UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ FERNANDA CÁSSIA DOS SANTOS ARTUR AZEVEDO E A IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O XX CURITIBA 2008 FERNANDA CÁSSIA DOS SANTOS ARTUR AZEVEDO E A IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA NA PASSAGEM DO SÉCULO XIX PARA O XX Monografia apresentada à disciplina Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica como pré-requisito para a conclusão do curso de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Profª Drª Andréa Doré. CURITIBA 2008 À minha mãe, amor incondicional. AGRADECIMENTOS A Deus, que me presenteou com uma vida recheada de bênçãos. Aos meus pais, pelo apoio e pelo incentivo ao estudo e sem os quais nada disso seria possível. A todos os professores com os quais tive aula durante esses anos, que direta ou indiretamente influenciaram meu trabalho e que muitas vezes me desafiaram, trazendo-me crescimento pessoal e intelectual. À professora Andréa Doré, pela paciência e pela orientação presente, atenta e carinhosa, que soube exigir de mim na medida certa. Ao professor Walter Lima Torres, do DeArtes, pelas indicações de leitura logo no início do trabalho. À professora Ana Paula Vosne Martins, pela oportunidade de participar PET-História, que contribuiu imensamente na minha formação ao me proporcionar uma experiência de trabalho em grupo vinculada ao ensino, à pesquisa e à extensão. A todos os colegas que estiveram ao meu lado desde o primeiro dia de aula até o último, pela presença amistosa, pela parceria em trabalhos das diferentes matérias e pelos momentos de descontração. Aos colegas do PET-História que muitas vezes ouviram relatos desse meu trabalho e que participaram comigo das diversas atividades organizadas pelo grupo. Aos colegas da gestão 2006-2007 do CAHIS, que foram meus companheiros numa experiência vinculada ao movimento estudantil. Aos meus alunos, em especial ao “Trio de Ferro”, que foram minha motivação para continuar nos momentos mais difíceis. Aos amigos, pelo apoio e por terem feito com que meus dias se tornassem mais alegres. À Dayane, que além de ter sido a melhor parceria para realização de trabalhos e para momentos de estudo, tornou-se amiga e companheira para todas as horas. Ao Neto, pela amizade, pelo amor e pelas bibliotecas e sebos visitados em meu nome em São Paulo. A todos aqueles que em momentos distintos teceram comentários sobre meu trabalho, em especial àqueles que me fizeram perguntas que eu não soube responder e assim forçosamente contribuíram com a ampliação dos meus conhecimentos. À Sesu, pelo auxílio financeiro. Ao povo brasileiro, que ao pagar seus impostos com o suor do seu rosto, me beneficiou duplamente: na oportunidade de estudar numa universidade pública, gratuita e de qualidade e na possibilidade de receber a bolsa que financiou esse trabalho de pesquisa. Precisamos descobrir o Brasil! Escondido atrás das florestas, com a água dos rios no meio, o Brasil está dormindo, coitado. Carlos Drummond de Andrade, “Hino Nacional”. RESUMO A discussão da questão da nacionalidade é característica de momentos de desestabilização e de reajustamento social e, por esta razão, se coloca em períodos de fortes mudanças sociais e políticas, como é o caso da transição do século XIX para o XX no Brasil. A geração de intelectuais que viu o nascer da República mostrou-se preocupada em pensar a nação e suas peculiaridades. Mais do que isso, tratou-se de uma geração que idealizou colocar o país no nível do século, acelerando a marcha evolutiva, a fim de atingir uma posição de paridade com a parcela considerada a mais avançada da humanidade: a civilização européia. A intelectualidade brasileira manifestou estas preocupações com a identidade nacional das mais diferentes formas e a literatura foi uma delas. No teatro, em particular, este foi um período marcado por muitas expectativas e conflitos, resquícios de uma perspectiva de atraso que perseguiu o teatro brasileiro desde o movimento romântico. Para os autores vinculados ao teatro, produzir peças capazes de falar a respeito do Brasil neste período significou não só atender a uma demanda intelectual de fundo político e justificada pelo presente, mas também retomar questões que ficaram como que mal resolvidas no período romântico. Artur Azevedo foi o principal autor do nosso teatro durante esse período, no qual, a contra-gosto da crítica teatral, os gêneros vinculados à comédia predominaram no cenário nacional. Homem de seu tempo, Artur Azevedo considerava a comédia um gênero menor, mas era um pouco mais complacente e acreditava numa convivência pacífica entre os gêneros que mais agradavam ao público e aqueles que interessavam aos literatos, tanto que se aventurou por ambos os caminhos. Ao escrever suas comédias, Artur Azevedo se afastou declaradamente das pretensões literárias de sua época, permitindo-se criar uma produção simplesmente capaz de atrair o público. O mais interessante é que, justamente neste momento, vemos surgir uma produção tipicamente brasileira. Acreditando no papel singular ocupado por esse autor no contexto, nossa proposta de pesquisa é a de localizar os elementos de brasilidade presentes nas obras de Artur Azevedo, procurando observar o modo como elas expressam a discussão da nacionalidade brasileira que se coloca no período. Palavras-chave: Primeira República. Identidade Nacional. Artur Azevedo. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................... 07 2 TEATRO E NACIONALISMO............................................................................... 13 2.1 IDENTIDADE E NACIONALIDADE.................................................................... 13 2.2 POR UMA NAÇÃO BRASILEIRA....................................................................... 15 2.3 EM BUSCA DE UM TEATRO NACIONAL......................................................... 21 3 HUMOR E NARRATIVA NACIONAL....................................................................27 3.1 OS GÊNEROS CÔMICOS NO BRASIL DA PASSAGEM DO SÉCULO............ 27 3.2 LITERATURA E HISTÓRIA – PAUSA NECESSÁRIA....................................... 32 3.3 HUMOR E CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA......................................................... 39 4 ARTUR AZEVEDO E A IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA........................43 4.1 ARTUR AZEVEDO..............................................................................................43 4.2 DICOTOMIAS: CAMPO X CIDADE; ELITE X POVO......................................... 45 4.3 PERSONAGENS BRASILEIRAS........................................................................53 5 CONCLUSÃO........................................................................................................59 6 FONTES................................................................................................................ 61 7 REFERÊNCIAS......................................................................................................62 8 BIBLIOGRAFIA CONSULTADA.......................................................................... 65 9 APÊNDICES.......................................................................................................... 68 7 1 INTRODUÇÃO Na virada do século XIX para o XX, o Brasil passava por inúmeras modificações. As grandes cidades cresciam aceleradamente, ocasionando alterações na política e na vida cotidiana das pessoas ao mesmo tempo em que no interior e nos sertões do país houve poucas mudanças, como afirma Margarida de Souza Neves: Ali, nada parecia romper uma rotina secular, firmemente alicerçada no privilégio, no arbítrio, na lógica do favor, na inviolabilidade da vontade senhorial dos coronéis e nas rígidas hierarquias assentadas sobre a 1 propriedade, a violência e o medo. Face aos contrastes e estranhamentos característicos do processo de modernização que se intensificava, surgiu a necessidade de discutir a nação e a identidade brasileira. Apesar de não se tratar de uma questão nova para a intelectualidade do país, via-se na transição da Monarquia para a República um momento crucial para o encontro de respostas para questões complexas como: “quem é o brasileiro?” e “que nação é esta que se chama Brasil?”.2 A discussão da questão da nacionalidade é característica de momentos de desestabilização e de reajustamento social. No Brasil desse momento, um país multifacetado em que coexistiam cosmopolitismo e provincianismo, modernidade e atraso, liberalismo e oligarquia, a sociedade ao mesmo tempo em que refletia um desejo de se tornar moderna, convivia com a chaga do trabalho escravo. Nesse contexto repleto de tensionamentos, os intelectuais mostraram-se preocupados em pensar o Brasil e suas peculiaridades. Pode-se dizer, inclusive, que esses intelectuais idealizaram colocar o Brasil no nível do século, acelerando a marcha evolutiva, a fim de atingir uma posição de paridade com a parcela mais avançada da humanidade: a civilização européia. 3 1 NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida. (orgs.). O Tempo do Liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (O Brasil Republicano, 3). p.15. 2 SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso: a representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. pp.34-35. 3 Ibidem. p. 34. 8 A intelectualidade brasileira manifestou tais preocupações com a identidade nacional das mais diferentes formas e a literatura foi uma delas. No teatro, em particular, esse foi um período marcado por muitas expectativas e conflitos, resquícios de uma perspectiva de atraso que perseguiu o teatro brasileiro desde o movimento romântico. Para os autores vinculados ao teatro, produzir peças capazes de falar a respeito do Brasil neste período significou não só atender a uma demanda intelectual de fundo político e justificada pelo presente, mas também retomar questões que ficaram como que mal resolvidas no período romântico. Desde o início do século XIX houve uma preocupação por parte dos intelectuais com a criação de uma tradição artístico-literária capaz de refletir o Brasil, contribuindo, assim, para o forjamento de uma identidade nacional brasileira movimento que se tornou necessário por ocasião da independência e da decorrente necessidade de consolidar o estado brasileiro.4 O Romantismo desempenhou um importante papel neste momento, na medida em que proclamava a especificidade das diferentes nações, ainda que no processo de apropriação do ideário do movimento realizado pelos intelectuais brasileiros tenham ocorrido alguns deslocamentos. A idéia de que o Brasil precisava de uma literatura e uma historiografia com cores locais para se estabelecer como nação independente, relacionava-se com o desejo de civilizar-se à maneira européia, superando assim, o atraso de país colonizado. A busca pelo que há de específico é, portanto, no contexto brasileiro, uma busca pela civilização criticada pelo Romantismo europeu. Tornar-se civilizado, na concepção da nossa elite do período significou em certa medida, negar determinados traços característicos da nossa sociedade e nesta perspectiva, muito daquilo do que era popular não foi reconhecido como brasileiro por estar muito distante da cultura européia, com a qual havia uma pretensão de identificação.5 Antônio Cândido, em seu trabalho A Formação da Literatura Brasileira descreve o modo como a nossa literatura adquiriu caráter de sistema literário, articulando autores, textos e públicos naquilo que se pode ter como uma tradição, processo este, que teria sido concluído ao término do movimento romântico. O teatro 4 RICUPERO, Bernardo. O Romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. XIX. 5 Ibidem. p.XXVII. 9 no Romantismo não obteve, no entanto, uma formação no sentido no qual o autor aplica o termo. Não houve um movimento coeso que se pudesse intitular romântico e tampouco que fosse capaz de conciliar a estrutura estética desejável com uma temática de cunho nacional.6 Disso decorre a perspectiva de atraso à qual nos referimos anteriormente. Permaneceu, portanto, nos debates acerca das representações teatrais a aspiração romântica da busca pela cor local, por um teatro que se mostrasse capaz de falar a respeito do Brasil, mesmo quando o drama romântico já perdia terreno para a escola realista. Efetivamente, no entanto, apenas a comédia de costumes mostrou-se capaz de trazer elementos de brasilidade da forma como desejavam os românticos, mas se tratava de um gênero menor, incapaz de atender às expectativas estéticas da crítica teatral do período. A comédia de costumes pode ser considerada a única tradição teatral genuinamente brasileira.7 Martins Pena influenciou diversos autores e entre eles está Artur Azevedo, que será o principal autor do nosso teatro durante os últimos anos do século XIX e primeiros anos do século XX, período no qual os gêneros vinculados à comédia predominaram no cenário nacional. Este é um momento no qual há um gradativo aumento da presença estrangeira em nossos palcos, e no que concerne ao teatro brasileiro, a preferência do público volta-se para o teatro cômico e musicado. A crítica teatral neste contexto lamentou profundamente este movimento conclamando a necessidade de se formar uma tradição teatral brasileira que estivesse em conformidade com as reconhecidas escolas artísticas européias, ou seja, capaz de nos aproximar da civilização. 8 Aos olhos da crítica teatral da passagem do século, o teatro produziu muito pouco daquilo que dele era esperado. O Brasil não era, portanto, apenas um país atrasado com relação aos demais, mas também um país que possuía um teatro atrasado. Neste momento em que era retomada a preocupação com a identidade nacional brasileira, nada mais natural do que exigir uma participação do teatro neste projeto. Ocorre que, o teatro, para além de atender às expectativas dos intelectuais, 6 FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2001. p. 78. 7 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. p.138. 8 FARIA, João Roberto. Op. Cit. pp. 150 -160. 10 precisava agradar também ao público, que tinha expectativas muito distantes das da crítica teatral do período. Artur Azevedo foi reconhecido como o maior representante deste movimento teatral em que prevaleceram gêneros cômicos, tendo se tornado conhecido tanto pela sua extensa produção voltada para o teatro popular, quanto pela escrita de textos de crítica teatral publicados em jornais. Homem de seu tempo, considerava a comédia um gênero menor, mas era um pouco mais complacente e acreditava numa convivência pacífica entre os gêneros que mais agradavam ao público e aqueles que interessavam aos literatos, tanto que se aventurou por ambos os caminhos. Ao escrever suas comédias, Artur Azevedo se afastou declaradamente das pretensões literárias de sua época, permitindo-se criar uma produção simplesmente capaz de atrair o público. O mais interessante é que, justamente neste momento, vemos surgir uma produção tipicamente brasileira. Num momento em que a crítica almejava um teatro com autor e temática brasileira, as comédias de Artur Azevedo colocam em cena homens humildes e homens letrados, negros, mulatos, caipiras. Os cenários das peças do autor podem trazer a cidade do Rio de Janeiro modernizada que seduz pelas suas belezas, pequenas cidadelas interioranas e suas festas populares, e ainda a periferia e o povo marginalizado. A fala dos personagens é antes de tudo, o português brasileiro e marcado por diferenças regionais, opondose assim, à preferência do uso do léxico e da sintaxe lusitanas, presentes nas obras literárias da época. Artur Azevedo interessa-nos neste momento, por se tratar de um homem inscrito em dois mundos, o mundo da elite intelectual e o do povo. Dois mundos estes, que em última instância são um só: o Brasil da virada do século. Nesse trabalho monográfico procuramos, nesse contexto, realizar uma leitura de três peças do autor, procurando observar o modo como elas expressam a discussão da nacionalidade brasileira que se coloca no período. As peças foram escolhidas por serem as únicas burletas escritas pelo autor e também por ainda não terem sido analisadas por historiadores. São elas: A Capital Federal (1897), cujo texto se desenvolve em torno da vinda de uma família do interior de Minas para o Rio de Janeiro, trazendo uma reflexão a respeito das diferenças entre a vida da cidade e a vida no campo, O Mambembe (1904), na qual o autor discute a situação do próprio teatro de sua época através da história de um grupo de teatro itinerante que apresenta espetáculos no interior do Brasil e O 11 Cordão (1908), em que é colocada a questão da repressão aos populares cordões carnavalescos que ocorriam no Rio de Janeiro. Como fontes auxiliares, necessárias para compreender a relação entre a crítica teatral da época com a produção do autor, selecionamos o ensaio Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade, da autoria de Machado de Assis (publicado em 1973 na revista norteamericana O Novo Mundo); além de dois textos do próprio Artur Azevedo, em que ele defende suas opções estéticas. Nosso referencial teórico-metodológico foi construído a partir do expressionismo9 Herderiano, que em linhas gerais trata-se de uma teoria baseada na idéia de que as atividades humanas em geral, e a arte em particular, expressam a personalidade completa do indivíduo e do grupo social em que foram produzidas; o que quer dizer que toda e qualquer obra humana está necessariamente vinculada a seu criador e também a seu povo. Sendo assim, através da expressão artística, têmse o acesso ao modo de pensar de cada grupo social, seus desejos e necessidades. As idéias de Herder vêm sendo retomadas atualmente por Stephen Greenblatt, que ao investigar as complexas relações entre a obra literária e seu autor, afirma que a arte é capaz de ressoar o seu momento histórico, chamando a atenção para o fato de que é preciso localizá-la no seu tempo, pois sua viabilização não depende apenas da genialidade de seu autor, mas de condições históricas. Para pensarmos na relação entre a representação humorística e a identidade nacional brasileira, utilizamos as afirmações de Elias Thomé Saliba relacionadas ao humor, que segundo o autor, participa ativamente do processo de criação da imaginação nacional construindo tipos visuais e verbais e criando estereótipos que confluem para a formação do que se poderia compreender no momento como uma imagem do homem brasileiro. O trabalho de monografia foi divido em três capítulos, cada um dos quais também divididos em três partes. No primeiro, discorremos a respeito do conceito de nação e o modo como ele se vincula à idéia de identidade, e em seguida nos centramos no problema da definição da nossa identidade nacional para concluir relacionado as exigências da crítica teatral do período com a questão da criação da nação brasileira. No capítulo seguinte, exploramos os diferentes gêneros cômicos presentes nos palcos brasileiros na passagem do século, demonstrando como o 9 Termo cunhado por Isaiah Berlin em seu livro: Vico e Herder. Brasília: Editora da UnB, 1982. 12 humor se relacionou com a construção de discursos identitários. Ainda nesse capítulo, julgamos necessário escrever sobre o modo como a relação entre História e Literatura tem sido discutida nas ciências sociais, dada a característica ficcional de nossas principais fontes. Por fim, no último capítulo, há uma breve biografia do autor seguida pela análise das peças teatrais que selecionamos para a realização desse trabalho. 13 2 TEATRO E NACIONALISMO O Mito é o nada que é tudo. O mesmo sol que abre os céus É um mito brilhante e mudo – O corpo morto de Deus, Vivo e Desnudo. Este, que aqui aportou, Foi por não ser existindo. Sem existir nos bastou. Por não ter vindo foi vindo E nos criou. Fernando Pessoa, Ulisses. 2.1 IDENTIDADE E NACIONALIDADE: No decorrer de quase todo o século XIX, a definição da nacionalidade brasileira foi um problema para os intelectuais brasileiros. Preocupação latente no período romântico, a questão é retomada no final do século por ocasião do fim da escravidão e dos primeiros anos da República. Da mesma forma, na década de 1920, a nação é novamente posta no centro das discussões políticas e culturais, de modo que um breve olhar sobre a história do nosso país nos permite observar que repetidas vezes, por condições históricas distintas, houve a necessidade de se pensar a identidade nacional do brasileiro. Como afirma o antropólogo Roberto DaMatta: Trata-se, sempre, da questão da identidade. De saber quem somos e como somos; de saber por que somos. [...] Como um povo se transforma em Brasil? A pergunta, na sua discreta singeleza, permite descobrir algo muito importante. É que no meio da multidão de experiências dadas a todos os homens e sociedades [...], cada sociedade apenas se utiliza de um número limitado de ‘coisas’ (e de experiências) para construir-se como algo único 10 [...]. Se o questionamento a respeito da identidade nacional é renitente, é porque o próprio caráter nacional constitui-se numa construção histórica, “mudando de uma hora para outra e com cada novo incidente vivido pela nação”11. Desta forma, o 10 DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil?. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1984, pp.16-17. 11 BOUER, Otto. Le concept de nation. In. HAUPT, Georges; LÖWY, Michael; WEILL, Claude. Les marxistes et la question nationale: 1848-1914. Paris: François Maspero, 1974, p.249. 14 caráter nacional de um povo é mutável, refletindo o momento histórico específico que suscita tal questionamento. Benedict Anderson define a nação como “uma comunidade política imaginada”12, o que significa que se trata de uma relação social organizada politicamente e legitimada por uma determinada maneira de pensar. O termo “imaginação”, aqui, refere-se à idéia de criação, ou seja: a nação é de certa forma, construída. E construída sobre que moldes? A nação vincula-se necessariamente ao sentimento de pertencimento. Em seu livro, O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil, Bernardo Ricupero explica esta questão afirmando que há uma dimensão sagrada relacionada à idéia de nação: [como se a sociedade tivesse] passado a se cultuar diretamente, dispensando a mediação religiosa. Portanto, a idéia de nação funcionaria praticamente como uma religião secular ou civil, como as que existiam na Antiguidade Clássica. De maneira mais ampla, é possível considerar que, assim como a religião foi uma das principais formas encontradas em sociedades tradicionais para estabelecer identidades, o nacionalismo pode 13 assumir papel semelhante em sociedades modernas. Ricupero demonstra que a nação está ligada a um certo anseio de permanência de laços comunitários num contexto em que começam a prevalecer as relações de tipo societário. Em outras palavras, o Estado, enquanto instituição, precisa ser legitimado afetivamente, o que é possível a partir da construção do caráter nacional de um povo. Ao mesmo tempo, a partir do momento em que uma comunidade passa a se compreender como nação, a tendência é que busque tornar reconhecida sua existência política através do estabelecimento de uma organização estatal.14 A Nação, sob este ponto de vista, seria uma forma de mediação ideológica que faz com que homens e mulheres se sintam parte de uma comunidade política maior. A vida política se mostra, muitas vezes, distante do cotidiano das pessoas, especialmente do povo comum. É o sentimento nacional que confere ao indivíduo de pouca participação política a idéia de que ele faz parte de um todo coletivo. Neste 12 ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. Trad. Lólio Oliveira. São Paulo: Editora Ática,1989, p.14. 13 RICUPERO, Bernardo.O Romantismo e a Idéia de Nação no Brasil (1830-1870). São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.9. 14 Idem. 15 sentido, as afirmações de Antonio Gramsci a respeito da relação entre Estado e sociedade civil adquirem especial importância, uma vez que o autor atesta que a política é uma combinação de força e consentimento. Sendo assim, pode-se dizer que uma classe se torna hegemônica quando é capaz de elaborar um projeto nacional-popular com o qual outras classes podem se identificar, formando assim, um bloco histórico. No lugar de uma simples dominação, estabelece-se uma direção intelectual que é capaz de congregar os demais.15 No caso do conjunto de idéias que formam aquilo que compreendemos como nação, há um papel importante desempenhado pela categoria dos intelectuais, que se tornam organizadores da cultura nacional. A identidade nacional se constitui numa criação cultural e política, realizada no caso brasileiro, por intermédio dos intelectuais. E se por um lado, há uma criação, por outro, há a necessidade dela encontrar respaldo social. Pode-se dizer, então, que a nação se estabelece a partir de um conjunto de idéias homogeneizantes que constituem uma criação de ordem política e cultural, mas na qual, necessariamente, o povo acredita. Dadas essas condições, não é de se estranhar, que o processo de construção de uma identidade nacional brasileira tenha sido tão dificultoso, uma vez que foi preciso pensar num modo de congregar realidades brasileiras absolutamente distintas com a intenção de chegar a um ponto em que homens e mulheres ditos “brasileiros” passassem a acreditar que fazem parte de uma mesma comunidade e se unem através de seus signos e ritos. 2.2 POR UMA NAÇÃO BRASILEIRA: Por volta de 1870, com o aparecimento do movimento republicano, é colocada novamente no cenário brasileiro a questão da identidade nacional brasileira. A questão não era nova e já tinha sido parte das preocupações dos nossos intelectuais desde o início do século XIX, momento em que o Brasil se tornava independente e por esta razão demandava a elaboração de uma teoria que fosse capaz de demonstrar a unidade de nosso povo. O movimento romântico no Brasil influenciou as artes e o pensamento político e intelectual desde 1830 até cerca de 1870 e tinha como intenção deliberada o 15 FONTANA, Josep. A História dos Homens. Bauru, SP: EDUSC, 2004. pp. 323-324. 16 estabelecimento de uma identidade nacional, assim como ocorrera um pouco antes no continente europeu. Neste mesmo período, os demais países da América latina estiveram também empenhados no debate político-cultural acerca das definições de suas identidades nacionais. Apesar do esforço de criação de uma nação não ser, portanto, exclusividade do Brasil durante o romantismo, a identidade nacional brasileira irá se definir de forma diferente das demais nações sul-americanas que fazem fronteira com o país até mesmo porque após a independência no Brasil se estabeleceu um império, ao passo que os outros países latino-americanos adotaram o regime republicano.16 O nascente Estado Brasileiro apenas estaria consolidado no momento em que existisse uma nação, ou seja: no momento em que os indivíduos que aqui viviam passassem a se considerar brasileiros, donos de um legado cultural próprio capaz de os distinguir das demais nações. Pois, como afirma Eric Hobsbawm, a nação é um conjunto de tradições inventadas e mais do que isso: a crença nelas: Tradição inventada é um conjunto de práticas, normalmente orientadas por regras tácita ou abertamente aceitas e um ritual de natureza simbólica, que visam incutir certos valores e normas comportamentais por repetição, o que 17 automaticamente implica em continuidade com o passado. É uma criação dessa natureza que restava fazer no Brasil de então, recente país independente. Necessitava-se inventar uma tradição e seus símbolos para consolidar a própria independência. A partir de então, e sob a influência inicial do Romantismo, buscar-se-á o forjamento de definir simbolicamente quem seria o homem brasileiro. No caso latino-americano, a palavra “civilização” adquiriu um peso especial durante o Romantismo. Após a independência política, esses países buscarão se tornar civilizados, compreendendo que a própria “civilização” seria uma forma de se relacionar com o mundo capitalista. Esse ponto chama a atenção, uma vez que o Romantismo Europeu estabeleceu-se justamente como uma reação ao mundo capitalista. Curiosamente, quando o movimento chega ao Brasil e aos demais países 16 RICUPERO, Bernardo. Op. Cit. p. XIX. 17 HOBSBAWN, Eric, RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. p.1. 17 da América Latina, passa a cumprir o papel de promover o capitalismo.18 O Romantismo brasileiro vê com simpatia o modo de produção capitalista, que mal existia no país, o que significa que não compartilha exatamente com os mesmos objetivos do da Europa, pois, nas palavras de Bernardo Ricupero: É um Romantismo de meios, que proclama, como o Europeu, a especificidade de suas sociedades nacionais, mas que pretende, ao fim do 19 caminho, encontrar a civilização européia. Dessa forma, os intelectuais assumiram para si no período romântico, a função de criar a nação brasileira. Deve-se observar, que o intelectual brasileiro do período sentia-se um partícipe da cultura européia, uma vez que dada a carência de instituições de ensino superior no Brasil, grande parte deles concluía seus estudos na Europa, especialmente na França. O primeiro caminho encontrado para uma discussão a partir da nossa nacionalidade foi o de afastamento de Portugal para que assim fosse possível a incorporação positiva do nosso passado pré-colonial20. Segundo as afirmações de Antônio Cândido em seu livro Literatura e Sociedade, a literatura teria sido a atividade que mais cedo contribuiu para o conhecimento do Brasil e de seu povo 21 . Segundo o autor, durante o Romantismo, a nossa literatura teria adquirido caráter de sistema literário, articulando autores, textos e públicos naquilo que se pode ter como uma tradição. Já neste período, observa-se na própria crítica literária, a intenção de se construir uma literatura nacional, o que de acordo com Cândido, teria de fato acontecido ao término do período. Pode-se perceber a tenacidade do debate que então se estabelece através do ensaio Notícia da atual literatura brasileira – Instinto de Nacionalidade, da autoria de Machado de Assis e publicado inicialmente em 24 de março de 1873 na revista norte-americana O Novo Mundo. O próprio título do ensaio já chama a atenção, pois ao utilizar a palavra “instinto”, o autor parece insinuar que a busca pela nossa nacionalidade não se encontra completamente no campo do consciente, do 18 RICUPERO, Bernardo. Op. Cit. pp. XXVI – XXVII. 19 Ibidem. pp. XXVII – XXVIII. 20 Ibidem. p. XXX. 21 CANDIDO, Antonio. Literatura e sociedade: estudos de teoria e história literária. São Paulo, Ed. Nacional, 1985. p.81. 18 voluntário, mas que atende a algo que é instintivo, quase que natural. É desta forma que o ensaísta apresenta a questão da identidade nacional na literatura da época: Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há como negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e 22 abono de futuro. Na leitura desse trecho, é possível observar que Machado de Assis coloca a questão da formação da literatura nacional como algo ainda não realizado totalmente, mas que aparece voluntária e involuntariamente. Como o autor demonstra na última frase destacada, a presença deste “instinto” é um bom sinal para o futuro, o que também quer dizer que ainda não se realizou algo de realmente sólido. Podemos compreender, assim, o quanto o Brasil daquele momento estava focado no futuro, no devir, pois, nas palavras de Abel Barros Baptista: [...] o Brasil, enquanto território e enquanto projeto é ele próprio uma invenção moderna, um espaço que nasceu com a modernidade histórica, que se definia em função do futuro, de uma marcha no sentido do progresso 23 [...]. Na seqüência de seu texto, Machado de Assis afirma, a respeito da relação entre a literatura e a busca da identidade nacional: Não há dúvida que uma literatura, sobretudo uma literatura nascente, deve principalmente alimentar-se dos assuntos que lhe oferece a sua região, mas não estabeleçamos doutrinas tão absolutas que a empobreçam. O que se deve exigir do escritor antes de tudo, é certo sentimento íntimo, que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço. [...] Esta outra independência não tem Sete de Setembro nem campo de Ipiranga; não se fará num dia, mas pausadamente, para sair mais duradoura; não será obra de uma geração 24 nem duas; muitas trabalharão para ela até perfazê-la de todo. Nessas palavras do ensaísta, Antônio Cândido reconheceu um ponto alto de maturidade da crítica literária ao término do Romantismo, pois na sua interpretação, 22 ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. Disponível em: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/BT4522147.html#[4]%20NOT%CDCIA%20DA%20ATUAL% 20LITERATURA%20BRASILEIRA.'. Acessado em: 11/11/2008. 23 BAPTISTA, Abel Barros. A Formação do Nome: duas interrogações sobre Machado de Assis. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003.p.30. 24 ASSIS, Machado de. Op.Cit. 19 estava então cumprida a tarefa, ao menos por parte da literatura, de se pensar num sentido e numa origem para a nação brasileira. Ocorre que, o assunto não se encerrou no período romântico, nem do ponto de vista político, nem do ponto de vista literário. Para pensar na formulação e na diferenciação do povo brasileiro, os românticos elegeram a figura do indígena como representação ideal. Trata-se da solução encontrada para resolver o problema de encontrar uma característica comum para um país com tamanhas diferenças regionais e, além disso, um modo de manter o negro afastado dos temas literários num momento em que ainda éramos fortemente dependentes da escravidão. Resolveu-se assim, e apenas temporariamente, o problema da origem brasileira que não podia ser identificada com Portugal, nem com os negros escravos, menos ainda com a figura de um povo mestiço. Esta foi, portanto, uma primeira formulação da identidade brasileira, a menos arriscada para o período. Dentre as diferentes etnias formadoras do brasileiro, elegeu-se aquela que representaria o menor grau de ameaça à ordem constituída. O índio, pensado apenas num passado mítico, e ignorado no presente, tornou-se a figura ideal para pensar numa origem idealizada da nação.25 Para Márcia Regina Capelari Naxara, no processo de criação de uma identidade nacional brasileira, que se estende por todo o século XIX, houve uma ambigüidade fundamental, que ela define como o fato de que o Brasil de então possuía uma cultura de raízes européias, voltada para valores e movimentos também europeus e ao mesmo tempo, era ocupado por um povo latino, etnicamente mestiço e influenciado por culturas primitivas, como a ameríndia e a africana.26 Num primeiro momento, o constrangimento por essa ambigüidade foi resolvido no campo da idealização da figura do índio europeizado em seus costumes como mito fundador do Brasil. Em seguida, após o término do romantismo e próximo à passagem do século, mudou-se o objeto dessas idealizações, que cada vez mais passaram a se centrar na figura do caboclo, do sertanejo, do caipira. Ao mesmo tempo, afirma, Naxara, essa busca pela nacionalidade na passagem do século se 25 NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiros em sua própria terra: representações do brasileiro, 1870-1920. São Paulo: Annablume, 1998. p. 113. 26 Idem. 20 desdobrou numa vontade dirigida para a denúncia e para a colocação das mazelas brasileiras em evidência. E assim, através da discussão dos problemas da sociedade de então: [deixava-se] entrever uma complexidade insuspeitada do pensar a realidade do Brasil na época, e da percepção dos diversos caminhos que pareciam estar em aberto, prontos para serem escolhidos e trilhados na procura do futuro. A idéia do Brasil, país do futuro, portador de uma potencialidade a realizar é tão antiga quanto a sua história, do século XVI, 27 até os nossos dias . Não podemos nos esquecer que na virada do século XIX para o XX a sociedade brasileira passava por inúmeras modificações. Se até então já era difícil a construção de uma identidade nacional que se baseasse em algum fator diferencial porque éramos compostos por três diferentes etnias, agora, havia ainda uma grande variedade de estrangeiros recém chegados ao país que de certo modo representavam uma ameaça em função da sua acreditada superioridade racial e intelectual28. Some-se a isso as diferenças regionais num país tão grande territorialmente e o descompasso da modernização, que fazia com que as grandes cidades crescessem aceleradamente, ocasionando alterações na política e na própria vida cotidiana ao mesmo tempo em que no interior e nos sertões do país houve poucas mudanças.29 Era, portanto, um cenário cada vez mais difícil para o encontro de soluções possíveis para o problema de nossa identidade nacional. A partir do estabelecimento da República, a questão da definição da nação se desloca para um olhar maior sobre o povo brasileiro. A partir da década de 1870, buscar-se-ia, portanto, uma representação possível para o homem brasileiro nas produções intelectuais, artísticas e literárias. Nas palavras de Iara Carvalho Souza: A partir da década de 1870, surge então um problema: a nação deve conhecer seu povo, porque o próprio princípio Republicano, que se 27 Ibidem. p. 115. 28 Idem. 29 NEVES, Margarida de Souza. Os cenários da República: O Brasil na virada do século XIX para o XX. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida. (orgs.). O Tempo do Liberalismo excludente: da proclamação da República à Revolução de 1930. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. (O Brasil Republicano, 3). p.15. 21 espraiava pela sociedade, procurava instalar um governo e em nome do 30 povo. Pensar a Identidade e a Nação significava também pensar o povo. A discussão da nacionalidade Brasileira esteve, portanto, presente nos círculos artísticos e intelectuais durante todo o século XIX e ocorreu, sobretudo, na cidade do Rio de Janeiro. A cidade, que era então a capital do país e passava por uma série de reformas que pretendiam transformá-la num cartão postal a ser exibido para os estrangeiros, era também perigosa pela grande presença de uma população formada majoritariamente por negros, mestiços e pobres. Neste processo, os homens de letras tomaram para si a tarefa de contar a cidade, ordenando-a através de suas narrativas.31 A arte, de modo geral, constituía-se num recurso pedagógico empenhado em expor o que o povo era e desvendar o momento histórico em que eles viviam e os homens de letras, assim como Artur Azevedo, dedicaram-se a conhecer a nação e o próprio povo brasileiro, a fim de poder desvendá-los, diagnosticando e projetando um futuro para a nação, que em si mesma, era vista como algo que ainda estava por vir. 2.3 EM BUSCA DE UM TEATRO NACIONAL: Para o teatro, o período de transição entre o século XIX e o século XX foi marcado por muitas expectativas e conflitos, resquícios de uma perspectiva de atraso que perseguiu o teatro brasileiro desde o movimento romântico. Para os autores vinculados ao teatro, produzir peças capazes de falar a respeito do Brasil neste período significou não só atender a uma demanda intelectual de fundo político e justificada pelo presente, mas também retomar questões que ficaram como que mal resolvidas no período romântico. Se na visão da crítica os autores vinculados à literatura foram capazes de escrever algo significativo a respeito da identidade nacional brasileira no período do Romantismo, uma vez que se produziu uma primeira imagem do que seria o brasileiro, o teatro não obteve o mesmo sucesso. Não houve um movimento coeso 30 SOUZA, Iara Lis Stto Carvalho. Sobre o tipo popular – imagens do (s) brasileiro (s) na virada do século. In.: SEIXAS, Jacy, BRESCIANI, Maria Stella e BREPOHL, Marion (orgs). Razão e Paixão na Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002. p. 115. 31 Idem. pp. 116-117. 22 que se pudesse intitular romântico e tampouco que fosse capaz de conciliar a estrutura estética desejável com uma temática de cunho nacional.32 Disso decorre a perspectiva de atraso à qual me referi anteriormente. Permaneceu, portanto, nos debates acerca das representações teatrais a aspiração romântica da busca pela cor local, por um teatro que se mostrasse capaz de falar a respeito do Brasil, mesmo quando o drama romântico já perdia terreno para a escola realista. Efetivamente, no entanto, apenas a comédia de costumes mostrou-se capaz de trazer elementos de brasilidade da forma como desejavam os românticos, mas se tratava de um gênero menor, incapaz de atender às expectativas estéticas da crítica teatral do período. A comédia de costumes pode ser considerada a única tradição teatral genuinamente brasileira.33 Martins Pena influenciou diversos autores e entre eles está Artur Azevedo, que será o principal autor do nosso teatro durante os últimos anos do século XIX e primeiros anos do século XX, período no qual os gêneros vinculados à comédia predominaram no cenário nacional. Este é um momento no qual há um gradativo aumento da presença estrangeira em nossos palcos, e no que concerne ao teatro brasileiro, a preferência do público volta-se para o teatro cômico e musicado. A crítica teatral neste contexto lamentou profundamente este movimento conclamando a necessidade de se formar uma tradição teatral brasileira que estivesse em conformidade com as reconhecidas escolas artísticas européias, ou seja, capaz de nos aproximar da civilização. 34 Aos olhos da crítica teatral da passagem do século, o teatro produziu muito pouco daquilo que dele era esperado. O Brasil não era, portanto apenas um país atrasado com relação aos demais, mas também um país que possuía um teatro atrasado. Neste momento em que era retomada a preocupação com a identidade nacional brasileira, nada mais natural do que exigir uma participação do teatro neste projeto. O desconforto dos críticos não era propriamente com o conteúdo das peças teatrais que então eram produzidas, mas com o gênero cômico. Mesmo dentre os comediógrafos do período, havia a crença de que o termo “arte dramática” 32 FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais: o século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2001. p. 78. 33 PRADO, Décio de Almeida. História Concisa do Teatro Brasileiro: 1570-1908. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003. p.138. 34 FARIA, João Roberto. Op. Cit. pp. 150 -160. 23 designava apenas a alta dramaturgia, compreendida como a tragédia neoclássica, de modo que a comédia e seus congêneres populares estariam automaticamente excluídos dessa definição.35 Mesmo antes do período republicano, a opinião da elite intelectual negou constantemente a existência de um teatro de características populares e no qual a maior parte da população brasileira via expressos seus desejos e vivências e que portanto, estava mais próximo daquilo que se podia compreender como o povo brasileiro, para o qual os autores do período voltavam os olhos em função da necessidade de estabelecer uma definição da nossa identidade. Uma das principais queixas dos críticos teatrais do período era a ausência de público nas produções de dramas nacionais e outra, o excesso de subserviência aos modelos do teatro estrangeiro. Neste sentido, é importante a observação de Bárbara Heliodora: [...] o teatro, é preciso que admitamos, não perdoa: ele reflete o ambiente em que é escrito, quer queiramos, quer não queiramos e não adianta ficarmos “falando mal” do teatro brasileiro da época, dizendo que ele imitava o estrangeiro, quando na realidade era ao próprio Brasil que faltava essa brasilidade: o teatro imitativo não fazia mais do que mostrar a força do 36 colonialismo cultural. Bárbara Heliodora acerta no ponto, pois estamos falando de uma época de busca pela definição do que seria a nação Brasil, ao mesmo tempo em que havia uma certa obsessão pelo progresso, pela superação do atraso em que vivia o país. E esse progresso, viria necessariamente das nações européias e não dos trópicos. Daí a imitação de costumes, a ponto de se cometer alguns absurdos como usar roupas inadequadas para o clima brasileiro unicamente para seguir à moda francesa, como bem descreve Jeffrey Needell, em seu livro Belle Epoque Tropical. Para críticos teatrais do período, no entanto, como a comédia em si mesma não era admitida, havia uma sensação de ausência de peças nacionais nos palcos e de invasão estrangeira. Disto decorre o desabafo de Machado de Assis no seu já citado ensaio Instinto de Nacionalidade. Quando o autor se propõe a escrever sobre o teatro (então visto como parte indissociável da literatura), afirma: 35 BRAGA, Claudia. Em busca da Brasilidade: teatro brasileiro na primeira república. São Paulo: Perspectiva, 2003. p.29. 36 HELIODORA, Bárbara. Algumas reflexões sobre o teatro brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1972. p.7. 24 Esta parte pode reduzir-se a uma linha de reticência. Não há atualmente teatro brasileiro, nenhuma peça nacional se escreve, raríssima peça nacional se representa. As cenas teatrais deste país viveram sempre de traduções, o que não quer dizer que não admitissem alguma obra nacional quando aparecia. Hoje, que o gosto público tocou o último grau da decadência e perversão, nenhuma esperança teria quem se sentisse com 37 vocação para compor obras severas de arte. Na visão do crítico, escritor e ensaísta, o teatro se afastava nesse momento daquilo que se entendia como literatura, aproximando-se cada vez mais do espetáculo. A visão foi compartilhada pelos demais autores da crítica de então a ponto de se imputar àquele momento a pecha de “período de decadência” do teatro brasileiro. Ocorre que, o teatro, para além de atender às expectativas dos intelectuais, precisava agradar também ao público, que tinha expectativas muito distantes das da crítica teatral do período. Artur Azevedo foi reconhecido como o maior representante deste movimento teatral em que prevaleceram gêneros cômicos, tendo se tornado conhecido tanto pela sua extensa produção voltada para o teatro popular, quanto pela escrita de textos de crítica teatral publicados em jornais. Homem de seu tempo, considerava a comédia um gênero menor, mas era um pouco mais complacente e acreditava numa convivência pacífica entre os gêneros que mais agradavam ao público e aqueles que interessavam aos literatos, tanto que se aventurou por ambos os caminhos. 38 Diversas vezes, Artur Azevedo viu-se obrigado a responder às críticas que recebia por sua produção voltada para o teatro popular, explicando o motivo de suas opções estéticas. Para ele, a acusação de ser o principal agente da decadência do teatro nacional por atrair as atenções do público para o gênero cômico parecia injusta, uma vez que ele mesmo sentia-se preocupado com a situação que lhes parecia crítica, mas só acreditava numa solução mediada pelo governo, daí a sua militância a favor da construção do Teatro Municipal do Rio de Janeiro.39 A esperança de que a situação se mostrasse melhor a partir da construção de um 37 ASSIS, Machado de.Op. Cit. 38 NEVES, Larissa Oliveira. As Comédias de Artur Azevedo: em busca da História. 458 p. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. p.41. 39 FARIA, João Roberto. Op. Cit. p.171. 25 novo teatro, ele expressa em sua peça teatral O Mambembe, encenada pela primeira vez em 1904, através da fala de Frazão: Não te entristeças por isso, filha: o nosso teatro, no estado em que presentemente se acha, não deve seduzir ninguém. Espera pelo Teatro 40 Municipal. Ao escrever suas comédias, Artur Azevedo tinha consciência de que produzia peças em um gênero tido como divorciado da literatura, mas acreditava que mesmo neles poderia haver um pouco de arte41, de forma que afirmava em sua defesa: Se o gênero foi deturpado por alguns escritores bisonhos ou ineptos, não me cabe nisso a menor culpa. Em todas quanto escrevi, sozinho ou de colaboração com Moreira Sampaio, Aluísio Azevedo e Lino de Assunção, há – quer queiram quer não queiram – certa preocupação de arte que as separa de algumas baboseiras que sob o nome de revistas de ano se têm 42 exibido em nossos teatros. Outro argumento comumente usado por Artur Azevedo em sua defesa, era o de que não era ele o responsável pela decadência do teatro nacional, mas o próprio público que preferia o gênero cômico. Assim o autor afirmou em 1904 no jornal O País em artigo intitulado Em defesa: [...] todas as vezes que tentei fazer teatro sério, em paga só recebi censuras, ápodos, injustiças e tudo isso a seco; ao passo, que enveredando pela bombachata, não me faltaram nunca elogios, festas, aplausos e proventos. Relevem-me citar esta última fórmula de glória, mas – que diabo! 43 ela é essencial para um pai de família de vive da pena!. A diferença existente entre as expectativas do público, por um lado e dos literatos, por outro, expressa os contrastes existentes no interior da própria sociedade brasileira do período. Pode-se ainda observar o abismo que havia entre o Brasil que se pretendia e aquele que de fato existia naquele momento. 40 AZEVEDO, Artur. O Mambembe: Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através da Virtualbooks.p. 91. Disponível em: http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/o_mambembe.htm. 41 FARIA, João Roberto. Op.Cit. 171. 42 AZEVEDO, Artur. In.: A Notícia, 5 de março de 1896. Transcrito na Revista de Teatro da SBAT, nº 325, jan/fev. de 1962. p. 16. 43 AZEVEDO, Artur. Em Defesa. In.: O País. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1904. Transcrito por FARIA, João Roberto. In.: Idéias Teatrais: o século XIX no Brasil. Op. Cit. p.608. 26 O mais interessante é de observar em Artur Azevedo é que apesar do autor ter assumido um compromisso com seu público antes de tudo, rompendo em certa medida com aquilo que a intelectualidade esperava de um grande autor de teatro naquele momento, jamais deixou de se preocupar com a qualidade do teatro brasileiro. 44 Sua discordância com os demais críticos da época foi apenas com relação ao gênero em si, pois acreditava que o que tornava uma peça inferior não era necessariamente seu gênero, mas o modo como era escrita: E as suas, pelo menos, sempre o foram com cuidado e muito trabalho, tendo em vista agradar não à massa geral do público, mas a um grupo de 45 espectadores ‘que sabem dividir o joio do trigo’. Ainda que aparentemente o autor tenha acreditado na negação da qualidade de suas peças por parte da crítica do período, observamos em suas comédias uma produção tipicamente brasileira. Num momento em que a crítica almejava um teatro com autor e temática brasileira, suas comédias colocam em cena homens humildes e homens letrados, negros, mulatos, caipiras. Os cenários das peças do autor podem trazer a cidade do Rio de Janeiro modernizada que seduz pelas suas belezas, pequenas cidadelas interioranas e suas festas populares, e ainda a periferia e o povo marginalizado. A fala dos personagens é antes de tudo, o português brasileiro e marcado por diferenças regionais, opondo-se assim, à preferência do uso do léxico e da sintaxe lusitanas, presentes nas obras literárias da época. Para além da discussão à qual sua obra foi submetida pela crítica que lhe foi contemporânea, Artur Azevedo interessa-nos neste momento, por se tratar de um homem inscrito em dois mundos, o mundo da elite intelectual e o do povo. Dois mundos estes, que em última instância são um só: o Brasil da virada do século. 44 BRAGA, Claudia. Op. Cit. p. 59. 45 FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 174. 27 3 HUMOR E NARRATIVA NACIONAL “A maioria dos acontecimentos é indizível, realiza-se em um espaço que nunca uma palavra penetrou, e mais indizíveis do que todos os acontecimentos são as obras de arte, existências misteriosas, cuja vida perdura ao lado da nossa que passa”. Reiner Maria Rilke, Cartas a um Jovem poeta. 3.1 OS GÊNEROS CÔMICOS NO BRASIL DA PASSAGEM DO SÉCULO: Ao longo da história do teatro brasileiro, a comédia foi sempre o gênero pelo qual “desfilaram com maior felicidade os tipos característicos desta sociedade brasileira”.46 Permanecendo distanciados das expectativas e por extensão dos limites estreitos definidos pela crítica especializada, os nossos comediógrafos, cada um a seu tempo, fizeram o povo rir através da crítica de costumes, vocação primeira da comédia. Neste sentido, a pesquisadora Claudia Braga explica que o teatro brasileiro, na virada do século, já tinha uma tradição voltada para a produção de peças pertencentes aos gêneros cômicos, o que teria sido um motivo para o conhecimento técnico teatral que possuíam os comediógrafos desse período47. Fundamentalmente, dentre os subgêneros possíveis da comédia, aqueles que se tornaram mais populares no Brasil da passagem do século foram os relacionados ao teatro musicado. Artur Azevedo, que percorreu os gêneros cômicos “de alto a baixo”48, soube encantar o público em espetáculos baseados na alegria e na música ligeira. A comédia de costumes, que se iniciou nos primeiros anos do século XIX e já contava com uma tradição de autores desde as bem sucedidas apresentações de Martins Pena, continuou a chamar a atenção do público e aos poucos, foram surgindo inovações estéticas que possibilitaram uma proximidade ainda maior do público com as representações de caráter cômico. Essas inovações, no entanto, 46 BRAGA, Claudia. Em Busca da Brasilidade: teatro brasileiro na primeira república.São Paulo: Perspectiva, 2003. p.55. 47 Idem. 48 Expressão utilizada por Décio de Almeida Prado, em História Concisa do Teatro Brasileiro, fazendo menção aos diferentes subgêneros cômicos e à hierarquia presente neles. Aqui, utilizamos o termo emprestado, mas destituído do tom pejorativo que adquiriu no texto do referido autor. 28 tornaram-se ainda mais mal vistas pela crítica, pois ocupavam um lugar na hierarquia de gêneros inferior ao da própria comédia de costumes. No final da década de 1850, fora representada na França a peça Orphée aux Enfers, um tipo de peça teatral em que a música ganhava especial destaque, por vezes se sobressaindo ao texto. Era a criação da opereta, gênero em que o enredo cênico se misturava à música e à dança alegre, em que muitas vezes estava presente o famoso cancã. No Brasil, abriu-se espaço para traduções, em que se mantinha a música e algumas coreografias, mas a ação era transferida para o Brasil. O gênero tornou-se extremamente popular e ao mesmo tempo em que as operetas francesas eram encenadas em sua língua original no Alcazar49, as versões brasileiras se multiplicavam. 50 Em 1876, Artur Azevedo teria produzido a sua primeira paródia de opereta, A Filha de Maria Angu, que teve mais de cem representações naquele ano. Após ter alcançado familiaridade com o gênero através das traduções, o autor escreveu operetas originais, com texto e música brasileiros. É o caso de Os Noivos e a Princesa dos Cajueiros, encenada em 1880. 51 Outro gênero de grande sucesso no período foi a mágica, no qual o texto teatral serve como pretexto para uma encenação recheada de surpresas e truques. O enredo em geral era cômico, mas também poderia ser alegórico ou de fundo moralista e as personagens em sua maioria eram fadas, gnomos e outros seres sobrenaturais. Era um tipo de representação em que o texto adquiria um caráter bastante secundário diante do trabalho do maquinista e do cenógrafo, que ganhavam destaque nos anúncios de jornais. Assim compreendem-se as declarações de pesar por parte da crítica ao observarem o crescimento de gêneros em que o texto (e a literatura) cada vez mais era colocado em segundo plano. 52 49 Segundo as explicações de Larissa Oliveira Neves, o Alcazar era uma casa noturna, que sob a alcunha de teatro, trazia à cena cançonetas, danças, comédias ligeiras e, principalmente, a grande novidade, a opereta. As atrizes do Alcazar, freqüentemente eram também prostitutas, o que gerava uma confusão ainda maior e que fez com que as operetas em si fossem encaradas pela crítica como mera diversão, completamente divorciada da literatura. 50 FARIA, João Roberto. Idéias Teatrais: O século XIX no Brasil. São Paulo: Perspectiva, 2001. p.146. 51 Ibidem. p. 147. 52 Ibidem. p. 148-150. 29 A verdade é que o teatro se afastava das ditas pretensões literárias na mesma medida em que se aproximava de um novo público, completamente voltado para o teatro de diversão. Esse tipo de teatro tornou-se um empreendimento comercial muito lucrativo, a ponto de Larissa de Oliveira Neves afirmar que se tratava de uma primeira indústria cultural brasileira, ainda que repleta de altos e baixos para artistas e empresários. A arte teatral tornava-se então, e pela primeira vez, comercializável, o que trouxe como conseqüência a não aceitação dos gêneros ligeiros – a opereta, a mágica, as revistas de ano e as burletas – diante da alegação de que atender ao gosto do público significava “rebaixar a arte dramática a uma simples atividade de compra e venda”. 53 De forma geral, as companhias teatrais de então escolhiam seu repertório de acordo com o tipo de espectador que freqüentavam os teatros e deste modo, também os escritores dividiam-se entre aqueles que escolhiam escrever textos capazes de agradar o “público” e aqueles que se preocupavam em produzir obras consideradas de caráter elevado e que, portanto, atingissem as expectativas da crítica teatral e da elite intelectualizada. Artur Azevedo foi um dos poucos escritores que escreveu para os dois tipos de platéia, como afirma Neves: “Ao escrever uma peça, ele sabia antecipadamente a quem o texto seria destinado; por conta disso, encontramos em sua obra exemplos dos diferentes gêneros teatrais”. 54 Com a proximidade do final do século XIX, foi ocorrendo uma mudança com relação às classes sociais daqueles que freqüentavam o teatro, pois a arte se tornava cada vez mais popular. Segundo dados levantados por Neves, o valor dos ingressos para as “gerais” na década de 1890 era comparável ao preço da passagem de ida e volta de um bonde entre os pontos mais distantes da cidade do Rio de Janeiro. O público, portanto, desses teatros populares provavelmente era formado por trabalhadores especializados, funcionários públicos ou ambulantes, pessoas de baixo poder aquisitivo, mas que poderiam pagar uma entrada no teatro vez ou outra. 55 53 NEVES, Larissa Oliveira. As Comédias de Artur Azevedo: em busca da História. 458 p. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. p. 46. 54 Ibidem.p. 22. 55 Ibidem. pp. 22-23. 30 Se levarmos em consideração que nesse período um grande sucesso teatral atingia cerca de cem representações com casa cheia e que a elite intelectualizada desprezava esse tipo de espetáculo, podemos concluir que a grande maioria das pessoas que tinham condições financeiras mínimas para tanto freqüentava o teatro. Segundo dados levantados por Sylvia Damázio, nessa época, apenas 14% da população sabia ler e escrever, o que significa que a maioria dos espectadores de teatro do período não tinha qualquer instrução formal.56 Se a intenção era atingir o público pobre e analfabeto, era preciso que o texto teatral fosse simples e que a representação chamasse a atenção pelos cenários, pela música e pelos figurinos, pois, nas palavras de Larissa de Oliveira Neves: O ‘público’ compunha-se, em grande parte, de pessoas humildes, trabalhadores especializados, mas não formalmente educados, que buscavam diversão após um dia de labor exaustivo. Desse modo, peças prolixas, recheadas de diálogos espirituosos, com referências literárias ou artísticas eruditas, não obtinham seu agrado. O ‘público’ analfabeto e 57 cansado, dificilmente entenderia as referências eruditas. Essas são as características do público que se voltou para os gêneros cômicos e de entretenimento como a opereta e as mágicas. Na década de 1880, surgiria ainda uma outra novidade vinculada ao teatro ligeiro, eram as Revistas de Ano, que passavam em revista os principais acontecimentos do ano anterior. Tudo aquilo que fora importante ou que tivera repercussão popular era colocado em cena, ganhando um tratamento cômico. O gênero nasceu na França, ainda no século XVIII, no teatro que se fazia nas feiras, mas perdeu espaço para a opereta a partir de 1860. Ainda assim, foi em Paris, onde esteve em 1882 que Artur Azevedo encontrou o modelo a partir do qual escreveria sua primeira revista de ano O Mandarim, que foi um grande sucesso. 58 A exemplo dos demais gêneros cômicos existentes na época, as revistas de ano também incomodaram fortemente a crítica teatral de então. As revistas encontraram forte apelo junto às platéias populares em função da sua “inegável 56 DAMAZIO, Sylvia F., Retrato Social do Rio de Janeiro na Virada do Século. Rio de Janeiro: Ed. UERJ, 1996. p. 123. 57 NEVES, Larissa de Oliveira. Op. Cit. p. 25. 58 FARIA, João Roberto. Op. Cit. pp. 160-161. 31 brasileirice” 59 e foram o carro chefe da produção de Artur Azevedo entre os anos de 1884 e 1906, convertendo-se no gênero teatral mais popular do período. Neste sentido, afirma João Roberto Faria: Com a comicidade da farsa, da caricatura e da linguagem maliciosa; com música brincalhona e alegre, apoiada em versos simples e comunicativos; com cenários vistosos e arranjos cênicos extraordinários que culminavam na apoteose final – um quadro de exaltação de uma personalidade, um sentimento, uma idéia, um evento etc, - a revista de ano tornou-se o gênero 60 mais popular do teatro brasileiro dos últimos decênios do século XIX. Para Flora Süssekind, que estudou em detalhes as revistas de ano escritas por Artur Azevedo, a importância e o sucesso desse gênero na passagem do século decorreu da sua capacidade de sintetizar e ordenar o meio urbano, que num momento de modernização, modificava-se muito rapidamente, causando espanto e desconforto para os habitantes da cidade do Rio de Janeiro. Para a autora, as pessoas viviam uma sensação de perda do controle sobre o ambiente pelo qual circulavam diariamente e as revistas eram modos de se retomar esse controle: A impressão que se tinha ao [...] assistir uma revista de ano era [...] de súbito controle sobre a história e o espaço urbano, condensados nessas miragens tranqüilizadoras da Capital, as revistas [...]. Nelas, é a cidade que, dotada de movimento próprio, revive teatralmente diante do olhar espantado do espectador. E acelerado o tempo, num único espetáculo é um ano inteiro que passa. Assim como, condensada a representação da cidade, é num 61 simples palco italiano que cabem toda a Capital e sua História. Os anos em que Artur Azevedo se dedicou às revistas, paródias de operetas e operetas serviram para que no final do século fossem criadas as burletas, gênero que, como explica Décio de Almeida Prado, é bastante indefinido e que por isso mesmo poderia designar essas peças que consistiam numa mistura da comédia de costumes, da opereta, da revista e da mágica. 62 Para a pesquisadora Larissa de Oliveira Neves, foi nesse gênero que Artur Azevedo demonstrou maior maturidade intelectual e cênica, pois: 59 BRAGA, Claudia. Op. Cit. p. 56. 60 FARIA, João Roberto. Op. Cit. p. 163. 61 SÜSSEKIND, Flora. As Revistas de Ano e a Invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1986. pp. 59-62. 62 PRADO, Décio de Almeida. Op. Cit. p. 148. 32 Nelas, os elementos do teatro musicado integram-se harmoniosamente: os versos fáceis musicados, as fábulas engraçadas e satíricas, as personagens cômicas das operetas, o ritmo acelerado, as mudanças de cenário a cada quadro, as apoteoses, a alusão cômica aos assuntos nacionais das revistas 63 e os cenários deslumbrantes das mágicas. Uma vez que nesse tipo de produção, vinculada ao teatro de entretenimento, Artur Azevedo sentia-se livre para explorar os elementos da cultura popular brasileira, diferentemente do que seria possível através de outros gêneros ou mesmo das comédias “sérias”, foi nele que o autor melhor retratou o homem brasileiro. Além disso, nas burletas o uso da linguagem é feito de uma forma inovadora para os padrões de então. A fala das personagens é o português brasileiro, pois os próprios homens e mulheres brasileiros que o autor desejava retratar, falavam um português muito distante daquele lusitano, de grande prestígio literário. No próximo capítulo, analisaremos as suas três peças pertencentes a esse gênero: O Cordão (1908), peça em que é colocada a questão da repressão aos populares cordões carnavalescos que ocorriam no Rio de Janeiro; A Capital Federal (1897), cujo texto se desenvolve em torno da vinda de uma família do interior de Minas para o Rio de Janeiro, trazendo uma reflexão a respeito das diferenças entre a vida da cidade e a vida no campo; e O Mambembe (1904), na qual o autor discute a situação do próprio teatro de sua época através da história de um grupo de teatro itinerante que apresenta espetáculos no interior do Brasil. 3.2 LITERATURA E HISTÓRIA – PAUSA NECESSÁRIA: Para analisar as três referidas peças, foi necessário realizar algumas reflexões de ordem teórica que orientaram nossa leitura dos textos de Artur Azevedo. O primeiro passo foi estudar autores que investigaram a relação entre História e Literatura, de modo a compreender de que forma o texto do autor se comunica com o seu próprio tempo histórico. História e literatura são essencialmente diferentes. Enquanto a história possui um compromisso com a objetividade, com os fatos e com uma construção verossimilhante do passado, a literatura está inscrita no terreno da subjetividade, da criação e do prazer. Marilene Weinhardt, em seu texto Ficção e História: Retomada de Antigo Diálogo, afirma que já houve um tempo em que um ficcionista poderia ter 63 NEVES, Larissa de Oliveira. Op. Cit. p. 49. 33 invejado um historiador por não compartilhar de sua intimidade com os documentos, para atingir o que se supunha ser a verdade. “A crença na transparência da referencialidade histórica e na neutralidade do discurso dito científico era incontestável, desprezando-se ou fingindo-se ignorar as sombras que turvam essa translucidez”. 64 Por outro lado, o trabalho do ficcionista não poucas vezes pode ter sido o objeto de desejo por parte dos historiadores, pelo seu aparente descompromisso com o mundo por ele criado e isto num momento em que os estudiosos da literatura buscaram elaborar um instrumental que lhes permitissem o acesso à objetividade científica. A relação entre literatura e história, no entanto, não se faz apenas de contradições, pois ambas se materializam por meio do trato com as palavras, através da narrativa. História e narrativa estiveram afastadas durante muito tempo, em função do processo de cientificização da história, que possui importante marco no Iluminismo. Antonio Paulo Benatti explica que a recusa da narrativa na historiografia moderna, esteve ligada a uma “vontade de verdade” na cultura ocidental que visava a transformação da história num saber racional, de caráter científico e, portanto, afastado de qualquer resíduo imaginativo ou fantasioso. No século XIX, a história estabelece-se enquanto disciplina acadêmica e por parte dos historiadores permanece a recusa à narrativa, numa estratégia de vincular o discurso histórico à idéia de veracidade e de relação imediata com o passado. O positivismo, desta forma, investiu no combate às formas literárias de escrita da história, sendo o papel do verdadeiro historiador o de descrever o mundo de forma rigorosa, distante dos ornamentos literários e das afirmações sem provas. Durante o século XX, o afastamento entre História e Narrativa se manteve, ainda que em nome de novos argumentos. A narrativa foi identificada com um relato meramente cronológico dos acontecimentos e em nome de uma ciência histórica estrutural e processual, combateu-se “a ingenuidade epistemológica da história factual”. 65 Sob diferentes formas, esta crítica esteve presente tanto em 64 WEINHARDT, Marilene. Ficção e História: Retomada de antigo diálogo. In: Revista Letras. Nº. 58. Curitiba: Editora UFPR, 2002.p. 106. 65 BENATTI, António Paulo. História, Ciência, Escritura e Política. In.: RAGO, Margareth. GIMENES; Renata A. de Oliveira (orgs). Narrar o Passado, Repensar a História. Campinas: Unicamp, 2000.p. 76. 34 considerações de historiadores marxistas, quanto daqueles relacionados à história dos Annales. O renascimento da narrativa ocorre com a crise dos modelos da ciência. O termo é o utilizado por Lawrence Stone em 1979, com o ensaio O renascimento da narrativa: reflexões sobre a velha nova história, em que o autor detectava na produção historiográfica uma tendência para o retorno da forma narrativa de escrita, face ao esgotamento dos modelos deterministas e monocausais, ao declínio do marxismo e do compromisso ideológico dos intelectuais e mesmo, às preocupações com a ampliação do público leitor e o crescente interesse pela história das mentalidades. 66 As reflexões realizadas a partir de então sobre o conhecimento histórico, seja pela filosofia, pelos estudos literários, ou mesmo pela história intelectual levaram à compreensão de que toda e qualquer forma de história é dependente de procedimentos de composição próprios à narrativa. A respeito destas questões, é interessante a colocação de Paulo Benatti que afirma que nunca houve um abandono da narrativa na prática historiográfica, simplesmente porque este seria impossível, uma vez que a história é um tipo de escrita. O que teria ocorrido, para o autor, seria uma camuflagem, um recalcamento face à necessidade dos historiadores estabelecerem seu trabalho como científico. Hayden White e Dominick La Capra levaram essa discussão às suas últimas conseqüências, estando ambos preocupados em questionar a legitimidade das fronteiras que separam a história da literatura e da filosofia, em enfatizar o papel decisivo da linguagem em nossas descrições e concepções da realidade histórica. Para os autores, a história permanece imersa em paradigmas literários e científicos do século XIX, num momento em que a literatura e a ciência já superaram esta fase. Para Hayden White, a interpretação histórica seria um procedimento distante da ciência que se constrói recorrendo ao recorte inconsciente e consciente do que ocorreu no passado para efetuar uma narração e a historiografia teria, portanto, um “estranho recalque ao elemento literário que lhe seria intrínseco”67. As considerações de White vão no sentido de restringir as diferenças entre história e 66 Ibidem. p. 83. 67 CARDOSO Jr., Hélio Rabello. Tramas de Clio, convivência entre filosofia e História. Curitiba: 2001. p. 22. 35 literatura ao conteúdo ao qual os textos se referem, anulando, assim, a distinção formal entre as narrativas históricas e ficcionais e relegando-lhes ao status comum de construções verbais. As colocações do autor causaram polêmica entre os historiadores, que consideraram que seus argumentos desqualificavam a história ao reduzi-la à narração. As reflexões de La Capra giram em torno da idéia de que a escrita da história impõe um desafio à coerência que as estruturas da narrativa literária e filosófica procuram padronizar. Para o autor, a historiografia permanece presa ao século XIX em função daquilo que ele chama de hegemonia da história social, que seria “caracterizada por uma tendência a ler os textos e documentos de modo unidimensional, sem abrir-se para o pluralismo de vozes que nele se mesclam, desafiando toda pretensão de unidade ou padrão significacional”.68 A proposta de cruzamento entre História e literatura se faz no sentido da crença de que a literatura auxiliaria o historiador a transcender os limites da história social, reconstruindo as categorias históricas tradicionais. Numa outra via de interpretação, encontra-se a idéia de que a narrativa e os fatos se relacionam através de um sujeito de ação que cria uma unidade. E.P. Thompson, historiador de tradição marxista, encara a narrativa como forma adequada de expressão de processos sociais como lutas políticas, cultura popular e vida cotidiana. A volta à narrativa, não representa, no entanto para o historiador, que os procedimentos científicos inerentes ao fazer história sejam descartáveis, pois: O conhecimento histórico é, por sua natureza, (a) provisório e incompleto (mas, não por isso inverídico), (b) seletivo (mas não, por isso, inverídico), (c) limitado e definido pelas perguntas feitas à evidência (e os conceitos que informam essas perguntas), e, portanto, só “verdadeiro” dentro do campo assim definido. Sob esses aspectos, o conhecimento histórico pode se afastar de outros paradigmas de conhecimento, quando submetido à investigação epistemológica. [...] Embora qualquer teoria do processo histórico possa ser proposta, são falsas todas as teorias que não estejam em conformidade com as determinações da evidência. [...] embora o conhecimento histórico deva ficar sempre aquém da confirmação positiva (do tipo adequado à ciência experimental), o falso conhecimento histórico 69 está, em geral, sujeito à desconfirmação. 68 Ibidem. p.23. 69 THOMPSON, Edward Palmer. Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 1987. pp. 49-50. 36 Também Natalie Zemon Davis se inscreve nas discussões acerca das relações entre história e narrativa literária a partir da publicação de O retorno de Martin Guerre, em 1983. No livro, que atingiu grande sucesso editorial por relacionar-se ao filme de mesmo título dirigido por Jean Claude Carrière (cujo roteiro contou com a colaboração da autora) conta a história de Martin Guerre, camponês casado com Bertrande de Rols que após um desentendimento familiar, muda-se para a Espanha deixando a esposa e o filho retornando anos mais tarde. Ocorre que este que retorna e é acolhido pela família, não é o verdadeiro Martin Guerre, mas um impostor, como fica claro ao fim de inúmeras reviravoltas que ocorrem na história. A análise que Davis realiza desses acontecimentos causou polêmica entre os historiadores por se dar através de uma narração de estrutura romanesca e que se permite inventar. A documentação disponível para a investigação do caso era bastante escassa e em busca de reconstruir aqueles acontecimentos, a historiadora recorreu à análise das conjecturas ao mesmo tempo que se permitiu utilizar verbos no condicional, formulando hipóteses a respeito daquilo que poderia ter acontecido. Em resenha desse livro Ana Paula Vosne Martins atestou que Natalie Davis ao escrever este livro “problematizou a relação entre provas e possibilidades, entre invenção e criação, entre verdadeiro e verossímel”.70 Davis recebeu duras críticas em função da forma pela qual optou em escrever o livro e teve que responder às acusações de suas análises não se sustentarem em evidências. A invenção defendida pela autora, no entanto, não é ingênua e estabelece-se como uma armação metodológica para o trabalho da autora e deste modo, o preenchimento das lacunas deixadas pelas fontes se faz num momento em que Davis já possui vasta experiência a respeito da sociedade e da cultura camponesas no século XVI. Para pensar na relação entre a obra de Artur Azevedo e o seu tempo histórico, as idéias que mais nos pareceram pertinentes, foram as elaboradas pelo chamado Novo Historicismo, grupo que dedicou atenção peculiar à relação texto – contexto e que tem em Stephen Greenblatt seu principal representante. O corte texto – contexto histórico é criticado por Greenblatt não no sentido de banir a distinção, mas numa tentativa de explicar que há relações complexas entre o texto e as diversas formas de produção social. História e literatura, para o autor, são forças 70 MARTINS, Ana Paula Vosne. Reflexões sobre a narrativa e pesquisa histórica à luz do livro “O Retorno de Martin Gerre” de Natalie Zemon Davis. Disponível em: http://people.ufpr.br/~andreadore/leiturasdahistoria/programa.html. Acessado em: 11/11/2008. 37 criativas que perpassam todos os domínios da atividade humana. Greenblatt, neste sentido, está interessado na relação entre as realidades referenciais e as escritas tanto da história quanto da literatura. Um texto seria assim, um tecido composto por estes dois fios (história e literatura) entrelaçados. O Novo Historicismo interessa-nos ainda, pelo fato de ter retomado algumas idéias de Herder, filósofo alemão do final do século XVIII, que foram descritas por Isaiah Berlin sob a denominação de expressionismo. Em linhas gerais, trata-se de uma teoria baseada na idéia de que “as atividades humanas em geral, e a arte em particular, expressam a personalidade completa do indivíduo e do grupo social em que foram produzidas”. 71 Isso quer dizer que toda e qualquer obra humana está necessariamente vinculada a seu criador e também a seu povo e assim sendo, através da expressão artística, têm-se o acesso ao modo de pensar de cada grupo social, seus desejos e necessidades. É importante dizer que para Herder, o processo ocorre de forma natural, ainda que não haja a intenção do autor. O Novo Historicismo, por seu turno, busca nos textos a compreensão de significados que aqueles que o produziram nunca pensaram que poderiam ser articulados, pois, nas palavras de Catherine Gallagher e Stephen Greenblatt: “[...] buscamos algo mais, algo que os autores por nós estudados não lograriam capturar por falta de distanciamento de si próprios e de sua época”. 72 Tais idéias relacionam-se muito diretamente com a produção de Artur Azevedo, pois o autor escreveu peças que ele mesmo entendia como distantes das buscas estéticas do período, mas que ainda assim, expressavam através de seu texto algo de genuinamente nacional. Neste ponto, há uma relação possível entre esse ideário e as comédias de Artur Azevedo, pois nelas estão expressos os costumes, as pessoas e o pensamento de seu tempo, ainda que não possamos afirmar que tenha existido alguma intenção do autor em fazê-lo. A partir do expressionismo herderiano, o Novo Historicismo manifesta a idéia de que “as fontes mais profundas da arte” não se encontram na habilidade individual de quem a produz, mas nos recursos íntimos de um povo em determinado tempo e 71 BERLIN, Isaiah. Vico e Herder. Brasília: Editora da UnB, 1982. pp. 139-140. 72 GALLAGHER, Catherine; GREENBLATT, Stephen. A Prática do Novo Historicismo. Bauru: Edusc, 2005. p. 21. 38 lugar.73 Essa afirmação faz menção à polêmica já bastante debatida em torno do conflito existente entre a concepção de textos literários como produções autônomas e a idéia de que o texto é translúcido historicamente, de modo que a arte seria uma confirmação de acontecimentos, um signo cujo significado é direto e facilmente encontrável. A proposta do Novo Historicismo aponta, numa terceira via de interpretação, para as complexas relações entre o texto literário e as demais atividades humanas. Se a natureza da obra literária é essencialmente paradoxal (uma vez que ao mesmo tempo em que ela é signo de uma história, ela é resistência a esta história) é preciso dessacralizá-la, localizando-a no tempo para compreender que a viabilidade da obra não decorre apenas da genialidade de seu autor, mas de condições históricas. É preciso, portanto, ir além da sensação de veneração que a obra nos causa, para compreender o quanto ela é capaz de ressoar o seu momento histórico.A postura de reverência diante da obra de arte é substituída no Novo Historicismo pela sensação de encantamento, que se compreende como o poder que a arte tem de “pregar o espectador em seu lugar, de transmitir um sentimento arrebatador de unicidade, de evocar uma atenção exaltada”.74 A idéia de encantamento, assim como a de ressonância é um conceito-chave para a compreensão da proposta novo historicista. Por ressonância, compreende-se o poder que o objeto tem de conseguir transcender os seus limites formais, evocando “forças culturais complexas e dinâmicas das quais emergiu e das quais pode ser considerado pelo espectador como uma metáfora ou simples sinédoque”.75 Como o Novo Historicismo não está preocupado apenas com o estudo das grandes obras literárias, questões que se referem às hierarquias estéticas não são relevantes. As obras primas artísticas, que já foram estudadas e ovacionadas pela crítica continuam sendo estudadas, mas também interessam outros textos, mesmo aqueles considerados não-literários (como as revistas, operetas e burletas de Artur Azevedo). 76 Pois, existe a preocupação em: 73 HERDER, Johann Gottfried Von. Apud. GALLAGHER, Catherine; GREENBLATT, Stephen. A Prática do Novo Historicismo. Bauru: Edusc, 2005. p.17. 74 GREENBLATT. Stephen. O Novo Historicismo: ressonância e encantamento. In. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, vol.4, n.8, 1991. p. 8. 75 Idem. 76 GALLAGHER, Catherine; GREENBLATT, Stephen. Op. Cit. p. 20. 39 [...] deslocar parcialmente o foco da obra de arte, que é seu objeto formal, para práticas correlatas aduzidas ostensivamente com o fito de iluminar aquela obra. É difícil manter essas práticas num pano de fundo quando se 77 está questionando o próprio conceito de pano de fundo histórico. As idéias Novo Historicistas servem de inspiração a esse trabalho, como que um modo de chamar a nossa atenção para uma leitura das obras de teatro que não se restrinja àquilo que já foi dito pela crítica e pela historiografia literárias; tendo sido de crucial importância para que pensemos a relação entre o texto teatral e o contexto histórico em questão. 3.3 HUMOR E CONSTRUÇÃO IDENTITÁRIA: Outra via de interpretação possível para a obra de Artur Azevedo encontra respaldo nas afirmações de Elias Thomé Saliba relacionadas ao humor, que segundo o autor, participa ativamente do processo de criação da imaginação nacional construindo tipos visuais e verbais e criando estereótipos que confluem para a formação do que se poderia compreender no momento como uma imagem do homem brasileiro. Ora, não é possível falar a respeito de Artur Azevedo sem tocar no problema do humor. Provavelmente se o autor tivesse escrito apenas dramas ou mesmo óperas, não teria sido submetido às críticas exacerbadas que recebeu. Ocorre que em vez disso, escreveu para os gêneros voltados para o entretenimento. Assim como afirma Claudia Braga, o problema que colocava a sua obra em discussão e que o fez ser considerado o culpado pela situação de “decadência da dramaturgia nacional” 78 pela crítica de seu tempo e pela história literária que foi construída a partir de então, não foi propriamente a música, mas principalmente o riso.79 77 GREENBLATT. Stephen. Op. Cit. p. 7. 78 O período em que escreve Artur Azevedo foi designado pela historiografia literária como “período de decadência” do teatro brasileiro. Atualmente, pesquisadores como Flávio Aguiar e Claudia Braga têm se esforçado para repensar essa classificação, localizando-a no seu tempo histórico. Ainda assim, observamos na grande maioria dos textos de autores que trabalham com a história do teatro brasileiro, que o nome de Artur Azevedo aparece freqüentemente ao lado da palavra “decadência”. Um exemplo, é no livro Idéias Teatrais, de João Roberto Faria, que trata do autor numa parte de seu texto que se intitula: “Artur Azevedo e a Decadência do Teatro Brasileiro”. 79 BRAGA, Claudia. Op. Cit. p. 62. 40 O riso era em si mesmo, no período do qual tratamos, um problema para aqueles homens letrados e preocupados com o futuro da dramaturgia nacional. E assim era porque pretendia agradar e estava distante das questões “sérias” da vida, como já dissemos anteriormente, e também porque possuía forte apelo popular. Se civilização e progresso foram grandes lemas da Bella Époque brasileira, compreende-se que os grupos dominantes não mediram esforços para realizar seus objetivos. Ao mesmo tempo que se mostrava necessário reformar a cidade através da modernização e da higienização do Rio de Janeiro, era preciso rever o universo cultural, estimulando a difusão do saber erudito, aproximado do saber e da ciência, afastando-se das crenças e práticas populares, que representavam um mundo que precisava ser suplantado pela modernidade. 80 A presença física dos indivíduos identificados como pertencentes às classes populares era indesejável, assim como as suas manifestações, nas quais estava freqüentemente presente a marca do elemento negro81. Existia, portanto, um panorama fortemente discriminatório especialmente na cidade do Rio de Janeiro, onde atuava a elite intelectual brasileira. Nesse contexto, é natural que os gêneros cômicos ligeiros fossem encarados pela crítica teatral como desprovidos de qualquer utilidade , pois eram produzidos “com o fito único de agradar, e o que é pior, agradar ao [...] tipo de platéia para a qual escrevia Artur Azevedo”.82 O que aos olhos da crítica não parecia de modo algum perdoável na comédia é que ao mesmo tempo que ela serve para construir modelos identitários, ela pode também destruí-los, e no caso, quando da formulação de uma imagem do brasileiro através da comédia não se encontrou aquela imagem desejável pela elite. E isso ocorre tanto pelas características fluídas da própria comicidade, quanto pela tradição teatral da comédia de costumes, então existente no país que, nas palavras de Claudia Braga: [...] se propôs ao longo de sua história tanto ao objetivo de fazer rir, de agradar, quanto ao de corrigir, pela exposição ao ridículo, diferentes ‘desvios de conduta’, peculiares a grupos ou indivíduos que lhe fossem 80 SOIHET, Rachel. A subversão pelo riso: estudos do carnaval carioca da Belle Epoque ao tempo de Vargas. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998. p. 48. 81 Idem. 82 BRAGA, Claudia. Op. Cit. p. 63. 41 contemporâneos. O que não se lhe perdoou, portanto, foi que o ‘espelho’, a ‘imitação’ a que se tivesse proposto fosse da vida e dos costumes das 83 platéias populares, e não do Brasil ideal que se queria inventar. Quando Elias Thomé Saliba discorre acerca da representação humorística, comenta que o humor, não só no teatro, mas também nos jornais, foi tratado no período como artigo ao qual cabia ocupar notas de rodapé, cantos de páginas, de forma quase que marginal, pois o riso em si mesmo implicava uma certa marginalidade. Face à rigidez do modelo proposto, o cômico aparecia como um modo de “dizer o que não convém”. 84 Ocorre que a representação humorística não se define apenas como uma percepção e sentimento de ruptura e de contrariedade, mas também como uma “epifania da emoção” e, assim sendo, é capaz de produzir um discurso alternativo de identidade, elucidando outras possíveis narrativas das nacionalidades.85 Se o próprio sentimento nacional é baseado na idéia de distinção do outro, o humor por característica produz também seus tipos e estereótipos “concisos, sintéticos e rapidamente inteligíveis, mas também cheios de subtendidos, de omissões, de silêncios, de não-ditos”.86 Segundo Saliba, concisão e condensação são características do humor que fazem com que ele seja capaz de participar ativamente do processo de invenção do imaginário social e, portanto, da própria identidade nacional de um país, pois: Para compreender o riso, impõe-se colocá-lo no seu ambiente natural, que é a sociedade; impõe-se sobretudo determinar-lhe a função útil, que é uma função social. Digamo-lo desde já: essa será a idéia diretriz de todas as nossas reflexões. O riso deve corresponder a certas exigências da vida em 87 comum. O riso deve ter significação social. Num momento em que pensar o Brasil, sua identidade e seu povo se mostrava de grande importância para os nossos intelectuais, é compreensível que a representação humorística participasse desse processo, ainda que fosse, para em 83 Idem. 84 Termo usado por Henri Bérgson em seu livro O Riso: ensaio sobre a significação do cômico. Lisboa: Relógio D’Água, 1991. 85 SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso: a representação humorística na história brasileira: da Belle Époque aos primeiros tempos do rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 31. 86 Idem. 87 Ibidem. p. 22. 42 alguns momentos, destruir as expectativas da elite letrada. Como já dissemos anteriormente, esse foi um momento em que nos discursos identitários se procurou olhar para o povo. Ocorre que nesse olhar, descobriu-se um povo que não era necessariamente aquilo que se queria ver e é justamente isso que o cômico, sempre próximo do popular, não poderia e não deixou passar. 43 4 ARTUR AZEVEDO E A IDENTIDADE NACIONAL BRASILEIRA “LAUDELINA — Como o Brasil é belo! Nada lhe falta! FRAZÃO — Só lhe falta um teatro”. Artur Azevedo, O Mambembe. 4.1 ARTUR AZEVEDO: Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo nasceu em São Luís do Maranhão em 7 de julho de 1855, passando mais tarde a assinar apenas Artur Azevedo. Segundo o que nos conta seu mais famoso biógrafo, Raimundo Magalhães Júnior, é filho de David Gonçalves de Azevedo, que fora vice-cônsul de Portugal em São Luís e Emília Amália Pinto de Magalhães. Sua mãe já tinha sido casada anteriormente com um comerciante e o deixou para viver com seu pai com quem teve ao todo cinco filhos (três meninos e duas meninas). Anos mais tarde, o primeiro marido de sua mãe morrera de febre amarela e seus pais puderam finalmente se casar. 88 Desde criança Artur demonstrava inclinação para o teatro, gostando muito de brincar de escrever e adaptar peças que às vezes montava e exibia para seus familiares. Aos nove anos de idade o autor teria escrito sua primeira peça, cujo texto e montagem foram acompanhados por seu pai, que lhe sugeriu uma mudança de título. Aos treze anos, foi colocado para trabalhar no comércio, mas logo fora demitido por se importar mais com o teatro que com as mercadorias. Então seu pai arrumou-lhe um outro emprego na administração provincial, onde ocupou o cargo de amanuense (copista de textos a mão). Trabalhava enquanto escrevia suas primeiras comédias que foram encenadas no teatro de São Luís, mas logo foi novamente demitido por ter escrito e publicado versos satíricos em que alfinetava os sujeitos mais importantes da cidade. 89 Ainda em São Luís participou de um concurso público, concorrendo à vaga de amanuense da Fazenda e, conseguindo a classificação, transferiu-se para o Rio de Janeiro, no ano de 1873. Em pouco tempo passou a trabalhar no ministério da Agricultura, tendo também se dedicado ao magistério, ensinando língua portuguesa. 88 MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Artur Azevedo e sua época. 4ª ed. São Paulo: Livros Irradiantes S. A., 1971. pp. 4-5. 89 Ibidem. pp. 6-14. 44 Foi no jornalismo, no entanto, que fez carreira, tendo atuado nas mais diversas funções. Ao longo de todos os anos em que trabalhou na imprensa, fundou inúmeras publicações e fez parcerias com escritores de relevo, como Machado de Assis, junto com o qual fora colaborador do periódico “A Estação”. 90 Manteve colunas em diferentes jornais para os quais escrevera sobre teatro e outros eventos artísticos. As principais foram: A Palestra, no jornal O País; De Palanque, no Diário de Notícias; e O Teatro no A Notícia. Juntamente com Lopes Cardoso, dirigiu a Revista do Teatro desde 1879. Além das peças teatrais, nas quais atreveu-se a escrever sobre os mais diversos moldes e gêneros, publicou contos, histórias curtas, poesias e crônicas. Iniciou de fato no teatro como tradutor de peças estrangeiras, tendo muitas vezes alterado o sentido das frases dos textos traduzidos para melhor adaptá-las para a realidade brasileira. Nas palavras de Magalhães: Como quase todos os tradutores, Artur Azevedo, foi às vezes, traidor. Se desconfiava do êxito de um texto, numa versão literal, tangenciava, adaptando-o, deformando-o, parodiando-o, imitando-o, a fim de manter-lhe ou realçar-lhe a graça, os efeitos cômicos, a vivacidade, que de outro modo 91 se desvaneceriam. Através de uma viagem à França tomou conhecimento do gênero teatral da revista e uma vez de volta ao Brasil, passou a escrever revistas de ano, inicialmente em conjunto com Moreira Sampaio. As revistas de ano se transformaram num dos gêneros teatrais de maior sucesso e poder de atração de público na virada do século e Artur Azevedo tornou-se ainda mais conhecido por elas. Apesar de ter acreditado na hierarquia de gêneros existente em seu tempo, tornou-se um artista popular, além de crítico admirado pela sua erudição, pois possuía grande talento para o humor direto, para os textos escritos para serem representados e para a paródia. 92 Na Academia Brasileira de Letras, foi o fundador da Cadeira de número 29, cujo patrono é Martins Pena, outro importante comediógrafo do nosso teatro. Durante muitos anos militou em prol da construção do Teatro Municipal do Rio de 90 Ibidem. pp. 18-27. 91 Ibidem. p. 30. 92 NEVES, Larissa Oliveira. As Comédias de Artur Azevedo: em busca da História. 458 p. Tese (Doutorado em Teoria e História Literária) - Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. p. 19. 45 Janeiro, cujas paredes chegou a ver subir, mas não viveu para ver a inauguração. Faleceu no dia 22 de outubro de 1908, de um reumatismo que já o acompanhava desde 1896. Artur Azevedo foi um grande observador dos hábitos e costumes das pessoas que viviam no Rio de Janeiro de sua época. Tudo aquilo que ocorria nas ruas, nas casas, nos bares, nas praças, nos jogos, serviu de tema para as suas peças. No teatro ligeiro a personagem principal ora foi a capital brasileira, envolta em mudanças tão aceleradas quanto o próprio ritmo das peças, ora foi a gente de todas as origens que por ali circulava. O autor aproximou-se do povo afirmando que essa era sua única possibilidade, pois vivia de sua escrita, mas como veremos, não poucas vezes demonstrou uma simpatia pelos hábitos populares que era no mínimo, incomum entre os homens de letras de seu tempo. 4.2 DICOTOMIAS: CAMPO X CIDADE; ELITE X POVO: Se num primeiro momento, como explicamos anteriormente, os discursos acerca da identidade nacional brasileira foram construídos em torno da figura do indígena idealizado, com o alvorecer da república e com a decorrente necessidade de desvendar o povo brasileiro (em certa medida para poder controlá-lo), a nova figura eleita foi o caipira, o caboclo, o sertanejo, diferentes nominações para designar o homem brasileiro que vive no interior. 93 Ao mesmo tempo, nas representações literárias do final do século, surgiu uma vontade de denunciar e de retratar os problemas da sociedade brasileira. Para Roberto Romano, o pensamento literário que surgiu no final do século, de certa forma, recuperava o do período romântico, mas com uma diferença fundamental. Ao retratar as mazelas do país e da população, não se tratava de cultuar o sofrimento das pessoas, mas de um deslocamento por parte dos próprios escritores, que então se transformavam em “cirurgiões”, desejosos de pensar a 93 NAXARA, Márcia Regina Capelari. Estrangeiros em sua própria terra: representações do brasileiro, 1870-1920. São Paulo: Annablume, 1998. p.114. 46 realidade do Brasil para poder identificar os caminhos possíveis para seguir a partir de então, trilhando um novo futuro. 94 No Brasil retratado por Artur Azevedo, nos deparamos com a grande diversidade de classes sociais, de origens, de cor de pele, de modos de falar. Ao que nos parece, diferente da maioria dos demais intelectuais de sua época, Artur Azevedo demonstra uma simpatia por essa diversidade e pela parcela da população que estava excluída do projeto de modernização que estava posto. Para seus críticos, cuja escolha pela comédia popular era condenável por si só, havia ainda o problema da própria diversidade brasileira. Num país que se desejava encaminhar para o progresso, assumir a presença do elemento negro, por exemplo, não era possível nesse período para a cultura ocidental. 95 Tal pensamento excludente levou romancistas e escritores da passagem do século a valorizar em suas obras o urbano, identificado com a civilização. Quando eram feitas comparações entre cidade e campo, o que mais agradava ao público leitor eram as diferenciações que ironizavam o atraso do homem rural. Era ridicularizado seu modo de falar, de vestir, de se portar. O contraponto era realizado pelo homem da cidade, que se vestia bem e falava corretamente, agindo segundo os padrões europeus, ou seja: de forma civilizada. 96 Um leitor desatento de Artur Azevedo pode acreditar que o autor agia em conformidade com essas concepções aqui explicitadas. Percebemos, no entanto, que o autor, talvez por lidar com um público completamente diferente daquele com o qual estavam habituados os romancistas, demonstra em diversos momentos maior simpatia aos costumes populares e ao ambiente rural, a ponto de em A Capital Federal a apoteose final ser dedicada à vida no campo. A Capital Federal pode ser considerada a peça de maior sucesso de público da virada do século, excluindo-se as revistas. Baseada na revista de ano O Tribofe escrita em 1892 e que permaneceu em cartaz por dois meses no Rio de Janeiro, a burleta causou grande burburinho na imprensa, mesmo antes de estrear. Numa época em que peças brasileiras consideradas de qualidade eram escassas, os anúncios atraíram também o público ilustrado, uma vez que o gênero aproximava-se 94 ROMANO SILVA, Roberto. Corpo e Cristal: Marx Romântico. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982. p. 115. 95 NAXARA, Márcia Regina Capelari. Op. Cit. p. 115. 96 Ibidem. pp. 115 – 116. 47 da comédia de costumes. A imagem de Artur Azevedo também já estava consolidada pelos seus escritos em jornais e por suas comédias sérias, o que fez com que nas primeiras representações houvesse um ambiente de encontro social. 97 Como ocorria sempre que Artur Azevedo apresentava uma peça de sucesso que não estava vinculada às revistas de ano, houve especulações nos jornais a respeito de uma possível regeneração do teatro brasileiro. A esses comentários, o autor sempre respondeu de forma negativa, afirmando que o teatro brasileiro nunca poderia ser construído com bases na comédia. A estréia foi em 1897 e rendeu mais de cem representações na primeira temporada. Depois foram realizadas excursões pelo Brasil e em 1902 houve uma representação em Portugal, voltando aos palcos do Rio de Janeiro em 1908. 98 A peça conta a história da família de seu Eusébio, que vem para o Rio de Janeiro em busca de Gouveia, que prometeu casamento a sua filha, Quinota. Moradores do interior de minas, as personagens são ingênuas e acabam caindo em trapaças e artimanhas armadas por alguns moradores desonestos da capital. O ritmo cênico é bastante rápido, de modo que personagens e cenários se revezam no palco em freneticamente. Como Artur Azevedo escreve para o palco, o formato da peça exige uma atenção especial, pois têm influência direta no resultado final. Ao longo da peça surgem pequenas histórias paralelas, que são amarradas apenas nas últimas cenas, tornando o enredo fragmentado, repleto de encontros e desencontros. O tema do caipira na cidade adquire algumas características diferenciadas na narrativa de Artur Azevedo se o compararmos com as imagens produzidas pela literatura de seu tempo. A cidade do Rio de Janeiro é vista através do olhar dessa família interiorana e assume sua identificação com o progresso, com a modernidade. Em diferentes passagens são exaltadas as belezas naturais e as construções da capital federal, através dos passeios que a família realiza na cidade. Ao mesmo tempo, a capital aparece como o espaço do imoral, da malandragem, da desonestidade. É essa segunda imagem que prevalece ao final da peça e que dá sustentação à apoteose à vida rural: Fortunata – Que terra! Eu bem não queria vi no Rio de Janeiro! 97 NEVES, Larissa de Oliveira. Op. Cit. pp. 153-155. 98 Ibidem. p.157. 48 Quinota — Que vida tão diversa da vida da roça! (A Gouveia.) Não ficaremos aqui depois de casados. Gouveia — Por quê? Quinota — A vida fluminense é cheia de sobressaltos para as verdadeiras mães de família! Fortunata — Olhe seu Eusébio, um home de cinqüenta ano, que teve até agora tanto juízo! Arrespirou o á da capitá federá, e perdeu a cabeça! Gouveia — Apanhou o micróbio da pândega! Quinota — Aqui há muita liberdade e pouco escrúpulo... faz-se ostentação 99 do vício... não se respeita ninguém... É uma sociedade mal constituída! Convencidas de que o ambiente da capital federal não é propício para a sua vida familiar, as personagens concluem que é no campo que o país encontraria de fato o progresso: Eusébio — Quem não sabe é como quem não vê. (Alto.) A vida da capitá não se fez para nós... E quem tem isso?... É na roça, é no campo, é no sertão, é na lavoura que está a vida e o progresso da nossa querida Pátria! (Mutação.) Quadro XII (Apoteose à vida rural.) 100 O riso, no texto dramático, é suscitado pela incompatibilidade das personagens com aquele mundo com o qual passam a conviver. O riso surge do estranhamento, dos comportamentos contrastantes. Para o público que assistiu primeiramente a peça, e que vivia na capital federal, as cenas se tornavam cômicas porque os caipiras desconheciam as normas da vida na cidade. Nas palavras de Vladimir Propp: Se todo povo possui suas próprias normas exteriores e interiores de vida, elaboradas no decorrer do desenvolvimento de sua cultura, será cômica a 101 manifestação de tudo aquilo que não corresponde a essas normas. Benvinda, mulata que era empregada da família mineira e vem com eles para o Rio de Janeiro, tenta se tornar uma dama, mas acaba gerando o riso pela sua incapacidade de se adaptar ao ambiente: 99 AZEVEDO, Artur. A Capital Federal. In.: ARAÚJO, Antônio Martins de (org).Teatro de Artur Azevedo. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Artes Cênicas, 1983 - 1995. v. 1. Edição especial para distribuição gratuita pela Internet através da Virtualbooks. Disponível em: http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/a_capital_federal.htm. Acessado em: 11/11/2008. pp. 8283. 100 Ibidem. p. 94. 101 PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo: Editora Ática, 1992. pp. 60-61. 49 Benvinda — Inté logo. Figueiredo — Que inté logo! Até logo é que é! Olha, em vez de inté logo, dize: Au revoir! Tem muita graça de vez em quando uma palavra ou uma expressão francesa. Benvinda — Ó revoá! 102 Figueiredo — Antes isso! [...] Do mesmo modo, Eusébio, que é seduzido por Lola, uma cortesã oportunista, busca um encaixe naquela sociedade, o que não é possível, e então é ridicularizado pelo seu modo de vestir. Observe a legenda que introduz uma das cenas em que estão presentes Lola e Eusébio: “Eusébio, ridiculamente vestido à moda, prepara um enorme cigarro mineiro. Lola, deitada no sofá, lê um jornal e fuma”. Outro fator de comicidade nas cenas que envolvem Lola e Eusébio é o engodo ao qual o mineiro é submetido. Ingênuo, ele se aproxima de Lola para se certificar de que o romance que até então ela mantinha com Gouveia, noivo de sua filha, estava acabado. Espertamente, ela finge-se de desolada e ele a consola, mas acaba seduzido. Ela então passa a pedir presentes e se diz endividada, fazendo com o que o caipira gaste seu dinheiro com ela. As cenas em que os roceiros são enganados se tornam cômicas não apenas para a elite intelectualizada, acostumada a esse tipo de construção narrativa, mas também aos demais espectadores dada a comicidade intrínseca às cenas de engano. Conforme Propp, fazer alguém de bobo, é um dos modos mais usados pelos cômicos para incitar o riso: Analisando as tramas das comédias é possível estabelecer que o fazer alguém de bobo constitui um dos sustentáculos fundamentais. Um trapaceiro profissional é ludibriado por trapaceiros mais espertos do que ele. [...] na mesma situação pode cair um herói positivo ao se ver em meio a 103 pessoas que lhe são opostas por caráter, costumes e convicções. O “herói” positivo, no caso, é Eusébio, vítima dos perigos que cercam a capital federal, juntamente com sua família. Problemas como a falta de habitações, pouca higiene e desonestidade são denunciados por Artur Azevedo ao longo da narrativa. O crescimento da cidade do Rio de Janeiro torna-se um problema diante da ausência de mudanças significativas para a melhoria de vida dos habitantes. 102 AZEVEDO, Artur. A Capital Federal. Op. Cit. p. 36. 103 PROPP, Valdimir. Op. Cit. pp. 100-101. 50 Quando chega na capital, a família de Eusébio procura um lugar para morar, mas são enganados por uma “agência de alugar casas” e acabam locando um lugar em péssimas condições. Os problemas sociais tomam corpo ao longo da narrativa e a cidade aos poucos vai perdendo a atmosfera de encanto com a qual surge no princípio. A população que mais sofre com esses problemas, é a população pobre: Já não se encontra casa decente, Que custe apenas uns cem mil-réis, E os senhorios constantemente O preço aumentam dos aluguéis! Anda o povinho muito inquieto, E tem — pudera! — toda a razão; Não aparece nenhum projeto Que nos arranque desta opressão! Um cidadão neste tempo Não pode andar amarrado... A gente vê-se, e adeusinho: Cada um vai pro seu lado! [...] Das algibeiras some-se o cobre, Como levado por um tufão! Carne de vaca não come o pobre, E qualquer dia não come pão! Fósforos, velas, couve, quiabos, Vinho, aguardente, milho, feijão, Frutas, conservas, cenouras, nabos, 104 Tudo se vende pr’um dinheirão! A cidade retratada, portanto, está longe de ser aquela idealizada, presente em outras manifestações literárias da época105. Em oposição a essa concepção e também como sinal de que era preciso remodelar essa cidade modernizada é que a apoteose que finaliza a peça é dedicada à vida rural. Em Artur Azevedo, elite e cidade não eram vistos necessariamente como elementos próprios de um novo Brasil, da civilização possível. Pelo contrário, também possuíam grandes problemas que eram identificados, em oposição ao pensamento elitista de então. A imagem que a elite intelectual tinha no período do homem do campo, relacionado com o atraso, com a preguiça e com a incapacidade foi generalizada para as populações citadinas pobres. Nas palavras de Márcia Regina Capelari Naxara: 104 AZEVEDO, Artur. A Capital Federal. Op. Cit. p. 76. 105 Sobre as posturas dos demais escritores do período, ver: BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006. 51 Ambos [populações rurais e pobres] eram vistos como evidência do atraso, para quem se preconizavam medidas educativas e disciplinadoras. [...] Existia uma tendência a identificar rural e povo como portadores do atraso e da barbárie, e cidade e elite como elementos portadores dos novos tempos 106 [...]. Foi esse pensamento excludente que justificou a realização das reformas urbanas e as proibições de manifestações populares tais como os cordões carnavalescos, que são tema de O Cordão, peça teatral de Artur Azevedo datada de 1908, ano de sua morte. A peça, bem mais curta que A Capital Federal, foi escrita numa época em que o teatro já concorria com o cinematógrafo e por essa razão, passou-se a encenar várias peças menores num único dia e sob um único ingresso. O texto surgiu de um episódio da revista de ano Comeu!, de 1902 e ficou durante um mês em cartaz, com cenários e figurinos reaproveitados daqueles utilizados na revista107. O texto ao mesmo tempo em que faz uma representação dos excessos dos foliões cariocas da época, realiza uma apologia às tradições populares do carnaval de rua. O namoro entre Florinda e Alfredo e Gastão e Rosa é um pretexto para a exposição dos costumes e dos modos de pensar das classes instruídas e das não instruídas. Na história, Alfredo apaixona-se por Florinda, uma moça humilde que mora na periferia com a irmã e o pai, um participante de um grupo de cordão que gosta de contar vantagens para os amigos sobre uma inventada participação na guerra do Paraguai. O rapaz vai visitar a moça às escondidas de seu pai e leva consigo o amigo Gastão, que acaba se apaixonando por Rosa, irmã de Florinda. As duas moças foram educadas pelo padrinho e vêem com maus olhos os hábitos do pai. Os rapazes, então, decidem assistir o ensaio do grupo de cordão, para avaliar melhor a situação. Chegando lá ficam chocados com as bebedeiras, com a presença de negros capoeiristas e considerando o ambiente imoral para as moças, resolvem levá-las para viver na casa de um amigo, autoridade local, até o dia do casamento. Ao final do texto, casam-se com elas e nas últimas cenas vão ver o carnaval, mas se retiram no momento em que terminam os desfiles da elite. O pai das moças fica para ver o restante e reencontra seu grupo de cordão, juntando-se a eles, num final que coroa o carnaval popular. 106 107 NAXARA, Márcia Regina Capelari. Op. Cit. pp. 116- 117. NEVES, Larissa de Oliveira. Op. Cit. p. 216. 52 Os cordões eram grupos formados por populares que pulavam atrás dos desfiles das ricas sociedades dançando de forma gingada. Eram mal vistos pelas elites pelas bebedeiras e bagunças que acompanhavam o desfile. De certa forma, o carnaval era um momento que unia ricos e pobres durante dias de folia, mas os intelectuais e a população mais rica em geral, consideravam os bailes organizados nas altas sociedades superiores à desordem vista entre os pobres. O interesse da elite de civilizar a nação brasileira passava, portanto, pelo ato de moderar a balbúrdia do teatro dos desfavorecidos. Nas palavras de Nicolau Sevcenko: O carnaval que se deseja é o da versão européia, com arlequins, pierrôs e colombinas de emoções comedidas, daí o vitupério contra os cordões, os batuques, as pastorinhas e as fantasias populares preferidas: de índio e de 108 cobra viva. Neste sentido, os ricos tinham uma visão negativa sobre o carnaval popular, que indicava, sobretudo, o olhar preconceituoso das elites com relação ao próprio povo e qualquer manifestação que o tornasse visível. Ao mesmo tempo, como nos mostra a peça, os pobres carregavam o desejo de se parecerem com as grandes agremiações das sociedades. É o caso do personagem Salustiano, que tenta o tempo inteiro falar de forma culta, não conseguindo e gerando o riso do público e das personagens vinculadas à sociedade. Ele também, apesar de sua condição de pobre e excluído, busca enquadrar-se nos modos de vida civilizados. Assim ele afirma quando os dois jovens falam que desejam conhecer os ensaios do cordão: Salustiano – Vossas senhorias não são do nosso pessoal. Vão encontrar naquela vivenda, certas incoerências fatais... uns em chinelos, outros em trajes menores, vulgo... mangas de camisas... e ouvir palavras pouco 109 amenas e abstratas! Em outra passagem, quando a figura do Conselheiro, que acolhe as moças em sua casa conversa com o pai delas, indicando autoridade, fica bastante clara no texto a postura elitista de condenação dos hábitos populares, tidos como imorais: Conselheiro - Vocemecê não se dá ao respeito. [...] Vocemecê... tem duas filhas, menos mal educadas, não pelo pai, mas pelo padrinho, um general 108 109 SEVCENKO, Nicolau.Literatura como Missão: Tensões Sociais e Criação Cultural na Primeira República. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. P. 47. O Cordão. In.: Revista de Teatro SBAT. Rio de Janeiro, n. 305, caderno 51, set./out.1958. p. 6. 53 de quem vocemecê foi ordenança. Em vez de resguardar suas filhas e afastá-las do mal, vocemecê leva-as a um dêsses antros denominados cordões carnavalescos, em casa de um homem de má vida, onde se 110 reúnem bêbados e desordeiros. Quando as filhas se casam, Remígio afasta-se de seus antigos amigos e passa a viver junto delas e dos genros na alta sociedade. No dia do carnaval, há um reencontro com seus amigos e ele se junta ao cordão, que é visto com simpatia por Artur Azevedo, que retrata a população pobre como espontânea e alegre, ainda que analfabeta e indesejada pelas camadas sociais elevadas. A cena final marca a coroação do carnaval do povo, o “carnaval bem entendido” 111: Remígio – Tirei a sorte grande... mas que vejo! ... o meu ex-cordão! Salustiano – Olhem, é ele! Nosso incomensurável Remígio! Viva o Remígio! (O cordão entra cantando e dançando). Todos – Viva! Entra! Entra! Fecha! (Põem Remígio no centro e dançam todos) 112 Remígio – Não arresisto! Oh, o cordão! O cordão do povo! (dança). Com isso, apesar de durante o texto Artur Azevedo ter retratado as opiniões da elite, ele realiza, da mesma forma que fez na finalização de A Capital Federal, certa oposição ao ideal civilizador, colocando em cena um texto que demonstra um posicionamento avesso ao ideário preconceituoso da elite letrada. Nisto, percebemos a ação do cômico, capaz de construir estereótipos e ao mesmo tempo de os destruir, como quem brinca com as concepções vigentes. 4.3 PERSONAGENS BRASILEIRAS: Num momento em que se buscava falar a respeito do povo brasileiro, Artur Azevedo foi atrás das classes populares, encontrando-as e as contrapondo à elite. 110 Ibidem. p. 13. 111 Ibidem. p. 6. 112 Ibidem. p. 15. 54 Observou as diferenças e colocou em cena a diversidade cultural brasileira, sem jamais se atrever a afirmar que assim contribuía para a formação daquilo que desejavam os literatos. Os brasileiros retratados, diferentes entre si, foram retratados através de tipos que segundo o que afirma Flora Sussekind “apresentam contornos bastante elásticos e ‘universais’” 113 de forma que fosse possível para a platéia reconhecê-los mais facilmente. Esses tipos (o português, o carioca, o sábio, a mulher-fatal, o malandro, o homem da cidade, o homem do interior, a moça ingênua) além de conferir comicidade à obra, contribuem para o desejoso encontro com o povo brasileiro de então. No texto e na encenação as diferenciações entre as personagens são dadas pelas várias formas de se falar. Neste ponto, pode-se dizer que Artur Azevedo colocou em cena o modo de falar do brasileiro, com seus sotaques e palavras “incorretas” características da oralidade, de modo a conferir maior realismo às suas peças. Em O Mambembe, peça que conta a história de uma companhia de teatro itinerante que viaja pelo interior do Brasil realizando seus espetáculos, o encontro de personagens com a fala muito diferente rende algumas cenas muito engraçadas. A peça, encenada pela primeira vez em 1904, não obteve êxito de bilheteria conforme o esperado. O sucesso viria apenas em 1959, depois de uma montagem pela companhia Sociedade Teatro dos Sete e os estudiosos afirmam que a má interpretação teria sido a causadora do insucesso nas primeiras representações. Através das aventuras do grupo, Artur Azevedo retratou festas e costumes característicos de pequenas cidades, como a festa do divino, por exemplo. Na história, que também faz um apelo para a melhora das condições de trabalho no teatro brasileiro, Laudelina, filha adotiva de Dona Rita, participam de um teatrinho de bairro quando a moça é convidada para participar do mambembe pelo empresário honesto Frazão. Entre dificuldades para conseguir patrocínio para realizar a excursão e depois para voltar ao Rio de Janeiro, as personagens vão conduzindo a história que fala dos problemas pelos quais passa uma companhia teatral, dos preconceitos contra os artistas e do amor às artes dramáticas. 113 SUSSEKIND, Flora. As revistas de ano e a invenção do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 95. 55 No diálogo de Eduardo, noivo de Laudelina que se junta à troupe para defender a amada, com um dos carreiros responsáveis pelo transporte da companhia, percebemos o estranhamento das personagens diante da diversidade de modos de falar brasileiros: Bonifácio — Vancê tá assistino aqui? Eduardo — Está o quê? Bonifácio — Pregunto se vancê tá assistino aqui ... sim, se é ospe dela? Eduardo — Hospe dela? Sou. Bonifácio — Nó vê que eu queria falá co ela pro morde a cumpanhia de 114 treato qui tá qui.. ou com seu Frazão... O tipo social e a origem das personagens são dados pelos modos de falar. A própria relação entre as diferentes classes sociais se faz presente pela linguagem. Dessa forma, percebemos que o escritor não se furta da possibilidade de utilizar falares regionais misturando-os com o coloquial padrão, atitude frente à linguagem que segundo afirmações de Larissa de Oliveira Neves é bastante inovadora para o período, uma vez que os escritores (mesmo os de teatro) tinham por hábito o uso da linguagem e da sintaxe lusitanas. Nesse sentido, em A Capital Federal, chama a atenção uma parte em que a personagem Benvinda tenta aprender o francês, que era freqüentemente usado em conversas da alta sociedade carioca. Uma vez aprendido a despedir-se em francês, a mulata passa a repetir as palavras a todo momento, caindo em erros que levam o espectador a pensar sobre o ridículo de se preferir falar o francês ao português no Brasil: Figueiredo — Minhas senhoras e meus senhores, apresento a Vossas Excelências e Senhorias, Dona Fredegonda, que — depois, bem entendido, das damas que se acham aqui presentes — é a estrela mais cintilante do demi-monde carioca! Todos (Inclinando-se.) — Dona Fredegonda! Figueiredo (Baixo a Benvinda.) — Cumprimenta. Benvinda — Ó revoá! Figueiredo (Baixo.) — Não. Au revoir é quando a gente vai-se embora e 115 não quando chega. 114 115 AZEVEDO, Artur. O Mambembe. In.: ARAÚJO, Antônio Martins de (org).Teatro de Artur Azevedo. Rio de Janeiro: Instituto Nacional de Artes Cênicas, 1983 - 1995. v. 1. Edição especial para distribuição gratuita pela Internet, através da Virtualbooks. Disponível em: http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/o_mambembe.htm. Acessado em: 11/11/2008. p. 56. AZEVEDO, Artur. A Capital Federal. Op. Cit. p. 53. 56 Deste modo, o autor defende a língua portuguesa, ridicularizando os francesismos da época. Outra passagem na mesma peça deixa tal crítica ainda mais evidente: O Gerente — Ainda não. Mas com licença: vou mandar chamar o tal Gouveia. (Chamando.) Chasseur. (Entra da direita um menino fardado.) Vá ao quarto nº 135 e diga ao hóspede que está uma senhora no salão à sua espera. (O menino sai a correr pela escada.) Figueiredo — Chasseur! Pois não havia uma palavra em português para... O Gerente — Não havia, não senhor. Chasseur não tem tradução. Figueiredo — Ora essa! Chasseur é... O Gerente — É caçador, mas chasseur de hotel não tem equivalente. O Grande Hotel da Capital Federal é o primeiro no Brasil que se dá ao luxo de 116 ter um chasseur! Ainda em A Capital Federal, percebemos as diferenças do modo de falar dos habitantes do Rio de Janeiro e da família interiorana em praticamente todas as passagens. As personagens que vêm do interior falam omitindo algumas sílabas, trocando letras e usam expressões que lhes são peculiares, tais como “janota”, que indica uma pessoa bem vestida, elegante, no vocabulário típico mineiro: Eusébio —I— Sinhô, eu sou fazendeiro Em São João do Sabará, E venho ao Rio de Janeiro De coisas grave tratá. Ora aqui está! Tarvez leve um ano inteiro Na Capitá Federá! Coro Ora aqui está! etc... Eusébio — II — Apareceu um janota Em São João do Sabará; Pediu a mão de Quinota E vei’ se embora pra cá. Ora aqui está! Hei de achá esse janota Na Capitá Federá! Coro 117 Ora aqui está, etc... Não só os tipos do interior são distinguidos dos demais pela linguagem nas peças de Artur Azevedo, mas também assim são diferenciados elite e povo, como observamos em O Cordão. Ao contrário do núcleo das personagens da sociedade, 116 Ibidem. p. 9. 117 Ibidem. p. 14. 57 que usam a fala formal, dentre os participantes do cordão aparecem os mais diferentes tipos de linguajar. O exemplo mais caricato é o de Salustiano, que tentando falar corretamente, acaba por incorrer em erros vergonhosos tais como: Salustiano: O nosso estandarte. (lendo) – “Grupo Carnavalescos Foliões do Itapirú”. A primeira idéia foi filhos, e não foliões. Filhos do Itapirú... Mas filhos prestava-se à anfibilogia fantástica e preliminar! Ficou Foliões! Que tal 118 acham a pintura? O modo de falar, risível para os que conhecem a língua formal, era admirado pelos companheiros de cordão, como se percebe nesta fala de Emerenciana: Emerenciana: Você é muito bom home, seu Salustiano, é um home 119 inteligente que até fala dificel, mas tem um defeito... Nas falas de Zeca e de Emerenciana, o que observamos é a ausência de uma educação formal, pois como está indicado no texto, nenhum deles freqüentou a escola. Em outro personagem da peça, o negro Cazuza, percebemos a presença de gírias da época, usadas pelos grupos de capoeiristas, como a palavra “sangagú”, que significava “briga”, “confusão”: Cazuza (entra esbaforido, como que perseguido por alguém. Gastão e Alfredo assustam- se). Aqui estou seguro... que sangagú de massadas! 120 Que sangagú onça, seu Salú! Por outro lado, a fala do personagem Conselheiro indica autoridade, através de um linguajar muito culto: Conselheiro: Sente-se. Vocemecê está em presença do Conselheiro Faria, velho funcionário, com quarenta anos de serviço... Conselheiro e Oficial da Rosa pelo Império, e tenente-coronel honorário do exército pela 121 República. A partir desses exemplos, é possível notar que a fala das personagens de Artur Azevedo foi antes de tudo, marcada pelo uso do português brasileiro em suas 118 AZEVEDO, Artur. O Cordão. Op. Cit. pp. 8-9. 119 Ibidem. p. 7. 120 Ibidem. p. 9. 121 Ibidem. p. 13. 58 diversas variantes. Se por um lado o recurso simplifica o texto, tornando-o inteligível para uma camada da população distante da elite letrada, por outro, nisto percebemos a inclinação do autor para a crítica à atitude predominante dos intelectuais de transformar os modos de vida do povo, a fim de aproximá-lo da civilização européia. Para Antonio Martins Araújo: Ao deixar falar no próprio dialeto fazendeiros mineiros, matutos piauienses, negociantes lusitanos do Norte, preto-minas, mulatos citadinos, coronéis baianos, tias velhas analfabetas, Artur Azevedo realiza, no palco, uma síntese que começa a ferir de morte o conservadorismo lingüístico pregado pela gramática novecentista brasileira, que via no literário lusitano o padrão 122 a seguir. Através do modo como Artur Azevedo utiliza a linguagem, pudemos obter indicações mais precisas do modo como ele viu o ato de retratar o povo brasileiro. Aproximando-se das classes populares, que foram suas personagens e seu público, o autor deu voz a um português brasileiro, carregado de diferenças como o próprio povo que constituía essa nação que se queria criar e tornar, de alguma forma: brasileira. 122 ARAÚJO, Antônio Martins, Artur Azevedo: a palavra e o riso. Rio de Janeiro: Editora Perspectiva, 1988. p. 146. 59 5 CONCLUSÃO O século XIX foi marcado por uma busca quase que compulsiva pelo encontro de uma identidade nacional brasileira, problema de solução difícil num país marcado por tantos contrastes e que, além disso, carregava a chaga de ser mestiço numa época em que se acreditava em ideais de pureza racial. A cultura dos homens letrados brasileiros identificava-se com o pensamento europeu e mais do que isso, desejava transforma o próprio Brasil num país europeu, ou ao menos, civilizado como os países pertencentes àquele continente. Para o teatro, o braço mais popular da literatura e que por isso mesmo deveria exercer uma função pedagógica com relação ao povo, pensar o Brasil e seu povo seguindo os moldes estéticos consagrados na Europa, se transformou num problema ainda maior, pois o teatro para funcionar precisava de um público. E esse público, formado na sua grande maioria por analfabetos, cansados de jornadas de trabalho árduo, não estava nem um pouco interessado nas aspirações da crítica, tampouco desejava civilizar-se à maneira européia. O que o público queria era se e para isso é que pagava ingresso. Apesar das lamentações da crítica teatral, o teatro que fez sucesso na passagem do século foi aquele voltado para a diversão, para o riso, para a distração e não para as aspirações literárias. Artur Azevedo, afirmando que precisava viver de seu teatro, comprou a proposta de escrever para o povo e não apenas para os literatos. Nisto, o autor deu voz ao povo, convertendo-o não apenas em público, mas também em personagem. Num momento em que a crítica reclamava a existência de um autor brasileiro que escrevesse peças com temática e público nacionais, ali estava Artur Azevedo, traduzindo em seu texto as ambigüidades brasileiras através das mais distintas personagens. Aos olhos de hoje, poderíamos dizer que Artur Azevedo apontou soluções para o problema da época, encontrando o Brasil e o homem Brasileiro. Ocorre que naquele momento, olhar para essa produção com mais atenção não foi possível em decorrência dos preconceitos estéticos que cercavam a comédia e também por causa do preconceito existente contra o próprio povo que Artur Azevedo retratava. 60 O Brasil encontrado nas classes populares foi visto de forma positiva por Artur Azevedo, mas nunca o seria pela elite intelectual brasileira. Tanto que as demais narrativas a respeito do homem brasileiro produzidas na época identificaram o caipira à figura do preguiçoso, do incapaz. Foi essa a visão que perpetuou e que foi tida como verdade durante parte do século XX, criando o mito do Jeca Tatu. E assim, as qualidades de alegria, de espontaneidade e de honestidade que Artur Azevedo viu nas classes populares, não foram lembradas por muito tempo, desaparecendo à medida que suas peças foram deixando de ser encenadas e aplaudidas por esse mesmo povo: brasileiro. 61 6 FONTES ASSIS, Machado de. Obra Completa. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1994. Disponível em: http://www.cce.ufsc.br/~nupill/literatura/BT4522147.html#[4]%20NOT%CDCIA%20D A%20ATUAL%20LITERATURA%20BRASILEIRA. Acessado em: 11/11/2008. AZEVEDO, Artur. In.: A Notícia, 5 de março de 1896. Transcrito na Revista de Teatro da SBAT, nº 325, jan/fev. de 1962. ____________. Em Defesa. In.: O País. Rio de Janeiro, 16 de maio de 1904. Transcrito por FARIA, João Roberto. 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Campinas: Primavera, 1991. 68 9 APÊNDICES: APÊNDICE 1: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS DE “A CAPITAL FEDERAL”..........................................................69 APÊNDICE 2: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS DE “O MAMBEMBE”......................................................................69 APÊNDICE 3: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DOS NÚCLEOS AOS QUAIS PERTENCEM AS PERSONAGENS DE “O CORDÃO”............................................71 APÊNDICE 4: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS DE “O CORDÃO “.............................................................................................................71 69 APÊNDICE 1: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS DE “A CAPITAL FEDERAL”. PERSONAGEM DESCRIÇÃO LINGUAJAR Lola Cortesã espanhola que finge estar apaixonada para obter vantagens financeiras dos homens que seduz. Malandro carioca, admirador de mulatas que ele lança à vida mundana no Rio. Amante de Lola, viciado em jogo que deixou na roça uma noiva pela qual ainda tem sentimentos. Pai de família que resolve vir ao Rio de Janeiro em busca do noivo da filha. Esposa de Eusébio. Formal Figueiredo Gouveia Eusébio Fortunata Quinota Juquinha Benvinda Filha de Eusébio e de Fortunata, que procura o noivo Gouveia, pelo qual se apaixonara. Filho de Eusébio e de Fortunata. Mulata, empregada da família mineira. Formal Formal Informal, com a presença de expressões características do linguajar do interior de Minas Gerais da época. Informal, com sotaque mineiro. Ao longo da peça tenta aprender a falar francês sem sucesso, o que gera situações bastante risíveis. QUADRO 1- CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS: “A CAPITAL FEDERAL” (1897) FONTE: A autora (2008). APÊNDICE 2: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS DE “O MAMBEMBE”. PERSONAGEM DESCRIÇÃO LINGUAJAR Eduardo Jovem ator de teatrinhos de bairro, apaixonado por Laudelina. Quando atua, faz papeis de galã e também é o galã da peça O Mambeme. Madrinha de Laudelina, que se mostra bastante preocupada com a inclinação para o teatro da moça. Deseja que ela se case com Eduardo, mas quando ela se envolve com a companhia de Frazão, decide acompanhá-la na viagem. Nas peças, representa as personagens femininas caricatas e em O Mambembe também tem essa característica. As personagens que participam da companhia falam de forma mais próxima ao português formal da época, pois são todas letradas. Os estranhamentos vinculados à linguagem ocorrem quando há o encontro dessas personagens com homens do interior e de classes sociais distintas. Dona Rita 70 PERSONAGEM DESCRIÇÃO LINGUAJAR Frazão Empresário honesto que vê grande talento em Laudelina e a convida para participar de sua companhia. Ao longo da história passa por diversos problemas e precisa demonstrar sua idoneidade com freqüência por causa do preconceito da época com a classe artística. Jovem apaixonada pelas artes dramáticas que se torna a primeira dama da companhia de Frazão. É a mocinha, a ingênua nos papéis que representa e também na peça de Artur Azevedo. Cômico do grupo teatral mambembe, que faz todos rirem nos palcos, mas é depressivo na vida real. O contraste entre as características da personagem faz com que seja um dos mais engraçados da peça. Homem vaidoso, autoritário e libertino que persegue Laudelina. O nome da personagem faz alusão a um tipo da Commedia dell’Arte, transformado pelas farsas portuguesas quando passou a denotar a figura do velho safado. Sapateiro e maestro de uma banda da cidade de Tocos. Carregador que deseja cobrar o uso dos carros. As personagens que participam da companhia falam de forma mais próxima ao português formal da época, pois são todas letradas. Os estranhamentos vinculados à linguagem ocorrem quando há o encontro dessas personagens com homens do interior e de classes sociais distintas. Laudelina Vieira Pantaleão Carrapatini Bonifácio Madama Chico Inácio A fala indica educação formal, mas contém algumas palavras que fazem referência ao linguajar interiorano. Sotaque italiano indicado no texto. Fala extremamente popular, com omissões de sílabas e vocabulário bastante restrito. Uso freqüente de expressões como “nhô” (senhor), “vancê” (você). Antiga atriz que deixou o teatro no Rio de Janeiro Presença de algumas para se casar com Chico Inácio. expressões em francês, adquiridas nos espetáculos que interpretava na capital. Homem rico e influente da cidade de Pito Aceso, Formal. que depois descobre ser o pai de Laudelina. QUADRO 2- CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS: “O MAMBEMBE” (1904) FONTE: A autora (2008). 71 APÊNDICE 3: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DOS NÚCLEOS AOS QUAIS PERTENCEM AS PERSONAGENS DE “O CORDÃO”. NUCLEO DA SOCIEDADE NÚCLEO DO CORDÃO DESCRIÇÃO PERSONAGENS PERTENCENTES Personagens com educação formal que repudiam o modo de vida dos habitantes da periferia. Pobres e analfabetos, pertencentes à periferia social urbana e por isso, indesejáveis pela sociedade. Por outro lado, são também alegres e espontâneos. Gastão, Alfredo, Florinda, Rosa e Conselheiro. Remígio, Salustiano, Emerenciana, Zeca, Cazuza, Gaudêncio. QUADRO 3 - CARACTERIZAÇÃO DOS NÚCLEOS DAS PERSONAGENS: “O CORDÃO” (1908) FONTE: A autora (2008) APÊNDICE 4: QUADRO COM A CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS DE “O CORDÃO”: PERSONAGEM DESCRIÇÃO LINGUAJAR Alfredo Jovem empregado de uma repartição que se apaixona por Florinda. Jovem, amigo de Alfredo, que o acompanha em visita a Florinda e acaba se apaixonando por sua irmã, Rosa. Moça honesta pobre, mas educada por um padrinho. Deseja sair da casa do pai, pois considera inadequado que ele leve ela e a sua irmã aos ensaios de um cordão. Apaixonada por Alfredo. Irmã de Florinda, educada como ela e que compactua com suas concepções a respeito do lugar onde vivem com o pai. Apaixona-se por Gastão. Pai de Rosa e Florinda. Participa do cordão e costuma inventar histórias sobre sua participação na Guerra do Paraguai, para contar vantagens aos amigos. Presidente do cordão Grupo carnavalesco foliões de Itapirú. Tem problemas com bebida e já foi preso algumas vezes por esse motivo. Formal Gastão Florinda Rosa Remígio Salustiano Formal Formal Formal Simples, mas destituída de vícios ou sotaque. Busca falar de forma culta, mas incorrendo em erros grotescos. Por esse motivo é ridicularizado pelos integrantes do núcleo da sociedade, mas aplaudido pelo núcleo do cordão. 72 PERSONAGEM DESCRIÇÃO LINGUAJAR Emerenciana Esposa de Salustiano e dona de casa. Zeca Filho de Salustiano e Emerenciana. Tem treze anos e nunca foi à escola, pois não tem roupas e sapatos para isso. Negro capoeirista que se envolve em confusão por exibir suas habilidades publicamente (o que era proibido). Maestro do cordão, que não toca sem beber. Figura de autoridade, que recebe as moças em sua casa, onde elas ficam até o casamento. Demonstra em sua fala a ausência de educação formal. Omissão de letras em algumas palavras indicando problemas com concordância nominal e verbal. Demonstra em sua fala a ausência de educação formal. Omissão de letras em algumas palavras indicando problemas com concordância nominal e verbal. Fala popular com algumas palavras características do dialeto dos capoeiristas da época. Sotaque português. Cazuza Gaudêncio Conselheiro Altamente formal. QUADRO 4- CARACTERIZAÇÃO DAS PRINCIPAIS PERSONAGENS: “O CORDÃO” (1908) FONTE: A autora (2008).