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O sentido de amizade, segundo Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco 1
Eder Leal Dias *
Resumo: O presente texto faz uma análise sobre o sentido de amizade do livro VIII da Ética a
Nicômaco de Aristóteles. Ressalta-se que o texto faz algumas relevantes incursões no pensamento
cristão como forma de problematizar o tema nas duas tradições.
Palavras-chave: Amizade – bons – Aristóteles – apocalipse – prazer.
I – A amizade como necessidade vital
Aristóteles, ao contrário de Platão, não parte de uma cidade ideal (a justiça do
filósofo, República), muito menos do cristianismo (a Nova Jerusalém, Apocalipse 21, 9 “a
justiça de Cristo"), e sim de uma cidade construída pelos homens com atos de justiça,
encontrando na amizade não algo opcional, casual, mas sumamente necessário à vida (EN
1155a, 5), superior aos bens materiais, sendo a mais genuína forma de justiça (EN 1155a,
25)..
II – Objetivos do Livro VIII da Ética a Nicômaco:
> Se a amizade pode nascer entre duas pessoas quaisquer? (1155b, 10);
> Se a amizade é possível entre os maus? (1155b, 10-15);
> Se existe mais de uma espécie de amizade003F (1155b-10-15).
III – Espécies de amizades:
O filósofo divide sua investigação sobre a amizade em dois grupos: 1 - amizade
entre os iguais, e 2 – amizade entre os desiguais. Analisando sob três aspectos, a saber: a como disposição de caráter (dos homens bons); b - voltada para o prazer; c - voltada para
utilidade.
A – Amizade dos que são bons (1156b, 5 -35)
Esse tipo de amizade para o autor é a única naturalmente adquirida sendo a mais
completa de todas as espécies possíveis, pois se forma entre os homens bons. Os homens
bons são aqueles que querem o bem por si mesmo, eles possuem um caráter bom por
essência, não objetivando a utilidade nem o prazer, são virtuosos do ponto de vista moral,
1
Resultado provisório da pesquisa realizada sob a forma de resenha do livro VIII ‘A amizade’ da obra Ética a
Nicômaco de Aristóteles, Editora Abril, são Paulo, 1973, referente à pesquisa intitulada O conceito de justiça
no pensamento ético-político--jurídico de Aristóteles nas obras Ética a Nicômaco livro V e a Política livro
III, PIBIC-UNESA. Orientador Prof. Wellington Trotta.
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logo têm a justiça como cerne de suas experiências. Quando duas pessoas com tais
características se unem, têm a pura amizade e por consequência, a genuína justiça. Essa
forma de amizade é mais duradoura porque cria uma barreira contra diversos tipos de
calúnia. Ela está vinculada ao prazer e à utilidade, visto que, o que é bom também é útil e
prazeroso, pois é natural dos homens buscarem o prazer e a utilidade. Tal amizade é rara de
encontrar, pois requer tempo e convivência.
A amizade dos bons é um ato bilateral, deixando para os atos unilaterais as outras
espécies de sentimento, logo não existe amigo oculto entres os homens bons. O maior
inimigo é a distancia combinada com o tempo, que tem força para enfraquecer a amizade.
Com essa tese o autor elimina a possibilidade de amizade entre o homem bom e Deus. Tal
tese será objeto de analise do ponto de vista cristão em um tópico específico.
B – Amizade voltada para o prazer (1156a, 30-35 e 1156b, 5)
É uma espécie de amizade onde os indivíduos não são por si só bons, mas estão à
procura aprazível. É passageira e dura enquanto dura o prazer. Encontrada comumente
entre os jovens, amantes. Apesar de ser uma forma de amizade e está próxima das formadas
entre os homens bons é vista pelo filósofo como acidental, porque se localiza fora da esfera
do homem moral e ético. Aqui os amigos estão juntos e a distancia é o pior inimigo, cabe
observar que a união é em função do prazer e não da pessoa em si.
C – Amizade voltada para a utilidade (1156a, 10-28)
Nesta última espécie de amizade os indivíduos não querem ser amigos de verdade,
apenas se unem para satisfazer uma necessidade utilitária que não visa nem o prazer nem é
uma disposição de caráter, pois dura enquanto dura o objeto desejado. É a pior de todas as
formas de amizade porque não se fundamenta na virtude e sim nos objetos desejados. É
comum entre os comerciantes, idosos e principalmente entre os desiguais. É a mais sensível
forma de amizade por ser vulnerável a forças externas. É um acidente, visto que não se
relaciona à virtude.
Nesta espécie a presença não é elemento indispensável e sim a
utilidade, porque como regra as pessoas não estão dispostas a estarem juntas.
IV – A questão dos iguais
A amizade é vista como ferramenta de equilíbrio nas relações humanas, onde o
homem só pode ser amigo do próprio homem. Tanto a amizade dos homens bons, dos
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voltados para o prazer, quanto dos utilitários, são formas possíveis de amizade, pois iguala
os desiguais. Tal igualdade é obtida na medida em que cada um contribui para o bem
comum. Por serem iguais todos contribuem de modo igualitário na manutenção do grupo
social. Ao abordar o tema, Aristóteles atentou aos critérios sentimentais e não se apegou as
questões puramente naturais, por exemplo, o sexo, altura, raça etc.
V – A questão dos desiguais
Os desiguais são aqueles que por algumas circunstâncias de ordem social, natural,
política, religiosa, etc. Ocupam grau de superioridade, por exemplo, entre os pais e filhos,
amantes, reis e súditos, patrão e empregados, homem e Deus, etc.
A igualdade entre os desiguais é obtida pelo fracionamento do mérito, pois quem
mais contribui para a finalidade desejada dever ter maior recompensa (excetos, nas relações
entre pais e filhos e entre homem e os deuses porque não é possível medir o mérito dos pais
ou dos deuses, já que, não ha como retribuir de modo justo, cabendo aos filhos honrar os
pais em tudo quanto possível, e da mesma forma aos deuses, pois são infinitos em tudo que
é bom). Entre os desiguais não é possível exigir a mesma coisa uns dos outros, porque as
razões de serem amigos são diferentes, visto que, o amor do marido não é o mesmo da
esposa, as razões de contratar possuem finalidades diferentes, o pai não pode exigir dos
filhos uma amizade igual às deles.
O estagira ao estudar a matéria utilizou analogicamente as formas puras de governo
e as impuras, buscando os pontos comuns. (1159b – 1162a)
VI – Existe amizade entre os maus? (1159b, 5-10; 1166b, 25 e 1172a, 5-10)
Não. Os maus não têm nada em comum que possa uni-los em um objetivo.
Necessariamente a amizade requer uma igualdade. Ao contrário, a aptidão para ter amigos é
natural dos seres humanos e animais, porém, somente aqueles são capazes de
desenvolverem devido a sua racionalidade. A duração da amizade se relaciona com a
duração das virtudes, do prazer e utilidade, pois a amizade é construída e não inata ao
homem, porque os homens bons não são aqueles que nasceram bons, mas se tornaram bons
no processo de culto às virtudes, “são bons enquanto dura a bondade”. Logo, se admite a
perda, dever-se-ia admitir o construído e não o inato.
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Referências Bibliográficas:
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bonhheim da versão inglesa de W.D. Ross.
THOMPSON, Frank Charles (org.) Bíblia com versículos em cadeia temática. Rio de
Janeiro: Editora, Vida, 19965. Tradução de João ferreira de Almeida.
* O autor: Eder Leal Dias é estudante do quinto período do Curso de Direito e membro
integrante do Núcleo de Pesquisa de Ciências Jurídicas e Sociais-NPCJS da UNESA-Cabo
Frio.
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