FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA REVISTA PERSPECTIVA FGF Revista Científica Multidisciplinar da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza Revista Perspectiva FGF /Faculdade Integrada da Grande Fortaleza. V. 2, N. 2, Jul./Dez. 2012. Fortaleza – Ceará 2012 ISSN 2238-524X Publicação Semestral Periódico Científico – Faculdade Integrada da Grande Fortaleza CDD 001.4 Endereço: REVISTA PERSPECTIVA FGF FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA CEUDESP - Centro de Educação Universitário e Desenvolvimento Profissional LTDA Av. Porto Velho, 401 - João XXIII- Fortaleza/CE - CEP: 60.525-571. Tel. +55 (85) 3299-9900 / Fax. +55 (85) 3496-4384 / Email: [email protected] [email protected] Expediente Mantenedora Centro de Educação Universitária eDesenvolvimento Profissional – CEUDESP Eng. José Liberato Barrozo Filho - Diretor Administrativo Financeiro Eng. Julio Pinto Neto – Diretor de Infra-estrutura Eng. Adolfo Marinho – Diretor de Expansão Mantida Faculdade Integrada da Grande Fortaleza - FGF Eng. José Liberato Barrozo Filho - Diretor Geral Prof. Ms. Paulo Roberto de Castro Nogueira – Diretor Acadêmico Editorial Cristina Tonin Beneli Fontanezi [email protected] Conselho Editorial Adriana Maria Reboucas do Nascimento - [email protected] Adriana Regina Dantas Martins <[email protected] Celia Maria Diogenes Nogueira [email protected] Claudia Regina de Castro de Lima <[email protected]> Cora Franklina do Carmo Furtado <[email protected]> Cynthia Barbosa [email protected] Denise Maia Alves da Silva - [email protected] Diego Martins [email protected] Erlon Albuquerque de Oliveira <[email protected]> Francisca Taciana Sousa Rodrigues <[email protected]> Francisco Ivonilton Rocha da Silva [email protected] João Celso Moura de Castro [email protected] José Eduardo Ribeiro Honório Junior - [email protected] Luana Lira <[email protected]> Maria Lucia Falcao Nascimento [email protected] Renato Alves Vieira de Melo [email protected] Roberta Oliveira da Costa [email protected] Rosane de Almeida Andrade - [email protected] Saiwori Bezerra <[email protected]> Solange Gurgel Alexandre [email protected] Tatiana de Lima Rocha <[email protected]> Viviane Mamede Vasconcelos – [email protected] Editora Maria Coeli Saraiva Rodrigues José Rogério Viana de Oliveira Revisão Técnica Damiao Carlos Nobre Juca Projeto Gráfico Célio Gomes Vieira Impressão: Periodicidade: Semestral Seções Editorial.................................................................................................................... S 01 U Artigos M Ciências Sociais Aplicadas Á Administração do Capital de Giro – Tarcísio Aureliano Chaves de Sousa, José Costa da Cruz, José Fábio Costa da Cruz e Rafael Rabelo Bastos......................................................................................................................... 04 R Ciências Jurídicas A não Instituição da Contribuição de melhoria pelo Estado do Ceará e a violação à isonomia Jurídica dos cidadãos contribuintes: estudo de caso da obra Arena Castelão – Cícero de Oliveira Lucena Filho e José Diego Martins de O. e Silva............................................................................................................................. 20 Ciências da Saúde Percepção da enfermeira sobre o parto humanizado e nascimento – Renata Nobre Pinho, Maria Ângela de Freitas, Elisãngela Regina Oliveira Ávila Queiroz, Elis Mayre da Costa Silveira Martins e Cristina Tonin Beneli Fontanezi...................................................................................................................... 38 O homem biológico e o homem cultural: diálogo da Educação Física com a antropologia – Edson Medeiros Oliveira e Milena Marcintha Alves Braz.............................................................................................................................. 49 Ciências Humanas A formação do leitor em uma escola da rede particular do município de Crateús CE – Sílvia Regina Alves de Sousa e Maria das Dores Nogueira Mendes......................................................................................................................... 57 I O EDITORIAL A Revista Perspectiva FGF é a publicação científica da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza - FGF, criada com o objetivo de promover a publicação docente e discente das áreas de Ciências da Saúde, Sociais Aplicadas, Humanas, Jurídicas e Exatas. Este veículo tem a missão de incentivar a publicação de artigos originais, revisões e reflexões sobre os temas relacionados à formação científica, inovação, tecnologia, recursos humanos e áreas afins, gerando conhecimento amplo, sendo fonte de discussão e de saber de qualidade. Estes objetivos são fundamentados no regimento interno da FGF, como: I estimular a criação cultural, o pensamento criativo, divergente, as múltiplas formas de expressão e o desenvolvimento do pensamento reflexivo e da postura científica e ética; III - promover a iniciação científica e apoiar o trabalho de pesquisa objetivando, sem prejuízo de outras vertentes, ampliar o conhecimento sobre o meio em que se insere a FGF; IV - divulgar, por múltiplas formas de comunicação, a cultura, a ciência, a arte e a tecnologia que constituem o patrimônio da humanidade, destacando e enfatizando os aspectos regionais deste patrimônio; V - oferecer, no seu âmbito de ação, oportunidade de formação contínua no campo da ciência, da tecnologia, da cultura, da arte e do lazer. Esta publicação destina-se à comunidade acadêmica, formada por pesquisadores, professores, alunos e profissionais atuantes nas áreas supramencionadas e em outras correlatas, dando prioridade ao conhecimento regional, aos dados que se referem ao entorno da faculdade e à possibilidade de realização de estudos interdisciplinares, sem prejuízo de estudos realizados em contextos mais amplos. A Comissão Editorial da Revista Perspectiva FGF agradece aos alunos, professores, à direção da instituição Faculdade Integrada da Grande Fortaleza - FGF e a todos que contribuíram para que essa edição se transformasse em realidade. Profa Dra Cristina Tonin Beneli Fontanezi Editora Científica Revista Perspectiva FGF Coordenadora da Iniciação Científica - FGF 1 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X ARTIGOS 2 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS 3 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X ADMINISTRAÇÃO DO CAPITAL DE GIRO Tarcísio Aureliano Chaves de Sousa Aluno do curso de Administração na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] José Fábio Costa da Cruz Professor do curso de Administração na Universidade Vale do Acaraú [email protected] Rafael Rabelo Bastos Professor Doutor do curso de Administração na Faculdade Ateneu [email protected] RESUMO: O capital de giro está diretamente relacionado às fontes, principalmente de curto prazo, que as empresas recorrem para financiar suas operações. O capital de giro também depende dos níveis dos recebíveis, dos estoques, bem como do gerenciamento de caixa, etc. Para cada uma destas aplicações de recursos, há diferentes desafios em relação ao nível ótimo necessário ao pleno desenvolvimento do negócio, cuja execução requer eficiência nos processos e rentabilidade dos investimentos.Este trabalho é uma pesquisa bibliográfica exploratória que revisa a literatura sobre o capital de giro, evidencia a importância de sua eficiente administração no crescimento e desenvolvimento de atividades empresariais. Palavras-chave: Capital de Giro. Liquidez. Contas Circulantes. ABSTRACT: The working capital is directly related to sources, mainly short-term, that the companies use to finance its operations. The working capital also depends on the levels of receivables, inventories, as well as the cash management, etc. For each of these applications of resources, there are different challenges in relation to the optimum level necessary for the full development of the business, whose implementation requires efficiency in processes and profitability of investments. This work is a bibliographic research exploratory that reviews the literature on the working capital, highlights the importance of its efficient administration on the growth and development of business activities. Keywords: Working Capital. Liquidity. Accounts Circulating. 4 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Porém, as palavras planejamento e 1 INTRODUÇÃO controle isoladamente são apenas dois dos O capital de giro de uma empresa representa os recursos financeiros envolvidos em seu ciclo operacional (caixa, bancos, contas a receber, estoques), requerendo uma administração eficiente em termos de informação, planejamento e controle, objetivando oferecer aos gestores a oportunidade de tomada de decisão, baseada em uma análise de cenário em elementos da Função Administrativa, todavia quando usadas em conjunto com organização e direção formam o Processo Administrativo, este é o modelo mais seguido pelas organizações com o intuito de alcançarem os objetivos previamente estabelecidos. Podemos defini-las e enumerá-las da seguinte forma: torno da gestão estratégica do capital de giro. 1- Planejamento Para Assaf Neto (2002a): Função básica do administrador define os objetivos O capital de giro tem participação relevante no desenvolvimento operacional das empresas, cobrindo geralmente mais da metade de seus ativos totais investidos. Uma administração inadequada do capital de giro resulta geralmente em sérios problemas financeiros, contribuindo efetivamente para uma situação de insolvência. (ASSAF NETO, 2002a, p. 13). a serem atingidos pela organização, seja pública ou privada, além de determinar a maneira como alcançá-las. 2- Organização O foco é proporcionar tudo o que útil para o funcionamento da empresa. Congrega as seguintes atividades: Dessa forma, torna-se sobremaneira importante que haja uma boa administração do capital de giro para um a- Demarcar as atividades que serão necessárias para o cumprimento dos objetivos planejados: Especialização. perfeito funcionamento das operações b- Agrupas as atividades de maneira lógica: Departamentalização. diárias da empresa. De acordo com Sanvicente (1987a, p. 124), “É comum o administrador c- Unir as atividades com as posições e pessoas específicas: Cargo e Tarefa. financeiro dedicar boa parte de seu tempo ao 5 planejamento e ao controle do investimento em ativos correntes (giro), pois tais atividades são cotidianas.” Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X 3- Direção Envolve o estilo de liderança e direção utilizado pelo gestor para motivar as pessoas a atingir os objetivos almejados, Ainda de acordo com Chiavenato (2010b, através da motivação, treinamento e p. 514), “O processo de controle apresenta comunicação. Modernamente, a direção quatro etapas, a saber:” está subdividida em: Coordenação e a- Estabelecimento de objetivos e padrões de desempenho. liderança. b- Avaliação desempenho. 4- Controle ou mensuração do Verifica-se o cumprimento dos objetivos, acontece simultaneamente com c- Comparação do desempenho atual com os objetivos ou padrões estabelecidos. a Avaliação. Segundo Chiavenato (2010a, p. d- Tomada de ação corretiva para corrigir possíveis desvios ou anormalidades. 514): A essência do controle reside na verificação se a atividade controlada está ou não nos objetivos ou resultados desejados. FIGURA 1: O processo administrativo FONTE: (CHIAVENATO, 2010). a precisas, pode proceder as suas análises necessidade de se ter uma gestão eficiente e tomar decisões com mais organização do capital de giro, pois, além da constante e controle sem, portanto, os atropelos análise do ciclo operacional visando a característicos das empresas que não otimização dos recursos, tem-se também a adotam técnicas de gestão financeira. Dessa 6 forma, reforça-se própria questão do tempo do administrador financeiro que, ao dispor de informações pre- Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X O objetivo principal deste trabalho consiste em demonstrar a importância do capital de giro dentro do itinerante conseguia pagar o empréstimo contexto de uma empresa, enfocando a que tinha tomado, então o banco lhe abordagem teórica sobre o assunto e fornecia outro empréstimo. discutindo a relevância de se ter uma Desta forma, iniciou-se a história gestão eficiente do mesmo, tendo em vista do capital de giro, o qual foi ganhando a sustentabilidade do negócio. importância e complexidade, ao tempo em Para isso, utilizaremos o método exploratório através do levantamento que os negócios e as empresas foram incorporando novas formas de negociação bibliográfico de dados secundários sobre o em tema administração de seus ativos. capital de giro, bem como termos de compras, vendas e discutiremos técnicas de administração do De acordo com Gitman (2010a, P. giro que resultem em ganhos de eficiência 547), “Os ativos circulantes, comumente na gestão dos negócios. chamados de capital de giro, representam a proporção 2 REFERENCIAL TEÓRICO do investimento total da empresa que circula, de uma forma para Houston outra, na condução normal das operações.” (1999, apud GONÇALVES 2004, p. 2), Segundo Assaf Neto (2002b, p.14), historicamente “O termo Capital de giro “O termo giro refere-se aos recursos teve origem com os antigos mascates correntes (vendedores ambulantes) ianques (EUA), geralmente identificados como aqueles que com capazes de serem convertidos em caixa no mercadorias e percorriam suas rotas prazo máximo de um ano”. Ainda segundo vendendo seus artigos.” Ainda, segundo Assaf Neto, “O capital de giro ou capital esses autores, a carroça e o cavalo eram circulante seus circulante, Segundo Brigham carregavam Ativos suas Fixos. e carroças E, estes, eram (curto é prazo) da representado isto é, pelas empresa, pelo ativo aplicações financiados com recursos próprios, mas os correntes, identificadas geralmente pelas fundos para comprar as mercadorias disponibilidades, valores a receber e costumavam estoques.” ser provenientes de empréstimos. Estes eram chamados de empréstimos de capital de giro e tinham que ser liquidados a cada viagem, para 7 demonstrar ao banco que o crédito do mascate era bom. Se o comerciante Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Segundo Gitman (2010b): O capital de giro líquido é normalmente definido como a diferença entre os ativos circulantes e os passivos circulantes de uma empresa. Quando os primeiros superam os segundos, a empresa possui capital de giro líquido positivo. Quando os segundos superam os primeiros, a empresa possui capital de giro negativo. (GITMAN, 2010b, p. 547). TABELA 1: Empresa com capital de giro líquido positivo. CCL { PC De acordo com Assaf Neto (2002c): AC R$ 120 O capital de giro líquido é mais diretamente obtido pela diferença entre o ativo circulante e o passivo circulante. Reflete a folga financeira da empresa e, representa o volume de recursos de longo prazo (exigibilidade e patrimônio líquido) que se encontra financiando os ativos correntes (de curto prazo). (ASSAF NETO, 2002c, p.16). PNC $ 40 AÑC líquido representado (CCL), algebricamente pode de PL $ 80 Comumente chamado de capital circulante $ 90 $ 70 ser duas A formas: administração eficiente do capital de giro depende do conhecimento (I) CCL= ativo circulante – passivo de que este é composto de duas partes, circulante sendo denominadas de permanente e sazonal, respectivamente. (II) CCL= (patrimônio líquido + passivo não circulante) – (ativo não circulante) Segundo Assaf Neto (2002d, p.15), “O capital de giro permanente refere-se ao volume Admitindo-se a seguinte estrutura patrimonial de uma empresa representada mínimo de ativo circulante necessário para manter a empresa em condições normais de funcionamento.” na figura 1. O valor do capital circulante líquido apresentará o mesmo resultado Ainda de acordo com o Assaf Neto (2002e): quando calculado por ambas as equações: CCL = $120 - $90 = $30 ($70+$40) - ($80) = $30 ou CCL = 8 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X O capital de giro variável, por seu lado, é definido pelas necessidades adicionais e temporárias de recursos verificadas em determinados períodos e motivadas, principalmente, por compras antecipadas de estoques, maior morosidade no recebimento de clientes, recursos do disponível em trânsito, maior venda em certos meses do ano, etc. Essas operações promovem variações temporárias no circulante, e são, por isso, denominadas de sazonais e variáveis. (ASSAF NETO, 2002e, p. 15). 1 - Qual é o nível adequado de caixa que deve ser mantido em um banco para Segundo Zoratto Sanvicente pagamento de contas? 2 - Qual a quantidade de matéria-prima a (1987b): ser encomendada? Numa empresa as vendas podem apresentar a tendência de oscilar a prazos curtos dentro de um ano. Desse modo, e como os investimentos em ativos correntes acompanham as vendas, pois a elas devem a sua existência, eles também devem apresentar saldos aceitáveis durante o ano. Essas oscilações correspondem aos movimentos sazonais das vendas, como ocorre, por exemplo, nos casos de produtos típicos de períodos especiais, como Páscoa, Semana Santa e festas de Natal e Ano Novo ou que estão ligados a alguma característica climática do mercado geográfico onde são vendidos. (ZORATO SANVINCENTE, 1987b, p.126). O capital de giro tem 3 - Qual o nível de crédito a ser concedido aos clientes? Para esses temas, as empresas podem adotar dois tipos de política, a flexível ou a restritiva, cujas características podem ser observadas na Figura 2: TABELA 2: Políticas Financeiras Características das suas particularidades e especificidades que Política flexível Política Restritiva Manutenção de saldos elevados de caixa e títulos Manutenção de saldos reduzidos de caixa e nenhum investimento de títulos negociáveis Investimentos elevados em estoque Pequenos investimentos em estoque Concessão de crédito em condições liberais, ocasionando um elevado nível de contas a receber. Ausência de vendas a prazo, ou seja, nenhum investimento em contas a receber requerem atenção e conhecimento do gestor para uma condução eficiente dos negócios financeiros da empresa. 3 ADMINISTRAÇÃO DO CAPITAL DE GIRO As decisões de curto prazo envolvem as questões relativas aos ativos e aos passivos circulantes, exercendo, na maioria das vezes, impacto sobre a empresa no prazo de um ano. 9 Temos três questões básicas relativas ao curto prazo: Para Assaf Neto (2002f, p.15) A administração do capital de giro diz respeito a administração das contas dos elementos do giro, ou seja, dos ativos e Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X passivos correntes (circulantes) , e às inter-relações existentes entre eles. Neste conceito, são estudados fundamentalmente o nível adequado de estoques que a empresa deve manter, seus investimentos em créditos a clientes, critérios de gerenciamento do caixa e a estrutura dos passivos correntes, de forma consistente com os objetivos enunciados pela empresa e tendo por base a manutenção de determinado nível de rentabilidade e liquidez. (ASSAF NETO, 2002f, p. 15). correntes, como a administração de qualquer aspecto de empresa, envolve a tomada de decisões.” Para tanto Sanvicente refere-se a três dimensões distintas: 1- Liquidez dos ativos correntes da empresa, em face da composição dos prazos de vencimento da suas dívidas, De acordo com Ferreira (2005a, p.102), “Vez por outra, os administradores das empresas refletem sobre qual estratégia a ser adotada na administração particularmente a curto prazo, ou seja, o risco que os ativos correntes da empresa têm para transformação efetiva em dinheiro. do capital de giro. Em geral, as estratégias de financiamento arrojadas ou conforme a podem mais ser mais conservadoras, determinação dos 2- Conflito entre liquidez e rentabilidade. Investimentos em ativos correntes representam um retorno inferior aos realizados em ativos fixos, entretanto, proprietários.” contribuem indiretamente para atingir a Ainda de acordo com Ferreira (2005b, p. 102), “Empresas que utilizam rentabilidade através da sustentação do nível de vendas. estratégia mais arrojada financiam suas necessidades de capital de giro com Assim a empresa enfrenta o dilema de recursos suas optar em investir em maior volume em necessidades permanentes com recursos de ativos correntes para manter a liquidez, longo prazo.” tendo como conseqüência um menor de curto prazo e volume para investimento em ativos mais Para Ferreira (2005c, p. 102), rentáveis. “Empresas que utilizam a estratégia mais conservadora recorrem a financiamentos 3- Manutenção de saldos excessivos em de longo prazo, tanto para cobertura de caixa e estoques ou saldos insuficientes suas necessidades de capital de giro, nessas mesmas contas. Saldos excessivos quanto para suas necessidades de recursos nessas permanentes.” investimentos e custos mais altos, já a mesmas contas resultam em manutenção de saldos insuficientes gera 10 Para Sanvicente (1987c, p. 126), “A administração das aplicações em ativos Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X investimentos e custos menores, com a necessárias e exercidas para o desempenho contrapartida de riscos maiores. de cada atividade, do qual decorrem o Administrar eficientemente o ciclo financeiro e o econômico. capital de giro requer “girar” os estoques O ciclo operacional é representado no menor prazo possível, bem como pelo intervalo de tempo em que não há alargar prazos de pagamento, reduzir ingresso prazos de recebimento, negociar preços, organização, gerando a necessidade de etc. Essas ações podem resultar em capital para financiá-lo. Variando de aumentos de rentabilidade e na diminuição acordo dos riscos de insolvência. desenvolvida de com operacional 4 CICLOS OPERACIONAIS, ECONÔMICOS E FINANCEIROS recursos o setor pela tem, financeiros da empresa, em suas na atividade o ciclo etapas, demandas distintas de recursos para financiar suas necessidades. Conclui-se, por conseguinte, que a demanda dos recursos aumenta ou diminui de acordo Na realização de seus negócios, a empresa com a amplitude do ciclo operacional. tem como objetivo atingir de forma otimizada resultados positivos. Concretiza, Para Assaf Neto (2002g, p.22), “O para tanto, um processo que se inicia com ciclo financeiro mede exclusivamente as a compra, passa pela produção, venda de movimentações de caixa, abrangendo o bens e de serviços, e finaliza com o devido período compreendido entre o desembolso recebimento das vendas efetivadas. Esse inicial processo constitui o chamado “conjunto de fornecedores) e o recebimento da venda do atividades do sistema empresa”, cuja produto, representa o intervalo de tempo gestão visa a atender as projeções de que a empresa irá necessitar efetivamente retorno financeiro e de sustentabilidade de financiamento para suas atividades.” para seus stakeholders. Ocorrendo desconto de títulos de venda a de caixa (pagamento a prazo (duplicatas, etc), o período de O supracitado conjunto de necessidade de caixa é reduzido. atividades do sistema empresa, também 11 denominado de ciclo operacional, consiste De acordo com Assaf Neto (2002h, na operacionalização dos componentes do p.22), “O ciclo econômico considera capital unicamente as ocorrências de natureza de giro correspondendo de a uma todas empresa, as ações econômica, envolvendo a compra dos materiais até a respectiva venda. Não Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X levam em consideração os reflexos de operacional, o ciclo financeiro e o ciclo caixa econômico das empresas. verificados operacional, ou em seja, cada os fase prazos de TABELA recebimento da venda e os pagamentos graficamente Compra de Matéria-prima o de ciclos, ciclo Início da Fabricação PME Ilustração operacionais, econômicos e financeiros. dos prazos incorridos.” A Tabela 3 apresenta 3: Fim da Fabricação PMF Venda PMV Recebimento PMC PMPF Ciclo Operacional Ciclo Financeiro (caixa) Ciclo Econômico PME = prazo médio de estoque de matéria-prima; PMF = prazo médio de fabricação; PMV = prazo médio de venda (prazo médio de estoques dos produtos acabados); PMPF = prazo médio de pagamento a fornecedores. 5 EQUILÍBRIO FINANCEIRO A administração de ativos e passivos circulantes remete a decisões financeiras de curto prazo, influindo 12 PMC = prazo médio de cobrança (prazo médio de recebimento); Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X diretamente na liquidez da empresa. De (2002i): acordo com Assaf Neto dos índices de liquidez, cuja compreensão é uma das principais preocupações de Toda empresa deve buscar um nível satisfatório de capital de giro, de maneira a garantir a sustentação de sua atividade operacional. O conceito de equilíbrio financeiro de uma empresa é verificado quando suas obrigações financeiras se encontram lastreadas em ativos com prazos de conversão em caixa similares aos dos passivos. Em outras palavras, o equilíbrio financeiro exige vinculação entre a liquidez dos ativos e os desembolsos demandados pelos passivos. Para se ter um indicador seguro de um equilíbrio financeiro, é necessário que se identifiquem nos ativos circulantes as contas de longo prazo (permanentes) e as variáveis (sazonais). Para se manter em equilíbrio financeiro, uma alternativa da empresa é financiar suas necessidades variáveis com dívidas de curto prazo, utilizando os recursos de longo prazo para financiar todas as suas necessidades financeiras permanentes. (ASSAF NETO, 2002i, p. 24). analistas e credores. Segundo Gitman (2010c, p. 46), “A liquidez de uma empresa é medida por sua capacidade de cumprir as obrigações de curto prazo à medida que vencem.” Para Assaf Neto (2002j, p. 29), “Um importante indicador de liquidez empresarial se faz mister ao administrador manter a empresa em equilíbrio financeiro, impedindo que esta passe por turbulências em virtude de decisões equivocadas ou de um gerenciamento ineficiente. Vale salientar que, para precaver-se de imprevistos, é sempre importante trabalhar com uma margem de segurança que lhe permita escalonar o vencimento de suas dívidas de acordo com a programação de futuros o volume de capital circulante líquido – CCL, que é medido pela diferença entre o ativo circulante e o passivo circulante. Em princípio, quanto maior for este valor, melhor será a posição de liquidez de curto prazo da empresa, ou seja, Assim é maior se apresenta sua folga financeira.” Ainda de acordo com Assaf Neto (2002l, p.30), “O crescimento absoluto ou percentual do CCL não fornece base totalmente adequada para conclusões a respeito da liquidez de uma empresa. É importante que complementarmente se trabalhe com índices financeiros de liquidez, que relacionam também valores correntes compatíveis entre si.” fluxos de caixa. Os principais índices financeiros que 6 ÍNDICES DE LIQUIDEZ medem a folga financeira da empresa são: 1- Liquidez imediata = Disponíveis / 13 O equilíbrio financeiro de uma empresa pode ser acompanhado através Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X passivo circulante. Indica o percentual das dívidas correntes que podem ser liquidadas TABELA 4: Balanço Patrimonial do ano X das indústrias KYZ imediatamente. ATIVO 2- Liquidez seca = Ativo circulante – estoques - despesas antecipadas / passivo circulante. Aponta o percentual das dívidas de curto prazo em condições de serem liquidadas mediante o uso de ativos PASSIVO Em $ 1.000,00 Em $ 1.000,00 CIRCULANTE Disponível CIRCULANTE 20.000,00 Fornecedores Contas 18.000,00 Salários e a receber 70.000,00 Encargos Estoques 110.000,00 Instituições Total 200.000,00 Financeiras 23.000,00 58.000,00 monetários de maior liquidez. Impostos 3- Liquidez corrente = Ativo circulante / a recolher 15.000,00 Total 114.000,00 passivo circulante. NÃO CIRCULANTE Realizável Para cada $1 de dívida de curto a Longo Prazo 6.000,00 NÃO CIRCULANTE prazo, quanto a empresa mantém em seu Investimentos 1.500,00 Exigível a Longo Prazo ativo circulante. Imobilizado 180.000,00 Financiamentos 10.000,00 Intangível 2.000,00 Debêntures 22.000,00 Total 189.500,00 Rendas A Tabela 4 apresenta o balanço patrimonial do ano X de uma empresa Antecipadas 5.000,00 fictícia – Indústrias KYZ – e que servirá Total 37.000,00 de base para análises financeiras através dos índices referidos. PATRIMÔNIO Total 389.500,00 Tomando-se o LÍQUIDO 238.500,00 Total 389.500,00 Balanço Patrimonial da Tabela 4 das indústrias KYZ, temos que o índice de liquidez corrente (ILC) pode ser calculado da seguinte forma: 14 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X ILC = ILI = Ativo Circulante Passivo Circulante ILC = → ILI = 20.000 Disponível Passivo Circulante 200.000 → ILI = 0,18 → ILC = 1,75 114.000 114.000 Conclui-se que para cada $ 1,00 de Conclui-se que, para cada $ 1,00 de dívida de curto prazo, a empresa possui dívida de curto prazo, a empresa KYZ possui $ 0,18 compromissos para correntes, saldar seus utilizando-se $ 1,75 de disponibilidades e direitos apenas de seu saldo disponível, ou seja, realizáveis a curto prazo. daqueles Já em relação ao índice de liquidez seca (ILS), tem-se que: utilizados imediatamente sem restrições recursos que podem ser como caixa, bancos conta movimento e aplicações de liquidez imediata. Significa Ativo Circulante - Estoques Despesas Antecipadas ILS = que, além de girar mais rápido os estoques, a empresa necessita modificar sua política Passivo Circulante de vendas, notadamente reduzindo as contas a receber com o conseqüente ILS = 200000 - 110.000 → ILS = 114.000 90.000 114.000 incremento de suas vendas à vista. 7 FLUXO DE CAIXA ILS = 0,79 → Uma Conclui-se que, para cada $ 1,00 de mais importantes ferramentas para o correto gerenciamento dívida de curto prazo, a empresa possui $ e 0,79 de recursos correspondentes ao empresa, o fluxo de caixa, apresenta-se disponível somado a contas a receber. O como uma “bússola” que orienta o gestor que denota que a empresa precisa girar sobre os rumos do negócio. mais rápido seus estoques. liquidez imediata, temos planejamento financeiro de uma Segundo José Pereira da Silva, em Finalmente em relação ao índice de 15 das segundo o balanço apresentado, a seguinte situação: Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X seu livro Análise Financeira das Empresas (2006a): O fluxo de caixa (cash flow) é considerado por muitos analistas um dos principais instrumentos de análise, propiciando-lhes identificar o processo de circulação de dinheiro, através da variação de caixa (e equivalentes). No mundo moderno as transações das empresas não envolvem o caixa propriamente dito, uma vez que os pagamentos podem ser feitos via internet ou com cheques e os recebimentos podem ocorrer via transferência eletrônica de crédito ou depositados diretamente nos bancos sem que precisem transitar pelo caixa no sentido contábil desta conta. A expressão fluxo de caixa, portanto, deve ter uma amplitude maior, envolvendo os pagamentos e os recebimentos em geral. (SILVA, 2006a, p. 474) 4- Efetuar os pagamentos das contas a pagar com a maior lentidão possível, sem prejudicar a classificação de crédito da empresa. De acordo com Assaf Neto (2002m, p.39), “A partir da elaboração do fluxo de caixa é possível prognosticar eventuais excedentes ou escassez de caixa, determinando-se medidas saneadoras a serem tomadas.” Ainda de acordo com José Pereira Ainda de acordo Assaf Neto da Silva (2006b, p. 474), “A análise do (2002n, p.39), “O fluxo de caixa se fluxo de caixa auxiliará no entendimento destaca da providência e do uso do dinheiro na possibilita o planejamento e controle dos empresa e poderá levar a medidas recursos financeiros de uma empresa, administrativas de correção de rota no sendo indispensável em todo o processo de gerenciamento dos negócios da empresa.” tomada de decisões financeiras.” Para Gitman (2010d, p. 555), as estratégias básicas que devem como um instrumento que Destarte, percebe-se que o cenário ser econômico brasileiro apresenta-se cada empregadas na administração de caixa são: vez mais competitivo e globalizado, 1- Girar o estoque com a maior velocidade devendo as decisões empresariais serem possível, sem faltas que resultem em rápidas e baseadas em números que vendas perdidas; representem as verdadeiras possibilidades 2- Cobrar as contas a receber com a maior rapidez possível, sem perder vendas resultantes do uso de técnicas de da empresa. alimentação Assim, a projeção e a de um fluxo de caixa permitem que o administrador financeiro tenha ampla visão das alterações do cobranças muito agressivas; negócio, bem como lhe possibilitam tomar 16 3- Gerir os tempos de correspondência, decisões objetivas para a sustentabilidade processamento da organização. e compensação para reduzi-los ao cobrar dos clientes e aumentá-los ao pagar aos fornecedores; Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Uma técnica muito utilizada pelas empresas, ouvirmos expressões do tipo: organizações que querem resultados mais “Este ramo de negócio exige muito capital imediatistas ou não possuem muitos de recursos para investir em planejamento empréstimo para capital de giro”; “Vamos financeiro é o Benchmarking. queimar o estoque para fazer capital de Segundo Maximiniano (2012), essa giro”; “Precisamos obter um giro.” técnica é implantada quando: Mais do que a necessidade de suprimento de caixa ou atuar de forma a Uma organização procura imitar outras organizações, concorrentes ou não, do mesmo ramo de negócio ou de outro, que façam algo de maneira particularmente bem feita. A ideia central de benchmarking é a busca das melhores práticas da administração, como forma de identificar e ganhar vantagens competitivas. As melhores práticas podem ser encontradas nos concorrentes, ou numa organização que esteja num ramo completamente diferente de atuação. (MAXIMINIANO 2012, p. 345). Vender, receber, pagar, comprar, observando datas, valores, promoções, descontos, parcelamentos, fazem parte do cotidiano das empresas. Ampliar o negócio, buscar financiamento para o caixa ou equipamentos, contratar novos funcionários, representam situações que ocorrem de forma eventual. Cotidianas ou eventuais, elas retratam as operações que acontecem intrinsecamente no funcionamento global da empresa. Tudo isso, pode ser feito de forma mais aprimorada através da adoção de um fluxo de caixa integrado que contemple a totalidade das operações da empresa no que se refere à sua movimentação financeira. sanar problemas de liquidez no dia a dia, administrar o capital de giro de forma eficaz requer o entendimento de seu significado contábil e gerencial, bem como da sua influência no risco operacional e na rentabilidade. Assim, torna-se relevante o conhecimento de técnicas modernas de gestão do capital de giro por parte dos executivos e gerentes da área financeira, assim como pelos empreendedores que, com muita força e determinação, iniciam seus negócios sem um aprimoramento específico em finanças. Desta forma, faz-se mister que, para o pleno desenvolvimento dos negócios, as empresas disponham de ferramentas de análise de desempenho, tais como, elaboração de um fluxo de caixa, a análise dos ciclos operacional, econômico e financeiro e, por fim, a análise segundo os índices de liquidez. 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 17 É comum no meio empresarial, notadamente entre as pequenas e médias Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Agindo com técnicas apuradas de administração o gestor incorrerá em menores riscos de insolvência da empresa e dos negócios, ao mesmo tempo em que terá à disposição dados mais precisos para realizar análise e planejamento financeiro. Sendo assim, a gestão eficiente do capital de giro torna-se peça fundamental no contexto empresarial, tendo como meta e objetivo primordial o sucesso sustentabilidade corporativa. e a REFERÊCIAS ANDREDE, Rui Otávio de; AMBONI Nério. Teoria geral da admintração. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. ASSAF NETO, Alexandre; e SILVA, César Augusto Tibúrcio. Administração do capital de giro. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2002. CHIAVENATO, Idalberto. Administração nos novos tempos. 2.ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. FERREIRA, José Antônio Stark. Finanças corporativas. 1ed. São Paulo: Pearson Prentice hall, 2005. GITMAN, Lawrence J. Princípios de administração financeira. 12.ed. São Paulo: Pearson Prentice hall, 2010. 18 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X GONÇALVES, Daniela Coelho. Mensuração paramétrica do capital de giro por produto. Curso especializado de Administração Financeira. Brazilian Open University -BOU-Framingham, 2004. MAXIMINIANO, Antonio Cesar Amaru. Teoria geral da adminiistação: da revolução urbana à revolução digital. 7.ed. São Paulo, 2012. SANVICENTE, Antonio Zoratto. Administração financeira. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1987. SILVA, José Pereira da. Análise financeira das empresas. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2006. WESTON, J. Fred; BRIGHAM, Eugene F. Fundamentos da administração financeira. 10. ed. São Paulo: Pearson Makron Books, 2000. CIÊNCIAS JURÍDICAS 19 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X A NÃO INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA PELO ESTADO DO CEARÁ E A VIOLAÇÃO À ISONOMIA JURÍDICA DOS CIDADÃOS CONTRIBUINTES: ESTUDO DE CASO DA OBRA ARENA CASTELÃO Cícero de Oliveira Lucena Filho Aluno do curso de Direito na Faculdade Integrada Grande Fortaleza [email protected] José Diego Martins de O. e Silva Professor Especialista do curso de Direito na Falculdade Integrada da Grande Fortaleza – FGF [email protected] Resumo: O presente artigo aborda a inação do Estado do Ceará, quanto à cobrança do tributo contribuição de melhoria em detrimento da isonomia jurídica dos cidadãos contribuintes. Usamos como referência a realização da obra de reforma do estádio Arena Castelão, construção necessária à realização da Copa do Mundo de 2014 em Fortaleza. Destarte, o estádio foi construído com parte dos recursos advindos dos cofres públicos e parte advinda de empréstimos que, no final serão pagos por todos. Todavia, a realização da obra beneficiará toda a coletividade, mas somente alguns terão a valorização imobiliária sem nada ressarcir ao Estado. Neste sentido, o presente trabalho propõe-se a abordar os motivos que levaram o Estado do Ceará a não instituir a contribuição de melhoria em face da Arena Castelão, sendo tratada inicialmente a competência tributária para a instituição desse tributo, analisando-a sob a ótica das contribuições brasileiras e sob a discussão de ser a instituição uma faculdade ou uma obrigatoriedade imposta ao fisco. Posteriormente, serão analisados os requisitos legais para a cobrança da contribuição de melhoria e finalmente será tratado que o critério para a instituição desse tributo é o de não permitir um tratamento desigual de contribuintes em situação equivalente. Foi utilizada como metodologia a pesquisa bibliográfica, onde foram consultados doutrina apresentada principalmente em livros, materiais disponibilizados em sítios na internet especializados em Direito Tributário, periódicos, artigos, e legislações como as várias Constituições brasileiras, o Decreto-Lei n° 195/67, a Lei Complementar n° 101/2000, dentre outras, restando demonstrado a inobservância por parte dos gestores quanto à instituição do tributo contribuição de melhoria. Palavras-chave: Contribuição de melhoria; Não instituição; Arena Castelão; Isonomia jurídica; Violação. Abstract: This article discusses the inaction of the State of Ceará, over the collection of the tax "Contribuição de Melhoria" (Portuguese for "contribution over the benefits") going against the legal equality of all taxpayers. We use as reference the completion of the renovation work of the stadium Arena Castelão, which is necessary to the fulfilment of the 2014 World Cup of Football in the city of Fortaleza. Thus, the work carried out with part of the financial resources from the public funds and the other part from loans which are going to be paid by all taxpayers. However, the completion of the work will benefit the whole community, but only a few have the real estate valuation nothing reimburse the State. In this sense, this paper proposes to address the reasons why the State of Ceará not to establish the contribution of improvement in the face of the Arena Castellan was treated initially the taxing authority for the imposition of this tax, analyzing it from the perspective Brazilian and contributions under discussion being the one institution a college or a requirement imposed by tax authorities. Later, we will analyze the legal requirements for the collection of contribution for improvement and eventually will be treated as the criterion for the imposition of this tax is to not allow unequal treatment of taxpayers in similar situation. A literature review was used as the scientific methodology, by consulting doctrine available in books, websites specializing in Taxes, journals, articles and legislation as various Brazilian Constitutions, the Decree-Law No. 195/67, Supplementary Law No. 101/2000, among others, leaving demonstrated the failure by governments regarding the introduction of the tax in question. 20 Keywords: Contribution over the benefits; No institution; Arena Castelão; Legal equality; Violation. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X 21 de acreditarmos que o acesso à informação 1 INTRODUÇÃO é o maior aliado do cidadão na busca de O presente estudo tem por escopo analisar a inação por parte do Estado do Ceará quanto à instituição da contribuição de melhoria referente à valorização dos imóveis resultante da obra de reforma do estádio Governador Plácido Aderaldo Castelão (Arena Castelão) para uso na Copa do Mundo de 2014. Abordaremos neste trabalho de pesquisa quais os motivos que levam o poder público a descumprir as normas e princípios referentes à instituição do tributo, diante da ocorrência do fato gerador, O objetivo geral deste trabalho é investigar como a não instituição por parte do Estado do Ceará do tributo contribuição de melhoria devida pelos proprietários de imóveis no entorno da obra “Arena Castelão” fere o princípio da isonomia. Já os objetivos específicos são: identificar se a competência tributária é faculdade ou dever do Estado; identificar quais são requisitos necessários para que se possa instituir o tributo contribuição de melhoria e por que não é feita a cobrança e verificar se a desobediência dos requisitos fere o princípio constitucional da isonomia. 21 A escolha do presente tema para esse trabalho de pesquisa funda-se no fato Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X seus direitos. Observamos que quando se tem consciência da imprescindibilidade da existência de tributos para o custeio da máquina pública, também temos a preocupação de fiscalizar quem os sonega e como a receita proveniente dos mesmos é aplicada. Tomaremos como referencial a execução da obra Arena Castelão pelo Governo do Estado do Ceará e sua omissão quanto à cobrança do tributo contribuição de melhoria, analisando se sua inação tem como resultado a inobservância do princípio da isonomia. Seguindo o exemplo do que acontece em praticamente todas as situações nas quais se deveria cobrar a contribuição de melhoria, e não se cobra, o Governo do Estado do Ceará executou a reforma da Arena Castelão sem a instituição do tributo e sem o lançamento prévio do edital com os valores gastos na obra. A metodologia utilizada na realização do presente trabalho foi o levantamento bibliográfico principalmente em livros, materiais disponibilizados em sítios na internet especializados em Direito Tributário, periódicos, artigos, assim como em legislações. Podemos Sistema citar obras como: Constitucional Brasileiro, de Geraldo Ataliba, Brasileiro, de Comentários ao Direito Tributário Unitário, ficando as províncias à margem Aliomar Baleeiro, do poder político e consequentemente sem Código Tributário Nacional, de Hugo de Brito Machado, dentre outras. nenhuma autonomia. Dessa forma, tais províncias não possuíam o poder de instituir tributos e Quanto às legislações destacam- mais: os Conselhos Gerais, que eram os se as várias Constituições brasileiras, o órgãos que deliberavam sobre os assuntos Decreto- provinciais, Lei n° 195/67, a Lei Complementar n° 101/00, e outras. eram proibidos de criar tributos, como se depreende na leitura do Dessa forma, proceder-se-á a uma Artigo 83, inciso III. “Não se podem análise das causas e consequências da não propôr, nem deliberar nestes Conselhos cobrança de Projectos. III Sobre imposições, cuja melhoria frente ao descumprimento da iniciativa é da competência particular da isonomia Câmara dos Deputados”. do tributo jurídica contribuição dos cidadãos contribuintes. Outro detalhe era que a iniciativa O Artigo apresenta-se dividido da Lei instituidora dos tributos era em cinco tópicos, abordando o assunto da privativa da Câmara de Deputados, porém, competência tributária de maneira geral, de acordo com os Artigos 13 e 15 da desde a primeira Constituição até a vigente Constituição, a aprovação era situação atual, e em particular a instituição atribuição da Assembleia Geral composta do tributo contribuição de melhoria. pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, cabendo ao Imperador sancionála, de acordo com os Artigos 64 a 70. 2 REFERENCIAL TEÓRICO: A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS Diante da decadência das instituições monárquicas, é instituído o Governo Provisório e promulgada, em 24 A competência tributária já estava 22 de fevereiro de 1891, a nossa segunda presente em nossa primeira Constituição Constituição, estabelecendo o regime outorgada pelo imperador D. Pedro I, em federativo e trazendo com ele a repartição 25 de março de 1824, mais precisamente da competência tributária entre a União, em seu Artigo 36, inciso I, que afirmava Estados e Municípios. que era privativa da câmara dos deputados Eram de competência exclusiva a iniciativa sobre impostos. Porém, tal da União: os impostos de importação, Constituição instituiu o chamado Estado Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X direito de entrada e saída de navios, selos, como de competência tributaria privativa taxas de correio e telégrafo. dos Aos Estados Municípios, previu as competiam competências residual e comum dos entes exclusivamente impostos de exportação de tributantes e, ainda, em seu Artigo 9° seus rurais facultou à União e aos Estados a de celebração de acordos para aperfeiçoar a produtos, urbanos, sobre sobre imóveis transmissão propriedade, impostos sobre indústrias e arrecadação dos tributos: profissões, taxas sobre seus correios e Art. 9º – É facultado à União e aos Estados celebrar acordos para a melhor coordenação e desenvolvimento dos respectivos serviços, e, especialmente, para a uniformização de leis, regras ou práticas, arrecadação de impostos, prevenção e repressão da criminalidade e permuta de informações. (Art. 9°, C.F.1934). telégrafos, selo sobre atos de Governo e negócios de sua economia. Eram de competência exclusiva dos Municípios: o imposto predial urbano, e as taxas referentes aos serviços de luz e lixo e, cumulativamente com os Estados, os impostos de indústrias e profissões. Ou seja, esse último era cobrado duas vezes aos contribuintes. Constituição de 1934 trouxe modificações importantes com relação à competência tributaria dos entes federados. Nela, foi transferido aos Estados o imposto de vendas e consignações, tratou-se sobre as rendas provenientes dos tributos e, pela primeira vez, citou-se a autonomia dos municípios no Na manteve-se Constituição praticamente de 1937, inalterada a divisão de competência tributária trazida pela Carta Magna passada. Mudando Apesar de sua curta vigência, a seu Artigo 13: apenas dos Estados para a União a competência referente ao imposto de consumo sobre combustíveis de motor e explosão e retirando dos Municípios o imposto cedular sobre a renda de móveis rurais. E, por fim, proibiu a cobrança do imposto de importação referente a transações feitas entre os Estados. “Os Municípios serão organizados de forma que lhes fique assegurada a autonomia em tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse (…)”. Vale ressaltar que a Constituição 23 também de 1934, além de ter elencado o imposto de licença, o predial e o territorial urbano Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Na quarta Constituição brasileira, promulgada em 18 de setembro de 1946 também não houve mudanças significativa em relação às competências tributárias. Talvez o fato mais relevante seja o acréscimo nas arrecadações dos Municípios, haja vista a mudança na destinação dos valores provenientes do imposto de Indústrias e Profissões que Assim, como nas últimas Cartas passou a lhes pertencer integralmente e do Magnas, a Constituição de 5 de outubro de imposto de renda que foi rateado, ficando 1988 atribuiu aos entes federados a os mesmos com 10% de sua arrecadação, competência para instituir seus próprios exceto as capitais. tributos. A contribuição de melhoria, que A Lei maior vigente herdou o havia surgido na Constituição de 1934, sistema constitucional tributário rígido reaparece e a sua competência é dada à onde a mesma dita quem, quando e como União, aos Estados e aos Municípios, mas poderão ser instituídos os tributos que não representou muito em termos de servirão de fonte do custeio da máquina arrecadação. pública. Isso torna o nosso sistema A Carta Magna de 15 de março tributário um dos mais rígidos do mundo. Dessa de 1967 trazia em seu Artigo 18 as forma, não podemos União, olvidar que a competência tributária Estados, Distrito Federal e Municípios, trazida pelas últimas Constituições e sendo elas as taxas, arrecadadas em razão repetida na atual está colocada de maneira do exercício do poder de polícia ou pela taxativa como afirma Geraldo Ataliba utilização efetiva ou potencial de serviços “completo, fechado e harmônico, que públicos específicos e divisíveis, prestados limita e ordena estritamente, não só cada ao contribuinte ou postos à sua disposição poder tributante como — consequência e contribuição de melhoria, arrecadada dos lógica proprietários de imóveis beneficiados por globalmente obras públicas, que terá como limite total a 1968, p. 27). competências comuns entre — toda atividade considerada” tributária, (ATALIBA, despesa realizada. A Emenda Constitucional N° 1, de 10 de outubro de 1969, que muitos 2.1 A COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA PARA A INSTITUIÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA consideram Constituição de 1969, em nada inovou 24 no campo das De competências acordo com texto tributárias. Assim como a Carta de 1967, Constitucional, em seu Artigo 145, inciso ela III, apenas reproduziu as alterações possuem competência tributária advindas da Emenda Constitucional n° 18 referente à contribuição de melhoria de 1965. decorrente de obras públicas a União, os Estados, Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X o Distrito Federal e os Municípios. É o que chamamos de delegar as competência comum. fiscalizar: funções de arrecadar e O Artigo 3° do Decreto-lei n° 195/67 vai mais além e Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra (Art.7°,CTN). define precisamente que será competente e poderá exigir tal tributo o ente federado que possui a competência administrativa da realização da obra que serviu como fato gerador bem como os limites a serem pagos individualmente pelos beneficiados, de acordo com a localização e a testada do Mesmo assim, essa delegação não retira da contribuição de melhoria sua condição de tributo. Como bem preleciona Priscilla Figueiredo da Cunha Rodrigues: imóvel. Porém, contribuição necessário administrativa para de a cobrança melhoria apenas para a não Contudo, a transferência da capacidade tributária ativa não tem o condão de desconstituir a natureza tributária da contribuição de melhoria. Cabe ainda observar que, em caso de delegação, quem figurará no polo ativo da relação jurídica tributária é o delegado. (RODRIGUES, 2002, p. 126). da será competência realizar a obra. Também é exigível que o sujeito ativo tenha instituído o tributo, ou seja, tenha se Como visto acima, nada impede utilizado de sua capacidade legislativa que o ente tributante crie, abstratamente, o para tanto. Existe ainda a situação hipotética de mais de um ente vir a cobrar a contribuição de melhoria. Sendo necessário para isso que a obra tenha sido executada conjuntamente pelos mesmos e respeitados os limites dos acréscimos patrimoniais. tributo contribuição exercício de função de melhoria no legislativa, no exercício de sua competência tributária, e que delegue a outrem a arrecadação do mesmo. 2.1.1 A competência tributária é dever ou faculdade do ente federativo? Quanto à capacidade tributária ativa, o Artigo 7° do Código Tributário 25 No Estado Democrático de Nacional (CTN) deixa claro que os entes Direito, o povo delega poder aos seus federados, desde que exista Lei instituindo representantes para que esses tomem as a contribuição de melhoria e atribuindo a melhores decisões, sempre objetivando capacidade ativa à outra pessoa, poderão alcançar a satisfação e os interesses da coletividade. Vale lembrar que tal poder Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X não é absoluto, pois existem meios legais Porém, tal faculdade do para afastar todo aquele que age em governante em não instituir o tributo não desconformidade com as regras impostas pode ser vista sem ressalvas, pois essa no nosso ordenamento pátrio ou deixa de fonte atender aos anseios de seus representados. investimentos Sabe-se também que esse mesmo de recursos em custeará saúde, os segurança, cultura, transporte público, urbanização, Estado Democrático de Direito tem como educação, dentre outras. Todas obrigação fonte maior, ou até a única, para manter-se do poder público e imprescindíveis à em funcionamento e assim atingir seus satisfação do interesse comum. objetivos e devida satisfação coletiva, a renda proveniente dos tributos. A maioria dos Nesse diapasão, e sabendo que o governante não pode gastar mais do que doutrinadores arrecada e que necessita de recursos para a afirma que a instituição dos tributos é uma mantença da máquina pública, tivemos o faculdade do ente federativo, ou seja, eles advento gozam de uma prerrogativa para instituí- 101/2000, mais precisamente em seu los ou não. Assim ensina Paulo de Barros Artigo 11, onde diz que: da Lei Complementar n° Carvalho: A competência tributária, em síntese, é uma das parcelas entre as prerrogativas legiferantes que são portadoras as pessoas políticas, consubstanciadas na possibilidade de legislar para a produção de normas jurídicas sobre tributos. (CARVALHO,2007,p.228). Também nessa esteira, preleciona Art. 11 - Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos. (Art. 11,§ único, Lei 101/2000). Roque Carraza: Antes da supracitada Lei, poderia 26 Por tanto, competência tributária é a possibilidade de criar in abstracto, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. Como corolário disto, exercitar a competência tributária é dar nascimento, no plano abstrato, a tributo. (CARRAZA, 2003, p.30). até se admitir que o ato de instituir o tributo seria mera faculdade do ente tributante como entendem alguns doutrinadores. Porém, agora, só se admite tal omissão diante de uma situação hipotética em que o sujeito ativo goze de uma situação privilegiada na qual sobrem Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X recursos financeiros e que o povo esteja quinhentos e quarenta e cinco mil e cento com e cinquenta reais), a serem pagos em até todas as plenamente suas necessidades satisfeitas, o que, 180 (cento e oitenta) meses acrescidos de convenhamos, não existe na realidade do Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), Estado do Ceará. segundo o próprio banco. Podemos Então, fica claro que o poder extrair facilmente facultativo de instituir tributos tem que ser dessas informações que o ente tributante analisado as Estado de Ceará não dispunha de recursos necessidades e interesses públicos. Se próprios em caixa para realização de tão estas já estão plenamente atendidas pode- importante obra. Caso contrário, não iria o se afirmar que a instituição daqueles torna- mesmo se consequentemente, ao pagamento de juros. e confrontado facultativa. Caso com contrário, sua instituição converte-se em obrigatória. que recorrer ao empréstimo e, Vale ressaltar que não temos aqui Não se deseja com isso afirmar o objetivo de questionar a realização ou competência seja não da obra, haja vista ela ser fundamental é à realização do evento da Copa do Mundo obrigatória, tributária porém ela não de 2014 em nossa capital, que já possui facultativamente absoluta. naturalmente uma vocação turística e que 2.2 A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA EM DECORRÊNCIA DA OBRA ARENA CASTELÃO Dos 27 R$ 518.606.000,00 será potencializada, atraindo milhões em recursos e gerando milhares de empregos diretos e indiretos. Os empregos criados e os (quinhentos e dezoito milhões, seiscentos recursos gerados são exemplos do que se e seis mil reais) gastos na reforma da denomina benefício geral de uma obra Arena Castelão, de acordo com dados do realizada pelo poder público que, diga-se Tribunal de Contas da União - TCU, o de passagem, torna-se uma obrigação do Governo do Estado do Ceará, através do administrador na persecução da satisfação Processo n° 026.871/2010-6, levantou um e desenvolvimento da sociedade, afinal, a empréstimo junto ao Banco Nacional de obra é um bem comum e será bancada por Desenvolvimento Econômico e Social todos nós contribuintes. (BNDS), no valor de R$ 351.545.150,00 Porém, (trezentos e cinquenta e um milhões, Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X existe um benefício especial para aqueles que residem no da contribuição de melhoria, no Brasil, reside na exigência de publicação do orçamento da obra, e do direito do contribuinte de impugnar o respectivo valor. [...] É sabido que as obras públicas geralmente são contratadas por valores muito elevados, acima dos valores de mercado, de sorte que a transparência geralmente não é conveniente para a Administração, e muito menos para as empreiteiras de obras públicas.(MACHADO,2008,p.83). entorno da obra, que é a valorização do imóvel. Ora, nada mais isonômico que quem recebeu mais que pague mais. Este é o princípio basilar da instituição do tributo contribuição de melhoria, que exige não só a realização da obra pelo poder público, como também a valorização patrimonial do particular. E continua o autor: 2.2.1 Os requisitos legais como obstáculo para sua instituição O que na verdade inviabiliza a contribuição de melhoria no Brasil é a exigência legal de transparência; o poder público no Brasil só pode cobrar contribuição de melhoria se houver previamente divulgado o orçamento detalhado da obra. [...] Ora, se o contribuinte vai financiar a obra, é justo que tenha conhecimento prévio de todos os detalhes que compõem o custo da obra, para que possa impugnar esse orçamento. A meu ver, é exatamente esse aspecto que tem inviabilizado no Brasil a contribuição de melhoria; as administrações não estão desejosas de transparência total, como exige a lei para admitir a cobrança da contribuição de melhoria. (MACHADO, 2008, p.84-85). Verificados os benefícios a serem trazidos pela Arena Castelão, podemos nos indagar o porquê que não houve o interesse do Estado do Ceará em instituir a contribuição de melhoria. Nesse sentido, vale destacar alguns requisitos que podem obstaculizar a sua instituição, tais como a trazida pelos Artigos 5° do Decreto-lei 195/67 e 82 do CTN, que fazem referencia à publicação prévia do edital para que a Outro obra possa ser impugnada, tendo como consequência não só um possível atraso, mas principalmente servindo como um verdadeiro raio-X de seus gastos, tornando públicos os possíveis desvios de verbas ou superfaturamentos. requisito trazido pela legislação, que se torna um óbice a instituição da contribuição de melhoria, seria a delimitação com precisão da zona beneficiada pela obra e o valor exato acrescido ao imóvel de cada particular, o que, na maioria das vezes, terminaria em Nessa esteira, está o pensamento de Hugo Machado de Brito que afirma haver desinteresse dos administradores em 28 longas disputas judiciais na discussão desses números, causando o atraso da obra. revelar o verdadeiro custo de suas obras: Por fim, alguns doutrinadores Mesmo assim, preferimos acreditar que a verdadeira razão para a não aplicação Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X entendem ainda que a contribuição de melhoria só possa ser cobrada após a se a mais valia pertence ao Estado, esse não pode abrir mão dela, favorecendo indevidamente o proprietário do imóvel valorizado. Destarte, é dever do Estado reaver tal incremento de valor – na hipótese, é claro, de ocorrer valorização -, sob pena de ferir o princípio da isonomia, na medida em que proporciona, com a execução da obra pública, um benefício especial a alguns proprietários de imóveis particulares. (RODRIGUES, 2002, p. 44). conclusão da obra, o que seria outro empecilho à sua efetivação. MACHADO (2008), porém discorda com tal pensamento. Segundo o autor, a Fazenda Pública pode financiar as obras com recursos próprios ou através de empréstimos em instituições financeiras e depois cobrar favorecidos os dos valores contribuintes a título E prossegue ainda a autora: de reembolso. se o Estado fizer com que o ônus decorrente das despesas com a obra pública recaia apenas sobre os proprietários de imóveis a ela adjacentes, exigindo-lhes contribuição de melhoria mesmo quando não haja valorização imobiliária, estará, inequivocamente, ferindo o princípio da isonomia.[...] Desde logo percebe-se que não havendo benefício especial todos recebem, igualmente, o mesmo benefício geral. [...] Por outro lado, se houver valorização imobiliária decorrente de obra pública e não houver exigência de contribuição de melhoria, também restará violado o princípio em tela. (RODRIGUES, 2002, p. 84-85). 2.3 A ISONOMIA JURÍDICA COMO CRITÉRIO PARA INSTITUIÇÃO DO TRIBUTO CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA O princípio da isonomia deve ser elemento imprescindível na atuação estatal, tratando os iguais de maneira igualitária e os desiguais de maneira desigual, na proporção de suas desigualdades. Esse princípio basilar do ordenamento pátrio deve ser observado por todos os três poderes, em todas as esferas e está intrinsecamente ligado à Destarte, o referido tributo traz em seu bojo um ideal de justiça baseado na ideia de equidade, onde quem experimentou um maior benefício deve pagar o valor proporcional ao mesmo. instituição do tributo contribuição de Colocar em prática a isonomia melhoria. Não instituí-la, será ferir tal princípio de morte e, como já mencionado alhures, diante da persecução em alcançar o bem comum, sua criação deixa de ser ato 29 discricionário do ente tributante. jurídica e, por conseguinte, a igualdade entre os contribuintes deve ser o objeto maior Figueiredo da Cunha Rodrigues: Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X instituição do tributo contribuição de melhoria, pois desta maneira, Como bem preleciona Priscilla na se evita onerar toda a coletividade em favor de uma pequena parcela que recebeu, além do benefício maneira impositiva que o administrador geral, um benefício especial com a efetiva deverá usar de toda sua competência realização da obra. tributária, dada pelo constituinte primário na persecução desse objeto. 2.3.1 Formação de orçamento necessário Ademais, não bastasse o critério da isonomia apontado acima, a Lei 4.320 de 17 de março 1964 afirma em seu Artigo 9° que Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito publico, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou especificas exercidas por essas entidades. A doutrina afirma que existem outras formas do Estado prover recursos para a sua manutenção, como, por exemplo, a emissão de moeda; o que consequentemente levaria a índices inflacionários insustentáveis. Ou ainda, seguir o modelo utilizado em países de economia planificada, onde o Estado retira parte do patrimônio dos particulares em prol da coletividade. Diante dos fatos ocorridos nas últimas décadas, vimos que esse modelo também não é eficaz. Tal diploma legal complementa ainda em Assim, a melhor e mais utilizada seu Artigo seguinte que a receita tributária forma de manutenção da máquina estatal tem como fonte os impostos, as taxas e as tornou-se a tributação. Onde outorgamos contribuições de melhoria. poderes ao Estado para exigir-nos o O que se depreende do citado Artigo é que o ente político tem nos tributos, a forma legalmente posta para pagamento de determinadas parcelas com o objetivo de realizar os interesses coletivos. financiar a execução das obras necessárias à plena satisfação do bem comum. 2.3.2 Critério justo para sua instituição Não se realiza obras sem possuir 30 recursos financeiros para tanto. É preciso Dentre os critérios existentes para que a sociedade arque com os custos do a instituição do tributo contribuição de equilíbrio entre receitas e despesas. Neste melhoria, podemos destacar como o mais sentido, como citado alhures, está posto o relevante o seu poder de redistribuir dentre Artigo 11 da lei n° 101/2000, Lei de todos os contribuintes os gastos relativos à Responsabilidade Fiscal, que traz de realização da obra. Nunca é demais Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X lembrar que, desde o surgimento do mais justos do nosso sistema, haja vista referido tributo, a sua razão de existir está atingir somente os beneficiados com a no fato de cobrar dos proprietários obra, beneficiados contribuintes alheios a esta vantagem. patrimonial, Sendo uma com o a devido maneira valorização não onerando aos demais ressarcimento. de evitar o locupletamento de poucos em detrimento 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS de toda a sociedade e, até mesmo, O tema em análise exigiu num relegando a segundo plano, o seu papel puramente arrecadador, como bem primeiro momento uma pesquisa bibliográfica com o escopo de se levantar preleciona Hugo de Brito Machado: dados imprescindíveis à sua compreensão, Na doutrina de vários países se encontra também a afirmação de que o objetivo dessa espécie tributária é a arrecadação de recursos para o custeio de obras públicas. É preciso, porém, deixar claro que esse não é o objetivo específico da contribuição de melhoria, até porque tal objetivo pode ser alcançado com os impostos. […] Presta-se, é claro, a contribuição de melhoria, como instrumento de arrecadação, mas a arrecadação não constitui propriamente sua função específica. Propiciar arrecadação é, certamente, mas não especificamente, função dessa espécie tributária. A arrecadação de recursos financeiros é certamente um objetivo da contribuição de melhoria, mas com toda certeza não é este seu objetivo mais importante em um sistema tributário. […] Por isso, ao falar-se da função da contribuição de melhoria, é importante esclarecer que ao lado da função arrecadatória tem ela uma importantíssima função redistributiva, função que, aliás, lhe confere especificidade. Não fora sua especial função como instrumento destinado a retirar dos proprietários de imóveis o incremento de valor destes, decorrentes da obra pública, não teria ela razão de ser no sistema tributário. (MACHADO,2003,p.692). 31 Destarte, afirmam alguns doutrinadores, tratar-se de um dos tributos Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X como por exemplo: a competência tributária nas Constituições brasileiras; quando há discricionariedade ou não do ente tributante; o motivo da não instituição do tributo na obra Arena Castelão; os requisitos que dificultam a instituição da contribuição de melhoria; os critérios justos para sua instituição; a isonomia jurídica e a igualdade entre os contribuintes como objeto a ser alcançado com o tributo contribuição de melhoria. Foi utilizada como técnica de pesquisa e técnica bibliográfica, que é definida por Severino (2007) como sendo: A pesquisa bibliográfica é aquela que se realiza a partir de registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses, etc. Utiliza-se de dados ou categorias teóricas já trabalhadas por outros pesquisadores e devidamente registrados. Os textos tornam-se fontes dos temas a serem pesquisados. O pesquisador trabalha a partir das contribuições dos autores dos estudos analíticos constantes dos (SEVERINO, 2007, p. 122). textos. faculdade plena posta nas várias Constituições, ousamos aqui discordar. Com esse consultados intuito, doutrina principalmente em foram apresentada livros, materiais disponibilizados em sítios na internet especializados periódicos, em Direito artigos, Tributário, assim como legislações, buscando um aprofundamento através de uma investigação descritiva, exploratória e sistematizada do assunto em Não da faculdade e sim de sua plenitude. Em respeito ao princípio da indisponibilidade da coisa pública e da supremacia do interesse público, não cabe ao gestor da Administração Pública, diante da situação fática de ocorrência do fato gerador da contribuição de melhoria, exercer juízo de conveniência ou oportunidade para a cobrança do tributo. No entendimento proposto neste trabalho, análise. o mesmo deverá exercer a sua competência tributária, haja vista não está 4 ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS em pauta uma faculdade plena, mas sim um poder-dever de resguardar o interesse A pesquisa realizada neste trabalho apresentou preliminarmente um apanhado, desde a mais remota Constituição brasileira até a atual, de como foi posta a competência tributária dos vários entes tributantes, e em particular, a competência tributária referente à instituição da contribuição de melhoria. A partir do momento que o ente público decide realizar uma obra, essa terá reflexos positivos ou negativos nos bens particulares circunvizinhos. Caso seja negativa, caberá ao Estado indenizar ao proprietário o dano causado ao seu patrimônio. De maneira diametralmente Passada essa primeira análise, oposta, caberá ao particular ressarcir aos entramos talvez no ponto mais polêmico cofres públicos quando, além de receber o do trabalho que se refere à obrigatoriedade benefício geral proveniente da obra como ou não do ente tributante fazer uso da todos os outros, receber também o competência tributária que lhe fora dada benefício especial. pelo constituinte originário. 32 da coletividade. Ora, se o proprietário de imóvel Apesar de a corrente majoritária valorizado por obra pública é privilegiado na doutrina afirmar que o poder dos entes com os efeitos de benefícios especiais, políticos de instituir tributos é uma sem, no entanto, pagar aos cofres públicos Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X quantias superiores em relação àqueles que contemplados por esse benefício especial e não são alcançados pelos efeitos desses que, por se posicionarem em situação de benefícios, ele recebeu, em primeiro privilégio momento, algo que não lhe é devido, qual alcançada apenas pelo benefício geral da seja, os benefícios especiais decorrentes da referida obra, devem restituir parte do valorização imobiliária. valor gasto aos cofres do Estado, ente Para se restaurar a relação de isonomia com a coletividade, perante a coletividade, personificado da coletividade. o No caso da obra objeto desse proprietário do imóvel valorizado deve trabalho, ou seja, a Arena Castelão, não restituir ao Estado (personificação da restam dúvidas sobre a ocorrência do fato coletividade), se não todo, mas parte do gerador necessário à cobrança do tributo custo realizado com a obra pública, por contribuição de melhoria – realização de intermédio do pagamento da contribuição obra pública e valorização imobiliária de melhoria. Em outras palavras, deve decorrente da mesma – como demonstra o restituir benefício individual que não lhe trecho da matéria a seguir: era devido, por ter sido aferido em Os preços dos imóveis na área do entorno do estádio Castelão dispararam. O valor do metro quadrado na área já valorizou 700%, passando de R$ 50 para R$ 400, em média, podendo chegar a valores mais altos, segundo o tesoureiro do Conselho Federal de Corretores de Imóveis, Armando Cavalcante. Ele disse que há terrenos em áreas de avenidas onde a valorização chegou a 1.000%. (FERNANDES, 2011). detrimento da coletividade. Nessa esteira, Aliomar Baleeiro sustenta que a contribuição de melhoria: visa à recuperação do enriquecimento ganho por proprietário de bem imóvel em virtude de obra pública concretizada no local de sua situação, sendo seu fundamento, pois, o enriquecimento injusto auferido pelo proprietário do imóvel em razão da realização da obra pública, para a qual pode até não ter contribuído, sendo a mesma obra custeada por toda a coletividade. (BALEEIRO, 1977, p.118). Como impossível a se vê, o cobrança que do torna tributo contribuição de melhoria pelo Governo do Estado do Ceará não é a falta de 33 Sendo assim, a contribuição de ocorrência do fato gerador, nem tampouco melhoria deve ser vista como um tributo sua previsão legal, haja vista o texto do instituído em face da projeção dos efeitos Artigo 191, inciso III da Constituição de melhoria decorrente de obra pública, os Estadual. quais se concretizam na valorização imobiliária percebida por contribuintes Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Tal impossibilidade é decorrente do não cumprimento da legislação infraconstitucional, em particular o artigo e a publicização de possíveis desvios de 5° do Decreto-lei n° 195/97, que prevê o verbas ou superfaturamentos. lançamento prévio do edital com vários elementos, como, dentre outros o orçamento total ou parcial do custo da obra, elemento este que traria à tona prováveis gastos excessivos do dinheiro Destarte, a inação do gestor público torna-se um verdadeiro atentado ao princípio constitucional da isonomia referente aos contribuintes do Estado do Ceará. público. Além disso, há a possível hipótese de impugnação de itens do 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS referido edital que resultaria em atraso na execução da obra e no cronograma Todo o trabalho de pesquisa aqui imposto pela FIFA. Situação vexatória realizado serviu de base para a conclusão perante a comunidade internacional. de que, a contribuição de melhoria é um Não podemos olvidar a existência de uma infinidade de entraves à instituição do tributo contribuição de melhoria, principalmente no tocante ao supracitado Decreto e que tais entraves inibem a ação do administrador público. Talvez fosse hora de simplificar o procedimento para a instituição do referido tributo, possibilitando a sua difusão por se tratar de instrumento que possui robusta carga de extrafiscalidade e está intrinsecamente ligado aos princípios da igualdade e tributo há muito tempo inserido no nosso ordenamento jurídico, cujo surgimento fundamentou-se de justiça reparativa, ou seja, na necessidade de se impedir o enriquecimento injusto de alguns em detrimento da coletividade. Nesse momento, cumpre destacar que a obra pública, não obstante sua benfeitoria alcance os contribuintes por meio de intensidades diferentes, deve ser financiada por toda a sociedade, tendo em vista essa benfeitoria geral se reverter em Por 34 ideia proveito de toda a coletividade. isonomia. Junte-se na como apesar dessa benfeitoria ser realizada em local público e mencionado alhures, a falta de interesse do com finalidade pública, é indiscutível que gestor a obra afeta mais diretamente alguns na isso, vez, já público a sua instituição da contribuição de melhoria em face do poder imóveis do que outros. dado ao contribuinte em exercer a Nesse fiscalização dos gastos com obras públicas sentido, caso os proprietários de imóveis circunvizinhos à obra pública recebem, além do benefício Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Tal geral, um benefício especial, caracterizado inação trouxe como pela valorização imobiliária, nada mais consequência um tratamento desigual justo que contribuam para a reposição de entre pelo menos parte dos gastos realizados na realização da obra apenas de maneira geral execução da obra pública, por intermédio e contribuintes beneficiados, além desta, da contribuição de melhoria. também de maneira especial com a contribuintes beneficiados pela Conclui-se, ainda, através do valorização de seu patrimônio imobiliário. presente trabalho que, apesar de haver Destarte, a isonomia jurídica dos previsão legal quanto à instituição do cidadãos contribuintes fora relegada a um tributo contribuição de melhoria, não plano secundário diante da escolha feita foram previamente cumpridos os devidos pelo administrador estadual, a nosso ver, requisitos legais por parte do Governo do de maneira erroneamente discricionária. Estado do Ceará no tocante à obra pública Arena Castelão. Requisitos como a publicação prévia de edital contendo a ATALIBA, Geraldo. Sistema Constituci- delimitação onal Tributário Brasileiro. São Paulo: das áreas direta e indiretamente beneficiadas e a relação dos imóveis nelas compreendidos; o memorial descritivo do projeto; o orçamento total ou parcial do custo das obras e a determinação da parcela do custo das Revista dos Tribunais, 1968. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 9° Edição. São Paulo: Forense, 1977. obras a ser ressarcida pela contribuição, BRASIL. com o correspondente plano de rateio Federativa do Brasil de 1988. Disponível entre em os imóveis beneficiados. Constituição República <http:// Concedendo o prazo mínimo legal de 30 www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituica dias para os proprietários, caso quisessem, o/constituicaocompilado.htm>. Acesso em contestar. 04 de setembro de 2013. Assim, restou comprovado que a 35 REFERÊNCIAS ______. Decreto-lei n° 195 de 24 de não instituição do tributo contribuição de fevereiro melhoria foi fruto da falta de interesse do <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/dec gestor público, no caso o Governo do reto-lei/Del0195.htm>. Acesso em 18 de Estado do Ceará, que não cumpriu com abril de 2013. seu poder-dever de agir no resguardo do interesse da coletividade. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X de 1967. Disponível em ______. Lei Complementar n° 101 de 4 FERNANDES, Teresa. Metro quadrado de maio de 2000. Disponível em <http: na área do Castelão valoriza até 700%. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l Disponível cp/lcp101.htm>. <http://http://copa2014emfortaleza.blogsp Acesso em 04 de em setembro de 2013. ot.com.br>. Acesso em 25 de setembro de ______. Lei n° 4.320 de 17 de março de 2013. 1964. em MACHADO, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis Comentários /l4320compilado.htm>. Acesso em 13 de Nacional, São Paulo: Atlas, 2003. Disponível setembro de 2013. Hugo ao Código de Brito. Tributário ______. Curso de Direito tributário, 29. ______. Tribunal de Contas da União ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: (TCU). Malheiros, 2008. Disponível em <https://contas.tcu.gov.br/etcu/Acompanh arProcesso?p1=26871&p2=2010&p3=6>. Acesso em 04 de setembro de 2013. CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, São Paulo: Malheiros, 2003. MARQUES, Carlos Roberto. Contornos e Fundamentos Contribuição Modernos de Melhoria, da Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2005. RODRIGUES, Priscilla Figueiredo da Cunha. Contribuição de melhoria, São CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Paulo: Malheiros Editores, 2002. Direito Tributário, São Paulo: Saraiva, SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico. 23ª Ed. rev. e atual. São Paulo: Cortez, 2007. 2007. 36 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X CIÊNCIAS DA SAÚDE 37 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X PERCEPÇÃO DA ENFERMEIRA SOBRE O PARTO HUMANIZADO E NASCIMENTO Renata Nobre Pinho Aluna do curso de Enfermagem na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Maria Ângela de Freitas Aluna do curso de Enfermagem na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Elisângela Regina Oliveira Àvila Queiroz Aluna do curso de Enfermagem na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Elis Mayre da Costa Silveira Martins Professora Mestre do curso de Enfermagem na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Cristina Tonin Beneli Fontanezi Professora Doutora do curso de Enfermagem na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] RESUMO: Introdução: O momento da gestação, parto e nascimento que antes era em ambiente familiar, onde existem fortes vínculos, com a evolução e avanços tecnológicos e científicos na saúde, esse momento deixou de ser familiar e passou a ser um evento hospitalar. Objetivo: Avaliar a percepção de enfermeiros sobre a humanização do parto e nascimento Método: O estudo foi do tipo exploratório, descritivo com abordagem qualitativa. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética da MEAC sob o parecer 325.694. Resultados: A analise dos dados foi constituída a partir dos depoimentos da participantes originando as seguintes categorias: Vertentes da Humanização na Sala de Parto; O processo do acompanhante na sala de parto. Práticas realizadas durante o trabalho de parto e parto. Conclusão: Evidencia-se uma necessidade da instituição melhorar a infraestrutura para a melhoria do atendimento na sala de parto como preconizado pelo Ministério da Saúde. Palavras-chave: Enfermagem Parto Humanizado. Saúde da Mulher. ABSTRACT: Introduction: The time during pregnancy, labor and birth was once in households where there are strong links with the progress and scientific and technological advances in health, this time no longer family and became a hospital event. Objective: To evaluate the perception of nurses about the humanization of childbirth. Method: The study was exploratory, descriptive qualitative approach. O study was approved by the ethics committee of the opinion MEAC under 325,694. Results: The data analysis was made based on the statements of the participants resulting in the following categories: The advancement in the process of humanization in the delivery room, the process of chaperone in the delivery room. Practices performed during labor and birth. Conclusion: This is a need to improve the institution's infrastructure to improve care in the delivery room as recommended by the Ministry of Health. KEYWORDS: Humanized Birth; Women's Health; Nursing. 38 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X por estas causas, já o Ceará registrou a 1 INTRODUÇÃO redução de 44% no número de casos de O momento da gestação, parto e mortalidade materna em 2011, a maior nascimento que antes era em ambiente queda entre os estados brasileiros, isso no familiar, onde existiam fortes vínculos, primeiro ano da Rede Cegonha. com a evolução, avanços tecnológicos e A Rede Cegonha visa oferecer científicos na saúde, esse momento deixou assistência ao parto e ao nascimento que de ser familiar e passou a ser um evento garanta às mulheres e às crianças atenção hospitalar, humanizada e de qualidade. Permite às buscando controlar complicações e riscos para o binômio gestantes mãe-filho (SOUZA; GAÍVA; MODES, segurança, dignidade e beleza, pois dar à 2011). luz não é patológico e sim fisiológico e esse momento com Apesar de todos os avanços, nos natural que constitui o momento único últimos anos podemos constatar que a para a mulher e o parceiro envolvido. Esse mortalidade materna continua constante modelo vem sendo discutido e construído com números elevados e muito superiores no país desde os anos 1990, por vários a profissionais lidos à saúde e assegura às países desenvolvidos (RATTNER, mulheres 2009). o direito ao planejamento Os avanços na área de assistência reprodutivo, à atenção humanizada à ao parto e nascimento consistem em uma gravidez, parto e puerpério, além da melhoria na qualidade da assistência garantia materno-infantil, apesar de haver grandes nascimento dificuldades no que diz respeito ao acesso desenvolvimento aos serviços, prova disso são os índices de 2012). as crianças seguro, o direito ao crescimento e saudável (BRASIL, e De acordo com o Ministério da neonatal, grande quantidade de partos Saúde (BRASIL, 2012) o respeito, o cesarianos, ás vezes desnecessários, baixos direito índices de adesão ao aleitamento materno segurança (VASCONCELOS, 2010). assistência humana e de qualidade, aliado morbidade e mortalidade materna Segundo o DATASUS (2012) em 39 viver da mulher e o à privacidade, conforto com a uma ao apoio familiar durante a parturição, 2011 foram registrados no Brasil, 1.038 transformam o nascimento óbitos maternos, o que representa redução momento único e especial. em um de 21% em comparação ao mesmo período O interesse por esse estudo surgiu a de 2010, quando 1.317 mulheres morreram partir da observação desrespeito que os Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X profissionais de enfermagem têm para com São atitudes simples, mais eficazes essas mães no parto, tornando-se assim que podem influenciar positivamente a essencial pesquisar sobre a temática para realidade da assistência da mãe e seu conhecer melhor as preconizações do concepto, como proporcionar uma visão Ministério da Saúde e poder atuar melhor mais quanto profissional de saúde. Diante disto favorecendo um maior vínculo entre o se binômio mãe-filho. estabelece norteadora: a Qual seguinte a pergunta percepção agradável do parto natural, dos enfermeiros sobre a humanização do parto 2 MATERIAL E MÉTODO e nascimento, em um hospital secundário O em Fortaleza-Ce no ano de 2013. foi do tipo A motivação para a realização exploratório descritivo com abordagem deste trabalho ocorreu após a prática da qualitativa. Segundo Lakatos e Marconi disciplina de Enfermagem em Saúde da (2009) o estudo qualitativo preocupa-se Mulher e do Recém-Nascido pelo fato de em analisar e interpretar aspectos mais me proporcionar o contato direto com o profundos, descrevendo a complexidade trabalho que os enfermeiros realizam do comportamento humano. Pereira (2008) durante o parto e nascimento. diz que estudo descritivo tem como Dessa maneira, acredita-se que objetivo primordial a descrição das essa pesquisa seja relevante para os características de determinada população profissionais de enfermagem, por fazê-los ou fenômeno ou, então, o estabelecimento analisar criticamente o seu trabalho, os de relações entre variáveis. Bastos (2005) cuidados que prestam aos seus clientes e define que pesquisas exploratórias visam que podem fazer para melhorar e tornar "proporcionar maior familiaridade com o mais humanizada essa assistência, pois problema, com vistas a torná-lo mais suscita a necessidade de refletir sobre o explícito ou a construir hipóteses. Pode-se tema, e isso pode conscientizá-los da dizer que estas pesquisas têm como importância objetivo principal o aprimoramento de de sua participação na assistência, educação, promoção da saúde, ideias ou a descoberta de intuições”. A prevenção de intercorrências na gravidez e 40 estudo pesquisa foi realizada na recuperação da saúde. Com isto, o maternidade de um Hospital Secundário presente percepção estudo objetiva dos enfermeiros avaliar a em sobre a maternidade, humanização do parto e nascimento. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Fortaleza- CE, onde na são unidade da oferecidos atendimento integral à saúde materna e infantil, desde cirúrgico ao atendimento binômio clínicomãe-filho, nome, faixa etária, sexo, tempo de serviço na instituição e titulação acadêmica. garantindo uma assistência integrada e Na segunda parte do questionário, direcionada para o desenvolvimento de busca-se identificar aspectos referentes às práticas em saúde baseadas nos programas percepções e à importância dada pelos preconizados pelo Ministério da Saúde a entrevistados a humanização do parto fim de garantir uma qualidade cada vez normal e nascimento. Após o período de coleta, os dados maior para com os usuários do serviço. Os sujeitos da pesquisa foram 11 foram consolidados e organizados através enfermeiros que trabalham na sala de de um questionário semiestruturado com parto, porém somente oito participaram da perguntas contendo dados de identificação coleta, sendo que um encontrava-se de e férias e um de licença no período da coleta pesquisado, de dados na respectiva unidade e um entrevistados a falar livremente sobre suas recusou-se a participar da pesquisa. Para a experiências e problemas. questões o o assunto que a ser estimula os Segundo Lakatos e Marconi (2009) composição da amostra foram utilizados como critérios de inclusão: os enfermeiros o que trabalham na sala de parto, e como constituído de perguntas ordenadas que critério de exclusão enfermeiros que foram trabalham do questionário aplicado no presente estudo hospital, que não tenham nenhum vínculo foi entregue em mãos de forma impressa, com a sala de parto, que estivessem de de forma a coletar os dados necessários férias ou de licença no período da para a realização do estudo. A opção por pesquisa. este nas demais unidades questionário é um respondidas instrumento por foi instrumento escrito. pelas O seguintes A coleta de dados foi realizada no razões: custo mais baixo, padronização das mês de Outubro de 2013, por meio da perguntas, maior facilidade para análise aplicação de um formulário contendo dos dados em função da uniformidade. questões Foi realizado um contato prévio à norteadoras que contemplam o objeto unidade, onde foi solicitada autorização desse para dados 41 sobre de identificação estudo. A e primeira parte do a realização pesquisa posteriormente entrevistado aspectos. possíveis pesquisados onde em seguida Buscou-se obter as seguintes informações: foram convidados para a participação da diferentes pesquisa. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Os levantamento e questionário foi importante para analisar o em o da pesquisados dos foram informados a finalidade da minha visita, o parto: duas enfermeiras tiveram percepção objetivo da pesquisa e a relevância da das colaboração pessoal do entrevistado. A humanizadoparto pesquisa foi realizada em horários de duas por parto normal. acordo dos respeito à pós-graduação quatro possuem entrevistados. Os aspectos éticos estiveram em obstetrícia e quatro em outras áreas. presentes Após a análise das falas dos participantes com no a disponibilidade decorrer da pesquisa, puerperas cesariano agendado, No que diz originou-se Conselho Nacional de Saúde incluindo a Vertentes da humanização na sala de abordagem dos princípios da Bioética parto; A presença do acompanhante na (BRASIL, 2012). sala de parto; Práticas realizadas durante o objetivo do estudo, seguido da seguintes parto baseados na Resolução nº 466/12 do Foi explicitado o as sobre categorias: trabalho de parto e parto. apresentação e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa Vertentes da Humanização na Sala de Parto da As Maternidade Escola Assis Chateubriand (MEAC), por meio da Plataforma Brasil tendo sido aprovado sob o parecer de No 325.694. depoentes da maternidade acreditam que para melhorar a realização de um parto é necessário definir normas e rotinas que normatizem ações de humanização, como também melhorar a 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO estrutura hospitalar, contratação de mais doulas A análise dos dados foi construída e equipes de enfermagem, conforme ilustra o depoimento a seguir: através do depoimento das participantes, somente 08 participaram da pesquisa: uma estava de férias, uma de licença, uma recusou a participar da entrevista. Todas pesquisadas são do sexo feminino, com idade variando de 26 a 51 anos e tempo de Infelizmente, acredito que a melhoria só existirá se houvesse ampliação da maternidade para possibilitar uma atenção mais individualizada e com a presença do pai; bem como a contratação de mais profissionais principalmente da equipe de enfermagem que está em falta e dificulta muito a realização dos procedimentos adequadamente (D1). serviço na sala de parto variando de dois meses a 14 anos. No que diz respeito ao 42 número de filhos: quatro enfermeiras possuem filhos; em relação ao tipo de Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Melhorar as condições estruturais para propor mais conforto e privacidade as pacientes (D6). Entretanto as Segundo Lambert (2010), apesar depoentes apresentam a questão de humanização ao de bom relacionamento com as parturientes incorporando nas políticas de saúde, em sendo este um fator primordial para uma várias áreas de conhecimento e práticas de boa intervenção, humanização da assistência o termo o humanização termo percepções tem e vir se diferentes proporcionando a parturiente à escolha dos sentidos, significados, procedimentos que ela deseja ter. Como dependendo das diferentes posições ou pode ser verificado na fala a seguir: papéis que ocupam aqueles que a ele se referem. Faço o acolhimento, explicando quais os equipamentos e outros procedimentos durante o trabalho de parto. Busco compreender como ela estar se sentindo em relação ao parto (D3). Quando foi perguntado sobre os cursos em humanização da assistência três enfermeiras não fizeram nenhum tipo de Em humanização a temática, todos de curta duração. Em relação à humanização, Silva (2011) afirma que humanizar é uma postura de respeito à natureza do ser humano, voltada para sua essência, singularidade, totalidade e subjetividade. É favorecer e estimular a mulher para uma participação ativa, uma participação de cidadania. aos da cursos assistência em três enfermeiras não fizeram nenhuma tipo atualização e cinco enfermeiras disseram ter participado de cursos, palestras sobre a temática, todos de curta duração. O atualização e cinco enfermeiras disseram ter participado de cursos e palestras sobre relação momento do parto é extremamente importante na vida da mulher, devendo este momento ser realizado de forma holística e humanizada, pois possui uma intensidade emocional e um marco na vida dessa parturiente. A humanização do parto é uma etapa importante para a autonomia e do poder de decisão da parturiente, tornando-se a relação entre a equipe e a parturiente uma relação de confiança, afeto e uma boa evolução no processo de parir. Procuro ao máximo ser uma fonte de apoio à mulher, me pondo sempre em seu lugar enquanto alguém que necessita de cuidados e vive um momento marcante em sua vida (D1). 43 Sou profissional, acredito que algumas vezes existe boa relação, ai depende da empatia, não conseguimos agradar a todas as clientes (D05). Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X O Processo do Acompanhante na Sala de Parto O nascimento é um acontecimento significativo para os pais, mas ao longo dos tempos foi uma experiência Aqui, como o ambiente é pequeno e a demanda grande, as gestantes têm o direito à acompanhante desde que mulher, afim de preservar a intimidade das outras gestantes (D1)”. vivenciada apenas pela mulher. Tem-se verificado um maior desejo de envolvimento da figura paterna e um esforço dos diversos prestadores de A Lei 11.108, de abril de 2005 cuidados no sentido de dar resposta a esta assegura que a mulher possui o direito de nova realidade. escolher alguém de sua confiança para Essa questão já estar sendo resolvida na instituição, sendo bem aceita. Um dos pais inclusive já cortou o cordão umbilical de seu filho (D6). estar presente na sala de parto e também durante o pós-parto. Esse direito é resultado de uma série de ações do O Ministério da Saúde (2012) Ministério da Saúde para melhorar a reconhece os benefícios associados à qualidade do atendimento às gestantes e inserção do acompanhante, e recomenda humanizar os partos no país (BRASIL, que todos os esforços devem ser realizados 2005). Percebe-se que desde 2005 existe para garantir que toda parturiente tenha uma pessoa de sua escolha para encorajá- um la e dar-lhe conforto e benefícios durante preconizado pelo Ministério da Saúde todo o processo do nascimento. sobre a lei do acompanhante, não havendo Entretanto em muitos serviços o conflito devido da instituição respeito na com escolha o da essas praticas ainda não são adotadas, parturiente, pois a instituição preconiza como se pode verificar do depoimento a que o acompanhante tem que ser do sexo seguir: feminino, dificultando assim a participação ativa do pai. Percebe-se uma Toda paciente tem direito ao acompanhante, porém o acompanhante vem para o serviço sem qualquer orientação (D4). carência de informação desde o pré-natal, papel este também realizado pela enfermeira nas consultas que desde esse A 44 inserção do acompanhante, momento já poderia vim trabalhando esse escolhido pela parturiente, para lhe dar contexto apoio no processo do nascimento, é uma informando intervenção comportamental que mobiliza gravídico puerperal e os momentos do a opinião dos profissionais de saúde e das trabalho de parto e parto nos grupos de pessoas escolhidas para desempenharem gestantes com participação familiar para esse papel. facilitar e melhorar o serviço terciário. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X na e participação ensinando o familiar processo Práticas Realizadas Durante o Trabalho está lhe acompanhando, e que este lhe de Parto e Parto transmita confiança. Outras práticas que o profissional pode estar executando ou As práticas humanizadoras assistenciais definidas por alguns autores para o parto consiste nas mesmas preconizadas pelo Ministério da Saúde e incentivando ao parceiro são massagens onde a gestante pode estar relaxando, banho, durante todo o processo gravídico puerperal, oferecer líquidos via oral a parturiente durante o trabalho de parto, não realizar manobras, oferecer liberdade e a respiração (NAGAHAMA; SANTIAGO, 2008). Organização Mundial da Saúde (OMS), que são elas a participação de familiares música As depoentes afirmam utilizarem dessas praticas durante o trabalho de parto, porém observa-se também resistência em alguns procedimentos desumanizador como considerados se observa no depoimento a seguir: de posição e movimento, mantendo a Incentivamos a deambulação, o uso de bola e o exercício respiratório, bem como realizamos e estimulamos o acompanhante a realizar massagem lombar para alivio da dor da gestante. Aconselhamos o decúbito lateral esquerdo, embora muitas mulheres se recusem a permanece na posição e fornecemos o apoio para prosseguirmos no trabalho de parto e ter um parto normal (D1). mulher o mais confortável possível, além de oferecer suporte emocional para a mesma (RATTNER, 2009; FRELLO; CARRADO, 2010; MORAIS, 2010; VASCONCELOS, 2010; BUSANELLO et al., 2011). O Ministério da Saúde vem Estimulo a deambulação durante o trabalho de parto, alguns obstetras indicam dieta zero, outros dieta liquida, não é realizado o clister (enema) (D3). tentando de várias formas retomar as práticas humanizadoras, criando leis e projetos, porém existe uma resistência Enquanto a assistência hoje é enorme diante das instituições, pela falta de qualificação e acomodação de muitos profissionais e falta de estrutura físicas das instituições. Muitas são as práticas que podem ser utilizadas para favorecer o momento do parto, oferecer informações sobre o 45 trabalho de parto e o parto é de grande relevância para a parturiente, é importante que ela reconheça aquele profissional que Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X dividida de forma mais distribuída no que diz respeito à sobrevivência do binômio durante o parto e o puerpério imediato, uma oportunidade determinante para implementar práticas simples, capazes de afetar, em longo prazo, a nutrição e a saúde da mãe e do recém-nascido, pode estar sendo desprezada. O clampeamento tardio do cordão umbilical, o contato imediato pele-a-pele e o início da 4 CONCLUSÃO amamentação exclusiva são três práticas O processo gravídico puerperal simples que, além de propiciar benefício instantâneo ao recém-nascido, podem ter impacto no longo prazo na nutrição e na saúde da mãe e do bebê e, provavelmente, afetem o desenvolvimento da criança muito além do período neonatal e demanda uma assistência digna e de qualidade que não se limite à expulsão ou extração de um feto do ventre da mulher, é um fenômeno implementação que de necessita uma a assistência verdadeiramente humanizada, com todos puerpério (BRASIL, 2011). Percebe-se no relato das depoentes que algumas práticas são seguidas de acordo com o MS, porém outras práticas os profissionais da saúde respeitando as normas e condutas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde, considerando os sentimentos e valores da não, como se observa na fala a seguir: mulher. É colocado o RN em contato imediato pele a pele com a mãe, estimulado o aleitamento materno ainda na sala de parto, clamp do cordão até 03minutos, e a presença do acompanhante (D2). Os profissionais de saúde precisam olhar a mulher como um ser único, respeitando suas vontades e direitos, reconhecendo a mulher e o seu filho como Morais (2010) cita em seu estudo a peças fundamentais no evento do necessidade de implementação de ações de nascimento, tratando a parturiente como a ordem estrutural, técnica, gerencial e promotora da vida, e compreendendo que financeira, tanto da instituição em si como não basta somente proporcionar à mulher dos na um parto por via natural, se não levar em as conta profissionais assistência, envolvidos fornecendo assim parturientes um parto humanizado. Para os sentimentos e desejos da parturiente e seus familiares. que isso ocorra são necessárias mudanças Evidencia-se uma necessidade da no que diz respeito à acessibilidade aos instituição melhorar a infraestrutura do serviços, pois as informações a respeito a atendimento na sala de parto como esses direitos conforto e asseguram segurança um maior preconizado pelo Ministério da Saúde, para essas tendo parturientes. assim possivelmente muitos problemas resolvidos como um melhor acompanhamento pelo acompanhante que 46 a parturiente desejar, assegurando assim a intimidade de todas as parturientes que ali Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X se encontram. Nota-se também uma carência de enfermeiros especializados na área o que pode dificultar algumas ações da Criança e Aleitamento Materno. Brasília: Ministério da Saúde, 2011. (Série F. Comunicação e Educação em Saúde). preconizadas como também a carência de cursos de qualificação e atualização na humanização da assistência. Observa-se um esforço dos profissionais de receberem essas gestantes com uma assistência de acordo com o preconizado. Tornando-se assim necessários outros estudos relacionado à temática para avaliar a evolução dos serviços de enfermagem, como também estudos com entrevista como forma de coleta. REFERÊNCIAS BASTOS, NMG. Introdução à metodologia do trabalho acadêmico. 4 ed. Fortaleza: Nacional, 2005, p.45. BRASIL. Lei n. 11.108, de 7 de abril de 2005. Altera a Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, Para garantir as parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde SUS. Diário Oficial da União. 8 abr. 2005;Seção 1:1. 47 BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Além da Sobrevivência: práticas integradas de atenção ao parto, benéficas para a nutrição e a saúde de mãe e crianças. Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Área Técnica de Saúde Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X BRASIL. Ministério da Saúde. Atenção Integral à Saúde da Mulher e da Criança. Rede Cegonha: estratégias de qualificação da atenção obstétrica e infantil. Brasília: Ministério da Saúde. Acesso em: 28 set. 2012. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/p df/2a_250311.pdf BUSANELLO J, KERBER NPC, FERNANDES GFM, ZACARIAS CC, CAPPELLARO J, SILVA ME. Humanização do parto e a formação dos profissionais da saúde. Cienc. Cuid. Saúde, 2011 Jan-Mar, 10(1): 169-175. FRELLO, A.T; CARRARO, T.E. Componentes do cuidado de enfermagem no processo de parto. Rev. Eletr. Enferm. [online], 2010; 12 (4): 660-8. LAKATOS, E.V.; MARCONI, M. DE A. Metodologia Científica. 5º Ed. Revista e ampliada. Atlas. São Paulo, 2009, p. 269. LAMBERT, A.C. S; HOGA, L.A. K; JAMAS, M.T. O desenvolvimento de um modelo de assistência contínua a um parto. Invest. Educ. 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Humanização na atenção a nascimentos e partos: ponderações sobre políticas públicas. Interface- 48 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X SOUZA, T.G. de.; GAÍVA, M.A.M.; MODES, PSS dos. A humanização do nascimento: percepção dos profissionais de saúde que atuam na atenção ao parto. Rev. Gaúcha. Enfem. Porto Alegre (RS), 2011 set, p: 479-86. VASCONCELOS, A.A. Atuação das enfermeiras na humanização do parto e no nascimento do Distrito Federal, 2010. [dissertação]. Universidade de Brasília. Pós-Graduação em Ciências da Saúde, Brasília, DF, 2010. O HOMEM BIOLÓGICO E O HOMEM CULTURAL: DIÁLOGO DA EDUCAÇÃO FÍSICA COM A ANTROPOLOGIA Edson Medeiros Oliveira Aluno do curso de Educação Física na Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Milena Marcintha Alves Braz orientadora Professora Doutora do curso de Direito da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza [email protected] Resumo: Por que atos simples, corriqueiros e aparentemente naturais como caminhar, correr, comer, chorar, dormir são realizados de tantas maneiras ao redor do mundo? Por que em nossa sociedade somos levados a pensar que os meninos são mais “aptos” à prática de atividades físicas? Será que existe algum fator biológico que determine que a mulher seja mais “fraca”, delicada ou mais sensível do que o homem? Estudando anatomia podemos afirmar que os homens são iguais apesar de suas diferenças. Por outro lado, estudando antropologia concluímos que os homens são diferentes mesmo diante de suas semelhanças. Este texto propõe uma pequena reflexão a respeito daquilo que nos torna iguais como seres humanos, bem como o que nos faz diferentes. Dentro dessa reflexão, é possível concluir que mesmo pertencendo à mesma espécie, os homens se expressam culturalmente de maneiras totalmente diversas. A grande maioria das características humanas, em especial aquelas de caráter comportamental, é decorrente de uma interação das estruturas biológicas e do ambiente físico e sociocultural. Palavra-Chave: Educação Física; Antropologia; Cultura. Abstract: Why simple acts, ordinary and seemingly natural as walking, running, eating, crying, sleeping, are carried out in many ways around the world? Why in our society we are led to think that boys are more "fit" to the practice of physical activities? Is there some biological factor that determines the woman to be "weaker", delicate or more sensitive than the man? Studying anatomy can say that men are equal despite their differences. On the other hand, studying anthropology conclude that men are different even in the face of their similarities. This text offers a brief reflection about what makes us all equal as human beings, as well as what makes us different. Within this reflection, we conclude that although belonging to the same species, men express themselves culturally in entirely different ways. The vast majority of human characteristics, especially those of behavioral character, arises from an interaction of biological structures and physical environment and socio-cultural. Keyword: Physical 49 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Education; Anthropology; Culture. movimento que o homem vai construindo ao longo do tempo e do espaço. (DAOLIO, 2003, p. 141). 1 SEMELHANÇAS BIOLÓGICAS X DIFERENÇAS CULTURAIS É interessante olhar para a raça humana e perceber o quanto somos iguais uns aos outros e ao mesmo tempo diferentes. Biologicamente, somos todos praticamente iguais. Músculos, ossos, nervos. Porém, se buscarmos uma visão mais detalhada, não só da parte física, mas também da parte cultural; se lançarmos sobre nós um olhar mais crítico, buscando entender a origem, a essência de nossos Sobre Mauss, em essa sua temática, obra Marcel Sociologia e Antropologia introduz o termo “técnicas do corpo”, definindo-o como as maneiras pelas quais os homens, de sociedade a sociedade, de uma forma tradicional sabem servir-se de seu corpo (MAUSS, 2003). Neste adquirindo caso, práticas os que corpos vão atendam às necessidades daquela sociedade. atos no dia-a-dia, logo nos depararemos Muitos atos que para a maioria com infinitas peculiaridades. das pessoas podem parecer naturais, Daolio (2003 p.118) comenta que se a biologia afirma que os homens são semelhantes apesar de suas diferenças, a antropologia ensina que os homens são diferentes apesar de suas semelhanças. Assim, de acordo com a ciência antropológica a variabilidade humana é fruto de um aprendizado cultural, ou seja, as diversas culturas vão moldando comportamentos variados a corpos que biologicamente são semelhantes. 50 Afirmar que o homem possui construções corporais diferentes em função de contextos culturais diversos é de fácil comprovação. Basta observar o enorme elenco de hábitos corporais, formas de cobrir o corpo, práticas lúdicas, formas de marcar o corpo, tipos de dança, cuidados com o corpo, conceitos de saúde, etc., que os mais variados grupos humanos espalhados pelo mundo apresentam. O mais sutil, entretanto, é discutir as formas de significação a respeito do corpo e do Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X instintivos, invariáveis, característicos de toda a humanidade na verdade não são. São aprendidos culturalmente, variando de acordo com a cultura e com o momento histórico. Para expressar melhor essa idéia, podemos tomar como exemplo o simples ato de caminhar, algo a princípio tão corriqueiro e natural em todas as partes do mundo. Pode-se afirmar que em cada sociedade, em cada cultura e em cada momento histórico as pessoas caminham de maneiras diferentes, pois anatomicamente somos iguais, mas a cultura molda o ritmo, a forma, a postura do caminhar. Outro exemplo é o ato de dormir que inegavelmente é biológico, mas a maneira de se dormir é a cultura quem vai orientar. Ora, grande foi a minha a cultural em diferentes países. Observemos surpresa ao descobrir em meus estudos um dos exemplos citados pelo autor: (MAUSS, 2003; LAPLANTINE, DAOLIO, 2005) que 2003; A variação cultural pode ser encontrada em cada um dos aspectos de nossas atividades. Assim, a maneira com que descansamos. Nas sociedades nas quais os homens dormem diretamente no solo, dificilmente suportam a maciez de um colchão. Inversamente, sentimos dificuldade em dormir – como me aconteceu no Brasil – em uma rede, e não nos passaria pela cabeça descansar, como alguns na Ásia, apoiando-nos em uma só perna. (LAPLANTINE, 2005, p.123). existem diversas maneiras de se dormir. Rodrigues (apud DAOLIO, 2003) discorre sobre o hábito, tido como universal de dormir, e nos mostra como diversas culturas realizam de maneiras diferentes este comportamento. Os ocidentais dormem na posição deitada, A professora Milena Braz no enquanto outros povos dormem em pé livro Gestão Escolar: saber fazer (2009) para não assumir a posição dos mortos; discorre outros povos dormem agachados enquanto comportamentos, convidando-nos a fazer outros, ainda, dormem preferencialmente uma reflexão a respeito das diferentes durante o dia. Podemos por este exemplo maneiras como as sociedades veem a perceber cultura morte. Enquanto para alguns povos a determinando como o corpo do homem morte de um familiar, amigo ou conhecido deve proceder, e não o contrário. é vista como motivo para choro e mais uma vez a respeito de nossos Mauss (2003) em seu estudo nos desespero, outras sociedades encaram a diz que a noção de que deitar em uma morte como sendo motivo para festas, cama é algo natural, é completamente celebrações e alegria. Podemos então inexata. Existem povos que nada têm além perceber a cultura determinando a maneira do chão duro para repousarem. Existem como deveremos agir diante dos fatos que sociedades que utilizam para dormir nos são apresentados. apenas um apoio para a nuca. Há os com Para Mauss (2003), o corpo travesseiros e os sem travesseiros. Existem aprende, e é a sociedade específica em que ainda civilizações que se comprimem em ele vive, em seus diferentes momentos roda para dormir, em volta do fogo. históricos Laplantine (2005) concorda com 51 a acumulada, e com que o sua ensina. experiência O autor Mauss (2003) ao mencionar em sua obra menciona em sua obra a dificuldade das Aprender Antropologia, a diversidade tropas inglesas durante a guerra em cavar utilizando pás francesas. O simples ato de Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X cavar, que a priori nos parece uma tarefa membros é o de homens integrantes de relativamente fácil tornava-se para as tribos tropas inglesas um trabalho de difícil durante a caça correm atrás de cangurus, execução. Isso porque as pás francesas emas, eram diferentes das pás inglesas, já que exaustos. É certo que biologicamente este exigiam dos ingleses um giro diferente de homem, caçador da tribo da Austrália não mão, giro este que os ingleses não possui nenhuma qualidade especial que o dominavam. A dificuldade dos ingleses torne superior a qualquer homem saudável em se adaptar às pás francesas foi tão de qualquer outra parte do mundo. O fato é grande que a solução mais eficiente foi que culturalmente este tipo de caçada já substituir 8 mil pás. faz parte do cotidiano deste homem. Em Ainda mencionando a experiência que teve com a guerra e para demonstrar sua ideia a respeito de atos naturais e culturais, Mauss (2003, p.409) discorre sobre a variação das técnicas do corpo australianas cães “primitivas” selvagens até que deixá-los outras palavras; o homem pertencente a esta tribo da Austrália já tem o costume, o hábito de caçar desta maneira. Obviamente caçar correndo atrás de um canguru, ema ou cão selvagem seria para um homem nascido e criado na cidade uma tarefa com as idades: praticamente impossível, visto que sua A criança se agacha normalmente. Nós não sabemos mais nos agachar. Considero isso um absurdo e uma inferioridade de nossas raças, civilizações, sociedades. Um exemplo. Estive no front com australianos (brancos). Eles tinham uma superioridade considerável sobre mim. Quando interrompíamos a marcha sobre a lama ou poças d’água, eles podiam sentar-se sobre os calcanhares, repousar, e a “inundação”, como dizíamos, ficava abaixo de seus calcanhares. Eu era obrigado a ficar em pé com minhas botas, todo ereto dentro d’água. A posição agachada é, em minha opinião, uma posição interessante, que pode ser conservada numa criança. É um gravíssimo erro proibir-lhe. Toda a humanidade, exceto nossas sociedades, a conservou. cultura, seus costumes, seus hábitos o “moldaram” de 52 Mauss (2003) para demonstrar totalmente diferente. A tecnologia tem nos proporcionado meios de realizar cada vez mais tarefas ao mesmo tempo, sem que para isso precisemos nem ao menos nos mexer. Computadores, celulares, controles remotos, escadas rolantes, elevadores e tantas outras invenções que deveriam “facilitar” a paradoxalmente Outro exemplo mencionado por maneira vida do homem deixado-o têm mais acomodado, preguiçoso e sedentário. as Na pré-história, o homem se particularidades das culturas e de seus quisesse sobreviver deveria realizar duas Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X atividades: alimentar-se, e fugir, para não bem sucedidos e logo, deseja copiar seus se tornar alimento dos outros animais. atos. Essas duas atividades exigiam do corpo A professora Ieda Prado no livro humano um grau relevante de preparo Gestão Escolar: saber fazer, nos fala físico. Atualmente até a comida já é sobre a experiência que teve ao realizar vendida enlatada, pré-cozida, o que exige uma do homem cada vez menos esforço. O periféricos da cidade de Fortaleza. A corpo humano está preparado para um tipo autora menciona o ato de aprender a ler, de vida extremamente ativa do ponto de que se dá de maneiras diferentes entre vista biológico, mas a tecnologia tem crianças de camadas abastadas e crianças mudado radicalmente essa perspectiva. de camadas populares. Enquanto para pesquisa em um dos bairros Não quero com esse raciocínio umas a alfabetização acontece de maneira passar a ideia de que a tecnologia faz mal “natural”, para outras, escrever o próprio ao homem, pelo contrário. Mas é preciso nome que nos situemos nesse mundo onde as extraordinária dentro do seu grupo de pessoas optam por cada vez menos convivência. esforço. tornava-se uma realização A concepção de educação de uma criança das camadas abastadas é diferente de outras crianças das camadas populares. O domínio no cotidiano da leitura e da escrita vai diferenciando as expectativas dos pais e a visão de educação das crianças... Afinal, é diferente ver o pai pegar o jornal para ler e ver o pai pegar o jornal para embrulhar peixes... são diferentes contextos e expectativas que, não raro, convivem num mesmo espaço escolar, especialmente no âmbito público. (PRADO, 2009, p.40). Ainda em sua obra Sociologia e Antropologia, Mauss (2003) discorre sobre a educação das crianças, que segundo ele possuem faculdades de imitação muito grandes. Assim a criança acaba copiando os atos bem sucedidos que ela viu ser efetuados por pessoas nas quais confia e que têm autoridade sobre ela. Desta forma, Podemos perceber mais uma vez podemos concluir que os costumes e as preferências de uma criança não se dão de a forma aleatória. Tudo é copiado. determinando Para que uma criança venha a desenvolver o gosto pela leitura, por 53 exemplo, presenciar seus pais lendo diariamente é fundamental. A criança se espelha nos pais, aceita-os como exemplos Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X cultura e os o costumes diários comportamento das pessoas. Não existem fatores biológicos que tornem o aprendizado de uma criança mais fácil que outra. 2 SOCIEDADE DOS HOMENS X SOCIEDADE DAS MULHERES reconhecessem para si uma inferioridade técnica em relação aos meninos, mas será que essa suposta inferioridade realmente “[...] Há uma sociedade dos homens e uma sociedade das mulheres.” (MAUSS, 2003, p. existe? Será que fisicamente as meninas são inferiores aos meninos? 409). Como já Daolio (2003), diz que sobre um afirmava Marcel Mauss em seu clássico texto sobre as técnicas corporais (texto este que vem servindo de base para o nosso estudo até aqui), o conjunto de hábitos, costumes, crenças e tradições que caracterizam uma cultura também se referem ao corpo. Mas e quando falamos de diferenças entre os corpos masculinos e femininos? Vimos anteriormente que as especificidades físicas dos corpos variam de acordo com cada sociedade e com os menino, mesmo antes de nascer já recai toda uma expectativa de segurança e altivez de um macho que vai dar sequencia à linhagem. Desde pequeno é liberado pelos pais brincadeiras a que praticar atividades, demandem esforços físicos (subir em árvores, jogar bola, correr, soltar pipa, skate, esportes, artes marciais). A sociedade espera que esse garoto seja forte, ágil, esperto para que quando crescer possa se tornar um “chefe hábitos de cada cultura. de família”. Observemos agora as diferenças Em se tratando da educação das corporais entre homens e mulheres, porém, quando digo diferenças corporais não me refiro às óbvias diferenças anatômicas, mas às diferenças corporais ocasionadas meninas, os pais se portam de maneira diferente. É como se suas brincadeiras de criança fossem uma espécie de “treinamento” para quando se tornarem pela influência da cultura. adultas sejam boas donas de casa. Desde Não é difícil perceber em aulas de educação física as diferenças entre homens e mulheres. Geralmente os meninos são mais ativos, agitados, altivos, inquietos, estão sempre correndo para lá e para cá, crianças, meninas ganham como presentes utensílios domésticos em miniatura, brincam de “casinha”, e cuidam das bonecas como se fossem seus futuros filhos. enquanto as meninas são mais calmas, tranquilas, preferem ficar à parte das aulas 54 quando estas demandam um esforço físico maior. É como se as meninas A maneira como são educados meninos e meninas vão aos poucos tornando um sexo mais hábil que outro. Vale lembrar que essa habilidade a que me Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X refiro é a habilidade apresentada pelos nos mostra o papel que deveremos meninos em aulas de Educação Física. desempenhar em nossa sociedade. Obviamente se aferíssemos a Vale lembrar que a cultura nos habilidade dos meninos em cuidar dos torna diferentes, mas de maneira alguma afazeres da casa (cuidar das crianças, fazer superiores ou inferiores. É necessário que comida), em relação à habilidade das saibamos enxergar as diferenças do outro meninas em realizar a mesma tarefa, as com meninas levariam vantagem. respeitando-as sempre. Não pretendo com este raciocínio simples diferenças que são, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS me posicionar de maneira machista como se estivesse afirmando que o lugar das mulheres é fazendo comida e cuidando de crianças enquanto os homens trabalham BRAZ, Milena Marcintha Alves. Gestão Escolar: Um olhar antropológico sobre o cotidiano da escola. In: CAMPOS, Casemiro de M. et al. Gestão escolar: saber fazer, 1ª ed. Fortaleza: UFC, 2009. fora de casa. Busco com este estudo apenas compreender as diferenças físicas ocasionadas pela cultura entre os corpos masculino e feminino. LAPLANTINE, François. Aprender Antropologia, 16ª ed. São Paulo: Brasiliense, 2005. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Semelhança e diferença. É com o que nos deparamos ao tentarmos compreender o homem suas infinitas peculiaridades. Como mencionado no início deste texto, mesmo sendo biologicamente iguais, nós seres humanos conseguimos ser totalmente diferentes. Tudo isso é fruto da cultura. A cultura nos direciona, nos diz quem nós somos; como deveremos andar; 55 DAOLIO, Jocimar. Cultura Educação Física e Futebol, 2ª ed. Campinas: Unicamp, 2003. como deveremos falar; como deveremos dormir; o que deveremos vestir. A cultura Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, 4ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2003. PRADO, Antonia Ieda de Souza. Diversidade e relativismo cultural em suas relações com a educação. In: CAMPOS, Casemiro de M. et al. Gestão escolar: saber fazer, 1ª ed. Fortaleza: UFC, 2009. CIÊNCIAS HUMANAS 56 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X A FORMAÇÃO DO LEITOR EM UMA ESCOLA DA REDE PARTICULAR DO MUNICÍPIO DE CRATEÚS – CE Sílvia Régia Alves de Sousa Professora do Curso de Letras no Instituto Federal do Ceará [email protected] Maria das Dores Nogueira Mendes orientadora Professora Doutora do Curso de Letras na Universidade Federal do Ceará [email protected] RESUMO: INTRODUÇÃO: Nesta pesquisa procuramos analisar os diversos aspectos envolvidos no processo do ensino e nos projetos de leitura desenvolvidos em uma escola da rede particular do município de Crateús/CE. OBJETIVOS: O trabalho tem como objetivo principal investigar o processo de formação de leitores na referida escola. MÉTODOS: Para isso, realizamos observações sistemáticas e entrevistas com alunos e professores. RESULTADOS: As entrevistas demonstraram que os alunos tem pouco interesse por ler, visto que os projetos de leitura são impostos pelo corpo docente, que escolhe também o que os alunos deverão ler durante o ano letivo. CONCLUSÕES: Desse modo, a biblioteca tornou-se um ambiente ermo, de pouco uso, e os professores permanecem exigindo a mera decodificação dos livros ao solicitarem resumos escritos e orais, ou seja, demonstrando pouca flexibilidade para mudarem e transformarem esse quadro. Palavras-chave: Ensino; Formação leitora; Projetos de Leitura. ABSTRACT: INTRODUCTION: In this study we analyzed the various aspects involved in the process of teaching and reading projects developed in a private school in the city of Cratéus / CE. OBJECTIVES: The study aims at investigating the process of formation of readers in that school. METHODS: To this end, we conducted systematic observations and interviews with students and teachers. RESULTS: The interviews showed that students have little interest in reading, since reading projects are imposed by the teachers, who also chooses what students should read during the school year. CONCLUSIONS: Thus, the library became an unfrequented environment, unusable and teachers to remain demanding mere decoding of books to request oral and written summaries, in other words, showing little flexibility to change and transform this situation. Keywords: Teaching; Formation of readers; Reading projects. 57 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X escolar e aos apelos sociais como muitas 1 INTRODUÇÃO formas de diversão, etc. Quando pensamos em leitura, logo nos vem à mente a decodificação dos signos. No entanto, ler é mais que isso, é atribuir um significado ao texto, seja ele verbal ou não verbal, o qual é entendido como processo e não como produto. Para Villardi (1999), a leitura se dá efetivamente quando o indivíduo é capaz de atribuir sentido ao que lê, pois ela está vinculada à capacidade de interpretar e se constitui em um dos atributos que permitem exercer a própria cidadania, de forma mais abrangente e complexa. O ato de ler é processo que consiste em múltiplos processos, os quais acontecem tanto de forma simultânea Assim, durante o estágio de Prática Docente no Curso de Habilitação em Língua Portuguesa e suas Literaturas no Núcleo de Educação a Distância (NEAD) da Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF), realizado em uma escola da rede particular do município de Crateús/CE, foi observado um evidente desinteresse em relação ao ato de ler por grande parte dos alunos dos 7os Anos. Assim, surgiu o desejo de investigar outras turmas, por isso a pesquisa foi ampliada para as demais séries do Fundamental I e II, mais especificamente dos 4º aos 9º anos. como seqüencial, envolvendo desde habilidades de baixo nível executadas de forma automática até estratégias de alto nível executadas de modo consciente. Tal problema incomodava visivelmente aos professores de Língua Portuguesa que consideram trabalhar em prol da formação leitora desses alunos. Diante disso, começamos a questionar: Como a leitura é um processo amplo na qual o leitor precisa dispor de estratégias diversificadas para chegar à compreensão do texto não é de hoje que se discute sobre as dificuldades e as causas Quais os motivos desse desinteresse pela leitura por parte dos alunos? O que os professores pensam sobre esse problema? Como os educadores veem os projetos de leitura da escola? da diminuição do interesse dos alunos pela leitura. Cunha (1999) chega, inclusive, a citar algumas delas ligadas provavelmente ao descuido familiar, a decadência do 58 ensino, ao excesso de facilidade na vida Diante destes questionamentos, formulamos nosso objetivo geral da pesquisa que é o de investigar as possíveis causas para o pouco envolvimento dos alunos nas práticas de leitura proposta pela referida escola. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X 2 METODOLOGIA 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO A realização da pesquisa empírica 3.1 Os projetos de leitura do colégio ocorreu durante o mês de outubro de 2011. Dentre as técnicas utilizadas, realizadas observações em sala durante 8 horas aula, sendo observadas 4 aulas de Português e 4 aulas de Redação nas diferentes séries mencionadas. Além das aulas convencionais, participamos de duas aulas no Laboratório de Redação e estivemos quatro vezes na Biblioteca para verificar a frequência dos estudantes e a realização de empréstimos. Em seguida, realizamos docente, entrevistas e por com fim, o corpo aplicamos os questionários, primeiramente, com os alunos, posteriormente, O Colégio pesquisado da rede foram com os particular do desenvolveu município três projetos de Crateús de leitura durante o ano. Contos & Descontos, Ciranda de Livros e Canja Literária. Ambos têm como eixos norteadores ampliar a visão de mundo e inserir o leitor na cultura letrada; possibilitar a vivência de emoções e o exercício da fantasia e da imaginação; expandir o conhecimento a respeito da própria leitura; aproximar o leitor dos textos e os tornar familiares; possibilitar ao leitor compreender a relação existente entre fala e escrita e estimular o desejo de outras leituras. professores. A população na qual aplicamos os 3.1.1 Contos & Descontos questionários foi alunos do 4°, 5°, 6°, 7°, 8° e 9° Anos do Ensino Fundamental (Ensino Convencional distribuídos turnos Integral) matutino Infantil uma vez por mês. Todo o e segmento trabalha de diversas maneiras os vespertino, nos quais se encontravam 909 clássicos infantis escolhidos previamente alunos matriculados, conforme o Censo de pelos 2011. A amostra da pesquisa é composta pedagógica. Durante uma semana, o por 90 alunos, referente a 10% da clássico escolhido é desenvolvido em sala população discente do Colégio. com uso de músicas, pinturas, modelagem, professores coordenação recorte, docente Língua poeminhas recitados etc. O projeto tem Portuguesa, trabalhamos com todos os culminância com um teatrinho encenado da área de nove professores da disciplina. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X colagem, e No tocante à pesquisa com o grupo 59 nos e Esse projeto ocorre na Educação atividades escritas, pela turma que leu de diversas formas o Fundamental I e de R$ 60,00 para o clássico infantil. Fundamental II. À medida que os livros vão sendo Em 2011, foram trabalhados dez clássicos infantis nas turmas do Infantil: lidos Chapeuzinho fundamental I, registros, ilustrações ou Vermelho, Os Três ocorrem para as as do Porquinhos, A Bela e a Fera, Branca de dramatizações. Neve e os Sete Anões, Cinderela, João e Fundamental II, são comuns depoimentos, Maria, Pinóquio, Soldadinho de Chumbo, críticas orais ou escritas sobre a obra lida. Rapunzel e o Gato de Botas. Para turmas turmas do Durante o ano de 2011, as turmas 0 de 1 a 50 do Fundamental I levaram para 3.1.2 Ciranda de Livros casa em média 24 títulos e a turma de 60 a 90 levaram 12 títulos no mesmo período. O projeto de leitura Ciranda de Livros é o mais amplo da escola. Ele é 3.1.3 Canja Literária desenvolvido do 1° ao 9° ano do Ensino Fundamental e consiste em um rodízio de livros de literatura no qual cada aluno leva para casa um título que deverá ser lido no tempo determinado pelo professor. Colégio e contempla todas as turmas do Ensino Médio. O Canja Literária envolve a leitura dos clássicos da literatura Do 1° ao 5° Ano esses livros são brasileira, previamente selecionados pelos trabalhados semanalmente, visto que é professores e coordenação pedagógica. escolhido um dia da semana para as Primeiramente, as turmas leem e discutem crianças levarem um título. Já do 6° ao 9° sobre as obras. No encerramento desse Ano, o projeto ocorre bimestralmente, projeto ocorre a degustação de uma quando o aluno leva um livro por tradicional canja de galinha enquanto as bimestre. Isso ocorre através de rodízio de turmas dramatizam as obras lidas. títulos. 60 Este projeto existe há 5 anos no Em 2011, foram lidas e Para que o projeto aconteça é apresentadas as seguintes obras: O Cortiço preciso investimento por parte dos pais ou (Aluízio de Azevedo), A Escrava Isaura responsáveis. No ato da matrícula, é (Bernardo efetuado o pagamento de uma taxa, que (Euclides da Cunha), A Pata da Gazela, em 2011, foi de R$ 50,00 para o Iracema, Lucíola, O Guarani, Senhora, a Viuvinha Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Guimarães), (José de Os Alencar), Sertões Dom Casmurro, Helena, O Alienista (Machado 94% afirma que às vezes são interessantes, de Assis), Memórias de um Sargento de e que se pudessem escolher os títulos para Milícias, a Moreninha (Joaquim Manuel o projeto de leitura para o próximo ano as de Macêdo), Clara dos Anjos (Lima sugestões Barreto) e Memorial de Maria Moura policial. Todos os gêneros citados estão (Raquel de Queiroz). presentes na biblioteca do colégio para seriam suspense, comédia, empréstimos para todo o corpo discente e 3.2 A opinião dos docentes docente, mas percebemos que os alunos não frequentam esse espaço de leitura, Diante da pesquisa realizada e dos pois 98% dos pesquisados afirma que não estudos feitos, embora existam ricos frequenta a biblioteca e raramente faz projetos de leitura desenvolvidos pelos empréstimos. professores da área de Língua Portuguesa junto a percebemos, coordenação apesar disso, pedagógica a pouca motivação dos alunos da referida escola pela leitura. Alguns depoimentos demonstram quais sugestões esses alunos gostariam que fossem adotadas para que pudesse haver mais motivação leitora dentro e fora da escola. GRÁFICO 1 Acho que os livros deveriam ser escolhidos por nós com antecedência. (A/12 anos) ALUNOS QUE APROVAM OU NÃO A LEITURA POR OBRIGAÇÃO Se fossem best-sellers seria bem melhor, eu leria todos também. (A/13 anos) Se as histórias fossem mais interessantes e de acordo com nossa idade, seria bem melhor. Às vezes são livros chatos, aí cansa! (A/12 anos) Muitas sugestões foram semelhantes a essas. Uma das sugestões mais interessantes é a vontade dos alunos dos em participar, com antecedência, da entrevistados discorda da obrigação dada escolha desses títulos, pois mencionam a pela compra de livros chatos, volumosos e fora A escola grande para maioria que leia livros periodicamente 61 Questionados sobre os temas dessas obras serem interessantes ou não, Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X da sua faixa etária. Gostaria que os livros fossem trocados por filmes. Seria legal, não demoraria tanto pra acabar. (A/14 anos) Só queria que não fosse obrigação, tudo que é obrigado é ruim. Não gosto de ler por obrigação. (A/11 anos) a letra D, para identificar o docente com Nessas 3.3.1 Questionários aplicados falas percebemos a privacidade. insatisfação em relação à obrigatoriedade de ler o que não querem e o imediatismo Q.1 – Qual a importância da leitura na formação do aluno do Colégio? em trocar uma obra literária por filmes, principalmente pela redução de tempo e ser menos cansativo. D1: É a base de tudo, sem ela tudo se torna mais difícil. D2: De extrema importância, pois o aluno que não sabe ou não consegue, infelizmente não avança. 3.3 A opinião dos docentes D3: É a base. Sem leitura não há uma boa escrita e compromete o todo. A abordagem da pesquisa, em relação ao corpo docente, foi do tipo qualitativo de cunho exploratório descritivo. A população pesquisada foi de 9 professores, dos períodos matutino e vespertino do referido colégio que trabalham do 1º Ano do Fundamental ao 3º Ano do Ensino Médio. Os dados foram coletados com utilização de questionários com perguntas abertas aplicadas diretamente aos professores com o objetivo de verificar especificamente como está ocorrendo o processo de leitura das turmas do Ensino Fundamental. A pesquisa de campo realizou-se durante os meses de agosto e setembro de D4: É um processo, é uma parceria. Não é só o colégio que tem que trabalhar leitura. É essencial o engajamento da família. D5: O colégio prioriza a leitura, por isso que desenvolvemos projetos de leitura. É muito importante. D6: Sem leitura de letras, mas principalmente de mundo, o aluno não avançará e a escola tem que mudar pra permitir que isso ocorra. Não é só importante adquirir obras literárias, é preciso fomentar a vontade de lê-las. D7: Leitura é fundamental, se não acontece leitura, não se forma leitor. D8: O aluno precisa se conscientizar que ler é uma necessidade dele. É importante pra formação dele, enquanto isso não acontecer estaremos trabalhando em vão. D9: Quem lê escreve melhor. Digo isso todos os dias em sala de aula. Por isso os projetos são válidos. Leitura e escrita andam juntas, mas o aluno quer escrever de forma correta e coerente sem ler diversos gêneros, isso é algo que não existe. Intensifique sua leitura e escreverá bem! 2011 e em seguida, os dados foram 62 analisados e os resultados apresentados a Constatamos que os professores seguir. Para cada entrevistado foi atribuída são conscientes da importância da leitura na formação do aluno do colégio. A Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X concepção dada pelos entrevistados vem “Ficar sabendo história, filosofia, direito, ao encontro da ideia de Silva (1990, p. política, sociologia, etc., sem precisar 32): “A leitura, enquanto um elemento saber o nome disso tudo sem achar que fundamental do processo de ensino é, tem cara de aula”. Entretanto, alguns também sem dúvida, um poderoso meio docentes afirmam que os demais colegas para a compreensão e transformação da de profissão atribuem somente a Língua realidade”. Portuguesa a responsabilidade para desenvolver a leitura como prática diária Q.2 – A leitura do colégio é trabalhada de forma interdisciplinar? em sala de aula. Diante disso fica evidente que a interdisciplinaridade é pouco desenvolvida por todo o corpo docente. D1: Sim, é bem melhor. D2: Sim, ele lendo interpreta qualquer coisa. D3: Sim, o português é a base para a interdisciplinaridade. D4: Sim, pois há mais interação e permite que o aluno possa aprender. D5: Sim, pois todas as disciplinas trazem textos. D6: Sim, mas a que mais trabalha com leitura ainda é a Língua Portuguesa. D7: Sim, todos os conteúdos precisam de integração com outras disciplinas. A leitura vai muito além disso, por isso deve ser trabalhada de forma interdisciplinar. D8: Sim, porém a grande responsabilidade fica só para o professor de Português. Nenhum colega de outra área assume uma postura semelhante. D9: Sim, porque a leitura está intrínseca em todas as disciplinas, sem ela não há compreensão e, consequentemente, respostas. Observamos que nesta questão todos os docentes concordam com a interdisciplinaridade e acreditam na melhoria do aprendizado da leitura em 63 parceria com as demais áreas. Para Abramovich (1997, p. 17) é possível: Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X Q.3 – Qual sua opinião sobre o acervo da biblioteca para os projetos de leitura? D1: Todos os anos são comprados novos livros, há sempre renovação. D2: São muitos títulos qualidade. de ótima D3: No início de cada ano a biblioteca recebe novos títulos e geralmente são bons. D4: Os livros são sempre renovados, mas os títulos que não são para os projetos já estão bem desgastados tanto pelo uso quanto pelo tempo. D5: Como o colégio já adquiriu dezenas de títulos está cada vez mais difícil adquirir obras boas para desenvolver os projetos. D6: Na biblioteca encontramos muitos livros bons e interessantes, mas algumas coleções precisam de renovação urgente, pois são obras literárias que necessitam continuar sendo utilizadas, mas estão desgastadas fisicamente. D7: O acervo está em constante renovação. Temos muitos títulos, porém isso é insuficiente para motivar a grande parte dos alunos a levarem livros para casa. D8: Temos livros bons e outros não tão bons. O acervo é adequado para a faixa etária dos alunos, são temas que eles gostam na maioria das vezes. Infelizmente nem tudo que escolhemos agrada-os. D7: Elas não valorizam e reclamam das taxas cobradas no início do ano letivo. D9: o acervo é bom, mas poderia ser melhor. Acho que o colégio deveria investir mais e comprar livros mais caros. Não sei se mudaria a desmotivação leitora, mas tentar seria válido. D8: Elas não veem os filhos lendo em casa e reclamam dos professores e da escola. Muitos não dão valor ao nosso esforço. Verificamos nos dados da questão que quase todos os docentes afirmam que na biblioteca do colégio estão disponibilizadas boas obras em virtude da renovação anual dos títulos, porém muitos títulos estão envelhecidos e desgastados pelo uso. Os entrevistados corroboram com a ideia do acervo deve ser adequado ao tipo e ao nível do aluno-leitor, isso contradiz os alunos que afirmaram que gostariam de ler títulos diferentes, mas raramente frequentam a biblioteca para fazerem empréstimos de obras de acordo com o gênero de sua preferência. Q.4 – Como a família vê esses projetos? D1: As famílias dos pequenos gostam e leem pra eles. A medida que o tempo passa isso vai mudando. D2: Muitas acham importante, outras não. D3: Muitas famílias veem os projetos com grande importância, mas não incentivam a leitura em casa. D4: As famílias dos menores gostam e valorizam, as famílias dos maiores não valorizam tanto e reclamam das taxas anuais de leitura. D5: Algumas reclamam que pagam taxas adicionais para os filhos não lerem. 64 D6: A minoria valoriza e ajuda o professor incentivando a leitura em casa. D9: A família vê o que quer e quando quer. Fazemos nosso trabalho e esperamos resultados por meio de nossos alunos. Se esperássemos aplausos por parte das famílias já teríamos desistido. As respostas dadas não mostram a visão das famílias em relação aos projetos de leitura, mas sim as opiniões dos docentes da área em relação a essas famílias. Os professores evidenciam por meio das falas que grande parte delas vê os projetos como mais uma forma que a escola utiliza para encarecer a mensalidade com taxas extras, além de pais e responsáveis estarem cada vez menos motivados a incentivar a leitura desses livros de literatura em casa pelos filhos, pois para o grupo docente à medida que o filho avança na vida escolar as famílias já não acompanham ou fomentam hábito de ler em casa. Q.5 – Quais as dificuldades mais comuns que você encontra ao realizar atividades de leitura? D1: A falta de concentração dos alunos. D2: A falta de envolvimento com a leitura. D3: A falta de interesses dos alunos. D4: A falta de apoio das famílias. Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X D5: A falta de bons livros e textos. D6: A falta de motivação dos alunos. relação a prática da leitura de forma interdisciplinar verificamos que os D7: Pouco interesse por parte dos alunos. docentes pouco se comprometeram com a D8: Ausência leitora. uma integração entre as demais disciplinas de motivação D9: Ausência de livros melhores e motivantes. A desmotivação é evidente nas respostas dadas pelos educadores que identificam diariamente o desinteresse dos alunos pelo ato de ler. Na opinião de Kato (1987) “estabelecer objetivos para a leitura é um dos meios que compõe o ato de ler”. A autora menciona o fato de que estabelecer metas durante a leitura é também um caminho para uma leitura madura, ou seja, traçar objetivos são estratégias conscientes e típicas de um leitor proficiente. Em resposta, dando-nos a entender que não há e a fomentação para o hábito de ler. Outro ponto muito oportuno foi quando os alunos afirmaram que não frequentam a biblioteca e a quase inexistência de empréstimos literários por parte deles. Tal afirmação os contradiz, pois em depoimentos gostariam de ler afirmam gêneros que diferentes daqueles envolvidos nos projetos de leitura. Os professores por sua vez, confirmam a variedade literária e mencionam que na biblioteca do colégio o acervo é anualmente, riquíssimo sempre e renovado havendo títulos novos, de boa qualidade e adequados para algumas cada faixa etária. Embora os alunos respostas foram diferentes e podemos mencionem a vontade de ler obras observar que os professores estão tendo diversificadas, estão distantes do espaço grandes desafios para se superar diante de reservado pra isso, a biblioteca. suas contrapartida, limitações, pois é necessário adequação entre a obra e o interesse do aluno, caso contrário a motivação do leitor poderá acabar. 65 formação dentro e fora da escola. Em Encontramos respostas semelhantes quando professores e alunos falam sobre a importância dada pela família aos projetos de leitura, pois só Confrontando os dados obtidos veem o valor gasto com as taxas anuais e constatamos que docentes e discentes não como uma estratégia para incentivar o pesquisados da hábito de ler. Os docentes relatam que importância da leitura para o processo de quanto mais o aluno avança na vida são conscientes Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X escolar, menos a família acompanha seu decodificação de signos linguísticos e, desenvolvimento. consequentemente, a obrigação de ler Os educadores se contradizem ao falarem sobre sua prática diária em sala de aula, pois pensam que estão fazendo o melhor, acreditam que sua prática é livros de literatura. Os alunos da referida instituição são conscientes desse desinteresse, mas poucos acreditam nas mudanças. adequada e não compreendem o motivo de A biblioteca com amplo espaço e não alcançarem bons resultados. Esse acervo sempre atualizado não atrai o insucesso provavelmente seja explicado público alvo, isso ocorre por causa da pelo desenvolvimento projetos de leitura ausência de um projeto que leve os alunos idênticos a até ela. O ambiente tornou-se vazio e fundação do Colégio em 1999, alicerçados pouco visitado pelos educandos da referida nas mesmas estratégias. instituição. que permanecem, desde Sendo assim, percebemos que a Para incentivar a leitura, a Escola imposição da leitura desses livros de procurou desenvolver projetos de leitura, literatura é o que está desmotivando esses entretanto, suas propostas e estratégias não alunos, pois sentem-se na obrigação de ler se alteraram ao longo dos anos. Tais e cumprir atividades quantitativas, ao projetos são relevantes para a formação contrário de fazerem isso por prazer e para desses alunos de acordo com seu grau de novas descobertas. Logo, mais uma vez maturidade. São projetos louváveis, mas cabe ao professor utilizar vários recursos que aos poucos estão perdendo seu valor. metodológicos para despertar a satisfação Se o objetivo de ler/ escrever se modificou de ler e formar alunos- leitores aptos a os projetos também precisam se adaptar a compreender, refletir e construir um novo esses objetivos e é papel da escola conhecimento. reconhecer o fato. Percebemos 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS professores que entrevistados todos os atribuíram responsabilidade aos livros e aos alunos, Ao analisarmos o processo de ensino e os projetos de leitura da instituição encontramos como principais 66 causas para o pouco interesse dos alunos pela leitura, o incentivo a simples Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X nenhum mencionou alguma possível falha docente, todos julgaram agir de forma adequada, embora o pouco interesse dos alunos pela leitura, em certa medida, prove o contrário. Sabíamos que as análises REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS realizadas despertariam outras questões, tão relevantes quanto nossa questão primeira. Dentre elas podemos destacar: o ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil: Gostosura e Bobices. São Paulo: Scipione, 1997. tempo disponibilizado nas redes sociais pelos educandos, que preferem acessar a rede mundial de computadores a ler obras CUNHA, Maria Antonieta Antunes. Literatura Infantil. 18ª ed. São Paulo: Ática, 1999. literárias; a ausência das famílias na parceria em incentivar a leitura em casa; o distanciamento dos temas das obras com o KATO, Mary. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística. São Paulo: Ática, 1997. interesse atual dos alunos, pois não são eles quem escolhem os livros de literatura a serem adquiridos, essa função cabe a SILVA, Ezequiel Theodoro da. Leitura e realidade brasileira. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1990. coordenação pedagógica e aos professores da área; a obrigatoriedade de expor o que leram de forma oral ou escrita, e a punição quantitativa caso isso não ocorra. Sendo assim, é de extrema necessidade que a Escola reveja essas questões por meio de novos estudos e que futuramente essa atual situação seja transformada, pois nosso trabalho limitouse em identificar como ocorre o processo de formação desse leitor pouco interessado em ler, cabendo a escola como um todo, buscar estratégias que possam modificar esse quadro. 67 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X VILLARDI, Raquel. Ensinando a gostar de ler e formando leitores para a vida inteira. Rio de Janeiro: Qualitymark / Dunya ed. 1999. 68 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X 69 Revista Perspectiva FGF – 2012.2 |ISSN 2238-524X