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HISTÓRIA COMPARADA DA EDUCAÇÃO: UM DEBATE CONTEMPORÂNEO.
Dimas Santana Souza Neves
Universidade do Estado de Mato Grosso
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
A história comparada da educação tem comparecido nos debates contemporâneos da
historiografia brasileira, fruto dos desafios postos pelo tempo presente, marcado pela tentativa
de se internacionalizar determinados padrões educativos e escolares. Enfrentar essas questões
têm feito com que algumas reflexões a respeito da educação comparada tenha emergido, por
exemplo, nos congressos da Sociedade Brasileira de História da Educação. Um outro fator que
tem provocado este debate está associado à própria organização dos Congressos Lusobrasileiros e das equipes de pesquisa bilaterais que vem florescendo nos últimos anos, reunindo
pesquisadores brasileiros e portugueses. No nível europeu, algumas reflexões na linha de uma
história da educação comparada podem ser atestadas na recente coletânea organizada por
Antonio Nóvoa e Jürgen Schriewer (2000). O avanço da pesquisa histórica no Brasil também
tem recolocado a necessidade de se pensar comparativamente o acontecimento da escolarização
em diferentes espaços. Considerando esse quadro, este trabalho se constitui em uma
investigação que analisa duas produções importantes para a se compreender como o debate
acerca da comparação foi forjado e disseminado no Brasil. Uma obra é a História Comparada
de Nicholas Hans e outra a do Professor Lourenço Filho, intitulada Educação Comparada,
Testes ABC. Esses dois livros circularam no Brasil na segunda metade do XX apresentam
objetivos comuns que iam do exercício do método de investigação, conceituação da disciplina e
interdisciplinaridade, chegando às novas tentativas de fortalecimento das nacionalidades.
Todavia, esses escritos também possuem especificidades que possibilitam interrogar os modelos
de educação comparada que procuram legitimar. O professor Hans mostra preocupações com
configurações existentes no pós-guerra, das formações de Estados às responsabilidades de novas
políticas públicas por parte desses entes e as relações com os sujeitos, e, destes entre si. Afirma,
inicialmente, o entendimento de educação comparada e possibilidades da estatística, psicologia
e história. Opera analiticamente os fatores raciais, lingüísticos, geográficos e econômicos, tais
quais os religiosos determinantes e as tradições das crenças da Europa e que influenciam
processos educativos e formas de institucionalização. Sem esquecer o pensamento laico presente
nos significados de humanismo, socialismo, nacionalismo, analisa relações entre democracia e
educação que contribuem para operacionalização de processos educativos no âmbito da
formação tanto dos sujeitos, quanto dos Estados e composições representativas. Na seqüência, o
autor compara quatro democracias: Da Inglaterra, Estados Unidos, França e União Soviética. O
livro publicado pela Companhia Editora Nacional em 1961 para o Brasil – baseado na 2ª edição
inglesa de 1951 –, traz apêndice a respeito da educação na América Latina, recobrindo a
experiência da América Espanhola e um apêndice produzido por Anísio Teixeira a respeito do
Brasil. O livro do professor Lourenço Filho, editado pela Melhoramentos, em 1961, constituí
obra singular para compreender partes da educação no pós-guerra. O autor enfatiza a
compreensão do que denomina de fundamentos da educação comparada: conceito, método e
tendências. Em seguida, opta por trazer “súmulas descritivas” da constituição de sistemas de
ensino de dez países, apontando diferenças e semelhanças constitutivas. Na parte final da obra,
opta por uma leitura dos programas de ensino primário na América Latina, compreendendo 19
países e estudos acerca da educação rural no México. Aplica o método comparativo na análise
dessas organizações e seus processos de constituição da escolarização. O exame dessas duas
obras permite concluir que a disseminação da educação comparada auxiliou a pensar a educação
como fator histórico, geográfico, cultural, social, político, psicológico e sociológico, auxiliando
a alargar conceitos e métodos especializados da história e da sociologia. Tal perspectiva
pretende assinalar a dimensão transnacional do fenômeno educativo, embora, em alguns casos,
tenha se prestado a atestar o “progresso” de uns e o “atraso” de outros, o que pode ser
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compreendido como outra face de um projeto civilizatório. No entanto, esses referenciais
também podem contribuir para a analítica dos micros poderes, bem como de investigações e
interpretações das formas culturais assumidas em cada período, no interior de cada Estado. Tal
dimensão da comparação pode recobrir desde as legislações às formas de normalização desses
procedimentos, isto é, análise de discursos e atividades existentes no nível das práticas. Nesse
sentido, a comparação pode permitir conhecer tanto os dispositivos de normalização acionados
pelo Estado e seus dirigentes como fazer avançar para se perceber o uso, isto é, os poderes
exercidos pelos homens ordinários frente aos projetos de modelação. Discutir o projeto de
comparação contido nestas duas obras seminais nos parece ser uma condição para se pensar a
tradição da comparação, de modo a criar condições para a realização de uma história efetiva das
formas educativas e escolares desenvolvidas nacional e transnacionalmente.
TRABALHO COMPLETO
Este tipo de investigaciones ofrece nuevas soluciones al
problema de la vinculación enunciado al comienzo deste
escrito. Esta oferta se caracteriza por la apertura de su campo
temático al formular patrones de correspondencias entre
sistemas de alteraciones transculturales y configuraciones
sociohistóricas. (SCHRIEWER, 2000, p. 15)
A presente comunicação se constitui de uma reflexão a respeito de duas produções
intelectuais importantes nos estudos da educação comparada que fora apropriada e disseminada
no Brasil. O interesse e importância em analisar esses livros surgiram diante da leitura de outros
documentos e as constantes citações dessas obras destacando a importância histórica, cultural e
intelectual das produções: a Educação Comparada do pesquisador inglês Nicholas Hans e os
escritos do Professor brasileiro Lourenço Filho, intitulada Educação Comparada, Testes ABC.
Escritos no pós-guerra, as obras demonstram as preocupações constantes daquele
período, em particular o segundo momento belicoso mundial, quando instituições colocaram em
ação mecanismos de superação dos modelos proclamados. Assim, pensa-se que o momento da
escrita e da divulgação destes livros é um dos mais frutíferos na produção da educação
comparada, a partir de estímulos de órgãos e organismos internacionais seja vinculado a OEA e
ONU como a UNESCO visando dar suportes à produção de políticas públicas.
Ao tomarmos a análise das obras escritas podemos perceber manifestações dessas
influências do período. O livro de Hans nomeado em português de Educação Comparada do
conjunto Atualidades Pedagógicas, volume 79, cuja coleção ficou sob direção de J. B. Damasco
Pena sendo editado em São Paulo pela Companhia Editora Nacional em 1961, mais de 12 anos
após segunda guerra.
A segunda obra aqui analisada constituí-se, sem exageros, mas por necessidade de
reconhecimento, por uma produção de um dos mais conhecidos e importantes intelectuais do
Brasil. Esta leitura de Manoel Bergstron Lourenço Filho centra-se em partes do seu livro
Educação Comparada e Testes ABC. Publicado pela Editora Melhoramentos, constitui-se em
obra singular para compreender políticas de educação organizadas pelas nações na segunda
metade do século XX. O livro é fruto de uma composição a obra é V volume da Coleção de
Obras Completas desse autor, produzida em 1961.
Neste entendimento, a obra de Lourenço Filho é um referencial teórico importante para
os estudos da educação comparada, em qualquer viés interpretativo que se optar. A dimensão
desses escritos pode ser vista nos seus primeiros capítulos quando o autor não se mostra neutro
e, ao contrário, atualizado para o seu tempo, tomou uma compreensão mais vinculada a
psicologia, discorrendo sobre os mais significativos e publicados pensadores da educação
comparada do período e tomando as construções identificadas com seu pensamento e campo de
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raciocínio, reflexão e escrita. Aplica seu aprendizado e seus ensinamentos, em uma análise
significativa semelhante ao que fez o professor Hans. Intelectual que neste entendimento
influenciou positivamente Lourenço Filho como denota esta reflexão:
A tarefa é assustadora e só pode ser levada a cabo satisfatoriamente mediante o trabalho
conjunto das instituições educacionais internacionais e de todos os que, nos diversos paises, se
dedicam ao estudo dos problemas da educação. o primeiro passo consiste em estudar
separadamente cada sistema educacional nacional na sua perspectiva histórica e em estreita
conexão com o desenvolvimento do caráter e da cultura nacionais. [...]. O segundo passo seria
coligir dados a respeito dos sistemas educacionais vigentes nos diversos paises. Esse trabalho
inclui o levantamento de estatísticas que se refiram a todos os aspectos da administração e
organização escolar, a testes de inteligência e de realização. (HANS, 1961, p.10-11).
Este foi um aprendizado que foi levado a sério e de forma prática pelo autor brasileiro,
haja vista identificação de Lourenço Filho com os organismos da ONU e OEA, em particular,
com a UNESCO. Sua obra, já no título indica o percurso teórico que fará ao informar sobre a
Educação Comparada e Testes ABC como pensava Hans, de forma explicita na segunda parte
desse fragmento. Uma assimilação que ia da maneira de se realizar o percurso metodológico ao
modo especial de cada um de trabalhar no referencial teórico baseado na sociologia, psicologia
e história da educação.
A publicação dessas obras no Brasil, nesse período, tem a ver com o a história vivida
pela sociedade. Momento de efervescência intelectual com ênfase na construção científica,
marcadamente a Psicologia na educação (ASSUNÇÃO, 2004, p. 117). Também fase de
abandono do modelo político getulista, debate das idéias racionalistas em confronto com
pensamento clientelista disseminado na época, conforme (HILSDORF, 2003, pgs. 89-116).
Tempo em que intelectuais cientistas pelo mundo vão se firmando na construção teórica da
educação, reforçando o pensamento produzido ao final do século XIX a partir do ideário dos
defensores e divulgadores da escola nova. (HILSDORF, 2005, pgs. 115-138).
Assim, essas obras têm objetivo de ser referencial acadêmico, uma teoria, um suporte ao
pensamento intelectual investigativo e, ao mesmo tempo, uma base científica para as políticas
sociais, em particular educacionais, nas reformas dos modelos de escolarização. Dessa forma,
pode-se dizer que tanto o pensamento de Hans quanto de Lourenço Filho na escrita e divulgação
de suas respectivas obras tem uma intencionalidade de reforçar o campo disciplinar da educação
comparada e, concomitantemente, trazer referências racionalistas para os estudos educacionais,
auxiliando a fazer o lento aparecimento da história comparada como diz Haupt (1998). Ainda
auxiliaram a reforçar a posição da existência da ciência da educação, a Pedagogia, trazendo o
ideário e apresentação da possibilidade cientifica1 do conhecimento escolar. Este pensador
contemporâneo da educação comparada nos dá a dimensão desses trabalhos que apareceram:
Estas ciencias fueron resultado al mismo tiempo componente dinamizador de un proceso
histórico de reestructuración de la ciencia que la investigación reciente ha caracterizado como el
“origen del sistema moderno de las disciplinas científicas” […] En lugar de la jerarquía
estratificada de las únicas formas “matemáticas”, “filosóficas” e “históricas” del conocimiento
del mundo emergió un espectro esencialmente abierto de disciplinas científicas ordenadas
horizontalmente y, en principio, de igual rango. Contrariamente a las concepciones de la
modernidad temprana, estas nuevas disciplinas constituían justamente alrededor de recortes
específicos de la realidad y – con el paso de su progresiva diferenciación – de perspectivas
conceptuales. Además, estas disciplinas permitían recombinar en su seno diversos enfoques
metodológicos. (SCHRIEWER, 2000, p. 07).
Por suas perspectivas que vai delineando ao longo do processo histórico, os estudos
comparados devem ser compreendidos pela importância que se desvincula de uma visão
exclusivista de descrição e extrapola para uma visão multifacetada dos problemas, por uma
analise multidisciplinar dos objetos, temas e objetivos dos processos educativos. O que faz
aceitar a educação comparada como um respeitável referencial investigativo.
1
Uma afirmação de um pensador no inicio do século XIX (JULLIEN APUD HANS, 1961, p.
3) indicava essa preocupação, e que se renovava no reaparecimento dos estudos da educação
comparada no Brasil.
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As idéias de educação comparada comparecem no pensamento desses dois intelectuais a
partir de noções históricas e de afirmação desse referencial, conferindo ênfase em áreas afins.
Hans opta por retomar o pensamento naquilo que denomina de “origens”, desde o inicio do
século XIX às formulações de Jullien, indo ao mais contemporâneo que era Kendel, partindo de
estudo “analítico” da educação e seus respectivos modelos de organização e administração
existentes nos países. A finalidade precípua desse trabalho era aperfeiçoar os sistemas nacionais,
o que deveria se fazer levando em consideração eventuais modificações que circunstâncias e
condições locais exigissem. Para Hans (1961, p. 4) “Históricamente, os estudos de Educação
Comparada não foram comparativos no inicio, porque se limitavam a oferecer descrições e
informações a respeito da educação dos paises estrangeiros”. No entanto, o campo disciplinar
não comparece inicialmente em uma preocupação histórica, mas com as situações nos seus
momentos de construções de políticas e fortalecimento da visibilidade dos Estados Nacionais,
conhecimentos esses mais próximos da sociologia. Evidentemente surgiram outras vertentes
teóricas, algumas delas seguiam na direção de pensar a partir da filosofia, sociologia, história,
antropologia, biologia, dentre outras. Enfim, tentativas de criar condições pragmáticas para a
afirmação da comparação na produção científica como meio para subsidiar políticas nacionais.
Na educação comparada, sobressaíram pensamentos em filosofia, sociologia e história nos
argumentos desses educadores.
Para Hans (1961) o estudo com a educação comparada foi possível após afirmação da
concepção de “estado nacional” e compreensão das diferenças de valores existentes nas mais
diversas constituições sociais, culturais, geográficas e aparelhamento normativo. Por isso,
compreender as bases dos sistemas nacionais foi a preocupação central do autor para afirmar o
caráter científico dessa ciência.
Ambos tentam fazer compreender as nações, ideários, processos constitutivos, aspectos
dominantes do modelo social e educativo, influências que sofriam os sistemas, as heranças
culturais e as possibilidades de transformações. O professor inglês descreve reflexões em torno
dos fatores que determinam a forma constitutiva de nação, interligando com as questões da
unidade de raça, de religião, de língua, de território e de soberania política. Desse modo,
mostrou como são esses fatores e porque são importantes na definição dos sistemas de educação
nacional. Compreende-se então que a preocupação básica era fazer explicar aspectos do
nacionalismo e formação da nacionalidade, isto é, a maneira da existência de uma constituição
social. Por isso, a constituição do “caráter nacional”2 foi o tema mais desenvolvido pelo escritor
mostrando a importância para a educação comparada: forma constitutiva e seus fatores para uma
análise comparativa. Como podemos perceber nesses escritos e diante da realidade do pósguerra em combate com o modelo nacionalista causador daqueles momentos históricos..
Minha interpretação preliminar é de que Hans desenvolve esse referencial para poder
fazer as modificações, objetivamente, na compreensão da metodologia da ciência da educação,
visto centrar a objetividade da investigação nos fatores e objetos. Porém, amplia a compreensão
do objeto para além da sala de aula, alargando a investigação para o entorno da escola e do
processo de escolarização. Com isso, essa proposta metodológica poderia lançar mão da
investigação das políticas publicas e seu caráter nacional, servindo como referencial intelectual
e político, com forte tendência a um pragmatismo científico, tentando forjar a idéia de que a
ciência deveria dar respostas ao que fosse problema social e na estrutura do Estado. Estudar não
somente as similitudes, mas, complementarmente compreender as dessemelhanças, acionando o
modelo analítico das causas e efeitos e ao modo determinista almejado. Neste caso, a educação
comparada passaria a ter um referencial seminal da existência e consolidação de política publica
2
Portanto, o caráter nacional é um resultado complexo de misturas raciais, de adaptações lingüísticas, de
movimentos religiosos e de situações históricas e geográficas em geral. Por causa dessa multiplicidade de
fatores, não podemos comparar o caráter nacional a uma construção monolítica; assemelhar-se-ia mais a
uma construção arquitetônica que reunisse estilos e acréscimos de vários séculos. Os sistemas nacionais
de educação, mesmo quando organizados intencionalmente por algum governo revolucionário com a
finalidade de mudar o caráter nacional herdado, são inevitavelmente influenciados por esses fatores e
estão profundamente arraigados no passado. (Hans, 1961, p. 14).
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de educação de forma mais explicitada pelos fatores, ênfase que o autor vai tecendo na
maquinaria estatal.
Nos primeiros fatores traz a questão racial como um dos temas que necessitamos
estudar para compreender as organizações nacionais de educação, e que para Hans (1961, p. 16)
“O estudo das diferenças étnicas, sejam elas reais ou imaginárias, e das suas influências nos
sistemas nacionais de educação é um dos principais problemas da Educação Comparada”.
Tematiza a questão lingüística, no seu entender “idiomas nacionais” e, por uma forma
interessante, não busca dar uma visão de homogeneização das línguas. Ao pluralizar esse fator
sequer imagina uma padronização dos aspectos lingüísticos. Nesse sentido, diferencia-se e se
afasta de visões positivistas, talvez em busca de sua renovação. Por isso, acredita ser
necessidade de fazer avançar a investigação em torno do tema etnia e língua por ser importante
para a educação comparada a moldagem da mentalidade de uma geração3. Nesta compreensão
uma inserção inovadora do autor pela necessidade fundamental do idioma ou comunicação
nacional estar relacionada com outros aspectos e não apenas de forma isolada. Com isso,
cotejou com as características geográficas e econômicas, denominado de meios físicos e sociais.
Nesse entendimento:
Os sistemas de educação precisam adaptar-se à configuração do país e às condições físicas do
clima. A administração e a organização da educação, da mesma forma que o seu conteúdo
variam com as modificações dos meios físico. Todos esses fatores mencionados –
hereditariedade, língua e meios físicos e social – podem ser agrupados sob a denominação geral
de condições naturais, existentes antes que a verdadeira tarefa educativa tenha início, em
contraposição ao outro grupo de fatores, que poderiam ser chamados de espirituais ou de
influências do treinamento consciente. (HANS, 1961, p. 17)
Ao tentar fazer entender suas preocupações com o que denomina de condições naturais,
o autor relaciona com outros fatores que operam sobre a formação do caráter nacional.
Denomina-os de fatores espirituais, isto é, influências do “treinamento” consciente que os
dividiu em fatores laicos e fatores religiosos. Estudando, por um lado, temas como socialismo,
nacionalismo, democracia e educação e de outro, as tradições religiosas, destaca os casos
específicos pesquisados em países. Diante das investigações dos objetos e temas presentes
estudou as tradições católica, anglicana e puritana. E, finalizando a obra, Hans aplica esses
instrumentais teóricos para analisar as “democracias” que selecionou para ser objeto do seu
trabalho analítico. Nesta versão, esse estudo é a constituição de uma teoria pragmática e
modelar do pensamento científico estruturante do campo disciplinar: a educação comparada e
seu viés sociológico e histórico, desde a definição do seu objeto aos seus fatores.
O pensamento de Manoel Bergstron escrito nessa obra específica, tem finalidades
semelhantes a de Hans, reforçando a importância da emergente retomada do caráter cientifico da
proposta. Mas, o livro, no seu conjunto, busca inserir finalidades mais especificas de “ensinar”
alunos a fazer pesquisa em educação comparada. Didaticamente quer também possibilitar um
acumulo desse referencial teórico em torno de técnicas de comparação e horizonte
metodológico, enfim, práticas de educação comparada para a pesquisa e pragmatismo para o
governo de populações. O autor vai pedagogicamente “explicando” o percurso histórico que
teve a educação comparada. Dos pioneiros aos brasileiros que se detiveram nesses estudos,
evidenciando as formas de explicação e demonstração da objetividade compreensiva ligada à
comparação em educação.
Retoma a importância da educação comparada com o objetivo de reforçar o papel
científico desses estudos e, principalmente, demarcar o papel metodológico que deveria cumprir
o campo disciplinar em seu viés histórico. Quis estabelecer que a proposta de conhecimento
pudesse trabalhar com uma vasta área investigativa que eram as condições e influências
presentes na intencionalidade educativa. Isto é, estudar a educação escolar sob responsabilidade
estatal não somente por suas objetividades, mas também condições culturais e subjetividades.
Com isso, possibilitaria o surgimento de teorias explicativas dessas dadas realidades, mesmo
3
O idioma nacional, repositório que é das memórias étnica e nacional, deveria ser considerado como o
mais importante fator na formação do caráter nacional. (Hans, 1961, p. 16).
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assim, confrontando-as com os modelos existentes ou praticados nos Países cujo enfoque
estivesse em estudo. Ou seja, tal qual Nicholas Hans a ênfase fora nas idéias de nacionalidade,
nacionalismo, cultura, espaço geopolítico e constituição escolar. Estudar a sociedade
globalmente para compreender a educação, esse foi, por este entendimento, a pretensão das
exposições. Idéias que caminhavam em torno de verdades dos dados, desvelando as formas de
existência do progresso, desenvolvimento, evolução e civilização.
A semelhança é significativa nos fatores e influências, mas o autor brasileiro amplia a
visão a respeito desses argumentos. Em alguns momentos colocando ênfase na Psicologia.
Ampliação compreensível quando Lourenço Filho (1961, p. 10) diz que: “Cada sistema só
poderá ser devidamente compreendido, quando referido a sociedade nacional a que sirva, em
função de seus objetivos, tradições e características especiais”. Sistemas e suas estruturas e não
localidades isoladas estudando as constituições dos estados nacionais.
Traz referências de Jullien e Isaac Kandel na tentativa de sustentação da compreensão e
historicizar a educação comparada. Aborda a disciplina dizendo que não chega para tomar lugar
de outras áreas como história da educação, sociologia da educação ou filosofia da educação.
Pois, neste entendimento, os fundamentos teóricos de cada disciplina têm particularidades e,
cada qual dessas vertentes, tem sua finalidade, objetivos, temas e formas metodológicas que as
fazem dessemelhantes, bem como argumentos e utilidades diferentes. Aqui, compreende-se que,
é na utilidade que está a diferença substancial das demais formas de pensamento, visto haver
percepção das transformações e suas possibilidades; ocasião em que Lourenço Filho(1961, p.
17) afirmava: “Em épocas de mudança social muito rápida, como esta que vivemos, razões
prementes aumenta-lhes o valor prático e o significado teórico”. Com isso, o pensador fazia-se
como um estadista e cientista olhando o futuro, atuando como um dos intelectuais e políticos
como diz Hilsdorf (2003). Imaginemos pensar em rapidez das transformações entre as décadas
de 1950-60. Um pensador e administrador a frente do seu tempo sem sombras ou dúvida. E,
com crença nas suas afirmações Lourenço Filho (1961, p. 17) acrescentou que “Os dados de
análise comparativa, de país a país, podem e devem interessar à ação política e administrativa,
em geral, fornecendo recursos para satisfatória formulação de planos, projetos e reformas”. O
que mostra como o autor construía certo pragmatismo do referencial teórico, nessa construção
de técnica de pesquisas e formação de campo metodológico e disciplinar. Idéias essas que não
cessavam o debate e que ainda continuam a ser discutidas, conforme é percebida também por
intelectuais contemporâneos.4 O autor brasileiro teve o trabalho de definir as ações que
deveria se dar com a educação comparada, esclarecendo, inclusive, seu pragmatismo:
[...]...a educação comparada parte do exame de unidades complexas do processo educacional
que são os sistemas nacionais de ensino; esses sistemas se apresentam como conjuntos de
aspectos morfológicos e funcionais inseparáveis, o que significa a aceitação de pressupostos de
explicação dinâmica; a análise das condições objetivas com o emprego de meros conceitos de
experiência, assim permitindo esclarecer as condições problemáticas da ação educativa
intencional; sobre essa base, possibilita indagações mais profundas ou propriamente
interpretativas dos sistemas educacionais, já então no plano dos valores, os da filosofia e ação
política. (LOURENÇO FILHO, 1961, p. 19).
4
Um dos intelectuais expoentes da educação comparada na atualidade nos faz uma breve análise em
torno dessas vertentes teóricas que tentavam construir e fazer irradiar o pensamento em torno dessa
fórmula ou método investigativo. Assim, Schriewer (2000, p. 14) se pronuncia: “La duplicidad de las
orientaciones principales de la educación comparada – una de observancia historicista y pragmatista, otra
de observancia empírico-analítica – que resulta de los desarrollos esbozados ha sido tematizada y
discutida en diversas versiones: como contraposición entre el asesoramiento orientado a la reforma
política-educativa y la cientificización orientada a la explicación, como contraposición entre una
“interventionist Comparative Education” y una “Academia Comparative Education”, o también entre una
pedagogía internacional y la educación comparada propiamente diíta […]. Las diferencias entre estas
tradiciones académicas pueden ser identificadas en todos los aspectos de sus respectivos abordajes de lo
empírico-intercultural: en sus respectivas definiciones con respecto al planteamiento de problemas, en sus
estrategias y técnicas de comparación, en sus definiciones de las unidades de análisis y en su posible
significación para la praxis político-educativa”.
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Da ação política, aos valores e explicações que deve trazer a alternativa metodológica, o
autor demonstra o objeto de estudo do sistema de pensamento. Notemos bem que Lourenço
Filho não quer fazer com que a educação estude apenas o Estado e a política dos governantes,
mas a cultura, a localização, as ações intencionais, isto é, as práticas dos agentes da educação,
subjetividades. Interessante porque sai da idéia da essência e busca na diversidade dos
fenômenos as interpretações possíveis. Isso pode ser corroborado pelo avanço que faz o autor,
inclusive, na compreensão da história e dos acontecimentos quando Lourenço Filho (1961, p.17)
assinala que “Afirma-se com freqüência, e não sem razão, que a educação comparada é como
que um prolongamento da história no tempo presente”. Ou seja, o presente e o passado se
interligando, sem hierarquia de valores nesses momentos. Uma afirmação que Foucault depois
veio retomar e fortalecer.
Com base na idéia de estratégia de ação, o autor explica seus procedimentos
metodológicos e horizonte teórico em perspectiva visando fortalecimento e disseminação das
pesquisas em educação comparada. Mas admitia advertências com suas possibilidades de
estudar valores e o papel simbólico que eles desempenham na vida das sociedades.
A partir dos valores, que foram nominados pelo pensador inglês Hans como sendo
sociais, econômicos, políticos, geográficos, enfim, culturais, Lourenço Filho amplia a visão não
somente do ponto de vista da objetividade presente nas leis e documentos, mas às efetivamente
“vividos”, o que posso considerar como as formas de apropriações, com diferenças nas práticas
e na representação. Idéias defendidas por De Certau, Foucault, dentre outros. Autores em que se
compreendem atualidades de partes do pensamento de Lourenço Filho e em particular, algumas
reflexões da educação comparada.
Ao tratar da educação comparada no Brasil, Lourenço Filho faz menção aos trabalhos
de Joaquim Teixeira de Macedo, Manoel P. Frazão, Amélia Fernandes da Costa e Leopoldina
Tavares Porto-Carreiro, que ao final do século XIX, foram em missão em diferentes paises e
publicaram matérias sobre a educação. Importância semelhante foram os trabalhos de Rui
Barbosa, que na qualidade de relator da Comissão de Instrução Publica, na Câmara dos
Deputados, teve seus pareceres produzidos em 1882 e 1883. O autor tratou relatórios de viagens
e pareceres como estudos de educação comparada, talvez pela idéia de “descrição” estes
trabalhos foram vistos dessa forma. Sendo o do deputado um estudo de maior profundidade,
relevante para o direito à educação e nos rumos de uma normatização para definição da
organização da legislação educativa em suas formas de administração. Cita ainda Vivaldo Coari
e Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Gustavo Lessa, Isaias Alves. Ainda expõe sobre o
isolamento dos intelectuais brasileiros em relação aos estudos. Para Filho (1961, p. 31) “Muitos
deles tem-se apoiado em investigações de ordem social, indispensáveis à visão comparativa.
Outros, mais extensamente, consideram as instituições do ensino brasileiro em seu conjunto,
pondo-as em confronto com sistemas de paises estrangeiros”. O que torna a compreensão
interessante, pois tratou de relações entre educação, desenvolvimento social e econômico.
Surpreende seu “esquecimento” do importante trabalho de Primitivo Moacir. Talvez a
explicação esteja em que Lourenço Filho não se interessava em desenvolver a educação
comparada como forma de narrar, inventariar e analisar sistemas educativos internos, mas
somente os sistemas nacionais.
Ao tomar seu ponto mais complexo a respeito das “fontes e recursos dos estudos
comparativos de educação: a descrição dos sistemas nacionais de ensino” vai definindo sua
metodologia de forma prática e aplicável a estudos futuros, inclusive ao dele, presente na obra
em epigrafe. Dessas idéias partem tarefa inicial de descrição e caracterização dos sistemas, a
verificação da unidade complexa presente nas escolas e serviços correlatos, edifícios,
aparelhamentos, pessoal, clientela, enfim, neste entendimento, o que se denomina de cultura
escolar em suas diversas compreensões. Lourenço Filho (1961, p. 32) se pronuncia preocupado
dizendo que “Não é o simples agregados de tais e tais elementos, no entanto, que a cada
instituição ou serviço representará, e muito menos a simples justaposição deles que nos dará
6425
idéia do sistema”5. Chama-se atenção para uma preocupação que se atualizou mas que era
pensada em educação comparada. Trabalhando com a idéia de forma e função diz que o trabalho
consiste, além de descrever e caracterizar, interpretar as coisas, fatos e seqüência de fatos, de
forma examinada previamente para ser explicada devidamente, suas homologias e constantes, as
instituições em suas formas organizativas e administrativas, ou seja, formas de apropriação e
práticas. Ou, talvez, formas de usos. Com isso, poderia chegar, inclusive, nas menores partes
dos componentes dos sistemas como as escolas e salas de aula, alunos, professores até onde
fosse útil. Isso com a utilização da estatística. E ai vem algo interessante:
Poderão apresentá-la em séries geográficas, atendendo a diferentes secções de espaços, num
país. Poderão ademais consignar fatos e seqüência de fatos em series temporais, como ainda e
também, em séries combinadas em que ambos aspectos se associem. (LOURENÇO FILHO,
1961, p. 33).
Então, apresenta uma alternativa a partir de constituição de “séries”, podendo combinar
leituras e interpretações de espaços, fatos e seqüência em “series temporais”, o que chama
atenção para os novos métodos da historiografia contemporânea, em particular certa semelhança
com algumas idéias de Foucault em torno da constituição de séries para estudos históricos.
As fontes, segundo o autor, deveriam ir das legislações de ensino as atividades do
sistema, seus propósitos e demais normas de operação prática de cada serviço. O exame desse
material deveria servir para promover uma descrição e analise após coleta de dados, seguida de
observações sobre o alcance do ensino na realidade social e econômica do País. Informações
que possibilitariam compreender mais efetivamente os aspectos de funcionamento do trabalho
das escolas e a vida nacional, o que possibilitaria o levantamento estatístico e a leitura das
normas, fazendo com que se usasse um “procedimento de composição, por generalização
crescente, até à conceituação do modelo em que as realidades articuladamente se situem”.
(Lourenço Filho, p. 34-35). Nesse entendimento, tanto o modelo de trabalhar somente com
fontes primárias, quanto a outra forma, de levantamento estatístico, isoladamente, não tem valor
investigativo, sequer interpretativo. O que ajudou a fazer avançar a educação comparada para
além da descrição ou levantamento de dados.
Lourenço Filho trata das questões relativas ao que denomina de “elementos de descrição
estatística”. Diz que a partir dos documentos legislativos podemos ter uma visão geral, diretrizes
do ensino e esquemas de organização, mas é preciso preencher indicações relativas a
instituições e serviços em operação, isto é, as práticas de poder que regularmente estão em
funcionamento. Segundo Lourenço Filho (1961, p. 39) “A estatística é, antes de tudo, um
instrumento de que lança mão para registro de observações ordenadas, segundo critérios
uniformes, que tornem os dados obtidos perfeitamente comparáveis”, o que pressupõe analises
descritivas das unidades em estudo, que deve ter “propriedade, clareza, mensurbalidade e
comparabilidade”, possibilitando comparar e confrontar dados e realidades. Chama atenção, a
idéia sobre séries estatísticas:
As séries estatísticas – as séries estatísticas são massas de dados dispostas segundo uma ordem
lógica. Resultam do processo conhecido como tabulação, ou ação de dispor os dados, por
agrupamento, em tábuas ou tabelas. Na tabulação, reflete-se o sistema de classificação adotado
para as unidades estatísticas, e, portanto, as definições que se tenham assentado. É evidente que
as séries de um e outro tipo podem combinar-se para efeitos comparativos dentro de um mesmo
país, segundo regiões não só caracterizadas pela divisão política, mas por diferenças geográficas
e econômicas. Isso poderá fornecer tabelas com elementos que permitem a análise aprofundada
de certos aspectos da vida de cada país. (LOURENÇO FILHO, 1961, p. 41). (grifos nosso)
Esta composição serial, de dados estatísticos, foi importante no desenvolvimento da
educação comparada, inclusive, na contemporaneidade com propostas para novos estudos
seriais da historiografia atual. Com isso o autor acreditava que os efeitos da visualização em
apresentações gráficas poderiam auxiliar a compreender os sistemas nacionais de educação.
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O autor não deixa escapar seu entendimento estruturante, dizendo que “ Por definição, um sistema é
uma configuração de partes e subpartes, com mútua dependência de relações, derivadas de uma presença
comum e de um destino solidário”. (Lourenço Filho, 1961, p.32).
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Tabelas, fluxogramas deveriam fazer compreender melhor os aspectos da administração dos
sistemas, desde matrículas às evasões escolares. O que é interessante e importante, mas não é
tudo, pois a montagem de séries podem sim ultrapassar somente os dados estatísticos
numéricos/matemáticos e sua visibilidade. Constituição de séries, na forma como são retomados
na contemporaneidade, auxilia os estudos de outros objetos e temas em história da educação.
Na seqüência seus escritos recaem sobre a tipificação dos sistemas de ensino, dizendo
que quanto aos critérios se constituem em sua dimensão vertical em três que são: unitários,
bifurcados e polifurcados e que só podem ser analisados em termos práticos. E que, quanto à
dimensão horizontal eles podem ser centralizados ou descentralizados. Lourenço Filho quer
fazer constituir uma estrutura determinante do modelo escolar ou dos sistemas nacionais de
ensino.
Um dos principais argumentos, apresentado na obra, trata-se dos “métodos e tendências
de estudo na educação comparada”. Nessa perspectiva, reforçou sua crença profunda na idéia de
técnica ou procedimentos de investigação cujos objetos são constituídos pelos sistemas
nacionais de ensino. Inicialmente trata da observação indireta, coleta de dados, com critérios
uniformes, construção indutiva e procedimentos de dedução, fortalecendo um “corpo de
princípios lógicos” que deveriam orientar o trabalho investigativo, definindo escalas de
observações, natureza de conceitos e hipóteses, estabelecimento de modelos de referência, assim
como o campo de investigação. Com cuidados em torno de prejuízos, preconceitos e
pressupostos, o autor está em busca da objetividade do processo, sem abandonar a utilidade
desses procedimentos, pois segundo o auto, o caráter científico do trabalho não pode estar preso
a elementos e esclarecimentos das nossas próprias opções, emoções e fantasias. Por isso,
acredita nos esquemas comparativos, com fatos e seqüências que se desenvolvem em processo,
analisando condições e fatores determinantes. O que exige especialização para se encontrar a
fecundidade e utilidade dos trabalhos, sendo possível porque:
A primeira condição para isso foi a extensão da escala, de observação dos fatos e situações e
suas relações, ou da apreciação de mais largos eventos, no espaço e no tempo. Já em outro
estudo, mostramos a importância dessa expansão da escala na observação das realidades
educativas, com o esclarecimento do que chamamos situações de micro-educação e de macroeducação, (LOURENÇO FILHO, 1961, p. 48).
Condições essas que levaram os estudos comparados a sua expressão, visto que os
sistemas nacionais poderiam ser compreendidos, inclusive, microscopicamente, em suas
minúsculas manifestações. Mas sem esquecer as realidades funcionais ou dinâmicas, suas
“coisas” e configurações que dizem sobre a significação e elementos constitutivos. Pois para L.
Filho (1961, p. 49), em qualquer campo científico “Os pensadores modernos insistem em que
não há outro modo de estudar as realidades sociais fora do ponto de vista dos ideais humanos,
os quais, por motivos lógicos, nem mesmo podem existir de outra forma”. Uma vez que:
Nos estudos comparativos, os problemas de educação são examinados numa grande escala,
social, política, cultural. Eles permitem apreciar as duas faces correspondentes às categorias de
conceitos dantes referidos: uma, de ideais, aspirações e valores, em planos de programas e outra,
de realidades vistas como trabalho que já se tenha produzido, cujos efeitos possam ser contados,
medidos, analisados. (LOURENÇO FILHO, 1961, p.50).
Por essa exposição, são as escalas que contribuem para que os sistemas nacionais
possam ser descritas, em seu modelo de caráter funcional ou ainda em formas de constructos,
sejam suas unidades ou o geral. Possibilitando diversidade estudos em torno dos sistemas de
educação.
Ao estudar o que considera “fundamentos gerais dos estudos comparativos” o autor
trabalha sobre o tema da comparação como uma questão normal da atividade humana de
conhecer. Prática também de outras ciências como estudos da gramática comparada, direito,
educação, anatomia, enfim. Por isso, os estudos comparados constituem um arquétipo em que
vão se ordenando uma diversidade de variações no seu entorno.
Lourenço Filho nomeou algumas questões ainda não resolvidas que denominou de
“problemas gerais e metodologia da educação comparada”. Um deles seria os as instituições e
serviços idênticos às instituições e serviços dos sistemas nacionais, exemplo o conceito de
escola. O que exigiria uma explicação a partir do “contexto da vida”, em função dos costumes,
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vida cívica, estética, política das populações e que não caberia homogeneizar conceitos e
determinações institucionais. Assim, acreditava que somente a educação comparada poderia
tornar os estudos em torno do sentido histórico e cultural da vida de um povo, levando em conta
diversidade de aspectos. O que considera-se plausível, na medida em que os estudos
comparados possam ter as compreensões da contemporaneidade, em função muito do que pensa
Schriewer (2000), visto que esse valores, podem e devem ter compreensão sim, seja inter ou
transdisciplinarmente. A objetividade que o autor procura reafirmar deveria partir sempre dos
dados estatísticos e fontes documentais primárias. O que deveria permitir a ação do “método de
estrutura e função”, com alguns cuidados necessários tendo em vista os problemas de ordem
compreensiva e entendimento dos termos objetivados. Impedindo assim que se limite na
pesquisa ação ou investigação operacional sem que tenham escolhido estudar intenções e
propósitos ou sentido programático dos sistemas de educação.
Na ótica de Lourenço Filho as tendências dos estudos comparados estavam fortalecendo
as escolas filosóficas, histórica e sociológica. Para o autor havia a escola de Kandel, com viés
sociológico a de Nicholas Hans com vertente histórica que era considerada idealista, e a terceira
tendência de Josph Luwerys de caráter mais filosófico. Para Lourenço Filho (1961, p. 59) “As
diferenças entre análise e síntese, indução e dedução, ou entre a adoção de axiomas dogmáticos
e hipóteses de trabalho, não demarcam as fronteira da historia e da ciência”. Acredita-se que,
devido a esse conhecimento, esses autores disseminavam a idéia do caráter interdisciplinar
desses estudos, o que deveria consolidar não somente a educação comparada em seu modo
descritivo, mas também na sua forma explicativa, interpretativa, em função do fortalecimento
do caráter nacional e interdisciplinaridade destes estudos. Com isso, sem descartar analises
menores desse processo. Esses estudos, no dizer de Lourenço Filho permitem “exame de
problemas especiais, neles existentes, sob feição temática ou monográfica, e também de forma
particularizada, para um só país”. Não sei então porque esqueceu o trabalho de Primitivo
Moacir.
O exame dessas duas obras permite concluir que a disseminação da educação
comparada auxiliou a pensar a educação como fator histórico, geográfico, cultural, social,
político, psicológico e sociológico, auxiliando a alargar conceitos e métodos especializados da
história e da sociologia. Tal perspectiva pretende assinalar a dimensão transnacional do
fenômeno educativo, embora, em alguns casos, tenha se prestado a atestar o “progresso” de uns
e o “atraso” de outros, o que pode ser compreendido como outra face de um projeto
civilizatório. No entanto, esses referenciais também podem contribuir para a analítica dos
micros poderes, bem como de investigações e interpretações das formas culturais assumidas em
cada período, no interior de cada Estado. Tal dimensão da comparação pode recobrir desde as
legislações às formas de normalização desses procedimentos, isto é, análise de discursos e
atividades existentes no nível das práticas, valores, objetividades, subjetividades. Nesse sentido,
os estudos comparados pode permitir conhecer tanto os dispositivos de normalização acionados
pelos entes estatais e seus dirigentes como fazer avançar para se perceber o uso, isto é, os
poderes exercidos pelos homens ordinários frente aos projetos de modelação. Discutir o projeto
de comparação contido nestas duas obras seminais constituiu uma condição para se pensar a
tradição da comparação, de modo a criar condições para a realização de uma história efetiva das
formas educativas e escolares desenvolvidas nacional e transnacionalmente, atualizando o
pensamento e reformulando outras assertivas. História do presente e história do passado se
interrogando para nos fazer conhecer, acumular, questionar, analisar e aprender com a educação
comparada como diz Schriewer (2000).
BIBLIOGRAFIA
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SCHRIEWER. Jurgen. Educación comparada: Un gran programa ante nuevos desafios. In;
Revista Propuesta Educativa Ano 10. Nº 23, dezembro/2000.
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HISTÓRIA COMPARADA DA EDUCAÇÃO: UM DEBATE