente o orador, o seu discurso, sua ideologia, seriam capazes de promover
identificação em matéria de ethos”.
Podemos observar que os autores por nós estudados, de modo geral,
afirmam que ethos e identificação caminham lado a lado. Para a propaganda, o
estabelecimento da identificação com o auditório constitui prioridade, será sempre
um dos elementos que compõem o conjunto discursivo necessário para que se
atinjam os objetivos estabelecidos. Vejamos
ethos na visão de Meyer;
“(...) é a imagem de si, o caráter, a personalidade, os traços de
comportamento, a escolha de vida e dos fins (dá a palavra ética). Todos
esses termos não parecem em absoluto interligados, mas levantam,
sobretudo, a pergunta: o que ele têm a ver com a retórica? Em resumo, o
que é de fato o éthos e por que identificá-lo ao papel do orador? Mas o que
é um orador? É alguém que deve ser capaz de responder às perguntas que
suscitam e que são aquilo sobre o que negociamos. (MEYER, 2007, p. 34).
Podemos estabelecer uma relação entre ethos na visão de Meyer com ethos
na visão de Aristóteles. Aristóteles simbolizava o orador pelo ethos, ou seja, toda a
credibilidade, respeitabilidade do orador estava absolutamente ligada ao seu caráter,
que seria então digno de confiança. Meyer bebe na fonte de Aristóteles mostrandonos que as definições são próximas.
Essa imagem do orador deve ser forte o suficiente para que não se levantem
questões sem resposta. Os questionamentos são bem vindos, necessários, até
porque não haveria utilidade retórica para verdades já assentidas por todos.
Persuadir é um processo cabível exatamente onde há dúvida, para que só então as
respostas sejam encontradas. E nesse processo de argumentação que visa a
persuadir, o orador depende de sua imagem na qual estão relacionados aspectos
como a moral, a confiança, o saber e o poder dizer, conforme já destacava
Aristóteles. Amossy, refletindo sobre a posição de Eggs, lembra que;
47
(...) destacando sua dupla dimensão, ao mesmo tempo moral e estratégica.
A primeira compreende as virtudes diretamente relacionadas à noção de
honestidade, a segunda diz respeito aos hábitos e costumes e consiste em
se exprimir de maneira apropriada.” (AMOSSY. 2005, p. 24)
Plantin (2008, p. 112) lembra que para Aristóteles, ethos e caráter são o
mesmo conceito, e aproximam-se do auditório justamente pela identificação “(...)
aderir a um discurso é sempre, no fundo, identificar-se com seu autor.” Essa
afirmação nos remete à empatia e à cumplicidade. Ao fazer determinadas escolhas,
o orador demonstra uma preocupação com os interesses e necessidades do seu
auditório, busca conhecê-lo muito bem, se prepara previamente para mostrar-se
familiar, acessível e tornar sua imagem, certamente, passível de identificação.
Convencemos ao mostrar, no discurso, uma moral elevada ou, de modo
contrário, ao usar uma expressão adequada ao caráter e ao tipo social?
Mostrarei que essas duas concepções não se excluem, mas constituem, ao
contrário, as duas faces necessárias a qualquer atividade argumentativa.
(EGGS. 2005, P. 30).
A identificação do auditório com o orador é elemento fundamental na
construção do ethos; podemos dizer que essa imagem depende de um conjunto de
argumentos retóricos que se impõem tanto pelas necessidades do orador quanto
pelas do auditório. Como afirma Eggs, há mais de uma face necessária a qualquer
tipo de atividade argumentativa.
48
CAPÍTULO 3 - ANÁLISE DO CORPUS
É importante percebermos que as propagandas institucionais têm uma função
diferente da publicidade comum, a propaganda institucional tem em sua essência
aspectos como confiabilidade e respeitabilidade que estão ligados à manutenção de
uma boa imagem do orador perante seu auditório. Esse tipo de propaganda tem
diferenças bem marcadas em relação à publicidade comercial. Estas diferenças
mostram-se mais evidentes se observarmos, por exemplo, uma propaganda como
as do corpus que vendem a imagem de uma instituição de excelência na área da
saúde por meio de campanha de conscientização à prevenção, enquanto na
publicidade comercial, uma propaganda anuncia deliberadamente um produto à
venda.
Nosso trabalho tem base em pesquisas bibliográficas sobre os conceitos de
retórica, além de leituras específicas a respeito de propaganda, para que
pudéssemos compreender melhor os mecanismos que envolvem esse tema.
3.1 Objetivos e Percurso da Pesquisa
Partimos de nossa inquietação e do desejo de compreender como, por meio
de propaganda, o hospital constrói uma imagem de si. Focalizaremos nossas
análises à luz da retórica para que, ao entendermos esse processo argumentativo
existente no corpus, possamos, por meio dos argumentos retóricos encontrar
respostas possíveis.
Entendendo que o discurso contido no corpus é predominantemente
argumentativo, portanto, retórico. Conforme já exposto na introdução deste trabalho,
estabelecemos como objetivo geral, desenvolver um estudo analítico dos
argumentos retóricos que promovem identificação, na relação entre auditório e
orador, em um corpus de propaganda institucional da área da saúde.
Para cumprir o objetivo geral, estabelecemos os seguintes objetivos
específicos:
49

Verificar como se define o auditório nas propagandas que compõem o
corpus;

Levantar as estratégias retóricas;

Identificar o ethos construído.
Levando em consideração nossos objetivos, realizamos a fundamentação por
meio de estudos teórico-analíticos das áreas da retórica e da publicidade e
propaganda. Em seguida, selecionamos o corpus de análise.
A partir da observação do corpus e com base no estudo teórico
estabelecemos as categorias de análise e procedemos às análise.
3.2 Corpus da Análise
O corpus de nosso trabalho de análise está composto de cinco propagandas
institucionais do hospital Albert Einstein, que mantém uma página semanal intitulada
“Einstein-saúde”
veiculada
na
revista
Veja.
As
cinco
propagandas
têm,
aparentemente, um caráter informativo-preventivo.
Para facilitar a identificação das propagandas, optamos por nomeá-las P1,
P2, P3, P4 e P5, conforme descrito a seguir:
P1: “A infecção por HPV e o risco de câncer”, veiculada em 02 de janeiro de 2013.
P2: “”É hora de acelerar o crescimento?”, veiculada no dia 06 de fevereiro de 2013.
P3: “Alergia a medicamentos”, veiculada no dia 13 de fevereiro de 2013.
P4: “Amamentação: Garantia de saúde”, veiculada no dia 15 de maio de 2013.
P5: “Diabulimia: distúrbio que pode ser fatal”, veiculada no dia 26 de junho de 2013.
Obedecemos a dois critérios para a seleção inicial das propagandas: que
fossem institucionais e da área da saúde. A escolha por propagandas do hospital
Albert Einstein deu-se de forma natural dentro desse critério, mas se justifica
especialmente pela recorrência de publicação e pelo fato de os textos publicados a
cada semana serem diferentes, o que ampliou as possibilidades de análise.
As propagandas do corpus apresentam a seguinte estrutura composicional:
50
- O nome do plano de saúde no centro e no início da página;
- Título;
- Subtítulo;
- Um grande texto de caráter informativo-preventivo em que são oferecidas ao
público, uma série de informações sobre um tema específico, por exemplo, “Alergia
a Medicamentos”;
- Há duas caixas de texto, uma no meio da página, colocando em evidência uma
informação a respeito do assunto tratado, que, pelo destaque dado a ela, deve ser
relevante. Em outra caixa, logo abaixo do final do texto, apresentam-se endereços
para que os leitores possam obter mais detalhes sobre o assunto tratado na
propaganda, se assim o desejarem;
- Abaixo da segunda caixa de texto há o slogan, ou seja, a frase de efeito da
propaganda “Sua saúde é o centro de tudo.” Há ainda, outra caixa de texto na
margem inferior da página, contendo endereços de redes sociais como facebook e
twitter do hospital.
A primeira propaganda (P1) que perece ser de caráter informativo preventivo,
refere-se à informações sobre os riscos de uma doença chamada HPV. O subtítulo
da mensagem alerta para o fato de que as mulheres correm maiores riscos, mas que
a doença pode apresentar uma ameaça para os homens também.
Podemos entender que as informações veiculadas na revista contribuem para
a percepção de sintomas e incentiva a prevenção como melhor forma de tratamento.
A segunda propaganda (P2) traz no título uma pergunta: “É hora de acelerar o
crescimento?” O artigo faz referência ao uso, muitas vezes, exagerado e impensado
de hormônios do crescimento. O subtítulo informa que somente crianças com
deficiência na produção de hormônios deveriam utilizar-se dessa substância.
A terceira propaganda (P3) trata da “Alergia a medicamentos”. O artigo
esclarece muitas dúvidas a respeito do tema, informa que a maioria das alergias
acabam afetando a pele, mas que há riscos fatais em alguns casos de alergias mais
fortes.
A quarta propaganda (P4) incentiva o aleitamento materno com o título
“Amamentação: Garantia de Saúde”. O artigo procura mostrar que o leite materno
51
contém nutrientes suficientes para o bebê nos primeiros meses, incentivando a
prática que além dos vínculos afetivos entre mãe e filho, é extremamente saudável.
A quinta propaganda (P5) trata de um tema pouco conhecido da grande
população, “Diabulimia: Distúrbio que Pode Ser Fatal”. A Diabulimia, segundo o
artigo, é um transtorno que afetaria diabéticos do tipo 1 que deixam de tomar a
insulina por vontade própria, desconhecendo, na maioria das vezes, os riscos graves
que essa decisão pode acarretar.
As cinco propagandas têm o mesmo caráter informativo-preventivo, são do
mesmo orador e são veiculadas semanalmente na mesma revista.
É preciso que se diga que o Albert Einstein, que fica na cidade de São Paulo,
é um hospital israelita renomado, de alto padrão, sediado no Morumbi, um bairro
nobre da capital, e coloca-se como um hospital que tem excelência em saúde,
ensino, pesquisa e responsabilidade social, o que torna desejável ser consumidor de
seus serviços de excelência.
Devemos observar também que a página institucional que o hospital publica
semanalmente tem uma estrutura textual que simula um artigo de divulgação
científica, em que informações preventivas a respeito de variadas doenças são
veiculadas ao alcance de um auditório ampliado, embora particular. Esses mesmos
artigos têm ainda, para os mais interessados, desdobramentos dentro do site do
hospital, basta que se queira manter-se mais informado.
O Einstein apresenta em seu site - www.einstein’.br – um link para a página
Einstein-Saúde na qual oferece um complemento do assunto tratado semanalmente
no artigo veiculado na revista. Dentro desta página há o link para outra página
intitulada Einstein saúde na Veja, na qual se pode ler em evidência o seguinte texto:
Página Einstein Saúde: Conhecimento em saúde para você.
Toda semana na revista Veja, o Einstein oferece um espaço dedicado a
informações sobre medicina e saúde. Sempre que um artigo é veiculado na
revista, um conteúdo extra sobre o mesmo assunto é criado aqui. Assim, os
leitores podem encontrar muito mais informações, além de compartilhar
vídeos, infográficos, entrevistas e muito mais nas redes sociais.
A página Einstein Saúde tem o objetivo de difundir conhecimento de
qualidade para o maior número possível de pessoas. Ao dispor da
experiência de nosso qualificado Corpo Clínico, nossa intenção é
52
proporcionar um entendimento maior de como podemos contribuir para a
melhoria da saúde das pessoas. (Disponível em - www.einstein.br - ).
De acordo com a mensagem, o hospital oferece, gratuitamente, com o único
fim de “difundir conhecimento de qualidade para o maior número possível de
pessoas”, informações sobre doenças comuns ou não, o que, segundo o hospital,
colabora com a possível prevenção dessas mesmas.
A revista Veja cujo auditório é bastante amplo, embora particularizado, pois
trata-se de uma publicação de cunho econômico e político. Assunto do qual não
trataremos especificamente nesta análise, a não ser pelo fato de que o conteúdo
veiculado pela Veja, aliado ao seu posicionamento político, reflita o auditório que a
propaganda do Einstein deseja atingir.
3.3 Análises
Para a análise do corpus estabelecemos as seguintes categorias:

O auditório a quem se dirigem as propagandas que compõem o
corpus;

As estratégias retóricas em cada propaganda do corpus;

O ethos do orador no conjunto dos textos que compõem o corpus.
3.3.1 O Auditório
Suscitar o interesse por uma ideia ou um produto é o grande desafio da
propaganda. E o desafio será bem sucedido se houver, por parte do auditório,
identificação. A propaganda é retórica justamente porque busca promover
identificação a partir do uso de diversos elementos retóricos como o argumento de
autoridade, fatos, verdades, lugares do preferível, valores universais e adaptação ao
auditório.
As cinco propagandas que fazem parte do corpus têm um tom discursivo
semelhante, se valem, obviamente, da credibilidade do orador para reforçar sua
própria tese de ajuda desinteressada ao próximo. Nas P1, P2, P3, P4 e P5
respectivamente, há o uso repetido do argumento de autoridade que se vale do
53
vínculo dos atos com as pessoas, seu prestígio, sua credibilidade, ou seja, poder-seia julgar ou mesmo presumir que uma propaganda institucional que se reveste de
caráter informativo preventivo, de uma instituição como o hospital Albert Einstein,
estabelece uma relação coexistente de prestígio do orador em relação à confiança
do auditório.
Também é reconfortante para o auditório, pensar que o orador utilizou uma
linguagem que requer um nível intelectual mais alto, para privilegiá-lo. No exemplo a
seguir está bem marcada esta estratégia. “Os sintomas são bastante variáveis, mas
em 80% dos casos são manifestações na pele – coceira, urticária, rash (erupção
cutânea), inchaço nos lábios e pálpebras.”
No excerto acima, as palavras “rash” e “erupção cutânea” não são palavras
de uso comum, são termos técnicos, portanto será preciso que o auditório tenha em
seu repertório conhecimentos um pouco mais específicos a respeito do tema saúde.
Utilizando este tipo de linguagem, o orador particulariza bastante o seu auditório, e,
a partir disto, vai delineando estratégias mais assertivas em busca de assentimento.
O orador de nosso corpus deseja tornar cada vez mais notória sua excelência
na área da saúde, e sem dúvida, direciona sua fonte de conhecimento a um
auditório que, a priori, é qualificado, capaz de assentir às suas teses, justamente
pelo fato de ser um leitor da revista Veja, e que por vontade própria, deu-se ao
trabalho de ler o longo texto de caráter aparentemente informativo.
Nas propagandas do corpus, podemos destacar a escolha do veículo de
divulgação da campanha, a revista Veja. É sabido que a revista Veja é uma
publicação de cunho informativo com grande teor político, o que torna seu conteúdo
direcionado a um público dito qualificado, com nível cultural e de escolaridade mais
elevados.
Ao publicar uma propaganda institucional em um veículo com essas
características, o orador demonstra ter elegido especificamente o seu auditório,
partindo da premissa que a revista Veja seja a escolha de um veículo respeitável.
As propagandas do corpus ocupam uma página inteira da revista. Que tipo de
auditório se daria ao trabalho de dedicar um tempo razoável para ler uma página
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inteira de propaganda, senão um leitor bem informado, certamente um leitor
preocupado com prevenção, informação e com um mínimo de cultura?
O texto da campanha traz palavras que podem oferecer certa dificuldade de
compreensão, por exemplo, os termos “choque anafilático”, “rash”, “erupção
cutânea" são termos que dificultariam o entendimento da mensagem caso seu
conteúdo estivesse disponível em publicação menos qualificada. Neste caso,
espera-se que o leitor de uma revista com as características da Veja seja
perfeitamente capaz de entender essa linguagem. Mais uma vez estamos diante de
uma estratégia retórica eficiente. Quem pode ler e compreender a propaganda será
exatamente o tipo de auditório que busca o orador. Ou seja, o consumidor ideal para
esta instituição.
A partir dessas considerações podemos afirmar que a linguagem utilizada
nesta propaganda reafirma a intenção do orador de atingir a um auditório mais
qualificado, mais particularizado, que possa por meio da aproximação pela
identificação, aderir mais facilmente às teses propostas.
Segundo Meyer (2007), a linguagem sedutora da propaganda promete a
abolição da distância, ou seja, o texto desta propaganda é sedutor para aqueles
capazes de compreendê-lo, justamente por reconhecer a superioridade do auditório,
por oferecer a esse auditório uma proposta válida para esse grupo de pessoas
específicas, especiais, e que merecem o melhor, desde a divulgação até a
possibilidade de aceite da proposta.
O aceite da proposta tornaria especial a relação entre orador e auditório, uma
vez que ambos estariam ligados pela excelência da marca Albert Einstein.
Os fatos e as verdades são também recursos largamente utilizados em
propaganda, quando o que se deseja é que o conteúdo destas propagandas seja
compartilhado pelo auditório ao qual se destina.
Quanto aos valores universais, vimos que são acordos que podem servir tanto
a um auditório universal quanto a um auditório particular. Esses valores podem
também estar vinculados uns aos outros, pois quanto mais nos aproximamos de um
55
valor já admitido pelo auditório universal, mais teremos chances de que este valor
seja aceito pelo auditório particular.
Os valores universais têm a ver com aquilo que as pessoas, mesmo quando
são pertencentes a comunidades distintas, entendem e aceitam como verdade.
Quanto mais um valor for generalizado, mais será universalizado. Podemos como
exemplo citar a saúde, ou a prevenção como um importante argumento de valor
universal, pois é de conhecimento de todos que uma pessoa que tem hábitos de
prevenção, possivelmente, desenvolverá menos problemas de saúde ao longo da
vida.
Citemos um ditado popular que diz: “É melhor prevenir do que remediar”,
endossando, por meio do conhecimento empírico, que é de conhecimento geral que
a prevenção é a melhor solução.
Embora saibamos que de um modo geral, essa máxima seja válida, portanto
universal,
se
particularizarmos,
perceberemos
que
não
é
sempre
válida
individualmente, ou mesmo para grupos distintos, porque nem todos têm como
hábito atitudes preventivas no seu dia a dia.
3.3.2 Estratégias Retóricas
Apresentamos nas páginas seguintes a análise dos argumentos utilizados em
cada uma das propagandas que compõem o corpus da pesquisa.
Esses argumentos auxiliam a promover identificação entre o auditório e o
orador.
56
P1
57
A P1 traz informações sobre a infecção pelo vírus HPV. Argumenta que o
vírus é transmitido sexualmente e que as mulheres fazem parte de um grupo de
risco maior, porém não descarta os riscos para os homens também. Alerta para o
fato de que, uma vez contaminada, a mulher tem chances altíssimas de desenvolver
câncer. O texto, que aparentemente tem a intenção de informar, utiliza várias
estratégias retóricas como a delegação do saber, que se observa no excerto a
seguir:
Homens e mulheres devem ficar atentos aos sinais da ação nociva do HPV
no organismo, como o aparecimento de lesões e verrugas no pênis, vulva,
ânus e outras áreas da pele. Uma vez identificados, o médico, em geral um
ginecologista, urologista ou proctologista, deve ser procurado.
Neste excerto está bem marcada a delegação do saber, com a indicação
explícita de que quem indica ou identifica a doença é o médico. Trata-se de um
argumento retórico eficiente, pois deixa claro que apenas um médico, um
especialista inclusive, poderá fazer um diagnóstico. A delegação do saber é um
lugar retórico explorado na P1 por fazer valer perante o auditório o ethos conhecido
do orador, um ethos de experiência na área da saúde, portanto, validado pelo
auditório particular.
Também observamos no mesmo exemplo que o orador recorre ao argumento
de autoridade.
O argumento de autoridade é um lugar retórico poderoso quando o propósito
é a identificação com o auditório. Parte do orador o esforço e o empenho em
promover esta aproximação. O auditório amplo, embora particularizado das
propagandas em questão, é tocado pela demonstração de conhecimento do orador.
Ao dizer que alguém deve procurar um médico ao menor sinal de que algo esteja
errado, que de acordo com os médicos certas atitudes são inadequadas, que de
acordo com pesquisas na área da saúde chegou-se a determinadas conclusões, e
enfim, ao citar que tal posicionamento é recomendado pela OMS, o orador garante
respaldo perante o auditório.
A afirmação de um médico é valorativa. Saber que especialistas consideram,
indicam, afirmam, pesquisam, certamente oferece ao auditório uma sensação de
maior conforto e segurança em relação às informações contidas na propaganda.
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Podemos falar também do uso do verbo dever em dois momentos de um dos
excertos acima, primeiro a propaganda traz os seguintes imperativos: “... homens e
mulheres devem ficar atentos...” e “... em geral um ginecologista, urologista ou
proctologista deve ser procurado...” Todos os exemplos demonstram que o orador
conscientemente reafirma seus atributos profissionais e argumenta em favor de que
o auditório está diante de conhecimentos de qualidade, e que estes conhecimentos
levariam este auditório a uma atitude preventiva em relação à saúde.
Todo esse esforço do orador tem um objetivo que certamente não é só o de
divulgar informações preventivas por mera bondade. Mesmo uma propaganda
institucional da área da saúde precisa de um auditório que abrace sua causa, que se
identifique. E quando há identificação, o orador espera um retorno. Assim, o
argumento de autoridade vale por ele mesmo. É retórico, pois, dada a estratégia de
sua utilização, visto que o orador suscita questionamentos aos quais ele próprio
responde, tornando seu discurso cada vez mais retórico.
Entre as estratégias retóricas, há o recurso a valores universais, como no
excerto abaixo:
As vacinas podem ser aliadas extras.
O enunciado acima recorre a um valor universal: as vacinas. As vacinas.
Desde que grandes médicos desenvolveram vacinas contra a poliomielite, contra
doenças como sarampo, catapora e muitas mais, hoje consideradas erradicadas ou
totalmente controladas pela Organização Mundial da Saúde em muitos países,
doenças que em outros tempos foram capazes de dizimar populações. As vacinas
tornaram-se um valor universal dada a sua importância para um desenvolvimento
populacional mais saudável. Isto é fato.
A importância da vacinação é inconteste, embora exista ainda, por ignorância
ou irresponsabilidade política em redor do mundo, lugares em que os programas de
vacinação são precários. No entanto há, de modo geral, o reconhecimento de sua
necessidade. O que equivale a dizermos que o direito às vacinas é um valor
universal comungado por um auditório também universal, mas que o orador utiliza
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como argumento retórico, fazendo crer ao seu auditório particular que é ainda mais
confiável por isso.
O lugar da quantidade é também uma estratégia retórica eficiente, ancora-se
no exagero para ser crível.
O HPV está ligado a 99% dos casos de câncer de colo de útero, o segundo câncer
mais frequente nos órgãos femininos.
No trecho acima a propaganda recorre ao lugar da quantidade, mas podemos
dizer que se trata também do argumento do excedente, ou argumento do exagero,
como forma de impactar o auditório. Transmite com ênfase uma quantidade
alarmante, são 99% os casos de câncer ligados ao HPV. É uma porcentagem
enorme, são quase 100%. É, sem dúvida, um argumento forte, um número exaltado,
até mesmo hiperbólico para uma única questão, e possivelmente será capaz de
influenciar o auditório a buscar por prevenção. Evidentemente, buscá-la junto à
expertise que o orador tanto faz questão de alardear.
Mais uma vez, observamos no excerto abaixo, o recurso a um valor universal:
Para as mulheres, vale um alerta adicional: independentemente das ações
adotadas para se proteger do HPV, é preciso realizar periodicamente o
exame preventivo conhecido como Papanicolaou, que permite identificar
lesões que podem levar ao câncer de colo do útero.
Quando a propaganda revestida do ethos do orador veicula “Para as
mulheres, vale um alerta adicional:...” a respeito da importância de um exame
preventivo extremamente conhecido e popularizado entre as mulheres como o
Papanicolaou, esta propaganda recorre a um valor universal que é a saúde da
mulher, mais especificamente a saúde íntima da mulher, que deve, segundo a
própria propaganda, partir da prevenção. A incidência de câncer do colo do útero no
mundo é alarmante. É fato que este é um dos cânceres mais comuns entre
mulheres, e justamente por isso, há grande interesse em que se dê mais importância
à prevenção. Talvez, a resposta para que muitas mulheres coloquem em segundo
plano os cuidados com a saúde íntima, se deva ao o fato de que a prática preventiva
precisa ser permanente e sistemática, o que demanda tempo. Podemos dizer que a
60
falta de tempo seja um mal das sociedades contemporâneas, e a mulher, ao
incorporar a velocidade massacrante dos tempos atuais, paga um preço alto.
Observamos que, mais uma vez, o orador busca identificação com o auditório,
argumenta a partir de fatos ou verdades, pois é de conhecimento público que
exames preventivos são bastante eficazes na manutenção da saúde de qualquer
pessoa, inclusive a saúde íntima da mulher. Mas também é fato que todo esse
trabalho de conscientização não é uma iniciativa apenas deste orador; diversas
instituições governamentais ou não já o fizeram, não sendo, portanto, privilégio ou
excelência do orador em questão.
É possível dizer que há um consenso de que o exame de Papanicolaou é um
importantíssimo aliado da mulher na prevenção a um tipo comum de câncer, e,
embora particularmente nem todas as mulheres tenham essa consciência
preventiva, podemos acreditar que exames íntimos preventivos e ou atitudes
preventivas seriam um valor universal. Mais um elemento retórico explorado pelo
orador em suas propagandas institucionais.
Verificamos no excerto abaixo o argumento da dupla hierarquia:
Embora os riscos sejam maiores para as mulheres, o vírus também representa uma
ameaça para os homens.
Neste trecho, o texto alerta para os riscos de contaminação, em maior ou
menor grau, tanto de mulheres quanto de homens. Há uma comparação da
necessidade de prevenção diante de tamanha ameaça. É possível entendermos o
alerta como o argumento da dupla hierarquia. O sexo feminino, em uma escala de
superioridade, é mais suscetível à contaminação, o que não elimina o risco do sexo
masculino. Portanto, comparativamente, uma vez portadores do vírus HPV,
independente das escalas hierárquicas, homens e mulheres precisarão de cuidados
no mesmo grau de importância.
O argumento da dupla hierarquia, demonstra, dentro de uma escala de
ocorrências, uma hierarquia. Uma escala em que há uma recorrência maior de um
elemento em relação ao outro, de certa forma hierarquicamente, o elemento que
estiver em maior nível dentro da escala mereça maior preocupação. Podemos dizer
61
que é o caso da maior probabilidade de contaminação pelo vírus HPV de mulheres
em relação aos homens, o que, em hipótese alguma, diminui a importância da
prevenção para os homens.
No excerto abaixo, encontramos o argumento pragmático:
O que é certo mesmo, e não só para o HPV, mas como para todas as doenças
sexualmente transmissíveis, é que a prática intensiva da prevenção é altamente
eficiente para manter os vírus à distância.
O argumento pragmático, o argumento que julga um fato apenas pelas
consequências, pelos efeitos. Portanto, desde que comprovada a consequência de
que ao se prevenir sexualmente, o indivíduo correrá muito menos riscos, basta para
que se presuma a importância da prevenção. Não haveria, diante do hábito da
prevenção, como negar seus bons resultados.
Abaixo, nos deparamos com um elemento retórico que podemos considerar
como de bastante importância no corpus, a relação indivíduo-grupo:
Por isso, homens e mulheres devem assumir conjuntamente a prevenção como
arma contra o HPV. Usar preservativos (masculino e feminino) nas relações sexuais
e reduzir o números de parceiros é a melhor receita para ficar longe do vírus.
No excerto acima, ao sugerir que homens e mulheres devem assumir
conjuntamente responsabilidades, o texto nos revela como esses indivíduos se
relacionam dentro dos grupos aos quais representam. Como cada um assume um
papel que é igualmente importante.
Podemos levantar questões importantes a respeito do comportamento dos
indivíduos em seus grupos. Questões como o machismo, que é uma herança da
sociedade brasileira desde os tempos da colonização. Questões que têm
implicações religiosas, pois é pública a condenação da igreja católica ao uso do
preservativo. Ou seja, são questões difíceis de serem equalizadas, e que acabam
62
por levar os indivíduos a comportamentos nem sempre condizentes com sua
condição de representante de um grupo.
Posicionamentos inflexíveis diante de questões culturais tão arraigadas levam
a um comportamento individualista, em desacordo com a necessidade de
conscientização dos novos tempos, em desacordo com a necessidade da quebra de
paradigmas para que novas respostas sejam encontradas. Assim, a relação do
indivíduo com o grupo ao qual representa carece de discernimento.
63
P2
64
A P2 trata do uso do hormônio do crescimento, aparentemente quer prevenir
o auditório quanto aos excessos cometidos por pessoas que submetem seus filhos a
esse tratamento, sem levar em consideração as características genéticas da criança.
Observamos no excerto abaixo o jogo estratégico do orador para adaptar-se ao
auditório:
As características genéticas que influenciam a estatura dos brasileiros são tão
variáveis que filhos de um mesmo casal podem ter estaturas completamente
diferentes.
O texto parece querer mostrar que a variação na estatura do brasileiro se
deve à miscigenação do povo. Reconhecer essa diversidade é um recurso que pode
aproximar o auditório do orador. Para o auditório, ainda que inconscientemente,
acreditar que o orador, do alto da sua experiência, reconhece que há diversidade, e
que esta diversidade deve ser respeitada, traz conforto intelectual. Não importa se
de fato há respeito por parte do orador quanto à grande miscigenação da população.
Importa que o auditório acredite que haja este respeito.
Parecer ser politicamente correto é mais importante que sê-lo. Há, no mundo
de hoje, uma corrente do politicamente correto extremamente forte, nos parece que
o termo, politicamente correto, tornou-se maior que seu próprio significado. Para
alguns, ser politicamente correto implica não ter personalidade, para outros, implica
ser ético, ter princípios, enfim, sobram críticas para qualquer dos comportamentos.
Se não existe unanimidade, sequer existem dúvidas. Ser ou não politicamente
correto, importa menos que parecer ser. E assim leva-se a vida. Essa é uma postura
retórica em que parecer é o foco.
Nos dois exemplos a seguir observamos a argumentação pelos fatos e pelas
verdades:
Em 80% dos casos a baixa estatura é resultado das características
genéticas, sendo desnecessária a terapia hormonal.
A alimentação equilibrada, o sono adequado e a atividade física favorecem
a qualidade de vida e contribuem para que a criança chegue ao seu
potencial genético de crescimento.
65
Os fatos são argumentos tidos como verdades, de um modo geral, a
apresentação dos fatos pode vir acompanhada de dados estatísticos. Esta seria uma
forma de comprovar a existência desse fato que se impõe sobre o auditório, pois se
as estatísticas mostram determinada consequência, provavelmente o fato existiria.
Vemos nos excertos acima dados estatísticos e dados provenientes de
estudos na área da saúde que, em princípio, comprovariam os fatos, ou as verdades
apresentadas.
No primeiro excerto, a afirmação de que 80% dos casos de baixa estatura é
resultado de características genéticas nos parece incontestável, dada sua
fundamentação científica e comprovação estatística, assim como a afirmação de que
uma boa alimentação, sono adequado e atividade física promovem boa qualidade de
vida são afirmativas também inquestionáveis, independente de quem adere a elas.
O fato, por ser um argumento, também pode ser contestado, mas há formas
de fazê-lo valer como fato, tanto pela apresentação de dados estatísticos, como pela
comprovação científica, e ainda se pode recorrer à opinião de pessoas competentes,
o que em última instância, significaria recorrer ao argumento de autoridade.
As verdades, assim como os fatos, estão ligadas aos acordos prévios. Tanto
um quanto o outro se confundem: nos excertos acima, fatos e verdades estão lado a
lado, pois as verdades também podem carecer do mesmo tipo de apresentação,
baseando-se na comprovação científica, que geralmente é assentida pelo auditório
universal.
Mas as verdades também podem ser consequências prováveis de
determinada ação ou comportamento, por isso, existem as verdades advindas das
concepções filosóficas ou mesmo da crença religiosa, em que verdades são
admitidas e valem muitas das vezes, para um auditório amplo, mas ainda assim
particular. Uma vez que premissas, doutrinas ou concepções religiosas, filosóficas
ou até agnósticas servem como verdades para uns, mas não para todos.
Nos dois exemplos apresentados ainda podemos destacar afirmativas que se
apoiam no argumento pragmático. Quando o texto da propaganda afirma que a
maioria dos casos de baixa estatura, ou seja, 80% desses estariam relacionados à
66
predisposições hormonais, ele estabelece uma relação de consequência da baixa
estatura com a genética, eliminando a necessidade de tratamentos com hormônios.
A possibilidade de que este argumento seja considerado como provável é
real, pois, de um modo geral, os filhos herdam geneticamente traços dos pais. E
mesmo que esta convenção genética não se aplique a todos, ela é provável.
Portanto, a consequência de ser filho de pais de baixa estatura pode ser ter baixa
estatura também.
No excerto abaixo o texto propagandístico recorre às ligações de meio e fim:
Nesse cenário nasceu uma moda perigosa: crianças baixas e saudáveis muitas
vezes recebem desnecessariamente hormônio do crescimento, conhecido como GH
(growth hormone), com o intuito de torná-los adultos altos.
Estamos diante de uma das ligações de sucessão: a ligação de meio e fim.
Certamente o orador tem por objetivo mostrar ao seu auditório, por meio do
discurso, a necessidade de se contemplar os riscos dos usos do hormônio do
crescimento de forma indiscriminada. Oferece subsídios para que o auditório
perceba que nem sempre os fins justificam os meios, e que, seja qual for a escolha
que se faça, ela trará consequências. Neste destaque há ligação de meio e fim. O
texto parece recorrer a um certo apelo à consciência do auditório, para que abusos
na busca por tratamentos desnecessários, apenas por vaidade, não sejam
prioridade.
Temos a seguir uma vez mais um exemplo de argumento pragmático:
O crescimento normal reflete a boa saúde da criança ou do adolescente.
Sem dúvida, a criança ou o adolescente que apresente um crescimento
normal, dará sinais externos de que tudo está bem. O aspecto físico adequado ao
tamanho e a idade será relacionado à consequência de uma vida saudável.
Ainda que não haja nenhum envolvimento pessoal, será possível julgar o
crescimento desse jovem como o de alguém que tenha boa saúde. Daí chegarmos
ao argumento pragmático no qual as consequências ou mesmo a aparência dos
67
fatos, importam mais que o próprio fato. Isto se dá porque nem sempre o fato de
uma pessoa apresentar fisicamente uma aparência "normal", um físico adequado,
significa, boa saúde, mas há, sem dúvida, uma ideia de que se tudo parece bem,
então tudo está bem.
68
P3
69
A P3 parece alertar para o fato de que, embora a alergia a medicamentos seja
comum, e em geral, as reações causadas não representem maior gravidade, há a
possibilidade de o indivíduo desenvolver o choque anafilático, reação que pode ser
fatal. Fica evidente no texto propagandístico, que o que leva uma pessoa a
desenvolver alergias comuns, e outra a chegar a uma reação grave, é uma
informação que nem mesmo os médicos possuem.
Não haver conhecimento do porque uma pessoa pode sofrer um choque
anafilático a partir de uma reação alérgica a medicamentos é um raro exemplo, no
corpus, do não saber médico. Pois no exemplo abaixo temos justamente o saber
médico, o argumento de autoridade:
Estudos mostram que 3% a 6% das admissões hospitalares estão relacionadas a
algum tipo de reação adversa a medicamentos, que também pode atingir entre 10%
a 15% dos pacientes internados.
No exemplo acima a propaganda vale-se do argumento de autoridade, atesta
sua legitimidade quando afirma que “estudos mostram...”. Há, por parte do auditório,
certamente, uma predisposição em acreditar em uma afirmação originada de
estudos. É de senso comum que estudiosos seriam pessoas bem informadas,
preparadas intelectualmente, capazes de chegarem a conclusões importantes que
possam oferecer benefício a um grande número de pessoas. Por isso, estudos são
valorativos, afirmariam a autoridade de um trabalho.
O exemplo a seguir, também recorre a dados numéricos, levando-nos ao
lugar da quantidade:
Os sintomas são bastante variáveis, mas em 80% dos casos são manifestações na
pele – coceira, urticária, rash (erupção cutânea), inchaço nos lábios e pálpebras.
80% é um número alarmante, capaz de promover, no mínimo, preocupação
com aquilo que está sendo divulgado. É importante para o auditório saber que, na
maior parte dos casos de alergia, as reações são comuns, repetem-se de um modo
70
geral. Embora seja um dado que demonstre preocupação, de certa forma, pode ter o
poder de acalmar pessoas desavisadas, pois fica claro que a maioria das pessoas
são atingidas por reações adversas sem maior gravidade.
Os lugares da quantidade estão relacionados ao sentimento de que possuir
mais é melhor que possuir menos, ao sentimento de que se muitos ambicionam algo
é porque deve ser bom, ou a ideia de que se alguém influente valida uma
informação sobre um percentual alto de alguma coisa, é porque devemos prestar
atenção, ou seja, podemos raciocinar que o auditório, por ser sugestionável, teria
atitudes previsíveis, às vezes, extrapolando o limite do bom senso. Comportamento,
aliás, totalmente explorando pela propaganda, uma vez que certa camada da
população, ou mesmo determinados grupos dentro de uma sociedade pautam suas
escolhas com base exatamente no argumento da quantidade.
Nesse mesmo excerto podemos observar também o lugar da qualidade, de
grande importância nas propagandas do corpus. O lugar da qualidade nos remete
àquilo que é importante para determinados auditórios particulares, questões que
fazem diferença para uns mais que para outros. No excerto em questão as palavras
como “rush” ou “erupção cutânea” não são termos de uso comum. São palavras
advindas desta voz da ciência que perpassa a propaganda. Qualifica-se assim
aquele que entende a linguagem médica.
A revista na qual a propaganda foi veiculada é conhecida por ter um público
qualitativo, assim podemos explicar a utilização de palavras de uso incomum como
elemento retórico de persuasão. O objetivo, certamente, é atingir um número de
pessoas que se reconheçam neste lugar da qualidade que a propaganda propõe. O
lugar comum da qualidade, ao contrário, valoriza o que é único, o que é principal ou
essencial, o que é realmente importante e necessário. Podemos como exemplo,
questionar a efemeridade da paixão em relação à longevidade do amor, seria
preferível a maturidade e serenidade desse sentimento que a exuberância
passageira da paixão. Teríamos aqui, bem marcado retoricamente o lugar da
qualidade.
Podemos retoricamente pensar que existe também um lugar que pode ser
chamado de lugar da preocupação, e é o que encontramos abaixo:
71
A Maioria das manifestações afeta apenas a pele, mas reações como o choque
anafilático podem ser fatais.
O destaque acima abre espaço para o lugar da preocupação. Saber que,
apesar da maioria das reações alérgicas serem comuns, afetando apenas a pele
seria um conforto para o auditório. Mas há as exceções, e algumas poderiam levar à
morte como o choque anafilático, o que é sem dúvida, um dado preocupante. Como
alguém poderia se proteger de tal reação, uma vez que os motivos que levariam
uma pessoa a desenvolver uma alergia leve ou extremamente forte seriam ainda
desconhecidos. Assim, fica o registro do lugar da preocupação, que em última
instância tem a ver com a preocupação com a saúde, portanto um valor universal,
logo um valor admitido tanto pelo auditório universal quanto pelo auditório particular.
Mas é possível relacionarmos o destaque acima também ao argumento da
dupla hierarquia. Há duas importantes informações sobre o mesmo princípio: a
alergia a medicamentos. A maioria das alergias atinge apenas a pele, mas reações
adversas podem causar choque anafilático, às vezes fatal. Numa escala hierárquica,
embora a maioria das alergias seja simples, o choque anafilático representa um
risco alto, portanto, essa informação estaria numa escala maior em termos de
preocupação, e mesmo em termos hierárquicos, assim, podemos classificar este
exemplo como um argumento da dupla hierarquia.
Quando o texto diz que reações como o choque anafilático podem ser fatais,
podemos dizer que a propaganda recorre à retórica do medo. Esse argumento
certamente levará ao auditório ainda mais preocupação, logo, o auditório estará
mais propenso a aderir à tese do orador. Podemos relacionar a retórica do medo ao
Movere, um recurso que serviria para tocar o auditório, sugestioná-lo.
O argumento da dupla hierarquia aparece mais uma vez no exemplo abaixo:
Por serem amplamente prescritos e consumidos, antibióticos e anti-inflamatórios
estão entre os que mais provocam reações.
Comparativamente, em uma escala de medicamentos mais consumidos, os
que estão no topo da hierarquia são os citados no trecho acima. Ao atribuir a este
72
tipo de medicamento um grau de culpabilidade maior pela ocorrência de alergias, o
orador lança mão também do argumento do excedente, em que de forma
exagerada, mostra-se a importância de se tomar cuidado com o uso indiscriminado
desses medicamentos.
Sabemos que, no Brasil e até mesmo em outras sociedades, existe um
comportamento considerado inadequado pela classe médica, o da auto-medicação.
Os riscos desse comportamento podem ser, desde tornar-se dependente de certas
substâncias até mesmo desenvolver problemas de saúde mais graves que podem
levar à morte.
Mas,
em
tempos
globalizados
de
velocidade
de
pensamentos,
desenvolvimento tecnológico e avanço científico ímpar, a rotina pode ser
esmagadora, estressante. Essa realidade torna as pessoas ainda mais suscetíveis à
auto-medicação, e, certamente, a propaganda saberá aproveitar-se muito bem desta
condição social contemporânea.
73
P4
74
A P4 traz o tema da amamentação seguindo uma corrente que é comum. A
propaganda quer fazer o auditório acreditar que a amamentação é fundamental e
que traz, ao bebê, uma série de benefícios em forma de nutrientes existentes no
leite materno.
Nos dois exemplos a seguir o texto propagandístico traz exemplos
estratégicos do uso do argumento de autoridade:
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que toda a criança
seja alimentada exclusivamente com leite materno nos primeiros seis meses
de vida, isto é, sem água, chá, sucos, sopas ou papinhas.
O ideal é que o aleitamento aconteça na primeira hora após o nascimento,
já que durante 72 horas depois do parto a mulher produz o chamado
colostro, leite extremamente rico em vitaminas, sais minerais, carboidratos,
considerado por especialistas como a primeira vacina do bebê.
Os exemplos lançam mão do argumento de autoridade, usam esse elemento
de persuasão com firmeza e determinação. O texto propagandístico apela para
questões que parecem indiscutíveis, como as recomendações da Organização
Mundial da Saúde, por exemplo.
É de conhecimento comum que tal organização prega prezar pelo bem estar
não só de uma sociedade, mas também da humanidade. É uma entidade
reconhecida, respeitada, e suas recomendações são levadas em consideração por
nações contemporâneas que pretendem fazer crer que se preocupam com um
desenvolvimento populacional saudável. É, portanto, um argumento forte, um dos
mais retóricos dos argumentos, o argumento de autoridade.
No segundo exemplo, além do argumento de autoridade, observamos
também o eficaz argumento da qualidade, e, porque não dizer, o valor universal.
Se o aleitamento materno nas primeiras horas do nascimento é tão
importante, tão abundante em qualidades nutritivas, como não utilizá-lo?
Entidades médicas sempre alardearam a importância de se amamentar o
bebê logo nas primeiras horas de vida. São enfáticos em dizer e tentar comprovar
que esta é a atitude de uma mãe consciente, que deseja a saúde de seu bebê. Qual
mãe não o desejaria? O poder da amamentação é propagandeado aos quatro
75
ventos. Para uma mãe, amamentar não é só um ato racional, que promove mais
saúde ao bebê, amamentar é também um ator de amor. O texto apela ao sentimento
do auditório ao sugerir que amamentação estreita os laços maternos, prepara mãe e
filho para um porvir que passou a existir.
Nem todas as mães podem ou querem amamentar, e nem por isso seriam
menos mães, menos preocupadas, menos provedoras. Mas no mundo perfeito e
imaginário da propaganda, a mãe que amamenta parece ser mais mãe que aquela
que não amamenta. Assim a propaganda se utilizada de um valor tão retórico quanto
universal. E quanto mais a propaganda usa e abusa de valores universais para
atingir aos seus propósitos, mais ela é retórica, mais ela é persuasiva, mais ela
promove identificação com o auditório.
Quanto ao lugar da qualidade, este estaria justamente no ato de proporcionar
ao bebê a amamentação que, segundo especialistas, é como a primeira vacina
natural. Ou seja, mais uma vez chegamos ao argumento de autoridade, argumento
de peso, de qualidade, quase incontestável.
Podemos dizer ainda que, ao amamentar o bebê nas primeiras horas de vida,
a mãe vai ao encontro do que chamamos argumento da essência. A atitude de
amamentar de pronto, vincula esta mãe à sua própria atitude. É um ato que vai
determinar o que é ou não importante nesta relação materna deste momento em
diante.
O exemplo abaixo nos traz mais uma vez o lugar da qualidade:
O leite materno contém nutrientes essenciais para o desenvolvimento e também
fortalece o sistema imunológico dele.
Sabemos que ecoa entre médicos, sobretudo os especialistas na área da
obstetrícia, que amamentar é oferecer saúde ao bebê da forma mais natural
possível. Nesse exemplo, o orador fez uso desse lugar comum promovendo
identificação com o auditório, um auditório que é qualificado, pois é consumidor de
uma grande revista que tem um auditório bastante particularizado. Um auditório
capaz de compreender intelectualmente, a importância da amamentação. Por esta
76
razão, além dos laços de amor, a amamentação é de longe um consenso, logo um
valor universal, logo um lugar comum devidamente admitido pelo auditório.
Temos abaixo um exemplo do argumento do exagero:
A amamentação também traz benefícios à mulher: promove a contração do
útero, contribuindo para evitar sangramento e anemia no pós-parto; gasta
calorias, colaborando para que a mãe volte ao peso normal; e,
principalmente, cria um vínculo especial entre mãe e filho. Estudos também
mostram menor incidência de câncer de mama e de ovário e de
osteoporose em mulheres que amamentam.
O destaque acima elenca tantos benefícios conjuntos do ato de amamentar,
que tal atitude materna parece exercer poderes milagrosos na recuperação pósparto. É possível dizermos que estamos diante do argumento do exagero, pois nem
tudo que foi escrito na propaganda corresponde à verdadeira realidade de todas as
mulheres que amamentam. O ato de amamentar, sem dúvida, estreita os laços
maternos, além de ser cultural crer nos demasiados benefícios da amamentação.
Mas, tais benefícios elencados um atrás do outro numa escala crescente de
importância poderiam reforçam o argumento da qualidade, no qual amamentar é
fundamental. Os benefícios da amamentação, elencados um atrás do outro,
demonstram que o orador utiliza o argumento do excede, ou do exagero para
persuadir.
77
P5
78
A P5 trata de um assunto pouco conhecido, um distúrbio chamado Diabulimia,
que pode ser desenvolvido por algumas pessoas que têm diabetes tipo 1. Além de
trazer informações a respeito dessa doença ainda desconhecida da grande
população, o texto propagandístico recorre à retórica do medo. No exemplo abaixo,
observamos o que podemos chamar de lugar da preocupação com a saúde, mais do
que isso, observamos essa retórica do medo:
Um dos riscos da diabulimia é a cetoacidose, que pode levar à morte por
insuficiência de insulina no organismo.
Podemos dizer que a preocupação com a saúde é um lugar retórico, pois é a
partir desse sentimento do auditório que o orador pode recorrer a estratégias
retóricas que visam a mostrar como é importante cultivar essa preocupação e
recorrer à possibilidade de poder pagar para manter a saúde em dia. Diante do fato
de que a saúde pública, no Brasil, é deficiente, explorar o lugar da preocupação com
a saúde, possivelmente é uma aposta certeira da propaganda. Um auditório
particular como o que acreditamos ser o alvo da instituição de saúde Albert Einstein
certamente dará retorno, pois pressupõe-se que pode pagar para ter tratamento
médico de qualidade.
Além da preocupação, podemos falar do medo. O orador recorre à retórica do
medo, certamente para persuadir ao auditório de forma contundente. O texto traz a
informação de que a Diabulimia pode levar à morte, esse é um argumento forte,
capaz de tocar o auditório, persuadi-lo pelo medo da perda, medo do desconhecido.
O próximo exemplo recorre ao argumento de autoridade:
Pais, familiares e responsáveis devem ficar atentos a qualquer sinal de
emagrecimento súbito do paciente e levá-lo ao médico responsável pelo
acompanhamento do diabetes para evitar a ocorrência de complicações.
Acima, há de forma imperativa o uso do verbo “dever”, orientando os
responsáveis a procurar um médico, ou seja, a procurar aquele que seria o detentor
do saber, saber médico, do saber científico. Apenas o médico na sua posição de
79
médico poderá dispor desse poder. O papel do médico está validado pela instituição
que o mesmo representa. É o argumento de autoridade duplamente utilizado, pelo
profissional e pela instituição Albert Einstein.
O exemplo abaixo apela para um lugar retórico, de valor universal: a saúde
acima da estética:
É mais um distúrbio que coloca a saúde em risco em nome da estética da magreza.
É consenso geral que fazer loucuras em nome da magreza não é adequado.
Mas o culto à magreza é uma crença bastante difundida na sociedade
contemporânea. Existem vários distúrbios de ordem alimentar que, ao não serem
diagnosticados e ou tratados, inclusive com medicamentos, levam pessoas a
desenvolver processos de magreza extrema, culminando em doenças popularmente
conhecidas como a Bulimia e a Anorexia, no entanto, a Diabulimia, que não é tão
conhecida, está intimamente ligada a esses distúrbios.
No excerto acima, podemos dizer que há, no inconsciente coletivo da
sociedade, uma preocupação com o culto à magreza. As pessoas de modo geral,
concordam que a busca por uma estética idealizada pode ser um objetivo inatingível
para a maior parte da população. Portanto, a propaganda ao argumentar que a
Diabulimia é mais um distúrbio que coloca a saúde em risco, justamente por ser
aliada da perda de peso descontrolada, busca um vínculo desse argumento com o
que podemos chamar de auditório universal, pois uma grande camada da população
concorda que a saúde é mais importante que a idealização da magreza. Quão
retórico não é diagnosticar um problema e ser o único a poder tratá-lo!
Meio e fim, esta é a ligação que podemos observar no exemplo a seguir:
Portadores de diabulimia aliam a rejeição aos alimentos – comum a todos
os transtornos de imagem corporal – à redução ou até ao abandono do
tratamento do diabetes por saberem que a perda de peso é um dos efeitos
mais imediatos da falta de insulina.
É bastante evidente que o texto alerta para o fato de que pessoas diabéticas
e que por ventura também sofram de transtorno de imagem, ao saberem que a falta
80
de insulina leva ao emagrecimento, tomem como medida deixar a medicação de
lado para emagrecer. Algumas pessoas que se enquadram nesse grupo de risco já
perceberam que um meio pelo qual podem atingir aos seus objetivos de magreza é
a não medicação. O meio é utilizado para se chegar a um fim, independente das
consequências.
No exemplo a seguir, podemos observar a palavra de um médico, ou seja, o
argumento de autoridade. O orador recorre ao argumento de autoridade
repetidamente em todas as propagandas que compõem o corpus, o que nos leva a
perceber elementos que reafirmam o ethos do orador.
O exemplo a seguir traz o argumento de autoridade na identificação do
médico que assina como responsável técnico as cinco propagandas analisadas:
Responsável Técnico: Dr. Miguel Cendoroglo Neto – CRM: 48949.
Em se tratando de assuntos relativos à saúde, o parecer médico é
praticamente incontestável. Quando o orador divulga ao final de cada página das
propagandas o nome de um único responsável técnico como sendo o médico que
representa a instituição, esse médico, ou a representação dele através de seu nome,
reveste de valor o conteúdo da propaganda, dá ao auditório uma satisfação,
estabelecendo assim a ideia de aproximação.
Precisamos falar também das propagandas em si. Por meio das
propagandas, o hospital coloca-se na posição de que pode divulgar ao leitor,
informações de caráter científico provenientes de resultados de pesquisas. Tal
procedimento,
provavelmente
passa
ao
auditório
uma
imagem
de
maior
credibilidade. Afinal, pesquisas sérias na área da saúde são bem vistas,
principalmente por pessoas que desejam estar ou parecer estar bem informadas, o
que nos leva a pensar ser o caso do auditório escolhido pelo orador.
A propaganda faz ecoar a voz da ciência, ou seja, é mais uma estratégia
retórica do orador, reflete sua imagem, aquela pela qual deseja ser lembrado pelo
auditório. O orador quer mostrar ser digno da confiança do auditório, a ponto de
fazê-lo escolher dentre tantas instituições de saúde, a do orador em questão.
81
É necessário compreendermos que a mensagem, sendo o conteúdo de uma
propaganda institucional, apela para um tipo de sedução diferente, algo mais
intelectual, mas não perde de vista o objetivo de emocionar o auditório, como
podemos observar nas duas propagandas que recorrem à retórica do medo. A
mensagem de uma propaganda institucional traz elementos argumentativos voltados
para popularização de uma ideia, um ideal, um conceito de bem viver, e tudo isto
obviamente irá refletir positivamente o ethos do orador.
3.3.3 A Construção do Ethos do Orador
O hospital Albert Einstein está entre os grandes da cidade de São Paulo, no
entanto, a construção de uma imagem respeitável requer além de uma estrutura
física sólida, um aparato argumentativo que reforce o interesse do auditório, no
intuito de manter-se competitivo diante da concorrência.
Os termos competitividade e concorrência, inclusive, não parecem adequados
aos temas relacionados com a saúde. Como poderíamos explicar a metamorfose
sofrida por este valor, como compreender em que momento a saúde deixou de ser
um valor para tornar-se um produto, que a partir de então, precisa de uma nova
roupagem, voltando para a sociedade adaptada ou readaptada a uma nova
realidade?
A respeitabilidade do hospital junta forças com a respeitabilidade do veículo
escolhido, o que torna o conteúdo, provavelmente mais confiável para o auditório,
daí podemos supor que o primeiro passo para a construção de um ethos positivo,
falando especificamente da propaganda institucional, foi justamente a escolha da
revista Veja como suporte.
Quanto à estrutura de apresentação do conteúdo da propaganda, o aspecto
mais importante, talvez seja o fato de que o texto reveste-se da voz da ciência,
apropriando-se dela. Para o auditório certamente ficará a impressão de estar diante
de uma instituição confiável. É mais um reforço para o ethos do orador.
Temos mais um elemento que constitui o ethos do orador. Um diferencial,
talvez aquele que o orador pretenda que seja o mais percebido por seu auditório, o
82
de que escolheu este, e não outro auditório, justamente por serem especiais. Mais
um ponto positivo na construção do ethos do orador.
Meyer (2007) afirma que orador “(...) é alguém que deve ser capaz de
responder às perguntas que suscitam debate e que são aquilo sobre o que
negociamos.” O que significa que a capacidade de responder às perguntas é um
pré-requisito especifico de cada profissão, ou seja, só um médico é capaz de
responder a perguntas médicas. No caso da propaganda institucional do Einstein,
este seria mais um aspecto positivo na construção do ethos do orador, uma vez que,
por ter em seu corpo de profissionais médicos capazes, esta qualidade faria mais
uma vez o papel da aproximação entre orador e auditório, fazendo com que a
adesão às teses propostas estejam cada vez mais perto de serem admitidas.
Também esta linguagem das propagandas nos revela mais um aspecto que
perpassa a construção do ethos deste orador, o aspecto da escolha do conteúdo da
linguagem (logos) que faz a ponte entre orador e auditório.
O orador coloca-se como um intermediário entre o conhecimento e o
auditório, e, ao conquistar este auditório pelo viés da inteligência, continua
alimentando essa “vaidade” do auditório em procurar informar-se mais para parecer
superior. O orador, ao lançar mão da sua experiência inclusive na atuação da
pesquisa científica, mais ainda, ao decidir compartilhar um milésimo desse
conhecimento com o auditório, que em princípio, já o reconhecia como uma entidade
revestida de valores, coloca-se em um novo quadro de referência, possivelmente o
de facilitador do conhecimento para um auditório leigo. Podemos dizer que é uma
premissa dos novos tempos, tornar acessível informações que se assemelham a
resultados de pesquisas e estudos científicos, antes de domínio de poucos,
estabelece laços de aproximação da ciência e suas verdades com o auditório,
supostamente leigo, com suas crenças e seus valores.
O orador, dessa forma, adapta-se ao auditório, ganha pontos e reafirma sua
condição de superioridade por meio da propaganda.
A propaganda é uma via de mão dupla, propaga uma ideia, um produto, um
jeito de ser e de viver, e espera que o auditório dê um retorno. Espera que o
auditório lembre seu nome, compre seu produto ou abrace sua ideia. Em
83
contrapartida, o auditório está ávido para consumir, logo espera que se propaguem
produtos, ideias ou mesmo estilos de vida, para que possa consumir e sentir-se
inserido na sociedade. Há um acordo tácito. Um quer e precisa persuadir. O outro
quer e precisa ser persuadido. E este vai e vem é retórico, tanto quanto em qualquer
relação na qual argumentar se faz necessário.
Cabe dizer que a instituição Albert Einstein, apenas como instituição, já
garante reconhecimento. O Einstein tem um ethos pré-estabelecido, capaz de
promover aceitação. Sua marca tem peso, portanto, serve de elemento retórico para
os usos da propaganda.
Ao utilizar semanalmente o espaço de uma revista para, em tese, divulgar
informações úteis e de prevenção para o auditório, sem qualquer intenção que vise
ao lucro, o Einstein ganha em aproximação e em identificação.
Certamente, nenhuma instituição de saúde, seja ela pública ou privada,
viveria apenas de boas intenções. Cabe lembrar que a propaganda do hospital
Albert Einstein é institucional, dessa forma, o orador tem por objetivo reforçar a
imagem, reforçar seu ethos de maneira permanente. É necessário alimentar
permanentemente a percepção do auditório, bombardeá-lo de informações e não
permitir que estas informações sejam devidamente filtradas, digeridas. Recorrer aos
mais diversos recursos retóricos é imprescindível para que a insistência em
apresentá-los não pareça desgastada rapidamente.
A construção do ethos do orador é constante e, sem dúvida, pode ser
constantemente posta à prova. Podemos dizer que a utilização da propaganda se
faz necessária, então, justamente para que não se perca o ethos construído.
84
CONCLUSÃO
Ao
conceber
esta
dissertação,
estabelecemos
como
objetivo
geral,
desenvolver um estudo analítico dos argumentos retóricos que promovem
identificação, na relação entre auditório e orador, em um corpus de propaganda
institucional da área da saúde. Estabelecemos também três categorias que foram
aplicadas à análise do corpus, a saber: o auditório, as estratégias retóricas e o
ethos.
Podemos dizer que entre os textos propagandísticos analisados há o
pressuposto de que ter saúde é fundamental para que se possa atingir a qualquer
meta. E não ter saúde restringe a vida de uma pessoa, independente de condição
financeira ou posição social. Portanto podemos dizer que quando o orador veicula o
slogan “A saúde é o centro de tudo”, ele parece querer dizer que sabe exatamente o
que é mais importante para o auditório, que sabe como cuidar desse auditório, e,
portanto, que é digno de confiança.
A análise nos permitiu observar que os valores universais, possivelmente,
servem de apoio para tomadas de decisão de muitos grupos distintos. Mas, de
alguma forma estes grupos são levados por estes valores a conviver em sociedade,
respeitando alguma coisa que se impõe a eles. Alguma coisa que talvez possamos
chamar de moral e bons costumes ou de politicamente correto. Levando em
consideração que, independente da existência de diversos grupos com gostos e
necessidades diferentes a sociedade como um todo é sugestionável, portanto
predisposta a acreditar naqueles que detém ou que parecem ser os detentores da
verdade.
As análises realizadas nos permitem afirmar que, ter ou parecer ter a
resposta, é um mecanismo que mais uma vez aproxima o orador do auditório, ou
daquilo que é preferível a esse auditório. A qualidade, a quantidade, enfim, lugares
comuns que servem a vários propósitos, valores e argumentos que encontramos
repetidamente em nossa análise.
85
Pareceu-nos claro, durante o percurso da análise, que o orador lança mão do
argumento da competência em todas as propagandas que fazem parte do corpus. O
tempo todo, ao ler a propaganda, o auditório depara-se com uma repetitiva
afirmação de competência que parte do próprio orador, posto que este seja uma
entidade renomada que já privaria da confiança do auditório, tendo assim, uma
aceitação tácita das suas teses. Uma entidade competente bastaria, apenas por sua
competência, para reforçar suas ações. É o que o orador pretende fazer crer.
Há também, por parte do orador, a utilização dos argumentos retóricos para
demonstrar o seu saber científico. O reconhecimento que o orador deseja que o
auditório sinta por ele, pode ser o de vê-lo como uma instituição capaz de ensinar. O
orador quer fazer crer que é possuidor do conhecimento, e que, portanto, pode
ensinar iniciativas de prevenção, de conscientização ao auditório. Saber ensinar não
é uma condição qualquer, é algo que só é permitido àqueles que são estudiosos,
conhecedores, detentores do saber. Colocar-se na posição daquele que ensina é um
movimento de oferecer segurança. Para o auditório, passa-se a certeza de que, se
quiser segurança, deve procurar o hospital Albert Einstein. Estar no papel daquele
que ensina porque pode ensinar é confortável e é retórico, torna mais fácil a
argumentação.
Emocionar o auditório também se mostra uma estratégia retórica eficiente.
Criou-se um ambiente em que o auditório pode acreditar que há uma relação entre
pessoas inteligentes, cultas, e que portanto devam compartilhar das mesmas
opiniões. O auditório é tocado pela possibilidade de poder fazer parte de um grupo
especial. É tocado pela possibilidade de pertencer a um grupo especial. Sentir-se
parte de determinado nicho social, no qual só será aceito quem possuir condições
de manter-se neste por sua capacidade intelectual, por sua condição financeira, e,
sobretudo por sua condição especial, peculiar de ser humano, certamente emociona
um auditório.
O orador utilizou todas as estratégias possíveis para agradar ao auditório,
para persuadi-lo. O discurso das propagandas institucionais é retórico porque
equaciona as estratégias persuasivas de modo inteligente. Argumenta, não em favor
do auditório, como nos parece num primeiro momento, mas em favor de si mesmo.
O orador elogia-se, agiganta-se, mostra-se o melhor, o mais confiável, busca na sua
86
própria história argumentos que parecem incontestáveis. Tudo isso para reforçar a
imagem de si, o ethos.
Podemos dizer que o orador pretende que seu ethos seja o de saber ensinar,
saber emocionar, saber agradar, saber cuidar e resolver os possíveis problemas de
saúde do auditório. Um ethos de dono da verdade, dirigido para aqueles que podem
pagar, é claro. Entendemos que as propagandas institucionais da área da saúde
analisadas, utilizam a linguagem retórica da forma mais contundente, respondem às
perguntas elaboradas pelo próprio orador, que ao respondê-las, cria identidade com
o seu auditório, partindo de premissas comuns.
Mas o orador, diante dos novos tempos, adapta estas premissas comuns a
um auditório particularizado, propõe outros pontos de partida. O orador reveste os
valores universais de parâmetros que só interessam a este auditório específico,
parâmetros que somente este auditório particular seria capaz de aderir. Há na
relação orador-auditório, por meio do discurso propagandístico analisado em nossos
estudos, diferente de uma troca, diferente de uma necessidade de consumo, uma
relação de conveniência. A conveniência de parecer diferente diante dos iguais. O
orador prega que o melhor hospital, só o é, porque o auditório lhe garante esta
posição; assim, o auditório, ao escolher o melhor, tornar-se-ia melhor também.
Podemos chamar de argumento da igualdade, mas da igualdade diferenciada. Se é
que isto seja possível.
As cinco propagandas trazem um mesmo slogan, uma mesma frase de efeito
que é: “Sua saúde é o centro de tudo.” Ou seja, a saúde é um valor universal, mas
não é para todos, é permitido a "você", leitor da propaganda. Dito isto, no
desenvolvimento de nosso trabalho, por meio da análise dos argumentos retóricos
constituintes do discurso propagandístico, foi possível perceber que as propagandas
armaram-se da retórica para atingir aos seus objetivos.
Observamos ainda, a recorrência ao uso do argumento de autoridade em
todas as propagandas do corpus, por estas trazerem em seu texto o tempo todo,
referências à importância da palavra do médico no diagnóstico das possíveis
doenças. O lugar da quantidade também mostrou-se um elemento retórico utilizado
sem economia, pois entendemos que os dados estatísticos trazidos pelo texto
87
colaboram ainda mais para a construção de um texto que traz a voz da ciência ou o
saber científico para o auditório. Assim, podemos dizer que o lugar da quantidade
repetidamente encontrado na análise do corpus é mais uma estratégia retórica do
orador, que busca identificação com um auditório elitizado por meio do saber
científico.
Também por meio das análises, observamos que há, no corpus, um
pressuposto de grande importância, e que, certamente, é também uma estratégia
que colabora para a aproximação do orador com o auditório, justamente por ser um
elemento que interessa a esse auditório: a saúde.
A saúde volta para o auditório, por meio da propaganda, em forma de um
produto. Assemelha-se a um produto à venda, mas não de forma deliberada ou
explícita. Por meio da exploração do saber científico, vende-se o serviço do hospital,
e, em última instância, sugere-se que a saúde também é um produto à venda. A
saúde retorna envolvida em um discurso que tenta persuadir pelo que ela é: um
valor universal. E sendo um valor universal, valeria para todos. Este argumento parte
do geral para o particular. A frase de efeito das propagandas "Sua saúde é o centro
de tudo", reflete um valor predominantemente universal, uma vez que saúde é um
bem comum desejado em qualquer sociedade de qualquer lugar.
Afirmamos portanto, que nosso trabalho não tem um caráter fechado, apenas
reflete uma, entre tantas possibilidades de análise, inclusive do ponto de vista da
retórica.
88
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