ARQUITETURA
MESTRE
DAS FORMAS
A OBRA PREMIADA DE
PAULO MENDES DA ROCHA
ANA MARIA CICACCIO (TEXTO)
NELSON KON (FOTOS)
A
tônica na obra de Mendes da
Rocha é sua capacidade de
enxergar no espaço urbano
que a graça de uma cidade
está justamente no fato de ela
existir antes de ser construída. “Ela nasce do desejo dos homens de
estarem juntos”, diz o arquiteto. Coroando
essa posição, o reconhecimento veio este
ano. Ele recebeu a honraria máxima da
arquitetura internacional, o Pritzker Prize 2006,
criado pela família homônima, de Chicago,
24
Pinacoteca, reformada e modernizada
25
proprietária da rede Hyatt de hotéis. Antes dele, o
único brasileiro a ganhar esse prêmio foi Oscar
Niemeyer, em 1988.
A justificativa do júri realçou exatamente
essa característica humanista de Mendes da
Rocha: sua obra modifica a paisagem e o espaço,
procurando atender tanto as necessidades sociais
quanto estéticas do homem. Um grande senso de
responsabilidade para com os usuários de seus
projetos e com a sociedade em geral baliza suas
realizações nas mais variadas frentes, da residência individual ao edifício de apartamento, da
capela a estádios esportivos, parques infantis,
museus de arte e praças públicas. Na avaliação
dos jurados, profissionais eminentes como Frank º
Gehery e Rolf Fehlbaum, Mendes da Rocha produz trabalhos reveladores de uma permanente
busca de harmonia entre a arquitetura e a
natureza enquanto forças congruentes.
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CIDADE VIVA
Praça do Patriarca, Centro Histórico da
cidade de São Paulo. Um artista performático
encarna uma estátua viva. Sua performance estabelece um lúdico diálogo com as pessoas que
circulam pelo lugar e com a diversificada
arquitetura local. Estão aí a delicada igreja de
Santo Antônio, cuja primeira referência histórica
data de 1592, foi reedificada em 1717 e teve
fachada reconstruída em 1911, alguns edifícios
de inspiração européia projetados nos anos
1920 pelo escritório Ramos de Azevedo, um ou
dois exemplares da arquitetura moderna
brasileira, e o pórtico-cobertura-monumental de
estrutura metálica e fatura ultra-contemporânea, projetado por Paulo Mendes da Rocha,
juntamente com Eduardo Colonelli em 1992 e
inaugurado em 2002.
Antes da reurbanização proposta para esse
espaço público por Mendes da Rocha, a A Praça
do Patriarca não era do povo. Não passava de
um terminal de ônibus poluído, acinzentado e
congestionado. Um lugar onde as pessoas não
paravam por desejo, como fazem hoje no intuito
de apreciar uma estátua viva ou ouvir um violeiro, mas apenas para esperar condução.
FONTE DE INSPIRAÇÃO
Paulo Mendes da Rocha, nascido em Vitória
(ES) a 25 de outubro de 1928, costuma dizer que
foi criado vendo a engenhosidade do mundo.
Ouvia em casa que poderia fazer um porto e até
um navio. O avô, Francisco Mendes da Rocha,
dirigiu o serviço de navegação do Rio São
Francisco, conhecido como “Rio da Unidade
Nacional”, e depois a Biblioteca Nacional do Rio
de Janeiro. O pai, grande engenheiro, tornou-se a
partir dos anos 1940 um respeitado professor de
Naval e Recursos Hídricos na Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo. Mendes da Rocha
formou-se acreditando na capacidade do homem
de intervir na natureza de forma criteriosa. Em
suas próprias palavras, “a primeira e primordial
arquitetura é a geografia”.
Seguindo a trilha familiar, ele próprio, formado pelo Mackenzie em 1954, desenvolveu uma
sólida carreira acadêmica, a partir dos anos 1960.
Foi a convite de João Batista Vilanova Artigas, que
encabeçou a chamada Escola Paulista da arquitetura brasileira. Ambos elevaram a Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo (FAU-USP) com seus pontos de vista sociais
e humanistas, influenciando gerações e gerações
de arquitetos e artistas. No entanto, como tantos
outros intelectuais brasileiros, em 1969 os dois
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Pórtico-cobertura da Praça
do Patriarca,
centro de São
Paulo.
foram afastados de seus postos pela ditadura militar, sendo reintegrados aos quadros da universidade somente em 1980, depois da Anistia.Vilanova
Artigas morreu pouco depois, mas Mendes da
Rocha seguiu lecionando com o mesmo entusiasmo de antes, até se aposentar em 1999.
***
“Paulo Mendes da Rocha é especial.
Arquiteto-cidadão brilhante, ele luta por um
mundo melhor. Sua obra é reconhecida internacionalmente e não é de hoje que lhe são conferidos prêmios importantes, como o Grande
Prêmio ‘residência da República na VI Bienal de
São Paulo’ em 1961, e o prêmio Mies Van der
Rohe de Arquitetura, em Barcelona no ano 2000.
Mendes da Rocha enche o País de orgulho, assim
como todos os arquitetos brasileiros, que se sentem representados por ele.”
Nadia Somekh, diretora da Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Mackenzie e ex-presidente da Empresa
Municipal de Urbanismo de São Paulo.
***
“Não é por acaso que Paulo Mendes da
Rocha figura entre os nomes mais importantes
da produção arquitetônica brasileira. Sua obra,
fortemente vinculada à produção que utiliza o
concreto aparente em toda sua expressão, representa uma vertente marcante da arquitetura
brasileira que fez escola. Mas ele se destaca também pela dedicação ao ensino, como professor
na FAU-USP, onde formou uma geração de
arquitetos e discípulos”.
Gilberto Belleza, presidente do Instituto
dos Arquitetos do Brasil
***
“Pouco citado, porque imaterial, é seu papel
de brilhante mestre, professor entusiasmado, que
como ninguém relaciona a arquitetura com a
vida cotidiana e que influenciou e seduziu toda
uma geração para a melhor arquitetura. A obra de
Paulo Mendes da Rocha, criada com independência e marcada por forte identidade pessoal, contribuiu para a formação de uma arquitetura de caráter brasileiro e de valor universal”.
Arnaldo Martino, presidente do Instituto
dos Arquitetos do Brasil – São Paulo
***
“Trabalhar com Paulo é uma escola continuada. Ver como ele utiliza sua experiência a cada
novo projeto talvez tenha sido a melhor escola
de arquitetura e de vida, seja no aspecto técnico,
seja no artístico ou no humanístico. Ele estimula
a imaginação e a reflexão. Como nunca parte de
uma idéia pré-estabelecida para não prejudicar o
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juízo crítico, chega em geral a soluções muito
simples, e espantosas, nas quais ninguém havia
pensado antes.”
Milton Braga, do escritório MMBB, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo.
***
“A obra de Paulo Mendes da Rocha “refinou”
a linguagem da arquitetura paulista e a integrou
mais com o ambiente urbano à sua volta –
espaços internos e externos relacionando-se em
permanente continuidade e por isso mesmo proporcionando grande integração sócio-ambiental,
inspiração que julga fundamental para todos os
arquitetos. Mendes da Rocha reafirma os valores
do Movimento Moderno no que ele tem de
humanista, ao propor uma sociedade fundada na
justiça social. Nela, todos devem se integrar e se
comunicar de modo prazeroso e positivo em
meio à diversidade cultural, com ética e estética
ao mesmo tempo e, ainda, expressando-se por
meio de uma linguagem séria e austera, típica da
arquitetura paulista, também presente nos trabalhos de Vilanova Artigas, de quem Paulo, assumidamente se declara seguidor.”
Cândido Malta Filho, professor da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
***
“Projetos tidos como polêmicos na cidade
de São Paulo, como o da Praça do Patriarca, estão
na verdade muito adiante de seu tempo. Quem
ataca o pórtico-cobertura da Galeria Prestes Maia
que foi encomendado pela Associação Viva o
Centro,desconhece que o papel do projeto foi
balizar as conexões entre as várias cotas do lugar
que haviam se perdido depois da reforma do
Vale, do túnel do Anhangabaú até a parte superior do Vale, passando pela Galeria Prestes Maia e
chegando à Patriarca. A meta nunca foi fazer só
uma cobertura, mas resgatar a passagem como
galeria de arte que havia sido. Por isso a idéia do
Masp-Centro na Galeria agradou a todo mundo.
Ocorre que perdeu-se o foco. Somente o pórtico
foi executado, o restante desapareceu nas gavetas administrativas.”
Regina Meyer, professora livre docente da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
Ana Maria Ciccacio é jornalista da área cultural.
PRINCIPAIS OBRAS
1957 – Projeto para o prédio da Assembléia
Legislativa de Santa Catarina
1958 – Os edificios do Clube Atlético
Paulistano, São Paulo
1969 – Pavilhão brasileiro da Feira
Internacional de Osaka, Japão – Expo’70,
com Flávio Motta, Júlio Katinsky e Ruy
Othake
1976 – Projeto do Centro Cultural e de
Convenções de Campos do Jordão
Museu Brasileiro da Escultura
1987 – Capela de São Pedro, em Campos do
Jordão, SP, e loja Forma, SP, com a colaboração
de Alexandre Delijaicov, Geni Sugai e Carlos
José Dantas Dias.
1988 – Museu Brasileiro da Escultura
(Mube), São Paulo, com Pedro Mendes da
Rocha (filho) e outros arquitetos
1992 – Projeto de reurbanização da Praça do
Patriarca e do pórtico para a entrada da
Galeria Prestes Maia, com Eduardo Colonelli,
executado em 2002.
1993 – Projeto de Reforma e Modernização
da Pinacoteca do Estado de São Paulo, com
Eduardo A. Colonelli e Welinton Rico y Torres
1995 – Residência de Mário Masetti, em
Cabreúva (SP)
1999 – Reforma do Centro Cultural da Fiesp,
São Paulo, com o escritório MMBB.
Praça do Patriarca
2000 – Restauro da Oca, no Parque do
Ibirapuera, para a mostra dos 500 Anos do
Descobrimento do Brasil, com Guilherme
Wisnik e Martin Corullon; Restauro e
Modernização do andar superior do Edifício
da Estação da Luz, em São Paulo, para o
Museu da Língua Portuguesa, com Pedro
Mendes da Rocha
2001 – Projeto para o Sesc 24 de Maio, no
Centro Histórico de São Paulo, com Angelo
Bucci, Fernando de Mello Franco, Marta
Moreira e Milton Braga
2004 – Plano Diretor para ampliação e reorganização do campus da Universidade de
Vigo, Espanha, com o escritório MMBB; e projeto de um prédio de apartamentos de interesse social para a Empresa Municipal de
Viviendas, de Madri, com o Estúdio Vellosillo
y Associates – ambos em execução
2005 – Reforma e modernização de um antigo prédio, no Rio de Janeiro, para o centro
cultural Daros Center
Residência de Mendes da Rocha
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formação da geomorfologia. É como se disséssemos que temos a convicção de que, em si mesma,
A América Latina, de modo geral, é um território novo. Em outros termos: a edição da
cidade em um espaço novo é algo extraordinário
na arquitetura. Por isso, temos falado tanto em
natureza construída, em geografia e em arquitetura. Porque para nós, a cidade é eminentemente
uma transformação do lugar. Isso se vê nas
cidades costeiras latino-americanas, estejam elas
no Pacífico ou no Atlântico. Nossa visão, para não
chamar de escola, sobre a cidade contemporânea
a partir da América Latina, é essa força da trans-
Centro Cultural da Fiesp.
a natureza não é o habitat natural do ser humano.
Isso faz com que surjam entre nós os desafios que
temos pela frente em termos de cidade. Só de
imaginar os recursos hídricos existentes neste
Continente e o que pode surgir de portos fluviais,
a arquitetura já deveria se sentir estimulada. Um
exemplo? De São Paulo, pelo rio Tietê, posso ir até
o Paraná e de lá chegar à Bacia do Prata, em
Buenos Aires. Temos o Tocantis, o Amazonas, o
Madeira. E, por fazer, a ligação entre o Atlântico e
o Pacífico; não uma, mas várias. Portanto, temos
de construir novas cidades. Esse é o nosso hori-
Embora envolva todas as formas de conhecimento,
zonte para escapar a essa rota de crescimento de
infelizmente ainda é vista como uma parasita das
apenas alguns poucos centros, como São Paulo.
outras, quando deveria ser o contrário, deveria ser
Outra questão é que falta um intercâmbio
vista como um estímulo para as demais. A expecta-
mais intenso da arquitetura no Continente. Eu não
tiva da arquitetura para o futuro é essa. É impossív-
tenho nenhum projeto em outros países latino-
el que a cidade seja um desastre; ela tem que ser
americanos. Fiz apenas alguns estudos, entre eles
um sucesso.
um de que gosto muito, chamado Baia de
Montevideo, mas que não foi executado. Acho que
a integração na área depende do prestígio que a
disciplina deveria ter como uma forma peculiar de
conhecimento. Mesmo no âmbito da universidade,
a importância da escola de arquitetura é pequena.
Paulo Mendes da Rocha
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Atônica na obra de Mendes da Rocha é sua