FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS – FUNEDI
FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE:
UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ
DIVINÓPOLIS
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MINAS GERAIS
2008
Adriana Maria da Silva
FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE:
UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ
Dissertação apresentada ao curso
de mestrado da Universidade do
Estado de Minas Gerais, como
requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Educação,
Cultura e Organizações sociais.
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO:
Estudos Contemporâneos
ORIENTADOR:
Prof.
Leandro Pena Catão
DIVINÓPOLIS
2008
Dr.
S586f
Silva, Adriana Maria da
Formação profissional e empregabilidade: um estudo sobre o CEFETBambuí [manuscrito] / Adriana Maria da Silva. – 2008.
170 f., enc. il.
Orientador : Leandro Pena Catão
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais,
Fundação Educacional de Divinópolis.
Bibliografia : f. 141 - 146
1. Mercado de Trabalho – Contemporaneidade. 2. Mão de Obra –
Formação. 3. CEFET – Bambuí. I. Catão, Leandro Pena. II. Universidade
do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título.
CDD: 331.12
Universidade do Estado de Minas Gerais
Fundação Educacional de Divinópolis
Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Organizações Sociais
Dissertação intitulada “Formação Profissional e Empregabilidade: um estudo sobre o
CEFET-Bambuí”, de autoria da mestranda Adriana Maria da Silva, aprovada pela banca
examinadora pelos seguintes professores:
___________________________________________________
Prof. Dr. Leandro Pena Catão – FUNEDI/UEMG – Orientador
___________________________________________________
Prof. Dr. Francis Albert Cotta – FEVALE/UEMG
___________________________________________________
Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira – FUNEDI/UEMG
___________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Simões Ribeiro
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Organizações
Sociais
FUNEDI/UEMG
Divinópolis, março de 2008.
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou
parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente,
autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da
FUNEDI/UEMG.
Assinatura:___________________________
Local e data: _________________________
DEDICO:
Á memória de minha mãe Ebe Alves, exemplo de educadora e de pessoa íntegra.
Ao José Admar, Maria Eugênia e Igor, amores por toda a minha vida.
AGRADEÇO:
Ao meu amigo e orientador Leandro Pena Catão
pelo incentivo dado a essa pesquisa; ao prof. José
Geraldo Pedrosa pela valiosa contribuição a esse
estudo; a D. Elci pelas pesquisas na internet; ao Sr.
Altamiro pela disponibilidade em me conduzir
pelos caminhos do CEFET-Bambuí; aos colegas de
mestrado pelas piadas nas horas difíceis.
A todos, o meu agradecimento.
RESUMO
Devido às constantes crises econômicas pelas quais passa o capitalismo, o mercado de
trabalho procurou fazer um “novo” reencaixe de homens e mulheres, passando da
racionalização das medidas disciplinares para a otimização da produtividade, do
aparecimento de novas profissões para uma crescente qualificação da mão-de-obra nos
cursos profissionalizantes. Por isso, a política educacional desenvolvida no Brasil e em
Minas Gerais, especialmente após a segunda metade da década de 1960, buscou refletir
a teoria do capital humano que transfere ao indivíduo a responsabilidade do seu
emprego ou desemprego, baseado na meritocracia. Produziu-se, então, a crença de que o
progresso técnico não só gera novos empregos, mas exige uma qualificação cada vez
mais apurada e que essa, via escolarização, se constituiria em garantia de níveis de
renda cada vez mais elevados. Os CEFETs são, então, equipados para responder a essa
demanda, com cursos de alta qualidade e inserção imediata no mercado de trabalho.
Especificamente no CEFET-Bambuí, essa mão-de-obra irá inserir-se em uma realidade
agrícola com uma metodologia voltada para o sistema escola-fazenda. Também uma
postura empreendedora é esperada nessa instituição. No entanto, essa postura se volta
para um paradigma de competição e individualismo que não responde a um anseio de
mudanças pretendido pela necessidade atual.
Palavras-chave: mercado de trabalho, cursos profissionalizantes, Cefet.
ABSTRACT
Had to the constant economic crises for which it passes the capitalism, the work market
looked for to make “new” regencies of men and women, passing of the rationalization
of the measures to discipline for the optimization of the productivity, of the appearance
of new professions for an increasing qualification of the man power in the
professionalizing courses. Therefore, the developed educational politics in Brazil and
Minas Gerais, especially after the second half of the decade of 1960, searched to reflect
the theory of the human capital that transfers to the individual the responsibility of its
job or unemployment. It was produced, then, the belief of that the progress technician
not only generates new jobs, but demands a qualification each more refined time and
that this, saw school, if would more constitute in guarantee of levels of raised income
each time. The CEFETs is, then, equipped to answer to this demand, with courses of
high quality and immediate insertion in the work market. Specifically in the CEFETBambuí, this man power will go to insert in an agricultural reality with a methodology
directed toward the system school-farm. Also an enterprising position is waited in this
institution. However, this position if return for a competition paradigm and
individualism that does not answer to a yearning of changes intended by the current
necessity.
Word-keys: market of work, professionalizing courses, Cefet.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Posto Agropecuário 1952 ..............................................................
14
Figura 2 – Alunos do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola 1958....
14
Figura 3 – Entrada principal do Posto Agropecuário 1950 ............................. 108
Figura 4 – Entrada principal do CEFET-Bambuí 2008 ................................... 108
Figura 5 – Autorização de serviço do Posto Agropecuário.............................. 111
Figura 6 – Sr. Altamiro em aula prática ........................................................... 112
Figura 7 – Formatura do 1ª turma do Centro de Treinamento de Tratorista..... 112
Figura 8 – Cooperativa-escola ......................................................................... 116
Figura 9 – Símbolo da Escola Agrotécnica de Bambuí.................................... 119
Figura 10 – Entrada principal do CEFET-Bambuí........................................... 129
Figura 11 – Foto aérea do CEFET-Bambuí...................................................... 130
Figura 12 – FIPA............................................................................................... 135
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 08
CAPÍTULO I : Decifra-me ou te devoro – o mercado de trabalho
na contemporaneidade ................................................................................. 15
1.1
O Desenvolvimento da sociedade capitalista e seus intercâmbios.. 23
CAPÍTULO II : A busca pela cidadania através da Educação
Profissional no Brasil e em Minas Gerais .................................................. 49
2.1
2.2
2.3
2.4
Primeira República ..........................................................................
Período Desenvolvimentista .............................................................
Ditadura Militar ................................................................................
Nova República ..................................................................................
52
67
71
77
CAPÍTULO III : Instituição CEFET
3.1
3.2
3.2.1
3.2.2
Como se estruturam ......................................................................... 96
CEFET em Bambuí .......................................................................... 109
Empregabilidade dos egressos do CEFET-Bambuí....................... 123
Empreendedorismo nos cursos técnicos do CEFET-Bambuí....... 133
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 139
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................... 141
ANEXO ....................................................................................................... 147
8
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa constitue-se em uma incansável busca por respostas diante da insistente
pergunta de meus alunos: “por que estudar se não vamos encontrar lugar para
trabalhar?”. Durante muito tempo esta pergunta preocupou-me bastante porque, ao
mesmo tempo em que não podia desanimá-los diante do futuro que tinham pela frente,
percebia que a realidade se mostrava tal qual eles a percebiam, ou seja, a escolaridade
não era suficiente para ingressá-los no mercado de trabalho. Ou, pelo menos, no mundo
ao qual almejavam com ótimos salários, acesso às novidades do mercado consumidor,
estabilidade no emprego, etc.
Creio que eles entendiam meu silêncio como uma confirmação diante do que me
expunham. Na verdade, esses debates ficaram rondando meu entendimento em busca de
respostas mais consistentes e que fossem mais próximas da verdade.
Assim, entender o mercado de trabalho com toda a sua complexidade na sociedade
contemporânea, bem como o que vem determinando historicamente a criação dos cursos
no CEFET – Bambuí, constitui o objetivo maior dessa dissertação.
Historicamente, o CEFET de Bambuí – antigo Posto Agropecuário – vem oferecendo
cursos para atender às necessidades do momento como Informática, Turismo, Técnico
em Agropecuária e Zootecnia , devido ao fato da mão-de-obra formada nesses cursos
técnicos, ainda serem absorvida pelas empresas. Além da procura por cursos para
inserção no mercado de trabalho, há também a intenção, por parte de alguns alunos, de
ingressar no curso superior. Por isso, a educação geral dada nesses cursos visa atender a
esse requisito. Não percebemos, contudo, uma preocupação com uma formação voltada
9
para o empreendedorismo1 - apesar de alguns cursos apresentarem a disciplina em seu
currículo – que, conforme sugeriu Vanilda Paiva2 poderia dar maior autonomia aos
indivíduos quando estes optarem por ter seu próprio negócio. Essa nos parece ser uma
questão que merece ser observada.
Assim, para cumprir o objetivo dessa pesquisa, a mesma foi dividida em 03 capítulos. O
capítulo 01 apresenta um histórico do mercado de trabalho, bem como as teorias liberais
e industrializantes em intercâmbio com as teorias educacionais, mostrando que esta
relação nem sempre visou à formação de indivíduos aptos a construir uma sociedade
mais igualitária, mas sim que atendesse naquele momento histórico as necessidades do
capital. Por isso, nesse período, a escolarização passa a ser determinada pelo fator
econômico deixando de ser, portanto, uma determinante da equalização social.
O capítulo 02 mostra como ocorre a educação profissional no Brasil e em Minas Gerais,
onde são discutidos aspectos como a missão da escola profissionalizante segundo a
legislação e como a política educacional desenvolvida no Brasil nos últimos anos e
baseada no capital humano3, propôs a equalização através da escola, justificando a
exclusão da classe trabalhadora e a concentração de renda, a nível individual e pela
meritocracia. Nesse sentido, a análise do caso brasileiro é reveladora. Toda a política
1
Empreendedorismo vem de entrepreneur, palavra francesa que era usada no século XII para designar
aquele que incentivava brigas. No final do século XVII, passou a indicar a pessoa que criava e conduzia
projetos e empreendimentos, isto é, aqueles que compravam matérias-primas (geralmente um produto
agrícola) e as vendiam a terceiros. A conotação atual que se dá ao empreendedorismo é o de desenvolver
maneiras diferentes ou novas de se fazer algo e assim conquistar o mercado. (DOLABELA, F. – O
Segredo de Luísa – SP, Cultura Editores Associados, 2004, citado por Michelle Gomes Lelis in
Educação Financeira e Empreendedorismo, Viçosa/MG, CPT - Centro de Produções Técnicas, 2006).
² PAIVA, Vanilda – Educação e bem-estar social – Campinas/SP, 1991.
³ A teoria do capital humano refere-se ao investimento feito no próprio indivíduo, através da aquisição de
conhecimentos e capacidades que possuem valor econômico. A característica distinta do capital humano é
a de que ele é parte do homem. “É humano porque se acha configurado no homem e é capital porque se
constitui em uma fonte de satisfações futuras ou de futuros investimentos”. ( SHULTZ, Theodore W. – O
Capital Humano – RJ, Zahar editores, 1973).
10
educacional, especialmente após a segunda metade da década de 1960, tem seu suporte
básico nos postulados da teoria do capital humano. Assim, ao lado de uma política
econômica que se associou ao capital internacional, vê-se a “democratização” do acesso
à escola como sendo o instrumento básico de mobilidade e equalização social.
Produziu-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos,
mas exige uma qualificação cada vez mais apurada e que essa, via escolarização, se
constituiria em garantia de níveis de renda cada vez mais elevados. No entanto, o que a
realidade passou a demonstrar foi que as “promessas” prognosticadas da política
econômica e educacional não se cumpriram. Neste contexto, a escolaridade foi
amplamente funcional aos interesses do capital que visavam ao desenvolvimento4
econômico.
Sabemos, no entanto, que a escola mesmo inserindo-se no movimento geral do capital e
articulando-se com seus interesses, poderá explorar igualmente as contradições
inerentes à sociedade capitalista. Desde que opte por uma prática educativa escolar
diferenciada da prática fundamental de produção – com sua divisão social do trabalho –
e que busque promover um saber mais eficaz e global.
No capítulo 03 será apresentado o CEFET com seu processo de mudanças, com
destaque para o CEFET de Bambuí – objeto básico deste trabalho e por se constituir em
nosso campo empírico – visto que é a única escola profissionalizante em Bambuí. Seu
4
Entre 1759 (Wolff) e 1859 (Darwin) cientistas começaram a usar evolução e desenvolvimento como
sinônimos, ou seja, era um processo natural no qual os seres e a sociedade estavam inseridos. A
transferência da metáfora biológica para a esfera social se torna mais evidente principalmente pós 2ª
Guerra Mundial, com o discurso de Trumam, que considerava desenvolvimento como um simples
crescimento da renda per capita. Nos anos 1990 falava-se em redesenvolvimento que em termos
conceituais e políticos, adota a forma de desenvolvimento sustentado (segundo a prescrição da comissão
Brundtland). No entanto, esse termo foi elaborado como uma estratégia para sustentar o
“desenvolvimento” e não para apoiar o florescimento ou manutenção de uma vida natural e social
infinitamente variada. (ESTEVA, Gustavo – Desenvolvimento – in Dicionário do Desenvolvimento,
Guia para o conhecimento como poder, SACHS, Wolfgang (org.), Petrópolis/RJ, Ed. Vozes, 2000).
11
início se deu em 1948 como Posto Agropecuário, ligado ao Ministério da Agricultura,
atendendo à necessidade de se fomentar a agricultura no município e região. Em 1957 é
criado o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola, ligado ao Posto Agropecuário.
Com o Decreto Presidencial nº. 3.864/A de 24/01/1961, criou-se a Escola Agrícola de
Bambuí subordinada à superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV), do
Ministério da Agricultura. Pelo Decreto de criação, a escola deveria utilizar-se das
dependências do Posto Agropecuário e do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola
do Ministério da Agricultura.
Em 13/02/1964, a Escola foi transformada em Ginásio Agrícola pelo Decreto nº. 55.358
e em 20/08/1968 foi elevada para a categoria de colégio Agrícola pelo Decreto
Presidencial nº. 63.923 de 30/12/1968. Em 04/09/1979 teve mudada a sua denominação
para Escola Agrotécnica Federal de Bambuí, pelo Decreto nº. 83.935, já com
subordinação à Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário (COAGRI).
Através da Lei nº. 8.731, de 16 de novembro de 1993, a Escola Agrotécnica Federal de
Bambuí foi transformada em autarquia, concedendo-lhe autonomia didática, financeira e
administrativa, com orçamento e quadro de pessoal próprio. Essa descentralização
administrativa concede à Escola maior liberdade de ação, podendo esta receber
subsídios do setor privado, estabelecer convênios, realizar pesquisas e prestar serviços.
A partir de 1998, com a implementação da Reforma do Ensino Profissionalizante, além
do tradicional Curso Técnico Agrícola, foram criados outros cursos técnicos:
agroindústria; zootecnia; agricultura; dois cursos de informática – redes e manutenção
de computadores e programação comercial; turismo e gestão comercial.
12
Em 2002 a Escola Agrotécnica foi transformada em Centro Federal de Educação
Tecnológica e hoje, como CEFET, já se encontram em funcionamento, além dos cursos
técnicos, quatro cursos superiores de tecnologia: Processamento de alimentos,
Informática no Agronegócio, Administração – pequenas e médias empresas e
Bacharelado em Zootecnia. A preferência pelos cursos no setor de agropecuária se deve
principalmente à “vocação agrícola” da região, que desde as primeiras décadas do
século XVIII dedicava-se à atividade agropastoril com a finalidade de abastecer as
zonas de mineração. A cidade de Bambuí teve, então, sua economia baseada na
agricultura e pecuária com destaque para a produção de café, milho e a criação de gado
leiteiro e de corte. Predomina as pequenas e médias propriedades como modelo de
exploração extensiva. Assim se explica a predominância desses cursos tanto na área
técnica como na tecnológica, bem como a pedagogia desenvolvida pela escola que se
baseia no lema: “Aprender para fazer e fazer para aprender” (sistema escola-fazenda).
Para desenvolver esta metodologia são utilizados os diversos meios pedagógicos, tais
como: salas de aulas, laboratórios de práticas, cooperativa-escola e a própria fazenda,
composta pelas diversas unidades educativas de produção.
Com o intuito de demonstrar essa relação entre o contexto histórico e a criação dos
cursos técnicos no CEFET- Bambuí, bem como sua empregabilidade, analisaremos os
arquivos do setor de Coordenação Geral de Ensino, Secretaria escolar e Departamento
de Administração. Quanto à empregabilidade, através do departamento de integração
Escola-comunidade, buscaremos informações sobre quais cursos empregam mais e
quais são os requisitos básicos exigidos por essas empresas. Teremos também como
13
base
para
esses
estudos,
as
pesquisas5
feitas
no
CEFET-Bambuí
sobre
empreendedorismo e empregabilidade.
Como julgamos relevante também analisar o tema empreendedorismo, é necessário
esclarecer que essa proposta de empreendedorismo a qual julgamos pertinente, não se
trata de uma proposta na qual existe o individualismo, a meritocracia, a competição
(paradigmas do nosso tempo), mas àquela que leve os técnicos a uma emancipação
individual e coletiva, atentando para as soluções dos problemas causados por um
paradigma de produção que desgasta cada vez mais a vida. Neste aspecto, é pertinente
investigar se, e em que medida, a oferta de cursos técnicos com foco no mercado
poderão contribuir para firmar a dualidade estrutural da educação brasileira, ou se uma
educação empreendedora – que promova essa emancipação – não seria uma saída para
essa dualidade.
Assim, procurando decifrar o “enigma” mercado de trabalho e a formação dos
trabalhadores, passaremos a analisar as teorias liberais e pedagógicas e seus
intercâmbios.
5
MAGALHÃES, Ivan chaves de – A formação técnico-profissional dos egressos do CEFET-Bambuí
e a demanda do mundo do trabalho – dissertação apresentada na UFRJ em dez/2005. COSTA, Rita de
Cássia Silva – O empreendedorismo como componente curricular para os cursos do CEFETBambuí – estudo feito para conclusão do Curso Superior em Tecnologia em Administração, 2006.
14
Figura 01 - Posto Agropecuário – 1952
Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007
Figura 02 - Alunos do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola 1958
Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007
15
CAPITULO I
DECIFRA-ME OU TE DEVORO: O MERCADO DE TRABALHO NA
CONTEMPORANEIDADE
Quando Édipo chegou à cidade de Tebas que era dominada por uma Esfinge que
devorava as pessoas que não decifrassem seu enigma, foi interpelado pela mesma com a
seguinte pergunta: “Qual o animal que anda com quatro patas ao amanhecer, duas ao
meio dia e três ao entardecer?”. Édipo decifrou o enigma, respondendo: o homem. A
Esfinge morreu, Édipo tornou-se herói de Tebas e casou-se com a rainha Jocasta, a mãe
que desconhecia.
Esse mito, tratado pelo dramaturgo Sófocles na tragédia grega Édipo - rei, nos remete a
uma analogia com o mercado de trabalho na contemporaneidade, pois tal qual Édipo
precisamos decifrar o enigma que nos é colocado ou seremos devorados (excluídos).
Decifrar o “enigma” do mercado de trabalho, além de ser uma forma de sobrevivência
nesses tempos de grandes mudanças, é também uma maneira de nos colocarmos diante
dos desafios que nos apresenta. Desafios estes que são paradoxais, pois nos leva a ter
uma vida com metas de longa duração em uma sociedade que enfatiza e vivencia o
curto prazo. Neste sentido, as expectativas que se colocam sobre os trabalhadores – de
serem flexíveis, adaptáveis, competitivos, de terem mobilidade e de estarem dispostos a
correr riscos – entram em contradição com os aspectos éticos6 e sociais tais como:
lealdade, confiança e responsabilidade social. Pois as equipes de trabalho se formam e
se desfazem no prazo apenas de duração de um projeto e, a competição pelos melhores
6
Ética aqui entendida significa princípios morais que regem a conduta dos indivíduos visando ao bem
comum.
16
postos vale a “cabeça” do companheiro de equipe. Neste sentido, como conciliar valores
éticos e ao mesmo tempo se manter no mercado competitivo? Este parece ser um grande
desafio que a sociedade nos coloca.
Ainda buscando analogia entre o mercado de trabalho com os clássicos gregos, Sísifo
nos parece um bom exemplo de como o homem, às vezes, se torna escravo de um
trabalho rotineiro. Por duas vezes, Sísifo conseguiu driblar a morte e decidir seu
destino. Mas, foi punido pelos deuses pela sua rebeldia: por toda a eternidade ele foi
condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma
montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava
novamente montanha abaixo até o ponto de partida. Por esse motivo, Sísifo tornou-se
conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo.
Como os trabalhadores da atualidade que muitas vezes não são capazes de burlar as
regras e acabam, por isso, a submeterem-se aos ditames do capital. Vivem, portanto,
concentrados nos afazeres da vida quotidiana, tornando-se criativos na repetição e na
monotonia, mas sem alterar substancialmente suas vidas.
Assim, após essas considerações acerca do trabalho faz-se necessário começarmos por
algumas definições, já que estamos lidando com conceitos ambíguos tais como:
trabalho, empregabilidade, qualificação etc.. Comecemos então com a definição de
TRABALHO, devido à necessidade de se refletir sobre o que é de fato o trabalho e seu
sentido educativo para o trabalhador.
17
No pensamento grego clássico notamos que o trabalho constitui uma etapa necessária
do desenvolvimento intelectual humano, uma atividade cognoscitiva que forma os
conhecimentos para realizar as necessidades inerentes ao homem tais como: a
necessidade de se cobrir, de se alimentar etc.7. No entanto, a necessidade de produzir e
de comercializar ficará a cargo dos escravos e, nesse sentido, o escravagismo acabou
por fundar a separação entre a contemplação e a ação, entre o trabalho manual e
intelectual.
Para também visualizarmos o conceito de trabalho, reportemo-nos a Roma, cuja
expressão é derivada de tripalium, uma espécie de canga que se punha nos bois para
propiciar a tração de carga. Num sentido figurado, a expressão designa um instrumento
de tortura feito de três paus e, por isso, o trabalho passou a ser visto fundamentalmente
como aquilo que “tortura”8.
Com os cristãos, trabalho apresenta-se como um duplo sentido. Primeiramente como um
complemento da obra do criador, ou seja, o homem deve imitar a Deus quando trabalha,
assim como quando repousa, pois o mesmo Deus quis apresentar-lhe a própria obra
criadora sob a forma de trabalho e sob a forma do repouso. É o que encontramos no
segundo capítulo do Livro do Gênesis9 : “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra
que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou,
porque nesse dia repousara de toda a obra da criação” (2002, p. 50).
7
Coleção História do Pensamento – Vol. I (das Origens à Idade Média), SP, Ed. Nova cultural, 1987.
CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino de Ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata –
SP, 2000.
9
Livro do Gênesis 2 – 1.4 - Bíblia Sagrada – Edição Pastoral Catequética - 147ª edição, SP, Ed. Ave
Maria, 2002.
8
18
Em um segundo sentido, o trabalho anda inevitavelmente junto à fadiga. No mesmo
Livro do Gênesis, há uma contraposição àquela benção original do trabalho contida no
próprio mistério da criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus. Por
causa da maldição do pecado, o homem agora terá que tirar da terra o seu próprio
alimento: “Maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu
sustento todos os dias de tua vida. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que
voltes à terra de que foste tirado; porque és pó e em pó te hás de tornar”10.
Também nos escritos de São Paulo aos Tessalonicenses, há instruções a respeito do
trabalho: “Ordenamos e exortamos a que se dediquem tranquilamente ao trabalho para
merecerem ganhar o que comer”11. E aos que levam uma vida preguiçosa em lugar de
trabalharem, o apóstolo não hesita em dizer: “Quem não quiser trabalhar, não tem o
direito de comer”12.
Com base nesses preceitos, a doutrina cristã vê o trabalho como uma obrigação, como
um dever. O homem deve trabalhar, quer pelo fato do criador lhes haver ordenado, quer
pelo fato da sua subsistência e desenvolvimento assim o exigirem.
Como castigo ou como tortura, o trabalho passa também a ser sinônimo de status social.
Pelo menos é o que ocorre na sociedade medieval e moderna onde o artesão, dono de
uma técnica por meio da qual produzia os bens materiais desde sua concepção até a
execução e a obtenção do produto final, pertencia a um estrato mais baixo da sociedade.
Quanto ao saber necessário para a execução das tarefas artesanais, este era adquirido por
10
Idem , p. 51.
Idem ( II Tessalonicenses 3 – 6.15, p. 1516).
12
Idem
11
19
meio da experiência cotidiana ou da demonstração. Enquanto a nobreza e o clero
dedicavam-se a tarefa de governar e, por isso, necessitavam de uma educação formal.
Para visualizarmos melhor esse fato, tomemos como exemplo uma importante obra
pedagógica de Rousseau, Emílio (1762) na qual, mesmo atribuindo um elevado valor
moral ao trabalho, também não deixa de evidenciar seu desprezo pelos ofícios
manufatureiros devido ao automatismo e à força física que exigiam:
...Fora da sociedade, o homem isolado, nada devendo a ninguém, tem o direito de
viver como lhe agrade; mas na sociedade, onde vive necessariamente a expensas de
outros, deve-lhes em trabalho o custo de sua manutenção; isto sem exceção.
Trabalhar é, portanto um dever indispensável ao homem social. Rico ou pobre,
poderoso ou fraco, todo cidadão ocioso é um patife.
...Não gostaria dessas profissões estúpidas em que os operários, sem engenho e
quase autômatos, só exercitam suas mãos no mesmo trabalho; os tecelões, os
fazedores de meias, os canteiros: que adianta empregar nesses ofícios homens de
bom senso? É uma máquina que conduz outra13.
Emílio, o discípulo fictício da obra – cujo processo de formação começa do nascimento
aos 25 anos – deveria aprender trabalhos manuais, mas não os praticar, a não ser aqueles
que exigiam habilidade, elegância e gosto como o ofício de marceneiro: ”limpo e útil”.
Assim, quando Emílio viesse a se dedicar às ciências especulativas, ele poderia
empregar o que aprendeu para fazer instrumentos matemáticos e astronômicos.
A partir da Revolução Industrial inglesa, quando o trabalho passou a ser visto como um
transformador da natureza e da sociedade e, com a Revolução Francesa, quando este
passa a ser um símbolo da “liberdade” do homem, vários pensadores irão contribuir
com suas teorias para legitimar uma concepção de engrandecimento do trabalho visando
o aumento da produtividade. John Locke dizia: “a liberdade fundamental do homem é a
liberdade de empreender”. Pilar do liberalismo, Locke diz que a propriedade privada é o
13
ROUSSEAU, J. Jaques – Emílio – Série Os Pensadores, 1988.
20
resultado do trabalho, isto é, algo que resulta do trabalho de cada indivíduo sobre a
natureza e que, assim, se incorpora a seu corpo. Por isso, qualquer atentado à
propriedade privada é uma transgressão à “lei natural” e, por isso, deve ser reprimido e
castigado pelo corpo político14.
Adam Smith apud Enriquez15 também contribuirá ao afirmar que “o trabalho é o que
permite efetivamente aumentar a riqueza das nações”. Para ele, a divisão do trabalho era
essencial ao crescimento da produção e do mercado, e a sua aplicação eficiente
dependia da livre concorrência, que forçaria um aumento da produção, sendo necessário
o desenvolvimento de novas técnicas, aumentando assim a qualidade do produto e
diminuindo o custo da produção. Este ciclo encerraria o sucesso econômico geral da
nação.
“O trabalho e o comércio é que permitem manter as relações entre os seres humanos.
Quando se faz comércio, não se faz guerra” (Montesquieu, apud Enriquez16). Buscando
analisar o homem em sociedade, Montesquieu dizia que não apenas o corpo político e as
leis governam os homens, mas muitas outras coisas: o clima, a religião, os costumes, os
exemplos das coisas passadas, etc., que juntos formam o espírito geral de uma
sociedade. Numa república, por exemplo, a educação busca formar cidadãos virtuosos,
que respeitem as normas da sociedade tais como a liberdade individual. Por isso,
Montesquieu que definia a liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis
permitem, dedicou-se à tarefa de verificar em que condições esse direito seria o mais
amplo possível. Propôs, então, a divisão clássica do Estado em legislativo, executivo e
14
ENRIQUEZ, E. – Perda do Trabalho, Perda da Identidade – BH, 1999.
Idem
16
Idem
15
21
judiciário. Só esse equilíbrio de forças impedirá as arbitrariedades e propiciará o
máximo de liberdade a cada indivíduo.
Na visão de Auguste Comte apud Enriquez17 “a nova sociedade deve ser uma sociedade
industrial e positiva”. O Positivismo de Comte fundamenta-se na ciência e na
organização técnica e industrial da sociedade moderna, e considera a comprovação pelo
método científico o único caminho válido para se atingir o conhecimento. O Positivismo
desenvolveu-se na trilha do empirismo, aproveitando-se dos avanços das ciências
experimentais, sobretudo da química e biologia, e dos argumentos evolucionistas que
proclamavam uma visão de causa e efeito baseando-se na observação dos fatos. Assim,
inspirado no pensamento evolucionista de Darwin, o filósofo positivista inglês Herbert
Spencer considera que a sociedade deve evoluir de um tipo militar para um tipo
industrial onde cada indivíduo pode desenvolver-se plenamente e unir-se livremente a
seus semelhantes para atingir o bem-estar econômico e moral. Essa visão fez muitos
seguidores, principalmente nos primeiros anos da República, pois havia uma forte
pressão dos diversos grupos da sociedade para promover a industrialização no país18 .
Nesse sentido, o ensino científico seria necessário para ajudar a promover essa
industrialização.
Ainda em relação ao positivismo, é importante destacarmos a obra de Émile Durkheim
(Da Divisão do Trabalho Social, 1893)19, na qual ele discorre sobre a especialização
das funções entre os indivíduos de uma dada sociedade. De acordo com Durkheim, ao
desenvolver-se, a sociedade multiplica-se em atividades a serem realizadas. A partir daí,
cada indivíduo teria uma função a cumprir, a qual seria importante para o
17
Idem
SANTOS, Jailson Alves do – A Trajetória da Educação Profissional – 2ª edição, BH, 2000.
19
CUIN, Charles Henry & GRESLE, François – História da Sociologia – SP, Ed. Ensaio, 1994.
18
22
funcionamento de todo o corpo social. Cada membro da sociedade desenvolvendo uma
atividade útil e especializada passa a depender cada vez mais dos outros indivíduos.
Com isso, o efeito mais importante da divisão do trabalho social não é apenas seu
aspecto econômico (aumento de produtividade), mas também tornar possível a união e a
solidariedade entre as pessoas de uma mesma sociedade. É o que Durkheim chama de
solidariedade orgânica, que aparece quando a divisão do trabalho social aumenta e torna
as pessoas mais unidas não por uma crença comum, mas pela interdependência das
funções sociais.
Em outra perspectiva daquela até então mostrada aqui que analisa os fatos através das
regras morais dessa sociedade, Karl Marx dirá que “o trabalho é a propriedade
fundamental do homem”, pois é nas relações capitalistas de produção, que os indivíduos
livres estabelecem uma relação mediada pelo mercado, isto é, aqueles que não são
donos dos meios de produção vendem a única coisa de que dispõem (o seu trabalho),
em troca dos recursos necessários à sua sobrevivência. Daí Marx afirmar que na
sociedade capitalista é o capital que explora o trabalho. É dessa exploração a que o
trabalhador é submetido, resulta o processo de alienação, ou seja, por causa da divisão
do trabalho – característica do industrialismo, em que cabe a cada um apenas uma
pequena etapa da produção – o trabalhador se aliena do processo total. A alienação de
que fala Marx é conseqüência do afastamento entre os interesses do trabalhador e aquilo
que ele produz. De modo mais amplo, trata-se também do abismo entre o que se
aprende apenas para cumprir uma função no sistema de produção e uma formação que
realmente ajude o ser humano a exercer suas potencialidades20.
20
MARX, Karl – O Capital – Livro I, Processo de produção do Capital, 7ª edição, SP, 1982.
23
Com Max Weber veremos que a riqueza era um sinal não de prazer, mas de abstinência,
o resultado do trabalho árduo e da autonegação, exatamente aquilo que é necessário para
se acumular capital. O calvinista em ascensão via o seu esforço como algo virtuoso.
Weber indicou que a ansiedade pela salvação levava a ações que, a longo prazo,
produziam resultados que levavam ao empreendimento – condição primordial para o
capitalismo. No entanto, o trabalho que anteriormente era visto como meio de alcançar a
salvação, acaba por transformar o crente em um burguês satisfeito com a recompensa
mundana, e com isso, consolidar uma nova ordem social, a ordem social capitalista.
Passaremos agora a analisar os fatos históricos de desenvolvimento econômico e de que
formas estes tiveram um intercâmbio ou não com as teorias escolares, pois
consideramos que o entendimento desses fatos históricos possibilitará uma análise das
forças que atuaram num dado momento. Por isso, para compreendermos o alcance das
mudanças na vida da sociedade atual, iremos considerar as mudanças ocorridas na
economia industrial – que ganhou enorme eficiência com o Taylorismo, pois dividia os
processos industriais em tarefas simples cronometradas e organizadas, bem como o
fordismo que ampliou os princípios do gerenciamento científico para a produção em
massa. Essas mudanças levaram a uma economia do conhecimento na qual as idéias, as
informações e as formas de conhecimento acabam por ajudar no crescimento
econômico.
1.1 O Desenvolvimento da Sociedade Capitalista e seus intercâmbios
No momento em que nos deparamos com o nascimento da burguesia, nos séculos XIII e
XIV, a base essencial da sociedade urbana estava no que Marx chamou de “pequeno
24
modo de produção”, isto é, um sistema em que a produção era executada por pequenos
produtores, donos de seus próprios instrumentos de produção, que comerciavam
livremente seus próprios produtos. Assim foi, com relação ao artesanato e, embora
possam ter existido alguns cidadãos exclusivamente comerciantes, poucos deles na
Inglaterra poderiam ter sido muito mais que mascates que viajavam entre o mercado da
cidade e as propriedades senhoriais vizinhas, sendo que suas atividades dificilmente
poderiam ter sido de grande importância no momento em que o grosso do comércio era
local e tomava a forma de uma troca de artigos artesanais vendidos a varejo no mercado
da cidade contra os produtos agrícolas ali trazidos pelo camponês para vender21.
Como a produtividade do trabalho e a unidade de produção eram pequenas demais, a
fonte de acumulação de capital tem de ser buscada no surgimento de uma classe de
burgueses que, separando-se da produção, começaram a se empenhar exclusivamente no
comércio atacadista. Na sociedade feudal, a fonte de riqueza da aristocracia consistia no
trabalho obrigatório dos servos, ou seja, era fruto do trabalho excedente, além do que
lhes era permitido para prover sua própria subsistência. Embora o número de
trabalhadores que servia a cada senhor fosse relativamente grande, a produtividade de
trabalho era baixa, o que tornava o excedente disponível bem modesto, não fosse a parte
dos próprios produtores reduzida a um nível miserável e os encargos a eles impostos
excepcionalmente severos.
Entretanto, Dobb (1987) lança uma questão interessante sobre a geração de riquezas da
burguesia: “que dizer da riqueza e da acumulação da burguesia inicial – aquela
burguesia urbana dos séculos XIV e XV, que não tinha servos labutando para si e não
investira ainda no emprego de um proletariado industrial?”. Logo em seguida, responde:
21
DOBB, Maurice – A Evolução do Capitalismo – 7ª edição, RJ, 1987.
25
“sua renda representava uma parcela no produto do cultivador camponês ou do artesão
urbano”, que era produzida através do comércio.
Desde o século XVIII, muitos economistas não se têm cansado de dizer que essa riqueza
burguesa era num sentido real “produzida” em vez de “adquirida” – “produzida” pelos
próprios serviços que a disseminação do comércio executava para o produtor direto ou o
consumidor aristocrático. A disseminação do comércio teve um efeito de aumentar o
padrão de comunidades anteriormente confinadas aos estreitos limites de um mercado
local. Trazendo sal e especiarias de terras distantes, ela tornava possível comer carne
que, de outra forma, poderia ter apodrecido. Mas, o próprio comércio não explica por si
só por que sua atividade proporcionava um excedente considerável. A explicação que
nos é dada por Dobb (1987) aponta para duas questões:
1º. Boa parte do comércio naqueles tempos, especialmente o exterior, consistia na
exploração de alguma vantagem política ou em pilhagem quase declarada;
2º. A classe de mercadores, assim que assumiu qualquer forma de corporação, adquiriu
poderes de monopólio que protegiam suas fileiras da concorrência. Ou seja, a base
essencial da riqueza da burguesia emergente e da acumulação de capital mercantil era
comprar barato para vender caro sendo que essa regra do comércio não era uma troca de
equivalentes.
A separação entre a matéria-prima e o artesão, e entre este e o consumidor nesse
período, foi também a fonte de lucro comercial da burguesia. A chamada acumulação
primitiva, portanto, nada mais é que o processo histórico de divorciar o produtor dos
meios de produção. Para visualizarmos melhor essa separação entre produtor e meios de
produção, reportamo-nos ao século XVIII com a Revolução Industrial que, substituindo
26
a habilidade humana pelas máquinas, tornou possível a passagem do artesanato à
manufatura propiciando assim uma economia moderna. Juntamente a essas mudanças
surgiram novas formas de organização da vida social, dentre elas podemos citar a
disciplina nas fábricas, que será regulada principalmente pelo relógio e pelo ritmo das
máquinas22.
E para termos uma idéia de como essas mudanças afetaram principalmente a vida do
trabalhador, basta analisar a medição do tempo entre as comunidades pré-capitalistas
para notarmos que este estava relacionado com os processos familiares, ou seja, com as
tarefas domésticas. A percepção do tempo que surge neste contexto é orientada pelas
tarefas. As relações sociais e o trabalho são misturados, sendo o ritmo ditado pela
natureza. Mas, assim que se inaugura uma relação capitalista, cuja contratação de mãode-obra assalariada se tornou presente, temos a transformação do trabalho por tarefas no
trabalho de horário marcado. Aqueles que são contratados experimentam uma distinção
entre o seu tempo e o tempo do empregador. Cabe agora ao empregador cuidar para que
sua mão-de-obra não desperdice o tempo, pois o que está prevalecendo agora é o valor
do tempo. Este agora é moeda. E para marcar esse tempo, foram criados os relógios. O
que antes era regulado pela natureza, passa a ser medido pelo homem. Thompson23 nos
relata como ocorre este controle a partir da construção dos relógios nas igrejas e nas
grandes cidades-mercado a partir do século XIV, quando os sinos eram tocados às 20h e
às 4h. Esses horários passaram a marcar a hora do repouso à noite e a hora de levantar,
iniciando os trabalhos e deveres das várias profissões. O som do sino passou, então, a
ditar o ritmo da vida.
22
23
LANDES, David S. – Prometeu Desacorrentado – RJ, 1994, p. 6.
THOMPSON – Tempo, disciplina de trabalho e Capitalismo industrial – SP, 2000.
27
Na verdade, como seria de esperar, ocorria uma difusão geral de relógios no momento
em que a Revolução Industrial requeria maior sincronização do trabalho. A fábrica
torna-se assim, um imenso relógio no qual os homens e as máquinas desempenharam o
papel de engrenagens programadas. Mas, o que significa ser burguês neste período? Nas
reflexões de Eric Hobsbawm24 burguês era um “capitalista”, isto é, aquele que recebia
renda, ou um empresário em busca de lucro, ou todas estas coisas juntas. Incluíam-se os
homens de negócios, os proprietários e os profissionais liberais. Uma das principais
características da burguesia como classe era que consistia num corpo de pessoas com
poder e influência, independente do poder e influência derivados de nascimento ou
status. Para pertencer a ela, um homem tinha que ser “alguém”, uma pessoa que
contasse como indivíduo, por causa de sua riqueza, capacidade de comandar outros
homens, ou de influenciá-los de alguma forma. O monopólio do comando – na casa, no
negócio, na fábrica – era fundamental para sua própria definição e seu reconhecimento
formal. Já que o sucesso estava relacionado ao mérito pessoal e o fracasso era devido a
esta falta de mérito. Este comportamento de disciplina e trabalho também penetrou em
algumas camadas da sociedade e, é em relação a esse pano de fundo, que podemos
observar a obra de Max Weber sobre a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo
europeu.
Nesta obra, Weber formula a hipótese de que a ascensão do protestantismo,
particularmente em sua versão calvinista, foi um fator fundamental (embora não o
único) na expansão de uma moderna economia industrial na Europa e na influência do
comportamento inculcado pelo protestantismo na conduta cotidiana de seus fiéis. A
doutrina calvinista da predestinação irá persuadir os fiéis a um tipo de vida esperável
24
HOBSBAWM, Eric J. – A Era do Capital 1848-1875 – RJ, 1977.
28
dos destinados à salvação, vida esta que era de ascetismo mundano: uma vida em que o
tempo e a energia do sujeito fossem exclusivamente dedicados às atividades meritórias
(a oração e o trabalho), que conduziam à glória de Deus. Esse padrão também conduzia
à acumulação de riqueza – o bom calvinista era diligente, parcimonioso, honesto e
austero. Ou seja, a riqueza contemplaria aqueles que o merecessem.
Assim, no puritanismo, o trabalho transformou-se em culto de ação de graças ao
Senhor, o que não seria possível em outro ascetismo como o catolicismo, pois a piedade
popular católica, de forma resignada, espera a recompensa na vida após a morte e nas
religiões do oriente, devido à lei do karma, estas se mantêm num ascetismo
extramundano. Neste caso, com o calvinismo, desenvolveu-se uma nova atitude que se
concentrava mais no trabalho e menos nos prazeres. Como observou Giddens25, Weber
formulou a tese de que o desenvolvimento econômico e social moderno foi influenciado
por algo que, aparentemente, parece distante dele – um conjunto de ideais religiosos que
instituía um estilo de vida ascético e que, por isso, foi vital para o arranque do
desenvolvimento econômico do ocidente. Mesmo tendo suscitado controvérsias como
as de que “o espírito do capitalismo pode ser discernido nas primeiras cidades mercantis
italianas, muito antes de se ouvir falar em calvinismo” ou que a idéia de “trabalhar por
vocação, que Weber associa ao protestantismo, já existia nas crenças católicas”,
Giddens destaca a importância dessa tese porque:
1º. É contra-intuitiva;
2º. Dá sentido a algo que, de outra forma é enigmático – indivíduos que
queriam viver frugalmente se esforçarem por acumular riqueza;
3º. Ilumina outras circunstâncias para além das que se propusera inicialmente
abordar. Weber sublinhou que apenas tentou entender o capitalismo moderno.
Apesar disso, os valores incutidos pelo puritanismo possam estar relacionados
com outras situações de desenvolvimento capitalista bem sucedido;
25
GIDDENS, Anthony – Sociologia – Cap. 21: O Pensamento Teórico na Sociologia, 2004.
29
4º. A teoria de Weber foi fornecendo um ponto de partida para uma série de
investigações e teorias posteriores26.
No entanto, não nos deteremos aqui na discussão sobre quem influenciou quem
(naquela analogia de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha), pois o que nos
interessa é saber como o capitalismo influenciou toda a sociedade, inclusive na área da
educação. Por isso, o discurso de Adam Smith sobre qualificação e desenvolvimento
capitalista se torna importante, porque mostra que a riqueza de uma nação depende
fundamentalmente do aumento da produtividade do trabalho e do grau crescente de
especialização determinado pela divisão do trabalho. São três as causas, apontadas por
Smith, pelo aumento da produtividade em conseqüência da divisão do trabalho:
1º. O aumento da destreza do trabalhador, que se origina de sua dedicação a um
único fragmento do processo de trabalho por toda a sua vida;
2º. A economia de tempo, que era perdido na passagem de uma operação para
outra;
3º. A invenção de máquinas, que facilitam o trabalho e reduzem o tempo para
sua realização, permitindo a um só homem fazer o trabalho de muitos27.
Assim, Smith deixa claro que o desempenho do trabalho dividido qualifica o
trabalhador, aumentando sua destreza e tornando-o mais produtivo, o que possibilita a
generalização da riqueza. Neste sentido, a produção em massa só é possível graças à
organização “científica” do trabalho, ou seja, com o Taylorismo. Na teoria de Taylor a
divisão do trabalho exerce papel central, seguida de suas decorrências que são: a
hierarquia, a especialização, a autoridade, o controle, visando ao aumento da
produtividade da mão-de-obra. A necessidade de aumentar a produção continuamente
traz uma modificação essencial no processo de trabalho: ao invés do operário executar
as diferentes operações e controlar seu próprio trabalho, este é dividido em partes
26
Idem, 2004, p. 668.
KUENZER, Acácia Z. – Pedagogia da Fábrica: as relações de Produção e a Educação do
trabalhador – SP, 1985.
27
30
isoladas distribuídas a diferentes operários. Em decorrência da divisão do trabalho,
opera-se uma modificação fundamental quanto à qualificação do trabalhador. Se antes o
artesão precisava de muitos anos de trabalho para conhecê-lo bem e executá-lo de forma
satisfatória, o assalariado preso a uma atividade parcial tem restringidas as suas
necessidades de qualificação, necessitando dominar apenas uma tarefa parcial de um
processo produtivo completo. Dos operários exige-se apenas uma formação mínima: ler,
escrever e contar. Esse domínio era indispensável devido à complexidade da
organização do trabalho que se faz nas seguintes etapas: maquinismo, mecanização e
automação. Para isso, recorre-se à escola, enquanto que a formação profissional, muito
restrita, é adquirida no trabalho. De acordo com Acácia Kuenzer28, essa dicotomia entre
saber teórico/saber prático, é inerente ao próprio modelo capitalista, que se caracteriza
por uma separação permanente entre teoria e prática, concepção e execução. No entanto,
essa reunificação entre teoria e prática se realizará no topo da pirâmide hierárquica, de
onde virá a administração e o controle do processo produtivo.
E o sistema educacional reforçará essa dicotomia, através de um dos expoentes teóricos
neste momento – o filósofo inglês Herbert Spencer. Foi ele que intuiu a existência de
regras evolucionistas na natureza antes de seu compatriota, o naturalista Charles Darwin
formular a revolucionária teoria da evolução das espécies. É dele a expressão
“sobrevivência do mais apto”, muitas vezes atribuída a Darwin. No campo pedagógico,
Spencer fez campanha pelo ensino da Ciência, combateu a interferência do Estado na
educação e afirmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter. Ele
sempre defendeu a escola privada, porque acreditava que a interferência do Estado,
sendo igual para todos, poderia sustentar estudantes que não estariam, por natureza,
28
Idem .
31
aptos a competir em sociedade. De acordo com a filosofia spenceriana o que conta é a
luta pela vida, pois foi este fator que levou as sociedades guerreiras a se manterem
coesas, mesmo que pela força, e as sociedades industriais a estarem fundamentadas na
competição. A sociedade industrial corresponderia, assim, a um aperfeiçoamento natural
do sistema econômico e das instituições. A noção de que tudo se encaminha para
resultados previsíveis e inevitáveis, uma vez que deixadas ao sabor de seu suposto curso
natural, levou Spencer a supor que esses resultados eram também moralmente
desejáveis. Assim, Spencer conjugava o pensamento de Smith (o economista clássico
liberal) e Lamarck (o naturalista teórico da evolução das espécies e da hereditariedade
dos caracteres adquiridos) para formular sua teoria acerca da evolução social. Em 1852,
Spencer apresenta a evolução social como fruto de uma marcha irresistível, das
sociedades humanas que iria do homogêneo para o heterogêneo, do simples para o
complexo29. No seu pensamento, os mecanismos de evolução têm origem na luta pela
existência e na seleção natural, que levam à submissão e às vezes à eliminação dos
menos eficientes em proveito dos mais aptos. Como essa evolução não pode ser
impedida, então seria inútil querer entravá-la, uma vez que a sociedade moderna, que
Spencer considerava igualitária e pacífica, estaria fundada não na regulação do Estado, e
sim no desenvolvimento de seus membros mais dotados. Assim, vimos a idéia (ainda
hoje existente e defendida pelos neoliberais), de que a interferência do Estado na vida
cotidiana impede os desenvolvimentos considerados normais.
Também podemos citar a influência do positivismo na concepção taylorista, utilizada
nas empresas desde o começo do século XX. Esta concepção, aliada às técnicas da
29
CUIN, Charles Henry & GRESLE, François – História da Sociologia – SP, Ed. Ensaio, 1994.
32
psicologia behaviorística30 tem influenciado muito a educação, sobretudo a tendência
tecnicista. A partir da teoria do reforço, Skinner desenvolveu a técnica da instrução
programada e da máquina de ensinar. A corrente tecnicista dá especial atenção aos
estudos desenvolvidos pela ciência do comportamento e pelo desenvolvimento dos
aparelhos destinados ao trabalho pedagógico como gravadores, projetores de slides,
filmes, computadores, etc.. O objetivo desta tendência é aplicar as conquistas da
tecnologia comportamental e os instrumentos técnico – pedagógicos, na prática
educacional, visando tornar o processo educativo mais eficiente e ágil. Portanto, não
existem na pedagogia tecnicista adotada quaisquer preocupações de questionamento
sócio-político do conteúdo do ensino. Aprender significa basicamente modificar o
comportamento do aluno de modo que ele aprenda a operar de forma técnica, prática, o
conteúdo ensinado.
Nesse contexto, toda uma linguagem transplantada do campo da Administração e da
Economia passou a compor o vocabulário pedagógico: racionalização, planejamento,
eficiência, definição de objetivos, técnicas de desempenho, estratégias e avaliação etc..
Os graves problemas da educação eram fáceis de solucionar, desde que se
modernizassem os meios de instrução. Difundiam-se, então, as técnicas da psicologia
comportamental de B.F.Skinner.
Nos anos 50 e 60 com a grande expansão econômica sob o modelo fordista31 de
regulação, implantado no pós-guerra pelos EUA no Japão e Europa, realizou-se um
30
Teoria que dominou o pensamento e a prática da psicologia em escolas e consultórios, até os anos
1950. O behaviorismo restringe seu estudo ao comportamento tomado como um conjunto de reações dos
organismos aos estímulos externos. Seu princípio é que só é possível teorizar e agir sobre o que é
cientificamente observável. Com isso, ficam descartados conceitos e categorias centrais para outras
correntes teóricas, como consciência, vontade, inteligência, emoção e memória – os estados subjetivos.
(Revista Nova Escola – B. F. Skinner, O cientista do comportamento e do Aprendizado – SP, 2006).
31
Uma extensão dos princípios do gerenciamento científico de Taylor, que designa o sistema de produção
em massa atrelado ao desenvolvimento dos mercados em massa.
33
ciclo de investimento, expansão da produção, pleno emprego, consumo em massa, etc.
No dizer de Hobsbawn32, essa Era de Ouro (1950 a 1970) criara uma economia mundial
única, cada vez mais integrada e universal, operando de forma transnacional e, portanto,
sobre as barreiras ideológicas de Estado que acabaram por ficar “solapadas”. E quando
essa Era de Ouro chega ao fim, trazendo em seu bojo o desemprego em massa, as
depressões severas, a miséria e as desigualdades sociais, buscam-se soluções
temporárias que reforçam ainda mais uma visão utilitarista que se rende à lógica
capitalista favorecendo a apatia e o individualismo.
No entanto, com a crise econômica e cultural que se segue ao período de crescimento na
maioria dos países, crise esta motivada pelo modelo de acumulação do pós-guerra
assentado no paradigma fordista-keynesiano (modelo baseado na produção em grande
escala em linha de montagem, apoiada pela intervenção do Estado em apoio à economia
e à distribuição de renda), o principal problema passa a ser o desemprego. Esse
fenômeno atinge os países industrializados e agrava-se nos países em desenvolvimento.
A resistência dos operários aos métodos de trabalho taylorista e fordista, os aumentos
reais de salário (seja para motivar os trabalhadores, seja como pressão desses por uma
melhor distribuição de renda), limitaram o crescimento da produtividade do trabalho e
ocasionaram uma queda das taxas de lucro. A introdução do trabalho temporário e das
equipes de trabalho por tarefa produziu resultados limitados. O capitalismo elaborou,
então, estratégias mais amplas para responder à queda da taxa de lucro: a redução de
salários e a utilização mais intensa de trabalhadores provenientes de países
subdesenvolvidos. Assim, a competitividade passa a ser o motor da globalização33, tal
32
HOBSBAWN, Eric – Era dos Extremos, O breve século XX – SP, Ed. Cia. das Letras, 1997.
De acordo com Giddens, globalização refere-se a uma conjugação de fatores econômicos, políticos,
sociais e culturais que, devido ao desenvolvimento das tecnologias de informações e transporte,
intensificaram as interações entre os povos do mundo inteiro (2004).
33
34
como no início do século XX o fora a noção de progresso e após a Segunda Guerra a de
desenvolvimento. A formação profissional passa a não ser apenas uma questão privada,
mas também de domínio público e, por isso, os governos não podem subestimá-la. Isso
leva a uma demanda de escolarização crescente e a uma variedade maior de sistemas
educacionais, o que tem levado muitos países a aplicarem uma porção significativa de
seus orçamentos na educação: “Em 1995, a Suécia, por exemplo, investiu 10,6% de
todo o seu produto interno bruto na economia do conhecimento”34. A “França aparece
imediatamente em segundo lugar, devido as suas grandes despesas com a educação
pública”. (Giddens, 2004, p. 309).
Assim, qualificar o trabalhador não se resume mais ao domínio de habilidades motoras
para o exercício de tarefas mecânicas e repetitivas, mas, ao contrário, se coloca como
produto dos conhecimentos científicos e tecnológicos e de suas habilidades mentais.
Isso significa que o bom desempenho do trabalhador dependerá muito mais dos
conhecimentos científicos e tecnológicos, da criatividade e rapidez de raciocínio que
possua e do espaço para tomada de decisões, do que de habilidades motoras que são
simples respostas a um processo determinado pela máquina.
Portanto, qualificar a mão-de-obra significa, na teoria neoliberal, produzir com
qualidade e inserir o país no comércio internacional em uma posição mais vantajosa e
com mais competitividade. No entanto, é necessário que se repense sobre o tipo de
educação que estamos oferecendo nas escolas. Seria uma educação que simplesmente
prepara para o mercado de trabalho? Ou seria a que procura formar pessoas autônomas,
34
Refere-se a uma economia na qual as idéias, as informações e as formas de conhecimento sustentam a
inovação e o crescimento econômico. Sua mão-de-obra está envolvida não na produção ou distribuição
físicas dos bens materiais, mas no planejamento, na tecnologia, no marketing, na venda e na manutenção
desses bens. (Giddens, 2004).
35
com capacidade crítica para construir um novo paradigma? O ideal é que as duas
alternativas façam parte do currículo escolar, pois a dualidade do ensino só fez separar
os que deveriam fazer de um lado, dos que deveriam planejar de outro.
Assim, levando-se em conta que a característica diferenciadora do trabalho é sua
possibilidade transformadora e dinâmica e que o homem é o único ser na natureza capaz
de conceber a sua ação anteriormente à sua execução e de avaliá-la, então concluímos
que não se pode separar uma ação reflexiva de uma ação ativa, ou seja, não existe
atividade humana da qual se possa excluir toda e qualquer atividade intelectual, assim
como toda atividade intelectual exige algum tipo de esforço físico ou atividade
instrumental. São essas as reflexões de Gramsci que argumentava que: “não se pode
separar o homo faber do homo sapiens”. Para Gramsci, a função do intelectual (e da
escola) é mediar uma tomada de consciência (do aluno, por exemplo) que passa pelo
autoconhecimento individual e implica em reconhecer o seu próprio valor histórico. Por
isso, a tendência democrática da escola não pode consistir apenas em que um operário
manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante35.
Por acreditar que a escola seria um instrumento de transformação social através da
mudança de mentalidade, Gramsci trouxe à discussão pedagógica a importância da
escola para a conquista da cidadania. Essa deveria ser orientada por uma cultura
humanista e formativa, para livrar as massas de uma visão acrítica da ideologia das
classes dominantes. Nesse sentido, não basta simplesmente colocar um torno em sala de
aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do
torno em um determinado contexto histórico. Assim, qualificar o trabalhador significa
superar os antagonismos entre concepção e execução, entre trabalho mental e manual e,
35
MOCHCOVITCH, Luna Galano – Gramsci e a Escola – SP, Ed. Ática, 1988.
36
com isso, unificar em um mesmo processo o trabalho coletivo que o executa. Mas,
mesmo que tal ruptura não seja possível ao nível do trabalho, o mesmo não ocorre ao
nível das relações sociais capitalistas, que operam a ruptura entre teoria e prática,
decisão e ação, trabalho intelectual e trabalho manual. É a partir desta ruptura que o
trabalho intelectual se separa do manual, sobrepondo-se à realidade. Em decorrência, o
exercício das funções intelectuais e manuais, o consumo e a produção, passam a caber a
indivíduos distintos na sociedade conforme as determinações de classe. Assim, a um
grupo reduzido de pessoas cabe o exercício das funções intelectuais – justificado por
uma escolaridade mais extensa – e à maioria compete as tarefas de execução – sob a
alegação de uma baixa escolaridade.
Uma das autoras que se preocupa com esse tipo de educação dual é Hannah Arendt que,
ainda jovem, foi vítima da perseguição nazista na Alemanha. Em 1940 mudou-se para
os EUA onde teve contato com questões sociais que invadiam as salas de aula naquele
momento como, por exemplo, a violência, o conflito de gerações e o racismo. Em um de
seus textos – A crise na Educação (1958), incluído no livro Entre o Passado e o Futuro –
Arendt apresenta uma visão bastante crítica do tipo de educação considerada “moderna”
naquela época. Neste texto, ela questiona em profundidade alguns dos conceitos
pedagógicos mais difundidos desde fins do século XIX, e que se originam do
movimento da Escola Nova36 e da concepção do trabalho educativo como um
aprendizado “para a vida”.
“A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte
de viver”, escreve Arendt. Sua argumentação neste sentido é de uma visão educativa
assumidamente conservadora e a favor da autoridade na sala de aula. Não que ela
36
No Brasil, esse movimento chamado de Escola Nova ganhou força nos anos 30. Inspirados nas idéias
políticas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, os novos teóricos viam num
sistema estatal de ensino público livre e aberto o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais.
37
defenda um professor autoritário, nem que se trate de ser favorável à escola como um
agente da manutenção da ordem estabelecida. Ao contrário, Arendt acreditava que o
aluno deve ser apresentado ao mundo e estimulado a mudá-lo37.
A obra de Hannah Arendt origina-se de uma reportagem que lhe foi encomendada pela
revista New Yorker. No ano de 1961, ela foi enviada a Israel para cobrir o julgamento do
alto burocrata nazista Adolf Eichmann. No livro Eichmann em Jerusalém, a pensadora
cunhou a expressão que a celebrizou: “a banalidade do mal”, em referência aos códigos
aparentemente lógicos e até sensatos com que o totalitarismo se propaga e ganha poder.
Durante o julgamento de Eichmann, um homem de aparência comum e equilibrada,
Arendt o identificou como alguém habituado a não pensar. Os perigos da irreflexão,
como sinal de alienação da realidade, constituem um dos principais eixos de sua obra
que trouxe contribuições para a educação, dentre eles a idéia de que cabe aos adultos
conduzir as crianças por caminhos que elas desconhecem.
Esta idéia vai ao encontro do que Adorno expôs no texto Educação Após Auschwitz,
quando escreve sobre uma educação que não desperta a consciência das pessoas,
quando ela não é dirigida a uma auto-reflexão crítica. O fato de milhões de pessoas
inocentes terem sido assassinadas de uma maneira planejada deveria provocar um
debate sobre as metas educacionais existentes, sobre a forma de como temos lidado com
a exclusão dentro e fora das escolas, pois se não fizermos esta auto-reflexão, “a barbárie
continuará existindo, enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que
geram esta regressão e que, nos termos da história mundial, culminaria em Auschwitz”38
.
37
38
ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro – SP, 1992.
ADORNO, T.W. – Educação e Emancipação – SP, 1995, p. 119.
38
Ainda segundo Adorno, a formação que conduziria à autonomia dos homens precisa
levar em conta as condições a que se encontram subordinada a produção e a reprodução
da vida humana em sociedade e na relação com a natureza. Quando a escola não conduz
a uma crítica às condições das relações homem/natureza, então está simplesmente
preparando para viver na sociedade do capital, sem contestá-la. Não preparar para a
crítica do trabalho alienado é uma forma de preparar para ele. Marx já assinalara como
pela educação os trabalhadores “aceitam” ser classe operária, interiorizando a
dominação. Assim, seja qual for a perspectiva que a educação contemporânea tomar,
uma educação voltada para o futuro deverá ser uma educação contestadora, superadora
dos limites estritamente técnicos. Uma educação que promova uma consciência
autocrítica, que esteja sempre direcionada em prol das resoluções dos nossos problemas
mais cruciais como: fome, desigualdade social e degradação ambiental. Questões essas,
a nosso ver, devem passar pela crítica aos sistemas que as promovem sejam elas de
direita ou esquerda.
No que se refere ao capitalismo, sabemos que, desde a sua longa existência, tem se
caracterizado pela flexibilidade e pelo ecletismo, ou seja, pela sua capacidade de
mudança e de adaptação. Por isso, as crises que tem marcado essa longa existência
devem ser elucidadas pela educação, isto é, precisamos ter em mente que a crise é o
estado habitual e crônico do capitalismo e que, devido a sua capacidade de
sobrevivência e adaptação, o sistema fica cada vez mais forte. Por isso, o capital iniciou
um processo de reorganização devido à crise econômica do modelo fordista-keynesiano,
com o advento do neoliberalismo, ou seja, com a privatização do Estado, a
desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal.
39
As mudanças que estão afetando o mercado de trabalho são resultados tanto dos fatores
históricos quanto das novas tecnologias, tendo em vista que elas são expressões da
reorganização do capital com o objetivo de retomar o seu projeto global de dominação e
acumulação. É o que descreve Giddens acerca dessas mudanças na sociedade:
“O simples ritmo das mudanças tecnológicas está gerando uma rotatividade bem
mais acelerada dos empregos do que se verificava antigamente. Hoje em dia, o
treinamento e a obtenção de qualificações vêm ocorrendo ao longo da vida, e não
apenas uma vez, na juventude. Profissionais que estão na metade de suas carreiras
passaram a optar por investir na atualização de suas habilidades por meio de
programas de educação continuados e do aprendizado por meio da internet. (...)
Assim como nossa sociedade continua se transformando, as convicções e instituições
tradicionais que a sustentam também sofrem mudanças. A idéia da educação – que
implica a transmissão estruturada do conhecimento dentro de uma instituição formal
– vem dando passagem a uma noção mais ampla de ‘aprendizado’ que ocorre em
uma diversidade de ambientes. (...) As fronteiras entre as escolas e o mundo exterior
estão sendo derrubadas, não apenas via ciberespaço, mas também no mundo físico.”
39
E, na esteira dessas mudanças, vimos que a introdução das técnicas e métodos japoneses
de organização da produção tais como: just-in-time40, kanbam, kaizen, sistemas
participativos, CCQ, etc., são os reajustes necessários para que o sistema capitalista
continue a dar sinais de fortalecimento. Antes de passarmos à discussão de como essas
técnicas vêm sendo introduzidas em várias nações do mundo, é necessário elucidar seu
significado que derivou-se do “modelo japonês”41.
O just-in-time assenta-se num sistema de informações preciso que estabelece o
momento exato, o material exato e a quantidade exata de produção. Por isso, é
39
GIDDENS, Anthony – Sociologia – 2004.
Just-in-time: consiste num instrumento de controle da produção baseado no propósito de atender a
demanda com a maior rapidez e de minimizar os estoques de matéria-prima; Kanbam: indicador visual
em forma de cartão ou de placa que transmite a informação sobre a produção necessária de uma etapa a
outra; Kaizen: Kai – significa mudança e Zen para melhor. É uma mudança contínua; CCQ: círculos de
controle de qualidade, esses círculos estariam integrados a uma forma de organização do trabalho que
consiste na preocupação com a qualidade. (Giddens, 2004).
41
Este termo refere-se a um conjunto de características que tendem a predominar nas formas de
organização do trabalho utilizadas nas indústrias japonesas, não significando com isso que exista um
único modelo e que este seja algo possível de ser transposto de forma igual a outros países.
40
40
necessária a integração das várias etapas da produção, a partir das necessidades
colocadas pelas vendas. Utilizando-se do kanban (indicador visual em forma de cartão
ou de placa), que transmite a informação sobre a produção necessária de uma etapa a
outra, se produz poucos lotes para ter também poucos estoques.
Esta forma de organização do trabalho baseada nos princípios do just-in-time, vem
quase sempre acompanhado pela utilização do CCQ (círculos de controle de qualidade).
Esse é o lema para a melhoria contínua, onde se deve eliminar o desperdício, a
dificuldade e a irregularidade. Nesse sentido, as pessoas estariam integradas a uma
filosofia central das novas formas de organização do trabalho, que estariam ligadas a
uma preocupação com a qualidade. Por isso, a difusão dos sistemas participativos dos
trabalhadores nas decisões relativas ao processo produtivo, busca envolver os
trabalhadores com as metas das empresas e criar uma identidade entre a direção e os
operários.
Neste sentido, o Japão se apresentaria com um paradigma industrial, baseado na
especialização flexível e que, ao contrário do paradigma taylorista/fordista, se assentaria
na produção diversificada e em pequenos lotes e na utilização de uma mão-de-obra
qualificada e multifuncional que estaria mais adaptada a desenvolver diferentes tarefas e
a responder aos constantes problemas que a produção variada coloca para as empresas.
Mas, por outro lado, a organização japonesa do trabalho também tem se mostrado como
um fordismo híbrido na medida em que se pode identificar uma série de aspectos em
que características da organização fordista do trabalho ainda se mantêm. Como enfatiza
Antunes42:
42
ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, 1999, p. 56.
41
“O processo de produção do tipo toyotista43, por meio dos team work supõe, portanto
uma intensificação da exploração do trabalho quer pelo fato de os operários
trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer pelo ritmo e
a velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes. Ou seja, presencia-se
uma intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho ou até
mesmo quando este se reduz. Na fábrica Toyota, quando a luz está verde, o
funcionamento é normal; com a indicação da cor laranja, atinge-se uma intensidade
máxima, e quando a luz vermelha aparece, é porque houve problemas, devendo-se
diminuir o ritmo produtivo.
... De modo que, similarmente ao fordismo vigente ao longo do século XX, mas
seguindo um receituário diferenciado, o toyotismo reinaugura um novo patamar de
intensificação do trabalho, combinando fortemente as formas relativa e absoluta da
extração da mais-valia.”
O processo produtivo, dotado de forte disciplinamento da força de trabalho e
impulsionada pela necessidade de implantar formas de capital e de trabalho intensivo,
caracterizou o método toyotismo que segue os seguintes princípios:
1º. Centralização no produto. As empresas japonesas tendem a enfatizar o produto final,
mais do que o processo de produção, o que as leva a priorizar o atendimento do cliente
em termos de qualidade e de prazos de produção e buscar uma maior integração entre as
várias atividades da empresa, desde o projeto e a produção até às vendas;
2º. Eliminação do desperdício (kaizen). Baseado na eliminação dos obstáculos, este
princípio se baseia no tempo que as peças e materiais passam dentro da fábrica, no
tempo que os materiais levam para serem trabalhados e na distância percorrida pelos
materiais dentro da fábrica. Este princípio leva naturalmente ao just-in-time.
43
Forma de organização do trabalho que nasceu na fábrica da Toyota no Japão pós-45 e se caracteriza por
4 fases: 1ª – introdução, na indústria automobilística japonesa, da experiência do ramo têxtil, dada
especialmente pela necessidade de o trabalhador operar simultaneamente com várias máquinas; 2ª – a
necessidade da empresa em responder a uma crise financeira, aumentando a produção sem aumentar o
número de trabalhadores; 3ª – a importação das técnicas de gestão dos supermercados dos EUA, que
deram origem ao método Kanban, ou seja, o ideal seria produzir somente o necessário e no melhor tempo
possível, baseando-se no modelo de reposição dos produtos somente depois de sua venda; 4ª – expansão
do método kanban para as empresas subcontratadas e fornecedoras.
42
3º. Trabalho operário em equipe. O processo produtivo é compreendido como um
processo que admite a melhoria contínua e o uso de práticas experimentais no chão da
fábrica, os quais requerem a cooperação dos trabalhadores.
O processo de ocidentalização do toyotismo mescla elementos presentes no Japão com
práticas existentes ainda nos novos países receptores, isto é, com o método
taylorista/fordista. Com isso, a adaptação da experiência japonesa foi marcada pela
resistência por parte de alguns empresários em delegar decisões aos trabalhadores da
produção, visto que esta sempre foi a função atribuída ao comando da empresa, ou seja,
há os que planejam e os que executam. No entanto, mediante a profunda recessão
intensificada pela crise do petróleo na década de 70, que irá refletir nas décadas
posteriores, ocorre um reajuste econômico e político (neoliberalismo e a
multipolaridade mundial com os blocos econômicos) fazendo com que esta
reestruturação seja marcada pelos altos níveis de desemprego, aumento da competição e
o estreitamento da margem de lucro das empresas, ganhos modestos de salários reais,
retrocesso do poder sindical, o que resulta na imposição de contratos de trabalho e
trabalhadores mais flexíveis. Por isso, para se adaptar aos “novos tempos”, as empresas
se tornam “enxutas”, há uma crescente redução do trabalho estável e desconcentração
do espaço físico produtivo – com trabalhadores terceirizados, part-time, etc. – e o
trabalhador polivalente e multifuncional, capaz de controlar diversas máquinas.
No contexto dessas transformações no mercado de trabalho a estratégia, o controle, os
círculos de qualidade total ganham popularidade como receituário para uma completa
mudança de comportamento por parte dos trabalhadores e empresários, de modo a
melhorar a produtividade num momento de acirrada competitividade e fragmentação
43
dos mercados. Temos, então, os pilares da filosofia da Qualidade Total: satisfazer as
necessidades do cliente, o que depende de uma investigação que antecipe seus desejos;
redução de custos; adotar novas tecnologias; avaliar sempre (o que requer comparações
de resultados com as metas estabelecidas para fazer as correções necessárias); espírito
de equipe para a melhoria contínua; novo perfil de liderança não mais baseado no
autoritarismo e, finalmente, valorização do trabalhador.
No âmbito empresarial divulgou-se a idéia de que a humanidade esquecida do
trabalhador no taylorismo estaria sendo valorizada no toyotismo. Assim, o elemento
humano deverá ser “melhorado” por intermédio da escolaridade. Na tarefa conferida à
escola em criar o ajustamento do indivíduo à nova sociedade está subentendida a noção
de qual perfil de trabalhador está sendo requisitado pelo mercado, onde agora não mais
impera a lógica do pleno emprego, mas a lógica da “empregabilidade”44. Qualquer
pessoa que quer ser “empregável” precisa gerar a Qualidade Total em si mesma: deve
ter comunicação clara e precisa; capacidade de análise tanto para solucionar conflitos
como para prever e corrigir problemas do sistema produtivo; familiaridade com
computadores e novas tecnologias; saber enfrentar as mudanças individualmente e em
equipe; ser responsável, versátil, polivalente, equilibrado emocionalmente; deve estudar
continuamente. Enfim, são características do indivíduo que lhe dariam a capacidade de
controlar sua qualidade e promover as melhorias contínuas no processo produtivo. Temse aqui a Teoria do capital humano, onde as relações de dominação e exploração são
substituídas pela ideologia do mérito, do esforço individual, da racionalidade.
44
Na literatura econômica e análises estatísticas, a empregabilidade diz respeito à passagem da situação
de desemprego para a de emprego (SHIROMA, Eneida Oto – Da Competitividade para a
empregabilidade: razões para o deslocamento do discurso, 1999). Outros a definem como “aptidão
dos trabalhadores em conquistar um emprego e mantê-lo todos os dias, sobrevivendo e prosperando numa
sociedade sem empregos” (BUENO, J.H. – Autodesenvolvimento para a empregabilidade, 1996). Em
relação à expressão emprego, Enriquez (Perda do Trabalho, perda da Identidade, 1999) a define como
“ter uma tarefa a ser feita, com um salário fixo, mesmo que essa remuneração não seja interessante”.
44
Em um mercado de trabalho restrito em que grande parte dos trabalhadores está
excluída, começa-se a buscar nas virtudes individuais as razões pelas quais alguns
conseguem empregar-se e outros não. As “competências” incluem elementos atitudinais
ligados às características de personalidade, segundo as exigências tanto da acumulação
flexível do capital, quanto daquelas necessárias ao indivíduo encontrar alternativas ao
desemprego. Tais competências são vistas enquanto poder que qualquer indivíduo tem
se quiser desenvolver, sem levar em conta que estas são propriedades criadas e
possibilitadas de acordo com a origem social, étnica, sexo etc..
Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) reivindicam a capacidade de iniciativa e
inovação e, mais do que nunca a máxima aprender a aprender. Criticam a pedagogia
antecedente em que o ensino embasava-se na memorização de determinados
conhecimentos. O conhecimento só teria sentido se convertido em “competências
cognitivas” e “competências sociais”, tornando-se reduzido em seu caráter utilitário e
imediatista, em ações comportamentalistas que fizessem com que as pessoas
melhorassem sua própria vida, sua eficiência e sua “empregabilidade”:
“A perspectiva é de uma aprendizagem permanente, de uma formação continuada,
considerando como elemento central dessa formação a construção da cidadania em
função dos processos sociais que se modificam. Alteram-se, portanto, os objetivos
de formação no nível do Ensino Médio. Prioriza-se a formação ética e o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Não há o que
justifique memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é
facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes
desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de
continuar aprendendo. É importante destacar, tendo em vista tais reflexões, as
considerações oriundas da Comissão Internacional sobre Educação para o século
XXI, incorporadas nas determinações da Lei nº. 9.394/96:
a) A educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural;
b) A educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer,
aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser”. (PCN, 1999; 31).
Os PCNs, em última instância, implicam em um discurso educacional, que entre
alianças, concessões e apropriações, apresenta-se enquanto resultado das disputas em
45
torno de qual perfil humano formar, de como é pensada a função da escola, de qual
projeto social é considerado válido etc.. Por isso, questiona-se quais subjetividades, ou
maneiras de ser, conhecer e interpretar o mundo são por este esperadas.
No Brasil, algumas empresas já estão implementando seus Projetos de Desenvolvimento
da Empregabilidade, argumentando que “hoje o empresário já não pode mais garantir
emprego, cabe-lhe apenas propiciar a empregabilidade, isto é, capacitar seus
empregados para as novas necessidades, internas e externas que surgirão no futuro”45.
No passado, considerava-se que essas habilidades eram de natureza estritamente
profissionalizante, relacionadas especificamente ao posto de trabalho, não englobando,
portanto, as habilidades acadêmicas mais comumente ensinadas na escola. Atualmente,
a definição de habilidades constituintes da empregabilidade tem sido alargada para
incluir também algumas habilidades básicas e uma variedade de atitudes e hábitos
valorizados no ambiente de trabalho, tais como: comunicação, relações interpessoais,
solução de problemas etc.. Segundo o Parecer 16/9946 do CNE, que estabelece as
orientações e os princípios específicos que orientam a organização da educação
profissional, a idéia de que o atendimento às demandas do mercado de trabalho, da
sociedade e dos indivíduos pode ser atingido através de uma educação profissional
pautada no desenvolvimento da laboralidade. Busca-se, assim, estruturar um tipo de
formação profissional que desenvolva a capacidade de o técnico manter-se em atividade
produtiva e geradora de renda em contextos sócio-econômicos instáveis, transitando
entre variadas atividades produtivas. A idéia de competência para a laboralidade
implica, para as instituições de educação profissional, a organização de programas que
45
SHIROMA, Eneida Oto – Da Competitividade para a Empregabilidade: razões para o
deslocamento do discurso – In Educação profissional: tendências e desafios. Documento final do II
seminário sobre a reforma do Ensino Profissional, 1999.
46
BRASIL - Conselho Nacional de Educação, Parecer 16/99, aprovado em 05/10/1999. Documenta
Brasília, nº. 457, p.3-73, out./1999. Fixa as Diretrizes curriculares Nacional para a educação profissional
de nível técnico.
46
inclua conteúdos e meios que favoreçam o desenvolvimento de capacidades para
resolver problemas, o tomar decisões e ter iniciativa e a autonomia intelectual. Por isso,
a escola se torna necessária para desenvolver essas competências e tornar os alunos
mais competitivos no mercado de trabalho. Ter qualificação47 passa, então, a ser uma
forma de conferir competência48 aos trabalhadores aumentando sua possibilidade de
criação e participação sobre o processo produtivo.
Sabemos que o mundo de ontem era repleto de fronteiras, “estável”, separado por áreas.
O atual é globalizado, dinâmico e conectado. Isso faz com que seja praticamente
impossível prever quais conhecimentos garantirão uma existência tranqüila. É uma
época de extrema liberdade e insegurança. Por isso a ênfase a um ensino que desenvolva
habilidades, muito mais que preparar alguém para um vestibular, essas habilidades
formariam uma espécie de caixa de ferramentas básicas para enfrentar o século XXI.
Nesse contexto, segundo a autora Vanilda Paiva49, a educação teria que atuar não
apenas na qualificação do trabalhador empregado formalmente, mas também na
formação do pequeno produtor e, ainda, na formação do desempregado ou excluído, de
maneira a ajudá-lo a desenvolver sua própria auto-atividade. Estaria aqui a idéia de uma
educação que objetive oferecer, inclusive, uma formação cultural e ética no sentido de
estimular uma mudança de valores e expectativas do cidadão, de modo a prepará-lo para
entender e agir no interior da nova realidade histórica. Assim, a educação teria que agir
de duas maneiras. Numa delas, abrindo perspectivas de ocupação
47
Segundo Acácia Kuenzer, trabalhadores e empresários entendem por qualificação a capacidade técnica
aliada à posse do saber teórico, ou seja, a capacidade de resolver os problemas na prática a partir do
conhecimento da teoria. (KUENZER, Acácia Z. – A Pedagogia da Fábrica: as relações de produção e
a educação do trabalhador – SP, 1985).
48
De acordo com a Resolução CNE/CEB nº. 04/99, art. 6º, entende-se por competência profissional a
capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários
para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. (BRASIL,
Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 julho/2007).
49
PAIVA, Vanilda – Educação e Bem-estar Social – Educação e Sociedade – nº. 39, Campinas/SP, p.
161-199, agosto/1991.
47
(...) “do tempo livre daqueles que foram excluídos – ou por aposentadoria com
longevidade, ou por exclusão do mundo do trabalho por incapacidade de adaptação
às novas condições... ou por falta de oportunidades suficientes para a nova
geração”. Na outra, criando condições para que essa “exclusão-includente não
apenas não se mostre disruptiva da ordem social, mas também apresenta-se capaz
de gerar um novo pólo dinâmico da economia com base em micro-empresas, autoemprego, capaz de produzir – muitas vezes em base artesanal(...) – os objetos
sofisticados e exclusivos que constituem hoje a fonte de lucro e acumulação
privilegiada do capitalismo...” (Paiva, 1991, p. 193).
Percebemos, assim, que a educação na ótica dessa autora, tem uma dimensão mais
ampla e profunda, significando, além da reciclagem técnica do trabalhador formal, que é
exigida pelas transformações produtivas, uma formação contínua do cidadão no sentido
de ensiná-lo a melhor inserir-se na “nova” realidade.
Enfim, há uma nova tendência na educação que procura acompanhar as novas
exigências do mercado. E a escola, mais uma vez, apresenta-se como o “abre-te
sésamo” da classe trabalhadora para entrar no mercado de trabalho e manter-se nele.
Mas, não deixa de ser interessante a observação de Cattani sobre o que realmente tem
sido o papel da educação no Brasil ao longo dos anos:
“A educação, na melhor das hipóteses, é um plano piloto como o foi Brasília, ou
seja, anunciado como um audacioso projeto que deveria resolver os problemas de
integração e de funcionamento racional do país. Após sua implantação, uma
pequena parte da população é beneficiada, alguns segmentos são aceitos nos
interstícios e o restante é jogado para a periferia do ‘modelo’. A educação nunca foi
pensada e investida como um projeto global, como uma prática de abrangência
universal e permanente. Os esforços de Fernando de Azevedo, de Anísio Teixeira,
de Paulo Freire e tantos outros não conseguiram reverter essa situação.
Recentemente iniciativas de administrações estaduais e municipais, bem como o
extraordinário trabalho de inúmeras ONGs dedicadas à educação popular, são
animadores, mas permanecem limitados e não alteram o quadro dominante”50.
E esse quadro dominante aponta-nos a várias tendências que tem caracterizado o
mercado de trabalho atual: tendência a uma redução do operariado manual, fabril,
estável; tendência a um aumento do trabalho parcial e temporário; tendência a um
50
CATTANI, Antônio David – Trabalho e Autonomia – 2ª edição, RJ, 2000, p. 157.
48
aumento do trabalho feminino, principalmente no setor de serviços; tendência a uma
enorme expansão dos assalariados no setor de serviços e, finalmente, tendência a
exclusão dos trabalhadores jovens e “velhos” do mercado de trabalho devido ao
desemprego estrutural51.
Como bem pontuou Cattani, o desafio hoje é compreendermos a lógica de seletividade e
de exclusão do mercado de trabalho e, nesse sentido, como as escolas se situarão nessas
novas exigências. Entendemos que a questão da cidadania passa pelo direito do cidadão
à apropriação do conhecimento. Este direito está associado à questão da escola pública
universal e gratuita. Assim, o caráter público da escola pressupõe a idéia de que o
conhecimento é um bem tão importante para o exercício de cidadania que o Estado deve
assegurar a todos a sua apropriação. Apesar dos avanços na legislação, a realidade do
sistema educativo no Brasil é um exemplo de contradição entre a declaração dos direitos
do cidadão e a prática educacional seletiva e excludente de amplos segmentos da classe
trabalhadora. Esse será, portanto, o assunto abordado no capítulo 02 desse estudo, que
terá como abrangência os períodos da 1ª República, do Desenvolvimentismo, da
Ditadura Militar e da Nova República no Brasil e em Minas Gerais.
51
ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, 1999, p. 201.
49
CAPÍTULO II
A BUSCA PELA CIDADANIA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
NO BRASIL E EM MINAS GERAIS
Para renascer, e às vezes para nascer, é preciso morrer, e ele começou morrendo.
Foi uma morte até certo ponto anunciada, precedida de uma lenta e ignominiosa
agonia. Que teve início numa sexta-feira. O patrão chamou-o e disse, num tom
quase casual, que ele estava despedido: contenção de custos, você sabe como é, a
situação não está boa, tenho que dispensar gente.52(2003, p. 585).
Assim começa o conto de Moacir Scliar sobre a vida de um trabalhador não qualificado
– um empacotador – pai de família e que fora demitido por causa da política de
contenção de custos da empresa. Como todo trabalhador que perde o emprego, começou
batendo à porta de muitas empresas, procurou conhecidos, esteve no sindicato... Mas
como às vezes acontece, a resposta foi negativa. Sentindo-se um derrotado, decidiu
abandonar a família e ir morar nas ruas ao lado de tantos outros que estão à margem da
sociedade. Passou a não mais idealizar um futuro e o passado começou a sumir de sua
memória:
A primeira coisa que esqueceu foi o rosto do filho maior, garoto chato, sempre a
reclamar, sempre a pedir coisas. Depois, foi o filho mais novo, que também
chorava muito, mas que não pedia nada – ainda não falava. Por último, foi-se a
face devastada da mulher, aquela face que um dia ele achara bela, que lhe
aquecera o coração. Junto com os rostos, foram os nomes. Não lembrava mais
como se chamavam. E aí começou a esquecer coisas a respeito de si próprio.
(2003, p. 587).
Não lembrar sobre coisas de si mesmo, mexeu muito com ele. Procurou então resgatar
sua identidade começando por um banho, pois “a sujeira formava nele uma crosta que
de certo modo o protegia”. Após o banho, olhou-se no espelho e não se reconhecia.
Saindo do abrigo que o acolhera, o padre quis saber seu nome, mas como não se
52
SCLIAR, Moacyr – O nascimento de um cidadão – in História da cidadania. Jaime Pinsky (org.), SP,
2003.
50
lembrava, disse apenas: José da Silva. Já na rua e se sentindo arrebatado pela vida, não
percebeu o ônibus que se aproximava e foi arremessado à distância.
Alguém se inclinou sobre ele, um policial. Que lhe perguntou:
- Como é que está, cidadão? Dá para agüentar, cidadão?
Isso ele não sabia. Nem tinha importância. Agora sabia quem era. Era um
cidadão. Não tinha nome, mas tinha um título: cidadão. (2003, p. 588).
Assim como a personagem do conto de Moacir Scliar, muitos trabalhadores acabam
perdendo sua identidade no momento em que também perdem seus empregos. É como
se esta identidade só fosse possível a partir do momento em que estes trabalhadores
estão inseridos no mercado de trabalho. É interessante observar esta questão,
principalmente quando perguntamos a alguém “quem é você” e geralmente as pessoas
nos respondem dizendo sobre sua profissão: “eu sou pedreiro, professor, etc.”, e não
sobre sua personalidade. E quando as pessoas perdem essa referência é como se
deixassem de ser alguém, pois é também na atividade do trabalho que o indivíduo irá
formando sua personalidade, desenvolvendo suas aptidões, refletindo sobre seus
princípios ideológicos e demonstrando suas atitudes frente à ação prática.
Enriquez53 aborda este aspecto em sua análise sobre trabalho e identidade, quando
escreve sobre a tendência de considerar-mos os homens como objetos eminentemente
substituíveis no processo de produção.
Por ser apenas um “mero detalhe” nessa
produção, acaba não se sentindo um agente atuante na sociedade, possuidores de certa
autonomia e com poder de decisão. Deixam-se levar pelas circunstâncias, não
construindo com isso um verdadeiro projeto social onde as necessidades da maioria
sejam, pelo menos, levadas em conta tais como: acesso à educação de qualidade, ao
mercado de trabalho. Enfim, a todas essas conquistas sociais que combinadas com os
53
ENRIQUEZ, Eugene – Perda do Trabalho, Perda da Identidade – BH, 1999.
51
prodígios da ciência e do poder criativo da tecnologia, poderão beneficiar a todos. No
Brasil nem todos exercem a sua cidadania, que defino como o exercício de deveres e
direitos individuais, respeitando também os deveres e direitos da coletividade.
Contudo, cabe aqui uma pergunta: de quem é a culpa do desemprego? Alguns culpam
os trabalhadores: “eles não têm educação suficiente para acompanhar as mudanças”.
Outros culpam a legislação: “a lei trabalhista é demasiadamente rígida, desestimulando
a contratação de trabalho”. Outros culpam a economia: “o investimento é anêmico e o
crescimento insuficiente para gerar o número de empregos que a nação precisa”. Afinal,
quem tem razão? Todos. Os problemas do mundo do trabalho são realmente
determinados pela educação, pela lei e pela economia. Cada um desses fatores tem uma
enorme parcela de responsabilidade. Por isso, Enriquez nos exorta a buscar a ação que o
exercício de cidadania nos exige: “è preciso que os seres humanos possam encontrar a
sua dimensão histórica, o seu peso na história. Que eles possam, também, reencontrar o
sentido político e o significado dos seus atos”.
54
Para buscarmos este “sentido político
dos nossos atos”, procuraremos neste capítulo discutir a educação profissional no Brasil
e em Minas Gerais, com suas reformas educacionais e seus reveses, bem como a
inserção da mão-de-obra qualificada no mercado de trabalho.
O ponto de partida para essa discussão será a educação e o desenvolvimento industrial
brasileiro na 1ª República, pois, a partir desse momento, veremos a intensificar o
processo de urbanização e a evolução de um modelo exclusivamente agrário-exportador
para um modelo parcialmente urbano-industrial, o que irá pressionar o sistema escolar
para que se expandisse. Até então, a estratificação social predominante na época
54
Idem. (1999, p. 83).
52
colonial, exigia uma educação que formava a elite do regime. Nesse sentido,
permaneceu a educação acadêmica e aristocrática dando-se pouca importância à
educação popular. Foi somente quando essa estrutura começou a dar sinais de ruptura
que a situação educacional começou a tomar rumos diferentes. Primeiro com os
movimentos culturais e pedagógicos em favor de reformas mais profundas; segundo,
com o aumento da demanda escolar impulsionada pelo ritmo mais acelerado do
processo de urbanização ocasionado pelo impulso dado à industrialização após a I
Guerra e acentuada depois de 1930.
2.1 Primeira República
Embora o Brasil estivesse centrado fortemente no modelo agro-exportador, no contexto
situado entre o final do Império e o início da República, teve uma forte pressão dos
diversos grupos da sociedade para transformá-lo num país cuja base econômica deveria
estar fundada na produção industrial. A ideologia do desenvolvimento baseada na
industrialização passou a dominar os debates em torno de um projeto para o país, para
atingir o progresso, a independência política e a emancipação econômica. Nessa nova
lógica, o analfabetismo é alçado ao estatuto de inaptidão do país para o progresso.
Erradicá-lo passa a ser uma prioridade e por isso é preciso estender a escola às
populações até então marginalizadas. Por iniciativa do presidente da República Nilo
Peçanha – cujo mandato foi de 1909-1910 – foram criadas 19 escolas de Aprendizes e
Artífices, uma em cada capital de estado, com exceção do RJ, cuja unidade foi
construída na cidade de Campos, e do RS, onde em Porto Alegre funcionava o Instituto
Técnico Profissional, o qual recebeu posteriormente o nome de Instituto Parobé. Esse
novo sistema de educação profissional passou a ser mantido pelo Ministério da
53
Agricultura, comércio e indústria e tinha como finalidade ofertar à população o ensino
profissional primário e gratuito. Assim sendo, Nilo Peçanha foi considerado o fundador
do ensino profissional no Brasil.
Apesar dos problemas apresentados pelas Escolas de Aprendizes a Artífices tais como:
evasão, escassez de mestres de ofícios especializados e de professores qualificados, esse
modelo de ensino profissional foi se consolidando ao longo do tempo e foi adquirindo
os contornos necessários até constituir a rede de Escolas técnicas do país. O próprio
presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, que assumiu o poder em 15 de
novembro de 1910, deixou clara a sua intenção de dar continuidade à obra iniciada por
Nilo Peçanha.
Minas Gerais também procurou abrir-se ao desenvolvimento econômico55 e, com isso,
causou reformas no seu sistema educacional. Nesse sentido, iremos vislumbrar o
desenvolvimento econômico mineiro como um desenvolvimento marcado pela
exploração e exportação dos recursos minerais não transformados e por atividades
agrícolas e pastoris, sendo elas caracterizadas pela auto-suficiência que deu origem a
uma formação social peculiar: de um lado, grupos sociais ligados às atividades
agropastoris e cafeeiras, portanto ruralizadas. E por outro, grupos sociais ligados às
atividades de mineração, portanto, urbanizados e diversificados. Por isso, o sistema
educacional foi chamado a desempenhar uma função primordial, qual seja: preparar a
mão-de-obra para inserir no mercado e com isso provocar o desenvolvimento. Assim,
essa idéia iluminista de superar o atraso pelo saber estará presente nos diversos
processos do desenvolvimento mineiro e, para ilustrarmos um desses momentos,
citaremos o ensino agrícola em Minas durante a Primeira República. De acordo com
55
Desenvolvimento econômico será aqui entendido como uma idéia referente à superação intencional de
uma situação de atraso relativo. Nesse sentido, envolve ações governamentais e articulações dos diversos
grupos sociais para superação desse atraso.
54
Dulci56, primeira fase desse ensino vai de 1903 até cerca de 1920 e teve como eixo a
idéia da educação básica para o trabalho. Na segunda57, a atenção se estendeu para o
ensino superior, como parte de uma estratégia mais ambiciosa de modernização do
campo.
No governo de João Pinheiro (1906 a 1908) cabia ao Estado educar a população para o
progresso58 e, como conseqüência dessa política, foram criados estabelecimentos de
ensino agrícola onde eram divulgadas novas técnicas e o uso da mecanização.
Conforme assinala Ângela Gomes:
O Brasil da República Velha era um país eminentemente rural (60% da população
em área rural), recém- saído do longo período de escravidão, com taxas nacionais
de analfabetismo na ordem dos 75% da população. O Brasil da República Velha era
também o país dividido entre os políticos bacharéis e os homens de ação. A ruptura
com o atraso brasileiro significava, para muitos deles, a reorganização, em bases
racionais e técnicas, do trabalho agrícola, da fixação do homem rural, dos
instrumentos e agências de produção. Sintonizava-se, ainda, com a corrente ruralista
que via no ensino profissional agrícola as possibilidades de recuperação do homem
do campo e, por extensão, da própria agricultura brasileira. (...) Preparar o homem
rural, inclusive com a formação de colônias agrícolas, pode ter sido um instrumento
eficaz de preservação do latifúndio e da grande propriedade. Criar o senso de
propriedade em pequenos agricultores é eficaz no sentido de criar uma mentalidade
favorável ao respeito à propriedade de outrem. A posição de João Pinheiro guarda
estreita conexão com esses pontos. 59
Havia, portanto, por parte do governo a crença de que a maior fonte de riqueza estava na
agricultura, pois ela beneficiava grande parte da população oferecendo trabalho “mais
fácil” e que atendia também as suas necessidades mais imediatas. Assim, combinar
56
DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999.
Essa fase se dá principalmente no governo de Artur Bernardes (1918 a 1922), onde houve a valorização
do ensino agrícola médio e superior, entendendo que o setor agropecuário requeria a formação de pessoal
qualificado. Esse requisito foi atendido através da criação em 1920 da Escola Superior de Agricultura e
Veterinária em Viçosa, sendo inaugurada em 1926.
58
Como João Pinheiro era adepto do positivismo, a idéia de progresso refere-se à aquisição de bens e de
conhecimentos, capazes de mudar a vida social e dar-lhe um novo significado, resultando em maiores
benefícios materiais e culturais para os membros da sociedade. (OLIVEIRA, Pérsio S. – Introdução à
Sociologia - SP, Ed. Ática, 2005).
59
GOMES, Ângela de Castro (org.) - Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno - BH, 2005, p.
143.
57
55
formação técnica e aplicação prática foi a fórmula que orientou o governo na busca pelo
desenvolvimento, sendo que para isso, era necessário erradicar o analfabetismo e formar
recursos humanos para o mercado de trabalho. Nesse sentido, acreditava-se que o país
iria se beneficiar como um todo. “O descuido com a educação popular seria o
responsável pela inferioridade brasileira reificada nos processos rotineiros de predação,
de falta de instrução para manuseio da terra e do trabalho, pela manutenção dos mesmos
processos dos tempos coloniais” (idem, p. 145). Portanto, a universalização do ensino
primário e a implantação das escolas agrícolas para a modernização do país, nos dão
mostra de como era importante para o governo João Pinheiro a qualificação para o
trabalho, iniciando-o desde o primário: “ensinar ao agricultor que tipo de produção se
presta ao seu terreno, como lidar com a terra sem exauri-la, como lidar com máquinas,
como modernizar o campo produtivo era a agenda de um currículo de Escola Agrícola”
(idem, p. 160).
O que nos chama a atenção nesse projeto de modernização, que tem como sustentáculo
o binômio trabalho/educação, é o fato de que essa modernização ainda estava assentada
em uma estrutura de desigualdade social, ou seja, mesmo havendo a preocupação por
parte do governo com a educação popular, em erradicar o analfabetismo, fator de atraso
segundo João Pinheiro, ainda assim era um projeto que promovia uma educação dual:
para os pobres um ensino técnico de feição profissionalizante e para a elite uma
educação geral que levava à ascensão ao ensino superior. Teremos algumas mudanças
nessa estrutura, principalmente na década de 20, quando o país vivenciou crises no setor
de exportação e quando sentiu as pressões vindas da classe operária e das classes médias
urbanas por democracia. A indústria nesta época – década de 20 – se caracterizava pela
produção do setor têxtil e alimentício. Em janeiro de 1929, já existia no Distrito Federal
56
um total de 1.937 fábricas, empregando 93.525 operários60. Os ramos básicos da infraestrutura como: siderurgia, mecânica pesada, por exemplo, não representavam qualquer
contingente considerável. Mesmo assim, o aumento dessa industrialização acabou por
atrair para as cidades, populações oriundas de outras localidades.
Conter esse fluxo migratório e levar escola ao interior brasileiro, bem como enraizar os
serviços escolares nos grandes centros urbanos passa a ser as metas da Reforma
Sampaio Dória implantada em SP e que fora concebida nos moldes spencerianos61. Essa
reforma reduziu a escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos porque,
segundo Dória, dois anos de formação básica era suficiente para que o aluno exercitasse
as suas “faculdades perceptivas”, desenvolvendo a sua “capacidade de conhecer”. A
escola primária obrigatória de dois anos deveria ser:
1º. Instrumento de aquisição científica, como aprender a ler e escrever;
2º. Educação inicial dos sentidos, no desenho, no canto e nos jogos;
3º. Educação inicial da inteligência no estudo da linguagem, da análise do cálculo e
nos exercícios de logicidade;
4º. Educação moral e cívica, no escotismo, adaptado à nossa terra e no
conhecimento de tradições e grandezas do Brasil;
5º. Educação física inicial, pela ginástica, pelo escotismo e pelos jogos62 .
Estabelecida pelo Decreto 1.750 de 8 de dezembro de 1920 e revogada em 1925, a
Reforma teve o curso de sua implantação alterado pela exoneração de Sampaio Dória
em abril de 1921, do posto de Diretor da Instrução Pública. Em 1924, reuniu-se no RJ,
um grupo de educadores brasileiros imbuídos de idéias renovadoras sobre o ensino,
sendo que, para eles, a educação era um elemento central para remodelar o país. Por
isso, criaram a ABE (Associação Brasileira de Educação) para reivindicarem uma
60
FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930 – 8ª edição, SP, Ed. Brasiliense, 1982.
Herbert Spencer (1820-1903) – empirista britânico, influenciado pelo positivismo, combatia a
influência religiosa no ensino e na ciência.
62
CARVALHO, Marta Maria Chagas de - Reformas da Instrução Pública – in 500 anos de Educação
no Brasil. Eliane M. T. Lopes (org.), BH, 2003, p. 228.
61
57
educação para todos e uma escola vinculada ao meio social, isto é, se a sociedade exigia
uma mão-de-obra apta para exercer suas funções na indústria, então que a escola se
incumbisse dessa formação. Assim, a ABE foi o resultado da influência das idéias então
vigentes nos EUA63 e na Europa, que se convencionou chamar de “Movimento das
Escolas Novas”. Faziam parte desse grupo Heitor Lira, José Augusto, Venâncio Filho,
Carneiro Leão, dentre outros64 . No plano ideológico, as conferências realizadas pela
ABE representavam o confronto de duas correntes opostas: a dos reformadores que
tinham como princípios a gratuidade e obrigatoriedade do ensino, a laicidade e um
Plano Nacional de Educação; e a outra corrente chefiada pelos católicos que viam na
interferência do Estado um perigo de monopólio e na laicidade uma afronta aos
princípios da educação católica.
Um idealizador dessa concepção reformadora foi Anísio Teixeira que se inspirou na
filosofia de John Dewey quando foi seu aluno num curso de pós-graduação nos Estados
Unidos. Assim, propunha uma “educação como processo de contínua transformação,
reconstrução e reajustamento do homem ao seu ambiente social móvel e progressivo”65.
Convidado em 1926 pelo então governador da BA para reformar a Instrução Pública no
Estado, Anísio viaja aos EUA e dessa viagem, edita o livro “Aspectos Americanos de
Educação” onde registra o que considera como democracia norte-americana: “O caráter
de uma escola pública onde pobres e ricos são vistos sentados juntos e onde o trabalho
manual e o trabalho intelectual são indissociáveis”.
63
Dentre essas idéias, destaca-se as de John Dewey (1859-1952) que inspirou o movimento da Escola
Nova. De acordo com a corrente filosófica deweyana, o papel da escola é reproduzir a comunidade em
miniatura, apresentar o mundo de modo simplificado e organizado e, aos poucos, conduzir as crianças ao
sentido e à compreensão das coisas mais complexas. Em suma, o objetivo da escola deveria ser ensinar a
criança a viver no mundo. Os princípios do Movimento das Escolas Novas eram: a universalização da
escola pública, laica e gratuita. (Revista Nova Escola – Grandes Pensadores, 2006).
64
ROMANELLE, Otaíza de Oliveira - História da Educação no Brasil - RJ, 1983.
65
CARVALHO, Marta Maria Chagas de - Reformas da Instrução Pública - BH, 2003, p. 244.
58
As novas responsabilidades da escola, segundo Anísio Teixeira, eram, portanto, oferecer
situações em que o aluno, a partir da visão (observação), mas também da ação
(experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber. Assim, a pedagogia deixava-se
impregnar pelos novos ritmos da sociedade da técnica e do maquinismo. Caberia ao
professor “guiar” o aluno de modo a garantir que o máximo de frutos fosse obtido com
o mínimo de tempo e esforços perdidos. Essa pedagogia respondia às exigências do
momento, pois sabemos que a educação pública, gratuita, obrigatória e leiga é uma
conquista do Estado burguês e surgiu na Europa com a ascensão da burguesia e o
desenvolvimento da vida urbana. Historicamente é, portanto, uma conquista resultante
da decadência da antiga ordem aristocrática e uma reivindicação ligada à nova ordem
social e econômica, que, no nosso caso, começava a se definir mais precisamente após
1930.
Minas Gerais também acompanhará o ideal escolanovista vigente no país. O governo de
Antônio Carlos (1926-1930) juntamente com seu secretário dos Negócios do Interior,
Francisco Campos, promoverá uma reforma no ensino cujo objetivo será a
modernização da escola mineira, transformando-a em um importante agente de
consolidação da nova ordem urbano-industrial. O Brasil caminhava para um novo
tempo – o tempo da indústria – e o sucesso da ordem urbano-industrial estava
diretamente ligado à capacidade do estado para modernizar-se, incorporando os
segmentos que se sentiam excluídos do sistema, dentre eles os desempregados.
Para isso, Antônio Carlos propõe um programa de governo voltado basicamente para as
reformas administrativas do estado, do voto secreto e feminino e para a oferta de
59
escolas. De acordo com Ana Maria Peixoto66, a ênfase à educação no governo de
Antônio Carlos justifica-se por uma série de razões, dentre elas o crescimento da
indústria que acelera o processo de urbanização e acaba por trazer à tona a questão da
formação da mão-de-obra. Assim, além de formar essa mão-de-obra, cabia às escolas
divulgar uma nova moral, compatível com o mundo da fábrica. Essa “nova moral” tem
como referência o Taylorismo, que é uma proposta de gerência científica, desenvolvida
nos EUA no início do século, cujo objetivo seria alcançar maior eficiência e
produtividade mediante o controle do trabalho operário. De acordo com esse ideal,
haveria possibilidade de ascensão social promovendo as qualidades do indivíduo através
da educação.
Por estas razões, Francisco Campos realiza uma profunda reforma que atinge o ensino
primário e normal. A opção pelo ensino primário se justifica pelo caráter estratégico que
o governo atribui à escola primária no processo de democratização da sociedade. Este
caráter estratégico está diretamente relacionado ao ensino da leitura e da escrita,
condição indispensável ao exercício do voto e, consequentemente, ao usufruto dos
benefícios da cidadania. Nesta perspectiva, expandir a escola primária seria estender as
possibilidades de acesso à cidadania e, portanto, democratizar a sociedade. Já as
preocupações com o ensino normal se devem ao fato de Francisco Campos considerar o
trabalho do professor a base sobre a qual repousa a escola primária, visto que cabia ao
professor ensinar aos alunos a viverem com mais tolerância, que aprendessem a
responder às necessidades que as transformações tecnológicas impunham e que
tivessem autodisciplina. Por isso a opção pela adesão aos princípios da Escola Nova,
que enfatiza a participação do aluno no processo de aprendizagem e não um simples ato
66
Educação em Revista, FAE/UFMG, BH – nº. 16 – dezembro/1992, p. 13 a 17.
60
de memorização, já que o momento exigia uma mudança de paradigma devido a
evolução da ciência e da tecnologia. A reforma educacional patrocinada por Francisco
Campos em Minas Gerais, enquadra-se no paradigma de vários grupos que encaravam a
sociedade brasileira como uma estrutura doente – doente porque analfabeta - cujos
males caberia à elite erradicar. Por isso, a necessidade de reconstruir as instituições
políticas e sociais, modernizando-as. Assim, esse movimento de reformas ocorrido em
Minas alinha-se a outros movimentos modernizantes no país, cujo ápice será a
Revolução de 30.
Podemos dizer que, até 1930, o Brasil intitulava-se como um “país essencialmente
agrícola”, visto que apresentava como primeiro item na sua pauta de exportação,
produtos agrícolas (no caso, o café). No entanto, o estado de Minas começa a buscar
outras opções. De acordo com Otávio Dulci67 a economia mineira apostou mais na
policultura do que na primazia do café: “tratava-se de um rumo próprio, que levava a
economia mineira a se distinguir do modelo primário-exportador dominante na
economia brasileira”. Nota-se, nesse caso, a atitude discreta dos mineiros quanto à
valorização do café, diferentemente da atitude dos paulistas. Não é do nosso interesse
aprofundarmos aqui essa controvérsia, mas sim ressaltarmos que até 1930 o Brasil
mantinha uma política econômica de valorização agrícola, pois compreendia que o
processo de modernização do país deveria ser gradual, passando da agricultura para a
indústria. A partir da década de 1930, já na Era Vargas, o país começa então a construir
um parque industrial, tendo um avanço na urbanização e constituindo uma elite
empresarial que estava alterando o predomínio das oligarquias cafeeiras68. Segundo
67
DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999, p.60.
A diversificação econômica e a modernização social não deslocaram do poder a elite tradicional. Esta,
ao contrário, se antecipou e procurou conduzir o processo, adaptando-se ao novo contexto da crise do
modelo agroexportador e da centralização política pós-1930. (Dulci, 1999; cap. V).
68
61
Boris Fausto, os ramos têxteis e de alimentação ainda continuavam a predominar,
abrangendo aproximadamente 61% do capital empregado. Mas, os anos seguintes à
Revolução de 30 seriam caracterizados pelo desenvolvimento industrial, graças a ação
do Estado para evitar o colapso da economia cafeeira (comprando e queimando café),
combinada com a substituição de importações69. Com isso, o mercado se nacionalizava
de forma crescente – processo que foi acelerado devido às duas guerras mundiais,
entremeadas pela Grande Depressão de 29. A zona metalúrgica mineira passa, então, a
ser uma área especializada na produção de bens intermediários para essa estrutura
industrial:
A Belgo-Mineira fora fundada em 1921 e iniciara algumas atividades em Sabará;
depois a
inauguração da usina de João Monlevade (1937) e da Cia. BelgoMineira. Poucos anos mais tarde, a Cia. Vale do Rio Doce se estabelecia em Itabira
(1942), a Acesita em Timóteo (1944) e a Usiminas em Ipatinga (1956).
(...) A criação de uma siderúrgica dentro do estado era de especial importância para
o seu estímulo. A indústria de base foi equacionada inicialmente com a instalação,
no estado, da usina da Mannesmann, empresa alemã (hoje V&M) que, ao iniciar, no
Brasil, a ultra moderna fabricação de tubos de aço sem costura, possibilitou a
expansão de numerosas outras indústrias a jusante70 .
Em âmbito nacional, o movimento renovador pela educação reivindicava que o Estado
assumisse o controle da educação e que esta deveria ser gratuita e obrigatória, dadas às
necessidades da nova ordem econômica em implantação. A campanha pela escola
pública foi uma campanha que visava, antes de tudo, à concretização de um dos
princípios máximos do movimento: o direito de todos à educação. No entanto, o outro
grupo – o dos católicos – lutava contra essa escola pública e gratuita, pois isso
representava o esvaziamento das escolas privadas que em sua maioria era constituída
por colégios de freiras e padres.
69
70
FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930 – 8ª edição, SP, Ed. Brasiliense S.A., 1982, p.23.
GOMES, Ângela de Castro (org.) - Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno - BH, 2005, p.229.
62
Para conciliar esses diferentes interesses é que as constituições de 1934 e 1937
adotaram o ensino religioso facultativo, a gratuidade e a descentralização do ensino.
Entretanto, a Constituição de 1937, apesar de manter a gratuidade e obrigatoriedade do
ensino, foi mais enfática na questão do ensino profissional.
71
Oficializando o ensino
profissional como ensino destinado aos pobres, o governo o dividia em duas partes: uma
que correspondia ao ensino secundário - que teria um caráter propedêutico ao ensino
superior, formador das elites – e a outra parte que compreendia os ramos profissionais
(industrial, comercial e agrícola), formador da mão-de-obra que a sociedade industrial
necessitava. Nesse caso, o movimento renovador que ao proclamar a educação como um
direito de todos, sem distinção de classes sociais e de afirmar ser dever do Estado
assegurá-la, constituiu-se em um avanço para a época, porque trata a educação como
uma questão de cidadania. No entanto, o movimento peca em um ponto: não
questionava a nova ordem que se estava implantando. Lutava apenas contra a escola
tradicional e elitista e não contra o sistema que continuava mantendo o predomínio da
elite no poder. Em 1942, por iniciativa do ministro de Getúlio Vargas, Gustavo
Capanema, foram instituídas reformas parciais no ensino que atendessem aos interesses
econômicos – “formação da força de trabalho que possibilitasse a realização do projeto
de desenvolvimento assumido pelo Estado Novo” – e por questões ideológicas – “para
montar um quadro geral e simétrico que abrangesse todos os tipos de ensino”72. Essas
reformas foram chamadas de Leis Orgânicas do Ensino. Essas leis estruturaram o ensino
técnico – profissional, e começaram a ser promulgadas em 1942 sendo, portanto,
decretadas de forma gradativa:
71
Art. 129 – O ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas é, em matéria
de educação, o primeiro dever do Estado. ( citado no PCN – ensino médio, 1999; 96).
72
MANFREDI, Silvia Maria - Educação Profissional no Brasil - SP, 2002, p. 99.
63
a) Em 30/01/1942, o decreto – lei nº. 4.073 organizava o ensino industrial;
b) Em 28/12/1943, saía a lei orgânica do ensino comercial, pelo decreto – lei nº.
6.141;
c) Em 20/08/1946, findo o Estado Novo, saía o decreto – lei nº. 9.613 chamado
lei orgânica do ensino agrícola.
Esses decretos – lei organizaram o ensino técnico profissional nas três áreas da
economia, de forma que ele contivesse dois ciclos – um fundamental, geralmente de
quatro anos e outro técnico, de 3 a 4 anos:
O ensino primário, com quatro ou cinco anos de duração, destinava-se a todas as
crianças de 7 a 12 anos (Decreto – lei 8.529, de 2 de janeiro de 1946). O ensino
médio, para jovens de 12 anos ou mais, compreendia cinco ramos. O ensino
secundário (Decreto – lei 4.244, de 9 de abril de 1942) tinha por objetivo formar os
dirigentes pelo próprio ensino ministrado e pela preparação para o superior. Os
demais ramos do ensino médio tinham a finalidade de formar uma força de trabalho
específica para os setores da produção e da burocracia: o ensino agrícola para o
setor primário; o ensino industrial para o setor secundário; o ensino comercial para
o setor terciário; o ensino normal para a formação de professores para o ensino
primário. Cada ramo de ensino estava dividido em dois ciclos, o primeiro
propedêutico ao segundo. (idem, 2002; 99).
Devemos lembrar que, devido ao período da 2ª Guerra Mundial, exigia-se uma
contenção de produtos importados e mão-de-obra também importada. Por isso, o Estado
deveria satisfazer as necessidades de consumo da população com produtos de fabricação
nacional – expandindo assim o setor industrial – e absorver mais mão-de-obra
qualificada, já que essa não poderia ser importada. As indústrias passam, então, a treinar
seu pessoal para suprir a demanda e, com esse engajamento das indústrias, temos a
criação do SENAI (1942) e o SENAC (1943). Apesar do aspecto positivo de suprir o
mercado com mão-de-obra qualificada nacional, o ensino técnico apresentou algumas
falhas: primeiro devido à falta de flexibilidade entre os vários ramos do ensino
profissional e entre esses e o ensino secundário. Essa falta de flexibilidade traçava o
destino do aluno no ato mesmo do seu ingresso no ciclo básico. A menos que ele
abandonasse completamente os estudos a meio caminho, se quisesse reorientar sua
escolha deveria interromper o curso que estivesse fazendo e recomeçar em outro ramo
64
sem ter a chance de ver seus estudos aproveitados. Isso representa um desperdício de
recursos aplicados à educação e uma perda de tempo por parte do aluno. Um segundo
aspecto relacionado às falhas no ensino técnico e também à falta de flexibilidade, referese ao acesso aos cursos superiores. O aluno só teria acesso a ele através do ramo
profissional correspondente ao que estivesse cursando. Se quisesse seguir carreira em
outra área, teria que fazer o curso profissional correspondente ou o curso colegial
secundário. Mais do que nunca, a legislação reforça a seletividade e a velha mentalidade
adotada na educação das elites. O gráfico a seguir, ilustra bem essa situação:
Articulação entre os níveis de ensino, segundo as “Leis orgânicas” 1942 – 1946 (Manfredi, 2002; 100)
Como se pode notar, as Leis orgânicas instituídas no governo Vargas, acabaram por
acentuar a velha dicotomia do ensino: por um lado, o ensino secundário acadêmico,
propedêutico e aristocrático – que preparava para o ingresso ao ensino superior. E por
outro, existiam as escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho – essas
dedicadas às camadas mais pobres. Ainda segundo Manfredi, “no período que sucedeu o
65
Estado Novo, de 1945 a 1964, o Estado continuou sendo o principal protagonista dos
planos, projetos e programas de investimentos que alicerçaram o parque e o
empresariado industrial”. Essa atuação era no sentido de tornar-se o empresário nas
indústrias de base – como, por exemplo, na siderurgia – e nos setores de energia e
transporte.
Por isso, com a instalação da CSN em Volta Redonda no RJ, a participação relativa de
Minas Gerais na produção siderúrgica nacional declina. Será nos anos 40, devido a
acordos firmados entre o governo brasileiro e os EUA para fazer frente ao esforço de
guerra, que o projeto de construção da Vale do Rio Doce viabiliza-se. De acordo com
Otavio Dulci, havia uma migração de mão-de-obra mineira para os estados vizinhos,
motivada principalmente por uma política de apoio à diversificação agrícola e ao pouco
estímulo dado à indústria73. Para responder às críticas, feitas pela oposição, o governo
de Benedito Valadares (1933 a 1945) criou o Parque Industrial em Contagem que atraiu,
de imediato, duas indústrias suficientemente importantes para dar credibilidade ao
empreendimento. São elas: Itaú (cimento) e Magnesita (refratários). Essas empresas
atuavam no segmento de bens intermediários, um dos setores produtivos que iriam
caracterizar a participação de Minas no sistema industrial brasileiro.
Com o governo de Milton Campos (1947-1951) a ênfase será dada a uma modernização
equilibrada entre a indústria e a agricultura, equacionando assim o problema do atraso
econômico em termos de equilíbrio estrutural entre cidade e campo:
73
O deputado Magalhães Pinto, em seu discurso, atribuiu o problema à inépcia do governo Valadares em
estimular a produção, à sua truculência fiscalista com as empresas e à sua negligência diante do êxodo
rural e da migração maciça de trabalhadores para outros estados. (DULCI, Otávio Soares – Política e
Recuperação Econômica em Minas Gerais, 1999; 72).
66
Que adianta atacar problemas transcendentes da industrialização à outrance, se o
homem, sub-alimentado, perdeu sua eficiência? Até hoje a proclamada economia
dirigida tem oposto restrições à produção agrícola e incentivado o desenvolvimento
das indústrias manufatureiras. As conseqüências dessa orientação desarmônica já se
fazem sentir, e a menor tem sido o êxodo das populações rurais para os centros
populosos. Não pretendemos, é claro, criticar as realizações industriais, mas, apenas,
mostrar que o crescimento destas deve ser paralelo ao desenvolvimento da produção
agropecuária74 .
Assim, o governo deu ênfase ao ensino agrícola nos níveis médio e elementar,
considerando que o ensino superior já se desenvolvia adequadamente. Ao mesmo
tempo, o governo Milton Campos, através do secretário de governo Américo René
Gianetti, ligado à indústria siderúrgica, apóia o processo de industrialização, pois via
nele uma forma de promover o desenvolvimento do Estado, bem como manter a
parceria com as demais atividades produtoras: agricultura e pecuária. Essa também
constituía em uma forma de impedir o êxodo dos mineiros para outros estados. Em seu
governo foi instituído o Programa de Recuperação Econômica e Fomento da produção
que se desdobrou em vários projetos de eletrificação, transportes, política fiscal e de
financiamento da produção, criação de cidades industriais e redes de frigoríficos, que
levaram à criação de inúmeros órgãos, comissões e serviços para a sua execução.
Com a eleição de Juscelino Kubitschek (1951 a 1955) ao governo de Minas, a
orientação política até então conduzida, seria reinterpretada. Em lugar da expansão
articulada da agricultura, da indústria e da busca do equilíbrio entre a cidade e o campo,
agora desenvolvimento significava industrialização e era algo que se referia
basicamente ao espaço urbano. Isso não significa que houvesse corte com o passado. Ao
contrário, tratava-se de uma retomada da fase industrializante de Benedito Valadares,
aproveitando as iniciativas de Milton Campos, tais como a Taxa de Serviços de
Recuperação Econômica que o governo Milton Campos havia instituído para financiar o
74
DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999, p. 86.
67
seu Programa de Recuperação e que, com Juscelino, foi canalizada para os projetos de
infra-estrutura. Assim, a orientação do governo JK foi expressa no “Binômio Energia e
Transportes”, visto que esses dois fatores eram essenciais para manter e ampliar o
parque industrial. O DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e a CEMIG
(Centrais Elétricas de MG) serão os dois principais organismos para condução da
política de energia e transportes.
No entanto, ao demarcar uma área prioritária, qual seja infra-estrutura, o projeto de
Kubitschek implicava o enfraquecimento relativo de outros campos de ação
governamental, dentre eles a agricultura: “ A Secretaria da Agricultura, que vinha
funcionando desde os anos 30 como uma espécie de pasta da Economia, núcleo das
políticas de desenvolvimento regional em sentido amplo, teve seu peso dentro da
governo sensivelmente reduzido nessa fase”75. A concepção da época era de que o
campo era o “atraso”, de que não se devia investir nele. A idéia do “país essencialmente
agrícola” deveria ser superada. Foi o que o governo JK (1955 a 1960) procurou fazer,
mesmo tendo ele sido conduzido ao poder pelo PSD (Partido Social Democrático),
partido essencialmente dominado pelas oligarquias rurais. O governo Kubitschek
inaugurou assim, uma nova era no desenvolvimento industrial brasileiro.
2.2 Período Desenvolvimentista
O chamado Desenvolvimentismo – assim denominada a política econômica do governo
Juscelino – consistiu em levar adiante a industrialização através da ampliação da
indústria de base e da criação de um setor de bens de consumo duráveis. O Plano de
75
DULCI, Otávio S. – Política e Recuperação Econômica em MG – BH, 1999.
68
Metas de Juscelino previa a ampliação da indústria de base – a siderurgia e o setor
energético principalmente – através de recursos públicos e empréstimos externos. A
novidade maior desse plano, entretanto, estava na criação de um setor de bens de
consumo duráveis – produção de automóveis, eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos
– com base no capital estrangeiro, isto é, na entrada maciça de empresas multinacionais
no país. Estas empresas, em conseqüência do Plano de Metas do governo, rapidamente
constituíram o setor mais dinâmico e lucrativo da economia brasileira, absorvendo ou
subordinando boa parte das empresas nacionais. Quanto à educação, foi de fundamental
importância que o sistema educacional do país atendesse a demanda por pessoal mais
qualificado devido ao processo de desenvolvimento. A existência de um novo mercado
de trabalho moldado pelo processo de industrialização exigia da Escola a especialização
e a técnica. É neste “clima” fortemente desenvolvimentista da década de 50 que estava
sendo discutida a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que se constituirá em
um plano Nacional de Educação sinalizando para os Estados a necessidade de adequar
seus sistemas educacionais ao processo de desenvolvimento do país. Em 1956, o
governo de Minas, em convênio com o Programa Americano Brasileiro de Assistência
ao Ensino Elementar (PABAEE), cria um centro experimental piloto no Instituto de
Educação de BH, inaugurando a fase de implementação dos acordos firmados entre
Brasil e EUA, a partir de 1950. Estes acordos fixavam os princípios e normas de
cooperação técnica e resultavam da estratégia elaborada pelo presidente norteamericano Truman, para prevenir a influência das teorias comunistas na órbita dos
países subdesenvolvidos76.
76
REZENDE, Marilza Abrahão Pires – A Educação Mineira dos anos 60/70 – Dissertação de Mestrado
defendida em junho de 1993, FAE – UNICAMP.
69
Este é um dos exemplos de como o professorado brasileiro e em particular o mineiro,
vai sendo preparado para assumir a implantação das reformas educacionais necessárias
ao desenvolvimento econômico do país. A idéia da modernização da escola, através da
“administração científica” de seus recursos materiais e humanos, tendo em vista o
desenvolvimento econômico, soma-se àquela da educação vista como importante
instrumento de política governamental. Esta será a tônica dos planejamentos
governamentais em Minas Gerais, evoluindo de seus aspectos puramente políticos –
expansão da rede escolar, aumento crescente de matrículas – aos aspectos técnicos –
necessidade de implantação de um regime de trabalho eminentemente técnico para o
desenvolvimento de Minas.
A partir do período de 1956/60, quando o processo de industrialização brasileiro
aprofundou sua integração na economia mundial por meio da abertura ao capital externo
e às empresas multinacionais, faz-se necessário um tipo de escolaridade que capacite os
trabalhadores a ocupar os novos postos de trabalho. Um marco importante de
organização do sistema educacional nesse período, foi a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei 4.024/61)77 que constituiu a primeira lei global de educação do
país. Nela se observa uma articulação entre os ensinos secundário e profissional,
permitindo com isso o ingresso em qualquer curso do ensino superior para qualquer
aluno que tivesse concluído o ramo secundário ou o profissional.
77
78
Esse foi, sem
“A expressão “diretrizes e bases” foi objeto de várias interpretações ao longo da evolução da educação
nacional. Segundo J.S.B. Horta, a interpretação dos educadores liberais para a expressão ‘diretrizes e
bases’, durante os embates da década de 40, contrapunha-se à idéia autoritária e centralizadora de que a
União deveria traçar valores universais e ‘preceitos diretores’, na expressão de Gustavo Capanema.
Segundo o autor, para os liberais: ‘diretriz’ é a linha de orientação, norma de conduta. ‘Base’ é superfície
de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta
significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim
entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só preceitos genéricos e fundamentais”.
(PCN – Ensino médio, 1999; 87).
78
Art. 12 – Os sistemas de ensino atenderão à variedade dos cursos, à flexibilidade dos currículos e à
articulação dos diversos graus e ramos. (Lei 4.024/61, título V, pg. 981).
70
dúvida, um grande progresso da lei, pois quebrou a rigidez do ensino permitindo uma
maior flexibilidade na passagem entre o ensino profissionalizante e o secundário. Mas,
também mostra um retrocesso em relação à legislação anterior, que determinava
principalmente o dever do Estado em garantir o ensino gratuito. Observemos o art. 95,
letras “a” e “c” dessa mesma lei:
Art. 95 – A União dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob a forma
de:
a) Subvenção, de acordo com as leis especiais em vigor;
b) (...)
c) Financiamento a estabelecimentos mantidos pelos Estados, municípios e
particulares, para a compra, construção ou reforma de prédios escolares e
respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em
vigor.
Para um país, que não tinha recursos para estender sua rede oficial de ensino de forma a
atingir toda a população em idade escolar foi, sem dúvida, um retrocesso. Na verdade,
essa retirada de autonomia e de recursos da esfera pública para privilegiar a esfera
privada, só é compreensível dentro da forma de organização da sociedade brasileira que,
nesse caso, mostra a interferência na política educacional do setor privado em beneficio
próprio. O golpe de 1964 que inaugurou o regime militar e os eventos de 1968 que
culminaram na edição do Ato Institucional nº. 5, demonstra a vitória dos setores
modernos do empresariado (ligados à produção de bens intermediários) sobre os setores
tradicionais (ligados à indústria têxtil e de laticínios) coroando um processo de
aproximação ideológica cujo denominador comum era a reordenação do capitalismo
brasileiro sob a direção do setor da classe dominante ligada ao capital internacional.
71
2.3 Ditadura Militar
O golpe militar visou, então, à eliminação do nacionalismo e assim afastar todos os
obstáculos ao desenvolvimento econômico capitalista, alicerçado na penetração do
capital estrangeiro no país e na concentração de renda. Também visou eliminar os
movimentos reivindicatórios dos trabalhadores urbanos e rurais, que desejavam ir além
dos limites impostos pela manipulação populista79. Assim, a partir de 1964, com o
fortalecimento das forças armadas e do empresariado, os grandes projetos nacionais
passam a ser a prioridade como, por exemplo, a construção de Itaipu, os pólos
agropecuários da Amazônia, etc., sendo para isso, necessário implantar programas que
necessitavam de mão-de-obra em massa. Por isso, revitalizou-se o Programa Intensivo
de Formação de mão-de-obra (PIPMO)80 . No âmbito do sistema escolar como um todo,
os governos militares protagonizaram um projeto de reforma do ensino fundamental e
médio mediante a Lei 5.692/71 – que veio tornar universal e compulsoriamente
profissional o ensino de 2º grau. Com a profissionalização universal e compulsória, os
estudantes já sairiam do 2º grau com uma habilitação profissional e estariam aptos a
entrar no mercado de trabalho. Conforme ressalta Sílvia Manfredi “essa idéia de
profissionalização universal e compulsória ocorreu em um momento em que o país
objetivava participar da economia internacional e, neste sentido, delegou (entre outras
coisas) ao sistema educacional a atribuição de preparar os recursos humanos para a
absorção pelo mercado de trabalho”.
79
VITA, Álvaro de – Sociologia da Sociedade Brasileira – 2ª edição, SP, Ed. Ática, 1991.
O PIPMO foi criado no governo João Goulart pelo decreto 53.324, de 18 de dezembro de 1963, para
treinamento acelerado de modo que fossem supridos de força de trabalho os diversos setores da
economia. (MANFREDI, 2002; 104).
80
72
A nova lei tinha por objetivo geral “proporcionar ao educando a formação necessária ao
desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização,
qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”.81
Assim, pela primeira vez na história da educação brasileira foi menosprezada a função
propedêutica do 2º grau e se procurou explicitamente aliar a função formativa à
profissionalizante. O ensino secundário, o ensino normal, o ensino técnico industrial, o
ensino técnico comercial e o ensino agrotécnico passaram a constituir um ramo único,
com as escolas oferecendo cursos profissionalizantes – destinados a formar técnicos
para as atividades econômicas. Os cursos propedêuticos como o antigo colegial
(clássico e científico) não teria mais espaço nesse grau de ensino.
Outro aspecto que a Lei se refere é em relação aos cursos técnico-industriais, que eram
promovidos pelas Escolas Industriais da rede federal. A partir de 1971 desativaram-se
os cursos industriais de primeiro ciclo (ginásios industriais), pois seus cursos seriam
como o de todas as demais escolas de 2º grau, ou seja, profissionalizantes e estes foram
transformados em Escolas Técnicas Federais, sendo que em algumas foram implantados
os cursos superiores de engenharia, convertendo-as nos Centros Federais de Educação
Tecnológica. De escolas antes destinadas aos desvalidos no tempo em que eram Escolas
de Aprendizes e Artífices, essas se converteram em Escolas técnicas, nas quais a grande
parcela dos técnicos por elas formados, no contexto dos anos 60 e 70, eram recrutados
pelas grandes empresas privadas ou estatais82 .
Na verdade, o que se observa na proposta da Lei 5.692/71 é uma tentativa em dotar a
educação do mesmo tipo de racionalidade característica das chamadas organizações
81
Lei nº. 5.692 de 11 de agosto de 1971, capítulo I, art. 1º. Foi sancionada pelo general-presidente Emílio
G. Médici e seu ministro da Educação o coronel Jarbas Passarinho.
82
SANTOS, Jailson Alves dos - A Trajetória da Educação Profissional - BH, 2000.
73
moderna. Essa tentativa se configura na multiplicação de hierarquias ocupacionais
dentro do sistema escolar – supervisores, orientadores, administradores e inspetores – e
também na caracterização da atividade educacional em termos tecnicistas, mais
apropriados ao universo empresarial:
Art. 36 - Em cada sistema de ensino, haverá um estatuto que estruture a carreira de
magistério de 1º e 2º graus, com acessos graduais e sucessivos, regulamentando as
disposições específicas da presente Lei e complementando-as no quadro da
organização própria do sistema.
Art. 38 - Os sistemas de ensino estimularão, mediante planejamento apropriado, o
aperfeiçoamento constante dos seus professores e especialistas de Educação. (Cap.
V – dos professores e especialistas).
Em síntese, a grande novidade do ensino de 2º grau foi a introdução da obrigatoriedade
da formação profissional neste nível. No entanto, durante mais de 10 anos, desde sua
promulgação até a revogação definitiva dessa obrigatoriedade em 1982, sofreu todo tipo
de críticas e objeções, dentre elas podemos destacar:
•
•
•
•
A profissionalização restringiu-se, praticamente, às escolas públicas e
particulares que já eram profissionalizantes antes da Lei;
Os Estados ainda possuem escolas nitidamente acadêmicas;
A preferência é pela implantação de habilitações de baixo investimento,
geralmente ligadas às atividades terciárias (sobretudo magistério, contabilidade
e secretariado), sem qualquer consonância com as necessidades do mercado de
trabalho ou com as aptidões manifestas dos alunos;
A maioria da clientela do ensino de 2º grau não tem interesse em adquirir uma
profissão, sendo que sua grande motivação é a continuidade dos estudos. 83
Essas informações mostram que não foi alcançada a integração entre as funções
propedêutica e profissionalizante do ensino de 2º grau. As escolas, para sobreviver,
optaram pela estratégia de transformar a parte de educação geral em mero apêndice da
formação especial ou vice-versa, conforme a demanda de sua clientela. Assim, os anos
83
CURY, Carlos Roberto Jamil - A Profissionalização do Ensino na Lei nº 5.692/71 - Brasília, 1982.
74
setenta se abrem sob a perspectiva de importantes mudanças com o processo de
elaboração daquela que viria a ser a grande reforma do ensino elementar e secundário
empreendida pela ditadura e que daria origem a Lei 5692/71.
Minas acompanhava a política do regime militar e também se viu inserida nesse
contexto. Em 1965, no então governo de Israel Pinheiro (1965-1971), foi introduzida
uma nova matéria no currículo do curso Primário e Médio do Estado destinada ao
esclarecimento dos alunos sobre os objetivos, obras e realizações do governo estadual
para identificá-los com a realidade em que vivem. Uma novidade foi a autorização para
o funcionamento de um novo curso de aprendizagem para crianças denominado “Arte,
trabalho e vida” que funcionaria junto ao curso primário “dando a criança a
oportunidade de aprender uma profissão que lhe garanta a subsistência no futuro”. O
curso teria a duração de quatro anos (da 1ª a 4ª série) compreendendo várias matérias:
carpintaria, sapataria, culinária, costura, artes decorativas, enfermagem de urgência,
técnicas domésticas, artes dramáticas, eletricidade caseira, tecelagem e outros. A origem
dessa proposta está no diagnóstico elaborado pela Secretaria do Trabalho e Cultura
Popular através da Comissão de Mão de obra e do desemprego, cuja conclusão principal
foi a de que a falta de especialização é o principal fator do desemprego.
Em 1971 assume o governo de Minas, Rondon Pacheco (1971-1975), criando o Sistema
Educacional de Planejamento cujo objetivo principal era o de adotar o planejamento em
todos os níveis da administração pública. Neste sentido, medidas como a assinatura de
acordos com a UFMG para racionalizar a administração, demonstrava interesse do
governo na mudança de qualidade de sua administração e o crescimento do papel que os
“técnicos” passaram a exercer em todos os setores da máquina governamental do
75
Estado. Também a idéia de modernização da escola não só como instrumento de política
governamental, mas também como instrumento de política econômica está explicitado
nas orientações contidas no PMDES (Plano Mineiro de Desenvolvimento Econômico e
Social) para a área de Educação. Dentre as mais sugestivas orientações, estão aquelas
que indicam a necessidade da formação de técnicos de nível médio conjugada às
necessidades ocupacionais do setor produtivo e a busca da integração da unidade
educacional à comunidade, através de uma vinculação mais estreita entre
Escola/Empresa.
Assim, quando os problemas econômicos e sociais gerados pelo modelo de
desenvolvimento adotado pelo país pós-64 e agravados pela crise do petróleo, pela
elevação dos juros e pela escassez de créditos a nível internacional a partir do final dos
anos 70, o governo teve que promover uma “abertura” na tentativa de incorporar novos
segmentos sociais à sua base social e diminuir a força dos opositores do regime. Como
um dos focos de tensão era a tão criticada profissionalização universal e compulsória no
ensino de 2º grau, o então general-ministro da educação do governo Figueiredo - Ney
Braga - fez uma “reinterpretação” da lei 5.692/71 mantendo o ideal do ensino
profissionalizante, mas aumentando a carga das disciplinas de caráter geral. Segundo
Cunha, essa meia profissionalização não agradou a ninguém, “a não ser aos membros do
Conselho Federal de Educação, ansiosos por uma retirada sem reconhecer seus próprios
erros”. E como as resistências continuaram foi preciso criar outra lei.
A nova lei que irá alterar a 5.692/71 que qualificava para o trabalho, será a Lei 7.044/82
que chega com um termo impreciso como “preparação para o trabalho” e, nesse sentido,
permite uma visão abstrata do trabalho com resultados pedagógicos muito ruins:
76
Art. 4º & 1º - A preparação para o trabalho, como elemento de formação integral
do aluno, serão obrigatória no ensino de 1º e 2º graus e constará dos planos
curriculares dos estabelecimentos de ensino.
& 2º - A preparação para o trabalho, no ensino de 2º graus, poderá ensejar
habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino.
Voltamos, assim, ao modelo anterior a 1971: as escolas propedêuticas para as elites e
profissionalizantes para os trabalhadores, mantendo-se, contudo, a equivalência. Assim,
a Lei 7.044/82 representou, de fato, o esvaziamento do ensino profissionalizante no 2º
grau. A preparação para o trabalho poderia ser entendida de modo tão lato, que estaria
plenamente atendida por uma escola de 2º grau, especializada na preparação para os
exames vestibulares, que oferecesse aos alunos informações sobre os cursos de nível
superior, promovesse visitas às empresas, palestras, assim como propiciasse a realização
de testes vocacionais. Mesmo quando fazia menção à preparação para o trabalho em
cooperação com empresas, estas não teriam o compromisso de absorver essa mão-deobra:
Art. 6º - As habilitações profissionais poderão ser realizadas em regime de
cooperação com empresas e outras entidades públicas ou privadas.
Parágrafo único – A cooperação quando feita sob forma de estágio, mesmo
remunerado, não acarretará para as empresas ou outras entidades vínculo algum
de emprego com os estagiários, e suas obrigações serão apenas as especificadas
no instrumento firmado com o estabelecimento. (Lei 7.044/82)
Neste caso, as escolas técnicas industriais proporcionavam simplesmente uma adequada
preparação para o vestibular e o ingresso ao curso superior. Fracassada, então, a política
de profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, procurou-se
incentivar os cursos superiores de curta duração, em especial os da área tecnológica –
que eram feitas nas escolas técnicas federais que foram rebatizadas de Centros federais
de educação tecnológica (CEFET). Os concluintes desses cursos deixaram de receber o
77
título de “engenheiros de operação”, para serem chamados de “tecnólogos”, categoria
que marca a separação dos técnicos de nível médio e dos engenheiros propriamente
ditos.
Não podemos dizer, por isso, que a LDB de 1982 constituiu-se em um avanço. É certo
que os concluintes desses cursos de curta duração chegavam mais cedo ao mercado de
trabalho. Mas, devido aos empréstimos externos que o governo contraiu nos anos 70 a
juros flutuantes e que explodiu na década seguinte, na chamada “década perdida”, a
adoção de uma política de arrocho salarial e a redução dos gastos públicos nas áreas
sociais, fez com que o mercado de trabalho sofresse uma retração, configurando assim
em um quadro de recessão84 . E será neste contexto e nestes limites que se inscrevem as
reformas educacionais no Brasil. Com o processo de redemocratização, que se
concretizou em 1985 com a saída dos militares do poder e a entrada do governo civil de
José Sarney (1985 a 1989) inaugurando assim a Nova República, que os debates se
intensificavam em torno das mudanças que deveriam ser dadas à educação e, por
extensão, ao ensino profissional. Esses debates se deram por meio dos grupos
compostos pelas diversas correntes do pensamento educacional que acabaram por fazer
coro com a promulgação da nova constituição de 1988.
2.4Nova República
Em Minas, esses ventos da mudança também se faziam sentir através do governo
Tancredo Neves (1983-1987, em agosto de 1984, desincompatibiliza-se do cargo para
84
FILHO, Domingos Leite Lima - De Continuidades e Retrocessos Históricos: razões e impactos da
reforma da educação profissional no Brasil. - PR, 1999.
78
disputar a presidência da República, assumindo o seu vice, Hélio Garcia85), cujo
Secretário da Educação, Otávio Elísio, entrou com uma proposta de mudar os rumos da
educação mineira. A proposta do novo secretário era a de promover um amplo debate
que envolvesse pais, alunos e professores, em todas as escolas, e isso se concretizou no
Congresso Mineiro de Educação realizado de agosto a outubro de 1983.
Esse congresso foi uma proposta de democratização das relações de poder na escola
pública estadual de Minas Gerais, denominada “Educação para a Mudança” no bojo de
uma grande movimentação de abertura política após vinte anos de ditadura militar. A
dinâmica do Congresso Mineiro de Educação não fugiu do protótipo da consulta às
bases e foi realizado em três etapas num espaço de três meses: um encontro Municipal
em cada unidade escolar de todos os municípios para a expressão dos atores em nível de
instituição escolar; um encontro Regional para a constatação dos problemas,
necessidades e expectativas em nível de região e um encontro Estadual para a
apresentação de uma proposta de política educacional para o Estado, a qual originou o
Plano Mineiro de Educação para o quadriênio 1984/87. Dentre as propostas elaboradas
no congresso, houve a sugestão para a implantação de colegiados como forma de
viabilizar a administração participativa das escolas e para a adoção de concurso público
para contratação de professores. No entanto, em relação ao ensino de 2º grau, objeto
desse estudo, havia propostas generalizantes que nada dizia em termos de uma
preocupação concreta com o ensino de 2º grau. Apenas a oferta de cursos, ampliação de
escolas normais e a reorientação de estágios poderiam ser citadas como propostas
concretas, cujas atividades realizadas limitaram-se à ampliação em termos quantitativos
sendo que, a programação trienal não previa atividades relacionadas ao 2º grau. Nesse
85
Fonte: Governo de MG. Disponível em: http://www.mg.gov.br. Acesso em 26 de julho/2007.
79
sentido, o que se esperava desse congresso era que a discussão alterasse profundamente
a visão economicista da educação predominante nas décadas anteriores e que de fato
ocorresse uma verdadeira democratização do ensino. Mas, o que se viu foi que o mesmo
caiu no lugar-comum dos processos de consulta às bases, ou seja, os atores foram
convidados a colocar na mesa seus interesses e necessidades, mas esses sofreram uma
generalização crescente durante o processo de consulta e acabaram transformando-se
em propostas bem próximas àquelas pensadas pelos integrantes dos órgãos
administrativos, detentores do poder de decisão. Como exemplo podemos citar as
medidas adotadas que, mesmo abrindo alguns precedentes como a administração
colegiada nas escolas e o critério de recrutamento de professores através de concursos
públicos, não adotou eleições diretas para diretores escolares.86
Quando se promulga a nova Constituição em 1988, no governo José Sarney (19851989), esta determinava:
Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia
de:
I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não
tiveram acesso na idade própria;
II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio.
Art. 214 – A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual,
visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à
integração das ações do Poder Público que conduzam à:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar;
III – melhoria da qualidade do ensino;
IV – formação para o trabalho;
V – promoção humanística, científica e tecnológica do país87.
O que podemos salientar nessa nova constituição relativa ao Capítulo “da educação,
cultura e desporto”, foi o fato da mesma provocar um repensar sobre a educação e o que
essa educação deveria ser a partir da “nova” realidade que o país estava vivenciando.
86
ROCHA, Carlos Vasconcelos - Anatomia de uma Reforma: descentralização da educação pública
de MG e mudança institucional - RJ, 2003, p. 577.
87
Constituição da República Federativa do Brasil – Ministério da Educação, Brasília/DF, 1988.
80
Essa realidade diz respeito principalmente à política nacional implantada desde o
governo Sarney, e que estava sendo progressivamente submetida às orientações do
projeto neoliberal, que tinha como paradigma a flexibilização do trabalho e a
privatização das empresas estatais. É notório, por exemplo, no governo Collor (1990 a
1992)88 o apelo modernizador que perpassa todo o discurso governamental. Esse apelo
modernizador referia-se à superação das práticas centralizadoras do passado para um
modelo descentralizador de administração e que, no caso da educação, implicava em um
ajuste às funções do Ministério da Educação. Esse deveria reduzir os desequilíbrios
regionais, no caso do ensino fundamental e médio, fiscalizando e normatizando todo o
sistema por meio de mecanismos de avaliação permanente quanto à qualidade do
ensino, bem como na busca de propostas inovadoras no que se refere aos conteúdos
pedagógicos. Não é de o nosso interesse aprofundar aqui as propostas do governo, mas
tão somente conhecermos a política educacional desse governo. Por isso, recorreremos
aos estudos dos pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada),
Xavier e Eichenberg
89
que analisando o período Collor, destaca seis documentos
básicos que nortearam a área educacional. São eles: o Plano Plurianual para o período
1991-1995 que era um instrumento de previsão, organização e sistematização do MEC.
Segundo os referidos pesquisadores, esse plano morreu praticamente quando nasceu
devido às dificuldades do MEC em compatibilizar meios e fins, e também por sofrer os
efeitos da tortuosa prática orçamentária do governo federal; o segundo documento foi o
Plano Nacional de Alfabetização e cidadania, que era uma proposta para ser
operacionalizada pelos estados, municípios, universidades e outras entidades.
Valorizava a escola como peça importante na erradicação do analfabetismo, embora
abrisse também espaço para campanhas e movimentos para atingir a população adulta; o
88
Collor foi afastado por um processo de impeachment, assumindo seu vice Itamar Franco.
XAVIER, Antônio Carlos da Ressurreição e Silva & EICHENBERG, Luiz Carlos - O Primeiro ano
da Política Educacional do governo Collor - SP, 1992.
89
81
terceiro documento foi o Projeto de Reconstrução Nacional (1990), cuja origem não foi
no MEC e sim na Secretaria Especial de Política Econômica. Conteve muitas propostas
controvertidas, dentre elas o fim da gratuidade indiscriminada no ensino federal. Mas,
também teve a vantagem de enfatizar a questão do desempenho do sistema educacional,
para que este pudesse oferecer uma escolaridade básica de boa qualidade para todos; o
quarto foi a elaboração do Programa de Ação do Ministério de Educação para o período
1991-1995; o quinto foi a criação do Projeto Minha Gente, que visava a construção dos
CIACs com atendimento integrado (creche, pré-escola, saúde, convivência comunitária,
iniciação ao trabalho, etc.) e o sexto foi a retomada do Projeto Nordeste de cunho
regional, financiado com recursos do Banco Mundial. Na definição desses mesmos
pesquisadores, o desempenho do governo Collor no setor educacional foi melancólico,
pois revela uma
Canhestra atuação do governo, revelando-se inteiramente contraditória aos apelos
da modernização, pois qualquer proposta séria de modernização passa pela
educação, em especial pelo ensino fundamental. A destinação dos recursos federais
– privilegiando o ensino superior – e a práxis ministerial que se mostrou
clientelística e equivocada, configuram uma negação dos alardeados propósitos de
uma educação com eficiência, equidade, qualidade e com vistas à modernização.
Em suma, a concepção centrada na lógica do mercado neoliberal passou a orientar as
políticas públicas no Brasil e isso é marcante com o governo Sarney, prosseguindo com
o discurso Collor e, por fim, consolidando no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Em Minas, o governo que irá suceder ao governo Tancredo-Hélio Garcia, será o de
Newton Cardoso (1987-1991) que, na visão de autores como Rocha, será um retrocesso
do governo anterior:
Na Secretaria estadual de Educação, a burocracia da área de educação é ignorada,
sendo que quase todos os cargos de chefia são ocupados por pessoas sem qualquer
experiência no setor, indicados por critérios estritamente clientelistas. Os espaços
de participação popular na gestão das políticas sociais passam a ser
82
desconsiderados. Especificamente, a administração participativa das escolas
estaduais é abandonada e os colegiados são desativados. Os recursos financeiros
do Estado são centralizados em um caixa único, sendo liberados conforme os
interesses políticos imediatos do governador, sem obedecer a uma estratégia de
desenvolvimento fundada em uma visão temporal mais alargada. (...) O novo
governo foi caracterizado, com procedência, como populismo conservador.
(Rocha, 2003, pp. 568).
A atuação do governo Newton Cardoso representa a negação das políticas
implementadas no governo anterior e reivindicadas pelos movimentos sociais. Irá
caracterizar-se pela extrema centralização decisória e pela utilização clientelista90 dos
recursos públicos, bem como com a confrontação com os setores organizados da
sociedade. Ao promulgar a nova Constituição Estadual em 21 de setembro de 198991,
logo no Art. 195, o Estado reitera ser a educação um direito de todos e dever do Estado
e da família, e que a mesma deve visar a “preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. A garantia de educação se dará, dentre outros itens,
através da “promoção da expansão da rede de estabelecimentos oficiais que ofereçam
cursos gratuitos de ensino técnico-industrial, agrícola e comercial, observadas as
peculiaridades regionais e as características dos grupos sociais”. Também em seu art.
204, o governo irá reiterar a integração das ações do Poder público com o objetivo de:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar;
III – melhoria da qualidade do ensino;
IV – formação para o trabalho;
V – promoção humanística, científica e tecnológica. (Constituição Estadual,
2007)
No entanto, como já foi mencionado, o que se presenciou no governo Newton Cardoso
foi a centralização decisória – a administração participativa das escolas estaduais é
abandonada e os colegiados são desativados - a utilização clientelista dos recursos
públicos e a confrontação com os setores organizados da sociedade. A tão desejada
90
Clientelismo diz respeito a uma prática arraigada de nossa cultura política, que manifesta-se pela
indicação de apadrinhados para os cargos públicos.
91
Constituição do Estado de MG – Assembléia Legislativa de MG, 13ª edição, BH, 2007.
83
autonomia das escolas, bem como a eleição direta para o cargo de diretor, foi preterida
em favor dos interesses eleitorais dos deputados e do governador. Esse período
demonstra o poder que o Executivo estadual tem de obstacularizar as mudanças
iniciadas no governo anterior, apesar da significativa pressão exercida pelo movimento
social. Em um contexto no qual o jogo político se faz em grande parte por relações de
“troca de favor” a indicação de diretores das escolas, implica em mais um incentivo
para os deputados se alinharem ao governo em troca de cargos para serem distribuídos
entre os seus aliados políticos. Assim, vimos mais uma vez a realidade se distanciar dos
discursos oficiais, isto é, enquanto o governo sustenta o apoio “aos mais pobres”, o que
ocorre é o setor da educação funcionar em estado precário: “alunos sem professores
(devido às freqüentes greves), escolas em péssimo estado físico, demissão de pessoal e
eliminação de funções nas escolas, como supervisores e orientadores” 92.
O processo de reforma só irá completar-se com a eleição de Hélio Garcia (1991-1994)
eleito pelo PRS (Partido das Reformas Sociais). Pode-se dizer que se fecha o ciclo
iniciado no final dos anos 70, cuja idéia é a da descentralização como forma de
democratizar e de buscar a eficiência do sistema. O responsável pela condução das
reformas foi o secretário de Educação Walfrido S. dos Mares Guia Neto e para
assessorá-lo, foram contratados técnicos ligados ao Banco mundial. Para que o governo
cumpra a sua reforma, cinco prioridades são estabelecidas. São elas: autonomia da
escola nos aspectos financeiros, administrativo e pedagógico; fortalecimento da direção
da escola através do poder de decisão do diretor e do colegiado; implementação de
programas de aperfeiçoamento e capacitação com o treinamento de professores
(PROCAP – programa de capacitação de professores), especialistas e funcionários
92
ROCHA, Carlos Vasconcelos – Anatomia de uma Reforma: descentralização da Educação pública
de MG e mudança institucional – Revista de Ciências Sociais, RJ, Vol. 46, nº. 3, 2003, p. 557 a 592.
84
(PROCAD – programa estadual de capacitação de diretores); avaliação do sistema
estadual de Educação, prevista pela Constituição; e integração das redes estadual e
municipal através de convênios93. A distribuição de recursos foi feita através do
FUNDEF (Fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental) e da Lei
Robin Hood (repasse do ICMS para municípios com baixa arrecadação), como um
dispositivo para convencer as prefeituras a arcarem com o atendimento ao ensino
fundamental.
Essas mudanças estão relacionadas com as mudanças ocorridas nas últimas décadas na
ordem mundial, com a chamada Terceira Revolução Tecnológica, cujo nível
educacional da classe trabalhadora passa a ser requisito para o desenvolvimento
econômico, visto que as empresas buscam agora competência técnica exigida pelas
novas tecnologias de produção. Para exemplificar esse argumento, o secretário de
Educação Mares Guia cita o sucesso econômico dos “tigres asiáticos” conseguido
graças à prioridade dada à educação. Portanto, a qualidade e a universalização do ensino
passam a ser um imperativo para os países que almejam desenvolver-se. Tal diagnóstico
é difundido por organismos internacionais como o Banco Mundial, que passa a
fomentar reformas nos sistemas educacionais da América Latina, visando criar
condições para a reprodução do capital. O financiamento do programa Pró-Qualidade
pelo Banco Mundial constitui fator que indica sintonia entre a política mineira e os
valores neoliberais. A meta desse Banco é a eficiência econômica, a liberdade de
mercado e a globalização do capital. Por isso, busca incentivar políticas que visam
93
A municipalização em Minas teve como principal objetivo, por parte do Estado, transferir para os
municípios a responsabilidade de oferta de ensino fundamental, priorizando o atendimento das quatro
primeiras séries. Em alguns casos, o Estado comprometia-se a oferecer o ensino médio através da
nucleação, em troca da transferência do atendimento ao ensino fundamental para o município. (Oliveira,
2000; 268).
85
preparar o jovem para responder às novas necessidades do mercado e às exigências do
tipo de sociedade que prevaleceu após a Terceira Revolução Tecnológica94.
Nesse sentido, o governo irá fundamentar sua administração nos princípios da
Qualidade Total, cujo sistema de administração propõe, entre outros aspectos, a
autonomia dos trabalhadores na realização de suas funções; a despadronização do
produto final, visando atender da melhor forma possível os clientes e a substituição do
chefe pelo líder, propiciando uma relação mais orgânica entre chefia e comandados.
Para isso, caberá ao sistema educacional formar esses líderes e ao mesmo tempo
fomentar a qualidade do ensino.
Fazendo-se um paralelo com o pensamento lockeano, no qual os limites da apropriação
criam o princípio da distribuição igualitária ao mesmo tempo em que legitima a
desigualdade, pode-se dizer então, que serão as possibilidades e limitações das
comunidades que criarão a escola de qualidade ou não. A estas caberá fazer o
diferencial, ou seja, a qualidade da educação dependerá da atuação de cada escola, já
que a elas serão dados os mesmos direitos de promover um ensino de qualidade.
Considerando então a democracia social e a democracia liberal segundo Locke, temos
no primeiro caso um Estado cuja função é organizatória assegurando direitos e
interesses do coletivo – o público, neste caso, significa estatal. Ao contrário, no segundo
caso a função do Estado é regular a sociedade civil, pouco preocupada com o coletivo –
o público, então, significa mercado. Assim, podemos notar que essa nova forma de
administração educacional se difere da política de administração de Francisco Campos
(década de 30), quando buscou uma modernização educacional implementando a
94
FRIGOTTO, Gaudêncio & CIAVATTA, Maria – Revista Brasileira de Educação –
jan./fev./mar./abr., 2005, nº.28, pp. 182 a 184.
86
reforma do Sistema de Ensino Público concentrando ainda mais nos órgãos do governo
o poder decisório e o controle administrativo, pedagógico e financeiro das escolas. Há
também uma diferença da idéia de democracia disseminada pelas políticas educacionais
na década de 80, quando o Estado instituiu a participação da comunidade nos processos
decisórios sem se eximir de suas responsabilidades e obrigações sociais como provedor
do ensino de qualidade. Agora, ele reduz seu papel principalmente às funções de órgão
de assessoria e de controle – do econômico, da produtividade e da qualidade – cabendo
às comunidades o mérito ou não de promover uma educação de qualidade que atenda ao
mercado de trabalho.
Assim, o que se verifica a partir dos anos 1980 até meados da década de 1990 é a
intensificação dos debates sobre as mudanças de rumos que deveriam ser dadas à
educação e por extensão à educação profissional no Brasil. Desses debates com diversos
segmentos da sociedade, surgiu o projeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que deu
entrada no congresso nacional no final de 1988. Sob o nº.9.394/96 a nova LDB, também
conhecida como Lei Darcy Ribeiro, determina no seu conteúdo um ensino médio que
passa a constituir-se na etapa final da educação básica e terá uma duração mínima de
três anos. Em seu artigo 35, a LDB coloca como finalidade do ensino médio:
I – consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos;
II – preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar
aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas condições
de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. 95
95
PCN – ensino médio/bases legais. 1999, p. 61.
87
Com base nessas finalidades, o MEC propõe um ensino que se torne responsável pela
formação geral do aluno, estimulando o desenvolvimento das capacidades de pesquisar,
raciocinar, criar a aprender continuamente. Esse ensino deverá ser dado de forma
contextualizada, não baseada no acúmulo de informações ou no simples exercício de
memorização. O que a torna diferente da Lei 5.692/71, que tinha como objetivo a
transformação do ensino médio em ensino profissionalizante e que não desenvolvia nos
jovens aptidões relacionadas à formação humana e cultural, é justamente outra
concepção de formação para o trabalho, ou seja, em seu artigo 35, parte-se do
entendimento de que as competências necessárias para a inserção produtiva seriam: o
pensamento criativo, a resolução de problemas, a capacidade de aprender, ao lado de
qualidades pessoais como responsabilidade, organização, liderança e autonomia. Assim,
ao invés da especialização e da disciplina, o que o mercado de trabalho estaria
requerendo da escola atualmente seria o desenvolvimento dessas competências, para
que haja inserção produtiva juntamente com a participação cidadã. 96
No entanto, há controvérsias entre os avanços da Lei 9.394/96. Alguns estudiosos,
dentre eles Ignez Moraes97, destaca que o avanço da LDB estaria na disciplinarização da
educação escolar, “o que é positivo no sentido de fortalecer a escola como espaço
privilegiado do processo educativo, no que se refere às obrigações do Estado para com a
educação”. Vimos isso, por exemplo, no capitulo XIX – Dos Recursos Financeiros –
quando o mesmo salienta a destinação de 18% de recursos da União e de 25% de
recursos dos municípios para a educação pública no país. Mas, ao mesmo tempo em que
houve ganho nessa área, Ignez Moraes salienta que também houve perdas
96
MORIN, Edgar - Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro - SP, 2002.
MORAES, Ignez Navarro & CONTI, Rosemary - LDB: significado, limites e perspectivas - SP,
1992, p. 96.
97
88
principalmente na relação entre educação e trabalho e que esta pode ser vista como
“treinamento profissional” tanto quanto como “formação politécnica”98:
Coerentemente com a democracia liberal, as modificações feitas no 2º substitutivo
deram à educação finalidades ‘universais’, ignorando a realidade histórica da
existência de classes sociais em conflito e de um estado de classe, mediador dos
interesses das elites brasileiras. Um exemplo é suficiente: o trabalho foi concebido
como ‘fonte de riqueza e bem-estar social’, recusando-se a sua concepção como
‘origem do conhecimento’.
Nesse sentido, se considerarmos a oposição entre treinamento profissional e formação
politécnica, então não há porque reforçar a lógica da “preparação de mão-de-obra” para
o mercado de trabalho, mesmo porque no contexto da automação crescente isso se
tornaria altamente questionável, visto as constantes modificações pelas quais passa a
sociedade como um todo. Mesmo que muitos autores considerem ponto pacífico que o
ensino médio deve preparar os jovens tanto para a continuidade dos estudos quanto para
uma inserção no mercado de trabalho, o que parece não estar muito claro é como fazêlo. Esses autores que tematizam a relação entre educação e trabalho apontam para a
necessidade de prover os estudantes com conhecimentos e habilidades relevantes, mas
também com um entendimento mais realista e crítico sobre a atividade produtiva e o
mercado de trabalho. No artigo Parem de Preparar para o Trabalho!!!99, Paro questiona
a centralidade do trabalho na constituição dos sujeitos históricos, propondo que a escola
se ocupe da atualização histórico-cultural dos cidadãos, preparando-os para “o viver
bem, para além do simples viver pelo trabalho e para o trabalho”. Já Frigotto100 constata
98
Segundo a autora citada, treinamento profissional pode ser associado à experiência histórica que temos
vivenciado, de profissionalização em nível médio, voltado para o mercado de trabalho, cujas raízes estão
na teoria do Capital humano, dominante na década de 60. A perspectiva da politecnia remonta a Marx e
Engels e, posteriormente, a Lênin e Gramsci, e representa o domínio da técnica a nível intelectual e a
possibilidade de um trabalho flexível a nível criativo.
99
PARO, Vitor Henrique - Parem de Preparar para o Trabalho!!! – Trabalho apresentado no
seminário “Trabalho, formação e currículo”- SP, 1999, p. 101-120.
100
FRIGOTTO, G. - As mudanças tecnológicas e educação da classe trabalhadora: politecnia,
polivalência ou qualificação profissional? - (Síntese do simpósio), in Trabalho e Educação, SP, Ed.
Papirus, s/d.
89
que não basta concluir que a nova base tecnológica demanda mais educação geral, se o
capital constituir-se no sujeito definidor dessa educação, pois assim continuaremos a ter
“uma formação seletiva, fragmentária, pragmatista e produtivista”.
Mesmo que a base na nova concepção de ensino defendida pela atual LDB não pretenda
treinar os trabalhadores, mas preparar os alunos para sua integração ao mundo do
trabalho com as competências que garantam seu aprimoramento profissional, tais como:
criatividade, capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um
problema, a capacidade de trabalhar em equipe, etc., e permitam acompanhar as
mudanças que caracterizam a produção do nosso tempo, alguns estudiosos – como os
citados acima – são críticos em relação a esse modelo de educação que se sujeita aos
ditames do mercado. Por isso, devemos fazer com que essas competências, que são
importantes metas de formação, sejam também meios para apreender a realidade e não
ficarmos indefesos frente a esse mercado. A título de exemplo sobre o que foi dito,
recorremos à autora Vanilda Paiva101 que sugere como solução para a exclusão social,
um tipo de formação centrada na autonomia, na mudança de valores e de participação
social. Nesse contexto, a educação teria que abrir perspectivas de ocupação para os
formandos do ensino médio ou para aqueles que foram excluídos do mercado de
trabalho, através de uma formação contínua na qual possam entender o sistema e se
preparar para ele, buscando ou criando novas chances de trabalho.
Como o nosso objetivo aqui é tratarmos especificamente da educação profissional,
devemos então nos ater na maneira como ficou formatado o ensino técnico após a
promulgação da nova LDB. Devido, a forma generalista como a LDB tratou a educação
101
PAIVA, Vanilda - Educação e Bem-estar Social - SP, 1991.
90
profissional, essa passou a ser regulamentada pelo Decreto 2.208/97 que estruturou
assim a educação profissional: básico102 que se destina à qualificação de trabalhadores,
independentemente da escolaridade prévia; técnico destinado a proporcionar habilitação
profissional a alunos egressos do ensino médio; e tecnológico que corresponde aos
cursos de nível superior na área tecnológica, destinados aos alunos oriundos do ensino
médio e técnico.
103
Outra novidade refere-se ao fato do aluno que estiver cursando o
ensino médio (formação geral) num determinado estabelecimento de ensino poderá,
concomitantemente, cursar a parte específica da formação técnica em alguma instituição
que ofereça a educação profissional, inclusive nas Escolas Técnicas Federais.
Verifica-se, então, que a estrutura do ensino médio e da educação profissional, prevista
na LDB 9.394/96104 e configurada no Decreto 2.208/97, constituiu-se em um sistema
paralelo. De acordo com Miriam Abramovay105,
Em 1998, o Conselho Nacional de Educação estabeleceu por força de lei, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio (Resolução CEB/CNE nº.
03/98) baseadas, por sua vez, em parecer da conselheira Guiomar Namo de Mello
(Parecer CEB/CNE nº. 15/98). Nessas Diretrizes baseiam-se os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino médio. Cabe distinguir que, enquanto
as Diretrizes são obrigatórias, o caráter dos Parâmetros é orientador.
O que não podemos perder de vista é a finalidade dessas mudanças, ou seja, esse
modelo de ensino médio foi gerado para dar conta das competências cognitivas
102
Por ser básica, terá como referência as mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a
importância da capacidade de continuar aprendendo; não se destina apenas àqueles que já estão no
mercado de trabalho ou que nele ingressarão a curto prazo; nem será preparação para o exercício de
profissões específicas ou para a ocupação de postos de trabalho determinados (PCN – ensino médio,
1999). A preparação básica para o trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular
em particular, mas ao currículo como um todo.
103
MANFREDI, Silvia Maria - Educação Profissional no Brasil - SP, 2002.
104
Art. 39 – A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e
à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.
Parágrafo único – O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o
trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional.
105
ABRAMOVAY, Miriam & CASTRO, Mary Garcia - Ensino Médio: múltiplas vozes - Brasília,
2003.
91
necessárias para seguir aprendendo, conviver, produzir e definir uma identidade própria.
Isso se deve principalmente às exigências crescentes por qualificações – compatíveis
com a complexidade tecnológica que caracteriza o mundo do trabalho nos dias atuais –
e a formação de contingentes cada vez maiores de concluintes do ensino fundamental.
Em Minas, o governo Itamar Franco (1999 – 2002), fiel aos compromissos assumidos
pelo Brasil em 1990, durante a Conferência Mundial de Educação para Todos –
realizada em Jomtien, na Tailândia106 – comunga com esses ideais neoliberais. Assim, o
processo educacional só se tornará democrático se for alcançado um tratamento
diferenciado aos desiguais. Isso significa olhar toda a diversidade mineira tanto nos seus
aspectos naturais como socioeconômico ou de desenvolvimento humano. Minas contém
zonas de alta concentração urbana, como a região metropolitana de Belo Horizonte
como áreas de extensos vazios populacionais, como os vales dos rios Jequitinhonha e
Mucuri. Tem regiões altamente desenvolvidas no setor industrial e de serviços, imensas
áreas de expansão agrícola e zonas onde a exploração mineral se destaca por seus
aspectos e seus impactos sobre o meio ambiente, reservas indígenas e territórios onde
afloram problemas e conflitos agrários. Todo esse contexto e a complexidade têm que
ser considerada nos planos de ação educacional. E foi isso o que o governo fez: no
primeiro semestre de 1998 foi feito um levantamento da real situação do Estado na área
educacional e em agosto/setembro foi realizado o Fórum Mineiro de Educação. Ao
final, foi elaborada a carta dos Educadores Mineiros onde ficou definida a estratégia de
construção de um Sistema Mineiro de Educação identificado “com os interesses do
Estado, com a cultura e com as exigências do mercado de trabalho, da mundialização da
106
Essa conferência contou com a participação de organismos internacionais como: Banco Mundial,
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).
92
economia, das novas e complexas tecnologias, da cidadania e da formação integral do
ser humano” 107.
Como indica a carta dos educadores, no âmbito da educação básica, deverá o Sistema
Mineiro de Educação estar atento à realidade do mundo contemporâneo de modo que,
no que se refere ao ensino médio, os esforços deverão estar voltados para “sua
progressiva universalização e democratização”, bem como para sua “articulação com a
educação técnica/tecnológica que, por sua vez, deverá contar com a estrita participação
do setor produtivo, entendido em suas vertentes empresarial e trabalhista” (idem).
Esse foi o passo inicial do governo Itamar Franco na área da educação, em consonância
com a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
que coube aos municípios assegurar a educação infantil em creches e pré-escolas e aos
estados oferecer o ensino fundamental e com prioridade, o ensino médio. Assim, devido
à expansão da demanda no ensino médio, ocasionada pela pressão do mercado de
trabalho e pelos programas de aceleração de estudos, foram abertas inúmeras escolas de
ensino médio visando a preparação de alunos tanto para a continuidade dos estudos em
nível superior, como para o ingresso no mercado de trabalho por meio da
profissionalização de nível técnico e tecnológico. Portanto, em relação ao ensino médio
e à educação profissional, essas são as diretrizes operacionais referente à política
estadual de educação:
•
•
107
Reforma e diversificação do ensino médio, de maneira compatível com as
realidades regionais, com ênfase na educação básica geral.
Desenvolvimento e estímulo a metodologias para serem utilizadas no ensino
noturno de forma a aproveitar e certificar, para fins curriculares, estudos e
conhecimentos apropriados pelo aluno no mundo do trabalho.
Escola Sagarana. Educação para a Vida. BH, 2001.
93
•
•
•
•
•
Promoção de entrosamento do ensino médio com a educação profissional, inclusive
no que se refere ao denominado “Pós-médio”.
Estabelecimento de nova política de educação profissional integrada aos objetivos
do desenvolvimento regional de Minas Gerais.
Definição, juntamente com as Secretarias de Estado ligadas a políticas de formação
profissional do trabalhador, articulada com a política de emprego, visando
assegurar amplas possibilidades de inserção social e no mercado de trabalho.
Criação de mecanismos de certificação de competência e definição de formas de
aproveitamento desses conhecimentos no subsistema regular e supletivo de
educação, permitindo agregar conhecimentos originados de diversos setores da
sociedade.
Implementação de rede regionalizada de centros públicos de educação profissional.
(idem, p. 09).
Portanto, para atender às exigências dessa política educacional, foi criada a Escola
Sagarana – o termo criado por João Guimarães Rosa em 1946, unindo o radical
germânico SAGA que significa narrativa épica em prosa ou história rica em
acontecimentos marcantes ou heróicos, com o elemento RANA de origem tupi que
representa a “idéia de, à maneira de, típico ou próprio de”. Esta seria a síntese da
Escola Sagarana: “uma educação que tome por base os sentimentos e a cultura dos
mineiros, que represente o nosso regionalismo sem perder o vínculo com a
universalidade do ser humano”. Por essa razão, a Secretaria da Educação instituiu as
metas da Escola Sagarana: “Implantar e desenvolver a política de educação de qualidade
para todos os mineiros, contribuir para a formação do cidadão do próximo milênio com
educação integral voltada para o exercício da cidadania e do desenvolvimento pessoal,
profissional do cidadão, da comunidade, do estado e da nação” (idem, p. 13).
Na verdade, o que essa política educacional busca é sintonizar-se com as tendências
internacionais da educação, que tem como um de seus principais pensadores o sociólogo
Edgar Morin. Analisando a sociedade atual, Morin conclui que os futuros cidadãos
devem ser capazes de analisar situações, encontrar alternativas e resolver problemas.
Que sejam também participativos, adaptados para o trabalho em equipe e que tenham
formação multidisciplinar para que possam estar prontos para o exercício da cidadania.
94
E para que isso seja possível, reafirma quatro objetivos fundamentais do ensino que são
aprender a aprender (ou aprender a conhecer); aprender a fazer; aprender a viver e a
conviver e aprender a ser. Dando um toque regionalista a esses objetivos, ou seja,
adaptando-os à realidade mineira, a Escola Sagarana – síntese da estratégia e dos
princípios da política educacional mineira – prepara-se para essa missão procurando
oferecer uma educação de qualidade através do treinamento dos professores e com a
inclusão de todos, através do Bolsa-escola. Apesar dos avanços em relação à política
educacional de governos anteriores tais como o grande investimento nas escolas com
equipamentos de informática, distribuição de livros didáticos e até mesmo uma
educação que instiga o empreendedorismo, não podemos deixar de perceber a
consolidação da ideologia neoliberal quando esta prepara o aluno para inserir na
sociedade e não para questioná-la. É como se não houvesse outro caminho a seguir e,
portanto, devemos nos preparar para percorrê-lo.
Desta forma, o governo que sucedeu Itamar Franco manteve esta mesma orientação
política. Aécio Neves (eleito em 2002 e reeleito em 2006) procurando assegurar a
universalização do ensino médio através da construção e reforma de prédios escolares
em todas as regiões do Estado108 , também criou o Projeto Escolas em Rede que
informatizou e garantiu acesso à internet nas escolas da rede estadual bem como
manteve a distribuição gratuita de livros didáticos com conteúdo das três séries do
ensino médio através do Projeto Livro na Escola. Lembramos que esse esforço refere-se
principalmente à intenção de inserir Minas cada vez mais na mundialização da
economia através da educação.
108
Fonte: Secretaria de Educação de MG. Disponível em: http://www.educacao.mg.gov.br. Acesso em
30de julho/2007.
95
Portanto, a educação profissional, principalmente no que se refere ao ramo voltado para
o ensino industrial, desde a década de 1930 passou por uma série de mudanças que
sempre procuraram se adequarem ao desenvolvimento industrial brasileiro, que em
diversos contextos demandou novos requerimentos para a formação da força de
trabalho. Assim, as mudanças institucionais que ocorreram na sociedade e por
conseqüência no sistema educacional de Minas Gerais, fizeram-se através de avanços e
recuos envolvendo a relação de diversos atores nacionais e internacionais, atuando em
diferentes momentos e dentro de determinados contextos. Mas, há muito ainda por ser
feito. Para começar, é preciso que superemos os paradigmas dualistas que têm marcado
a tradição brasileira no campo da educação profissional e que apoiemos as políticas
educacionais que pretendem capacitar o cidadão para que ele possa se inserir na
sociedade de forma competente, crítica e participativa. Não atentar para isso, é
continuar a promover a exclusão social e, tal qual no conto de Moacyr Scliar, negar a
cidadania a quem a ela tem direito. Mas, como formar esse cidadão? Como as escolas
federais – principalmente o CEFET – formam esses cidadãos? É o que averiguaremos
no capítulo 03.
96
CAPITULO III
INSTITUIÇÃO CEFET
3.1 Como se estruturam
“O capitalismo de hoje de fato não recusa o direito à escola: o
que ele recusa é mudar a função social da escola.”
(Antônio Letieri)
Partindo do pressuposto de que os modelos pedagógicos de educação profissional se
constituíram historicamente a partir das mudanças que ocorreram no mercado de
trabalho109 e levando-se em conta o fato de que as classes que estariam responsáveis
pelas funções essenciais no processo de produção precisaram formar adequadamente
sua mão-de-obra, passaremos agora a analisar a instituição CEFET, bem como a sua
estrutura na formação de uma mão-de-obra que visa atender às exigências do mercado
de trabalho no século XXI.
Os CEFETs surgiram em 1978, com a Lei 6.545/78 que dispôs sobre a transformação
das escolas técnicas de MG, do PR e do RJ em Centros Federais de Educação
109
Decreto-lei n.º4.073, de 30 de janeiro de 1942, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Industrial,
estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial, definindo-o como ramo de ensino de
2º grau e destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria, dos transportes, das
comunicações e da pesca, em paralelo com o ensino secundário. (FILHO, Domingos L. Lima –
Formação de tecnólogos: lições da experiência, tendências atuais e perspectivas – www.senac.br);
Lei 4024/61 – reconhece a articulação do ensino profissional ao sistema regular de ensino, estabelecendo
a plena equivalência entre os cursos profissionalizantes e os propedêuticos; Lei 5692/71 – substituiu a
equivalência pelo estabelecimento da profissionalização compulsória no ensino médio; Lei 7044/82
retorna a dualidade estrutural, ou seja, as escolas propedêuticas para a elite e profissionalizantes para os
trabalhadores. ( KUENZER, Acácia Z. – A Reforma do Ensino Técnico e suas conseqüências, in
Educação Profissional: tendências e desafios, PR, 1999.).
97
Tecnológica visando à verticalização do ensino, isto é, a oferta em uma mesma
instituição de cursos profissionais em diferentes graus e níveis de ensino.
Para entendermos como se deu esse processo, reportemo-nos às décadas de 60 e 70,
quando a economia brasileira registrou altas taxas de crescimento econômico e onde são
criados os cursos de curta duração em Engenharia de Operação, inicialmente nas
Escolas Técnicas Federais do PR, MG e RJ aproveitando-se da estrutura física de
laboratórios, oficinas e de recursos humanos existentes naquelas instituições. Esses
cursos caracterizavam-se por um currículo menos denso, mais específico, mais prático e
com menor duração. Seu objetivo era formar para o mercado de trabalho, supostamente
– como se refere Cunha110 - carente de técnicos de nível médio e também formar os
engenheiros de operação – nome dado aos concluintes de cursos de três anos. O
currículo excessivamente longo e de alto custo, teria motivado tanto a Diretoria do
Ensino Superior do MEC, quanto os pesquisadores da produção industrial brasileira a
elaborarem propostas de criação de cursos de engenharia com duração mais curta do
que a dos cursos plenos. “Nessa linha de preocupação, o Parecer nº. 60/63 do Conselho
Federal de Educação instituiu o curso de engenharia de operação, com três anos de
duração, cujos currículos mínimos foram definidos pelo Parecer nº. 25/65” (Cunha;
2000 p. 208).
Assim, os cursos de Engenharia de operação e outros cursos superiores de tecnologia
em diversas habilitações – administração rural, bovinocultura etc. todas de curta
duração – se disseminaram rapidamente por todas as regiões do país. O técnico de nível
superior, formado nessa instituição se situaria em um nível intermediário, entre o
110
CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino profissional na irradiação do industrialismo – SP, 2000.
98
técnico de nível médio e o profissional graduado pela universidade e desempenharia
funções específicas na produção, na administração e gerência, estando mais ligado às
tarefas de execução. Aos graduados pelas universidades estariam reservadas as
atividades de concepção, desenvolvimento da ciência e análise crítica da sociedade.
De acordo com Lima Filho111 os egressos dos diversos cursos superiores de tecnologia
começaram a enfrentar dificuldades de colocação no mercado de trabalho, devido às
baixas projeções de crescimento econômico no final dos anos 70 bem como à acirrada
disputa que se estabeleceu entre profissionais dos cursos de curta duração e os de
graduação plena. Para contornar essa situação, foram extintos os cursos de Engenharia
de operação em 1977 e, através da Lei 6.545/78, foram criados os Centros Federais de
Educação Tecnológicas (antigas Escolas Técnicas Federais do PR, RJ e MG) sendo seus
objetivos especificados na regulamentação baixada pelo Decreto nº. 87.310/82:
a) Integração do ensino técnico de 2º grau com o ensino superior;
b) Oferecimento do ensino superior em continuidade ao ensino técnico de 2º
grau, diferenciado do sistema universitário;
c) Ênfase na formação especializada, levando em conta as tendências do
mercado de trabalho e do desenvolvimento do país;
d) Atuação do ensino superior exclusiva na área tecnológica;
e) Formação de professores e especialistas para disciplinas especializadas do
ensino de 2º grau;
f) Realização de pesquisas aplicadas e prestação de serviços; e
g) Estrutura organizacional adequada à prestação de serviços112.
Os cursos de Engenharia de operação até então ofertados naquelas instituições, foram
transformados em cursos de Engenharia industrial de duração plena que, a partir do final
dos anos 70, foram abandonados pelo MEC sem maiores reflexões ou análise crítica. O
resultado foi que os CEFETs tiveram que se ajustarem a essa nova política e coube aos
egressos dos diversos cursos extintos buscarem o reconhecimento de seus diplomas
junto aos órgãos classistas ou à complementação curricular que lhes permitisse o pleno
111
112
FILHO, Domingos Leite Lima – Educação Profissional: Tendências e Desafios – PR, 1999.
CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 209.
99
exercício profissional. O que nos parece paradoxal é que justamente os CEFETs, que
tiveram como uma das razões para a sua criação, no final dos anos 70, a busca de
soluções para viabilizar a extinção dos cursos de Engenharia de operação e reparos para
o fracasso da política de formação de tecnólogos de curta duração, então abandonada,
estejam sendo agora reorientados para retomar a oferta destes cursos de modalidades
variadas. Essa mudança se justifica diante de uma “nova” orientação para a conquista da
empregabilidade, baseada em competências, e para suprir a crescente pressão por
escolarização e formação profissional através de uma política de redução de custos, ou
seja, a necessidade de se criar cursos de modalidades variadas se deve, principalmente,
ao imperativo de se combater a frustração dos alunos resultante do seu despreparo
profissional ao fim do nível médio, o que os forçaria a procurar as escolas superiores
como único meio de obter habilitação profissional. Nesse sentido, as ocupações para as
quais seria possível a habilitação específica em escola poderiam ser objeto de ensino
pelos cursos técnicos, mediante a conjugação de escolas e empresas ou outros arranjos
possíveis. Percebe-se, assim, que os “novos” paradigmas de flexibilização e
diversificação fazem parte desta estratégia de criação de estabelecimentos voltados para
os interesses imediatos do mercado de trabalho.
No que se refere especificamente ao CEFET-MG esta foi a sua trajetória desde o início
do século XX: em 1909 houve a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, nas
capitais dos Estados, pelo presidente Nilo Peçanha e, um ano depois, foi implantada a
Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais. Em 1941 essa Escola foi transformada
em Liceu Industrial de Minas Gerais e em 1942 houve a alteração da denominação do
Liceu para Escola Industrial de Minas Gerais e Escola Técnica de Belo Horizonte,
respectivamente. A transformação da Escola Técnica de Belo Horizonte em Escola
100
Técnica Federal de Minas Gerais se deu em 1959 e, só mais tarde em 1978
transformou-se em Instituição Federal de Ensino Superior isolada, passando a
denominar-se Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Com a
regulamentação da Lei de criação do CEFET-MG, através do decreto 87.310 de
21/06/82, foi aprovado o Estatuto do CEFET pelo Decreto 87.411 de 10/07/82 e,
finalmente em 1988 foi aprovado o regimento do CEFET-MG pela portaria 003, de
09/01/88113.
Assim, no âmbito do MEC, por meio da Secretaria Nacional do Ensino Técnico
(Senete), elaborou-se em 1991, a proposta do Sistema Nacional de Educação
Tecnológica. Essa proposta tem como modelo os países desenvolvidos e a teoria do
Capital Humano, sendo que, para o Brasil alcançar o desenvolvimento, seria necessário
fazer investimentos na formação de recursos humanos, tal como foi feito pelos países
detentores de tecnologia de ponta. Até então a idéia de organização e gestão do trabalho,
bem própria do modelo taylorista com seus princípios de eficácia, controle e
racionalidade, eram as noções predominantes principalmente a partir da década de 1950.
Mesmo esses princípios estarem bem próximos aos princípios do capital humano, a
ênfase agora é para o desenvolvimento de competências tais como: liderança, iniciativa,
capacidade de tomar decisões, habilidade de comunicação que, acredita-se, promoverá a
modernização e produtividade do processo de trabalho – já que esse exigirá uma mãode-obra que se adapte a um mercado de trabalho em constantes mudanças. Com essa
intenção, idealizou-se a criação de um Sistema Nacional de Educação Tecnológica que
englobaria todas as escolas técnicas do setor público federal, estadual e municipal e as
113
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Disponível em: <http:www.cefetmg.br>.
Acesso em 15 de setembro/2007.
101
instituições particulares da rede SENAI e SENAC, as quais têm prestado serviços no
campo da educação tecnológica.
Em 08 de dezembro de 1994, ao final do governo Itamar Franco, foi criada a Lei federal
nº. 8.948 – a chamada lei da “cefetização”114, quando todas as escolas técnicas federais
seriam alçadas à categoria de CEFETs:
Art. 1º - Fica instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica,
integrado pelas instituições de educação tecnológica, vinculadas ou
subordinadas ao Ministério da Educação e do Desporto e sistemas congêneres
dos Estados, municípios e Distrito Federal.
& 2º - A instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica tem como
finalidade permitir melhor articulação da educação tecnológica, em seus vários
níveis, entre suas diversas instituições, entre estas e as demais incluídas na
Política Nacional de Educação, visando ao aprimoramento do ensino, da
extensão, da pesquisa tecnológica, além de sua integração com os diversos
setores da sociedade e do setor produtivo.
Art. 3º - As atuais Escolas Técnicas Federais, criadas pela Lei nº. 3.552, de 16
de fevereiro de 1959, e pela Lei nº. 8.670, de 30 de junho de 1993, ficam
transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica, nos termos da
Lei nº.6.545, de 30 de junho de 1978, alterada pela Lei nº. 8.711, de 28 de
setembro de 1993, e do Decreto nº. 87.310, de 21 de junho de 1982.
& 1º - A implantação dos Centros Federais de Educação Tecnológica de que
trata este artigo será efetivada gradativamente, mediante decreto específico
para cada centro, obedecendo a critérios e serem estabelecidos pelo Ministério
da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação
Tecnológica.
& 3º - Os critérios para a transformação a que se refere o “caput” levarão em
conta as instalações físicas, os laboratórios e equipamentos adequados, as
condições técnico-pedagógicas e administrativas, e os recursos humanos e
financeiros necessários ao funcionamento de cada centro.
& 4º - As Escolas Agrotécnicas, integrantes do Sistema Nacional de Educação
Tecnológica, poderão ser transformadas em Centros Federais de Educação
Tecnológica após processo de avaliação de desempenho a ser desenvolvido sob
a coordenação do Ministério da Educação e do Desporto115.
Na verdade, a Lei 8.948/94 não se efetivou na prática. Ela foi substituída pelo Decreto
n.º2.406/97 (que consolidou a transformação das Escolas Técnicas Federais em
CEFETs, separando os ensinos médio e técnico) nos termos do Decreto n.º2.208/97 (
que instituiu o nível tecnológico com o nível superior da educação profissional,
114
O termo “cefetização” foi apropriado de CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino Profissional na
irradiação do industrialismo – 2000, p. 206.
115
BRASIL - Ministério da Educação, Lei Federal nº. 8.948/94. Disponível em: http://portal.mec.gov.br.
Acesso em 10 de julho/2007.
102
associado à imposição de separar ensino médio e técnico). Assim, os CEFETs puderam
ministrar cursos profissionais em todos os níveis como, por exemplo: qualificação (para
operários), técnicos de nível médio e superior na área tecnológica. Analisando o
programa de governo do então candidato à presidência da República Fernando Henrique
denominado Mãos à Obra Brasil, mais especificamente no capítulo sobre emprego no
item “qualificação da mão-de-obra”, Cunha116 descreve a visão que o futuro governo
tinha e que mais tarde seria implementada:
“A força de trabalho barata e recursos naturais abundantes já não
representavam vantagens comparativas no novo modelo produtivo mundial. Os
padrões tecnológicos em uso exigiam que os trabalhadores dominassem
conhecimentos e habilidades que lhes permitissem integrar-se a ambientes de
trabalho em rápida mudança. No Brasil, uma economia dual, existiria falta de
mão-de-obra qualificada, preparada para executar tarefas de maior
complexidade, ao mesmo tempo em que existiam milhões de trabalhadores
desempregados ou subempregados, recebendo salários muito baixos. Era
justamente a falta de qualificação que impediria a incorporação desse
contingente no setor moderno da economia”. (CUNHA, 2000; p.216).
Vimos aqui uma atualização da teoria do capital humano, onde o desenvolvimento das
competências técnicas e comportamentais é essencial para os objetivos do sistema
produtivo, pois provocam o envolvimento da subjetividade do indivíduo na organização
do trabalho. Eleito presidente da República, Fernando Henrique (1994-2002)117 nomeou
ministro da Educação Paulo Renato Costa Sousa que elaborou um projeto de reforma do
ensino médio e técnico. Essa reforma do ensino médio e profissional – Lei 9.394/96 e o
decreto 2.208/97 que instituíram as bases para a reforma do ensino profissionalizante –
é fruto de um processo histórico de disputas político-ideológicas empreendidas na
sociedade brasileira118.
116
CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 216.
Fernando Henrique Cardoso cumpriu dois mandatos presidenciais, sendo reeleito para o seu 2º
mandato em 1998.
118
Na proposta do PNE da sociedade (versão Cid Sabóia) a gestão democrática da educação pressupõe a
participação autônoma dos diferentes órgãos do Estado e das entidades da sociedade civil na definição e
na implementação das políticas educacionais gerais nacionais e locais (estados e municípios);
universalização das oportunidades educacionais no ensino fundamental e médio. Na proposta do PNE do
governo (versão Darcy Ribeiro), estabelece a oferta de ensino fundamental obrigatório de oito séries e
assegurando o ingresso e a permanência de todas as crianças de 7 a 14 anos na escola; ampliar
117
103
Assim, enquanto a LDB promulgava que: “O ensino médio, atendida a formação geral
do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (Lei nº.
9.394/96, art. 36, & 2º) e “A educação profissional será desenvolvida em articulação
com o ensino regular” (idem ibid., art. 40), o Decreto 2.208/97 determinava a separação
entre o ensino médio e a educação profissional. Em outras palavras, enquanto a LDB
sinalizava a formação profissional integrada à formação geral nos seus múltiplos
aspectos humanísticos e científico – tecnológicos, o Decreto 2.208/97 vem não somente
proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar uma formação aligeirada e
de baixo custo, cabendo assim, para a empregabilidade o desenvolvimento das
competências.
Essa contradição só se justifica a partir do momento em que o modelo da política
nacional se define mais explicitamente como neoliberal, pois procura certificar em curto
prazo um grande contingente de trabalhadores que irão garantir às empresas os prérequisitos de qualidade que as habilitem a competir no mercado internacional. Além
disso, as próprias demandas do setor produtivo, embora excludente do ponto de vista do
emprego, não justifica altos investimentos públicos nos níveis mais elevados de
educação, já que a mesma exige maior diversificação na estrutura e oferta dos cursos. O
próprio ministro Paulo Renato Souza afirmou em entrevista ao Jornal O Estado de SP,
24/01/1999 que “o aluno pode fazer um curso de dois anos e ganhar uma certificação.
Então sai, trabalha, depois volta, faz mais outro e pode até obter o diploma de
progressivamente a matrícula no ensino médio, de forma a atender 80% dos concluintes do ensino
fundamental e reduzir em 5% ao ano a repetência e a evasão. Enquanto o campo educacional neoliberal
defende a obrigatoriedade do ensino fundamental, o campo democrático de massas passa a defender como
patamar mínimo obrigatório de escolaridade, o ensino médio. (NEVES, Lúcia Maria W. – Por que dois
planos nacionais de educação? – in Educação e Política no limiar do século XXI, Campinas/SP, Ed.
Autores Associados, 2000, p. 170 a 180).
104
graduação, se completar a carga horária que lhe daria direito a isso”119. No entanto, essa
proposta de formação rápida sem uma sólida base de escolaridade geral, cria a falsa
idéia de que se resolve o problema do emprego através da educação reforçando ainda
mais a teoria do capital humano.
Com a Resolução nº. 04/99, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacional para a
educação profissional de nível técnico, serão delimitados os princípios da educação de
nível técnico, os quais podemos citar: a independência e articulação com o ensino
médio; o desenvolvimento de competências para a laborabilidade; a atualização
permanente dos cursos e currículos e a autonomia da escola em seu projeto
pedagógico120.
Foi instituído também as cargas horárias mínimas das áreas profissionalizantes, bem
como as competências profissionais específicas de cada qualificação ou habilitação.
Através de uma perspectiva pragmatista, considerou-se a formação profissional de
forma utilitarista, onde os conhecimentos, as habilidades e as atitudes a serem
desenvolvidos deveriam ser definidas pela suas utilidades requeridas pelo mercado de
trabalho. Por isso, devido a essa postura pragmatista, bem como à contradição do
Decreto121 2.208/97 que contrariava a LDB nº. 9.394/96 suscitou-se uma polêmica entre
educadores, dirigentes sindicais, instituições empresariais etc.. Diante do compromisso
político assumido pelo governo Lula com os educadores progressistas que
119
FILHO, Domingos Leite Lima – De continuidades e retrocessos históricos: razões e impactos da
reforma da educação profissional no Brasil – PR, 1999.
120
BRASIL - Ministério da Educação - Resolução CNE/CEB nº. 04/99, art. 3º. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 de julho 2007.
121
O decreto é um ato de governo, de duração provisória, que normatiza a lei. Ele não pode inovar, não
pode contrariar a lei. (MAGALHÃES, Humberto P. – Dicionário Jurídico – Vol. I, 3ª edição, RJ,
Edições Trabalhistas S.A., 1981).
105
reivindicavam mudanças no ensino profissionalizante, foi aprovado, então, o Decreto nº.
5.154/2004 e revogado o Decreto nº. 2.208/97.
Com o novo Decreto, a educação profissional técnica de nível médio será articulada
com o ensino médio de forma: integrada – oferecida somente a quem já tinha concluído
o ensino fundamental; concomitante – oferecida a quem já tinha concluído o ensino
fundamental ou esteja cursando o ensino médio. Nesse caso, o aluno fará o curso
técnico simultaneamente ao ensino médio na mesma instituição ou em outra instituição
de ensino, mediante convênios de intercomplementariedade. E subseqüente (pós-médio)
– oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. Volta assim, a
integração entre educação geral e profissionalizante, defendida na LDB.
Antes, com a política de educação profissional do governo Fernando Henrique Cardoso,
cujas ações eram voltadas para a qualificação e a requalificação profissional, o que se
notava era que se desviava a atenção da sociedade das causas reais do desemprego para
a responsabilidade dos próprios trabalhadores pela sua condição de desempregados. Por
isso, esse ideário de empregabilidade e competência justificou projetos aligeirados de
formação profissional, associados aos princípios de flexibilidade dos currículos que não
promoviam uma formação em sua totalidade, pois não integravam ciência e cultura,
humanismo e tecnologia.
Agora com o ensino médio integrado ao ensino técnico e sob uma base unitária de
formação geral, esse passa a ser uma condição necessária – segundo Frigotto122 – para
se fazer a “travessia” para uma nova realidade, isto é, o objetivo profissionalizante não
122
FRIGOTTO, Gaudêncio – A Gênese do Decreto nº. 5.154/2004: um debate no contexto
controverso da democracia restrita – disponível em: http://www.seed.pr.gov.br . Acesso em 29 de
dezembro 2007.
106
teria um fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado. Mas, poderia
constituir-se numa possibilidade a mais para os alunos que, ao construírem seus projetos
de vida, poderiam ser ajudados por uma formação ampla e integral.
O governo do Presidente Lula, através do Decreto nº. 6.302 de 12 de dezembro/2007123
que institui o Programa Brasil Profissionalizado, reitera sua política de formação
profissional pelo princípio da formação integral e do trabalho como princípio educativo.
Esse Programa tem por objetivo estruturar o ensino médio combinando formação geral
com formação profissionalizante, além de fomentar a oferta de cursos técnicos de nível
médio (art. 1º, Decreto 6.302/2007). Mas, a principal iniciativa do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE) é a criação dos Institutos Federais de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica – IFETs.
Esses institutos serão especializados na oferta de educação profissional e tecnológica,
com inserção também na área de pesquisa e extensão. Essas unidades serão constituídas
da integração dos CEFETs e das Escolas Técnicas Federais e distribuídas por vários
campi. A intenção é de que todos os estados tenham pelo menos um IFET. De acordo
com a Chamada Pública124 feita pelo MEC/SETEC, a oferta destina-se a cursos técnicos
de nível médio, com currículo integrado e educação superior com destaque para os
cursos de licenciatura em Ciências da natureza como física, química, matemática e
biologia, bem como as licenciaturas de conteúdos específicos da educação profissional e
tecnológica, de acordo com as demandas de âmbito local e regional.
123
BRASIL – Decreto nº. 6.302/2007 – disponível em: http://www.planalto.gov.br . Acesso em
27/12/2007.
124
BRASIL – Chamada Pública MEC/SETEC nº. 002/2007 – disponível em: http://portal.mec.gov.br .
Acesso em 27/12/2007.
107
Enfim, a intenção é que esses institutos funcionem como centros de excelência na
formação de profissionais para as mais diversas áreas da economia e de professores para
a escola pública, promovendo o “desenvolvimento” na região onde serão instalados. O
CEFET em Bambuí procurará aderir a essa chamada pública, transformando-se em um
dos campi dos IFETs. Se essa mudança será frutífera, só o tempo dirá. Por hora vamos
nos ater às origens do CEFET em Bambuí e sua formação de mão-de-obra.
108
Figura 03 – Entrada principal do Posto Agropecuário – 1950
Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007
Figura 04 – Entrada principal do CEFET-Bambuí – 2008
Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008
109
3.2 CEFET - Bambuí
O atual CEFET-Bambuí teve sua origem125em um Posto Agropecuário do Ministério da
Agricultura, em 1948, no governo do Gen. Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). Seu
primeiro diretor e idealizador foi o Sr. Antônio Paulinelli de Carvalho que, na época, foi
também prefeito de Bambuí (seu mandato se deu no período de 1947 a 1951). Para
exercer o cargo de diretor do Posto Agropecuário, o Sr. Antônio Paulinelli – mais
conhecido em Bambuí como Sr. Tunico – afastou-se do cargo de Prefeito Municipal e
assumiu o seu vice – o Sr. José Augusto Chaves.
O objetivo da criação do Posto Agropecuário, segundo o depoimento do Sr. Altamiro,
foi fomentar a agricultura na região, ensinando aos fazendeiros a trabalhar o solo com
máquinas agrícolas ao invés de usar a tração animal (muito comum na região).
Ensinaram também a fazer curva de nível no terreno, bem como a fazer a correção do
solo através do uso de calcário. Divulgaram sementes melhoradas através de pesquisas,
pois era costume entre os fazendeiros o uso de sementes da sua própria colheita que
eram guardadas de um ano para outro. O Posto Agropecuário serviu, principalmente,
para melhorar a prática da agricultura em uma região que dependia substancialmente
dela.
Bambuí126 pertence à mesorregião do oeste de Minas Gerais, cuja povoação antiga,
iniciada nas primeiras décadas do século XVIII, dedicava-se à atividade agropastoril
125
A história sobre a origem do CEFET foi relembrada pelo Sr. Altamiro Gomes de Oliveira, que ocupou
o cargo de chefe do setor de mecânica e manutenção de máquinas no período de 1954 a 1991. Como não
há registro oficial nos arquivos do CEFET sobre esse período, recorremos ao testemunho oral do Sr.
Altamiro que participou ativamente dos acontecimentos do Posto Agropecuário sendo, inclusive,
responsável por todo o setor de mecânica. Entrevista concedida em 10/12/2007 a Adriana Maria Silva.
126
MIGUEL, Reginaldo Pereira – Centenário de Bambuí (Ensaio histórico), Ed. Ouro Preto Ltda.,
1986.
110
com a finalidade de abastecer as zonas de mineração. A maior parte dessa região do
Alto São Francisco desempenhou importante papel como canal natural de escoamento
de produtos agrícolas e da pecuária, que abasteciam os núcleos urbanos dedicados à
lavra do ouro e que, ainda hoje, conservam sua “vocação agrícola”. Com Bambuí não
foi diferente. A cidade teve sua economia baseada na agricultura e pecuária, com
destaque para a produção de café, milho e a criação do gado leiteiro e de corte.
Predomina as pequenas e médias propriedades como modelo de exploração extensiva.
Por isso, entendemos que a criação do Posto Agropecuário propiciou um
desenvolvimento na produção agropastoril. Para isso, o Posto contou com a colaboração
de entidades como a Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), hoje
EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), que fazia palestras nas
próprias fazendas do município e também na sede do Posto Agropecuário127. Nessas
palestras eram dadas informações sobre o uso de sementes e formas de plantio, bem
como sobre a recomendação do uso de filtros d’água nas fazendas. “Quando as palestras
eram feitas na sede do Posto Agropecuário, muitos fazendeiros vinham à cavalo porque
não tinham outro meio de transporte” (Sr. Altamiro, 2007).
Através do Posto Agropecuário, os fazendeiros tinham acesso às máquinas agrícolas,
bastando para isso irem até o escritório do Posto e fazer inscrição, pagando uma taxa
simbólica que equivaleria às horas trabalhadas no trator. Assim, os tratores iam até as
fazendas com todos os equipamentos necessários para arar e fazer curvas de nível. A
despesa dos agricultores, além dessa taxa simbólica, era com a hospedagem do
tratorista. Cabia ao Sr. José Teixeira da Silva, cujo cargo era o de auxiliar de escritório,
fazer essas inscrições bem como autorizar o uso de equipamentos e veículos do Posto
127
Fonte: entrevista concedida pelo Sr. Altamiro Gomes de Oliveira em 10/12/2007 a Adriana Maria
Silva.
111
Agropecuário. A autorização abaixo é um dos exemplos desse tipo de serviço prestado
pelo Posto Agropecuário não só aos fazendeiros, mas também a algumas entidades em
Bambuí.
Figura 05 – autorização de serviço do Posto Agropecuário.
Fonte: arquivo do Sr. Altamiro Gomes de Oliveira
O Instituto Oswaldo Cruz é de grande relevância para a cidade devido às pesquisas
feitas sobre a doença de Chagas muito comum na região e que, felizmente hoje, já está
erradicada. Juntamente com o Posto Agropecuário, os pesquisadores do Instituto tinham
acesso ao meio rural, alertando os fazendeiros sobre a doença de chagas e o modo de
prevení-la.
Em 1957, o Sr. Antônio Paulinelli criou o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola
e o motivo dessa criação nos é explicado pelo Sr. Altamiro:
112
Figura 06 - Sr. Altamiro em aula prática no Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola – 1957
Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.
Figura 07 - Formatura da 1ª turma do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola – 1958
Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.
113
Como os fazendeiros gostaram do trabalho que estava sendo feito, o Sr. Tunico
Paulinelli achou por bem formar os filhos dos fazendeiros da região para que
eles mesmos arassem seu terreno, já que muitos deles podiam comprar seu
trator. Por isso foi criado o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola no
Posto Agropecuário.
Os alunos do Centro de Treinamento ficavam internos no Posto Agropecuário por nove
meses – período referente ao ciclo do plantio e da colheita – em regime integral com
folgas apenas nos finais de semana, tendo aulas de mecânica e implementos agrícolas,
português, matemática e conhecimentos gerais (muitos só tinham o curso primário).
Vinham alunos também das cidades vizinhas: Tapiraí, Córrego Danta, Medeiros: “As
turmas eram de vinte alunos, sendo que dez alunos assistiam às aulas práticas, enquanto
os outros as aulas teóricas, depois trocavam” (Sr. Altamiro, 2007).
Em 1958 forma-se a primeira turma de tratorista agrícola e em 1961 é criada a Escola
Agrícola de Bambuí – através do Decreto Presidencial nº. 3.864/A de 24/01/1961,
subordinada à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV) do
Ministério da Agricultura128. Pelo Decreto de criação de Escola Agrícola, esta deveria
utilizar-se das dependências do Posto Agropecuário e do Centro de Treinamento de
Tratoristas Agrícola, absorvendo também suas benfeitorias. Em 1964 a Escola foi
transformada em Ginásio Agrícola (Decreto nº. 55.358 de 13/02/1964) e posteriormente
em Colégio Agrícola, processo que foi homologado pelo Decreto Presidencial nº.
63.923 de 30/12/1968.
“Nesse período havia necessidade de ampliar mais o Colégio, porque as
instalações do Ginásio eram precárias. Por isso, teve que fazer a
desapropriação do terreno onde morava um senhor de idade para aumentar o
Colégio. Mais tarde ele foi indenizado e deram para ele uma casinha na cidade.
Onde hoje é o refeitório e o dormitório, era desse senhor que foi
desapropriado”. (Sr. Altamiro, 2007).
128
CEFET-Bambuí – informações dos arquivos da Coordenação Geral de Ensino, Secretaria Escolar e
Departamento de Administração – Nov/2007.
114
Somente em 1968, já como Colégio Agrícola, é que teve início o curso técnico em
Agropecuária, um curso regular de nível médio com duração de três anos e o ensino
supletivo também em nível de ensino médio. Nele foram instaladas as Unidades
Educativas de Produção, tendo por objetivo contribuir para a fixação da aprendizagem e
o desenvolvimento de habilidades necessárias ao futuro profissional técnico. Foram
assim divididas essas Unidades de produção:
•
1ª Série – o aluno receberia os conhecimentos teóricos e práticos na
área de avicultura, horticultura, piscicultura, apicultura;
•
2ª Série – receberia os conhecimentos na área de suinocultura,
agroindústria, mecanização agrícola, caprinocultura, agricultura II
(culturas anuais);
•
3ª Série – bovinocultura, eqüídeos, agroindústria, agricultura III
(culturas permanentes)129.
Em 04/09/1979 novamente seria modificada a denominação da instituição que passaria
a chamar-se Escola Agrotécnica Federal de Bambuí (Decreto nº. 83.935 – subordinada à
Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário – COAGRI). Posteriormente, foi
extinta a COAGRI (21/11/1986 – Decreto nº. 93.613) e criada a Secretaria de Ensino de
Segundo Grau (SESG), a qual foi transformada em Secretaria Nacional de Educação
Tecnológica (SENETE) em 12/04/1990 segundo Lei nº. 8028 e atualmente Secretaria de
Educação Média e Tecnológica.
De acordo com a organização pedagógica da Escola130, as Escolas Agrotécnicas
Federais com habilitação para o ensino agropecuário, possuem um processo de ensino
129
130
Fonte: CEFET-Bambuí – informações dos arquivos da Coordenação Geral de Ensino – Nov/2007.
Idem.
115
diferente das demais escolas em nível de segundo grau: baseiam-se no trinômio
educação-trabalho-produção. Seu lema “Aprender para fazer e fazer para aprender”
(sistema Escola-fazenda) atende ao objetivo que é o de formar para o trabalho,
principalmente na área da agroindústria. Nota-se que é inerente a esse sistema Escolafazenda a prática mecanicista, que propicia uma interdependência das atividades
escolares com as atividades de produção. Isso direciona o processo educativo para os
objetivos da produção configurando assim, um modelo de ensino instrumentalizador,
acrítico e voltado para as exigências do mercado produtivo. No caso de Bambuí, a
clientela que procura a Escola constitui-se de pessoas de escolaridade variável à procura
de cursos de curta duração (qualificação e requalificação); também é bastante
heterogênea quanto à faixa etária e nível sócio-econômico, proveniente da zona urbana
(pequenas cidades), com tendências agrícolas e constitui-se de ex-alunos em busca de
informação ou educação continuada.131
Nota-se aqui a abrangência da Escola em uma região que se volta, principalmente, para
os negócios da agroindústria. Em 06/11/1993, através da lei nº. 8.731, a Escola
Agrotécnica foi transformada em autarquia, concedendo-lhe autonomia didática,
financeira e administrativa, com orçamento e quadro de pessoal próprio. Essa
descentralização administrativa concede à Escola maior liberdade de ação, podendo esta
receber subsídios do setor privado, estabelecer convênios, realizar pesquisas e prestar
serviços. E uma das formas de manter recursos próprios é através da manutenção de um
posto de comercialização dos produtos agrícolas produzidos na própria escola. Para isso
conta com a Cooperativa-escola, implantada com o objetivo de funcionar no sistema
escola-fazenda e com a finalidade de atender os alunos e projetos agropecuários. A
131
Fonte: CEFET-Bambuí – Planejamento estratégico, período março/2001 – arquivos da Coordenação
Geral de Ensino, Nov/2007.
116
Cooperativa-escola132 foi fundada em 28/09/1969 cujo primeiro benefício foi fornecer
material didático aos seus associados. Em 30/06/1983, pela necessidade de melhor
atender às Unidades Educativas de Produção, seus estatutos foram alterados passando a
chamar Cooperativa-escola e de Trabalho dos alunos do Colégio de Bambuí Ltda. No
ano seguinte, nova mudança e alteração dos estatutos de todas as Cooperativas e
novamente muda o nome para Cooperativa-escola dos alunos da Escola Agrotécnica
Federal de Bambuí Ltda. A aproximação do binômio “ensino-trabalho” gerou o fator de
produção e, assim, a Cooperativa-escola passou a ser parte integrante dos mecanismos
pedagógicos utilizados no sistema escola-fazenda. Dentre os objetivos da Cooperativaescola destaca-se a comercialização dos produtos oriundos das Unidades Educativas de
Produção.
Figura 08 - Cooperativa-escola - Posto de vendas dos produtos agrícolas produzidos no CEFET
Na cidade de Bambuí.
Fonte: SILVA, Adriana Maria da - jan/2008
132
Fonte: CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino – Nov2007.
117
Com a Reforma da Educação Profissional em 1997 e através do Decreto nº. 2.208/97, as
Escolas Agrotécnicas Federais que ministravam somente o curso técnico em
Agropecuária concomitante com o ensino médio, tiveram a liberdade de ampliar sua
oferta de cursos e de vagas, migrando para além do setor agropecuário e podendo
atender aos setores secundário e terciário do mercado de trabalho. Os currículos foram
modularizados e a oferta de cursos foi ampliada de acordo com a demanda regional e as
necessidades da evolução tecnológica. Com a nova legislação, em 1998, além do
tradicional curso técnico agrícola, foram criados outros cursos técnicos: Agroindústria,
Zootecnia, Agricultura, Informática, Turismo e Gestão Comercial – concomitante com o
ensino médio ou pós-médio.
A oferta dos cursos na área agrícola se deve, pelo que já foi exposto, à idéia de
“vocação agrícola” da região. Sendo assim, caberia à Escola Agrotécnica cumprir seu
papel de fornecer técnicos qualificados principalmente em atividades ligadas ao cultivo
do cerrado. Como a cidade inseriu-se no Circuito133da Canastra, por integrar à Bacia do
Rio São Francisco, então se justificou a criação do curso técnico em Turismo e Gestão
Comercial devido ao potencial turístico da região, bem como às atividades econômicas
do comércio varejista que careciam de profissionais qualificados para atuar nesse
segmento. Como a Reforma Educacional abriu a possibilidade de ampliação dos cursos
ofertados nas Escolas Técnicas Federais e também com a possibilidade de crescimento
133
São definidos como conjunto de municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e
econômicas que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística regional de forma sustentável.
As vantagens de fazer parte de um circuito turístico são: potencialização dos esforços para promover o
desenvolvimento turístico; buscar meios de capacitação profissional no setor; preservação e resgate dos
patrimônios culturais e naturais melhoria da qualidade de vida do município e o atendimento ao turista.
(JORNAL DA CANASTRA – edição de dez/2007, disponível em: http://www.jornaldacanastra.com.br .
Acesso em 29/12/2007.
118
econômico na região, a Escola Agrotécnica optou então pela criação desses dois
cursos134.
Nesta trajetória, a Escola Agrotécnica conseguiu junto ao Programa de Educação
Profissional (PROEP) financiamentos para a modernização da rede física, já que a
escola deveria ser o “laboratório” na qualificação da mão-de-obra. Os investimentos
serviram para construir, equipar, reformar e modernizar suas instalações e laboratórios,
além de qualificar pessoal de forma a torná-la capaz de oferecer cursos dentro do padrão
e da realidade das empresas empregadoras dos egressos.
Finalmente, em 18 de dezembro de 2002, através de Decreto Presidencial, a Escola
Agrotécnica Federal de Bambuí foi transformada em Centro Federal de Educação
Tecnológica. Atualmente, além dos cursos técnicos, o CEFET-Bambuí oferece cursos
superiores de tecnologia:
•
Graduação Tecnológica em Processamento de Alimentos;
•
Graduação Tecnológica em Informática no Agronegócio;
•
Graduação Tecnológica em Gestão de Empreendimentos Turísticos;
•
Bacharelado em Zootecnia.
Nota-se que, dos quatro cursos superiores, três estão voltados para a área agrícola,
reforçando esse perfil agrícola construído ao longo dos anos. Assim, sem afastar-se de
suas origens, o CEFET-Bambuí continua a manter o vínculo com os produtores rurais
através de Programas como: A Escola vai ao campo – Unidade de Ensino volante –
direcionado principalmente àqueles que se utilizam da mão-de-obra familiar; realização
134
Fonte: CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino –
Nov/2007.
119
de Dias de Campo com destaque especial para o Fest milho, com participação da
EMATER-MG; comercialização de suínos, eqüinos e peixes geneticamente melhorados
para reprodução, visando melhor produtividade do agricultor. “Devido à vocação
regional para a agricultura, pecuária e industrialização de produtos agropecuários, o
CEFET-Bambuí tem focado a maioria de seus cursos neste direcionamento”135.
Figura 09 - Símbolo da Escola Agrotécnica e que ainda hoje é utilizado para reforçar o perfil do
sistema escola-fazenda.
Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008.
O curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva, criado no ano de 2005 reforça
essa filosofia, pois a finalidade de sua criação foi:
“O atendimento aos serviços de mecânica automotiva e de máquinas e
implementos agrícolas, que tem sido feito por ‘mecânicos práticos’ com a
ajuda de jovens aprendizes que quase sempre não estudam e dão continuidade
ao ofício criando suas próprias oficinas. Não há cursos profissionalizantes
nesta área da região, apenas no SENAI em Belo Horizonte (260 km), sendo
escassos até mesmo em nível nacional, ou até inexistentes no caso da
mecanização agrícola de nível técnico.
135
Fonte: CEFET-Bambuí – Setor de Coordenação Geral de Ensino – dez/2007.
120
(...) Necessidade de profissionalizar pessoas em nível técnico e de qualificação
para atendimento de necessidades locais e regionais de manutenção e máquinas
e implementos agrícolas e de veículos automobilísticos, especialmente
utilitários, para desenvolvimento do setor agropecuário. Com isto melhorar o
atendimento aos cursos já existentes (técnico em Agropecuária e curso superior
de Tecnologia em Zootecnia).136”
Visando à expansão de suas atividades, o CEFET-Bambuí firmou convênios com as
Prefeituras Municipais das cidades vizinhas – Iguatama, Formiga, Piumhi – onde
ministra os cursos de Informática, Turismo e Gestão Comercial. O currículo, o diretor e
os professores são selecionados pelo CEFET, enquanto as despesas, equipamentos e
infraestrutura são providos pela Prefeitura.
No entanto, o CEFET-Bambuí está prestes a viver uma grande mudança no seu
processo pedagógico. Isto se deve à proposta do governo Lula em transformar os
CEFETs em IFETs (Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia). Segundo esta
Proposta, além da oferta de ensino técnico a nível médio, os IFETs também poderão
oferecer licenciatura e bacharelado em Ciência e Tecnologia, bem como ofertar estudos
de pós-graduação lato e stricto sensu.
“As mudanças no sistema capitalista e o acentuado processo de urbanização da
sociedade brasileira atualmente absorvem 83% da população. Em nossa
sociedade, praticamente, já não existem comunidades exclusivamente agrícolas
e as atividades primárias se complementam com as industriais, numa estreita
relação entre ciência e tecnologia. Esta realidade repercute em nossas escolas;
o modelo das chamadas ‘escolas-fazenda’ já não responde a nova realidade, o
que coloca a necessidade urgente do debate no sentido de sua ressignificação”
137
.
Nesse sentido, mesmo construindo sua identidade em harmonia com o universo em que
se insere, não há dúvidas de que o CEFET-Bambuí, ao transformar-se em IFET, estará
136
CEFET-Bambuí – Proposta de criação do curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva.
Arquivo da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007.
137
PACHECO, Eliezer – SETEC/MEC: Bases para uma política nacional de EPT (2008). Disponível
em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007.
121
também se reestruturando para atender às “novas” exigências do mercado de trabalho.
Provavelmente esta reestruturação pode se dar no sentido de criar outros cursos, mas
sem necessariamente abandonar o seu perfil de escola-fazenda já que essa, como vimos,
atende às demandas da região.
Em outro momento da escola, quando o Decreto nº. 2.208/97 foi instituído, mandando
que as escolas técnicas separassem as matrículas do ensino médio e profissional,
extinguindo em muitas delas o ensino médio, no CEFET – então Escola Agrotécnica
Federal – foi diferente. Mesmo separando as matrículas do ensino médio e profissional,
a Escola não extinguiu o ensino médio138. A concomitância interna foi uma opção feita
pela escola mantendo, para isso, uma comunicação com o curso técnico. Acreditamos
que agora, também, não será diferente. Com toda essa estrutura montada e atendendo as
demandas da região, fica difícil imaginar que o CEFET-Bambuí irá abrir mão desse
sistema escola-fazenda unicamente para atender a essa exigência. Poderá sim haver uma
adaptação à proposta, já que a mesma visa oferecer vagas nos IFETs para cursos de
licenciatura em ciências da natureza, bem como serão incentivadas licenciaturas de
conteúdos específicos da educação profissional e tecnológica como mecânica,
eletricidade e informática139. Sendo assim, cabe aqui apenas esse comentário sobre a
transformação que poderá ocorrer no CEFET, já que só o tempo dirá sobre os efeitos
dessa mudança.
Hoje o CEFET-Bambuí conta com um número de 1.132 alunos distribuídos em diversos
cursos técnicos:
138
CEFET-Bambuí – Proposta de criação do curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva.
Arquivo da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007.
139
Fonte: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007.
* O aluno cursa o ensino médio em outra instituição de ensino e o técnico no CEFET.
122
•
Agricultura e Zootecnia (concomitantes e subseqüentes): 790 alunos;
•
Gestão Comercial – Proeja: 83 alunos;
•
Mecânica Automotiva – Proeja: 11 alunos;
•
Mecânica Agrícola – Proeja: 16 alunos;
•
Mecânica Automotiva (concomitante ao E. médio): 31 alunos;*
•
Mecânica Agrícola (concomitante ao E. médio): 29 alunos;*
•
Mecânica Automotiva e Agrícola integrado ao Ensino Médio: 23
alunos;
•
Informática integrado ao ensino médio: 32 alunos;
•
Informática Programação web: 17 alunos;
•
Ecoturismo: 18 alunos;
•
Gestão em serviços de saúde: 26 alunos;
•
Meio ambiente: 56 alunos.140
É notório o número de alunos principalmente no setor agrícola. Por isso, acreditamos
que o CEFET-Bambuí ainda manterá toda essa estrutura agrícola, mesmo porque não há
como mudá-la apenas ao sabor da lei e tendo sua mão-de-obra egressa absorvida pelo
mercado de trabalho. As mudanças que poderão advir serão lentas, procurando se
adaptar a um discurso que aponta para o novo. Mas, o que não podemos perder de vista
é que essas mudanças na educação agrícola não devem ser vistas de forma isolada, mas
que as mesmas fazem parte de um processo de reestruturação do próprio sistema
capitalista que visa responder à conjuntura externa. É nesse sentido que elas precisam
ser analisadas, para entendermos seu processo de adaptação a esse contexto.
140
Fonte: informações dos arquivos existentes na Gerência de Registro escolares – Secretaria escolar do
CEFET-Bambuí, em 10/01/2008.
123
3.2.1 Empregabilidade dos egressos do CEFET-Bambuí
Diante de um contexto em que o prolongamento da escolaridade torna-se impositivo,
onde o mercado de trabalho requer da escola uma mão-de-obra qualificada e com
desenvolvimento de competências mais sofisticadas como: o pensamento criativo, a
resolução de problemas, a capacidade de aprender, ao lado de qualidades pessoais como
responsabilidade, organização, liderança e autonomia; enfim, onde todos esses fatores
reunidos se tornam requisitos para a empregabilidade, é importante pesquisar se os
alunos do CEFET-Bambuí inseriram-se rápido no mercado de trabalho.
Segundo a coordenadora de Integração Escola-comunidade, o curso técnico de maior
empregabilidade141 (60%) ainda é o de Agricultura e Zootecnia concomitante ao ensino
médio. Esse fato se deve “ao aparato do curso, à sua qualidade e também pelo fato de
ser o mais antigo, com toda uma estrutura montada para formar bons técnicos” (Lima,
2007).
Se pensarmos por este ângulo, sem dúvidas que este curso teria maior procura, porque
há toda uma tradição que o consolida no mercado em detrimento dos outros cursos que
são mais recentes142. Diante disso, analisaremos a formação oferecida pelo CEFETBambui em comparação com as exigências do mercado de trabalho143.
141
Fonte: Entrevista concedida pela Coordenadora do setor de Integração Escola-comunidade, Andréia
Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007. A coordenadora encontra-se há 14
anos à frente do setor de Integração Escola-comunidade.
142
Gestão Comercial – autorização Res. 09/2003/CD; Gestão de Serviços de Saúde – autorização Res.
04/2006/CD; Mecânica Agrícola e Automotiva – autorização Res. 08/2005/CD; Informática com
programação Web – autorização Res. 06/2005/CD; Turismo – autorização Res. 06/2003/CD (CEFETBambuí – informações fornecidas pelo setor de Gerência de Registro escolares, janeiro/2008).
143
MAGALHÃES, Ivan Chaves de – A Formação técnico-profissional dos egressos do CEFETBambuí e a demanda do mundo do trabalho – dissertação apresentada na UFR/RJ em dez/2005. Área
de concentração: Educação Agrícola. Ivan C. Magalhães exerceu o cargo de vice-diretor de 1996 a 2000 e
124
O período correspondente a essa pesquisa foi de 10 a 20/08/2005 para a aplicação de
questionários individuais e 05 a 08/10/2005 para a aplicação do questionário grupal, que
ocorreu no CEFET-Bambuí durante o encontro de ex-alunos144.
Constatou-se, então, que a maioria desses egressos foi inserida no mercado de trabalho
durante o processo de implantação e consolidação da reforma do ensino
profissionalizante (Decreto nº. 2.208/97) e expansão da instituição. De acordo com esse
levantamento, a predominância de egressos que responderam aos questionários foi dos
cursos técnicos em Agricultura e Zootecnia (21%) e técnico em Agropecuária (37%),
“por serem os cursos mais antigos e predominantes no CEFET-Bambuí, seguido de
Agroindústria (15%) que é a marca do início da expansão da instituição e em menor
quantidade os cursos técnicos em Gestão Comercial (8%), Informática (9%) e Turismo
(10%)” (Magalhães, 2005, p. 39).
Esses dados confirmam, portanto, a supremacia dos cursos da área agrícola em
detrimento dos outros cursos a inserirem-se no mercado de trabalho. Justificamos este
fato, como já foi salientado, pela consolidação dos mesmos em um mercado que
absorve com freqüência esse profissional, enquanto os outros cursos por serem mais
recentes, ainda não conquistaram o mercado na região.
Quanto ao tempo transcorrido entre a formatura e o primeiro emprego, essas foram as
constatações: “79% dos alunos pesquisados ingressam no mercado de trabalho até 6
diretor geral de 2000 a 2003 da Escola Agrotécnica Federal de Bambuí. Transformada em CEFET em
dez/2002, foi reeleito Diretor Geral para a gestão 2003-2007.
144
Os cursos técnicos os quais pertencem os egressos que responderam aos questionários são:
Agricultura/Zootecnia, Agroindústria, Agropecuária, Gestão Comercial, Informática e Turismo, sendo um
total de entrevistados, 300 egressos.
125
meses de formado; entre 6 meses à 1 ano – 8% ; de 1 a 2 anos – 9%” (idem, 2005). Esta
alta percentagem de empregabilidade se deve ao desempenho desejado por produtores e
empresários rurais e urbanos. Enquanto os baixos índices de empregabilidade entre os
egressos que formaram entre 6 meses à 1 ano ou mais é explicado, conforme
depoimento dos entrevistados, pelo fato de serem
“filhos de proprietários rurais que tentaram primeiramente a sorte em casa e ao
verificarem que o lucro auferido é pequeno e insuficiente por falta de recursos
para investir em novas tecnologias ou, às vezes, desentendimentos em trabalhar
junto com os pais acabam procurando o mercado de trabalho um pouco mais
tarde” (idem, 2005, p.41).
Muitas vezes os pais dos alunos relutam em aceitar as novas técnicas. Como já estão
apegados às tradições e são conhecedores dessas práticas passadas de geração para
geração, são muitas vezes céticos em relação a essas novas técnicas, achando que tudo
não passa de “modernismos”. Por isso, os filhos preferem empregar-se nas empresas
que já utilizam técnicas agrícolas mais avançadas.
Quanto às características desejadas pelos empresários, conforme a Coordenadora do
setor de Integração Escola-comunidade referem-se às habilidades básicas exigidas pelas
empresas por ocasião do contrato de trabalho (ver formulário no anexo 11): interesse,
responsabilidade, comprometimento, liderança, relacionamento inter-pessoal145. Essas
habilidades são defendidas no PCN-Ensino médio não só para inserção no mercado de
trabalho, mas também para o que seria desejável a uma participação cidadã. Apesar de
todo o mérito da proposta do PCN, entendemos que a escola também deveria prover os
alunos com um entendimento mais realista e crítico sobre a atividade produtiva e o
mercado de trabalho e que estas habilidades não se sujeitassem aos ditames do mercado,
145
Entrevista concedida pela Coordenadora de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de
Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007.
126
mas que viessem a contribuir para o entendimento dos efeitos globais sobre a formação
dos indivíduos assim como sobre as conseqüências de seus atos perante a vida no
planeta. Mesmo em uma escola, cuja principal meta é inserir sua clientela no mercado
de trabalho, cremos que isso possa ser possível.
Outro item dessa pesquisa que merece destaque refere-se ao currículo cursado no
CEFET-Bambuí para o desempenho das funções dos egressos no mercado de trabalho:
64% concordam que o currículo cursado foi suficiente e 36% consideram o currículo
insuficiente para atender a demanda (idem, 2005, p. 43). Isso demonstra que o CEFETBambuí está se aperfeiçoando cada vez mais às exigências do mercado de trabalho e,
por isso, os egressos se adaptam rápido às empresas nas quais se empregam. Quanto aos
que não acham suficiente o currículo, demonstra que o mercado está cada vez mais
dinâmico e há necessidade de uma constante adaptação do currículo a essas mudanças.
Para uma escola cujo lema é o “aprender a fazer e fazer para aprender” é natural que a
preocupação curricular seja uma constante, mesmo porque essa é sua missão: atender às
demandas do mercado preparando os alunos com as competências necessárias para
garantir seu aprimoramento profissional. Nesse sentido, o currículo deve estar em
consonância com essas demandas.
Ainda sobre a questão curricular, outra pergunta feita aos egressos refere-se à teoria
ensinada e à prática profissional: 67% consideram que o ensino está em consonância
com a prática profissional, o que reforça o compromisso com um ensino mais voltado
para a prática, para o aprender fazendo, sendo que no caso dos cursos ligados à
agropecuária e agroindústria a manutenção do sistema escola-fazenda foi essencial.
127
O índice de 31% dos que acham que o ensino lhes trouxe pouco benefício para sua vida
prática profissional é, segundo o autor, “conseqüência de um ensino acadêmico, pouco
distante da realidade profissional e professores com menor conhecimento do que se
passa no mundo do trabalho e pouca experiência prática”(idem, 2005, p. 44). Essa
conclusão não nos parece satisfatória, pois se assim fosse, não haveria um alto índice de
concordância com o currículo (67%). O que nos parece mais aceitável é que,
principalmente em relação aos cursos recém-criados, as adaptações curriculares ainda se
fazem sentir, necessitando de mais tempo para que essas adaptações correspondam ao
esperado de um curso profissionalizante. Dos 2% que julgaram o ensino como nada
tendo a ver com sua prática profissional representou, ainda segundo o autor, uma
percentagem tão insignificante que ele atribuiu àqueles alunos que passaram pela
instituição “sem desfrutar de sua estrutura física e humana” (idem, 2005, p.44).
É interessante notar, nesse caso, como o conhecimento acadêmico é visto como distante
do conhecimento prático principalmente nas escolas profissionalizantes. Isso se deve a
uma visão dualista que acompanhou durante muito tempo as teorias pedagógicas,
separando uma educação acadêmica para a elite e uma educação prática para os
trabalhadores. Essa visão nos parece equivocada, porque cria a falsa idéia de que apenas
com uma rápida formação profissional se resolve o problema do desemprego através da
educação. É esta também a teoria do capital humano, que postula uma maior e mais
sofisticada escolaridade como requisito para manter a empregabilidade. Se assim fosse,
então bastaria dar mais acesso à escolaridade, abrir mais cursos profissionalizantes,
desenvolver mais competências, que os índices de desemprego no país seriam
insignificantes. O que não podemos perder de vista é que os problemas do mercado de
trabalho são determinados não só pela falta de qualificação, mas também pela legislação
128
que normatiza as relações trabalhistas e pela economia que cria postos de trabalho. Cada
um desses fatores tem uma enorme parcela de responsabilidade sobre essa questão.
Em relação às características que um profissional deve possuir no momento atual, 37%
responderam que a principal característica seria a visão e motivação (senso de missão).
Isso se deve ao “currículo oculto”, ou seja, um conjunto de características que o aluno
do CEFET-Bambuí adquire no convívio entre pessoas de diferentes etnias, culturas,
níveis sociais e religiões. Além desse fator, é interessante observar no CEFET-Bambuí
algumas frases que funcionam como “propaganda subliminar” lembrando a todos –
alunos e funcionários – a missão e a filosofia da escola.
129
Figura 10 - Entrada principal do CEFET-Bambuí
Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008.
Essas frases de cunho positivista contribuem para uma maior sedimentação e
refinamento do modelo adotado no CEFET-Bambuí, consolidando o princípio de
educação e trabalho.
21% dos egressos optaram pela característica “lucidez de conhecimentos”; 15%
escolheram as características “compromisso social e ética profissional”; 10% foram para
“responsabilidade técnica”; 9% para “segurança profissional” e 8% para “capacidade
empreendedora” (incluindo criatividade).
Essas características são realmente importantes, principalmente quando eleva a
compreensão dos indivíduos quanto a sua atuação na sociedade e quando também leva a
compreensão sobre seu trabalho. Mas, quando são desenvolvidas apenas visando ao
sucesso profissional ou quando sustenta um discurso de empregabilidade – que joga
sobre o trabalhador a responsabilidade pelo seu emprego ou desemprego - essas
130
características perdem a sua função ética e passam a atender unicamente a interesses
individuais ou de mercado.
E finalmente, no último item os egressos são questionados sobre quais seriam os pontos
fortes dos cursos ofertados pelo CEFET-Bambuí; 44% responderam que a estrutura
física adequada era o ponto forte dos cursos ofertados. Lembrando que o CEFETBambuí é uma escola-fazenda, com 65.000m² de área construída, abrangendo uma área
de 341, 30,72ha146; 26% optaram por “Qualidade de ensino”; 18% pelo bom conceito do
CEFET-Bambuí e 12% devido aos recursos acadêmicos e didáticos adequados.
.
Figura 11 – Foto aérea do CEFET-Bambuí.
Fonte: arquivo do departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.
É inegável o bom conceito que o CEFET-Bambuí desfruta, não apenas na região, mas
também nos outros estados. Prova disso é a procura pelos cursos do CEFET-Bambuí de
alunos vindos de outras localidades. Quanto aos recursos didáticos, estes tiveram uma
relação inversamente proporcional quanto ao aumento do número de cursos e alunos,
comparado ao crescimento dos recursos financeiros. Há um crescente custo de
146
Fonte: CEFET-Bambuí – informações do Departamento de Administração, Nov/2007.
131
manutenção da instituição, devido tanto a fatores inflacionários como as despesas
advindas de seu próprio crescimento. Por isso, algumas Unidades Educativas de
Produção apresentam defasagem tecnológica com instalações e equipamentos antigos
e/ou inadequados; laboratório de agroindústria carente de equipamentos. Enfim, há
realmente necessidade de maiores investimentos nessa área a fim de atender à crescente
demanda de alunos que procuram o CEFET em Bambuí.
Em relação aos questionários aplicados em grupo por ocasião do encontro de ex-alunos
– período de 05 a 08/10/2005 – a resposta à pergunta sobre a “possibilidade de trabalho
para técnicos formados pelo CEFET-Bambuí, do ponto de vista de inserção no mercado
de trabalho ou de implantação ou condução de empreendimentos próprios”, foi a de
reafirmar a facilidade de inserção no mercado de trabalho logo após o término do curso.
Esse fato é confirmado pela coordenadora de Integração Escola-comunidade147, que
aponta as empresas de comércio em defensivos agrícolas, cooperativas, empresas de
cultivo de café, captação de leite – Nestlé, Danone, Imbaré etc. – como as principais
portas de entrada dos egressos do CEFET-Bambuí para o mercado de trabalho. O que
mais uma vez demonstra a tradição agrícola da escola e região.
Quanto às modificações sugeridas pelos egressos à escola no desenvolvimento dos
cursos, esta foi a constatação: em relação ao conteúdo, sugeriram maior incentivo a área
de relações interpessoais, mais dinâmica em grupo, mais consciência ambiental
inserindo na maioria das disciplinas ministradas. Quanto à prática educativa, sugeriram
aulas práticas dentro da escola semelhantes ao que está acontecendo no mercado de
trabalho. Dentro do possível, a escola deveria procurar atualizar-se e inovar-se
147
Entrevista concedida pela coordenadora de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de
Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007.
132
tecnologicamente, repetindo aquilo que ocorre no mercado de trabalho, para facilitar a
empregabilidade do seu egresso. E em relação ao estágio, gostariam de um maior
número de parceria possível para maior disponibilidade de estágios. Outros cursos que a
escola deve oferecer – Agronomia e Medicina Veterinária. (idem, 2005, p. 48).
As respostas reforçam o grande compromisso do CEFET-Bambuí em adaptar a grade
curricular dos cursos em coerência com o mercado de trabalho. Quanto ao desempenho
de empregabilidade dos egressos até seis meses de formado é creditado ao diferencial de
formação acadêmica, à metodologia e ao conteúdo curricular em consonância com o
mercado de trabalho. O que é confirmado pela maioria dos egressos que concordam que
o currículo ministrado pelo CEFET-Bambuí foi suficiente para desempenhar suas
funções exigidas pelo mercado.
Os resultados reafirmam o alto nível de empregabilidade dos egressos do CEFETBambuí e a constante preocupação em estar em perfeita interação com as mudanças
tecnológicas e o mercado produtivo – visando a uma melhor qualificação. Entretanto, se
considerarmos a formação profissional apenas a partir daquilo que é útil ao sistema
produtivo e não daquilo que é necessário à sociedade e à elevação da compreensão do
trabalhador sobre seu trabalho, estaremos apenas reforçando as atuais relações sociais
de dominação e nos descomprometendo com a construção do futuro. Essas são questões
que merecem ser levadas em consideração, principalmente por uma instituição
conceituada como o CEFET-Bambuí.
133
3.2.2 Empreendedorismo nos cursos técnicos do CEFET-Bambuí
Dentre as considerações acerca da formação dos alunos do CEFET-Bambuí, achamos
pertinente investigar se uma educação empreendedora não viria a ser uma saída para a
formação meramente técnica ou até mesmo que promova uma autonomia para aqueles
que se aventurassem em um negócio próprio.
Diante dessa questão iremos analisar se essa proposta seria viável visando a essa
emancipação. A pesquisa148 feita no período de 02 a 26/10/2006 em um universo de
1.317 alunos - sendo 841 dos cursos técnicos e 476 dos cursos tecnológicos - também
tiveram incluídos seis membros da direção e coordenadores gerais ligados à área de
ensino, oito coordenadores de cursos técnicos e cinco de cursos tecnológicos (para
auferir a opinião dos mesmos sobre a possibilidade de inclusão da disciplina
empreendedorismo nos cursos que ainda não a possui). Como nosso objetivo é os cursos
técnicos, pinçaremos nesse universo as constatações as quais se referem ao nosso objeto
de estudo.
Assim, 63,2% dos alunos que participaram da pesquisa pertencem aos cursos técnicos
oferecidos e 36,80% pertencem aos cursos superiores de tecnologia. Entre os cursos
técnicos, a área de Agricultura e Zootecnia possui maior representatividade (33,55%),
pois durante 30 anos foi o único curso oferecido enquanto Escola Agrotécnica Federal
de Bambuí. Os demais cursos técnicos contam com um número menor de alunos, por
estarem em fase inicial de implantação.
148
COSTA, Rita de Cássia Silva – O Empreendedorismo como componente curricular para os cursos
do CEFET-Bambuí – estudo feito para conclusão do curso superior de Tecnologia em Administração:
gestão de pequenas e médias empresas, CEFET- Bambuí, 2006.
134
No item sobre a escolha feita por um determinado curso, temos a seguinte constatação:
42,02% responderam que pretendem ter base para o prosseguimento dos
estudos; 19,87% pretendem trabalhar em uma empresa privada; 17,92%
gostariam de montar seu próprio negócio; 3,26% pretendem dar continuidade
aos negócios da família; 12,70% pretendem ingressar no serviço público;
4,23% pretendem apenas obter um diploma (Costa, 2006, p.48).
O desejo em prosseguir os estudos, revela que o ensino médio é visto por uma parte
significativa dos alunos pesquisados como uma garantia de acesso à educação superior.
E, caso esse acesso não seja possível, então o mercado de trabalho se torna a opção mais
viável já que o CEFET proporciona esse ingresso com mais eficiência. A percentagem
dos que gostariam de montar seu próprio negócio ou que pretendem dar continuidade
aos negócios da família, revela que o ensino do empreendedorismo no CEFET-Bambuí
ainda não é visto como um fator importante na formação do aluno, e sim que a
empregabilidade constitui-se em um objetivo maior dessa formação.
Em relação ao conhecimento que os alunos possuem sobre o termo empreendedorismo,
52,43% dos alunos do curso técnico em Agricultura e Zootecnia desconhecem o termo
empreendedorismo. O fato dos cursos técnicos em Agricultura e Zootecnia não
possuírem em suas grades curriculares a disciplina empreendedorismo, justificaria em
parte o não conhecimento do termo. Entretanto, de acordo com o Projeto Pedagógico149
de ambos os cursos, um dos objetivos apresentado é o de formar profissionais para
“implantar, organizar e gerenciar atividades, seções, empresas e instituições ligadas à
agricultura” (Projeto Pedagógico, p. 5). Sendo assim, a disciplina empreendedorismo
poderia vir a contribuir para que esse objetivo seja alcançado, já que “implantar,
organizar, gerenciar” faz parte do dia-a-dia de um empreendedor. Além disso, o ensino
149
CEFET-Bambuí – Projeto Pedagógico do curso técnico em Agricultura e Projeto Pedagógico do curso
técnico em Zootecnia – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007.
135
técnico agropecuário apresenta uma visão padronizada de currículo que está muito
ligada à idéia de organização e gestão do trabalho bem própria do modelo taylorista,
com seus princípios de eficácia, controle, previsão, racionalidade na adequação de
meios e fins. Isso justificaria esse desconhecimento. Quanto aos cursos que já possuem
esta disciplina na grade curricular como técnico em Gestão de Saúde, técnico em
Mecânica automotiva e Agrícola e outros apresentaram baixos índices de
desconhecimento do termo (idem, 2006, p. 54).
E esse é outro item da pesquisa que merece ser analisado: as atividades curriculares ou
extracurriculares sobre empreendedorismo que os alunos participaram ou participam no
CEFET-Bambuí:
“11,24% cursam ou cursaram a disciplina empreendedorismo, porque esta faz
parte dos cursos superiores de tecnologia em Administração, Informática,
Gestão de Empreendimentos turísticos e do curso técnico em Informática;
16,14% desenvolvem esta atividade através da elaboração de projetos de final
de curso por ser exigência da escola; 1,15% tiveram participação na Empresa
Júnior; 12,10% trabalham com o desenvolvimento de produtos – alunos dos
cursos de Informática, técnicos e superiores e curso superior de Tecnologia em
Alimentos (FIPA); 23,34% tiveram contato com empreendedorismo através de
palestras com profissionais da área ou empresários; 9,77% não participaram de
qualquer atividade ligada ao empreendedorismo” (Costa, 2006, p.51).
Figura 12 - FIPA – Feira Integrada de Produtos Agroindustriais – produtos desenvolvidos
no CEFET-Bambuí.
Fonte: arquivo do departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007.
136
Com exceção dos cursos superiores que possuem maior contato com a experiência do
empreendedorismo, os cursos técnicos ficam muito a desejar nessa questão. Uma
cultura empreendedora precisaria ser fomentada desde as primeiras séries do ensino
fundamental para que se torne um hábito e para que haja uma compreensão real sobre a
economia capitalista e suas contradições. Abordá-la no final da escolarização básica,
poderia ser insuficiente ou até mesmo ineficiente para atingir ao objetivo que ela deve
se propor, ou seja, o de promover a autonomia do trabalhador bem como a capacidade
de buscar soluções para os problemas causados pela forma como produzimos e
consumimos.
Quanto à postura dos coordenadores de cursos em relação ao tema empreendedorismo,
92% acreditam que o empreendedorismo possa ser ensinado nas escolas, enquanto 8%
não concordam que o mesmo possa ser administrado nas escolas (idem, 2006, p. 60).
Com uma postura diferente em relação aos membros da coordenação de cursos, alguns
membros da diretoria do CEFET-Bambuí, por ocasião da pesquisa, acreditam que o
empreendedorismo pode ser ensinado nas instituições de ensino (83%); e 17%
acreditam que esta é uma capacidade inata. No entanto, os membros da diretoria foram
unânimes em admitir que o empreendedorismo deva ser incluído em todos os cursos
oferecidos pelo CEFET-Bambuí (idem, 2006, p. 64). Os motivos apresentados por eles,
dentre outros, para a inclusão em todos os cursos refere-se ao fato de que poderia
complementar no indivíduo sua capacidade inata, daria mais oportunidade aos alunos
para serem inovadores e terem o seu próprio negócio.
137
Em suma, os resultados nos mostram que há grande desinformação dos alunos sobre o
tema empreendedorismo, sendo que dentre eles estão os alunos do curso técnico em
Agricultura e Zootecnia.
“este desconhecimento demonstra que falta ao CEFET-Bambuí uma cultura
empreendedora. Apenas cinco cursos possuem em sua grade curricular o
empreendedorismo como disciplina. Embora alguns coordenadores e diretores
afirmem em seus questionários que o empreendedorismo faz parte dos
currículos dos cursos como elemento curricular ou transversal às disciplinas
oferecidas, o resultado desta proposição faz duvidar de que na prática
pedagógica isto esteja acontecendo” (idem, 2006, p.68).
Voltando mais uma vez à questão da proposta de ifetização, dentre os objetivos que
concerne à relação entre educação e trabalho está o de “promover a cultura do
empreendedorismo e cooperativismo, apoiando processos educativos que levem à
geração de trabalho e renda”.150 Por isso, cabe ao CEFET-Bambuí repensar sua prática
pedagógica em relação a esse tema, inovando nessa proposta. A forma como o
empreendedorismo está estruturado no CEFET-Bambuí, reforça ainda mais o modelo
econômico vigente no país que prega a competição, o individualismo e a meritocracia.
O modelo que julgamos conveniente que se ministre nas escolas, é o que oferece
condições para se superar o paradigma econômico atual e que pense de forma holística
sobre os problemas decorrentes desse modelo econômico.
O fato de ter havido grande interesse dos alunos que participaram da pesquisa (90%)
pela inclusão da disciplina no currículo, representa um importante fator a considerar
visto que há uma recepção favorável à disciplina.
Mesmo em um centro tecnológico, cuja estrutura está montada para atender ao modelo
econômico vigente, julgamos possível repensar esta organização econômica que já
150
Fonte: Brasil - Chamada Pública MEC/SETEC nº. 002/2007. Disponível em:
http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007.
138
demonstra sinais de superação principalmente através da questão ambiental. Afinal,
como pensava Gramsci151 a respeito da função da escola, “ela pode ser, em certa
medida, transformadora, sempre que possa proporcionar as classes subalternas os meios
iniciais para que, após uma longa trajetória de conscientização e luta se tornem capazes
de ‘governar’ aqueles que as governam”. Repensar, portanto, essa estrutura é ir em
busca de um outro modelo de sociedade, onde a vida passe a ser prioridade.
151
MOCHCOVITCH, Luna Galano – Gramsci e a Escola – SP, Ed. Ática S.A., 1988.
139
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Essa pesquisa representou uma tentativa de aprofundar a compreensão da natureza
contraditória das relações entre a prática escolar e a estrutura econômico-social
capitalista, mais especificamente do mercado de trabalho.
Assim, o estudo desenvolveu-se dentro de dois sentidos. Primeiramente elucidando as
relações entre educação e estrutura econômico-social, isto é, em que sentido as teorias e
práticas pedagógicas dos cursos profissionalizantes foram determinadas pelas teorias
liberais existentes na sociedade, mediante a adoção de uma postura positivista.
No segundo sentido, analisando os cursos técnicos do CEFET-Bambuí, notou-se que a
prática educativa escolar se articula com a prática social da produção de forma mediata,
ou seja, criam-se cursos técnicos para atender aos interesses imediatos do mercado de
trabalho. Por isso, o que vem determinando historicamente a criação desses cursos é,
justamente, essa interligação econômico-pedagógica em uma região que ainda depende
substancialmente da atividade agroindustrial.
Entretanto, uma proposta de empreendedorismo que provocasse uma mudança de
paradigma, também não se tornou viável. Visto que há um movimento no sentido de
adaptação à conjuntura social do que a uma contestação dessa mesma conjuntura.
No entanto, o CEFET-Bambuí passa por mudanças. Isso se deve à proposta do governo
federal em transformar os CEFETs em IFETs (Institutos Federais de Educação Ciência
e Tecnologia), onde serão oferecidos além dos cursos técnicos já existentes, os cursos
140
de licenciatura e bacharelado bem como os de pós-graduação lato e stricto sensu.
Também há uma proposta de ressignificação do modelo das chamadas “escolasfazenda”, já que as mesmas – de acordo com o governo – não responde às necessidades
de uma sociedade urbano-industrial.
E já que esse é o momento de mudanças, então porque não ousar mais e buscar um novo
paradigma que não vise apenas responder às mudanças tecnológicas e de mercado, mas
que se comprometesse com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Que
o CEFET usasse o conhecimento não apenas para produzir melhor, para dominar
procedimentos e encontrar soluções para objetivos já determinados pelo sistema. Que os
cursos, apesar de curta duração e voltados para conteúdos bem definidos, exigissem
níveis mais aprofundados de formação geral e que desenvolvesse a capacidade de
inovar. Pois, seja qual for a perspectiva que o CEFET vier a tomar, é importante que ele
supere esses seus limites estritamente técnicos e que promova uma educação
direcionada em prol das soluções dos nossos problemas mais cruciais como: fome,
desigualdade social e degradação ambiental.
Talvez para isso o CEFET-Bambuí terá que buscar inspiração na fonte que o gerou – o
Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola. Como o Sr. Altamiro mesmo nos relatou:
A minha sala de aula era o campo. Se o trator estragava, a gente ia até lá e os
alunos eram instigados a descobrir o defeito. Eles deveriam olhar não só o
trator, mas o terreno onde ele estava arando para descobrir o defeito. Hoje, não!
Eles ficam na sala de aula com tudo pronto e só vêem o que está ali.
Talvez seja a hora de sairmos de nossas salas e reinventarmos o caminho.
141
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147
ANEXO
148
ANEXO 01
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Departamento de Políticas e Articulação Institucional
CHAMADA PÚBLICA MEC/SETEC n.º 002/2007
CHAMADA PÚBLICA DE PROPOSTAS PARA CONSTITUIÇÃO DOS INSTITUTOS
FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA – IFET.
A União, representada pelo MINISTÉRIO DA
EDUCAÇÃO, por intermédio da Secretaria de
Educação Profissional e Tecnológica, estará
acolhendo propostas de constituição de
Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia – IFET, na forma e condições
estabelecidas na presente Chamada Pública.
1. DA CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1 A implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia –
IFETs constitui-se em uma das ações de maior relevo do Plano de
Desenvolvimento da Educação – PDE, na medida em que tornará mais
substantiva a contribuição da rede federal de educação profissional e tecnológica
ao desenvolvimento sócio-econômico do conjunto de regiões dispostas no
território brasileiro, a partir do acolhimento de um público historicamente colocado
a margem das políticas de formação para o trabalho, da pesquisa aplicada
destinada à elevação do potencial das atividades produtivas locais e da
democratização do conhecimento à comunidade em todas as suas
representações.
1.2 No que concerne à relação entre educação e trabalho, a missão institucional
do
IFET deve orientar-se pelos seguintes objetivos:
1.2.1 — ofertar educação profissional e tecnológica, como processo educativo e
investigativo, em todos os seus níveis e modalidades, sobretudo de nível médio,
reafirmando a verticalização como um dos princípios do IFET;
1.2.2 — ofertar a educação básica, a licenciatura e bacharelado em áreas em que
a
ciência e a tecnologia são componentes determinantes, bem como ofertar
estudos de pós-graduação, lato e stricto sensu;
1.2.3 — orientar a oferta de cursos em sintonia com a consolidação, o
fortalecimento e
as potencialidades dos arranjos produtivos, culturais e sociais, de âmbito local e
regional, privilegiando os mecanismos de inclusão social e de desenvolvimento
sustentável; e
1.2.4 — promover a cultura do empreendedorismo e cooperativismo, apoiando
processos educativos que levem à geração de trabalho e renda.
1.3 No que diz respeito à relação entre educação, ciência e tecnologia, o IFET
deverá:
1.3.1 — constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências,
voltado
149
à investigação empírica;
1.3.2 — qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de
ciências
nas escolas públicas;
1.3.3 — oferecer programas especiais de formação pedagógica inicial e
continuada
com vistas à formação de professores para a educação profissional e
tecnológica e educação básica , de acordo com as demandas de âmbito local e
regional, em especial, nas áreas das ciências da natureza (biologia, física e
química) e matemática;
1.3.4 — estimular a pesquisa e a investigação científica, visando ao
desenvolvimento
da ciência e da tecnologia e de inovação, ressaltando, sobretudo, a pesquisa
aplicada.
1.3.5 — promover a divulgação científica e programas de extensão, no sentido de
disponibilizar para a sociedade, considerada em todas as suas
representatividades, as conquistas e benefícios da produção do conhecimento,
na perspectiva de cidadania e da inclusão.
2. DO OBJETO
2.1 A presente Chamada Pública tem por objeto a análise e seleção de
propostas de constituição de Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia – IFETs.
2.2 Os IFETs poderão ser constituídos:
2.2.1 — mediante transformação de Centro Federal de Educação Tecnológica, de
Escola Técnica Federal ou de Escola Técnica vinculada à Universidade Federal;
2.2.2 — mediante integração de duas ou mais instituições federais de educação
profissional e tecnológica de um mesmo estado.
2.3 O quantitativo máximo de IFETs que serão implantados em cada Unidade da
Federação consta do Anexo I à presente Chamada Pública.
2.4 Todas as propostas de constituição de IFET que forem selecionadas pela
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica serão incorporadas em um
único Projeto de Lei, cuja minuta consta do Anexo II à presente Chamada
Pública.
3. DA ELEGIBILIDADE DOS PROPONENTES
3.1 Poderão candidatar-se à apresentação das propostas de que trata o presente
instrumento:
3.1.1 — os Centros Federais de Educação Tecnológica, individualmente, ou em
conjunto com outras instituições federais de educação profissional e tecnológica
de seu estado;
3.1.2 — a Escola Técnica Federal de Palmas, individualmente, ou em conjunto
com a
Escola Agrotécnica Federal de Araguatins;
3.1.3 — duas ou mais Escolas Agrotécnicas Federais, situadas em uma mesma
Unidade da Federação, mediante apresentação de proposta conjunta; e
3.1.4 — a Escola Técnica vinculada à Universidade Federal do Paraná.
4. DAS CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA
150
4.1 A proposta a ser encaminhada à Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica deverá apresentar, como conteúdo mínimo, os seguintes elementos:
4.1.1 — documento que oficialize a adesão da(s) instituição(ões) proponente(s) ao
modelo de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia;
4.1.2 — indicação do município onde se estabelecerá a Reitoria da nova
instituição,
observando-se que as reitorias serão preferencialmente constituídas em espaços
físicos independentes de quaisquer dos campi que integrem o Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia;
4.1.3 — a delimitação da base territorial em que atuará o novo ente,
compreendidas na
dimensão geográfica de um Estado, do Distrito Federal ou de uma ou mais
mesorregiões dentro de um mesmo Estado, caracterizadas por identidades
históricas, culturais, sociais e econômicas;
4.1.4 — a relação dos campi que passarão a integrar o Instituto Federal de
Educação,
Ciência e Tecnologia, após a sanção de seu ato de criação.
4.2 A proposta de IFET que resultar na integração de instituições, na forma
estabelecida pelo subitem 2.2.2, deverá ser aprovada em cada uma das
autarquias signatárias da proposta, observando-se que todas as manifestações
individuais de adesão ao novo modelo deverão compor um único processo a ser
remetido à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica.
4.3 As propostas de constituição de IFETs deverão, ainda, ser instruídas com o
mapeamento descritivo da situação atual de cada unidade que integra a
proposta, excetuando-se apenas as unidades ainda não implantadas,
contemplando, no mínimo, informações gerenciais sobre:
4.3.1 — número de professores e de técnicos administrativos do quadro efetivo;
4.3.2 — número de alunos, por nível / modalidade de ensino;
4.3.3 — relação dos cursos regulares atualmente ofertados;
4.3.4 — descrição sumária da infra-estrutura física constituída;
4.3.5 — caracterização socioeconômica e educacional da área de abrangência da
unidade;
5. DA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS
5.1 As propostas deverão ser enviadas ao Ministério da Educação no prazo limite
de
90 (noventa) dias a contar da publicação da presente Chamada Pública.
5.2 Será obrigatório o envio à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
de
uma cópia da proposta em meio magnético – disquete ou CD-ROM – e de 1
(uma) cópia impressa da proposta, assinada pelos dirigentes das instituições
envolvidas.
5.3 As propostas deverão ser impressas em papel A4 podendo ser anexados
outros
documentos e informações consideradas relevantes para análise do pleito, até
um limite total de 50 (cinqüenta) folhas.
5.4 A proposta e seus respectivos anexos poderão ser entregues diretamente no
protocolo da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da
Educação, no endereço abaixo indicado, ou remetidos pelo correio, mediante
registro postal ou equivalente, com comprovante da postagem até a data final
151
para apresentação da proposta, estabelecida no item 5.1 desta Chamada
Pública, devendo constar no envelope a seguinte identificação:
CHAMADA PÚBLICA MEC/SETEC n.º 002/2007
<nome(s) da(s) instituição(ões) proponente(s)>
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, sala 127
70.047-900 – Brasília – DF
6. DA SELEÇÃO DE PROPOSTAS
6.1 A seleção das propostas será realizada por equipe técnica designada pela
Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica e se pautará pela análise das
seguintes dimensões:
6.1.1 — grau aderência da proposta aos termos do presente instrumento;
6.1.2 — importância estratégica de constituição do IFET proposto para o alcance
dos
objetivos definidos nos itens 1.2 e 1.3 desta Chamada Pública;
6.1.3 — número de campi que integram a proposta de constituição do IFET;
6.1.4 — potencial de articulação de ações derivadas das políticas de educação,
desenvolvimento socioeconômico e ordenamento territorial.
6.2 O resultado da seleção referida o item 6.1 será divulgado até o dia 31 de
março
de 2008 e pautará a elaboração do Projeto de Lei que tratará da instituição dos
Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.
7. DA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA
7.1 Os recursos para atender os eventuais dispêndios dessa Chamada Pública,
por
parte do Ministério da Educação, estão consignados no Programa de Trabalho
nº 12.363.1062, Ptres 12.363.1062.6380.0001, Programa 1062 –
Desenvolvimento da Educação Profissional -, Ação 6380 – Fomento ao
Desenvolvimento da Educação Profissional.
8. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
8.1 A qualquer tempo, a presente Chamada Pública poderá ser revogada ou
anulada,
no todo ou em parte, por motivo de interesse público ou exigência legal, sem que
isso implique direito a indenização ou reclamação de qualquer natureza.
8.2 Os casos omissos e as situações não previstas na presente Chamada Pública
serão apreciados pelo Ministério da Educação.
9. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS
9.1 Os resultados finais serão divulgados no sítio da Secretaria de Educação
Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (www.mec.gov.br/setec) e
no Diário Oficial da União.
9.2 Esclarecimentos acerca do conteúdo da presente Chamada Pública poderão
ser
obtidos através do Serviço de Atendimento ao Cidadão/SETEC/MEC – Tel.: (61)
2104.8315
9.3 O foro é o da cidade de Brasília, Distrito Federal, para dirimir questões
oriundas
152
da execução do presente Edital.
Brasília, 12 de dezembro de 2007.
______________________________________
Fernando Haddad
Ministro de Estado da Educação
ANEXO I
QUANTITATIVO MÁXIMO DE IFETs POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO
UF QUANT. MÁXIMO DE IFETs
ACRE 1
ALAGOAS 1
AMAPÁ 1
AMAZONAS 1
BAHIA 2
CEARÁ 1
DISTRITO FEDERAL 1
ESPÍRITO SANTO 1
GOIÁS 2
MARANHÃO 1
MATO GROSSO 1
MATO GROSSO DO SUL 1
MINAS GERAIS 4
PARÁ 1
PARAÍBA 1
PARANÁ 1
PERNAMBUCO 2
PIAUÍ 1
RIO DE JANEIRO 3
RIO GRANDE DO NORTE 1
RIO GRANDE DO SUL 3
RONDÔNIA 1
RORAIMA 1
SANTA CATARINA 2
SÃO PAULO 1
SERGIPE 1
TOCANTINS 1
ANEXO II
MINUTA DE PROJETO DE LEI
Institui a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica, cria
os Institutos Federais de Educação, Ciência
e Tecnologia e dá outras providências.
CAPÍTULO I
DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E
TECNOLÓGICA
Art. 1º. Fica instituída, no âmbito do Sistema Federal de Educação, a Rede
Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério
da
Educação e constituída pelas seguintes instituições:
I – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET;
II – Universidades Tecnológicas Federais – UTF;
III – Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET;
Parágrafo único. As instituições relacionadas no caput possuem natureza jurídica
153
de autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira,
didáticopedagógica
e disciplinar.
Art. 2º Os IFET são instituições de educação superior, básica e profissional,
pluricurriculares e multicampus, especializados na oferta de educação profissional
e
tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de
conhecimentos técnicos e tecnológicos às suas práticas pedagógicas, nos termos
desta
Lei.
§ 1º. Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação
e supervisão das instituições e dos cursos da educação superior, os IFET são
equiparados às universidades federais.
§ 2º. Os IFET terão autonomia, nos limites de sua área de atuação territorial, para
criar e extinguir cursos, bem como para registrar diplomas dos cursos por ele
oferecidos,
mediante autorização do seu Conselho Superior.
Art. 3º As UTF são universidades especializadas, nos termos do parágrafo único
do art. 52 da Lei n.º 9.394, de 1996, regendo-se pelos princípios, finalidades e
objetivos
constantes da Lei n.º 11.184, de 2005.
Art. 4º Os CEFET são instituições de ensino superior pluricurriculares,
especializados na oferta de educação tecnológica nos diferentes níveis e
modalidades
de ensino, caracterizando-se pela atuação prioritária na área tecnológica, na forma
estabelecida pelo Decreto n.º 5.224, de 1º de outubro de 2004, e alterações
posteriores.
CAPÍTULO II
DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Seção I – Da criação dos IFET
Art. 5º Ficam criados os seguintes Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia:
Exemplos de redações que serão empregadas neste artigo
I – IFET do Acre, mediante transformação da Escola Técnica Federal do Acre;
II – (....)
(....)
XII – IFET Agroindustrial de Goiás, mediante integração dos Centros Federais de
Educação Tecnológica de Rio Verde-GO, de Urutaí-GO e da Escola Agrotécnica
Federal
de Ceres-GO;
(....)
§ 1º As localidades onde serão constituídas as reitorias dos novos IFET constam
do Anexo I a esta Lei.
§ 2º A unidade de ensino que integrava a estrutura organizacional de instituição
transformada ou integrada em IFET passa de forma automática,
independentemente de
qualquer formalidade, à condição de campus da nova instituição.
Seção II – Das finalidades e características dos IFET
Art. 6º Os IFET têm por finalidades e características:
I – ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e
154
modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas à atuação profissional
nos
diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico
local,
regional e nacional;
II – desenvolver a educação profissional e tecnológica, como processo educativo e
investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às
demandas
sociais e peculiaridades regionais;
III – promover a integração e a verticalização da educação básica à educação
profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros de
pessoal e os recursos de gestão;
IV – orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento
dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no
mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural
no
âmbito de atuação do IFET;
V – constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em
geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de
espírito
crítico, voltado à investigação empírica;
VI – qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de
ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e
atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino;
VII – desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica;
VIII – realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o
empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico;
IX – promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias
sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente.
Seção III – Dos objetivos dos IFET
Art. 7º Observadas as finalidades e características definidas no art. 6º, são
objetivos dos IFET:
I – ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na
forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o
público
da educação de jovens e adultos;
II – ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando
a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de
profissionais, em
todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica;
III – realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções
técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade;
IV – desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades
da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e
os
segmentos sociais e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de
conhecimentos científicos e tecnológicos;
V – estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e
renda, e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento
socioeconômico
local e regional;
VI – ministrar em nível de educação superior:
155
a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os
diferentes setores da economia;
b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação
pedagógica, com vistas à formação de professores para a educação básica,
sobretudo
nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional;
c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para
os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento;
d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização,
visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento;
e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que
contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação,
ciência e
tecnologia, com vista ao processo de geração e inovação tecnológica.
Art. 8º No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o IFET, em cada exercício,
deverá garantir o mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas para
atender aos
objetivos definidos no inciso I do art. 7º, e o mínimo de 20% (vinte por cento) de
suas
vagas para atender ao previsto na alínea b do inciso VI do citado art. 7º.
§ 1º O cumprimento dos percentuais referidos no caput deverá observar o conceito
de aluno-equivalente, conforme regulamentação a ser expedida pelo Ministério da
Educação.
§ 2º Nas regiões em que as demandas sociais pela formação em nível superior o
justificarem, o colegiado superior do IFET poderá, com anuência do Ministério da
Educação, autorizar o ajuste da oferta desse nível de ensino, sem prejuízo do
índice
definido no caput deste artigo, para atender aos objetivos definidos no inciso I do
art. 7º.
Seção IV – Da estrutura organizacional dos IFET
Art. 9º Cada IFET é organizado em estrutura multicampi, com proposta
orçamentária anual identificada para cada campus e a reitoria, exceto no que diz
respeito a pessoal, encargos sociais e benefícios aos servidores.
Art. 10. A administração dos IFET terá como órgãos superiores, o Colégio de
Dirigentes e o Conselho Superior.
§ 1º As presidências do Colégio de Dirigentes e do Conselho Superior serão
exercidas pelo Reitor do IFET.
§ 2º O Colégio de Dirigentes, de caráter consultivo, será composto pelo Reitor,
pelos Pró-Reitores e pelos Vice-Reitores de cada campus que integra o IFET.
§ 3º O Conselho Superior, de caráter consultivo e deliberativo, será composto por
representantes dos docentes, dos estudantes, dos técnicos-administrativos, dos
egressos da instituição, da sociedade civil, do Ministério da Educação e do Colégio
de
Dirigentes do IFET.
§ 4º O estatuto do IFET disporá sobre a estruturação, as competências e as
normas de funcionamento do Colégio de Dirigentes e do Conselho Superior.
Art. 11. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia terão como
órgão executivo a Reitoria, composta de um Reitor e cinco Pró-Reitores.
Parágrafo Único. A Reitoria, como órgão de administração central, poderá ser
instalada em espaço físico distinto de qualquer dos campi que integram o IFET,
desde
que previsto em seu estatuto.
156
Art. 12. Os Reitores serão nomeados pelo Presidente da República, para mandato
de quatro anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à
comunidade
escolar, observando-se os pesos de dois terços para a manifestação dos
servidores e
de um terço para a manifestação do corpo discente.
§ 1º Poderão candidatar-se ao cargo de Reitor os docentes pertencentes ao
Quadro de Pessoal Ativo Permanente de qualquer dos campi que integram o IFET,
desde que possuam o mínimo de cinco anos de efetivo exercício na instituição e
que
atendam a, pelo menos, um dos seguintes requisitos:
I – possuir o título de doutor;
II – estar posicionado na última classe da respectiva Carreira Docente.
§ 2º O mandato de Reitor extingue-se pelo decurso do prazo, ou, antes desse
prazo, pela aposentadoria, voluntária ou compulsória, pela renúncia e pela
destituição
ou vacância do cargo.
§ 3º Os Pró-Reitores são nomeados pelo Reitor do IFET, nos termos da legislação
aplicável à nomeação de cargos de direção.
Art. 13. Os campi serão dirigidos por Vice-Reitores, nomeados pelo Reitor para
mandato de quatro anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à
comunidade do respectivo campus, nos termos estabelecidos pelo estatuto da
instituição.
§ 1º Poderão candidatar-se ao cargo de Vice-Reitor de campus os servidores
ocupantes de cargo efetivo da carreira docente ou de cargo efetivo de nível
superior da
carreira dos Técnicos-Administrativos em Educação, desde que possuam o
mínimo de
cinco anos de efetivo exercício no campus e que se enquadrem em pelo menos
uma
das seguintes situações:
I – preencher os requisitos exigidos para a candidatura ao cargo de Reitor do IFET;
II – possuir o mínimo de dois anos de exercício em cargo ou função de gestão na
instituição;
III – ter concluído, com aproveitamento, curso de formação para o exercício de
cargo ou função de gestão em instituições da Administração Pública.
§ 2º O Ministério da Educação expedirá normas complementares dispondo sobre o
reconhecimento, a validação e a oferta regular dos cursos de que trata o inciso III
do §
1º.
CAPÍTULO II
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS
Art. 14. O Diretor-Geral de instituição transformada ou integrada em IFET,
designado para a função de Reitor da nova instituição, a exercerá até o final de
seu
mandato em curso e em caráter pro tempore, com a incumbência de promover, no
prazo
máximo de cento e oitenta dias, a elaboração e encaminhamento ao Ministério da
Educação da proposta de estatuto e de Plano de Desenvolvimento Institucional PDI do
157
IFET.
§ 1º. Os diretores-gerais das instituições transformadas em campus de IFET
exercerão, até o final de seu mandato e em caráter pro tempore, a função de ViceReitor
do respectivo campus.
§ 2º Nos campi em processo de implantação, os cargos de Vice-Reitor serão
providos em caráter pro tempore, por designação do Reitor do IFET, até que seja
possível identificar candidatos que atendam aos requisitos previstos no § 1º do art.
13.
Art. 15. A criação de novas instituições federais de educação profissional e
tecnológica, bem como a expansão das instituições já existentes, levará em conta
preferencialmente o modelo de IFET, observando ainda os parâmetros e as
normas
definidas pelo Ministério da Educação.
Art. 16. Ficam criados, no âmbito do Ministério da Educação, os cargos de direção
e funções gratificadas constantes do Anexo II a esta Lei, destinados à implantação
dos
IFET de que trata o art. 5º.
Art. 17. As atuais Escolas Agrotécnicas Federais não inseridas no reordenamento
de que trata o art. 5º desta Lei permanecem como entidades autárquicas
vinculadas ao
Ministério da Educação, atuando prioritariamente na oferta de educação
profissional
técnica de nível médio e na formação inicial e continuada de trabalhadores.
Art. 18. O provimento dos cargos e funções criados por esta Lei fica condicionado
à comprovação da existência de prévia dotação orçamentária suficiente para
atender às
projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, assim como
à
existência de autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme
determina o parágrafo 1º do artigo 169 da Constituição Federal.
Art. 19. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
158
ANEXO 02
159
ANEXO 03
160
161
ANEXO 04
162
ANEXO 05
163
ANEXO 06
164
ANEXO 07
165
ANEXO 08
166
ANEXO 09
167
ANEXO 10
168
ANEXO 11
169
ANEXO 12
170
ANEXO 13
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