MARGINALIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL: a mediação que busca superação GLEYDS SILVA DOMINGUES-UNIMEP-SP [email protected] RESUMO O presente artigo tem por finalidade apresentar a problemática da marginalidade e da exclusão social, a partir da investigação realizada numa comunidade de invasão localizada na região metropolitana de Curitiba, a qual é conhecida, evitada e “temida”, devido aos altos índices de latrocínio, homicídio, drogas e desmanches praticado por integrantes desta comunidade. A discussão aqui tratada não esgota o problema em si, mas aponta possibilidades que buscam superar o fenômeno, a partir de mediações realizadas por instituições oriundas da sociedade civil. A proposta evidenciada parte de projetos sociais de intervenção que objetivam o resgate das condições essenciais ao ser humano e a valorização da vida. Vida que se manifesta em toda a sua plenitude e que garante não apenas a sobrevivência, mas o ser e estar no mundo em constante relação. O movimento relacional remete a ter consciência de si e dos outros e nessa interação reaparece o exercício da cidadania e da autonomia como práticas reais de participação no processo decisório das políticas que são voltadas para a realidade local, global e planetária, diferente daquela que figura no campo discursivo da esfera do poder hegemônico. As parcerias mantidas e construídas no processo histórico demarcam a superação da linearidade das propostas sociais de caráter ingênuo, assistencialista, paternalista e competitivo, uma vez que a intencionalidade é a emancipação dos sujeitos envolvidos, quer direta ou indiretamente. E neste envolvimento há o despertar da consciência cidadã pela e na reflexão sobre a realidade e o seu entorno. PALAVRAS-CHAVE:Marginalidade- exclusão social – parcerias- mediação 129 INTRODUÇÃO A temática Marginalidade e Exclusão Social a ser abordada neste trabalho remetem à reflexão crítica nos aspectos constitutivos de tal fenômeno e sua incidência na esfera da sociedade. Parte-se da idéia de que a problemática em questão não está restrita a um campo específico, mas a um conjunto de medidas e ações gerenciadas globalmente, uma vez que o processo de mundialização tão incisivo no mundo pós-moderno diminuiu sensivelmente os espaços (quer sejam de ordem geográfica, ideológica, social e econômica) e se afirma decisivamente no estabelecimento de diretrizes norteadoras do sistema planetário, cognominado de “aldeia global”. No tocante às diretrizes, percebe-se a influência marcante de políticas advindas do bloco econômico e de organismos internacionais definidores de metas para os estados-nações, no que se refere aos índices percentuais quanto ao desenvolvimento sustentável, embora não estejam de todo descartadas “as forças sinistras do fundamentalismo e do fanatismo, da exploração e da intimidação” (Singh , 2002, p.51). FRIGOTTO (2001, p.43) atribui a estes grupos “o rótulo de os novos senhores do mundo que têm o poder de fato no plano político e econômico e o controle privado da nova base de trabalho científico-técnica, formada pela tríade: microeletrônica, microbiologia e engenharia genética”. Em contraposição a isso, surge a necessidade premente de identidade e autonomia que são marcadas pela cultura – patrimônio da humanidade - e que desafiam a ordem estatuída pela sublevação de uma sociedade civil, que participa, reflete, critica, diz de si mesma e se constrói na ação e interação de seus atores e espaços. SPOZATTI (2002, p.5) entende autonomia como: a capacidade e a possibilidade do cidadão em suprir as suas necessidades vitais, especiais, culturais, políticas e sociais, sob as condições de respeito às idéias individuais e coletivas... a possibilidade de exercício de sua liberdade, ao ter reconhecido a sua dignidade, sendo reconhecida sua representação pública e partidária, ou seja usufruir plenamente dos seus direitos humanos fundamentais. A respeito disso, COUTINHO (2000) reconhece o poder do Estado para obstaculizar o processo hegemônico e autônomo entre ele e as organizações culturais e afirma que: “não pode existir uma sociedade civil efetivamente autônoma e pluralista sem uma ampla rede de organismos culturais” (idem, 2000, p.20), uma vez que são esses, que irão legitimar ou não, as ideologias presentes na sociedade. Luta-se contra a hegemonia cultural voltada para perpetuação e no seu lugar se põe como meta a transformação das relações sociais. 130 É nessa sociedade civil que mesmo sendo marcada e dominada pelas relações de mercado, as ações solidárias vêm assumindo papéis representativos no desenvolvimento de projetos sociais direcionados à inclusão. Essa iniciativa é que recoloca na sociedade civil a responsabilidade global de luta pelos excluídos, na busca pelo direito de voz, vez e voto, o que implica reflexão e ação frente às políticas públicas e às práticas do cotidiano. Esta consciência cidadã precisa, para existir e desenvolver-se, de redes de participação e de comunicação, que possibilitem a formação de sínteses, oriundas da reflexão da prática cotidiana, elevadas a uma condição universal no âmbito político da urbe, respeitando as diferenças e o conjunto de crenças e hábitos culturais de cada grupo social pertencente à cidade (Moll, 2004, p.77). GEREMEK (2002) aposta na “união de cidadãos trabalhando em ações voluntárias para conversar, discutir, criar relações ... sem visar o lucro” e que concorre para uma ação solidária entre os diferentes e seus pares de forma voluntária, equilibrada, recíproca, humanitária e justa, em prol da coesão social. Isto implica na construção direta das sociedades em relações que envolvem o respeito à dignidade do ser humano e a criação de laços sociais em nome da solidariedade. Diante disso, busca-se compreender a questão da Marginalidade e da Exclusão Social superando-as no conjunto das inter-relações que envolvem as sociedades e suas estruturas na composição do tecido social global, voltado para o desenvolvimento humano que na visão de SPOZATTI (2002, p.5) “está atrelado aos valores inerente às pessoas como: liberdade política, econômica e social, criatividade, capacidade de produzir, dignidade e respeito aos direitos humanos”. É ainda visto, como um processo que amplia o campo das ofertas de possibilidades e condições às pessoas, quanto à vida, no sentido amplo da palavra. 131 1- A ORIGEM: a complexidade do tema O problema da marginalidade e exclusão social não é fruto deste século, mas ocorre junto com o início da história dos homens, em que os desiguais eram descartados do processo de continuidade civilizatória, incluindo nesse sentido, as transformações pelas relações –interações entre homens, trabalho e meio. “O sujeito humano é criador de projetos, o que o leva a participar de sua cultura, de sua história e a ser sujeito de seu corpo. Participar de projetos imaginá-los, sonhá-los, realizá-los, elaborá-los, destruí-los, abandoná-los representa laborar na construção da civilização” (Carreteiro, 2001, p.91). A não participação na construção desse projeto implica na ação de exclusão, cujo sinal visível é a marginalização e repúdio, verificados na forma de submissão, escravidão e desafiliação do convívio social, causadores da rejeição, violência e humilhação. Essa problemática também se encontra evidenciada e descrita nos livros mitológicos e sagrados de várias religiões, o que a torna objeto de estudo e análise nas ciências humanas e sociais, uma vez que perscrutam os enredos contados e a forma como lidam com o fenômeno em questão. Isso porque, nos enredos estão implícitas as concepções e ideologias subjacentes aos povos, quanto à questão da própria relação entre riqueza, pobreza, humanidade, propriedade, universo e vida. No plano ideológico são construídas diretrizes de pertencimento e exclusão e o modo de avaliação, classificação e legitimidade a ser conferida aos membros de uma dita classe social. É como se os mesmos recebessem um rótulo – marca de poder -, mediante a propriedade de bens e a posição adquirida por meio do seu status quo. “Sempre existiu uma política do conhecimento oficial, uma política que exprime conflito em torno daquilo que alguns vêem simplesmente como descrições neutras do mundo, e outras concepções de elite que privilegiam determinados grupos e marginalizam outros” ( Bonetti, 2000, p.79). O resultado disso é a expropriação, a desigualdade sócio-econômica desenfreada, a divisão de classes e o estabelecimento de políticas públicas que trazem em seu bojo concepções e visões de mundo que refletem o desejo de uma minoria majoritária. “Os historiadores da pobreza, demonstraram que os processos de modernização levaram, em diversos momentos da história, as sociedades a considerar os pobres como excluídos” (Geremek, 2000,p.230). Infelizmente, ainda há aqueles que com indiferença, medo e superioridade 132 excluem os “pequeninos” do processo de participação social, em nome do poder concentrado em suas mãos. A presença dessas políticas públicas está implícita no processo de competição, culpabilização e fracasso do indivíduo, sua desqualificação, e, por conseguinte, atuam na subjetividade e na intersubjetividade, minimizando a responsabilidade do Estado frente às “intempéries” da exclusão, trazidas pela transformação, advindas da nova era tecnológica. BONETTI (2000) tece a passagem da responsabilidade do Estado do processo de in/exclusão para os sujeitos sociais, frente à sua inoperância tecnológica e não homogeneização, o que resulta no processo de exclusão. Há nesse sentido, a passagem do foco de segmento social representados por grupos específicos (os favelados, os sem terra, os negros, as mulheres...) para problemática social (competitividade, violência, fome, miséria, desemprego estrutural, desqualificação, inchaço no setor produtivo, robotização...). O resultado disso é um re-ordenamento na ação dos movimentos sociais e o Estado transformando-os de meros opositores para parceiros. Diante de tal cenário, delimitar o campo de (in)exclusão torna-se muito delicado, uma vez que as forças antes opositoras, atuam em prol de respostas ou medidas de caráter mediático assistencialista, quanto à problemática evidenciada. Surgem possibilidades de viabilizar propostas sociais que atendam diretamente à demanda especificada na recondução de caminhos pautados na re-inserção ou não, dos sujeitos históricos. 2- DOS SIGNIFICANTES AOS SIGNIFICADOS: um percurso necessário O termo marginal vem do latim marginale e quer dizer pertencente ou relativo a margem. O homem marginal é definido como o indivíduo mais ou menos delinqüente ou anormal que vive a margem das normas éticas. É aquele que através da migração, educação, casamento ou alguma outra influência abandona um grupo social ou cultural sem realizar um ajustamento satisfatório em outro, encontrando-se em suas margens, sem, contudo pertencer a eles. O termo exclusão vem do latim exclusione e se refere ao ato ou efeito de excluir, pessoa ou coisa excluída. Na visão sociológica (Dicionário sociológico virtual, 2002) o campo conceitual de marginalidade é concebido em 5 acepções distintas, a saber: 1- marginalidade cultural: pressupõe a submissão de uma classe social a outra de maior poder e prestígio, legitimando suas ações 133 culturalmente – Weber(2001, p.14) – distingue classe social como “um grupo de indivíduos que por partilharem a mesma situação de classe, isto é, a mesma situação de mercado, possuem as mesmas chances típicas no mercado de bens e de trabalho, as mesmas condições de existência e de experiências pessoais, e os grupos” -; 2- marginalidade ecológica: liga-se às baixas condições de qualidade de vida, como escassez de padrões e recursos mínimos para o desenvolvimento humano; 3- marginalidade política: capacidade de limitar os direitos reais de cidadania em seu exercício pleno; 4- falta de integração: implica em alijar o indivíduo de pertencer e participar ativamente da estrutura geral da sociedade e 5- cultura da pobreza: ausência de valores, normas, poder de decisão, estrutura familiar e esperança. Ao deslocar os significados elencados para o contexto complexo real, percebe-se que são agregados outros significantes que agem em complementaridade junto à temática investigada. Essa evidência se faz notória no alvo da investigação, Vila Zumbi dos Palmares - uma comunidade localizada na zona metropolitana, caracteriza-se como uma área de invasão, não reconhecida pela Prefeitura Municipal como um bairro. Interessante, porém, que do outro lado da rodovia situa-se a Vila Liberdade, o que se constitui numa contradição. Essa contradição é entendida quando se parte da própria constituição do nome e dos préconceitos adjacentes a ele e a prática de exclusão que gira em torno de si mesma, uma vez que, Zumbi foi um líder negro responsável pela resistência à escravidão no Brasil, cujo alvo era a liberdade. Zumbi na linguagem popular refere-se à alma que vaga sem destino, sem identidade. Nisso advém às várias formas de exclusão, mesmo que essas atuem de forma subliminar, em relação aos moradores. MARMILICZ (2002, p.58) diz que ser excluído ”significa não contar para nada, não ser considerado útil à sociedade, ser descartado da participação e, sobretudo, sentir-se insignificante. Disso resulta a zona de exclusão formada pelo desemprego, pela ruptura dos vínculos sociais ou das redes de convivência sem-sentido das motivações”. Essa constatação se verifica na fala dos próprios moradores e nos depoimentos das pessoas que trabalham direta ou indiretamente na comunidade. Há uma quase unanimidade nas respostas emitidas, no que se refere à origem dos moradores nas entrevistas de cunho empregatício, ou seja, alocação de mão-de-obra. Eles de fato omitem o local de sua residência e convívio, substituindo-os por Comunidade do Centro Industrial Mauá (aspecto que foi comprovado e apresentado por PAUGAN em seus estudos - Paugan, 2001, p.72-76). 134 É surpreendente como os moradores estabelecem divisas territoriais em sua comunidade, separando os bons dos maus. A constatação disto vem da moradora mais antiga, neste trabalho será identificada por Rosa, ao dizer que: - A rua não é boa para ninguém”; ali, não confio não, só tem moleque levado – termo entendido como ladrão que prática assaltos e desmanches de carros. Aqui todo mundo se conhece, não tem perigo não, mas acho que é melhor ficar à noite em casa mesmo, não sei o que pode acontecer...” . “Há um tempo atrás aqui era só mato e lama, aí vieram os outros,... e aí... levaram até os tanque comunitário de lavar roupa e as torneira da rua. Eu que não sou boba e tenho os mermo direito, fiquei com uma e não tive mais falta da água. . As políticas de caráter assistencialista ainda são consideradas de grande valia para essa comunidade que parece desconhecer ou por ingenuidade ou por acomodação o que seja exercício pleno de cidadania. SPOZZATI (2001, p.6) define cidadania como o “reconhecimento de acesso a um conjunto de condições básicas para que a identidade de morador de um lugar se construa pela dignidade, solidariedade e não só pela propriedade. Supõe um padrão básico de vida como a condição de presença interferência e decisão na esfera pública da vida coletiva” RIBEIRO (1984, pp.580-581) retrata no seu romance como a ingenuidade política pode repercutir na história dos homens. Ele coloca no ponto central do discurso a conscientização como um caminho necessário para a liberdade do povo. Isso é tecido pelo autor, por meio de um diálogo travado entre dois protagonistas: - ...As liberdades constitucionais são garantidas, todos sabem disso! - Que liberdades constitucionais? Que liberdades constitucionais exerce um pobre coitado..., reduzido a mais completa ignorância e miséria, sem acesso à justiça, sem acesso a coisa nenhuma? – Não seja melodramático, meu irmão, não pinte as coisas mais feias do que são. - Estamos num país abundante em que o povo, precisamente por isso, cultiva hábitos preguiçosos, não tem iniciativa... é uma questão de formação, de temperamento nacional, não pode ser objeto de lamúrias de reformadores sociais... você fala como se fosse inimigo do regime. – Inimigo do regime coisa nenhuma, e este regime tem inimigos... – Que benefício trouxe a República ao povo; - Que benefício trazia a Monarquia? - Não se trata de monarquia ou república, trata-se de perceber que não vamos eternamente abafar a voz dos despossuídos, oprimidos e injustiçados, que são a grande maioria...Tratase de estabelecer um regime que... procure compreender que o país só poderá ser grande na medida em que não mantiver seu povo marginalizado. De fato os moradores atribuem aos feitos políticos o que de direito lhes pertence e compete, como cidadãos brasileiros. É o caso das identidades civis, da iluminação, do atendimento à saúde, da construção de creches e escolas, dos registros e carteiras de trabalho, da dignidade e da valorização da vida e do trabalho. Essa realidade é expressa na fala de Rosa. 135 - O fulano foi bão para nois. Ele é que fez as identidades e carteiras de trabalho dos meus filhos e ainda chamou eles para trabalhar na campanha e depois dela ainda deu trabalho tudo para eles, Nois não tinha nada não, mas agora o meu filho mais velho é mestre de obras e todos os irmãos seguiram ele... todos daqui respeita meus filhos, dizem que tudo é gente boa, respeitadora e trabalhadora. Nossa, eles começaram misturando massa naquela indústria, fazendo aquele troço que bota nas ruas, como é mermo o nome, ah! Manilha”. A caracterização da comunidade no entender da assistente social do Centro de Convivência da Vila Zumbi é marcada pela marginalidade, que sofre em sentido duplo a exclusão, tornando-se vítima e fazendo vítimas desse processo. Essa afirmação, contudo, é feita de modo ponderado e articulado com os altos índices de criminalidade e violência gestadas no interior da comunidade, em que a concepção de brincar assume a linguagem da barbárie, da malandragem e da violência. “A crise social do mundo atual conjuga-se com uma crise moral, e vem acompanhada do desenvolvimento da violência e da criminalidade” (Delors,2000,p.52). Nesse sentido, urge resgatar o sentido ético da vida e dos valores ligados à existência e à essência humanas tornando-os diferenciais nas relações e interações entre os homens e o seu meio. SUREK (2002, p.255 e 257) afirma que: o resgate dos valores, a recomposição da dimensão ética exigem que para um ser humano o outro volte a ser humano, pessoa, com tristezas e alegrias o que não ocorre no anonimato, que é superado no circuito de conhecidos... com gente de carne e osso e não com o imaginário midiático. Reencontra-se aí a flexibilidade, o respeito, a experiência que constituem o caminho para inclusão, para a partilha e para a re-humanização. Isso é verificado na fala de Rosa, que compartilha com entusiasmo a chegada das pessoas inteligentes -os novos moradores-, que se organizam e lutam por melhorias para todos. - “Até que chegaram as pessoas inteligentes. Nossa mudou muito! Eles tudo luta pela gente e como consegue coisas boas pra nois todos” . A força desempenhada pelo movimento organizado nas comunidades, em particular, nas de periferia, provocam um forte impacto sobre as reivindicações de melhorias de qualidade de vida. Essa estratégia pode ser entendida, como sendo fundamental para a defesa e garantia de direitos e deveres, tão arraigada ao exercício do homem cidadão. A expressão de voz e vez silenciam as forças opressoras que tentam dizimar ou mesmo enfraquecer o movimento no processo de conscientização de um povo no pleno uso de sua liberdade e autonomia. Nesse processo, novas leituras são realizadas na perspectiva de novos horizontes solidários, que buscam a integração social. 136 3- UM VIÉS DE ESPERANÇA: a mediação em redes e parcerias As histórias de vida das maiorias desafiliadas falam por si mesmas e ainda, são reveladoras da discriminação sutil sofrida, reproduzida e perpetuada no seio da estrutura social. Em relação à comunidade investigada, a contradição é manifesta por seus moradores vizinhos, que separados por uma única via, ostentam o seu alto poder aquisitivo visível nos bens adquiridos: casas de alto padrão, construídas em terrenos super valorizados e carros importados. Essa percepção desigual é absorvida pelos moradores de forma jocosa que dizem: - ”lá (referindo ao condomínio de luxo) Alphaville, aqui Alfavela”. O maior índice de mão-de-obra concentra-se no trabalho feminino, sendo esse, muitas das vezes, a única fonte principal de renda e de sustento da família, compreendida por mais de 5 integrantes – família numerosa - este fator é gerado pelo alto grau da taxa de natalidade na comunidade. Um dos esforços para o controle da taxa de natalidade é o planejamento familiar que consta de um dos programas que vem sendo desenvolvido pelo Centro de Convivência da comunidade, em parceria com a Prefeitura de Colombo, o qual oferta cursos e palestras com profissionais especializados. Ainda oferece ajuda à gestante na confecção do enxoval do bebê, feito por ela mesma no Centro de Convivência, desde que não falte às reuniões de orientação e de cuidados básicos consigo e com o ser em formação. Outra prática não muito inusitada (por seu caráter assistencialista), vem do grupo de imóveis Alphaville, criando oportunidades de treinamento e capacitação profissional na área de serviços, com o intuito de formar a mão-de-obra para atuar no Condomínio. Para participar desse processo é preciso ter concluído o Ensino Médio e estar na faixa de 20 a 35 anos. Requisitos que excluem muitos dos candidatos (moradores da comunidade) que vão à procura de uma vaga. Este fator gera frustração e revolta no seio da comunidade que se sente incapacitada e inútil para o trabalho. A introjeção desse grupo foi feita a partir de uma reunião, no qual estavam presentes os representantes da Prefeitura, os representantes do Alphaville e alguns membros da comunidade. Nela foi feita a promessa de gerar novos empregos, porém com a condição supracitada e ainda, com o envolvimento e participação efetiva nos cursos profissionalizantes. Esse dado revela o crescimento do setor de serviços, em detrimento de outras áreas de nível médio a alto grau de complexidade do trabalho, que exige maiores conhecimentos tecnológicos, necessários à qualificação do profissional, percebendo remunerações e vantagens compatíveis com 137 o trabalho desenvolvido, o que gera a manutenção da expropriação do trabalho, pela exploração da mão de obra barata. Diante de tal cenário, cabe refletir sobre a necessidade de mediar práticas sociais que venham subsidiar o indivíduo na sua formação total e que estejam despojadas de espírito competidor e moralizador, mas educador e humano que se realiza na participação ativa e consciente dos cidadãos. Perceber-se integrado à teia de relações da cidade e comprometido com esta, vendo-a a partir de uma perspectiva orgânica e solidariamente sistêmica é compreender o significado fundamentalmente social de um protagonismo que rompe com a lógica da competição da fragmentação e do individualismo egóico e excludente, tão propalados pelos ideólogos neoliberais (Moll, 2004, p.77). Vislumbra-se aqui, a iniciativa de uma instituição evangélica que, em uma das ações tomadas no seio desta comunidade foi a criação de uma Escolinha de Futebol. Essa conta com mais de 100 crianças matriculadas, de ambos os sexos, compreendidos na faixa etária de 07 a 18 anos. O trabalho é pioneiro nesta comunidade, por isso está ganhando espaço à medida que resgata crianças das drogas e do tráfico e devolve-lhes a auto-estima e a auto-imagem, na medida que afirma sua identidade e sua autoria na defesa da sua comunidade, a partir do movimento histórico e social do qual faz parte. Há um esforço de reeducar suas atitudes entre seus pares e outros, no processo de convivência solidária. Objetiva-se à formação do caráter e do desenvolvimento da pessoa humana como cidadã e sujeito de sua história que tem responsabilidades a serem compartilhadas em prol de uma vida digna. Nesse mover, percebe-se que, a atuação para com as camadas populares, requer dos protagonistas, comprometimento político, parceria e vontade para continuar crendo na possibilidade de transformação a ser concretizada no sujeito e no meio que vive e convive. Compreender, ou desejar compreender os fenômenos da pobreza das situações de inclusão subordinada na sociedade, de injustiça social, de manipulação das classes populares exige ... que assumamos as nossas identidades culturais como pressuposto básico para nossas atuações, inserções e também para a compreensão das complexidades que compõem as classes populares em nosso país (Fisher, 2004, p.50). Assume-se a responsabilidade social de agir na prática do cotidiano, imprimindo um caráter renovador, por intermédio de releituras que são feitas e assimiladas nas histórias e relatos de vida, expressos em atitudes de mudança e aprovação, quanto às posturas assumidas frente às situações problemas impostas e interpostas na realidade. Trata-se de combater ou encontrar o tratamento para o mal cancerígeno (exclusão e marginalidade) que gera o mal estar social. 138 O viés encontrado por organizações institucionais, no seio da sociedade civil, está no estabelecimento de redes e parcerias, cujo fim é a solidariedade e a justiça no emprego de recursos de diferentes matizes no desenvolvimento humano, aplicáveis à realidade e porque não dizer à vida. Devolver o sonho, a criatividade, a confiança e a esperança é devolver ao indivíduo a sua identidade, a sua consciência e a sua visão e ação políticas, o que faz valer os princípios fundamentais elencados na Carta Magna brasileira, na construção de uma vida digna para todos. Assim, “é a relação humana que age, a relação com os outros e com o mundo, na medida em que pretende dar-se um sentido” (Marmilicz, 2002, p.59). E é este sentido que se busca nas relações marcadas pela diversidade e multiculturalidade sociais. (IN) CONCLUSÕES O tema Marginalidade e Exclusão Social não esgotam em si mesmos. Eles perpassam todo um processo social-histórico-ideológico e por isso, não podem ser trabalhados de forma desconexa da realidade, na tentativa de apontar soluções erradicadoras do problema à distância. O trabalho com tal problemática social conduz a ressignificação das sensibilidades coletivas, em torno da solidariedade e da justiça social. Ao situar a problemática da Marginalidade e da Exclusão Social percebe-se de imediato a necessidade de estabelecer práticas que tentem resgatar a identidade, a auto-imagem, a utopia e autonomia, elementos imprescindíveis para o efetivo exercício da cidadania. Falar com o povo e ao mesmo tempo ouvir e compreender a sua voz no silêncio oprimido é compartilhar de um sonho, de uma esperança, de uma história e essa viva. Nesse sentido, as práticas sociais perfilam como um caminho de reflexão-ação, quanto às relações e interações presentes no convívio entre os homens e seu meio., Diante de tal fenômeno, objetiva-se um mover das instituições sociais no estabelecimento de redes e parcerias voltadas para a esperança, a qual deve estar permeada por valores e sentimentos, outrora esquecidos e que assumem a expressão própria no processo de construção e reconstrução social. Volver-se nessa iniciativa é acreditar na possibilidade de mudança, num esforço coletivo que não depende exclusivamente do indivíduo, mas da conjugação de forças partilhadas pelos diferentes e entre seus pares, envolvendo o Estado, as organizações e os sujeitos. 139 Sendo assim, o sentido de sociedade será redefinido por novas práticas viabilizadoras do todo complexo e planetário, como garantias fundamentais dos direitos e da vida dos homens. Urge buscar espaços sociais para concretização e viabilização das propostas direcionadas à vida e essa justa, humana e solidária. REFERÊNCIAS BONETI, Lindomar Wessler(coord). Educação Exclusão e Cidadania. Ijuí: Editora Unijuí, 2000. BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Editora Perspectivas, 2001. BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL. Brasília, 1988. CARRETEIRO, Tereza Cristina. Uma contribuição á análise de formas de afiliações e desafiliações sociais. In: As Artimanhas da Exclusão. Petrópoilis: Vozes, 2001. 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