P á g i n a | 66 O sentido de amizade, segundo Aristóteles na sua obra Ética a Nicômaco 1 Eder Leal Dias * Resumo: O presente texto faz uma análise sobre o sentido de amizade do livro VIII da Ética a Nicômaco de Aristóteles. Ressalta-se que o texto faz algumas relevantes incursões no pensamento cristão como forma de problematizar o tema nas duas tradições. Palavras-chave: Amizade – bons – Aristóteles – apocalipse – prazer. I – A amizade como necessidade vital Aristóteles, ao contrário de Platão, não parte de uma cidade ideal (a justiça do filósofo, República), muito menos do cristianismo (a Nova Jerusalém, Apocalipse 21, 9 “a justiça de Cristo"), e sim de uma cidade construída pelos homens com atos de justiça, encontrando na amizade não algo opcional, casual, mas sumamente necessário à vida (EN 1155a, 5), superior aos bens materiais, sendo a mais genuína forma de justiça (EN 1155a, 25).. II – Objetivos do Livro VIII da Ética a Nicômaco: > Se a amizade pode nascer entre duas pessoas quaisquer? (1155b, 10); > Se a amizade é possível entre os maus? (1155b, 10-15); > Se existe mais de uma espécie de amizade003F (1155b-10-15). III – Espécies de amizades: O filósofo divide sua investigação sobre a amizade em dois grupos: 1 - amizade entre os iguais, e 2 – amizade entre os desiguais. Analisando sob três aspectos, a saber: a como disposição de caráter (dos homens bons); b - voltada para o prazer; c - voltada para utilidade. A – Amizade dos que são bons (1156b, 5 -35) Esse tipo de amizade para o autor é a única naturalmente adquirida sendo a mais completa de todas as espécies possíveis, pois se forma entre os homens bons. Os homens bons são aqueles que querem o bem por si mesmo, eles possuem um caráter bom por essência, não objetivando a utilidade nem o prazer, são virtuosos do ponto de vista moral, 1 Resultado provisório da pesquisa realizada sob a forma de resenha do livro VIII ‘A amizade’ da obra Ética a Nicômaco de Aristóteles, Editora Abril, são Paulo, 1973, referente à pesquisa intitulada O conceito de justiça no pensamento ético-político--jurídico de Aristóteles nas obras Ética a Nicômaco livro V e a Política livro III, PIBIC-UNESA. Orientador Prof. Wellington Trotta. Revista Transdisciplinar Logos e Veritas, Vol. 01, nº 01, 2014, pp 66-69, ISSN 2318-9614 P á g i n a | 67 logo têm a justiça como cerne de suas experiências. Quando duas pessoas com tais características se unem, têm a pura amizade e por consequência, a genuína justiça. Essa forma de amizade é mais duradoura porque cria uma barreira contra diversos tipos de calúnia. Ela está vinculada ao prazer e à utilidade, visto que, o que é bom também é útil e prazeroso, pois é natural dos homens buscarem o prazer e a utilidade. Tal amizade é rara de encontrar, pois requer tempo e convivência. A amizade dos bons é um ato bilateral, deixando para os atos unilaterais as outras espécies de sentimento, logo não existe amigo oculto entres os homens bons. O maior inimigo é a distancia combinada com o tempo, que tem força para enfraquecer a amizade. Com essa tese o autor elimina a possibilidade de amizade entre o homem bom e Deus. Tal tese será objeto de analise do ponto de vista cristão em um tópico específico. B – Amizade voltada para o prazer (1156a, 30-35 e 1156b, 5) É uma espécie de amizade onde os indivíduos não são por si só bons, mas estão à procura aprazível. É passageira e dura enquanto dura o prazer. Encontrada comumente entre os jovens, amantes. Apesar de ser uma forma de amizade e está próxima das formadas entre os homens bons é vista pelo filósofo como acidental, porque se localiza fora da esfera do homem moral e ético. Aqui os amigos estão juntos e a distancia é o pior inimigo, cabe observar que a união é em função do prazer e não da pessoa em si. C – Amizade voltada para a utilidade (1156a, 10-28) Nesta última espécie de amizade os indivíduos não querem ser amigos de verdade, apenas se unem para satisfazer uma necessidade utilitária que não visa nem o prazer nem é uma disposição de caráter, pois dura enquanto dura o objeto desejado. É a pior de todas as formas de amizade porque não se fundamenta na virtude e sim nos objetos desejados. É comum entre os comerciantes, idosos e principalmente entre os desiguais. É a mais sensível forma de amizade por ser vulnerável a forças externas. É um acidente, visto que não se relaciona à virtude. Nesta espécie a presença não é elemento indispensável e sim a utilidade, porque como regra as pessoas não estão dispostas a estarem juntas. IV – A questão dos iguais A amizade é vista como ferramenta de equilíbrio nas relações humanas, onde o homem só pode ser amigo do próprio homem. Tanto a amizade dos homens bons, dos Revista Transdisciplinar Logos e Veritas, Vol. 01, nº 01, 2014, pp 66-69, ISSN 2318-9614 P á g i n a | 68 voltados para o prazer, quanto dos utilitários, são formas possíveis de amizade, pois iguala os desiguais. Tal igualdade é obtida na medida em que cada um contribui para o bem comum. Por serem iguais todos contribuem de modo igualitário na manutenção do grupo social. Ao abordar o tema, Aristóteles atentou aos critérios sentimentais e não se apegou as questões puramente naturais, por exemplo, o sexo, altura, raça etc. V – A questão dos desiguais Os desiguais são aqueles que por algumas circunstâncias de ordem social, natural, política, religiosa, etc. Ocupam grau de superioridade, por exemplo, entre os pais e filhos, amantes, reis e súditos, patrão e empregados, homem e Deus, etc. A igualdade entre os desiguais é obtida pelo fracionamento do mérito, pois quem mais contribui para a finalidade desejada dever ter maior recompensa (excetos, nas relações entre pais e filhos e entre homem e os deuses porque não é possível medir o mérito dos pais ou dos deuses, já que, não ha como retribuir de modo justo, cabendo aos filhos honrar os pais em tudo quanto possível, e da mesma forma aos deuses, pois são infinitos em tudo que é bom). Entre os desiguais não é possível exigir a mesma coisa uns dos outros, porque as razões de serem amigos são diferentes, visto que, o amor do marido não é o mesmo da esposa, as razões de contratar possuem finalidades diferentes, o pai não pode exigir dos filhos uma amizade igual às deles. O estagira ao estudar a matéria utilizou analogicamente as formas puras de governo e as impuras, buscando os pontos comuns. (1159b – 1162a) VI – Existe amizade entre os maus? (1159b, 5-10; 1166b, 25 e 1172a, 5-10) Não. Os maus não têm nada em comum que possa uni-los em um objetivo. Necessariamente a amizade requer uma igualdade. Ao contrário, a aptidão para ter amigos é natural dos seres humanos e animais, porém, somente aqueles são capazes de desenvolverem devido a sua racionalidade. A duração da amizade se relaciona com a duração das virtudes, do prazer e utilidade, pois a amizade é construída e não inata ao homem, porque os homens bons não são aqueles que nasceram bons, mas se tornaram bons no processo de culto às virtudes, “são bons enquanto dura a bondade”. Logo, se admite a perda, dever-se-ia admitir o construído e não o inato. Revista Transdisciplinar Logos e Veritas, Vol. 01, nº 01, 2014, pp 66-69, ISSN 2318-9614 P á g i n a | 69 Referências Bibliográficas: ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. In: Os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bonhheim da versão inglesa de W.D. Ross. THOMPSON, Frank Charles (org.) Bíblia com versículos em cadeia temática. Rio de Janeiro: Editora, Vida, 19965. Tradução de João ferreira de Almeida. * O autor: Eder Leal Dias é estudante do quinto período do Curso de Direito e membro integrante do Núcleo de Pesquisa de Ciências Jurídicas e Sociais-NPCJS da UNESA-Cabo Frio. Revista Transdisciplinar Logos e Veritas, Vol. 01, nº 01, 2014, pp 66-69, ISSN 2318-9614