FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE DIVINÓPOLIS – FUNEDI FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ DIVINÓPOLIS UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MINAS GERAIS 2008 Adriana Maria da Silva FORMAÇÃO PROFISSIONAL E EMPREGABILIDADE: UM ESTUDO SOBRE O CEFET – BAMBUÍ Dissertação apresentada ao curso de mestrado da Universidade do Estado de Minas Gerais, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação, Cultura e Organizações sociais. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Estudos Contemporâneos ORIENTADOR: Prof. Leandro Pena Catão DIVINÓPOLIS 2008 Dr. S586f Silva, Adriana Maria da Formação profissional e empregabilidade: um estudo sobre o CEFETBambuí [manuscrito] / Adriana Maria da Silva. – 2008. 170 f., enc. il. Orientador : Leandro Pena Catão Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais, Fundação Educacional de Divinópolis. Bibliografia : f. 141 - 146 1. Mercado de Trabalho – Contemporaneidade. 2. Mão de Obra – Formação. 3. CEFET – Bambuí. I. Catão, Leandro Pena. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. III. Título. CDD: 331.12 Universidade do Estado de Minas Gerais Fundação Educacional de Divinópolis Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Organizações Sociais Dissertação intitulada “Formação Profissional e Empregabilidade: um estudo sobre o CEFET-Bambuí”, de autoria da mestranda Adriana Maria da Silva, aprovada pela banca examinadora pelos seguintes professores: ___________________________________________________ Prof. Dr. Leandro Pena Catão – FUNEDI/UEMG – Orientador ___________________________________________________ Prof. Dr. Francis Albert Cotta – FEVALE/UEMG ___________________________________________________ Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira – FUNEDI/UEMG ___________________________________________________ Prof. Dr. Alexandre Simões Ribeiro Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação, Cultura e Organizações Sociais FUNEDI/UEMG Divinópolis, março de 2008. Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG. Assinatura:___________________________ Local e data: _________________________ DEDICO: Á memória de minha mãe Ebe Alves, exemplo de educadora e de pessoa íntegra. Ao José Admar, Maria Eugênia e Igor, amores por toda a minha vida. AGRADEÇO: Ao meu amigo e orientador Leandro Pena Catão pelo incentivo dado a essa pesquisa; ao prof. José Geraldo Pedrosa pela valiosa contribuição a esse estudo; a D. Elci pelas pesquisas na internet; ao Sr. Altamiro pela disponibilidade em me conduzir pelos caminhos do CEFET-Bambuí; aos colegas de mestrado pelas piadas nas horas difíceis. A todos, o meu agradecimento. RESUMO Devido às constantes crises econômicas pelas quais passa o capitalismo, o mercado de trabalho procurou fazer um “novo” reencaixe de homens e mulheres, passando da racionalização das medidas disciplinares para a otimização da produtividade, do aparecimento de novas profissões para uma crescente qualificação da mão-de-obra nos cursos profissionalizantes. Por isso, a política educacional desenvolvida no Brasil e em Minas Gerais, especialmente após a segunda metade da década de 1960, buscou refletir a teoria do capital humano que transfere ao indivíduo a responsabilidade do seu emprego ou desemprego, baseado na meritocracia. Produziu-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos, mas exige uma qualificação cada vez mais apurada e que essa, via escolarização, se constituiria em garantia de níveis de renda cada vez mais elevados. Os CEFETs são, então, equipados para responder a essa demanda, com cursos de alta qualidade e inserção imediata no mercado de trabalho. Especificamente no CEFET-Bambuí, essa mão-de-obra irá inserir-se em uma realidade agrícola com uma metodologia voltada para o sistema escola-fazenda. Também uma postura empreendedora é esperada nessa instituição. No entanto, essa postura se volta para um paradigma de competição e individualismo que não responde a um anseio de mudanças pretendido pela necessidade atual. Palavras-chave: mercado de trabalho, cursos profissionalizantes, Cefet. ABSTRACT Had to the constant economic crises for which it passes the capitalism, the work market looked for to make “new” regencies of men and women, passing of the rationalization of the measures to discipline for the optimization of the productivity, of the appearance of new professions for an increasing qualification of the man power in the professionalizing courses. Therefore, the developed educational politics in Brazil and Minas Gerais, especially after the second half of the decade of 1960, searched to reflect the theory of the human capital that transfers to the individual the responsibility of its job or unemployment. It was produced, then, the belief of that the progress technician not only generates new jobs, but demands a qualification each more refined time and that this, saw school, if would more constitute in guarantee of levels of raised income each time. The CEFETs is, then, equipped to answer to this demand, with courses of high quality and immediate insertion in the work market. Specifically in the CEFETBambuí, this man power will go to insert in an agricultural reality with a methodology directed toward the system school-farm. Also an enterprising position is waited in this institution. However, this position if return for a competition paradigm and individualism that does not answer to a yearning of changes intended by the current necessity. Word-keys: market of work, professionalizing courses, Cefet. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 – Posto Agropecuário 1952 .............................................................. 14 Figura 2 – Alunos do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola 1958.... 14 Figura 3 – Entrada principal do Posto Agropecuário 1950 ............................. 108 Figura 4 – Entrada principal do CEFET-Bambuí 2008 ................................... 108 Figura 5 – Autorização de serviço do Posto Agropecuário.............................. 111 Figura 6 – Sr. Altamiro em aula prática ........................................................... 112 Figura 7 – Formatura do 1ª turma do Centro de Treinamento de Tratorista..... 112 Figura 8 – Cooperativa-escola ......................................................................... 116 Figura 9 – Símbolo da Escola Agrotécnica de Bambuí.................................... 119 Figura 10 – Entrada principal do CEFET-Bambuí........................................... 129 Figura 11 – Foto aérea do CEFET-Bambuí...................................................... 130 Figura 12 – FIPA............................................................................................... 135 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................. 08 CAPÍTULO I : Decifra-me ou te devoro – o mercado de trabalho na contemporaneidade ................................................................................. 15 1.1 O Desenvolvimento da sociedade capitalista e seus intercâmbios.. 23 CAPÍTULO II : A busca pela cidadania através da Educação Profissional no Brasil e em Minas Gerais .................................................. 49 2.1 2.2 2.3 2.4 Primeira República .......................................................................... Período Desenvolvimentista ............................................................. Ditadura Militar ................................................................................ Nova República .................................................................................. 52 67 71 77 CAPÍTULO III : Instituição CEFET 3.1 3.2 3.2.1 3.2.2 Como se estruturam ......................................................................... 96 CEFET em Bambuí .......................................................................... 109 Empregabilidade dos egressos do CEFET-Bambuí....................... 123 Empreendedorismo nos cursos técnicos do CEFET-Bambuí....... 133 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 139 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS ....................................................... 141 ANEXO ....................................................................................................... 147 8 INTRODUÇÃO Essa pesquisa constitue-se em uma incansável busca por respostas diante da insistente pergunta de meus alunos: “por que estudar se não vamos encontrar lugar para trabalhar?”. Durante muito tempo esta pergunta preocupou-me bastante porque, ao mesmo tempo em que não podia desanimá-los diante do futuro que tinham pela frente, percebia que a realidade se mostrava tal qual eles a percebiam, ou seja, a escolaridade não era suficiente para ingressá-los no mercado de trabalho. Ou, pelo menos, no mundo ao qual almejavam com ótimos salários, acesso às novidades do mercado consumidor, estabilidade no emprego, etc. Creio que eles entendiam meu silêncio como uma confirmação diante do que me expunham. Na verdade, esses debates ficaram rondando meu entendimento em busca de respostas mais consistentes e que fossem mais próximas da verdade. Assim, entender o mercado de trabalho com toda a sua complexidade na sociedade contemporânea, bem como o que vem determinando historicamente a criação dos cursos no CEFET – Bambuí, constitui o objetivo maior dessa dissertação. Historicamente, o CEFET de Bambuí – antigo Posto Agropecuário – vem oferecendo cursos para atender às necessidades do momento como Informática, Turismo, Técnico em Agropecuária e Zootecnia , devido ao fato da mão-de-obra formada nesses cursos técnicos, ainda serem absorvida pelas empresas. Além da procura por cursos para inserção no mercado de trabalho, há também a intenção, por parte de alguns alunos, de ingressar no curso superior. Por isso, a educação geral dada nesses cursos visa atender a esse requisito. Não percebemos, contudo, uma preocupação com uma formação voltada 9 para o empreendedorismo1 - apesar de alguns cursos apresentarem a disciplina em seu currículo – que, conforme sugeriu Vanilda Paiva2 poderia dar maior autonomia aos indivíduos quando estes optarem por ter seu próprio negócio. Essa nos parece ser uma questão que merece ser observada. Assim, para cumprir o objetivo dessa pesquisa, a mesma foi dividida em 03 capítulos. O capítulo 01 apresenta um histórico do mercado de trabalho, bem como as teorias liberais e industrializantes em intercâmbio com as teorias educacionais, mostrando que esta relação nem sempre visou à formação de indivíduos aptos a construir uma sociedade mais igualitária, mas sim que atendesse naquele momento histórico as necessidades do capital. Por isso, nesse período, a escolarização passa a ser determinada pelo fator econômico deixando de ser, portanto, uma determinante da equalização social. O capítulo 02 mostra como ocorre a educação profissional no Brasil e em Minas Gerais, onde são discutidos aspectos como a missão da escola profissionalizante segundo a legislação e como a política educacional desenvolvida no Brasil nos últimos anos e baseada no capital humano3, propôs a equalização através da escola, justificando a exclusão da classe trabalhadora e a concentração de renda, a nível individual e pela meritocracia. Nesse sentido, a análise do caso brasileiro é reveladora. Toda a política 1 Empreendedorismo vem de entrepreneur, palavra francesa que era usada no século XII para designar aquele que incentivava brigas. No final do século XVII, passou a indicar a pessoa que criava e conduzia projetos e empreendimentos, isto é, aqueles que compravam matérias-primas (geralmente um produto agrícola) e as vendiam a terceiros. A conotação atual que se dá ao empreendedorismo é o de desenvolver maneiras diferentes ou novas de se fazer algo e assim conquistar o mercado. (DOLABELA, F. – O Segredo de Luísa – SP, Cultura Editores Associados, 2004, citado por Michelle Gomes Lelis in Educação Financeira e Empreendedorismo, Viçosa/MG, CPT - Centro de Produções Técnicas, 2006). ² PAIVA, Vanilda – Educação e bem-estar social – Campinas/SP, 1991. ³ A teoria do capital humano refere-se ao investimento feito no próprio indivíduo, através da aquisição de conhecimentos e capacidades que possuem valor econômico. A característica distinta do capital humano é a de que ele é parte do homem. “É humano porque se acha configurado no homem e é capital porque se constitui em uma fonte de satisfações futuras ou de futuros investimentos”. ( SHULTZ, Theodore W. – O Capital Humano – RJ, Zahar editores, 1973). 10 educacional, especialmente após a segunda metade da década de 1960, tem seu suporte básico nos postulados da teoria do capital humano. Assim, ao lado de uma política econômica que se associou ao capital internacional, vê-se a “democratização” do acesso à escola como sendo o instrumento básico de mobilidade e equalização social. Produziu-se, então, a crença de que o progresso técnico não só gera novos empregos, mas exige uma qualificação cada vez mais apurada e que essa, via escolarização, se constituiria em garantia de níveis de renda cada vez mais elevados. No entanto, o que a realidade passou a demonstrar foi que as “promessas” prognosticadas da política econômica e educacional não se cumpriram. Neste contexto, a escolaridade foi amplamente funcional aos interesses do capital que visavam ao desenvolvimento4 econômico. Sabemos, no entanto, que a escola mesmo inserindo-se no movimento geral do capital e articulando-se com seus interesses, poderá explorar igualmente as contradições inerentes à sociedade capitalista. Desde que opte por uma prática educativa escolar diferenciada da prática fundamental de produção – com sua divisão social do trabalho – e que busque promover um saber mais eficaz e global. No capítulo 03 será apresentado o CEFET com seu processo de mudanças, com destaque para o CEFET de Bambuí – objeto básico deste trabalho e por se constituir em nosso campo empírico – visto que é a única escola profissionalizante em Bambuí. Seu 4 Entre 1759 (Wolff) e 1859 (Darwin) cientistas começaram a usar evolução e desenvolvimento como sinônimos, ou seja, era um processo natural no qual os seres e a sociedade estavam inseridos. A transferência da metáfora biológica para a esfera social se torna mais evidente principalmente pós 2ª Guerra Mundial, com o discurso de Trumam, que considerava desenvolvimento como um simples crescimento da renda per capita. Nos anos 1990 falava-se em redesenvolvimento que em termos conceituais e políticos, adota a forma de desenvolvimento sustentado (segundo a prescrição da comissão Brundtland). No entanto, esse termo foi elaborado como uma estratégia para sustentar o “desenvolvimento” e não para apoiar o florescimento ou manutenção de uma vida natural e social infinitamente variada. (ESTEVA, Gustavo – Desenvolvimento – in Dicionário do Desenvolvimento, Guia para o conhecimento como poder, SACHS, Wolfgang (org.), Petrópolis/RJ, Ed. Vozes, 2000). 11 início se deu em 1948 como Posto Agropecuário, ligado ao Ministério da Agricultura, atendendo à necessidade de se fomentar a agricultura no município e região. Em 1957 é criado o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola, ligado ao Posto Agropecuário. Com o Decreto Presidencial nº. 3.864/A de 24/01/1961, criou-se a Escola Agrícola de Bambuí subordinada à superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV), do Ministério da Agricultura. Pelo Decreto de criação, a escola deveria utilizar-se das dependências do Posto Agropecuário e do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola do Ministério da Agricultura. Em 13/02/1964, a Escola foi transformada em Ginásio Agrícola pelo Decreto nº. 55.358 e em 20/08/1968 foi elevada para a categoria de colégio Agrícola pelo Decreto Presidencial nº. 63.923 de 30/12/1968. Em 04/09/1979 teve mudada a sua denominação para Escola Agrotécnica Federal de Bambuí, pelo Decreto nº. 83.935, já com subordinação à Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário (COAGRI). Através da Lei nº. 8.731, de 16 de novembro de 1993, a Escola Agrotécnica Federal de Bambuí foi transformada em autarquia, concedendo-lhe autonomia didática, financeira e administrativa, com orçamento e quadro de pessoal próprio. Essa descentralização administrativa concede à Escola maior liberdade de ação, podendo esta receber subsídios do setor privado, estabelecer convênios, realizar pesquisas e prestar serviços. A partir de 1998, com a implementação da Reforma do Ensino Profissionalizante, além do tradicional Curso Técnico Agrícola, foram criados outros cursos técnicos: agroindústria; zootecnia; agricultura; dois cursos de informática – redes e manutenção de computadores e programação comercial; turismo e gestão comercial. 12 Em 2002 a Escola Agrotécnica foi transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica e hoje, como CEFET, já se encontram em funcionamento, além dos cursos técnicos, quatro cursos superiores de tecnologia: Processamento de alimentos, Informática no Agronegócio, Administração – pequenas e médias empresas e Bacharelado em Zootecnia. A preferência pelos cursos no setor de agropecuária se deve principalmente à “vocação agrícola” da região, que desde as primeiras décadas do século XVIII dedicava-se à atividade agropastoril com a finalidade de abastecer as zonas de mineração. A cidade de Bambuí teve, então, sua economia baseada na agricultura e pecuária com destaque para a produção de café, milho e a criação de gado leiteiro e de corte. Predomina as pequenas e médias propriedades como modelo de exploração extensiva. Assim se explica a predominância desses cursos tanto na área técnica como na tecnológica, bem como a pedagogia desenvolvida pela escola que se baseia no lema: “Aprender para fazer e fazer para aprender” (sistema escola-fazenda). Para desenvolver esta metodologia são utilizados os diversos meios pedagógicos, tais como: salas de aulas, laboratórios de práticas, cooperativa-escola e a própria fazenda, composta pelas diversas unidades educativas de produção. Com o intuito de demonstrar essa relação entre o contexto histórico e a criação dos cursos técnicos no CEFET- Bambuí, bem como sua empregabilidade, analisaremos os arquivos do setor de Coordenação Geral de Ensino, Secretaria escolar e Departamento de Administração. Quanto à empregabilidade, através do departamento de integração Escola-comunidade, buscaremos informações sobre quais cursos empregam mais e quais são os requisitos básicos exigidos por essas empresas. Teremos também como 13 base para esses estudos, as pesquisas5 feitas no CEFET-Bambuí sobre empreendedorismo e empregabilidade. Como julgamos relevante também analisar o tema empreendedorismo, é necessário esclarecer que essa proposta de empreendedorismo a qual julgamos pertinente, não se trata de uma proposta na qual existe o individualismo, a meritocracia, a competição (paradigmas do nosso tempo), mas àquela que leve os técnicos a uma emancipação individual e coletiva, atentando para as soluções dos problemas causados por um paradigma de produção que desgasta cada vez mais a vida. Neste aspecto, é pertinente investigar se, e em que medida, a oferta de cursos técnicos com foco no mercado poderão contribuir para firmar a dualidade estrutural da educação brasileira, ou se uma educação empreendedora – que promova essa emancipação – não seria uma saída para essa dualidade. Assim, procurando decifrar o “enigma” mercado de trabalho e a formação dos trabalhadores, passaremos a analisar as teorias liberais e pedagógicas e seus intercâmbios. 5 MAGALHÃES, Ivan chaves de – A formação técnico-profissional dos egressos do CEFET-Bambuí e a demanda do mundo do trabalho – dissertação apresentada na UFRJ em dez/2005. COSTA, Rita de Cássia Silva – O empreendedorismo como componente curricular para os cursos do CEFETBambuí – estudo feito para conclusão do Curso Superior em Tecnologia em Administração, 2006. 14 Figura 01 - Posto Agropecuário – 1952 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007 Figura 02 - Alunos do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola 1958 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007 15 CAPITULO I DECIFRA-ME OU TE DEVORO: O MERCADO DE TRABALHO NA CONTEMPORANEIDADE Quando Édipo chegou à cidade de Tebas que era dominada por uma Esfinge que devorava as pessoas que não decifrassem seu enigma, foi interpelado pela mesma com a seguinte pergunta: “Qual o animal que anda com quatro patas ao amanhecer, duas ao meio dia e três ao entardecer?”. Édipo decifrou o enigma, respondendo: o homem. A Esfinge morreu, Édipo tornou-se herói de Tebas e casou-se com a rainha Jocasta, a mãe que desconhecia. Esse mito, tratado pelo dramaturgo Sófocles na tragédia grega Édipo - rei, nos remete a uma analogia com o mercado de trabalho na contemporaneidade, pois tal qual Édipo precisamos decifrar o enigma que nos é colocado ou seremos devorados (excluídos). Decifrar o “enigma” do mercado de trabalho, além de ser uma forma de sobrevivência nesses tempos de grandes mudanças, é também uma maneira de nos colocarmos diante dos desafios que nos apresenta. Desafios estes que são paradoxais, pois nos leva a ter uma vida com metas de longa duração em uma sociedade que enfatiza e vivencia o curto prazo. Neste sentido, as expectativas que se colocam sobre os trabalhadores – de serem flexíveis, adaptáveis, competitivos, de terem mobilidade e de estarem dispostos a correr riscos – entram em contradição com os aspectos éticos6 e sociais tais como: lealdade, confiança e responsabilidade social. Pois as equipes de trabalho se formam e se desfazem no prazo apenas de duração de um projeto e, a competição pelos melhores 6 Ética aqui entendida significa princípios morais que regem a conduta dos indivíduos visando ao bem comum. 16 postos vale a “cabeça” do companheiro de equipe. Neste sentido, como conciliar valores éticos e ao mesmo tempo se manter no mercado competitivo? Este parece ser um grande desafio que a sociedade nos coloca. Ainda buscando analogia entre o mercado de trabalho com os clássicos gregos, Sísifo nos parece um bom exemplo de como o homem, às vezes, se torna escravo de um trabalho rotineiro. Por duas vezes, Sísifo conseguiu driblar a morte e decidir seu destino. Mas, foi punido pelos deuses pela sua rebeldia: por toda a eternidade ele foi condenado a rolar uma grande pedra de mármore com suas mãos até o cume de uma montanha, sendo que toda vez que ele estava quase alcançando o topo, a pedra rolava novamente montanha abaixo até o ponto de partida. Por esse motivo, Sísifo tornou-se conhecido por executar um trabalho rotineiro e cansativo. Como os trabalhadores da atualidade que muitas vezes não são capazes de burlar as regras e acabam, por isso, a submeterem-se aos ditames do capital. Vivem, portanto, concentrados nos afazeres da vida quotidiana, tornando-se criativos na repetição e na monotonia, mas sem alterar substancialmente suas vidas. Assim, após essas considerações acerca do trabalho faz-se necessário começarmos por algumas definições, já que estamos lidando com conceitos ambíguos tais como: trabalho, empregabilidade, qualificação etc.. Comecemos então com a definição de TRABALHO, devido à necessidade de se refletir sobre o que é de fato o trabalho e seu sentido educativo para o trabalhador. 17 No pensamento grego clássico notamos que o trabalho constitui uma etapa necessária do desenvolvimento intelectual humano, uma atividade cognoscitiva que forma os conhecimentos para realizar as necessidades inerentes ao homem tais como: a necessidade de se cobrir, de se alimentar etc.7. No entanto, a necessidade de produzir e de comercializar ficará a cargo dos escravos e, nesse sentido, o escravagismo acabou por fundar a separação entre a contemplação e a ação, entre o trabalho manual e intelectual. Para também visualizarmos o conceito de trabalho, reportemo-nos a Roma, cuja expressão é derivada de tripalium, uma espécie de canga que se punha nos bois para propiciar a tração de carga. Num sentido figurado, a expressão designa um instrumento de tortura feito de três paus e, por isso, o trabalho passou a ser visto fundamentalmente como aquilo que “tortura”8. Com os cristãos, trabalho apresenta-se como um duplo sentido. Primeiramente como um complemento da obra do criador, ou seja, o homem deve imitar a Deus quando trabalha, assim como quando repousa, pois o mesmo Deus quis apresentar-lhe a própria obra criadora sob a forma de trabalho e sob a forma do repouso. É o que encontramos no segundo capítulo do Livro do Gênesis9 : “Tendo Deus terminado no sétimo dia a obra que tinha feito, descansou do seu trabalho. Ele abençoou o sétimo dia e o consagrou, porque nesse dia repousara de toda a obra da criação” (2002, p. 50). 7 Coleção História do Pensamento – Vol. I (das Origens à Idade Média), SP, Ed. Nova cultural, 1987. CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino de Ofícios artesanais e manufatureiros no Brasil escravocrata – SP, 2000. 9 Livro do Gênesis 2 – 1.4 - Bíblia Sagrada – Edição Pastoral Catequética - 147ª edição, SP, Ed. Ave Maria, 2002. 8 18 Em um segundo sentido, o trabalho anda inevitavelmente junto à fadiga. No mesmo Livro do Gênesis, há uma contraposição àquela benção original do trabalho contida no próprio mistério da criação e ligada à elevação do homem como imagem de Deus. Por causa da maldição do pecado, o homem agora terá que tirar da terra o seu próprio alimento: “Maldita seja a terra por tua causa. Tirarás dela com trabalhos penosos o teu sustento todos os dias de tua vida. Comerás o teu pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de que foste tirado; porque és pó e em pó te hás de tornar”10. Também nos escritos de São Paulo aos Tessalonicenses, há instruções a respeito do trabalho: “Ordenamos e exortamos a que se dediquem tranquilamente ao trabalho para merecerem ganhar o que comer”11. E aos que levam uma vida preguiçosa em lugar de trabalharem, o apóstolo não hesita em dizer: “Quem não quiser trabalhar, não tem o direito de comer”12. Com base nesses preceitos, a doutrina cristã vê o trabalho como uma obrigação, como um dever. O homem deve trabalhar, quer pelo fato do criador lhes haver ordenado, quer pelo fato da sua subsistência e desenvolvimento assim o exigirem. Como castigo ou como tortura, o trabalho passa também a ser sinônimo de status social. Pelo menos é o que ocorre na sociedade medieval e moderna onde o artesão, dono de uma técnica por meio da qual produzia os bens materiais desde sua concepção até a execução e a obtenção do produto final, pertencia a um estrato mais baixo da sociedade. Quanto ao saber necessário para a execução das tarefas artesanais, este era adquirido por 10 Idem , p. 51. Idem ( II Tessalonicenses 3 – 6.15, p. 1516). 12 Idem 11 19 meio da experiência cotidiana ou da demonstração. Enquanto a nobreza e o clero dedicavam-se a tarefa de governar e, por isso, necessitavam de uma educação formal. Para visualizarmos melhor esse fato, tomemos como exemplo uma importante obra pedagógica de Rousseau, Emílio (1762) na qual, mesmo atribuindo um elevado valor moral ao trabalho, também não deixa de evidenciar seu desprezo pelos ofícios manufatureiros devido ao automatismo e à força física que exigiam: ...Fora da sociedade, o homem isolado, nada devendo a ninguém, tem o direito de viver como lhe agrade; mas na sociedade, onde vive necessariamente a expensas de outros, deve-lhes em trabalho o custo de sua manutenção; isto sem exceção. Trabalhar é, portanto um dever indispensável ao homem social. Rico ou pobre, poderoso ou fraco, todo cidadão ocioso é um patife. ...Não gostaria dessas profissões estúpidas em que os operários, sem engenho e quase autômatos, só exercitam suas mãos no mesmo trabalho; os tecelões, os fazedores de meias, os canteiros: que adianta empregar nesses ofícios homens de bom senso? É uma máquina que conduz outra13. Emílio, o discípulo fictício da obra – cujo processo de formação começa do nascimento aos 25 anos – deveria aprender trabalhos manuais, mas não os praticar, a não ser aqueles que exigiam habilidade, elegância e gosto como o ofício de marceneiro: ”limpo e útil”. Assim, quando Emílio viesse a se dedicar às ciências especulativas, ele poderia empregar o que aprendeu para fazer instrumentos matemáticos e astronômicos. A partir da Revolução Industrial inglesa, quando o trabalho passou a ser visto como um transformador da natureza e da sociedade e, com a Revolução Francesa, quando este passa a ser um símbolo da “liberdade” do homem, vários pensadores irão contribuir com suas teorias para legitimar uma concepção de engrandecimento do trabalho visando o aumento da produtividade. John Locke dizia: “a liberdade fundamental do homem é a liberdade de empreender”. Pilar do liberalismo, Locke diz que a propriedade privada é o 13 ROUSSEAU, J. Jaques – Emílio – Série Os Pensadores, 1988. 20 resultado do trabalho, isto é, algo que resulta do trabalho de cada indivíduo sobre a natureza e que, assim, se incorpora a seu corpo. Por isso, qualquer atentado à propriedade privada é uma transgressão à “lei natural” e, por isso, deve ser reprimido e castigado pelo corpo político14. Adam Smith apud Enriquez15 também contribuirá ao afirmar que “o trabalho é o que permite efetivamente aumentar a riqueza das nações”. Para ele, a divisão do trabalho era essencial ao crescimento da produção e do mercado, e a sua aplicação eficiente dependia da livre concorrência, que forçaria um aumento da produção, sendo necessário o desenvolvimento de novas técnicas, aumentando assim a qualidade do produto e diminuindo o custo da produção. Este ciclo encerraria o sucesso econômico geral da nação. “O trabalho e o comércio é que permitem manter as relações entre os seres humanos. Quando se faz comércio, não se faz guerra” (Montesquieu, apud Enriquez16). Buscando analisar o homem em sociedade, Montesquieu dizia que não apenas o corpo político e as leis governam os homens, mas muitas outras coisas: o clima, a religião, os costumes, os exemplos das coisas passadas, etc., que juntos formam o espírito geral de uma sociedade. Numa república, por exemplo, a educação busca formar cidadãos virtuosos, que respeitem as normas da sociedade tais como a liberdade individual. Por isso, Montesquieu que definia a liberdade como o direito de fazer tudo o que as leis permitem, dedicou-se à tarefa de verificar em que condições esse direito seria o mais amplo possível. Propôs, então, a divisão clássica do Estado em legislativo, executivo e 14 ENRIQUEZ, E. – Perda do Trabalho, Perda da Identidade – BH, 1999. Idem 16 Idem 15 21 judiciário. Só esse equilíbrio de forças impedirá as arbitrariedades e propiciará o máximo de liberdade a cada indivíduo. Na visão de Auguste Comte apud Enriquez17 “a nova sociedade deve ser uma sociedade industrial e positiva”. O Positivismo de Comte fundamenta-se na ciência e na organização técnica e industrial da sociedade moderna, e considera a comprovação pelo método científico o único caminho válido para se atingir o conhecimento. O Positivismo desenvolveu-se na trilha do empirismo, aproveitando-se dos avanços das ciências experimentais, sobretudo da química e biologia, e dos argumentos evolucionistas que proclamavam uma visão de causa e efeito baseando-se na observação dos fatos. Assim, inspirado no pensamento evolucionista de Darwin, o filósofo positivista inglês Herbert Spencer considera que a sociedade deve evoluir de um tipo militar para um tipo industrial onde cada indivíduo pode desenvolver-se plenamente e unir-se livremente a seus semelhantes para atingir o bem-estar econômico e moral. Essa visão fez muitos seguidores, principalmente nos primeiros anos da República, pois havia uma forte pressão dos diversos grupos da sociedade para promover a industrialização no país18 . Nesse sentido, o ensino científico seria necessário para ajudar a promover essa industrialização. Ainda em relação ao positivismo, é importante destacarmos a obra de Émile Durkheim (Da Divisão do Trabalho Social, 1893)19, na qual ele discorre sobre a especialização das funções entre os indivíduos de uma dada sociedade. De acordo com Durkheim, ao desenvolver-se, a sociedade multiplica-se em atividades a serem realizadas. A partir daí, cada indivíduo teria uma função a cumprir, a qual seria importante para o 17 Idem SANTOS, Jailson Alves do – A Trajetória da Educação Profissional – 2ª edição, BH, 2000. 19 CUIN, Charles Henry & GRESLE, François – História da Sociologia – SP, Ed. Ensaio, 1994. 18 22 funcionamento de todo o corpo social. Cada membro da sociedade desenvolvendo uma atividade útil e especializada passa a depender cada vez mais dos outros indivíduos. Com isso, o efeito mais importante da divisão do trabalho social não é apenas seu aspecto econômico (aumento de produtividade), mas também tornar possível a união e a solidariedade entre as pessoas de uma mesma sociedade. É o que Durkheim chama de solidariedade orgânica, que aparece quando a divisão do trabalho social aumenta e torna as pessoas mais unidas não por uma crença comum, mas pela interdependência das funções sociais. Em outra perspectiva daquela até então mostrada aqui que analisa os fatos através das regras morais dessa sociedade, Karl Marx dirá que “o trabalho é a propriedade fundamental do homem”, pois é nas relações capitalistas de produção, que os indivíduos livres estabelecem uma relação mediada pelo mercado, isto é, aqueles que não são donos dos meios de produção vendem a única coisa de que dispõem (o seu trabalho), em troca dos recursos necessários à sua sobrevivência. Daí Marx afirmar que na sociedade capitalista é o capital que explora o trabalho. É dessa exploração a que o trabalhador é submetido, resulta o processo de alienação, ou seja, por causa da divisão do trabalho – característica do industrialismo, em que cabe a cada um apenas uma pequena etapa da produção – o trabalhador se aliena do processo total. A alienação de que fala Marx é conseqüência do afastamento entre os interesses do trabalhador e aquilo que ele produz. De modo mais amplo, trata-se também do abismo entre o que se aprende apenas para cumprir uma função no sistema de produção e uma formação que realmente ajude o ser humano a exercer suas potencialidades20. 20 MARX, Karl – O Capital – Livro I, Processo de produção do Capital, 7ª edição, SP, 1982. 23 Com Max Weber veremos que a riqueza era um sinal não de prazer, mas de abstinência, o resultado do trabalho árduo e da autonegação, exatamente aquilo que é necessário para se acumular capital. O calvinista em ascensão via o seu esforço como algo virtuoso. Weber indicou que a ansiedade pela salvação levava a ações que, a longo prazo, produziam resultados que levavam ao empreendimento – condição primordial para o capitalismo. No entanto, o trabalho que anteriormente era visto como meio de alcançar a salvação, acaba por transformar o crente em um burguês satisfeito com a recompensa mundana, e com isso, consolidar uma nova ordem social, a ordem social capitalista. Passaremos agora a analisar os fatos históricos de desenvolvimento econômico e de que formas estes tiveram um intercâmbio ou não com as teorias escolares, pois consideramos que o entendimento desses fatos históricos possibilitará uma análise das forças que atuaram num dado momento. Por isso, para compreendermos o alcance das mudanças na vida da sociedade atual, iremos considerar as mudanças ocorridas na economia industrial – que ganhou enorme eficiência com o Taylorismo, pois dividia os processos industriais em tarefas simples cronometradas e organizadas, bem como o fordismo que ampliou os princípios do gerenciamento científico para a produção em massa. Essas mudanças levaram a uma economia do conhecimento na qual as idéias, as informações e as formas de conhecimento acabam por ajudar no crescimento econômico. 1.1 O Desenvolvimento da Sociedade Capitalista e seus intercâmbios No momento em que nos deparamos com o nascimento da burguesia, nos séculos XIII e XIV, a base essencial da sociedade urbana estava no que Marx chamou de “pequeno 24 modo de produção”, isto é, um sistema em que a produção era executada por pequenos produtores, donos de seus próprios instrumentos de produção, que comerciavam livremente seus próprios produtos. Assim foi, com relação ao artesanato e, embora possam ter existido alguns cidadãos exclusivamente comerciantes, poucos deles na Inglaterra poderiam ter sido muito mais que mascates que viajavam entre o mercado da cidade e as propriedades senhoriais vizinhas, sendo que suas atividades dificilmente poderiam ter sido de grande importância no momento em que o grosso do comércio era local e tomava a forma de uma troca de artigos artesanais vendidos a varejo no mercado da cidade contra os produtos agrícolas ali trazidos pelo camponês para vender21. Como a produtividade do trabalho e a unidade de produção eram pequenas demais, a fonte de acumulação de capital tem de ser buscada no surgimento de uma classe de burgueses que, separando-se da produção, começaram a se empenhar exclusivamente no comércio atacadista. Na sociedade feudal, a fonte de riqueza da aristocracia consistia no trabalho obrigatório dos servos, ou seja, era fruto do trabalho excedente, além do que lhes era permitido para prover sua própria subsistência. Embora o número de trabalhadores que servia a cada senhor fosse relativamente grande, a produtividade de trabalho era baixa, o que tornava o excedente disponível bem modesto, não fosse a parte dos próprios produtores reduzida a um nível miserável e os encargos a eles impostos excepcionalmente severos. Entretanto, Dobb (1987) lança uma questão interessante sobre a geração de riquezas da burguesia: “que dizer da riqueza e da acumulação da burguesia inicial – aquela burguesia urbana dos séculos XIV e XV, que não tinha servos labutando para si e não investira ainda no emprego de um proletariado industrial?”. Logo em seguida, responde: 21 DOBB, Maurice – A Evolução do Capitalismo – 7ª edição, RJ, 1987. 25 “sua renda representava uma parcela no produto do cultivador camponês ou do artesão urbano”, que era produzida através do comércio. Desde o século XVIII, muitos economistas não se têm cansado de dizer que essa riqueza burguesa era num sentido real “produzida” em vez de “adquirida” – “produzida” pelos próprios serviços que a disseminação do comércio executava para o produtor direto ou o consumidor aristocrático. A disseminação do comércio teve um efeito de aumentar o padrão de comunidades anteriormente confinadas aos estreitos limites de um mercado local. Trazendo sal e especiarias de terras distantes, ela tornava possível comer carne que, de outra forma, poderia ter apodrecido. Mas, o próprio comércio não explica por si só por que sua atividade proporcionava um excedente considerável. A explicação que nos é dada por Dobb (1987) aponta para duas questões: 1º. Boa parte do comércio naqueles tempos, especialmente o exterior, consistia na exploração de alguma vantagem política ou em pilhagem quase declarada; 2º. A classe de mercadores, assim que assumiu qualquer forma de corporação, adquiriu poderes de monopólio que protegiam suas fileiras da concorrência. Ou seja, a base essencial da riqueza da burguesia emergente e da acumulação de capital mercantil era comprar barato para vender caro sendo que essa regra do comércio não era uma troca de equivalentes. A separação entre a matéria-prima e o artesão, e entre este e o consumidor nesse período, foi também a fonte de lucro comercial da burguesia. A chamada acumulação primitiva, portanto, nada mais é que o processo histórico de divorciar o produtor dos meios de produção. Para visualizarmos melhor essa separação entre produtor e meios de produção, reportamo-nos ao século XVIII com a Revolução Industrial que, substituindo 26 a habilidade humana pelas máquinas, tornou possível a passagem do artesanato à manufatura propiciando assim uma economia moderna. Juntamente a essas mudanças surgiram novas formas de organização da vida social, dentre elas podemos citar a disciplina nas fábricas, que será regulada principalmente pelo relógio e pelo ritmo das máquinas22. E para termos uma idéia de como essas mudanças afetaram principalmente a vida do trabalhador, basta analisar a medição do tempo entre as comunidades pré-capitalistas para notarmos que este estava relacionado com os processos familiares, ou seja, com as tarefas domésticas. A percepção do tempo que surge neste contexto é orientada pelas tarefas. As relações sociais e o trabalho são misturados, sendo o ritmo ditado pela natureza. Mas, assim que se inaugura uma relação capitalista, cuja contratação de mãode-obra assalariada se tornou presente, temos a transformação do trabalho por tarefas no trabalho de horário marcado. Aqueles que são contratados experimentam uma distinção entre o seu tempo e o tempo do empregador. Cabe agora ao empregador cuidar para que sua mão-de-obra não desperdice o tempo, pois o que está prevalecendo agora é o valor do tempo. Este agora é moeda. E para marcar esse tempo, foram criados os relógios. O que antes era regulado pela natureza, passa a ser medido pelo homem. Thompson23 nos relata como ocorre este controle a partir da construção dos relógios nas igrejas e nas grandes cidades-mercado a partir do século XIV, quando os sinos eram tocados às 20h e às 4h. Esses horários passaram a marcar a hora do repouso à noite e a hora de levantar, iniciando os trabalhos e deveres das várias profissões. O som do sino passou, então, a ditar o ritmo da vida. 22 23 LANDES, David S. – Prometeu Desacorrentado – RJ, 1994, p. 6. THOMPSON – Tempo, disciplina de trabalho e Capitalismo industrial – SP, 2000. 27 Na verdade, como seria de esperar, ocorria uma difusão geral de relógios no momento em que a Revolução Industrial requeria maior sincronização do trabalho. A fábrica torna-se assim, um imenso relógio no qual os homens e as máquinas desempenharam o papel de engrenagens programadas. Mas, o que significa ser burguês neste período? Nas reflexões de Eric Hobsbawm24 burguês era um “capitalista”, isto é, aquele que recebia renda, ou um empresário em busca de lucro, ou todas estas coisas juntas. Incluíam-se os homens de negócios, os proprietários e os profissionais liberais. Uma das principais características da burguesia como classe era que consistia num corpo de pessoas com poder e influência, independente do poder e influência derivados de nascimento ou status. Para pertencer a ela, um homem tinha que ser “alguém”, uma pessoa que contasse como indivíduo, por causa de sua riqueza, capacidade de comandar outros homens, ou de influenciá-los de alguma forma. O monopólio do comando – na casa, no negócio, na fábrica – era fundamental para sua própria definição e seu reconhecimento formal. Já que o sucesso estava relacionado ao mérito pessoal e o fracasso era devido a esta falta de mérito. Este comportamento de disciplina e trabalho também penetrou em algumas camadas da sociedade e, é em relação a esse pano de fundo, que podemos observar a obra de Max Weber sobre a Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo europeu. Nesta obra, Weber formula a hipótese de que a ascensão do protestantismo, particularmente em sua versão calvinista, foi um fator fundamental (embora não o único) na expansão de uma moderna economia industrial na Europa e na influência do comportamento inculcado pelo protestantismo na conduta cotidiana de seus fiéis. A doutrina calvinista da predestinação irá persuadir os fiéis a um tipo de vida esperável 24 HOBSBAWM, Eric J. – A Era do Capital 1848-1875 – RJ, 1977. 28 dos destinados à salvação, vida esta que era de ascetismo mundano: uma vida em que o tempo e a energia do sujeito fossem exclusivamente dedicados às atividades meritórias (a oração e o trabalho), que conduziam à glória de Deus. Esse padrão também conduzia à acumulação de riqueza – o bom calvinista era diligente, parcimonioso, honesto e austero. Ou seja, a riqueza contemplaria aqueles que o merecessem. Assim, no puritanismo, o trabalho transformou-se em culto de ação de graças ao Senhor, o que não seria possível em outro ascetismo como o catolicismo, pois a piedade popular católica, de forma resignada, espera a recompensa na vida após a morte e nas religiões do oriente, devido à lei do karma, estas se mantêm num ascetismo extramundano. Neste caso, com o calvinismo, desenvolveu-se uma nova atitude que se concentrava mais no trabalho e menos nos prazeres. Como observou Giddens25, Weber formulou a tese de que o desenvolvimento econômico e social moderno foi influenciado por algo que, aparentemente, parece distante dele – um conjunto de ideais religiosos que instituía um estilo de vida ascético e que, por isso, foi vital para o arranque do desenvolvimento econômico do ocidente. Mesmo tendo suscitado controvérsias como as de que “o espírito do capitalismo pode ser discernido nas primeiras cidades mercantis italianas, muito antes de se ouvir falar em calvinismo” ou que a idéia de “trabalhar por vocação, que Weber associa ao protestantismo, já existia nas crenças católicas”, Giddens destaca a importância dessa tese porque: 1º. É contra-intuitiva; 2º. Dá sentido a algo que, de outra forma é enigmático – indivíduos que queriam viver frugalmente se esforçarem por acumular riqueza; 3º. Ilumina outras circunstâncias para além das que se propusera inicialmente abordar. Weber sublinhou que apenas tentou entender o capitalismo moderno. Apesar disso, os valores incutidos pelo puritanismo possam estar relacionados com outras situações de desenvolvimento capitalista bem sucedido; 25 GIDDENS, Anthony – Sociologia – Cap. 21: O Pensamento Teórico na Sociologia, 2004. 29 4º. A teoria de Weber foi fornecendo um ponto de partida para uma série de investigações e teorias posteriores26. No entanto, não nos deteremos aqui na discussão sobre quem influenciou quem (naquela analogia de quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha), pois o que nos interessa é saber como o capitalismo influenciou toda a sociedade, inclusive na área da educação. Por isso, o discurso de Adam Smith sobre qualificação e desenvolvimento capitalista se torna importante, porque mostra que a riqueza de uma nação depende fundamentalmente do aumento da produtividade do trabalho e do grau crescente de especialização determinado pela divisão do trabalho. São três as causas, apontadas por Smith, pelo aumento da produtividade em conseqüência da divisão do trabalho: 1º. O aumento da destreza do trabalhador, que se origina de sua dedicação a um único fragmento do processo de trabalho por toda a sua vida; 2º. A economia de tempo, que era perdido na passagem de uma operação para outra; 3º. A invenção de máquinas, que facilitam o trabalho e reduzem o tempo para sua realização, permitindo a um só homem fazer o trabalho de muitos27. Assim, Smith deixa claro que o desempenho do trabalho dividido qualifica o trabalhador, aumentando sua destreza e tornando-o mais produtivo, o que possibilita a generalização da riqueza. Neste sentido, a produção em massa só é possível graças à organização “científica” do trabalho, ou seja, com o Taylorismo. Na teoria de Taylor a divisão do trabalho exerce papel central, seguida de suas decorrências que são: a hierarquia, a especialização, a autoridade, o controle, visando ao aumento da produtividade da mão-de-obra. A necessidade de aumentar a produção continuamente traz uma modificação essencial no processo de trabalho: ao invés do operário executar as diferentes operações e controlar seu próprio trabalho, este é dividido em partes 26 Idem, 2004, p. 668. KUENZER, Acácia Z. – Pedagogia da Fábrica: as relações de Produção e a Educação do trabalhador – SP, 1985. 27 30 isoladas distribuídas a diferentes operários. Em decorrência da divisão do trabalho, opera-se uma modificação fundamental quanto à qualificação do trabalhador. Se antes o artesão precisava de muitos anos de trabalho para conhecê-lo bem e executá-lo de forma satisfatória, o assalariado preso a uma atividade parcial tem restringidas as suas necessidades de qualificação, necessitando dominar apenas uma tarefa parcial de um processo produtivo completo. Dos operários exige-se apenas uma formação mínima: ler, escrever e contar. Esse domínio era indispensável devido à complexidade da organização do trabalho que se faz nas seguintes etapas: maquinismo, mecanização e automação. Para isso, recorre-se à escola, enquanto que a formação profissional, muito restrita, é adquirida no trabalho. De acordo com Acácia Kuenzer28, essa dicotomia entre saber teórico/saber prático, é inerente ao próprio modelo capitalista, que se caracteriza por uma separação permanente entre teoria e prática, concepção e execução. No entanto, essa reunificação entre teoria e prática se realizará no topo da pirâmide hierárquica, de onde virá a administração e o controle do processo produtivo. E o sistema educacional reforçará essa dicotomia, através de um dos expoentes teóricos neste momento – o filósofo inglês Herbert Spencer. Foi ele que intuiu a existência de regras evolucionistas na natureza antes de seu compatriota, o naturalista Charles Darwin formular a revolucionária teoria da evolução das espécies. É dele a expressão “sobrevivência do mais apto”, muitas vezes atribuída a Darwin. No campo pedagógico, Spencer fez campanha pelo ensino da Ciência, combateu a interferência do Estado na educação e afirmou que o principal objetivo da escola era a construção do caráter. Ele sempre defendeu a escola privada, porque acreditava que a interferência do Estado, sendo igual para todos, poderia sustentar estudantes que não estariam, por natureza, 28 Idem . 31 aptos a competir em sociedade. De acordo com a filosofia spenceriana o que conta é a luta pela vida, pois foi este fator que levou as sociedades guerreiras a se manterem coesas, mesmo que pela força, e as sociedades industriais a estarem fundamentadas na competição. A sociedade industrial corresponderia, assim, a um aperfeiçoamento natural do sistema econômico e das instituições. A noção de que tudo se encaminha para resultados previsíveis e inevitáveis, uma vez que deixadas ao sabor de seu suposto curso natural, levou Spencer a supor que esses resultados eram também moralmente desejáveis. Assim, Spencer conjugava o pensamento de Smith (o economista clássico liberal) e Lamarck (o naturalista teórico da evolução das espécies e da hereditariedade dos caracteres adquiridos) para formular sua teoria acerca da evolução social. Em 1852, Spencer apresenta a evolução social como fruto de uma marcha irresistível, das sociedades humanas que iria do homogêneo para o heterogêneo, do simples para o complexo29. No seu pensamento, os mecanismos de evolução têm origem na luta pela existência e na seleção natural, que levam à submissão e às vezes à eliminação dos menos eficientes em proveito dos mais aptos. Como essa evolução não pode ser impedida, então seria inútil querer entravá-la, uma vez que a sociedade moderna, que Spencer considerava igualitária e pacífica, estaria fundada não na regulação do Estado, e sim no desenvolvimento de seus membros mais dotados. Assim, vimos a idéia (ainda hoje existente e defendida pelos neoliberais), de que a interferência do Estado na vida cotidiana impede os desenvolvimentos considerados normais. Também podemos citar a influência do positivismo na concepção taylorista, utilizada nas empresas desde o começo do século XX. Esta concepção, aliada às técnicas da 29 CUIN, Charles Henry & GRESLE, François – História da Sociologia – SP, Ed. Ensaio, 1994. 32 psicologia behaviorística30 tem influenciado muito a educação, sobretudo a tendência tecnicista. A partir da teoria do reforço, Skinner desenvolveu a técnica da instrução programada e da máquina de ensinar. A corrente tecnicista dá especial atenção aos estudos desenvolvidos pela ciência do comportamento e pelo desenvolvimento dos aparelhos destinados ao trabalho pedagógico como gravadores, projetores de slides, filmes, computadores, etc.. O objetivo desta tendência é aplicar as conquistas da tecnologia comportamental e os instrumentos técnico – pedagógicos, na prática educacional, visando tornar o processo educativo mais eficiente e ágil. Portanto, não existem na pedagogia tecnicista adotada quaisquer preocupações de questionamento sócio-político do conteúdo do ensino. Aprender significa basicamente modificar o comportamento do aluno de modo que ele aprenda a operar de forma técnica, prática, o conteúdo ensinado. Nesse contexto, toda uma linguagem transplantada do campo da Administração e da Economia passou a compor o vocabulário pedagógico: racionalização, planejamento, eficiência, definição de objetivos, técnicas de desempenho, estratégias e avaliação etc.. Os graves problemas da educação eram fáceis de solucionar, desde que se modernizassem os meios de instrução. Difundiam-se, então, as técnicas da psicologia comportamental de B.F.Skinner. Nos anos 50 e 60 com a grande expansão econômica sob o modelo fordista31 de regulação, implantado no pós-guerra pelos EUA no Japão e Europa, realizou-se um 30 Teoria que dominou o pensamento e a prática da psicologia em escolas e consultórios, até os anos 1950. O behaviorismo restringe seu estudo ao comportamento tomado como um conjunto de reações dos organismos aos estímulos externos. Seu princípio é que só é possível teorizar e agir sobre o que é cientificamente observável. Com isso, ficam descartados conceitos e categorias centrais para outras correntes teóricas, como consciência, vontade, inteligência, emoção e memória – os estados subjetivos. (Revista Nova Escola – B. F. Skinner, O cientista do comportamento e do Aprendizado – SP, 2006). 31 Uma extensão dos princípios do gerenciamento científico de Taylor, que designa o sistema de produção em massa atrelado ao desenvolvimento dos mercados em massa. 33 ciclo de investimento, expansão da produção, pleno emprego, consumo em massa, etc. No dizer de Hobsbawn32, essa Era de Ouro (1950 a 1970) criara uma economia mundial única, cada vez mais integrada e universal, operando de forma transnacional e, portanto, sobre as barreiras ideológicas de Estado que acabaram por ficar “solapadas”. E quando essa Era de Ouro chega ao fim, trazendo em seu bojo o desemprego em massa, as depressões severas, a miséria e as desigualdades sociais, buscam-se soluções temporárias que reforçam ainda mais uma visão utilitarista que se rende à lógica capitalista favorecendo a apatia e o individualismo. No entanto, com a crise econômica e cultural que se segue ao período de crescimento na maioria dos países, crise esta motivada pelo modelo de acumulação do pós-guerra assentado no paradigma fordista-keynesiano (modelo baseado na produção em grande escala em linha de montagem, apoiada pela intervenção do Estado em apoio à economia e à distribuição de renda), o principal problema passa a ser o desemprego. Esse fenômeno atinge os países industrializados e agrava-se nos países em desenvolvimento. A resistência dos operários aos métodos de trabalho taylorista e fordista, os aumentos reais de salário (seja para motivar os trabalhadores, seja como pressão desses por uma melhor distribuição de renda), limitaram o crescimento da produtividade do trabalho e ocasionaram uma queda das taxas de lucro. A introdução do trabalho temporário e das equipes de trabalho por tarefa produziu resultados limitados. O capitalismo elaborou, então, estratégias mais amplas para responder à queda da taxa de lucro: a redução de salários e a utilização mais intensa de trabalhadores provenientes de países subdesenvolvidos. Assim, a competitividade passa a ser o motor da globalização33, tal 32 HOBSBAWN, Eric – Era dos Extremos, O breve século XX – SP, Ed. Cia. das Letras, 1997. De acordo com Giddens, globalização refere-se a uma conjugação de fatores econômicos, políticos, sociais e culturais que, devido ao desenvolvimento das tecnologias de informações e transporte, intensificaram as interações entre os povos do mundo inteiro (2004). 33 34 como no início do século XX o fora a noção de progresso e após a Segunda Guerra a de desenvolvimento. A formação profissional passa a não ser apenas uma questão privada, mas também de domínio público e, por isso, os governos não podem subestimá-la. Isso leva a uma demanda de escolarização crescente e a uma variedade maior de sistemas educacionais, o que tem levado muitos países a aplicarem uma porção significativa de seus orçamentos na educação: “Em 1995, a Suécia, por exemplo, investiu 10,6% de todo o seu produto interno bruto na economia do conhecimento”34. A “França aparece imediatamente em segundo lugar, devido as suas grandes despesas com a educação pública”. (Giddens, 2004, p. 309). Assim, qualificar o trabalhador não se resume mais ao domínio de habilidades motoras para o exercício de tarefas mecânicas e repetitivas, mas, ao contrário, se coloca como produto dos conhecimentos científicos e tecnológicos e de suas habilidades mentais. Isso significa que o bom desempenho do trabalhador dependerá muito mais dos conhecimentos científicos e tecnológicos, da criatividade e rapidez de raciocínio que possua e do espaço para tomada de decisões, do que de habilidades motoras que são simples respostas a um processo determinado pela máquina. Portanto, qualificar a mão-de-obra significa, na teoria neoliberal, produzir com qualidade e inserir o país no comércio internacional em uma posição mais vantajosa e com mais competitividade. No entanto, é necessário que se repense sobre o tipo de educação que estamos oferecendo nas escolas. Seria uma educação que simplesmente prepara para o mercado de trabalho? Ou seria a que procura formar pessoas autônomas, 34 Refere-se a uma economia na qual as idéias, as informações e as formas de conhecimento sustentam a inovação e o crescimento econômico. Sua mão-de-obra está envolvida não na produção ou distribuição físicas dos bens materiais, mas no planejamento, na tecnologia, no marketing, na venda e na manutenção desses bens. (Giddens, 2004). 35 com capacidade crítica para construir um novo paradigma? O ideal é que as duas alternativas façam parte do currículo escolar, pois a dualidade do ensino só fez separar os que deveriam fazer de um lado, dos que deveriam planejar de outro. Assim, levando-se em conta que a característica diferenciadora do trabalho é sua possibilidade transformadora e dinâmica e que o homem é o único ser na natureza capaz de conceber a sua ação anteriormente à sua execução e de avaliá-la, então concluímos que não se pode separar uma ação reflexiva de uma ação ativa, ou seja, não existe atividade humana da qual se possa excluir toda e qualquer atividade intelectual, assim como toda atividade intelectual exige algum tipo de esforço físico ou atividade instrumental. São essas as reflexões de Gramsci que argumentava que: “não se pode separar o homo faber do homo sapiens”. Para Gramsci, a função do intelectual (e da escola) é mediar uma tomada de consciência (do aluno, por exemplo) que passa pelo autoconhecimento individual e implica em reconhecer o seu próprio valor histórico. Por isso, a tendência democrática da escola não pode consistir apenas em que um operário manual se torne qualificado, mas em que cada cidadão possa se tornar governante35. Por acreditar que a escola seria um instrumento de transformação social através da mudança de mentalidade, Gramsci trouxe à discussão pedagógica a importância da escola para a conquista da cidadania. Essa deveria ser orientada por uma cultura humanista e formativa, para livrar as massas de uma visão acrítica da ideologia das classes dominantes. Nesse sentido, não basta simplesmente colocar um torno em sala de aula, mas de ler um livro sobre o significado, a história e as implicações econômicas do torno em um determinado contexto histórico. Assim, qualificar o trabalhador significa superar os antagonismos entre concepção e execução, entre trabalho mental e manual e, 35 MOCHCOVITCH, Luna Galano – Gramsci e a Escola – SP, Ed. Ática, 1988. 36 com isso, unificar em um mesmo processo o trabalho coletivo que o executa. Mas, mesmo que tal ruptura não seja possível ao nível do trabalho, o mesmo não ocorre ao nível das relações sociais capitalistas, que operam a ruptura entre teoria e prática, decisão e ação, trabalho intelectual e trabalho manual. É a partir desta ruptura que o trabalho intelectual se separa do manual, sobrepondo-se à realidade. Em decorrência, o exercício das funções intelectuais e manuais, o consumo e a produção, passam a caber a indivíduos distintos na sociedade conforme as determinações de classe. Assim, a um grupo reduzido de pessoas cabe o exercício das funções intelectuais – justificado por uma escolaridade mais extensa – e à maioria compete as tarefas de execução – sob a alegação de uma baixa escolaridade. Uma das autoras que se preocupa com esse tipo de educação dual é Hannah Arendt que, ainda jovem, foi vítima da perseguição nazista na Alemanha. Em 1940 mudou-se para os EUA onde teve contato com questões sociais que invadiam as salas de aula naquele momento como, por exemplo, a violência, o conflito de gerações e o racismo. Em um de seus textos – A crise na Educação (1958), incluído no livro Entre o Passado e o Futuro – Arendt apresenta uma visão bastante crítica do tipo de educação considerada “moderna” naquela época. Neste texto, ela questiona em profundidade alguns dos conceitos pedagógicos mais difundidos desde fins do século XIX, e que se originam do movimento da Escola Nova36 e da concepção do trabalho educativo como um aprendizado “para a vida”. “A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver”, escreve Arendt. Sua argumentação neste sentido é de uma visão educativa assumidamente conservadora e a favor da autoridade na sala de aula. Não que ela 36 No Brasil, esse movimento chamado de Escola Nova ganhou força nos anos 30. Inspirados nas idéias políticas de igualdade entre os homens e do direito de todos à educação, os novos teóricos viam num sistema estatal de ensino público livre e aberto o único meio efetivo de combate às desigualdades sociais. 37 defenda um professor autoritário, nem que se trate de ser favorável à escola como um agente da manutenção da ordem estabelecida. Ao contrário, Arendt acreditava que o aluno deve ser apresentado ao mundo e estimulado a mudá-lo37. A obra de Hannah Arendt origina-se de uma reportagem que lhe foi encomendada pela revista New Yorker. No ano de 1961, ela foi enviada a Israel para cobrir o julgamento do alto burocrata nazista Adolf Eichmann. No livro Eichmann em Jerusalém, a pensadora cunhou a expressão que a celebrizou: “a banalidade do mal”, em referência aos códigos aparentemente lógicos e até sensatos com que o totalitarismo se propaga e ganha poder. Durante o julgamento de Eichmann, um homem de aparência comum e equilibrada, Arendt o identificou como alguém habituado a não pensar. Os perigos da irreflexão, como sinal de alienação da realidade, constituem um dos principais eixos de sua obra que trouxe contribuições para a educação, dentre eles a idéia de que cabe aos adultos conduzir as crianças por caminhos que elas desconhecem. Esta idéia vai ao encontro do que Adorno expôs no texto Educação Após Auschwitz, quando escreve sobre uma educação que não desperta a consciência das pessoas, quando ela não é dirigida a uma auto-reflexão crítica. O fato de milhões de pessoas inocentes terem sido assassinadas de uma maneira planejada deveria provocar um debate sobre as metas educacionais existentes, sobre a forma de como temos lidado com a exclusão dentro e fora das escolas, pois se não fizermos esta auto-reflexão, “a barbárie continuará existindo, enquanto persistirem no que têm de fundamental as condições que geram esta regressão e que, nos termos da história mundial, culminaria em Auschwitz”38 . 37 38 ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro – SP, 1992. ADORNO, T.W. – Educação e Emancipação – SP, 1995, p. 119. 38 Ainda segundo Adorno, a formação que conduziria à autonomia dos homens precisa levar em conta as condições a que se encontram subordinada a produção e a reprodução da vida humana em sociedade e na relação com a natureza. Quando a escola não conduz a uma crítica às condições das relações homem/natureza, então está simplesmente preparando para viver na sociedade do capital, sem contestá-la. Não preparar para a crítica do trabalho alienado é uma forma de preparar para ele. Marx já assinalara como pela educação os trabalhadores “aceitam” ser classe operária, interiorizando a dominação. Assim, seja qual for a perspectiva que a educação contemporânea tomar, uma educação voltada para o futuro deverá ser uma educação contestadora, superadora dos limites estritamente técnicos. Uma educação que promova uma consciência autocrítica, que esteja sempre direcionada em prol das resoluções dos nossos problemas mais cruciais como: fome, desigualdade social e degradação ambiental. Questões essas, a nosso ver, devem passar pela crítica aos sistemas que as promovem sejam elas de direita ou esquerda. No que se refere ao capitalismo, sabemos que, desde a sua longa existência, tem se caracterizado pela flexibilidade e pelo ecletismo, ou seja, pela sua capacidade de mudança e de adaptação. Por isso, as crises que tem marcado essa longa existência devem ser elucidadas pela educação, isto é, precisamos ter em mente que a crise é o estado habitual e crônico do capitalismo e que, devido a sua capacidade de sobrevivência e adaptação, o sistema fica cada vez mais forte. Por isso, o capital iniciou um processo de reorganização devido à crise econômica do modelo fordista-keynesiano, com o advento do neoliberalismo, ou seja, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal. 39 As mudanças que estão afetando o mercado de trabalho são resultados tanto dos fatores históricos quanto das novas tecnologias, tendo em vista que elas são expressões da reorganização do capital com o objetivo de retomar o seu projeto global de dominação e acumulação. É o que descreve Giddens acerca dessas mudanças na sociedade: “O simples ritmo das mudanças tecnológicas está gerando uma rotatividade bem mais acelerada dos empregos do que se verificava antigamente. Hoje em dia, o treinamento e a obtenção de qualificações vêm ocorrendo ao longo da vida, e não apenas uma vez, na juventude. Profissionais que estão na metade de suas carreiras passaram a optar por investir na atualização de suas habilidades por meio de programas de educação continuados e do aprendizado por meio da internet. (...) Assim como nossa sociedade continua se transformando, as convicções e instituições tradicionais que a sustentam também sofrem mudanças. A idéia da educação – que implica a transmissão estruturada do conhecimento dentro de uma instituição formal – vem dando passagem a uma noção mais ampla de ‘aprendizado’ que ocorre em uma diversidade de ambientes. (...) As fronteiras entre as escolas e o mundo exterior estão sendo derrubadas, não apenas via ciberespaço, mas também no mundo físico.” 39 E, na esteira dessas mudanças, vimos que a introdução das técnicas e métodos japoneses de organização da produção tais como: just-in-time40, kanbam, kaizen, sistemas participativos, CCQ, etc., são os reajustes necessários para que o sistema capitalista continue a dar sinais de fortalecimento. Antes de passarmos à discussão de como essas técnicas vêm sendo introduzidas em várias nações do mundo, é necessário elucidar seu significado que derivou-se do “modelo japonês”41. O just-in-time assenta-se num sistema de informações preciso que estabelece o momento exato, o material exato e a quantidade exata de produção. Por isso, é 39 GIDDENS, Anthony – Sociologia – 2004. Just-in-time: consiste num instrumento de controle da produção baseado no propósito de atender a demanda com a maior rapidez e de minimizar os estoques de matéria-prima; Kanbam: indicador visual em forma de cartão ou de placa que transmite a informação sobre a produção necessária de uma etapa a outra; Kaizen: Kai – significa mudança e Zen para melhor. É uma mudança contínua; CCQ: círculos de controle de qualidade, esses círculos estariam integrados a uma forma de organização do trabalho que consiste na preocupação com a qualidade. (Giddens, 2004). 41 Este termo refere-se a um conjunto de características que tendem a predominar nas formas de organização do trabalho utilizadas nas indústrias japonesas, não significando com isso que exista um único modelo e que este seja algo possível de ser transposto de forma igual a outros países. 40 40 necessária a integração das várias etapas da produção, a partir das necessidades colocadas pelas vendas. Utilizando-se do kanban (indicador visual em forma de cartão ou de placa), que transmite a informação sobre a produção necessária de uma etapa a outra, se produz poucos lotes para ter também poucos estoques. Esta forma de organização do trabalho baseada nos princípios do just-in-time, vem quase sempre acompanhado pela utilização do CCQ (círculos de controle de qualidade). Esse é o lema para a melhoria contínua, onde se deve eliminar o desperdício, a dificuldade e a irregularidade. Nesse sentido, as pessoas estariam integradas a uma filosofia central das novas formas de organização do trabalho, que estariam ligadas a uma preocupação com a qualidade. Por isso, a difusão dos sistemas participativos dos trabalhadores nas decisões relativas ao processo produtivo, busca envolver os trabalhadores com as metas das empresas e criar uma identidade entre a direção e os operários. Neste sentido, o Japão se apresentaria com um paradigma industrial, baseado na especialização flexível e que, ao contrário do paradigma taylorista/fordista, se assentaria na produção diversificada e em pequenos lotes e na utilização de uma mão-de-obra qualificada e multifuncional que estaria mais adaptada a desenvolver diferentes tarefas e a responder aos constantes problemas que a produção variada coloca para as empresas. Mas, por outro lado, a organização japonesa do trabalho também tem se mostrado como um fordismo híbrido na medida em que se pode identificar uma série de aspectos em que características da organização fordista do trabalho ainda se mantêm. Como enfatiza Antunes42: 42 ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, 1999, p. 56. 41 “O processo de produção do tipo toyotista43, por meio dos team work supõe, portanto uma intensificação da exploração do trabalho quer pelo fato de os operários trabalharem simultaneamente com várias máquinas diversificadas, quer pelo ritmo e a velocidade da cadeia produtiva dada pelo sistema de luzes. Ou seja, presencia-se uma intensificação do ritmo produtivo dentro do mesmo tempo de trabalho ou até mesmo quando este se reduz. Na fábrica Toyota, quando a luz está verde, o funcionamento é normal; com a indicação da cor laranja, atinge-se uma intensidade máxima, e quando a luz vermelha aparece, é porque houve problemas, devendo-se diminuir o ritmo produtivo. ... De modo que, similarmente ao fordismo vigente ao longo do século XX, mas seguindo um receituário diferenciado, o toyotismo reinaugura um novo patamar de intensificação do trabalho, combinando fortemente as formas relativa e absoluta da extração da mais-valia.” O processo produtivo, dotado de forte disciplinamento da força de trabalho e impulsionada pela necessidade de implantar formas de capital e de trabalho intensivo, caracterizou o método toyotismo que segue os seguintes princípios: 1º. Centralização no produto. As empresas japonesas tendem a enfatizar o produto final, mais do que o processo de produção, o que as leva a priorizar o atendimento do cliente em termos de qualidade e de prazos de produção e buscar uma maior integração entre as várias atividades da empresa, desde o projeto e a produção até às vendas; 2º. Eliminação do desperdício (kaizen). Baseado na eliminação dos obstáculos, este princípio se baseia no tempo que as peças e materiais passam dentro da fábrica, no tempo que os materiais levam para serem trabalhados e na distância percorrida pelos materiais dentro da fábrica. Este princípio leva naturalmente ao just-in-time. 43 Forma de organização do trabalho que nasceu na fábrica da Toyota no Japão pós-45 e se caracteriza por 4 fases: 1ª – introdução, na indústria automobilística japonesa, da experiência do ramo têxtil, dada especialmente pela necessidade de o trabalhador operar simultaneamente com várias máquinas; 2ª – a necessidade da empresa em responder a uma crise financeira, aumentando a produção sem aumentar o número de trabalhadores; 3ª – a importação das técnicas de gestão dos supermercados dos EUA, que deram origem ao método Kanban, ou seja, o ideal seria produzir somente o necessário e no melhor tempo possível, baseando-se no modelo de reposição dos produtos somente depois de sua venda; 4ª – expansão do método kanban para as empresas subcontratadas e fornecedoras. 42 3º. Trabalho operário em equipe. O processo produtivo é compreendido como um processo que admite a melhoria contínua e o uso de práticas experimentais no chão da fábrica, os quais requerem a cooperação dos trabalhadores. O processo de ocidentalização do toyotismo mescla elementos presentes no Japão com práticas existentes ainda nos novos países receptores, isto é, com o método taylorista/fordista. Com isso, a adaptação da experiência japonesa foi marcada pela resistência por parte de alguns empresários em delegar decisões aos trabalhadores da produção, visto que esta sempre foi a função atribuída ao comando da empresa, ou seja, há os que planejam e os que executam. No entanto, mediante a profunda recessão intensificada pela crise do petróleo na década de 70, que irá refletir nas décadas posteriores, ocorre um reajuste econômico e político (neoliberalismo e a multipolaridade mundial com os blocos econômicos) fazendo com que esta reestruturação seja marcada pelos altos níveis de desemprego, aumento da competição e o estreitamento da margem de lucro das empresas, ganhos modestos de salários reais, retrocesso do poder sindical, o que resulta na imposição de contratos de trabalho e trabalhadores mais flexíveis. Por isso, para se adaptar aos “novos tempos”, as empresas se tornam “enxutas”, há uma crescente redução do trabalho estável e desconcentração do espaço físico produtivo – com trabalhadores terceirizados, part-time, etc. – e o trabalhador polivalente e multifuncional, capaz de controlar diversas máquinas. No contexto dessas transformações no mercado de trabalho a estratégia, o controle, os círculos de qualidade total ganham popularidade como receituário para uma completa mudança de comportamento por parte dos trabalhadores e empresários, de modo a melhorar a produtividade num momento de acirrada competitividade e fragmentação 43 dos mercados. Temos, então, os pilares da filosofia da Qualidade Total: satisfazer as necessidades do cliente, o que depende de uma investigação que antecipe seus desejos; redução de custos; adotar novas tecnologias; avaliar sempre (o que requer comparações de resultados com as metas estabelecidas para fazer as correções necessárias); espírito de equipe para a melhoria contínua; novo perfil de liderança não mais baseado no autoritarismo e, finalmente, valorização do trabalhador. No âmbito empresarial divulgou-se a idéia de que a humanidade esquecida do trabalhador no taylorismo estaria sendo valorizada no toyotismo. Assim, o elemento humano deverá ser “melhorado” por intermédio da escolaridade. Na tarefa conferida à escola em criar o ajustamento do indivíduo à nova sociedade está subentendida a noção de qual perfil de trabalhador está sendo requisitado pelo mercado, onde agora não mais impera a lógica do pleno emprego, mas a lógica da “empregabilidade”44. Qualquer pessoa que quer ser “empregável” precisa gerar a Qualidade Total em si mesma: deve ter comunicação clara e precisa; capacidade de análise tanto para solucionar conflitos como para prever e corrigir problemas do sistema produtivo; familiaridade com computadores e novas tecnologias; saber enfrentar as mudanças individualmente e em equipe; ser responsável, versátil, polivalente, equilibrado emocionalmente; deve estudar continuamente. Enfim, são características do indivíduo que lhe dariam a capacidade de controlar sua qualidade e promover as melhorias contínuas no processo produtivo. Temse aqui a Teoria do capital humano, onde as relações de dominação e exploração são substituídas pela ideologia do mérito, do esforço individual, da racionalidade. 44 Na literatura econômica e análises estatísticas, a empregabilidade diz respeito à passagem da situação de desemprego para a de emprego (SHIROMA, Eneida Oto – Da Competitividade para a empregabilidade: razões para o deslocamento do discurso, 1999). Outros a definem como “aptidão dos trabalhadores em conquistar um emprego e mantê-lo todos os dias, sobrevivendo e prosperando numa sociedade sem empregos” (BUENO, J.H. – Autodesenvolvimento para a empregabilidade, 1996). Em relação à expressão emprego, Enriquez (Perda do Trabalho, perda da Identidade, 1999) a define como “ter uma tarefa a ser feita, com um salário fixo, mesmo que essa remuneração não seja interessante”. 44 Em um mercado de trabalho restrito em que grande parte dos trabalhadores está excluída, começa-se a buscar nas virtudes individuais as razões pelas quais alguns conseguem empregar-se e outros não. As “competências” incluem elementos atitudinais ligados às características de personalidade, segundo as exigências tanto da acumulação flexível do capital, quanto daquelas necessárias ao indivíduo encontrar alternativas ao desemprego. Tais competências são vistas enquanto poder que qualquer indivíduo tem se quiser desenvolver, sem levar em conta que estas são propriedades criadas e possibilitadas de acordo com a origem social, étnica, sexo etc.. Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) reivindicam a capacidade de iniciativa e inovação e, mais do que nunca a máxima aprender a aprender. Criticam a pedagogia antecedente em que o ensino embasava-se na memorização de determinados conhecimentos. O conhecimento só teria sentido se convertido em “competências cognitivas” e “competências sociais”, tornando-se reduzido em seu caráter utilitário e imediatista, em ações comportamentalistas que fizessem com que as pessoas melhorassem sua própria vida, sua eficiência e sua “empregabilidade”: “A perspectiva é de uma aprendizagem permanente, de uma formação continuada, considerando como elemento central dessa formação a construção da cidadania em função dos processos sociais que se modificam. Alteram-se, portanto, os objetivos de formação no nível do Ensino Médio. Prioriza-se a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Não há o que justifique memorizar conhecimentos que estão sendo superados ou cujo acesso é facilitado pela moderna tecnologia. O que se deseja é que os estudantes desenvolvam competências básicas que lhes permitam desenvolver a capacidade de continuar aprendendo. É importante destacar, tendo em vista tais reflexões, as considerações oriundas da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, incorporadas nas determinações da Lei nº. 9.394/96: a) A educação deve cumprir um triplo papel: econômico, científico e cultural; b) A educação deve ser estruturada em quatro alicerces: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser”. (PCN, 1999; 31). Os PCNs, em última instância, implicam em um discurso educacional, que entre alianças, concessões e apropriações, apresenta-se enquanto resultado das disputas em 45 torno de qual perfil humano formar, de como é pensada a função da escola, de qual projeto social é considerado válido etc.. Por isso, questiona-se quais subjetividades, ou maneiras de ser, conhecer e interpretar o mundo são por este esperadas. No Brasil, algumas empresas já estão implementando seus Projetos de Desenvolvimento da Empregabilidade, argumentando que “hoje o empresário já não pode mais garantir emprego, cabe-lhe apenas propiciar a empregabilidade, isto é, capacitar seus empregados para as novas necessidades, internas e externas que surgirão no futuro”45. No passado, considerava-se que essas habilidades eram de natureza estritamente profissionalizante, relacionadas especificamente ao posto de trabalho, não englobando, portanto, as habilidades acadêmicas mais comumente ensinadas na escola. Atualmente, a definição de habilidades constituintes da empregabilidade tem sido alargada para incluir também algumas habilidades básicas e uma variedade de atitudes e hábitos valorizados no ambiente de trabalho, tais como: comunicação, relações interpessoais, solução de problemas etc.. Segundo o Parecer 16/9946 do CNE, que estabelece as orientações e os princípios específicos que orientam a organização da educação profissional, a idéia de que o atendimento às demandas do mercado de trabalho, da sociedade e dos indivíduos pode ser atingido através de uma educação profissional pautada no desenvolvimento da laboralidade. Busca-se, assim, estruturar um tipo de formação profissional que desenvolva a capacidade de o técnico manter-se em atividade produtiva e geradora de renda em contextos sócio-econômicos instáveis, transitando entre variadas atividades produtivas. A idéia de competência para a laboralidade implica, para as instituições de educação profissional, a organização de programas que 45 SHIROMA, Eneida Oto – Da Competitividade para a Empregabilidade: razões para o deslocamento do discurso – In Educação profissional: tendências e desafios. Documento final do II seminário sobre a reforma do Ensino Profissional, 1999. 46 BRASIL - Conselho Nacional de Educação, Parecer 16/99, aprovado em 05/10/1999. Documenta Brasília, nº. 457, p.3-73, out./1999. Fixa as Diretrizes curriculares Nacional para a educação profissional de nível técnico. 46 inclua conteúdos e meios que favoreçam o desenvolvimento de capacidades para resolver problemas, o tomar decisões e ter iniciativa e a autonomia intelectual. Por isso, a escola se torna necessária para desenvolver essas competências e tornar os alunos mais competitivos no mercado de trabalho. Ter qualificação47 passa, então, a ser uma forma de conferir competência48 aos trabalhadores aumentando sua possibilidade de criação e participação sobre o processo produtivo. Sabemos que o mundo de ontem era repleto de fronteiras, “estável”, separado por áreas. O atual é globalizado, dinâmico e conectado. Isso faz com que seja praticamente impossível prever quais conhecimentos garantirão uma existência tranqüila. É uma época de extrema liberdade e insegurança. Por isso a ênfase a um ensino que desenvolva habilidades, muito mais que preparar alguém para um vestibular, essas habilidades formariam uma espécie de caixa de ferramentas básicas para enfrentar o século XXI. Nesse contexto, segundo a autora Vanilda Paiva49, a educação teria que atuar não apenas na qualificação do trabalhador empregado formalmente, mas também na formação do pequeno produtor e, ainda, na formação do desempregado ou excluído, de maneira a ajudá-lo a desenvolver sua própria auto-atividade. Estaria aqui a idéia de uma educação que objetive oferecer, inclusive, uma formação cultural e ética no sentido de estimular uma mudança de valores e expectativas do cidadão, de modo a prepará-lo para entender e agir no interior da nova realidade histórica. Assim, a educação teria que agir de duas maneiras. Numa delas, abrindo perspectivas de ocupação 47 Segundo Acácia Kuenzer, trabalhadores e empresários entendem por qualificação a capacidade técnica aliada à posse do saber teórico, ou seja, a capacidade de resolver os problemas na prática a partir do conhecimento da teoria. (KUENZER, Acácia Z. – A Pedagogia da Fábrica: as relações de produção e a educação do trabalhador – SP, 1985). 48 De acordo com a Resolução CNE/CEB nº. 04/99, art. 6º, entende-se por competência profissional a capacidade de mobilizar, articular e colocar em ação valores, conhecimentos e habilidades necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho. (BRASIL, Ministério da Educação. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 julho/2007). 49 PAIVA, Vanilda – Educação e Bem-estar Social – Educação e Sociedade – nº. 39, Campinas/SP, p. 161-199, agosto/1991. 47 (...) “do tempo livre daqueles que foram excluídos – ou por aposentadoria com longevidade, ou por exclusão do mundo do trabalho por incapacidade de adaptação às novas condições... ou por falta de oportunidades suficientes para a nova geração”. Na outra, criando condições para que essa “exclusão-includente não apenas não se mostre disruptiva da ordem social, mas também apresenta-se capaz de gerar um novo pólo dinâmico da economia com base em micro-empresas, autoemprego, capaz de produzir – muitas vezes em base artesanal(...) – os objetos sofisticados e exclusivos que constituem hoje a fonte de lucro e acumulação privilegiada do capitalismo...” (Paiva, 1991, p. 193). Percebemos, assim, que a educação na ótica dessa autora, tem uma dimensão mais ampla e profunda, significando, além da reciclagem técnica do trabalhador formal, que é exigida pelas transformações produtivas, uma formação contínua do cidadão no sentido de ensiná-lo a melhor inserir-se na “nova” realidade. Enfim, há uma nova tendência na educação que procura acompanhar as novas exigências do mercado. E a escola, mais uma vez, apresenta-se como o “abre-te sésamo” da classe trabalhadora para entrar no mercado de trabalho e manter-se nele. Mas, não deixa de ser interessante a observação de Cattani sobre o que realmente tem sido o papel da educação no Brasil ao longo dos anos: “A educação, na melhor das hipóteses, é um plano piloto como o foi Brasília, ou seja, anunciado como um audacioso projeto que deveria resolver os problemas de integração e de funcionamento racional do país. Após sua implantação, uma pequena parte da população é beneficiada, alguns segmentos são aceitos nos interstícios e o restante é jogado para a periferia do ‘modelo’. A educação nunca foi pensada e investida como um projeto global, como uma prática de abrangência universal e permanente. Os esforços de Fernando de Azevedo, de Anísio Teixeira, de Paulo Freire e tantos outros não conseguiram reverter essa situação. Recentemente iniciativas de administrações estaduais e municipais, bem como o extraordinário trabalho de inúmeras ONGs dedicadas à educação popular, são animadores, mas permanecem limitados e não alteram o quadro dominante”50. E esse quadro dominante aponta-nos a várias tendências que tem caracterizado o mercado de trabalho atual: tendência a uma redução do operariado manual, fabril, estável; tendência a um aumento do trabalho parcial e temporário; tendência a um 50 CATTANI, Antônio David – Trabalho e Autonomia – 2ª edição, RJ, 2000, p. 157. 48 aumento do trabalho feminino, principalmente no setor de serviços; tendência a uma enorme expansão dos assalariados no setor de serviços e, finalmente, tendência a exclusão dos trabalhadores jovens e “velhos” do mercado de trabalho devido ao desemprego estrutural51. Como bem pontuou Cattani, o desafio hoje é compreendermos a lógica de seletividade e de exclusão do mercado de trabalho e, nesse sentido, como as escolas se situarão nessas novas exigências. Entendemos que a questão da cidadania passa pelo direito do cidadão à apropriação do conhecimento. Este direito está associado à questão da escola pública universal e gratuita. Assim, o caráter público da escola pressupõe a idéia de que o conhecimento é um bem tão importante para o exercício de cidadania que o Estado deve assegurar a todos a sua apropriação. Apesar dos avanços na legislação, a realidade do sistema educativo no Brasil é um exemplo de contradição entre a declaração dos direitos do cidadão e a prática educacional seletiva e excludente de amplos segmentos da classe trabalhadora. Esse será, portanto, o assunto abordado no capítulo 02 desse estudo, que terá como abrangência os períodos da 1ª República, do Desenvolvimentismo, da Ditadura Militar e da Nova República no Brasil e em Minas Gerais. 51 ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, 1999, p. 201. 49 CAPÍTULO II A BUSCA PELA CIDADANIA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL E EM MINAS GERAIS Para renascer, e às vezes para nascer, é preciso morrer, e ele começou morrendo. Foi uma morte até certo ponto anunciada, precedida de uma lenta e ignominiosa agonia. Que teve início numa sexta-feira. O patrão chamou-o e disse, num tom quase casual, que ele estava despedido: contenção de custos, você sabe como é, a situação não está boa, tenho que dispensar gente.52(2003, p. 585). Assim começa o conto de Moacir Scliar sobre a vida de um trabalhador não qualificado – um empacotador – pai de família e que fora demitido por causa da política de contenção de custos da empresa. Como todo trabalhador que perde o emprego, começou batendo à porta de muitas empresas, procurou conhecidos, esteve no sindicato... Mas como às vezes acontece, a resposta foi negativa. Sentindo-se um derrotado, decidiu abandonar a família e ir morar nas ruas ao lado de tantos outros que estão à margem da sociedade. Passou a não mais idealizar um futuro e o passado começou a sumir de sua memória: A primeira coisa que esqueceu foi o rosto do filho maior, garoto chato, sempre a reclamar, sempre a pedir coisas. Depois, foi o filho mais novo, que também chorava muito, mas que não pedia nada – ainda não falava. Por último, foi-se a face devastada da mulher, aquela face que um dia ele achara bela, que lhe aquecera o coração. Junto com os rostos, foram os nomes. Não lembrava mais como se chamavam. E aí começou a esquecer coisas a respeito de si próprio. (2003, p. 587). Não lembrar sobre coisas de si mesmo, mexeu muito com ele. Procurou então resgatar sua identidade começando por um banho, pois “a sujeira formava nele uma crosta que de certo modo o protegia”. Após o banho, olhou-se no espelho e não se reconhecia. Saindo do abrigo que o acolhera, o padre quis saber seu nome, mas como não se 52 SCLIAR, Moacyr – O nascimento de um cidadão – in História da cidadania. Jaime Pinsky (org.), SP, 2003. 50 lembrava, disse apenas: José da Silva. Já na rua e se sentindo arrebatado pela vida, não percebeu o ônibus que se aproximava e foi arremessado à distância. Alguém se inclinou sobre ele, um policial. Que lhe perguntou: - Como é que está, cidadão? Dá para agüentar, cidadão? Isso ele não sabia. Nem tinha importância. Agora sabia quem era. Era um cidadão. Não tinha nome, mas tinha um título: cidadão. (2003, p. 588). Assim como a personagem do conto de Moacir Scliar, muitos trabalhadores acabam perdendo sua identidade no momento em que também perdem seus empregos. É como se esta identidade só fosse possível a partir do momento em que estes trabalhadores estão inseridos no mercado de trabalho. É interessante observar esta questão, principalmente quando perguntamos a alguém “quem é você” e geralmente as pessoas nos respondem dizendo sobre sua profissão: “eu sou pedreiro, professor, etc.”, e não sobre sua personalidade. E quando as pessoas perdem essa referência é como se deixassem de ser alguém, pois é também na atividade do trabalho que o indivíduo irá formando sua personalidade, desenvolvendo suas aptidões, refletindo sobre seus princípios ideológicos e demonstrando suas atitudes frente à ação prática. Enriquez53 aborda este aspecto em sua análise sobre trabalho e identidade, quando escreve sobre a tendência de considerar-mos os homens como objetos eminentemente substituíveis no processo de produção. Por ser apenas um “mero detalhe” nessa produção, acaba não se sentindo um agente atuante na sociedade, possuidores de certa autonomia e com poder de decisão. Deixam-se levar pelas circunstâncias, não construindo com isso um verdadeiro projeto social onde as necessidades da maioria sejam, pelo menos, levadas em conta tais como: acesso à educação de qualidade, ao mercado de trabalho. Enfim, a todas essas conquistas sociais que combinadas com os 53 ENRIQUEZ, Eugene – Perda do Trabalho, Perda da Identidade – BH, 1999. 51 prodígios da ciência e do poder criativo da tecnologia, poderão beneficiar a todos. No Brasil nem todos exercem a sua cidadania, que defino como o exercício de deveres e direitos individuais, respeitando também os deveres e direitos da coletividade. Contudo, cabe aqui uma pergunta: de quem é a culpa do desemprego? Alguns culpam os trabalhadores: “eles não têm educação suficiente para acompanhar as mudanças”. Outros culpam a legislação: “a lei trabalhista é demasiadamente rígida, desestimulando a contratação de trabalho”. Outros culpam a economia: “o investimento é anêmico e o crescimento insuficiente para gerar o número de empregos que a nação precisa”. Afinal, quem tem razão? Todos. Os problemas do mundo do trabalho são realmente determinados pela educação, pela lei e pela economia. Cada um desses fatores tem uma enorme parcela de responsabilidade. Por isso, Enriquez nos exorta a buscar a ação que o exercício de cidadania nos exige: “è preciso que os seres humanos possam encontrar a sua dimensão histórica, o seu peso na história. Que eles possam, também, reencontrar o sentido político e o significado dos seus atos”. 54 Para buscarmos este “sentido político dos nossos atos”, procuraremos neste capítulo discutir a educação profissional no Brasil e em Minas Gerais, com suas reformas educacionais e seus reveses, bem como a inserção da mão-de-obra qualificada no mercado de trabalho. O ponto de partida para essa discussão será a educação e o desenvolvimento industrial brasileiro na 1ª República, pois, a partir desse momento, veremos a intensificar o processo de urbanização e a evolução de um modelo exclusivamente agrário-exportador para um modelo parcialmente urbano-industrial, o que irá pressionar o sistema escolar para que se expandisse. Até então, a estratificação social predominante na época 54 Idem. (1999, p. 83). 52 colonial, exigia uma educação que formava a elite do regime. Nesse sentido, permaneceu a educação acadêmica e aristocrática dando-se pouca importância à educação popular. Foi somente quando essa estrutura começou a dar sinais de ruptura que a situação educacional começou a tomar rumos diferentes. Primeiro com os movimentos culturais e pedagógicos em favor de reformas mais profundas; segundo, com o aumento da demanda escolar impulsionada pelo ritmo mais acelerado do processo de urbanização ocasionado pelo impulso dado à industrialização após a I Guerra e acentuada depois de 1930. 2.1 Primeira República Embora o Brasil estivesse centrado fortemente no modelo agro-exportador, no contexto situado entre o final do Império e o início da República, teve uma forte pressão dos diversos grupos da sociedade para transformá-lo num país cuja base econômica deveria estar fundada na produção industrial. A ideologia do desenvolvimento baseada na industrialização passou a dominar os debates em torno de um projeto para o país, para atingir o progresso, a independência política e a emancipação econômica. Nessa nova lógica, o analfabetismo é alçado ao estatuto de inaptidão do país para o progresso. Erradicá-lo passa a ser uma prioridade e por isso é preciso estender a escola às populações até então marginalizadas. Por iniciativa do presidente da República Nilo Peçanha – cujo mandato foi de 1909-1910 – foram criadas 19 escolas de Aprendizes e Artífices, uma em cada capital de estado, com exceção do RJ, cuja unidade foi construída na cidade de Campos, e do RS, onde em Porto Alegre funcionava o Instituto Técnico Profissional, o qual recebeu posteriormente o nome de Instituto Parobé. Esse novo sistema de educação profissional passou a ser mantido pelo Ministério da 53 Agricultura, comércio e indústria e tinha como finalidade ofertar à população o ensino profissional primário e gratuito. Assim sendo, Nilo Peçanha foi considerado o fundador do ensino profissional no Brasil. Apesar dos problemas apresentados pelas Escolas de Aprendizes a Artífices tais como: evasão, escassez de mestres de ofícios especializados e de professores qualificados, esse modelo de ensino profissional foi se consolidando ao longo do tempo e foi adquirindo os contornos necessários até constituir a rede de Escolas técnicas do país. O próprio presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca, que assumiu o poder em 15 de novembro de 1910, deixou clara a sua intenção de dar continuidade à obra iniciada por Nilo Peçanha. Minas Gerais também procurou abrir-se ao desenvolvimento econômico55 e, com isso, causou reformas no seu sistema educacional. Nesse sentido, iremos vislumbrar o desenvolvimento econômico mineiro como um desenvolvimento marcado pela exploração e exportação dos recursos minerais não transformados e por atividades agrícolas e pastoris, sendo elas caracterizadas pela auto-suficiência que deu origem a uma formação social peculiar: de um lado, grupos sociais ligados às atividades agropastoris e cafeeiras, portanto ruralizadas. E por outro, grupos sociais ligados às atividades de mineração, portanto, urbanizados e diversificados. Por isso, o sistema educacional foi chamado a desempenhar uma função primordial, qual seja: preparar a mão-de-obra para inserir no mercado e com isso provocar o desenvolvimento. Assim, essa idéia iluminista de superar o atraso pelo saber estará presente nos diversos processos do desenvolvimento mineiro e, para ilustrarmos um desses momentos, citaremos o ensino agrícola em Minas durante a Primeira República. De acordo com 55 Desenvolvimento econômico será aqui entendido como uma idéia referente à superação intencional de uma situação de atraso relativo. Nesse sentido, envolve ações governamentais e articulações dos diversos grupos sociais para superação desse atraso. 54 Dulci56, primeira fase desse ensino vai de 1903 até cerca de 1920 e teve como eixo a idéia da educação básica para o trabalho. Na segunda57, a atenção se estendeu para o ensino superior, como parte de uma estratégia mais ambiciosa de modernização do campo. No governo de João Pinheiro (1906 a 1908) cabia ao Estado educar a população para o progresso58 e, como conseqüência dessa política, foram criados estabelecimentos de ensino agrícola onde eram divulgadas novas técnicas e o uso da mecanização. Conforme assinala Ângela Gomes: O Brasil da República Velha era um país eminentemente rural (60% da população em área rural), recém- saído do longo período de escravidão, com taxas nacionais de analfabetismo na ordem dos 75% da população. O Brasil da República Velha era também o país dividido entre os políticos bacharéis e os homens de ação. A ruptura com o atraso brasileiro significava, para muitos deles, a reorganização, em bases racionais e técnicas, do trabalho agrícola, da fixação do homem rural, dos instrumentos e agências de produção. Sintonizava-se, ainda, com a corrente ruralista que via no ensino profissional agrícola as possibilidades de recuperação do homem do campo e, por extensão, da própria agricultura brasileira. (...) Preparar o homem rural, inclusive com a formação de colônias agrícolas, pode ter sido um instrumento eficaz de preservação do latifúndio e da grande propriedade. Criar o senso de propriedade em pequenos agricultores é eficaz no sentido de criar uma mentalidade favorável ao respeito à propriedade de outrem. A posição de João Pinheiro guarda estreita conexão com esses pontos. 59 Havia, portanto, por parte do governo a crença de que a maior fonte de riqueza estava na agricultura, pois ela beneficiava grande parte da população oferecendo trabalho “mais fácil” e que atendia também as suas necessidades mais imediatas. Assim, combinar 56 DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999. Essa fase se dá principalmente no governo de Artur Bernardes (1918 a 1922), onde houve a valorização do ensino agrícola médio e superior, entendendo que o setor agropecuário requeria a formação de pessoal qualificado. Esse requisito foi atendido através da criação em 1920 da Escola Superior de Agricultura e Veterinária em Viçosa, sendo inaugurada em 1926. 58 Como João Pinheiro era adepto do positivismo, a idéia de progresso refere-se à aquisição de bens e de conhecimentos, capazes de mudar a vida social e dar-lhe um novo significado, resultando em maiores benefícios materiais e culturais para os membros da sociedade. (OLIVEIRA, Pérsio S. – Introdução à Sociologia - SP, Ed. Ática, 2005). 59 GOMES, Ângela de Castro (org.) - Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno - BH, 2005, p. 143. 57 55 formação técnica e aplicação prática foi a fórmula que orientou o governo na busca pelo desenvolvimento, sendo que para isso, era necessário erradicar o analfabetismo e formar recursos humanos para o mercado de trabalho. Nesse sentido, acreditava-se que o país iria se beneficiar como um todo. “O descuido com a educação popular seria o responsável pela inferioridade brasileira reificada nos processos rotineiros de predação, de falta de instrução para manuseio da terra e do trabalho, pela manutenção dos mesmos processos dos tempos coloniais” (idem, p. 145). Portanto, a universalização do ensino primário e a implantação das escolas agrícolas para a modernização do país, nos dão mostra de como era importante para o governo João Pinheiro a qualificação para o trabalho, iniciando-o desde o primário: “ensinar ao agricultor que tipo de produção se presta ao seu terreno, como lidar com a terra sem exauri-la, como lidar com máquinas, como modernizar o campo produtivo era a agenda de um currículo de Escola Agrícola” (idem, p. 160). O que nos chama a atenção nesse projeto de modernização, que tem como sustentáculo o binômio trabalho/educação, é o fato de que essa modernização ainda estava assentada em uma estrutura de desigualdade social, ou seja, mesmo havendo a preocupação por parte do governo com a educação popular, em erradicar o analfabetismo, fator de atraso segundo João Pinheiro, ainda assim era um projeto que promovia uma educação dual: para os pobres um ensino técnico de feição profissionalizante e para a elite uma educação geral que levava à ascensão ao ensino superior. Teremos algumas mudanças nessa estrutura, principalmente na década de 20, quando o país vivenciou crises no setor de exportação e quando sentiu as pressões vindas da classe operária e das classes médias urbanas por democracia. A indústria nesta época – década de 20 – se caracterizava pela produção do setor têxtil e alimentício. Em janeiro de 1929, já existia no Distrito Federal 56 um total de 1.937 fábricas, empregando 93.525 operários60. Os ramos básicos da infraestrutura como: siderurgia, mecânica pesada, por exemplo, não representavam qualquer contingente considerável. Mesmo assim, o aumento dessa industrialização acabou por atrair para as cidades, populações oriundas de outras localidades. Conter esse fluxo migratório e levar escola ao interior brasileiro, bem como enraizar os serviços escolares nos grandes centros urbanos passa a ser as metas da Reforma Sampaio Dória implantada em SP e que fora concebida nos moldes spencerianos61. Essa reforma reduziu a escolaridade primária obrigatória de quatro para dois anos porque, segundo Dória, dois anos de formação básica era suficiente para que o aluno exercitasse as suas “faculdades perceptivas”, desenvolvendo a sua “capacidade de conhecer”. A escola primária obrigatória de dois anos deveria ser: 1º. Instrumento de aquisição científica, como aprender a ler e escrever; 2º. Educação inicial dos sentidos, no desenho, no canto e nos jogos; 3º. Educação inicial da inteligência no estudo da linguagem, da análise do cálculo e nos exercícios de logicidade; 4º. Educação moral e cívica, no escotismo, adaptado à nossa terra e no conhecimento de tradições e grandezas do Brasil; 5º. Educação física inicial, pela ginástica, pelo escotismo e pelos jogos62 . Estabelecida pelo Decreto 1.750 de 8 de dezembro de 1920 e revogada em 1925, a Reforma teve o curso de sua implantação alterado pela exoneração de Sampaio Dória em abril de 1921, do posto de Diretor da Instrução Pública. Em 1924, reuniu-se no RJ, um grupo de educadores brasileiros imbuídos de idéias renovadoras sobre o ensino, sendo que, para eles, a educação era um elemento central para remodelar o país. Por isso, criaram a ABE (Associação Brasileira de Educação) para reivindicarem uma 60 FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930 – 8ª edição, SP, Ed. Brasiliense, 1982. Herbert Spencer (1820-1903) – empirista britânico, influenciado pelo positivismo, combatia a influência religiosa no ensino e na ciência. 62 CARVALHO, Marta Maria Chagas de - Reformas da Instrução Pública – in 500 anos de Educação no Brasil. Eliane M. T. Lopes (org.), BH, 2003, p. 228. 61 57 educação para todos e uma escola vinculada ao meio social, isto é, se a sociedade exigia uma mão-de-obra apta para exercer suas funções na indústria, então que a escola se incumbisse dessa formação. Assim, a ABE foi o resultado da influência das idéias então vigentes nos EUA63 e na Europa, que se convencionou chamar de “Movimento das Escolas Novas”. Faziam parte desse grupo Heitor Lira, José Augusto, Venâncio Filho, Carneiro Leão, dentre outros64 . No plano ideológico, as conferências realizadas pela ABE representavam o confronto de duas correntes opostas: a dos reformadores que tinham como princípios a gratuidade e obrigatoriedade do ensino, a laicidade e um Plano Nacional de Educação; e a outra corrente chefiada pelos católicos que viam na interferência do Estado um perigo de monopólio e na laicidade uma afronta aos princípios da educação católica. Um idealizador dessa concepção reformadora foi Anísio Teixeira que se inspirou na filosofia de John Dewey quando foi seu aluno num curso de pós-graduação nos Estados Unidos. Assim, propunha uma “educação como processo de contínua transformação, reconstrução e reajustamento do homem ao seu ambiente social móvel e progressivo”65. Convidado em 1926 pelo então governador da BA para reformar a Instrução Pública no Estado, Anísio viaja aos EUA e dessa viagem, edita o livro “Aspectos Americanos de Educação” onde registra o que considera como democracia norte-americana: “O caráter de uma escola pública onde pobres e ricos são vistos sentados juntos e onde o trabalho manual e o trabalho intelectual são indissociáveis”. 63 Dentre essas idéias, destaca-se as de John Dewey (1859-1952) que inspirou o movimento da Escola Nova. De acordo com a corrente filosófica deweyana, o papel da escola é reproduzir a comunidade em miniatura, apresentar o mundo de modo simplificado e organizado e, aos poucos, conduzir as crianças ao sentido e à compreensão das coisas mais complexas. Em suma, o objetivo da escola deveria ser ensinar a criança a viver no mundo. Os princípios do Movimento das Escolas Novas eram: a universalização da escola pública, laica e gratuita. (Revista Nova Escola – Grandes Pensadores, 2006). 64 ROMANELLE, Otaíza de Oliveira - História da Educação no Brasil - RJ, 1983. 65 CARVALHO, Marta Maria Chagas de - Reformas da Instrução Pública - BH, 2003, p. 244. 58 As novas responsabilidades da escola, segundo Anísio Teixeira, eram, portanto, oferecer situações em que o aluno, a partir da visão (observação), mas também da ação (experimentação) pudesse elaborar seu próprio saber. Assim, a pedagogia deixava-se impregnar pelos novos ritmos da sociedade da técnica e do maquinismo. Caberia ao professor “guiar” o aluno de modo a garantir que o máximo de frutos fosse obtido com o mínimo de tempo e esforços perdidos. Essa pedagogia respondia às exigências do momento, pois sabemos que a educação pública, gratuita, obrigatória e leiga é uma conquista do Estado burguês e surgiu na Europa com a ascensão da burguesia e o desenvolvimento da vida urbana. Historicamente é, portanto, uma conquista resultante da decadência da antiga ordem aristocrática e uma reivindicação ligada à nova ordem social e econômica, que, no nosso caso, começava a se definir mais precisamente após 1930. Minas Gerais também acompanhará o ideal escolanovista vigente no país. O governo de Antônio Carlos (1926-1930) juntamente com seu secretário dos Negócios do Interior, Francisco Campos, promoverá uma reforma no ensino cujo objetivo será a modernização da escola mineira, transformando-a em um importante agente de consolidação da nova ordem urbano-industrial. O Brasil caminhava para um novo tempo – o tempo da indústria – e o sucesso da ordem urbano-industrial estava diretamente ligado à capacidade do estado para modernizar-se, incorporando os segmentos que se sentiam excluídos do sistema, dentre eles os desempregados. Para isso, Antônio Carlos propõe um programa de governo voltado basicamente para as reformas administrativas do estado, do voto secreto e feminino e para a oferta de 59 escolas. De acordo com Ana Maria Peixoto66, a ênfase à educação no governo de Antônio Carlos justifica-se por uma série de razões, dentre elas o crescimento da indústria que acelera o processo de urbanização e acaba por trazer à tona a questão da formação da mão-de-obra. Assim, além de formar essa mão-de-obra, cabia às escolas divulgar uma nova moral, compatível com o mundo da fábrica. Essa “nova moral” tem como referência o Taylorismo, que é uma proposta de gerência científica, desenvolvida nos EUA no início do século, cujo objetivo seria alcançar maior eficiência e produtividade mediante o controle do trabalho operário. De acordo com esse ideal, haveria possibilidade de ascensão social promovendo as qualidades do indivíduo através da educação. Por estas razões, Francisco Campos realiza uma profunda reforma que atinge o ensino primário e normal. A opção pelo ensino primário se justifica pelo caráter estratégico que o governo atribui à escola primária no processo de democratização da sociedade. Este caráter estratégico está diretamente relacionado ao ensino da leitura e da escrita, condição indispensável ao exercício do voto e, consequentemente, ao usufruto dos benefícios da cidadania. Nesta perspectiva, expandir a escola primária seria estender as possibilidades de acesso à cidadania e, portanto, democratizar a sociedade. Já as preocupações com o ensino normal se devem ao fato de Francisco Campos considerar o trabalho do professor a base sobre a qual repousa a escola primária, visto que cabia ao professor ensinar aos alunos a viverem com mais tolerância, que aprendessem a responder às necessidades que as transformações tecnológicas impunham e que tivessem autodisciplina. Por isso a opção pela adesão aos princípios da Escola Nova, que enfatiza a participação do aluno no processo de aprendizagem e não um simples ato 66 Educação em Revista, FAE/UFMG, BH – nº. 16 – dezembro/1992, p. 13 a 17. 60 de memorização, já que o momento exigia uma mudança de paradigma devido a evolução da ciência e da tecnologia. A reforma educacional patrocinada por Francisco Campos em Minas Gerais, enquadra-se no paradigma de vários grupos que encaravam a sociedade brasileira como uma estrutura doente – doente porque analfabeta - cujos males caberia à elite erradicar. Por isso, a necessidade de reconstruir as instituições políticas e sociais, modernizando-as. Assim, esse movimento de reformas ocorrido em Minas alinha-se a outros movimentos modernizantes no país, cujo ápice será a Revolução de 30. Podemos dizer que, até 1930, o Brasil intitulava-se como um “país essencialmente agrícola”, visto que apresentava como primeiro item na sua pauta de exportação, produtos agrícolas (no caso, o café). No entanto, o estado de Minas começa a buscar outras opções. De acordo com Otávio Dulci67 a economia mineira apostou mais na policultura do que na primazia do café: “tratava-se de um rumo próprio, que levava a economia mineira a se distinguir do modelo primário-exportador dominante na economia brasileira”. Nota-se, nesse caso, a atitude discreta dos mineiros quanto à valorização do café, diferentemente da atitude dos paulistas. Não é do nosso interesse aprofundarmos aqui essa controvérsia, mas sim ressaltarmos que até 1930 o Brasil mantinha uma política econômica de valorização agrícola, pois compreendia que o processo de modernização do país deveria ser gradual, passando da agricultura para a indústria. A partir da década de 1930, já na Era Vargas, o país começa então a construir um parque industrial, tendo um avanço na urbanização e constituindo uma elite empresarial que estava alterando o predomínio das oligarquias cafeeiras68. Segundo 67 DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999, p.60. A diversificação econômica e a modernização social não deslocaram do poder a elite tradicional. Esta, ao contrário, se antecipou e procurou conduzir o processo, adaptando-se ao novo contexto da crise do modelo agroexportador e da centralização política pós-1930. (Dulci, 1999; cap. V). 68 61 Boris Fausto, os ramos têxteis e de alimentação ainda continuavam a predominar, abrangendo aproximadamente 61% do capital empregado. Mas, os anos seguintes à Revolução de 30 seriam caracterizados pelo desenvolvimento industrial, graças a ação do Estado para evitar o colapso da economia cafeeira (comprando e queimando café), combinada com a substituição de importações69. Com isso, o mercado se nacionalizava de forma crescente – processo que foi acelerado devido às duas guerras mundiais, entremeadas pela Grande Depressão de 29. A zona metalúrgica mineira passa, então, a ser uma área especializada na produção de bens intermediários para essa estrutura industrial: A Belgo-Mineira fora fundada em 1921 e iniciara algumas atividades em Sabará; depois a inauguração da usina de João Monlevade (1937) e da Cia. BelgoMineira. Poucos anos mais tarde, a Cia. Vale do Rio Doce se estabelecia em Itabira (1942), a Acesita em Timóteo (1944) e a Usiminas em Ipatinga (1956). (...) A criação de uma siderúrgica dentro do estado era de especial importância para o seu estímulo. A indústria de base foi equacionada inicialmente com a instalação, no estado, da usina da Mannesmann, empresa alemã (hoje V&M) que, ao iniciar, no Brasil, a ultra moderna fabricação de tubos de aço sem costura, possibilitou a expansão de numerosas outras indústrias a jusante70 . Em âmbito nacional, o movimento renovador pela educação reivindicava que o Estado assumisse o controle da educação e que esta deveria ser gratuita e obrigatória, dadas às necessidades da nova ordem econômica em implantação. A campanha pela escola pública foi uma campanha que visava, antes de tudo, à concretização de um dos princípios máximos do movimento: o direito de todos à educação. No entanto, o outro grupo – o dos católicos – lutava contra essa escola pública e gratuita, pois isso representava o esvaziamento das escolas privadas que em sua maioria era constituída por colégios de freiras e padres. 69 70 FAUSTO, Boris – A Revolução de 1930 – 8ª edição, SP, Ed. Brasiliense S.A., 1982, p.23. GOMES, Ângela de Castro (org.) - Minas e os Fundamentos do Brasil Moderno - BH, 2005, p.229. 62 Para conciliar esses diferentes interesses é que as constituições de 1934 e 1937 adotaram o ensino religioso facultativo, a gratuidade e a descentralização do ensino. Entretanto, a Constituição de 1937, apesar de manter a gratuidade e obrigatoriedade do ensino, foi mais enfática na questão do ensino profissional. 71 Oficializando o ensino profissional como ensino destinado aos pobres, o governo o dividia em duas partes: uma que correspondia ao ensino secundário - que teria um caráter propedêutico ao ensino superior, formador das elites – e a outra parte que compreendia os ramos profissionais (industrial, comercial e agrícola), formador da mão-de-obra que a sociedade industrial necessitava. Nesse caso, o movimento renovador que ao proclamar a educação como um direito de todos, sem distinção de classes sociais e de afirmar ser dever do Estado assegurá-la, constituiu-se em um avanço para a época, porque trata a educação como uma questão de cidadania. No entanto, o movimento peca em um ponto: não questionava a nova ordem que se estava implantando. Lutava apenas contra a escola tradicional e elitista e não contra o sistema que continuava mantendo o predomínio da elite no poder. Em 1942, por iniciativa do ministro de Getúlio Vargas, Gustavo Capanema, foram instituídas reformas parciais no ensino que atendessem aos interesses econômicos – “formação da força de trabalho que possibilitasse a realização do projeto de desenvolvimento assumido pelo Estado Novo” – e por questões ideológicas – “para montar um quadro geral e simétrico que abrangesse todos os tipos de ensino”72. Essas reformas foram chamadas de Leis Orgânicas do Ensino. Essas leis estruturaram o ensino técnico – profissional, e começaram a ser promulgadas em 1942 sendo, portanto, decretadas de forma gradativa: 71 Art. 129 – O ensino pré-vocacional e profissional, destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. ( citado no PCN – ensino médio, 1999; 96). 72 MANFREDI, Silvia Maria - Educação Profissional no Brasil - SP, 2002, p. 99. 63 a) Em 30/01/1942, o decreto – lei nº. 4.073 organizava o ensino industrial; b) Em 28/12/1943, saía a lei orgânica do ensino comercial, pelo decreto – lei nº. 6.141; c) Em 20/08/1946, findo o Estado Novo, saía o decreto – lei nº. 9.613 chamado lei orgânica do ensino agrícola. Esses decretos – lei organizaram o ensino técnico profissional nas três áreas da economia, de forma que ele contivesse dois ciclos – um fundamental, geralmente de quatro anos e outro técnico, de 3 a 4 anos: O ensino primário, com quatro ou cinco anos de duração, destinava-se a todas as crianças de 7 a 12 anos (Decreto – lei 8.529, de 2 de janeiro de 1946). O ensino médio, para jovens de 12 anos ou mais, compreendia cinco ramos. O ensino secundário (Decreto – lei 4.244, de 9 de abril de 1942) tinha por objetivo formar os dirigentes pelo próprio ensino ministrado e pela preparação para o superior. Os demais ramos do ensino médio tinham a finalidade de formar uma força de trabalho específica para os setores da produção e da burocracia: o ensino agrícola para o setor primário; o ensino industrial para o setor secundário; o ensino comercial para o setor terciário; o ensino normal para a formação de professores para o ensino primário. Cada ramo de ensino estava dividido em dois ciclos, o primeiro propedêutico ao segundo. (idem, 2002; 99). Devemos lembrar que, devido ao período da 2ª Guerra Mundial, exigia-se uma contenção de produtos importados e mão-de-obra também importada. Por isso, o Estado deveria satisfazer as necessidades de consumo da população com produtos de fabricação nacional – expandindo assim o setor industrial – e absorver mais mão-de-obra qualificada, já que essa não poderia ser importada. As indústrias passam, então, a treinar seu pessoal para suprir a demanda e, com esse engajamento das indústrias, temos a criação do SENAI (1942) e o SENAC (1943). Apesar do aspecto positivo de suprir o mercado com mão-de-obra qualificada nacional, o ensino técnico apresentou algumas falhas: primeiro devido à falta de flexibilidade entre os vários ramos do ensino profissional e entre esses e o ensino secundário. Essa falta de flexibilidade traçava o destino do aluno no ato mesmo do seu ingresso no ciclo básico. A menos que ele abandonasse completamente os estudos a meio caminho, se quisesse reorientar sua escolha deveria interromper o curso que estivesse fazendo e recomeçar em outro ramo 64 sem ter a chance de ver seus estudos aproveitados. Isso representa um desperdício de recursos aplicados à educação e uma perda de tempo por parte do aluno. Um segundo aspecto relacionado às falhas no ensino técnico e também à falta de flexibilidade, referese ao acesso aos cursos superiores. O aluno só teria acesso a ele através do ramo profissional correspondente ao que estivesse cursando. Se quisesse seguir carreira em outra área, teria que fazer o curso profissional correspondente ou o curso colegial secundário. Mais do que nunca, a legislação reforça a seletividade e a velha mentalidade adotada na educação das elites. O gráfico a seguir, ilustra bem essa situação: Articulação entre os níveis de ensino, segundo as “Leis orgânicas” 1942 – 1946 (Manfredi, 2002; 100) Como se pode notar, as Leis orgânicas instituídas no governo Vargas, acabaram por acentuar a velha dicotomia do ensino: por um lado, o ensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático – que preparava para o ingresso ao ensino superior. E por outro, existiam as escolas que preparavam mais rapidamente para o trabalho – essas dedicadas às camadas mais pobres. Ainda segundo Manfredi, “no período que sucedeu o 65 Estado Novo, de 1945 a 1964, o Estado continuou sendo o principal protagonista dos planos, projetos e programas de investimentos que alicerçaram o parque e o empresariado industrial”. Essa atuação era no sentido de tornar-se o empresário nas indústrias de base – como, por exemplo, na siderurgia – e nos setores de energia e transporte. Por isso, com a instalação da CSN em Volta Redonda no RJ, a participação relativa de Minas Gerais na produção siderúrgica nacional declina. Será nos anos 40, devido a acordos firmados entre o governo brasileiro e os EUA para fazer frente ao esforço de guerra, que o projeto de construção da Vale do Rio Doce viabiliza-se. De acordo com Otavio Dulci, havia uma migração de mão-de-obra mineira para os estados vizinhos, motivada principalmente por uma política de apoio à diversificação agrícola e ao pouco estímulo dado à indústria73. Para responder às críticas, feitas pela oposição, o governo de Benedito Valadares (1933 a 1945) criou o Parque Industrial em Contagem que atraiu, de imediato, duas indústrias suficientemente importantes para dar credibilidade ao empreendimento. São elas: Itaú (cimento) e Magnesita (refratários). Essas empresas atuavam no segmento de bens intermediários, um dos setores produtivos que iriam caracterizar a participação de Minas no sistema industrial brasileiro. Com o governo de Milton Campos (1947-1951) a ênfase será dada a uma modernização equilibrada entre a indústria e a agricultura, equacionando assim o problema do atraso econômico em termos de equilíbrio estrutural entre cidade e campo: 73 O deputado Magalhães Pinto, em seu discurso, atribuiu o problema à inépcia do governo Valadares em estimular a produção, à sua truculência fiscalista com as empresas e à sua negligência diante do êxodo rural e da migração maciça de trabalhadores para outros estados. (DULCI, Otávio Soares – Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais, 1999; 72). 66 Que adianta atacar problemas transcendentes da industrialização à outrance, se o homem, sub-alimentado, perdeu sua eficiência? Até hoje a proclamada economia dirigida tem oposto restrições à produção agrícola e incentivado o desenvolvimento das indústrias manufatureiras. As conseqüências dessa orientação desarmônica já se fazem sentir, e a menor tem sido o êxodo das populações rurais para os centros populosos. Não pretendemos, é claro, criticar as realizações industriais, mas, apenas, mostrar que o crescimento destas deve ser paralelo ao desenvolvimento da produção agropecuária74 . Assim, o governo deu ênfase ao ensino agrícola nos níveis médio e elementar, considerando que o ensino superior já se desenvolvia adequadamente. Ao mesmo tempo, o governo Milton Campos, através do secretário de governo Américo René Gianetti, ligado à indústria siderúrgica, apóia o processo de industrialização, pois via nele uma forma de promover o desenvolvimento do Estado, bem como manter a parceria com as demais atividades produtoras: agricultura e pecuária. Essa também constituía em uma forma de impedir o êxodo dos mineiros para outros estados. Em seu governo foi instituído o Programa de Recuperação Econômica e Fomento da produção que se desdobrou em vários projetos de eletrificação, transportes, política fiscal e de financiamento da produção, criação de cidades industriais e redes de frigoríficos, que levaram à criação de inúmeros órgãos, comissões e serviços para a sua execução. Com a eleição de Juscelino Kubitschek (1951 a 1955) ao governo de Minas, a orientação política até então conduzida, seria reinterpretada. Em lugar da expansão articulada da agricultura, da indústria e da busca do equilíbrio entre a cidade e o campo, agora desenvolvimento significava industrialização e era algo que se referia basicamente ao espaço urbano. Isso não significa que houvesse corte com o passado. Ao contrário, tratava-se de uma retomada da fase industrializante de Benedito Valadares, aproveitando as iniciativas de Milton Campos, tais como a Taxa de Serviços de Recuperação Econômica que o governo Milton Campos havia instituído para financiar o 74 DULCI, Otávio Soares - Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais - BH, 1999, p. 86. 67 seu Programa de Recuperação e que, com Juscelino, foi canalizada para os projetos de infra-estrutura. Assim, a orientação do governo JK foi expressa no “Binômio Energia e Transportes”, visto que esses dois fatores eram essenciais para manter e ampliar o parque industrial. O DER (Departamento de Estradas de Rodagem) e a CEMIG (Centrais Elétricas de MG) serão os dois principais organismos para condução da política de energia e transportes. No entanto, ao demarcar uma área prioritária, qual seja infra-estrutura, o projeto de Kubitschek implicava o enfraquecimento relativo de outros campos de ação governamental, dentre eles a agricultura: “ A Secretaria da Agricultura, que vinha funcionando desde os anos 30 como uma espécie de pasta da Economia, núcleo das políticas de desenvolvimento regional em sentido amplo, teve seu peso dentro da governo sensivelmente reduzido nessa fase”75. A concepção da época era de que o campo era o “atraso”, de que não se devia investir nele. A idéia do “país essencialmente agrícola” deveria ser superada. Foi o que o governo JK (1955 a 1960) procurou fazer, mesmo tendo ele sido conduzido ao poder pelo PSD (Partido Social Democrático), partido essencialmente dominado pelas oligarquias rurais. O governo Kubitschek inaugurou assim, uma nova era no desenvolvimento industrial brasileiro. 2.2 Período Desenvolvimentista O chamado Desenvolvimentismo – assim denominada a política econômica do governo Juscelino – consistiu em levar adiante a industrialização através da ampliação da indústria de base e da criação de um setor de bens de consumo duráveis. O Plano de 75 DULCI, Otávio S. – Política e Recuperação Econômica em MG – BH, 1999. 68 Metas de Juscelino previa a ampliação da indústria de base – a siderurgia e o setor energético principalmente – através de recursos públicos e empréstimos externos. A novidade maior desse plano, entretanto, estava na criação de um setor de bens de consumo duráveis – produção de automóveis, eletrodomésticos e aparelhos eletrônicos – com base no capital estrangeiro, isto é, na entrada maciça de empresas multinacionais no país. Estas empresas, em conseqüência do Plano de Metas do governo, rapidamente constituíram o setor mais dinâmico e lucrativo da economia brasileira, absorvendo ou subordinando boa parte das empresas nacionais. Quanto à educação, foi de fundamental importância que o sistema educacional do país atendesse a demanda por pessoal mais qualificado devido ao processo de desenvolvimento. A existência de um novo mercado de trabalho moldado pelo processo de industrialização exigia da Escola a especialização e a técnica. É neste “clima” fortemente desenvolvimentista da década de 50 que estava sendo discutida a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que se constituirá em um plano Nacional de Educação sinalizando para os Estados a necessidade de adequar seus sistemas educacionais ao processo de desenvolvimento do país. Em 1956, o governo de Minas, em convênio com o Programa Americano Brasileiro de Assistência ao Ensino Elementar (PABAEE), cria um centro experimental piloto no Instituto de Educação de BH, inaugurando a fase de implementação dos acordos firmados entre Brasil e EUA, a partir de 1950. Estes acordos fixavam os princípios e normas de cooperação técnica e resultavam da estratégia elaborada pelo presidente norteamericano Truman, para prevenir a influência das teorias comunistas na órbita dos países subdesenvolvidos76. 76 REZENDE, Marilza Abrahão Pires – A Educação Mineira dos anos 60/70 – Dissertação de Mestrado defendida em junho de 1993, FAE – UNICAMP. 69 Este é um dos exemplos de como o professorado brasileiro e em particular o mineiro, vai sendo preparado para assumir a implantação das reformas educacionais necessárias ao desenvolvimento econômico do país. A idéia da modernização da escola, através da “administração científica” de seus recursos materiais e humanos, tendo em vista o desenvolvimento econômico, soma-se àquela da educação vista como importante instrumento de política governamental. Esta será a tônica dos planejamentos governamentais em Minas Gerais, evoluindo de seus aspectos puramente políticos – expansão da rede escolar, aumento crescente de matrículas – aos aspectos técnicos – necessidade de implantação de um regime de trabalho eminentemente técnico para o desenvolvimento de Minas. A partir do período de 1956/60, quando o processo de industrialização brasileiro aprofundou sua integração na economia mundial por meio da abertura ao capital externo e às empresas multinacionais, faz-se necessário um tipo de escolaridade que capacite os trabalhadores a ocupar os novos postos de trabalho. Um marco importante de organização do sistema educacional nesse período, foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61)77 que constituiu a primeira lei global de educação do país. Nela se observa uma articulação entre os ensinos secundário e profissional, permitindo com isso o ingresso em qualquer curso do ensino superior para qualquer aluno que tivesse concluído o ramo secundário ou o profissional. 77 78 Esse foi, sem “A expressão “diretrizes e bases” foi objeto de várias interpretações ao longo da evolução da educação nacional. Segundo J.S.B. Horta, a interpretação dos educadores liberais para a expressão ‘diretrizes e bases’, durante os embates da década de 40, contrapunha-se à idéia autoritária e centralizadora de que a União deveria traçar valores universais e ‘preceitos diretores’, na expressão de Gustavo Capanema. Segundo o autor, para os liberais: ‘diretriz’ é a linha de orientação, norma de conduta. ‘Base’ é superfície de apoio, fundamento. Aquela indica a direção geral a seguir, não as minudências do caminho. Esta significa o alicerce do edifício, não o próprio edifício que sobre o alicerce será construído. Assim entendidos os termos, a Lei de Diretrizes e Bases conterá tão-só preceitos genéricos e fundamentais”. (PCN – Ensino médio, 1999; 87). 78 Art. 12 – Os sistemas de ensino atenderão à variedade dos cursos, à flexibilidade dos currículos e à articulação dos diversos graus e ramos. (Lei 4.024/61, título V, pg. 981). 70 dúvida, um grande progresso da lei, pois quebrou a rigidez do ensino permitindo uma maior flexibilidade na passagem entre o ensino profissionalizante e o secundário. Mas, também mostra um retrocesso em relação à legislação anterior, que determinava principalmente o dever do Estado em garantir o ensino gratuito. Observemos o art. 95, letras “a” e “c” dessa mesma lei: Art. 95 – A União dispensará a sua cooperação financeira ao ensino sob a forma de: a) Subvenção, de acordo com as leis especiais em vigor; b) (...) c) Financiamento a estabelecimentos mantidos pelos Estados, municípios e particulares, para a compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em vigor. Para um país, que não tinha recursos para estender sua rede oficial de ensino de forma a atingir toda a população em idade escolar foi, sem dúvida, um retrocesso. Na verdade, essa retirada de autonomia e de recursos da esfera pública para privilegiar a esfera privada, só é compreensível dentro da forma de organização da sociedade brasileira que, nesse caso, mostra a interferência na política educacional do setor privado em beneficio próprio. O golpe de 1964 que inaugurou o regime militar e os eventos de 1968 que culminaram na edição do Ato Institucional nº. 5, demonstra a vitória dos setores modernos do empresariado (ligados à produção de bens intermediários) sobre os setores tradicionais (ligados à indústria têxtil e de laticínios) coroando um processo de aproximação ideológica cujo denominador comum era a reordenação do capitalismo brasileiro sob a direção do setor da classe dominante ligada ao capital internacional. 71 2.3 Ditadura Militar O golpe militar visou, então, à eliminação do nacionalismo e assim afastar todos os obstáculos ao desenvolvimento econômico capitalista, alicerçado na penetração do capital estrangeiro no país e na concentração de renda. Também visou eliminar os movimentos reivindicatórios dos trabalhadores urbanos e rurais, que desejavam ir além dos limites impostos pela manipulação populista79. Assim, a partir de 1964, com o fortalecimento das forças armadas e do empresariado, os grandes projetos nacionais passam a ser a prioridade como, por exemplo, a construção de Itaipu, os pólos agropecuários da Amazônia, etc., sendo para isso, necessário implantar programas que necessitavam de mão-de-obra em massa. Por isso, revitalizou-se o Programa Intensivo de Formação de mão-de-obra (PIPMO)80 . No âmbito do sistema escolar como um todo, os governos militares protagonizaram um projeto de reforma do ensino fundamental e médio mediante a Lei 5.692/71 – que veio tornar universal e compulsoriamente profissional o ensino de 2º grau. Com a profissionalização universal e compulsória, os estudantes já sairiam do 2º grau com uma habilitação profissional e estariam aptos a entrar no mercado de trabalho. Conforme ressalta Sílvia Manfredi “essa idéia de profissionalização universal e compulsória ocorreu em um momento em que o país objetivava participar da economia internacional e, neste sentido, delegou (entre outras coisas) ao sistema educacional a atribuição de preparar os recursos humanos para a absorção pelo mercado de trabalho”. 79 VITA, Álvaro de – Sociologia da Sociedade Brasileira – 2ª edição, SP, Ed. Ática, 1991. O PIPMO foi criado no governo João Goulart pelo decreto 53.324, de 18 de dezembro de 1963, para treinamento acelerado de modo que fossem supridos de força de trabalho os diversos setores da economia. (MANFREDI, 2002; 104). 80 72 A nova lei tinha por objetivo geral “proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”.81 Assim, pela primeira vez na história da educação brasileira foi menosprezada a função propedêutica do 2º grau e se procurou explicitamente aliar a função formativa à profissionalizante. O ensino secundário, o ensino normal, o ensino técnico industrial, o ensino técnico comercial e o ensino agrotécnico passaram a constituir um ramo único, com as escolas oferecendo cursos profissionalizantes – destinados a formar técnicos para as atividades econômicas. Os cursos propedêuticos como o antigo colegial (clássico e científico) não teria mais espaço nesse grau de ensino. Outro aspecto que a Lei se refere é em relação aos cursos técnico-industriais, que eram promovidos pelas Escolas Industriais da rede federal. A partir de 1971 desativaram-se os cursos industriais de primeiro ciclo (ginásios industriais), pois seus cursos seriam como o de todas as demais escolas de 2º grau, ou seja, profissionalizantes e estes foram transformados em Escolas Técnicas Federais, sendo que em algumas foram implantados os cursos superiores de engenharia, convertendo-as nos Centros Federais de Educação Tecnológica. De escolas antes destinadas aos desvalidos no tempo em que eram Escolas de Aprendizes e Artífices, essas se converteram em Escolas técnicas, nas quais a grande parcela dos técnicos por elas formados, no contexto dos anos 60 e 70, eram recrutados pelas grandes empresas privadas ou estatais82 . Na verdade, o que se observa na proposta da Lei 5.692/71 é uma tentativa em dotar a educação do mesmo tipo de racionalidade característica das chamadas organizações 81 Lei nº. 5.692 de 11 de agosto de 1971, capítulo I, art. 1º. Foi sancionada pelo general-presidente Emílio G. Médici e seu ministro da Educação o coronel Jarbas Passarinho. 82 SANTOS, Jailson Alves dos - A Trajetória da Educação Profissional - BH, 2000. 73 moderna. Essa tentativa se configura na multiplicação de hierarquias ocupacionais dentro do sistema escolar – supervisores, orientadores, administradores e inspetores – e também na caracterização da atividade educacional em termos tecnicistas, mais apropriados ao universo empresarial: Art. 36 - Em cada sistema de ensino, haverá um estatuto que estruture a carreira de magistério de 1º e 2º graus, com acessos graduais e sucessivos, regulamentando as disposições específicas da presente Lei e complementando-as no quadro da organização própria do sistema. Art. 38 - Os sistemas de ensino estimularão, mediante planejamento apropriado, o aperfeiçoamento constante dos seus professores e especialistas de Educação. (Cap. V – dos professores e especialistas). Em síntese, a grande novidade do ensino de 2º grau foi a introdução da obrigatoriedade da formação profissional neste nível. No entanto, durante mais de 10 anos, desde sua promulgação até a revogação definitiva dessa obrigatoriedade em 1982, sofreu todo tipo de críticas e objeções, dentre elas podemos destacar: • • • • A profissionalização restringiu-se, praticamente, às escolas públicas e particulares que já eram profissionalizantes antes da Lei; Os Estados ainda possuem escolas nitidamente acadêmicas; A preferência é pela implantação de habilitações de baixo investimento, geralmente ligadas às atividades terciárias (sobretudo magistério, contabilidade e secretariado), sem qualquer consonância com as necessidades do mercado de trabalho ou com as aptidões manifestas dos alunos; A maioria da clientela do ensino de 2º grau não tem interesse em adquirir uma profissão, sendo que sua grande motivação é a continuidade dos estudos. 83 Essas informações mostram que não foi alcançada a integração entre as funções propedêutica e profissionalizante do ensino de 2º grau. As escolas, para sobreviver, optaram pela estratégia de transformar a parte de educação geral em mero apêndice da formação especial ou vice-versa, conforme a demanda de sua clientela. Assim, os anos 83 CURY, Carlos Roberto Jamil - A Profissionalização do Ensino na Lei nº 5.692/71 - Brasília, 1982. 74 setenta se abrem sob a perspectiva de importantes mudanças com o processo de elaboração daquela que viria a ser a grande reforma do ensino elementar e secundário empreendida pela ditadura e que daria origem a Lei 5692/71. Minas acompanhava a política do regime militar e também se viu inserida nesse contexto. Em 1965, no então governo de Israel Pinheiro (1965-1971), foi introduzida uma nova matéria no currículo do curso Primário e Médio do Estado destinada ao esclarecimento dos alunos sobre os objetivos, obras e realizações do governo estadual para identificá-los com a realidade em que vivem. Uma novidade foi a autorização para o funcionamento de um novo curso de aprendizagem para crianças denominado “Arte, trabalho e vida” que funcionaria junto ao curso primário “dando a criança a oportunidade de aprender uma profissão que lhe garanta a subsistência no futuro”. O curso teria a duração de quatro anos (da 1ª a 4ª série) compreendendo várias matérias: carpintaria, sapataria, culinária, costura, artes decorativas, enfermagem de urgência, técnicas domésticas, artes dramáticas, eletricidade caseira, tecelagem e outros. A origem dessa proposta está no diagnóstico elaborado pela Secretaria do Trabalho e Cultura Popular através da Comissão de Mão de obra e do desemprego, cuja conclusão principal foi a de que a falta de especialização é o principal fator do desemprego. Em 1971 assume o governo de Minas, Rondon Pacheco (1971-1975), criando o Sistema Educacional de Planejamento cujo objetivo principal era o de adotar o planejamento em todos os níveis da administração pública. Neste sentido, medidas como a assinatura de acordos com a UFMG para racionalizar a administração, demonstrava interesse do governo na mudança de qualidade de sua administração e o crescimento do papel que os “técnicos” passaram a exercer em todos os setores da máquina governamental do 75 Estado. Também a idéia de modernização da escola não só como instrumento de política governamental, mas também como instrumento de política econômica está explicitado nas orientações contidas no PMDES (Plano Mineiro de Desenvolvimento Econômico e Social) para a área de Educação. Dentre as mais sugestivas orientações, estão aquelas que indicam a necessidade da formação de técnicos de nível médio conjugada às necessidades ocupacionais do setor produtivo e a busca da integração da unidade educacional à comunidade, através de uma vinculação mais estreita entre Escola/Empresa. Assim, quando os problemas econômicos e sociais gerados pelo modelo de desenvolvimento adotado pelo país pós-64 e agravados pela crise do petróleo, pela elevação dos juros e pela escassez de créditos a nível internacional a partir do final dos anos 70, o governo teve que promover uma “abertura” na tentativa de incorporar novos segmentos sociais à sua base social e diminuir a força dos opositores do regime. Como um dos focos de tensão era a tão criticada profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, o então general-ministro da educação do governo Figueiredo - Ney Braga - fez uma “reinterpretação” da lei 5.692/71 mantendo o ideal do ensino profissionalizante, mas aumentando a carga das disciplinas de caráter geral. Segundo Cunha, essa meia profissionalização não agradou a ninguém, “a não ser aos membros do Conselho Federal de Educação, ansiosos por uma retirada sem reconhecer seus próprios erros”. E como as resistências continuaram foi preciso criar outra lei. A nova lei que irá alterar a 5.692/71 que qualificava para o trabalho, será a Lei 7.044/82 que chega com um termo impreciso como “preparação para o trabalho” e, nesse sentido, permite uma visão abstrata do trabalho com resultados pedagógicos muito ruins: 76 Art. 4º & 1º - A preparação para o trabalho, como elemento de formação integral do aluno, serão obrigatória no ensino de 1º e 2º graus e constará dos planos curriculares dos estabelecimentos de ensino. & 2º - A preparação para o trabalho, no ensino de 2º graus, poderá ensejar habilitação profissional, a critério do estabelecimento de ensino. Voltamos, assim, ao modelo anterior a 1971: as escolas propedêuticas para as elites e profissionalizantes para os trabalhadores, mantendo-se, contudo, a equivalência. Assim, a Lei 7.044/82 representou, de fato, o esvaziamento do ensino profissionalizante no 2º grau. A preparação para o trabalho poderia ser entendida de modo tão lato, que estaria plenamente atendida por uma escola de 2º grau, especializada na preparação para os exames vestibulares, que oferecesse aos alunos informações sobre os cursos de nível superior, promovesse visitas às empresas, palestras, assim como propiciasse a realização de testes vocacionais. Mesmo quando fazia menção à preparação para o trabalho em cooperação com empresas, estas não teriam o compromisso de absorver essa mão-deobra: Art. 6º - As habilitações profissionais poderão ser realizadas em regime de cooperação com empresas e outras entidades públicas ou privadas. Parágrafo único – A cooperação quando feita sob forma de estágio, mesmo remunerado, não acarretará para as empresas ou outras entidades vínculo algum de emprego com os estagiários, e suas obrigações serão apenas as especificadas no instrumento firmado com o estabelecimento. (Lei 7.044/82) Neste caso, as escolas técnicas industriais proporcionavam simplesmente uma adequada preparação para o vestibular e o ingresso ao curso superior. Fracassada, então, a política de profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, procurou-se incentivar os cursos superiores de curta duração, em especial os da área tecnológica – que eram feitas nas escolas técnicas federais que foram rebatizadas de Centros federais de educação tecnológica (CEFET). Os concluintes desses cursos deixaram de receber o 77 título de “engenheiros de operação”, para serem chamados de “tecnólogos”, categoria que marca a separação dos técnicos de nível médio e dos engenheiros propriamente ditos. Não podemos dizer, por isso, que a LDB de 1982 constituiu-se em um avanço. É certo que os concluintes desses cursos de curta duração chegavam mais cedo ao mercado de trabalho. Mas, devido aos empréstimos externos que o governo contraiu nos anos 70 a juros flutuantes e que explodiu na década seguinte, na chamada “década perdida”, a adoção de uma política de arrocho salarial e a redução dos gastos públicos nas áreas sociais, fez com que o mercado de trabalho sofresse uma retração, configurando assim em um quadro de recessão84 . E será neste contexto e nestes limites que se inscrevem as reformas educacionais no Brasil. Com o processo de redemocratização, que se concretizou em 1985 com a saída dos militares do poder e a entrada do governo civil de José Sarney (1985 a 1989) inaugurando assim a Nova República, que os debates se intensificavam em torno das mudanças que deveriam ser dadas à educação e, por extensão, ao ensino profissional. Esses debates se deram por meio dos grupos compostos pelas diversas correntes do pensamento educacional que acabaram por fazer coro com a promulgação da nova constituição de 1988. 2.4Nova República Em Minas, esses ventos da mudança também se faziam sentir através do governo Tancredo Neves (1983-1987, em agosto de 1984, desincompatibiliza-se do cargo para 84 FILHO, Domingos Leite Lima - De Continuidades e Retrocessos Históricos: razões e impactos da reforma da educação profissional no Brasil. - PR, 1999. 78 disputar a presidência da República, assumindo o seu vice, Hélio Garcia85), cujo Secretário da Educação, Otávio Elísio, entrou com uma proposta de mudar os rumos da educação mineira. A proposta do novo secretário era a de promover um amplo debate que envolvesse pais, alunos e professores, em todas as escolas, e isso se concretizou no Congresso Mineiro de Educação realizado de agosto a outubro de 1983. Esse congresso foi uma proposta de democratização das relações de poder na escola pública estadual de Minas Gerais, denominada “Educação para a Mudança” no bojo de uma grande movimentação de abertura política após vinte anos de ditadura militar. A dinâmica do Congresso Mineiro de Educação não fugiu do protótipo da consulta às bases e foi realizado em três etapas num espaço de três meses: um encontro Municipal em cada unidade escolar de todos os municípios para a expressão dos atores em nível de instituição escolar; um encontro Regional para a constatação dos problemas, necessidades e expectativas em nível de região e um encontro Estadual para a apresentação de uma proposta de política educacional para o Estado, a qual originou o Plano Mineiro de Educação para o quadriênio 1984/87. Dentre as propostas elaboradas no congresso, houve a sugestão para a implantação de colegiados como forma de viabilizar a administração participativa das escolas e para a adoção de concurso público para contratação de professores. No entanto, em relação ao ensino de 2º grau, objeto desse estudo, havia propostas generalizantes que nada dizia em termos de uma preocupação concreta com o ensino de 2º grau. Apenas a oferta de cursos, ampliação de escolas normais e a reorientação de estágios poderiam ser citadas como propostas concretas, cujas atividades realizadas limitaram-se à ampliação em termos quantitativos sendo que, a programação trienal não previa atividades relacionadas ao 2º grau. Nesse 85 Fonte: Governo de MG. Disponível em: http://www.mg.gov.br. Acesso em 26 de julho/2007. 79 sentido, o que se esperava desse congresso era que a discussão alterasse profundamente a visão economicista da educação predominante nas décadas anteriores e que de fato ocorresse uma verdadeira democratização do ensino. Mas, o que se viu foi que o mesmo caiu no lugar-comum dos processos de consulta às bases, ou seja, os atores foram convidados a colocar na mesa seus interesses e necessidades, mas esses sofreram uma generalização crescente durante o processo de consulta e acabaram transformando-se em propostas bem próximas àquelas pensadas pelos integrantes dos órgãos administrativos, detentores do poder de decisão. Como exemplo podemos citar as medidas adotadas que, mesmo abrindo alguns precedentes como a administração colegiada nas escolas e o critério de recrutamento de professores através de concursos públicos, não adotou eleições diretas para diretores escolares.86 Quando se promulga a nova Constituição em 1988, no governo José Sarney (19851989), esta determinava: Art. 208 – O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio. Art. 214 – A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica do país87. O que podemos salientar nessa nova constituição relativa ao Capítulo “da educação, cultura e desporto”, foi o fato da mesma provocar um repensar sobre a educação e o que essa educação deveria ser a partir da “nova” realidade que o país estava vivenciando. 86 ROCHA, Carlos Vasconcelos - Anatomia de uma Reforma: descentralização da educação pública de MG e mudança institucional - RJ, 2003, p. 577. 87 Constituição da República Federativa do Brasil – Ministério da Educação, Brasília/DF, 1988. 80 Essa realidade diz respeito principalmente à política nacional implantada desde o governo Sarney, e que estava sendo progressivamente submetida às orientações do projeto neoliberal, que tinha como paradigma a flexibilização do trabalho e a privatização das empresas estatais. É notório, por exemplo, no governo Collor (1990 a 1992)88 o apelo modernizador que perpassa todo o discurso governamental. Esse apelo modernizador referia-se à superação das práticas centralizadoras do passado para um modelo descentralizador de administração e que, no caso da educação, implicava em um ajuste às funções do Ministério da Educação. Esse deveria reduzir os desequilíbrios regionais, no caso do ensino fundamental e médio, fiscalizando e normatizando todo o sistema por meio de mecanismos de avaliação permanente quanto à qualidade do ensino, bem como na busca de propostas inovadoras no que se refere aos conteúdos pedagógicos. Não é de o nosso interesse aprofundar aqui as propostas do governo, mas tão somente conhecermos a política educacional desse governo. Por isso, recorreremos aos estudos dos pesquisadores do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica aplicada), Xavier e Eichenberg 89 que analisando o período Collor, destaca seis documentos básicos que nortearam a área educacional. São eles: o Plano Plurianual para o período 1991-1995 que era um instrumento de previsão, organização e sistematização do MEC. Segundo os referidos pesquisadores, esse plano morreu praticamente quando nasceu devido às dificuldades do MEC em compatibilizar meios e fins, e também por sofrer os efeitos da tortuosa prática orçamentária do governo federal; o segundo documento foi o Plano Nacional de Alfabetização e cidadania, que era uma proposta para ser operacionalizada pelos estados, municípios, universidades e outras entidades. Valorizava a escola como peça importante na erradicação do analfabetismo, embora abrisse também espaço para campanhas e movimentos para atingir a população adulta; o 88 Collor foi afastado por um processo de impeachment, assumindo seu vice Itamar Franco. XAVIER, Antônio Carlos da Ressurreição e Silva & EICHENBERG, Luiz Carlos - O Primeiro ano da Política Educacional do governo Collor - SP, 1992. 89 81 terceiro documento foi o Projeto de Reconstrução Nacional (1990), cuja origem não foi no MEC e sim na Secretaria Especial de Política Econômica. Conteve muitas propostas controvertidas, dentre elas o fim da gratuidade indiscriminada no ensino federal. Mas, também teve a vantagem de enfatizar a questão do desempenho do sistema educacional, para que este pudesse oferecer uma escolaridade básica de boa qualidade para todos; o quarto foi a elaboração do Programa de Ação do Ministério de Educação para o período 1991-1995; o quinto foi a criação do Projeto Minha Gente, que visava a construção dos CIACs com atendimento integrado (creche, pré-escola, saúde, convivência comunitária, iniciação ao trabalho, etc.) e o sexto foi a retomada do Projeto Nordeste de cunho regional, financiado com recursos do Banco Mundial. Na definição desses mesmos pesquisadores, o desempenho do governo Collor no setor educacional foi melancólico, pois revela uma Canhestra atuação do governo, revelando-se inteiramente contraditória aos apelos da modernização, pois qualquer proposta séria de modernização passa pela educação, em especial pelo ensino fundamental. A destinação dos recursos federais – privilegiando o ensino superior – e a práxis ministerial que se mostrou clientelística e equivocada, configuram uma negação dos alardeados propósitos de uma educação com eficiência, equidade, qualidade e com vistas à modernização. Em suma, a concepção centrada na lógica do mercado neoliberal passou a orientar as políticas públicas no Brasil e isso é marcante com o governo Sarney, prosseguindo com o discurso Collor e, por fim, consolidando no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em Minas, o governo que irá suceder ao governo Tancredo-Hélio Garcia, será o de Newton Cardoso (1987-1991) que, na visão de autores como Rocha, será um retrocesso do governo anterior: Na Secretaria estadual de Educação, a burocracia da área de educação é ignorada, sendo que quase todos os cargos de chefia são ocupados por pessoas sem qualquer experiência no setor, indicados por critérios estritamente clientelistas. Os espaços de participação popular na gestão das políticas sociais passam a ser 82 desconsiderados. Especificamente, a administração participativa das escolas estaduais é abandonada e os colegiados são desativados. Os recursos financeiros do Estado são centralizados em um caixa único, sendo liberados conforme os interesses políticos imediatos do governador, sem obedecer a uma estratégia de desenvolvimento fundada em uma visão temporal mais alargada. (...) O novo governo foi caracterizado, com procedência, como populismo conservador. (Rocha, 2003, pp. 568). A atuação do governo Newton Cardoso representa a negação das políticas implementadas no governo anterior e reivindicadas pelos movimentos sociais. Irá caracterizar-se pela extrema centralização decisória e pela utilização clientelista90 dos recursos públicos, bem como com a confrontação com os setores organizados da sociedade. Ao promulgar a nova Constituição Estadual em 21 de setembro de 198991, logo no Art. 195, o Estado reitera ser a educação um direito de todos e dever do Estado e da família, e que a mesma deve visar a “preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. A garantia de educação se dará, dentre outros itens, através da “promoção da expansão da rede de estabelecimentos oficiais que ofereçam cursos gratuitos de ensino técnico-industrial, agrícola e comercial, observadas as peculiaridades regionais e as características dos grupos sociais”. Também em seu art. 204, o governo irá reiterar a integração das ações do Poder público com o objetivo de: I – erradicação do analfabetismo; II – universalização do atendimento escolar; III – melhoria da qualidade do ensino; IV – formação para o trabalho; V – promoção humanística, científica e tecnológica. (Constituição Estadual, 2007) No entanto, como já foi mencionado, o que se presenciou no governo Newton Cardoso foi a centralização decisória – a administração participativa das escolas estaduais é abandonada e os colegiados são desativados - a utilização clientelista dos recursos públicos e a confrontação com os setores organizados da sociedade. A tão desejada 90 Clientelismo diz respeito a uma prática arraigada de nossa cultura política, que manifesta-se pela indicação de apadrinhados para os cargos públicos. 91 Constituição do Estado de MG – Assembléia Legislativa de MG, 13ª edição, BH, 2007. 83 autonomia das escolas, bem como a eleição direta para o cargo de diretor, foi preterida em favor dos interesses eleitorais dos deputados e do governador. Esse período demonstra o poder que o Executivo estadual tem de obstacularizar as mudanças iniciadas no governo anterior, apesar da significativa pressão exercida pelo movimento social. Em um contexto no qual o jogo político se faz em grande parte por relações de “troca de favor” a indicação de diretores das escolas, implica em mais um incentivo para os deputados se alinharem ao governo em troca de cargos para serem distribuídos entre os seus aliados políticos. Assim, vimos mais uma vez a realidade se distanciar dos discursos oficiais, isto é, enquanto o governo sustenta o apoio “aos mais pobres”, o que ocorre é o setor da educação funcionar em estado precário: “alunos sem professores (devido às freqüentes greves), escolas em péssimo estado físico, demissão de pessoal e eliminação de funções nas escolas, como supervisores e orientadores” 92. O processo de reforma só irá completar-se com a eleição de Hélio Garcia (1991-1994) eleito pelo PRS (Partido das Reformas Sociais). Pode-se dizer que se fecha o ciclo iniciado no final dos anos 70, cuja idéia é a da descentralização como forma de democratizar e de buscar a eficiência do sistema. O responsável pela condução das reformas foi o secretário de Educação Walfrido S. dos Mares Guia Neto e para assessorá-lo, foram contratados técnicos ligados ao Banco mundial. Para que o governo cumpra a sua reforma, cinco prioridades são estabelecidas. São elas: autonomia da escola nos aspectos financeiros, administrativo e pedagógico; fortalecimento da direção da escola através do poder de decisão do diretor e do colegiado; implementação de programas de aperfeiçoamento e capacitação com o treinamento de professores (PROCAP – programa de capacitação de professores), especialistas e funcionários 92 ROCHA, Carlos Vasconcelos – Anatomia de uma Reforma: descentralização da Educação pública de MG e mudança institucional – Revista de Ciências Sociais, RJ, Vol. 46, nº. 3, 2003, p. 557 a 592. 84 (PROCAD – programa estadual de capacitação de diretores); avaliação do sistema estadual de Educação, prevista pela Constituição; e integração das redes estadual e municipal através de convênios93. A distribuição de recursos foi feita através do FUNDEF (Fundo de manutenção e desenvolvimento do ensino fundamental) e da Lei Robin Hood (repasse do ICMS para municípios com baixa arrecadação), como um dispositivo para convencer as prefeituras a arcarem com o atendimento ao ensino fundamental. Essas mudanças estão relacionadas com as mudanças ocorridas nas últimas décadas na ordem mundial, com a chamada Terceira Revolução Tecnológica, cujo nível educacional da classe trabalhadora passa a ser requisito para o desenvolvimento econômico, visto que as empresas buscam agora competência técnica exigida pelas novas tecnologias de produção. Para exemplificar esse argumento, o secretário de Educação Mares Guia cita o sucesso econômico dos “tigres asiáticos” conseguido graças à prioridade dada à educação. Portanto, a qualidade e a universalização do ensino passam a ser um imperativo para os países que almejam desenvolver-se. Tal diagnóstico é difundido por organismos internacionais como o Banco Mundial, que passa a fomentar reformas nos sistemas educacionais da América Latina, visando criar condições para a reprodução do capital. O financiamento do programa Pró-Qualidade pelo Banco Mundial constitui fator que indica sintonia entre a política mineira e os valores neoliberais. A meta desse Banco é a eficiência econômica, a liberdade de mercado e a globalização do capital. Por isso, busca incentivar políticas que visam 93 A municipalização em Minas teve como principal objetivo, por parte do Estado, transferir para os municípios a responsabilidade de oferta de ensino fundamental, priorizando o atendimento das quatro primeiras séries. Em alguns casos, o Estado comprometia-se a oferecer o ensino médio através da nucleação, em troca da transferência do atendimento ao ensino fundamental para o município. (Oliveira, 2000; 268). 85 preparar o jovem para responder às novas necessidades do mercado e às exigências do tipo de sociedade que prevaleceu após a Terceira Revolução Tecnológica94. Nesse sentido, o governo irá fundamentar sua administração nos princípios da Qualidade Total, cujo sistema de administração propõe, entre outros aspectos, a autonomia dos trabalhadores na realização de suas funções; a despadronização do produto final, visando atender da melhor forma possível os clientes e a substituição do chefe pelo líder, propiciando uma relação mais orgânica entre chefia e comandados. Para isso, caberá ao sistema educacional formar esses líderes e ao mesmo tempo fomentar a qualidade do ensino. Fazendo-se um paralelo com o pensamento lockeano, no qual os limites da apropriação criam o princípio da distribuição igualitária ao mesmo tempo em que legitima a desigualdade, pode-se dizer então, que serão as possibilidades e limitações das comunidades que criarão a escola de qualidade ou não. A estas caberá fazer o diferencial, ou seja, a qualidade da educação dependerá da atuação de cada escola, já que a elas serão dados os mesmos direitos de promover um ensino de qualidade. Considerando então a democracia social e a democracia liberal segundo Locke, temos no primeiro caso um Estado cuja função é organizatória assegurando direitos e interesses do coletivo – o público, neste caso, significa estatal. Ao contrário, no segundo caso a função do Estado é regular a sociedade civil, pouco preocupada com o coletivo – o público, então, significa mercado. Assim, podemos notar que essa nova forma de administração educacional se difere da política de administração de Francisco Campos (década de 30), quando buscou uma modernização educacional implementando a 94 FRIGOTTO, Gaudêncio & CIAVATTA, Maria – Revista Brasileira de Educação – jan./fev./mar./abr., 2005, nº.28, pp. 182 a 184. 86 reforma do Sistema de Ensino Público concentrando ainda mais nos órgãos do governo o poder decisório e o controle administrativo, pedagógico e financeiro das escolas. Há também uma diferença da idéia de democracia disseminada pelas políticas educacionais na década de 80, quando o Estado instituiu a participação da comunidade nos processos decisórios sem se eximir de suas responsabilidades e obrigações sociais como provedor do ensino de qualidade. Agora, ele reduz seu papel principalmente às funções de órgão de assessoria e de controle – do econômico, da produtividade e da qualidade – cabendo às comunidades o mérito ou não de promover uma educação de qualidade que atenda ao mercado de trabalho. Assim, o que se verifica a partir dos anos 1980 até meados da década de 1990 é a intensificação dos debates sobre as mudanças de rumos que deveriam ser dadas à educação e por extensão à educação profissional no Brasil. Desses debates com diversos segmentos da sociedade, surgiu o projeto de Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que deu entrada no congresso nacional no final de 1988. Sob o nº.9.394/96 a nova LDB, também conhecida como Lei Darcy Ribeiro, determina no seu conteúdo um ensino médio que passa a constituir-se na etapa final da educação básica e terá uma duração mínima de três anos. Em seu artigo 35, a LDB coloca como finalidade do ensino médio: I – consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento dos estudos; II – preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. 95 95 PCN – ensino médio/bases legais. 1999, p. 61. 87 Com base nessas finalidades, o MEC propõe um ensino que se torne responsável pela formação geral do aluno, estimulando o desenvolvimento das capacidades de pesquisar, raciocinar, criar a aprender continuamente. Esse ensino deverá ser dado de forma contextualizada, não baseada no acúmulo de informações ou no simples exercício de memorização. O que a torna diferente da Lei 5.692/71, que tinha como objetivo a transformação do ensino médio em ensino profissionalizante e que não desenvolvia nos jovens aptidões relacionadas à formação humana e cultural, é justamente outra concepção de formação para o trabalho, ou seja, em seu artigo 35, parte-se do entendimento de que as competências necessárias para a inserção produtiva seriam: o pensamento criativo, a resolução de problemas, a capacidade de aprender, ao lado de qualidades pessoais como responsabilidade, organização, liderança e autonomia. Assim, ao invés da especialização e da disciplina, o que o mercado de trabalho estaria requerendo da escola atualmente seria o desenvolvimento dessas competências, para que haja inserção produtiva juntamente com a participação cidadã. 96 No entanto, há controvérsias entre os avanços da Lei 9.394/96. Alguns estudiosos, dentre eles Ignez Moraes97, destaca que o avanço da LDB estaria na disciplinarização da educação escolar, “o que é positivo no sentido de fortalecer a escola como espaço privilegiado do processo educativo, no que se refere às obrigações do Estado para com a educação”. Vimos isso, por exemplo, no capitulo XIX – Dos Recursos Financeiros – quando o mesmo salienta a destinação de 18% de recursos da União e de 25% de recursos dos municípios para a educação pública no país. Mas, ao mesmo tempo em que houve ganho nessa área, Ignez Moraes salienta que também houve perdas 96 MORIN, Edgar - Os sete Saberes Necessários à Educação do Futuro - SP, 2002. MORAES, Ignez Navarro & CONTI, Rosemary - LDB: significado, limites e perspectivas - SP, 1992, p. 96. 97 88 principalmente na relação entre educação e trabalho e que esta pode ser vista como “treinamento profissional” tanto quanto como “formação politécnica”98: Coerentemente com a democracia liberal, as modificações feitas no 2º substitutivo deram à educação finalidades ‘universais’, ignorando a realidade histórica da existência de classes sociais em conflito e de um estado de classe, mediador dos interesses das elites brasileiras. Um exemplo é suficiente: o trabalho foi concebido como ‘fonte de riqueza e bem-estar social’, recusando-se a sua concepção como ‘origem do conhecimento’. Nesse sentido, se considerarmos a oposição entre treinamento profissional e formação politécnica, então não há porque reforçar a lógica da “preparação de mão-de-obra” para o mercado de trabalho, mesmo porque no contexto da automação crescente isso se tornaria altamente questionável, visto as constantes modificações pelas quais passa a sociedade como um todo. Mesmo que muitos autores considerem ponto pacífico que o ensino médio deve preparar os jovens tanto para a continuidade dos estudos quanto para uma inserção no mercado de trabalho, o que parece não estar muito claro é como fazêlo. Esses autores que tematizam a relação entre educação e trabalho apontam para a necessidade de prover os estudantes com conhecimentos e habilidades relevantes, mas também com um entendimento mais realista e crítico sobre a atividade produtiva e o mercado de trabalho. No artigo Parem de Preparar para o Trabalho!!!99, Paro questiona a centralidade do trabalho na constituição dos sujeitos históricos, propondo que a escola se ocupe da atualização histórico-cultural dos cidadãos, preparando-os para “o viver bem, para além do simples viver pelo trabalho e para o trabalho”. Já Frigotto100 constata 98 Segundo a autora citada, treinamento profissional pode ser associado à experiência histórica que temos vivenciado, de profissionalização em nível médio, voltado para o mercado de trabalho, cujas raízes estão na teoria do Capital humano, dominante na década de 60. A perspectiva da politecnia remonta a Marx e Engels e, posteriormente, a Lênin e Gramsci, e representa o domínio da técnica a nível intelectual e a possibilidade de um trabalho flexível a nível criativo. 99 PARO, Vitor Henrique - Parem de Preparar para o Trabalho!!! – Trabalho apresentado no seminário “Trabalho, formação e currículo”- SP, 1999, p. 101-120. 100 FRIGOTTO, G. - As mudanças tecnológicas e educação da classe trabalhadora: politecnia, polivalência ou qualificação profissional? - (Síntese do simpósio), in Trabalho e Educação, SP, Ed. Papirus, s/d. 89 que não basta concluir que a nova base tecnológica demanda mais educação geral, se o capital constituir-se no sujeito definidor dessa educação, pois assim continuaremos a ter “uma formação seletiva, fragmentária, pragmatista e produtivista”. Mesmo que a base na nova concepção de ensino defendida pela atual LDB não pretenda treinar os trabalhadores, mas preparar os alunos para sua integração ao mundo do trabalho com as competências que garantam seu aprimoramento profissional, tais como: criatividade, capacidade de pensar múltiplas alternativas para a solução de um problema, a capacidade de trabalhar em equipe, etc., e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção do nosso tempo, alguns estudiosos – como os citados acima – são críticos em relação a esse modelo de educação que se sujeita aos ditames do mercado. Por isso, devemos fazer com que essas competências, que são importantes metas de formação, sejam também meios para apreender a realidade e não ficarmos indefesos frente a esse mercado. A título de exemplo sobre o que foi dito, recorremos à autora Vanilda Paiva101 que sugere como solução para a exclusão social, um tipo de formação centrada na autonomia, na mudança de valores e de participação social. Nesse contexto, a educação teria que abrir perspectivas de ocupação para os formandos do ensino médio ou para aqueles que foram excluídos do mercado de trabalho, através de uma formação contínua na qual possam entender o sistema e se preparar para ele, buscando ou criando novas chances de trabalho. Como o nosso objetivo aqui é tratarmos especificamente da educação profissional, devemos então nos ater na maneira como ficou formatado o ensino técnico após a promulgação da nova LDB. Devido, a forma generalista como a LDB tratou a educação 101 PAIVA, Vanilda - Educação e Bem-estar Social - SP, 1991. 90 profissional, essa passou a ser regulamentada pelo Decreto 2.208/97 que estruturou assim a educação profissional: básico102 que se destina à qualificação de trabalhadores, independentemente da escolaridade prévia; técnico destinado a proporcionar habilitação profissional a alunos egressos do ensino médio; e tecnológico que corresponde aos cursos de nível superior na área tecnológica, destinados aos alunos oriundos do ensino médio e técnico. 103 Outra novidade refere-se ao fato do aluno que estiver cursando o ensino médio (formação geral) num determinado estabelecimento de ensino poderá, concomitantemente, cursar a parte específica da formação técnica em alguma instituição que ofereça a educação profissional, inclusive nas Escolas Técnicas Federais. Verifica-se, então, que a estrutura do ensino médio e da educação profissional, prevista na LDB 9.394/96104 e configurada no Decreto 2.208/97, constituiu-se em um sistema paralelo. De acordo com Miriam Abramovay105, Em 1998, o Conselho Nacional de Educação estabeleceu por força de lei, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o ensino médio (Resolução CEB/CNE nº. 03/98) baseadas, por sua vez, em parecer da conselheira Guiomar Namo de Mello (Parecer CEB/CNE nº. 15/98). Nessas Diretrizes baseiam-se os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino médio. Cabe distinguir que, enquanto as Diretrizes são obrigatórias, o caráter dos Parâmetros é orientador. O que não podemos perder de vista é a finalidade dessas mudanças, ou seja, esse modelo de ensino médio foi gerado para dar conta das competências cognitivas 102 Por ser básica, terá como referência as mudanças nas demandas do mercado de trabalho, daí a importância da capacidade de continuar aprendendo; não se destina apenas àqueles que já estão no mercado de trabalho ou que nele ingressarão a curto prazo; nem será preparação para o exercício de profissões específicas ou para a ocupação de postos de trabalho determinados (PCN – ensino médio, 1999). A preparação básica para o trabalho não está, portanto, vinculada a nenhum componente curricular em particular, mas ao currículo como um todo. 103 MANFREDI, Silvia Maria - Educação Profissional no Brasil - SP, 2002. 104 Art. 39 – A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva. Parágrafo único – O aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto, contará com a possibilidade de acesso à educação profissional. 105 ABRAMOVAY, Miriam & CASTRO, Mary Garcia - Ensino Médio: múltiplas vozes - Brasília, 2003. 91 necessárias para seguir aprendendo, conviver, produzir e definir uma identidade própria. Isso se deve principalmente às exigências crescentes por qualificações – compatíveis com a complexidade tecnológica que caracteriza o mundo do trabalho nos dias atuais – e a formação de contingentes cada vez maiores de concluintes do ensino fundamental. Em Minas, o governo Itamar Franco (1999 – 2002), fiel aos compromissos assumidos pelo Brasil em 1990, durante a Conferência Mundial de Educação para Todos – realizada em Jomtien, na Tailândia106 – comunga com esses ideais neoliberais. Assim, o processo educacional só se tornará democrático se for alcançado um tratamento diferenciado aos desiguais. Isso significa olhar toda a diversidade mineira tanto nos seus aspectos naturais como socioeconômico ou de desenvolvimento humano. Minas contém zonas de alta concentração urbana, como a região metropolitana de Belo Horizonte como áreas de extensos vazios populacionais, como os vales dos rios Jequitinhonha e Mucuri. Tem regiões altamente desenvolvidas no setor industrial e de serviços, imensas áreas de expansão agrícola e zonas onde a exploração mineral se destaca por seus aspectos e seus impactos sobre o meio ambiente, reservas indígenas e territórios onde afloram problemas e conflitos agrários. Todo esse contexto e a complexidade têm que ser considerada nos planos de ação educacional. E foi isso o que o governo fez: no primeiro semestre de 1998 foi feito um levantamento da real situação do Estado na área educacional e em agosto/setembro foi realizado o Fórum Mineiro de Educação. Ao final, foi elaborada a carta dos Educadores Mineiros onde ficou definida a estratégia de construção de um Sistema Mineiro de Educação identificado “com os interesses do Estado, com a cultura e com as exigências do mercado de trabalho, da mundialização da 106 Essa conferência contou com a participação de organismos internacionais como: Banco Mundial, Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL), Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). 92 economia, das novas e complexas tecnologias, da cidadania e da formação integral do ser humano” 107. Como indica a carta dos educadores, no âmbito da educação básica, deverá o Sistema Mineiro de Educação estar atento à realidade do mundo contemporâneo de modo que, no que se refere ao ensino médio, os esforços deverão estar voltados para “sua progressiva universalização e democratização”, bem como para sua “articulação com a educação técnica/tecnológica que, por sua vez, deverá contar com a estrita participação do setor produtivo, entendido em suas vertentes empresarial e trabalhista” (idem). Esse foi o passo inicial do governo Itamar Franco na área da educação, em consonância com a Lei 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que coube aos municípios assegurar a educação infantil em creches e pré-escolas e aos estados oferecer o ensino fundamental e com prioridade, o ensino médio. Assim, devido à expansão da demanda no ensino médio, ocasionada pela pressão do mercado de trabalho e pelos programas de aceleração de estudos, foram abertas inúmeras escolas de ensino médio visando a preparação de alunos tanto para a continuidade dos estudos em nível superior, como para o ingresso no mercado de trabalho por meio da profissionalização de nível técnico e tecnológico. Portanto, em relação ao ensino médio e à educação profissional, essas são as diretrizes operacionais referente à política estadual de educação: • • 107 Reforma e diversificação do ensino médio, de maneira compatível com as realidades regionais, com ênfase na educação básica geral. Desenvolvimento e estímulo a metodologias para serem utilizadas no ensino noturno de forma a aproveitar e certificar, para fins curriculares, estudos e conhecimentos apropriados pelo aluno no mundo do trabalho. Escola Sagarana. Educação para a Vida. BH, 2001. 93 • • • • • Promoção de entrosamento do ensino médio com a educação profissional, inclusive no que se refere ao denominado “Pós-médio”. Estabelecimento de nova política de educação profissional integrada aos objetivos do desenvolvimento regional de Minas Gerais. Definição, juntamente com as Secretarias de Estado ligadas a políticas de formação profissional do trabalhador, articulada com a política de emprego, visando assegurar amplas possibilidades de inserção social e no mercado de trabalho. Criação de mecanismos de certificação de competência e definição de formas de aproveitamento desses conhecimentos no subsistema regular e supletivo de educação, permitindo agregar conhecimentos originados de diversos setores da sociedade. Implementação de rede regionalizada de centros públicos de educação profissional. (idem, p. 09). Portanto, para atender às exigências dessa política educacional, foi criada a Escola Sagarana – o termo criado por João Guimarães Rosa em 1946, unindo o radical germânico SAGA que significa narrativa épica em prosa ou história rica em acontecimentos marcantes ou heróicos, com o elemento RANA de origem tupi que representa a “idéia de, à maneira de, típico ou próprio de”. Esta seria a síntese da Escola Sagarana: “uma educação que tome por base os sentimentos e a cultura dos mineiros, que represente o nosso regionalismo sem perder o vínculo com a universalidade do ser humano”. Por essa razão, a Secretaria da Educação instituiu as metas da Escola Sagarana: “Implantar e desenvolver a política de educação de qualidade para todos os mineiros, contribuir para a formação do cidadão do próximo milênio com educação integral voltada para o exercício da cidadania e do desenvolvimento pessoal, profissional do cidadão, da comunidade, do estado e da nação” (idem, p. 13). Na verdade, o que essa política educacional busca é sintonizar-se com as tendências internacionais da educação, que tem como um de seus principais pensadores o sociólogo Edgar Morin. Analisando a sociedade atual, Morin conclui que os futuros cidadãos devem ser capazes de analisar situações, encontrar alternativas e resolver problemas. Que sejam também participativos, adaptados para o trabalho em equipe e que tenham formação multidisciplinar para que possam estar prontos para o exercício da cidadania. 94 E para que isso seja possível, reafirma quatro objetivos fundamentais do ensino que são aprender a aprender (ou aprender a conhecer); aprender a fazer; aprender a viver e a conviver e aprender a ser. Dando um toque regionalista a esses objetivos, ou seja, adaptando-os à realidade mineira, a Escola Sagarana – síntese da estratégia e dos princípios da política educacional mineira – prepara-se para essa missão procurando oferecer uma educação de qualidade através do treinamento dos professores e com a inclusão de todos, através do Bolsa-escola. Apesar dos avanços em relação à política educacional de governos anteriores tais como o grande investimento nas escolas com equipamentos de informática, distribuição de livros didáticos e até mesmo uma educação que instiga o empreendedorismo, não podemos deixar de perceber a consolidação da ideologia neoliberal quando esta prepara o aluno para inserir na sociedade e não para questioná-la. É como se não houvesse outro caminho a seguir e, portanto, devemos nos preparar para percorrê-lo. Desta forma, o governo que sucedeu Itamar Franco manteve esta mesma orientação política. Aécio Neves (eleito em 2002 e reeleito em 2006) procurando assegurar a universalização do ensino médio através da construção e reforma de prédios escolares em todas as regiões do Estado108 , também criou o Projeto Escolas em Rede que informatizou e garantiu acesso à internet nas escolas da rede estadual bem como manteve a distribuição gratuita de livros didáticos com conteúdo das três séries do ensino médio através do Projeto Livro na Escola. Lembramos que esse esforço refere-se principalmente à intenção de inserir Minas cada vez mais na mundialização da economia através da educação. 108 Fonte: Secretaria de Educação de MG. Disponível em: http://www.educacao.mg.gov.br. Acesso em 30de julho/2007. 95 Portanto, a educação profissional, principalmente no que se refere ao ramo voltado para o ensino industrial, desde a década de 1930 passou por uma série de mudanças que sempre procuraram se adequarem ao desenvolvimento industrial brasileiro, que em diversos contextos demandou novos requerimentos para a formação da força de trabalho. Assim, as mudanças institucionais que ocorreram na sociedade e por conseqüência no sistema educacional de Minas Gerais, fizeram-se através de avanços e recuos envolvendo a relação de diversos atores nacionais e internacionais, atuando em diferentes momentos e dentro de determinados contextos. Mas, há muito ainda por ser feito. Para começar, é preciso que superemos os paradigmas dualistas que têm marcado a tradição brasileira no campo da educação profissional e que apoiemos as políticas educacionais que pretendem capacitar o cidadão para que ele possa se inserir na sociedade de forma competente, crítica e participativa. Não atentar para isso, é continuar a promover a exclusão social e, tal qual no conto de Moacyr Scliar, negar a cidadania a quem a ela tem direito. Mas, como formar esse cidadão? Como as escolas federais – principalmente o CEFET – formam esses cidadãos? É o que averiguaremos no capítulo 03. 96 CAPITULO III INSTITUIÇÃO CEFET 3.1 Como se estruturam “O capitalismo de hoje de fato não recusa o direito à escola: o que ele recusa é mudar a função social da escola.” (Antônio Letieri) Partindo do pressuposto de que os modelos pedagógicos de educação profissional se constituíram historicamente a partir das mudanças que ocorreram no mercado de trabalho109 e levando-se em conta o fato de que as classes que estariam responsáveis pelas funções essenciais no processo de produção precisaram formar adequadamente sua mão-de-obra, passaremos agora a analisar a instituição CEFET, bem como a sua estrutura na formação de uma mão-de-obra que visa atender às exigências do mercado de trabalho no século XXI. Os CEFETs surgiram em 1978, com a Lei 6.545/78 que dispôs sobre a transformação das escolas técnicas de MG, do PR e do RJ em Centros Federais de Educação 109 Decreto-lei n.º4.073, de 30 de janeiro de 1942, conhecido como Lei Orgânica do Ensino Industrial, estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial, definindo-o como ramo de ensino de 2º grau e destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria, dos transportes, das comunicações e da pesca, em paralelo com o ensino secundário. (FILHO, Domingos L. Lima – Formação de tecnólogos: lições da experiência, tendências atuais e perspectivas – www.senac.br); Lei 4024/61 – reconhece a articulação do ensino profissional ao sistema regular de ensino, estabelecendo a plena equivalência entre os cursos profissionalizantes e os propedêuticos; Lei 5692/71 – substituiu a equivalência pelo estabelecimento da profissionalização compulsória no ensino médio; Lei 7044/82 retorna a dualidade estrutural, ou seja, as escolas propedêuticas para a elite e profissionalizantes para os trabalhadores. ( KUENZER, Acácia Z. – A Reforma do Ensino Técnico e suas conseqüências, in Educação Profissional: tendências e desafios, PR, 1999.). 97 Tecnológica visando à verticalização do ensino, isto é, a oferta em uma mesma instituição de cursos profissionais em diferentes graus e níveis de ensino. Para entendermos como se deu esse processo, reportemo-nos às décadas de 60 e 70, quando a economia brasileira registrou altas taxas de crescimento econômico e onde são criados os cursos de curta duração em Engenharia de Operação, inicialmente nas Escolas Técnicas Federais do PR, MG e RJ aproveitando-se da estrutura física de laboratórios, oficinas e de recursos humanos existentes naquelas instituições. Esses cursos caracterizavam-se por um currículo menos denso, mais específico, mais prático e com menor duração. Seu objetivo era formar para o mercado de trabalho, supostamente – como se refere Cunha110 - carente de técnicos de nível médio e também formar os engenheiros de operação – nome dado aos concluintes de cursos de três anos. O currículo excessivamente longo e de alto custo, teria motivado tanto a Diretoria do Ensino Superior do MEC, quanto os pesquisadores da produção industrial brasileira a elaborarem propostas de criação de cursos de engenharia com duração mais curta do que a dos cursos plenos. “Nessa linha de preocupação, o Parecer nº. 60/63 do Conselho Federal de Educação instituiu o curso de engenharia de operação, com três anos de duração, cujos currículos mínimos foram definidos pelo Parecer nº. 25/65” (Cunha; 2000 p. 208). Assim, os cursos de Engenharia de operação e outros cursos superiores de tecnologia em diversas habilitações – administração rural, bovinocultura etc. todas de curta duração – se disseminaram rapidamente por todas as regiões do país. O técnico de nível superior, formado nessa instituição se situaria em um nível intermediário, entre o 110 CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino profissional na irradiação do industrialismo – SP, 2000. 98 técnico de nível médio e o profissional graduado pela universidade e desempenharia funções específicas na produção, na administração e gerência, estando mais ligado às tarefas de execução. Aos graduados pelas universidades estariam reservadas as atividades de concepção, desenvolvimento da ciência e análise crítica da sociedade. De acordo com Lima Filho111 os egressos dos diversos cursos superiores de tecnologia começaram a enfrentar dificuldades de colocação no mercado de trabalho, devido às baixas projeções de crescimento econômico no final dos anos 70 bem como à acirrada disputa que se estabeleceu entre profissionais dos cursos de curta duração e os de graduação plena. Para contornar essa situação, foram extintos os cursos de Engenharia de operação em 1977 e, através da Lei 6.545/78, foram criados os Centros Federais de Educação Tecnológicas (antigas Escolas Técnicas Federais do PR, RJ e MG) sendo seus objetivos especificados na regulamentação baixada pelo Decreto nº. 87.310/82: a) Integração do ensino técnico de 2º grau com o ensino superior; b) Oferecimento do ensino superior em continuidade ao ensino técnico de 2º grau, diferenciado do sistema universitário; c) Ênfase na formação especializada, levando em conta as tendências do mercado de trabalho e do desenvolvimento do país; d) Atuação do ensino superior exclusiva na área tecnológica; e) Formação de professores e especialistas para disciplinas especializadas do ensino de 2º grau; f) Realização de pesquisas aplicadas e prestação de serviços; e g) Estrutura organizacional adequada à prestação de serviços112. Os cursos de Engenharia de operação até então ofertados naquelas instituições, foram transformados em cursos de Engenharia industrial de duração plena que, a partir do final dos anos 70, foram abandonados pelo MEC sem maiores reflexões ou análise crítica. O resultado foi que os CEFETs tiveram que se ajustarem a essa nova política e coube aos egressos dos diversos cursos extintos buscarem o reconhecimento de seus diplomas junto aos órgãos classistas ou à complementação curricular que lhes permitisse o pleno 111 112 FILHO, Domingos Leite Lima – Educação Profissional: Tendências e Desafios – PR, 1999. CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 209. 99 exercício profissional. O que nos parece paradoxal é que justamente os CEFETs, que tiveram como uma das razões para a sua criação, no final dos anos 70, a busca de soluções para viabilizar a extinção dos cursos de Engenharia de operação e reparos para o fracasso da política de formação de tecnólogos de curta duração, então abandonada, estejam sendo agora reorientados para retomar a oferta destes cursos de modalidades variadas. Essa mudança se justifica diante de uma “nova” orientação para a conquista da empregabilidade, baseada em competências, e para suprir a crescente pressão por escolarização e formação profissional através de uma política de redução de custos, ou seja, a necessidade de se criar cursos de modalidades variadas se deve, principalmente, ao imperativo de se combater a frustração dos alunos resultante do seu despreparo profissional ao fim do nível médio, o que os forçaria a procurar as escolas superiores como único meio de obter habilitação profissional. Nesse sentido, as ocupações para as quais seria possível a habilitação específica em escola poderiam ser objeto de ensino pelos cursos técnicos, mediante a conjugação de escolas e empresas ou outros arranjos possíveis. Percebe-se, assim, que os “novos” paradigmas de flexibilização e diversificação fazem parte desta estratégia de criação de estabelecimentos voltados para os interesses imediatos do mercado de trabalho. No que se refere especificamente ao CEFET-MG esta foi a sua trajetória desde o início do século XX: em 1909 houve a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, nas capitais dos Estados, pelo presidente Nilo Peçanha e, um ano depois, foi implantada a Escola de Aprendizes Artífices de Minas Gerais. Em 1941 essa Escola foi transformada em Liceu Industrial de Minas Gerais e em 1942 houve a alteração da denominação do Liceu para Escola Industrial de Minas Gerais e Escola Técnica de Belo Horizonte, respectivamente. A transformação da Escola Técnica de Belo Horizonte em Escola 100 Técnica Federal de Minas Gerais se deu em 1959 e, só mais tarde em 1978 transformou-se em Instituição Federal de Ensino Superior isolada, passando a denominar-se Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Com a regulamentação da Lei de criação do CEFET-MG, através do decreto 87.310 de 21/06/82, foi aprovado o Estatuto do CEFET pelo Decreto 87.411 de 10/07/82 e, finalmente em 1988 foi aprovado o regimento do CEFET-MG pela portaria 003, de 09/01/88113. Assim, no âmbito do MEC, por meio da Secretaria Nacional do Ensino Técnico (Senete), elaborou-se em 1991, a proposta do Sistema Nacional de Educação Tecnológica. Essa proposta tem como modelo os países desenvolvidos e a teoria do Capital Humano, sendo que, para o Brasil alcançar o desenvolvimento, seria necessário fazer investimentos na formação de recursos humanos, tal como foi feito pelos países detentores de tecnologia de ponta. Até então a idéia de organização e gestão do trabalho, bem própria do modelo taylorista com seus princípios de eficácia, controle e racionalidade, eram as noções predominantes principalmente a partir da década de 1950. Mesmo esses princípios estarem bem próximos aos princípios do capital humano, a ênfase agora é para o desenvolvimento de competências tais como: liderança, iniciativa, capacidade de tomar decisões, habilidade de comunicação que, acredita-se, promoverá a modernização e produtividade do processo de trabalho – já que esse exigirá uma mãode-obra que se adapte a um mercado de trabalho em constantes mudanças. Com essa intenção, idealizou-se a criação de um Sistema Nacional de Educação Tecnológica que englobaria todas as escolas técnicas do setor público federal, estadual e municipal e as 113 Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. Disponível em: <http:www.cefetmg.br>. Acesso em 15 de setembro/2007. 101 instituições particulares da rede SENAI e SENAC, as quais têm prestado serviços no campo da educação tecnológica. Em 08 de dezembro de 1994, ao final do governo Itamar Franco, foi criada a Lei federal nº. 8.948 – a chamada lei da “cefetização”114, quando todas as escolas técnicas federais seriam alçadas à categoria de CEFETs: Art. 1º - Fica instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, integrado pelas instituições de educação tecnológica, vinculadas ou subordinadas ao Ministério da Educação e do Desporto e sistemas congêneres dos Estados, municípios e Distrito Federal. & 2º - A instituição do Sistema Nacional de Educação Tecnológica tem como finalidade permitir melhor articulação da educação tecnológica, em seus vários níveis, entre suas diversas instituições, entre estas e as demais incluídas na Política Nacional de Educação, visando ao aprimoramento do ensino, da extensão, da pesquisa tecnológica, além de sua integração com os diversos setores da sociedade e do setor produtivo. Art. 3º - As atuais Escolas Técnicas Federais, criadas pela Lei nº. 3.552, de 16 de fevereiro de 1959, e pela Lei nº. 8.670, de 30 de junho de 1993, ficam transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica, nos termos da Lei nº.6.545, de 30 de junho de 1978, alterada pela Lei nº. 8.711, de 28 de setembro de 1993, e do Decreto nº. 87.310, de 21 de junho de 1982. & 1º - A implantação dos Centros Federais de Educação Tecnológica de que trata este artigo será efetivada gradativamente, mediante decreto específico para cada centro, obedecendo a critérios e serem estabelecidos pelo Ministério da Educação e do Desporto, ouvido o Conselho Nacional de Educação Tecnológica. & 3º - Os critérios para a transformação a que se refere o “caput” levarão em conta as instalações físicas, os laboratórios e equipamentos adequados, as condições técnico-pedagógicas e administrativas, e os recursos humanos e financeiros necessários ao funcionamento de cada centro. & 4º - As Escolas Agrotécnicas, integrantes do Sistema Nacional de Educação Tecnológica, poderão ser transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica após processo de avaliação de desempenho a ser desenvolvido sob a coordenação do Ministério da Educação e do Desporto115. Na verdade, a Lei 8.948/94 não se efetivou na prática. Ela foi substituída pelo Decreto n.º2.406/97 (que consolidou a transformação das Escolas Técnicas Federais em CEFETs, separando os ensinos médio e técnico) nos termos do Decreto n.º2.208/97 ( que instituiu o nível tecnológico com o nível superior da educação profissional, 114 O termo “cefetização” foi apropriado de CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 206. 115 BRASIL - Ministério da Educação, Lei Federal nº. 8.948/94. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 de julho/2007. 102 associado à imposição de separar ensino médio e técnico). Assim, os CEFETs puderam ministrar cursos profissionais em todos os níveis como, por exemplo: qualificação (para operários), técnicos de nível médio e superior na área tecnológica. Analisando o programa de governo do então candidato à presidência da República Fernando Henrique denominado Mãos à Obra Brasil, mais especificamente no capítulo sobre emprego no item “qualificação da mão-de-obra”, Cunha116 descreve a visão que o futuro governo tinha e que mais tarde seria implementada: “A força de trabalho barata e recursos naturais abundantes já não representavam vantagens comparativas no novo modelo produtivo mundial. Os padrões tecnológicos em uso exigiam que os trabalhadores dominassem conhecimentos e habilidades que lhes permitissem integrar-se a ambientes de trabalho em rápida mudança. No Brasil, uma economia dual, existiria falta de mão-de-obra qualificada, preparada para executar tarefas de maior complexidade, ao mesmo tempo em que existiam milhões de trabalhadores desempregados ou subempregados, recebendo salários muito baixos. Era justamente a falta de qualificação que impediria a incorporação desse contingente no setor moderno da economia”. (CUNHA, 2000; p.216). Vimos aqui uma atualização da teoria do capital humano, onde o desenvolvimento das competências técnicas e comportamentais é essencial para os objetivos do sistema produtivo, pois provocam o envolvimento da subjetividade do indivíduo na organização do trabalho. Eleito presidente da República, Fernando Henrique (1994-2002)117 nomeou ministro da Educação Paulo Renato Costa Sousa que elaborou um projeto de reforma do ensino médio e técnico. Essa reforma do ensino médio e profissional – Lei 9.394/96 e o decreto 2.208/97 que instituíram as bases para a reforma do ensino profissionalizante – é fruto de um processo histórico de disputas político-ideológicas empreendidas na sociedade brasileira118. 116 CUNHA, Luiz Antônio – O Ensino Profissional na irradiação do industrialismo – 2000, p. 216. Fernando Henrique Cardoso cumpriu dois mandatos presidenciais, sendo reeleito para o seu 2º mandato em 1998. 118 Na proposta do PNE da sociedade (versão Cid Sabóia) a gestão democrática da educação pressupõe a participação autônoma dos diferentes órgãos do Estado e das entidades da sociedade civil na definição e na implementação das políticas educacionais gerais nacionais e locais (estados e municípios); universalização das oportunidades educacionais no ensino fundamental e médio. Na proposta do PNE do governo (versão Darcy Ribeiro), estabelece a oferta de ensino fundamental obrigatório de oito séries e assegurando o ingresso e a permanência de todas as crianças de 7 a 14 anos na escola; ampliar 117 103 Assim, enquanto a LDB promulgava que: “O ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas” (Lei nº. 9.394/96, art. 36, & 2º) e “A educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular” (idem ibid., art. 40), o Decreto 2.208/97 determinava a separação entre o ensino médio e a educação profissional. Em outras palavras, enquanto a LDB sinalizava a formação profissional integrada à formação geral nos seus múltiplos aspectos humanísticos e científico – tecnológicos, o Decreto 2.208/97 vem não somente proibir a pretendida formação integrada, mas regulamentar uma formação aligeirada e de baixo custo, cabendo assim, para a empregabilidade o desenvolvimento das competências. Essa contradição só se justifica a partir do momento em que o modelo da política nacional se define mais explicitamente como neoliberal, pois procura certificar em curto prazo um grande contingente de trabalhadores que irão garantir às empresas os prérequisitos de qualidade que as habilitem a competir no mercado internacional. Além disso, as próprias demandas do setor produtivo, embora excludente do ponto de vista do emprego, não justifica altos investimentos públicos nos níveis mais elevados de educação, já que a mesma exige maior diversificação na estrutura e oferta dos cursos. O próprio ministro Paulo Renato Souza afirmou em entrevista ao Jornal O Estado de SP, 24/01/1999 que “o aluno pode fazer um curso de dois anos e ganhar uma certificação. Então sai, trabalha, depois volta, faz mais outro e pode até obter o diploma de progressivamente a matrícula no ensino médio, de forma a atender 80% dos concluintes do ensino fundamental e reduzir em 5% ao ano a repetência e a evasão. Enquanto o campo educacional neoliberal defende a obrigatoriedade do ensino fundamental, o campo democrático de massas passa a defender como patamar mínimo obrigatório de escolaridade, o ensino médio. (NEVES, Lúcia Maria W. – Por que dois planos nacionais de educação? – in Educação e Política no limiar do século XXI, Campinas/SP, Ed. Autores Associados, 2000, p. 170 a 180). 104 graduação, se completar a carga horária que lhe daria direito a isso”119. No entanto, essa proposta de formação rápida sem uma sólida base de escolaridade geral, cria a falsa idéia de que se resolve o problema do emprego através da educação reforçando ainda mais a teoria do capital humano. Com a Resolução nº. 04/99, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacional para a educação profissional de nível técnico, serão delimitados os princípios da educação de nível técnico, os quais podemos citar: a independência e articulação com o ensino médio; o desenvolvimento de competências para a laborabilidade; a atualização permanente dos cursos e currículos e a autonomia da escola em seu projeto pedagógico120. Foi instituído também as cargas horárias mínimas das áreas profissionalizantes, bem como as competências profissionais específicas de cada qualificação ou habilitação. Através de uma perspectiva pragmatista, considerou-se a formação profissional de forma utilitarista, onde os conhecimentos, as habilidades e as atitudes a serem desenvolvidos deveriam ser definidas pela suas utilidades requeridas pelo mercado de trabalho. Por isso, devido a essa postura pragmatista, bem como à contradição do Decreto121 2.208/97 que contrariava a LDB nº. 9.394/96 suscitou-se uma polêmica entre educadores, dirigentes sindicais, instituições empresariais etc.. Diante do compromisso político assumido pelo governo Lula com os educadores progressistas que 119 FILHO, Domingos Leite Lima – De continuidades e retrocessos históricos: razões e impactos da reforma da educação profissional no Brasil – PR, 1999. 120 BRASIL - Ministério da Educação - Resolução CNE/CEB nº. 04/99, art. 3º. Disponível em: http://portal.mec.gov.br. Acesso em 10 de julho 2007. 121 O decreto é um ato de governo, de duração provisória, que normatiza a lei. Ele não pode inovar, não pode contrariar a lei. (MAGALHÃES, Humberto P. – Dicionário Jurídico – Vol. I, 3ª edição, RJ, Edições Trabalhistas S.A., 1981). 105 reivindicavam mudanças no ensino profissionalizante, foi aprovado, então, o Decreto nº. 5.154/2004 e revogado o Decreto nº. 2.208/97. Com o novo Decreto, a educação profissional técnica de nível médio será articulada com o ensino médio de forma: integrada – oferecida somente a quem já tinha concluído o ensino fundamental; concomitante – oferecida a quem já tinha concluído o ensino fundamental ou esteja cursando o ensino médio. Nesse caso, o aluno fará o curso técnico simultaneamente ao ensino médio na mesma instituição ou em outra instituição de ensino, mediante convênios de intercomplementariedade. E subseqüente (pós-médio) – oferecida somente a quem já tenha concluído o ensino médio. Volta assim, a integração entre educação geral e profissionalizante, defendida na LDB. Antes, com a política de educação profissional do governo Fernando Henrique Cardoso, cujas ações eram voltadas para a qualificação e a requalificação profissional, o que se notava era que se desviava a atenção da sociedade das causas reais do desemprego para a responsabilidade dos próprios trabalhadores pela sua condição de desempregados. Por isso, esse ideário de empregabilidade e competência justificou projetos aligeirados de formação profissional, associados aos princípios de flexibilidade dos currículos que não promoviam uma formação em sua totalidade, pois não integravam ciência e cultura, humanismo e tecnologia. Agora com o ensino médio integrado ao ensino técnico e sob uma base unitária de formação geral, esse passa a ser uma condição necessária – segundo Frigotto122 – para se fazer a “travessia” para uma nova realidade, isto é, o objetivo profissionalizante não 122 FRIGOTTO, Gaudêncio – A Gênese do Decreto nº. 5.154/2004: um debate no contexto controverso da democracia restrita – disponível em: http://www.seed.pr.gov.br . Acesso em 29 de dezembro 2007. 106 teria um fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado. Mas, poderia constituir-se numa possibilidade a mais para os alunos que, ao construírem seus projetos de vida, poderiam ser ajudados por uma formação ampla e integral. O governo do Presidente Lula, através do Decreto nº. 6.302 de 12 de dezembro/2007123 que institui o Programa Brasil Profissionalizado, reitera sua política de formação profissional pelo princípio da formação integral e do trabalho como princípio educativo. Esse Programa tem por objetivo estruturar o ensino médio combinando formação geral com formação profissionalizante, além de fomentar a oferta de cursos técnicos de nível médio (art. 1º, Decreto 6.302/2007). Mas, a principal iniciativa do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) é a criação dos Institutos Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – IFETs. Esses institutos serão especializados na oferta de educação profissional e tecnológica, com inserção também na área de pesquisa e extensão. Essas unidades serão constituídas da integração dos CEFETs e das Escolas Técnicas Federais e distribuídas por vários campi. A intenção é de que todos os estados tenham pelo menos um IFET. De acordo com a Chamada Pública124 feita pelo MEC/SETEC, a oferta destina-se a cursos técnicos de nível médio, com currículo integrado e educação superior com destaque para os cursos de licenciatura em Ciências da natureza como física, química, matemática e biologia, bem como as licenciaturas de conteúdos específicos da educação profissional e tecnológica, de acordo com as demandas de âmbito local e regional. 123 BRASIL – Decreto nº. 6.302/2007 – disponível em: http://www.planalto.gov.br . Acesso em 27/12/2007. 124 BRASIL – Chamada Pública MEC/SETEC nº. 002/2007 – disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007. 107 Enfim, a intenção é que esses institutos funcionem como centros de excelência na formação de profissionais para as mais diversas áreas da economia e de professores para a escola pública, promovendo o “desenvolvimento” na região onde serão instalados. O CEFET em Bambuí procurará aderir a essa chamada pública, transformando-se em um dos campi dos IFETs. Se essa mudança será frutífera, só o tempo dirá. Por hora vamos nos ater às origens do CEFET em Bambuí e sua formação de mão-de-obra. 108 Figura 03 – Entrada principal do Posto Agropecuário – 1950 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007 Figura 04 – Entrada principal do CEFET-Bambuí – 2008 Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008 109 3.2 CEFET - Bambuí O atual CEFET-Bambuí teve sua origem125em um Posto Agropecuário do Ministério da Agricultura, em 1948, no governo do Gen. Eurico Gaspar Dutra (1946-1951). Seu primeiro diretor e idealizador foi o Sr. Antônio Paulinelli de Carvalho que, na época, foi também prefeito de Bambuí (seu mandato se deu no período de 1947 a 1951). Para exercer o cargo de diretor do Posto Agropecuário, o Sr. Antônio Paulinelli – mais conhecido em Bambuí como Sr. Tunico – afastou-se do cargo de Prefeito Municipal e assumiu o seu vice – o Sr. José Augusto Chaves. O objetivo da criação do Posto Agropecuário, segundo o depoimento do Sr. Altamiro, foi fomentar a agricultura na região, ensinando aos fazendeiros a trabalhar o solo com máquinas agrícolas ao invés de usar a tração animal (muito comum na região). Ensinaram também a fazer curva de nível no terreno, bem como a fazer a correção do solo através do uso de calcário. Divulgaram sementes melhoradas através de pesquisas, pois era costume entre os fazendeiros o uso de sementes da sua própria colheita que eram guardadas de um ano para outro. O Posto Agropecuário serviu, principalmente, para melhorar a prática da agricultura em uma região que dependia substancialmente dela. Bambuí126 pertence à mesorregião do oeste de Minas Gerais, cuja povoação antiga, iniciada nas primeiras décadas do século XVIII, dedicava-se à atividade agropastoril 125 A história sobre a origem do CEFET foi relembrada pelo Sr. Altamiro Gomes de Oliveira, que ocupou o cargo de chefe do setor de mecânica e manutenção de máquinas no período de 1954 a 1991. Como não há registro oficial nos arquivos do CEFET sobre esse período, recorremos ao testemunho oral do Sr. Altamiro que participou ativamente dos acontecimentos do Posto Agropecuário sendo, inclusive, responsável por todo o setor de mecânica. Entrevista concedida em 10/12/2007 a Adriana Maria Silva. 126 MIGUEL, Reginaldo Pereira – Centenário de Bambuí (Ensaio histórico), Ed. Ouro Preto Ltda., 1986. 110 com a finalidade de abastecer as zonas de mineração. A maior parte dessa região do Alto São Francisco desempenhou importante papel como canal natural de escoamento de produtos agrícolas e da pecuária, que abasteciam os núcleos urbanos dedicados à lavra do ouro e que, ainda hoje, conservam sua “vocação agrícola”. Com Bambuí não foi diferente. A cidade teve sua economia baseada na agricultura e pecuária, com destaque para a produção de café, milho e a criação do gado leiteiro e de corte. Predomina as pequenas e médias propriedades como modelo de exploração extensiva. Por isso, entendemos que a criação do Posto Agropecuário propiciou um desenvolvimento na produção agropastoril. Para isso, o Posto contou com a colaboração de entidades como a Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR), hoje EMATER (Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural), que fazia palestras nas próprias fazendas do município e também na sede do Posto Agropecuário127. Nessas palestras eram dadas informações sobre o uso de sementes e formas de plantio, bem como sobre a recomendação do uso de filtros d’água nas fazendas. “Quando as palestras eram feitas na sede do Posto Agropecuário, muitos fazendeiros vinham à cavalo porque não tinham outro meio de transporte” (Sr. Altamiro, 2007). Através do Posto Agropecuário, os fazendeiros tinham acesso às máquinas agrícolas, bastando para isso irem até o escritório do Posto e fazer inscrição, pagando uma taxa simbólica que equivaleria às horas trabalhadas no trator. Assim, os tratores iam até as fazendas com todos os equipamentos necessários para arar e fazer curvas de nível. A despesa dos agricultores, além dessa taxa simbólica, era com a hospedagem do tratorista. Cabia ao Sr. José Teixeira da Silva, cujo cargo era o de auxiliar de escritório, fazer essas inscrições bem como autorizar o uso de equipamentos e veículos do Posto 127 Fonte: entrevista concedida pelo Sr. Altamiro Gomes de Oliveira em 10/12/2007 a Adriana Maria Silva. 111 Agropecuário. A autorização abaixo é um dos exemplos desse tipo de serviço prestado pelo Posto Agropecuário não só aos fazendeiros, mas também a algumas entidades em Bambuí. Figura 05 – autorização de serviço do Posto Agropecuário. Fonte: arquivo do Sr. Altamiro Gomes de Oliveira O Instituto Oswaldo Cruz é de grande relevância para a cidade devido às pesquisas feitas sobre a doença de Chagas muito comum na região e que, felizmente hoje, já está erradicada. Juntamente com o Posto Agropecuário, os pesquisadores do Instituto tinham acesso ao meio rural, alertando os fazendeiros sobre a doença de chagas e o modo de prevení-la. Em 1957, o Sr. Antônio Paulinelli criou o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola e o motivo dessa criação nos é explicado pelo Sr. Altamiro: 112 Figura 06 - Sr. Altamiro em aula prática no Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola – 1957 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007. Figura 07 - Formatura da 1ª turma do Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola – 1958 Fonte: arquivo do Departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007. 113 Como os fazendeiros gostaram do trabalho que estava sendo feito, o Sr. Tunico Paulinelli achou por bem formar os filhos dos fazendeiros da região para que eles mesmos arassem seu terreno, já que muitos deles podiam comprar seu trator. Por isso foi criado o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola no Posto Agropecuário. Os alunos do Centro de Treinamento ficavam internos no Posto Agropecuário por nove meses – período referente ao ciclo do plantio e da colheita – em regime integral com folgas apenas nos finais de semana, tendo aulas de mecânica e implementos agrícolas, português, matemática e conhecimentos gerais (muitos só tinham o curso primário). Vinham alunos também das cidades vizinhas: Tapiraí, Córrego Danta, Medeiros: “As turmas eram de vinte alunos, sendo que dez alunos assistiam às aulas práticas, enquanto os outros as aulas teóricas, depois trocavam” (Sr. Altamiro, 2007). Em 1958 forma-se a primeira turma de tratorista agrícola e em 1961 é criada a Escola Agrícola de Bambuí – através do Decreto Presidencial nº. 3.864/A de 24/01/1961, subordinada à Superintendência do Ensino Agrícola e Veterinário (SEAV) do Ministério da Agricultura128. Pelo Decreto de criação de Escola Agrícola, esta deveria utilizar-se das dependências do Posto Agropecuário e do Centro de Treinamento de Tratoristas Agrícola, absorvendo também suas benfeitorias. Em 1964 a Escola foi transformada em Ginásio Agrícola (Decreto nº. 55.358 de 13/02/1964) e posteriormente em Colégio Agrícola, processo que foi homologado pelo Decreto Presidencial nº. 63.923 de 30/12/1968. “Nesse período havia necessidade de ampliar mais o Colégio, porque as instalações do Ginásio eram precárias. Por isso, teve que fazer a desapropriação do terreno onde morava um senhor de idade para aumentar o Colégio. Mais tarde ele foi indenizado e deram para ele uma casinha na cidade. Onde hoje é o refeitório e o dormitório, era desse senhor que foi desapropriado”. (Sr. Altamiro, 2007). 128 CEFET-Bambuí – informações dos arquivos da Coordenação Geral de Ensino, Secretaria Escolar e Departamento de Administração – Nov/2007. 114 Somente em 1968, já como Colégio Agrícola, é que teve início o curso técnico em Agropecuária, um curso regular de nível médio com duração de três anos e o ensino supletivo também em nível de ensino médio. Nele foram instaladas as Unidades Educativas de Produção, tendo por objetivo contribuir para a fixação da aprendizagem e o desenvolvimento de habilidades necessárias ao futuro profissional técnico. Foram assim divididas essas Unidades de produção: • 1ª Série – o aluno receberia os conhecimentos teóricos e práticos na área de avicultura, horticultura, piscicultura, apicultura; • 2ª Série – receberia os conhecimentos na área de suinocultura, agroindústria, mecanização agrícola, caprinocultura, agricultura II (culturas anuais); • 3ª Série – bovinocultura, eqüídeos, agroindústria, agricultura III (culturas permanentes)129. Em 04/09/1979 novamente seria modificada a denominação da instituição que passaria a chamar-se Escola Agrotécnica Federal de Bambuí (Decreto nº. 83.935 – subordinada à Coordenação Nacional do Ensino Agropecuário – COAGRI). Posteriormente, foi extinta a COAGRI (21/11/1986 – Decreto nº. 93.613) e criada a Secretaria de Ensino de Segundo Grau (SESG), a qual foi transformada em Secretaria Nacional de Educação Tecnológica (SENETE) em 12/04/1990 segundo Lei nº. 8028 e atualmente Secretaria de Educação Média e Tecnológica. De acordo com a organização pedagógica da Escola130, as Escolas Agrotécnicas Federais com habilitação para o ensino agropecuário, possuem um processo de ensino 129 130 Fonte: CEFET-Bambuí – informações dos arquivos da Coordenação Geral de Ensino – Nov/2007. Idem. 115 diferente das demais escolas em nível de segundo grau: baseiam-se no trinômio educação-trabalho-produção. Seu lema “Aprender para fazer e fazer para aprender” (sistema Escola-fazenda) atende ao objetivo que é o de formar para o trabalho, principalmente na área da agroindústria. Nota-se que é inerente a esse sistema Escolafazenda a prática mecanicista, que propicia uma interdependência das atividades escolares com as atividades de produção. Isso direciona o processo educativo para os objetivos da produção configurando assim, um modelo de ensino instrumentalizador, acrítico e voltado para as exigências do mercado produtivo. No caso de Bambuí, a clientela que procura a Escola constitui-se de pessoas de escolaridade variável à procura de cursos de curta duração (qualificação e requalificação); também é bastante heterogênea quanto à faixa etária e nível sócio-econômico, proveniente da zona urbana (pequenas cidades), com tendências agrícolas e constitui-se de ex-alunos em busca de informação ou educação continuada.131 Nota-se aqui a abrangência da Escola em uma região que se volta, principalmente, para os negócios da agroindústria. Em 06/11/1993, através da lei nº. 8.731, a Escola Agrotécnica foi transformada em autarquia, concedendo-lhe autonomia didática, financeira e administrativa, com orçamento e quadro de pessoal próprio. Essa descentralização administrativa concede à Escola maior liberdade de ação, podendo esta receber subsídios do setor privado, estabelecer convênios, realizar pesquisas e prestar serviços. E uma das formas de manter recursos próprios é através da manutenção de um posto de comercialização dos produtos agrícolas produzidos na própria escola. Para isso conta com a Cooperativa-escola, implantada com o objetivo de funcionar no sistema escola-fazenda e com a finalidade de atender os alunos e projetos agropecuários. A 131 Fonte: CEFET-Bambuí – Planejamento estratégico, período março/2001 – arquivos da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007. 116 Cooperativa-escola132 foi fundada em 28/09/1969 cujo primeiro benefício foi fornecer material didático aos seus associados. Em 30/06/1983, pela necessidade de melhor atender às Unidades Educativas de Produção, seus estatutos foram alterados passando a chamar Cooperativa-escola e de Trabalho dos alunos do Colégio de Bambuí Ltda. No ano seguinte, nova mudança e alteração dos estatutos de todas as Cooperativas e novamente muda o nome para Cooperativa-escola dos alunos da Escola Agrotécnica Federal de Bambuí Ltda. A aproximação do binômio “ensino-trabalho” gerou o fator de produção e, assim, a Cooperativa-escola passou a ser parte integrante dos mecanismos pedagógicos utilizados no sistema escola-fazenda. Dentre os objetivos da Cooperativaescola destaca-se a comercialização dos produtos oriundos das Unidades Educativas de Produção. Figura 08 - Cooperativa-escola - Posto de vendas dos produtos agrícolas produzidos no CEFET Na cidade de Bambuí. Fonte: SILVA, Adriana Maria da - jan/2008 132 Fonte: CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino – Nov2007. 117 Com a Reforma da Educação Profissional em 1997 e através do Decreto nº. 2.208/97, as Escolas Agrotécnicas Federais que ministravam somente o curso técnico em Agropecuária concomitante com o ensino médio, tiveram a liberdade de ampliar sua oferta de cursos e de vagas, migrando para além do setor agropecuário e podendo atender aos setores secundário e terciário do mercado de trabalho. Os currículos foram modularizados e a oferta de cursos foi ampliada de acordo com a demanda regional e as necessidades da evolução tecnológica. Com a nova legislação, em 1998, além do tradicional curso técnico agrícola, foram criados outros cursos técnicos: Agroindústria, Zootecnia, Agricultura, Informática, Turismo e Gestão Comercial – concomitante com o ensino médio ou pós-médio. A oferta dos cursos na área agrícola se deve, pelo que já foi exposto, à idéia de “vocação agrícola” da região. Sendo assim, caberia à Escola Agrotécnica cumprir seu papel de fornecer técnicos qualificados principalmente em atividades ligadas ao cultivo do cerrado. Como a cidade inseriu-se no Circuito133da Canastra, por integrar à Bacia do Rio São Francisco, então se justificou a criação do curso técnico em Turismo e Gestão Comercial devido ao potencial turístico da região, bem como às atividades econômicas do comércio varejista que careciam de profissionais qualificados para atuar nesse segmento. Como a Reforma Educacional abriu a possibilidade de ampliação dos cursos ofertados nas Escolas Técnicas Federais e também com a possibilidade de crescimento 133 São definidos como conjunto de municípios de uma mesma região, com afinidades culturais, sociais e econômicas que se unem para organizar e desenvolver a atividade turística regional de forma sustentável. As vantagens de fazer parte de um circuito turístico são: potencialização dos esforços para promover o desenvolvimento turístico; buscar meios de capacitação profissional no setor; preservação e resgate dos patrimônios culturais e naturais melhoria da qualidade de vida do município e o atendimento ao turista. (JORNAL DA CANASTRA – edição de dez/2007, disponível em: http://www.jornaldacanastra.com.br . Acesso em 29/12/2007. 118 econômico na região, a Escola Agrotécnica optou então pela criação desses dois cursos134. Nesta trajetória, a Escola Agrotécnica conseguiu junto ao Programa de Educação Profissional (PROEP) financiamentos para a modernização da rede física, já que a escola deveria ser o “laboratório” na qualificação da mão-de-obra. Os investimentos serviram para construir, equipar, reformar e modernizar suas instalações e laboratórios, além de qualificar pessoal de forma a torná-la capaz de oferecer cursos dentro do padrão e da realidade das empresas empregadoras dos egressos. Finalmente, em 18 de dezembro de 2002, através de Decreto Presidencial, a Escola Agrotécnica Federal de Bambuí foi transformada em Centro Federal de Educação Tecnológica. Atualmente, além dos cursos técnicos, o CEFET-Bambuí oferece cursos superiores de tecnologia: • Graduação Tecnológica em Processamento de Alimentos; • Graduação Tecnológica em Informática no Agronegócio; • Graduação Tecnológica em Gestão de Empreendimentos Turísticos; • Bacharelado em Zootecnia. Nota-se que, dos quatro cursos superiores, três estão voltados para a área agrícola, reforçando esse perfil agrícola construído ao longo dos anos. Assim, sem afastar-se de suas origens, o CEFET-Bambuí continua a manter o vínculo com os produtores rurais através de Programas como: A Escola vai ao campo – Unidade de Ensino volante – direcionado principalmente àqueles que se utilizam da mão-de-obra familiar; realização 134 Fonte: CEFET-Bambuí – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino – Nov/2007. 119 de Dias de Campo com destaque especial para o Fest milho, com participação da EMATER-MG; comercialização de suínos, eqüinos e peixes geneticamente melhorados para reprodução, visando melhor produtividade do agricultor. “Devido à vocação regional para a agricultura, pecuária e industrialização de produtos agropecuários, o CEFET-Bambuí tem focado a maioria de seus cursos neste direcionamento”135. Figura 09 - Símbolo da Escola Agrotécnica e que ainda hoje é utilizado para reforçar o perfil do sistema escola-fazenda. Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008. O curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva, criado no ano de 2005 reforça essa filosofia, pois a finalidade de sua criação foi: “O atendimento aos serviços de mecânica automotiva e de máquinas e implementos agrícolas, que tem sido feito por ‘mecânicos práticos’ com a ajuda de jovens aprendizes que quase sempre não estudam e dão continuidade ao ofício criando suas próprias oficinas. Não há cursos profissionalizantes nesta área da região, apenas no SENAI em Belo Horizonte (260 km), sendo escassos até mesmo em nível nacional, ou até inexistentes no caso da mecanização agrícola de nível técnico. 135 Fonte: CEFET-Bambuí – Setor de Coordenação Geral de Ensino – dez/2007. 120 (...) Necessidade de profissionalizar pessoas em nível técnico e de qualificação para atendimento de necessidades locais e regionais de manutenção e máquinas e implementos agrícolas e de veículos automobilísticos, especialmente utilitários, para desenvolvimento do setor agropecuário. Com isto melhorar o atendimento aos cursos já existentes (técnico em Agropecuária e curso superior de Tecnologia em Zootecnia).136” Visando à expansão de suas atividades, o CEFET-Bambuí firmou convênios com as Prefeituras Municipais das cidades vizinhas – Iguatama, Formiga, Piumhi – onde ministra os cursos de Informática, Turismo e Gestão Comercial. O currículo, o diretor e os professores são selecionados pelo CEFET, enquanto as despesas, equipamentos e infraestrutura são providos pela Prefeitura. No entanto, o CEFET-Bambuí está prestes a viver uma grande mudança no seu processo pedagógico. Isto se deve à proposta do governo Lula em transformar os CEFETs em IFETs (Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia). Segundo esta Proposta, além da oferta de ensino técnico a nível médio, os IFETs também poderão oferecer licenciatura e bacharelado em Ciência e Tecnologia, bem como ofertar estudos de pós-graduação lato e stricto sensu. “As mudanças no sistema capitalista e o acentuado processo de urbanização da sociedade brasileira atualmente absorvem 83% da população. Em nossa sociedade, praticamente, já não existem comunidades exclusivamente agrícolas e as atividades primárias se complementam com as industriais, numa estreita relação entre ciência e tecnologia. Esta realidade repercute em nossas escolas; o modelo das chamadas ‘escolas-fazenda’ já não responde a nova realidade, o que coloca a necessidade urgente do debate no sentido de sua ressignificação” 137 . Nesse sentido, mesmo construindo sua identidade em harmonia com o universo em que se insere, não há dúvidas de que o CEFET-Bambuí, ao transformar-se em IFET, estará 136 CEFET-Bambuí – Proposta de criação do curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva. Arquivo da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007. 137 PACHECO, Eliezer – SETEC/MEC: Bases para uma política nacional de EPT (2008). Disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007. 121 também se reestruturando para atender às “novas” exigências do mercado de trabalho. Provavelmente esta reestruturação pode se dar no sentido de criar outros cursos, mas sem necessariamente abandonar o seu perfil de escola-fazenda já que essa, como vimos, atende às demandas da região. Em outro momento da escola, quando o Decreto nº. 2.208/97 foi instituído, mandando que as escolas técnicas separassem as matrículas do ensino médio e profissional, extinguindo em muitas delas o ensino médio, no CEFET – então Escola Agrotécnica Federal – foi diferente. Mesmo separando as matrículas do ensino médio e profissional, a Escola não extinguiu o ensino médio138. A concomitância interna foi uma opção feita pela escola mantendo, para isso, uma comunicação com o curso técnico. Acreditamos que agora, também, não será diferente. Com toda essa estrutura montada e atendendo as demandas da região, fica difícil imaginar que o CEFET-Bambuí irá abrir mão desse sistema escola-fazenda unicamente para atender a essa exigência. Poderá sim haver uma adaptação à proposta, já que a mesma visa oferecer vagas nos IFETs para cursos de licenciatura em ciências da natureza, bem como serão incentivadas licenciaturas de conteúdos específicos da educação profissional e tecnológica como mecânica, eletricidade e informática139. Sendo assim, cabe aqui apenas esse comentário sobre a transformação que poderá ocorrer no CEFET, já que só o tempo dirá sobre os efeitos dessa mudança. Hoje o CEFET-Bambuí conta com um número de 1.132 alunos distribuídos em diversos cursos técnicos: 138 CEFET-Bambuí – Proposta de criação do curso técnico em Mecânica Agrícola e Automotiva. Arquivo da Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007. 139 Fonte: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007. * O aluno cursa o ensino médio em outra instituição de ensino e o técnico no CEFET. 122 • Agricultura e Zootecnia (concomitantes e subseqüentes): 790 alunos; • Gestão Comercial – Proeja: 83 alunos; • Mecânica Automotiva – Proeja: 11 alunos; • Mecânica Agrícola – Proeja: 16 alunos; • Mecânica Automotiva (concomitante ao E. médio): 31 alunos;* • Mecânica Agrícola (concomitante ao E. médio): 29 alunos;* • Mecânica Automotiva e Agrícola integrado ao Ensino Médio: 23 alunos; • Informática integrado ao ensino médio: 32 alunos; • Informática Programação web: 17 alunos; • Ecoturismo: 18 alunos; • Gestão em serviços de saúde: 26 alunos; • Meio ambiente: 56 alunos.140 É notório o número de alunos principalmente no setor agrícola. Por isso, acreditamos que o CEFET-Bambuí ainda manterá toda essa estrutura agrícola, mesmo porque não há como mudá-la apenas ao sabor da lei e tendo sua mão-de-obra egressa absorvida pelo mercado de trabalho. As mudanças que poderão advir serão lentas, procurando se adaptar a um discurso que aponta para o novo. Mas, o que não podemos perder de vista é que essas mudanças na educação agrícola não devem ser vistas de forma isolada, mas que as mesmas fazem parte de um processo de reestruturação do próprio sistema capitalista que visa responder à conjuntura externa. É nesse sentido que elas precisam ser analisadas, para entendermos seu processo de adaptação a esse contexto. 140 Fonte: informações dos arquivos existentes na Gerência de Registro escolares – Secretaria escolar do CEFET-Bambuí, em 10/01/2008. 123 3.2.1 Empregabilidade dos egressos do CEFET-Bambuí Diante de um contexto em que o prolongamento da escolaridade torna-se impositivo, onde o mercado de trabalho requer da escola uma mão-de-obra qualificada e com desenvolvimento de competências mais sofisticadas como: o pensamento criativo, a resolução de problemas, a capacidade de aprender, ao lado de qualidades pessoais como responsabilidade, organização, liderança e autonomia; enfim, onde todos esses fatores reunidos se tornam requisitos para a empregabilidade, é importante pesquisar se os alunos do CEFET-Bambuí inseriram-se rápido no mercado de trabalho. Segundo a coordenadora de Integração Escola-comunidade, o curso técnico de maior empregabilidade141 (60%) ainda é o de Agricultura e Zootecnia concomitante ao ensino médio. Esse fato se deve “ao aparato do curso, à sua qualidade e também pelo fato de ser o mais antigo, com toda uma estrutura montada para formar bons técnicos” (Lima, 2007). Se pensarmos por este ângulo, sem dúvidas que este curso teria maior procura, porque há toda uma tradição que o consolida no mercado em detrimento dos outros cursos que são mais recentes142. Diante disso, analisaremos a formação oferecida pelo CEFETBambui em comparação com as exigências do mercado de trabalho143. 141 Fonte: Entrevista concedida pela Coordenadora do setor de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007. A coordenadora encontra-se há 14 anos à frente do setor de Integração Escola-comunidade. 142 Gestão Comercial – autorização Res. 09/2003/CD; Gestão de Serviços de Saúde – autorização Res. 04/2006/CD; Mecânica Agrícola e Automotiva – autorização Res. 08/2005/CD; Informática com programação Web – autorização Res. 06/2005/CD; Turismo – autorização Res. 06/2003/CD (CEFETBambuí – informações fornecidas pelo setor de Gerência de Registro escolares, janeiro/2008). 143 MAGALHÃES, Ivan Chaves de – A Formação técnico-profissional dos egressos do CEFETBambuí e a demanda do mundo do trabalho – dissertação apresentada na UFR/RJ em dez/2005. Área de concentração: Educação Agrícola. Ivan C. Magalhães exerceu o cargo de vice-diretor de 1996 a 2000 e 124 O período correspondente a essa pesquisa foi de 10 a 20/08/2005 para a aplicação de questionários individuais e 05 a 08/10/2005 para a aplicação do questionário grupal, que ocorreu no CEFET-Bambuí durante o encontro de ex-alunos144. Constatou-se, então, que a maioria desses egressos foi inserida no mercado de trabalho durante o processo de implantação e consolidação da reforma do ensino profissionalizante (Decreto nº. 2.208/97) e expansão da instituição. De acordo com esse levantamento, a predominância de egressos que responderam aos questionários foi dos cursos técnicos em Agricultura e Zootecnia (21%) e técnico em Agropecuária (37%), “por serem os cursos mais antigos e predominantes no CEFET-Bambuí, seguido de Agroindústria (15%) que é a marca do início da expansão da instituição e em menor quantidade os cursos técnicos em Gestão Comercial (8%), Informática (9%) e Turismo (10%)” (Magalhães, 2005, p. 39). Esses dados confirmam, portanto, a supremacia dos cursos da área agrícola em detrimento dos outros cursos a inserirem-se no mercado de trabalho. Justificamos este fato, como já foi salientado, pela consolidação dos mesmos em um mercado que absorve com freqüência esse profissional, enquanto os outros cursos por serem mais recentes, ainda não conquistaram o mercado na região. Quanto ao tempo transcorrido entre a formatura e o primeiro emprego, essas foram as constatações: “79% dos alunos pesquisados ingressam no mercado de trabalho até 6 diretor geral de 2000 a 2003 da Escola Agrotécnica Federal de Bambuí. Transformada em CEFET em dez/2002, foi reeleito Diretor Geral para a gestão 2003-2007. 144 Os cursos técnicos os quais pertencem os egressos que responderam aos questionários são: Agricultura/Zootecnia, Agroindústria, Agropecuária, Gestão Comercial, Informática e Turismo, sendo um total de entrevistados, 300 egressos. 125 meses de formado; entre 6 meses à 1 ano – 8% ; de 1 a 2 anos – 9%” (idem, 2005). Esta alta percentagem de empregabilidade se deve ao desempenho desejado por produtores e empresários rurais e urbanos. Enquanto os baixos índices de empregabilidade entre os egressos que formaram entre 6 meses à 1 ano ou mais é explicado, conforme depoimento dos entrevistados, pelo fato de serem “filhos de proprietários rurais que tentaram primeiramente a sorte em casa e ao verificarem que o lucro auferido é pequeno e insuficiente por falta de recursos para investir em novas tecnologias ou, às vezes, desentendimentos em trabalhar junto com os pais acabam procurando o mercado de trabalho um pouco mais tarde” (idem, 2005, p.41). Muitas vezes os pais dos alunos relutam em aceitar as novas técnicas. Como já estão apegados às tradições e são conhecedores dessas práticas passadas de geração para geração, são muitas vezes céticos em relação a essas novas técnicas, achando que tudo não passa de “modernismos”. Por isso, os filhos preferem empregar-se nas empresas que já utilizam técnicas agrícolas mais avançadas. Quanto às características desejadas pelos empresários, conforme a Coordenadora do setor de Integração Escola-comunidade referem-se às habilidades básicas exigidas pelas empresas por ocasião do contrato de trabalho (ver formulário no anexo 11): interesse, responsabilidade, comprometimento, liderança, relacionamento inter-pessoal145. Essas habilidades são defendidas no PCN-Ensino médio não só para inserção no mercado de trabalho, mas também para o que seria desejável a uma participação cidadã. Apesar de todo o mérito da proposta do PCN, entendemos que a escola também deveria prover os alunos com um entendimento mais realista e crítico sobre a atividade produtiva e o mercado de trabalho e que estas habilidades não se sujeitassem aos ditames do mercado, 145 Entrevista concedida pela Coordenadora de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007. 126 mas que viessem a contribuir para o entendimento dos efeitos globais sobre a formação dos indivíduos assim como sobre as conseqüências de seus atos perante a vida no planeta. Mesmo em uma escola, cuja principal meta é inserir sua clientela no mercado de trabalho, cremos que isso possa ser possível. Outro item dessa pesquisa que merece destaque refere-se ao currículo cursado no CEFET-Bambuí para o desempenho das funções dos egressos no mercado de trabalho: 64% concordam que o currículo cursado foi suficiente e 36% consideram o currículo insuficiente para atender a demanda (idem, 2005, p. 43). Isso demonstra que o CEFETBambuí está se aperfeiçoando cada vez mais às exigências do mercado de trabalho e, por isso, os egressos se adaptam rápido às empresas nas quais se empregam. Quanto aos que não acham suficiente o currículo, demonstra que o mercado está cada vez mais dinâmico e há necessidade de uma constante adaptação do currículo a essas mudanças. Para uma escola cujo lema é o “aprender a fazer e fazer para aprender” é natural que a preocupação curricular seja uma constante, mesmo porque essa é sua missão: atender às demandas do mercado preparando os alunos com as competências necessárias para garantir seu aprimoramento profissional. Nesse sentido, o currículo deve estar em consonância com essas demandas. Ainda sobre a questão curricular, outra pergunta feita aos egressos refere-se à teoria ensinada e à prática profissional: 67% consideram que o ensino está em consonância com a prática profissional, o que reforça o compromisso com um ensino mais voltado para a prática, para o aprender fazendo, sendo que no caso dos cursos ligados à agropecuária e agroindústria a manutenção do sistema escola-fazenda foi essencial. 127 O índice de 31% dos que acham que o ensino lhes trouxe pouco benefício para sua vida prática profissional é, segundo o autor, “conseqüência de um ensino acadêmico, pouco distante da realidade profissional e professores com menor conhecimento do que se passa no mundo do trabalho e pouca experiência prática”(idem, 2005, p. 44). Essa conclusão não nos parece satisfatória, pois se assim fosse, não haveria um alto índice de concordância com o currículo (67%). O que nos parece mais aceitável é que, principalmente em relação aos cursos recém-criados, as adaptações curriculares ainda se fazem sentir, necessitando de mais tempo para que essas adaptações correspondam ao esperado de um curso profissionalizante. Dos 2% que julgaram o ensino como nada tendo a ver com sua prática profissional representou, ainda segundo o autor, uma percentagem tão insignificante que ele atribuiu àqueles alunos que passaram pela instituição “sem desfrutar de sua estrutura física e humana” (idem, 2005, p.44). É interessante notar, nesse caso, como o conhecimento acadêmico é visto como distante do conhecimento prático principalmente nas escolas profissionalizantes. Isso se deve a uma visão dualista que acompanhou durante muito tempo as teorias pedagógicas, separando uma educação acadêmica para a elite e uma educação prática para os trabalhadores. Essa visão nos parece equivocada, porque cria a falsa idéia de que apenas com uma rápida formação profissional se resolve o problema do desemprego através da educação. É esta também a teoria do capital humano, que postula uma maior e mais sofisticada escolaridade como requisito para manter a empregabilidade. Se assim fosse, então bastaria dar mais acesso à escolaridade, abrir mais cursos profissionalizantes, desenvolver mais competências, que os índices de desemprego no país seriam insignificantes. O que não podemos perder de vista é que os problemas do mercado de trabalho são determinados não só pela falta de qualificação, mas também pela legislação 128 que normatiza as relações trabalhistas e pela economia que cria postos de trabalho. Cada um desses fatores tem uma enorme parcela de responsabilidade sobre essa questão. Em relação às características que um profissional deve possuir no momento atual, 37% responderam que a principal característica seria a visão e motivação (senso de missão). Isso se deve ao “currículo oculto”, ou seja, um conjunto de características que o aluno do CEFET-Bambuí adquire no convívio entre pessoas de diferentes etnias, culturas, níveis sociais e religiões. Além desse fator, é interessante observar no CEFET-Bambuí algumas frases que funcionam como “propaganda subliminar” lembrando a todos – alunos e funcionários – a missão e a filosofia da escola. 129 Figura 10 - Entrada principal do CEFET-Bambuí Fonte: SILVA, Adriana Maria da – jan/2008. Essas frases de cunho positivista contribuem para uma maior sedimentação e refinamento do modelo adotado no CEFET-Bambuí, consolidando o princípio de educação e trabalho. 21% dos egressos optaram pela característica “lucidez de conhecimentos”; 15% escolheram as características “compromisso social e ética profissional”; 10% foram para “responsabilidade técnica”; 9% para “segurança profissional” e 8% para “capacidade empreendedora” (incluindo criatividade). Essas características são realmente importantes, principalmente quando eleva a compreensão dos indivíduos quanto a sua atuação na sociedade e quando também leva a compreensão sobre seu trabalho. Mas, quando são desenvolvidas apenas visando ao sucesso profissional ou quando sustenta um discurso de empregabilidade – que joga sobre o trabalhador a responsabilidade pelo seu emprego ou desemprego - essas 130 características perdem a sua função ética e passam a atender unicamente a interesses individuais ou de mercado. E finalmente, no último item os egressos são questionados sobre quais seriam os pontos fortes dos cursos ofertados pelo CEFET-Bambuí; 44% responderam que a estrutura física adequada era o ponto forte dos cursos ofertados. Lembrando que o CEFETBambuí é uma escola-fazenda, com 65.000m² de área construída, abrangendo uma área de 341, 30,72ha146; 26% optaram por “Qualidade de ensino”; 18% pelo bom conceito do CEFET-Bambuí e 12% devido aos recursos acadêmicos e didáticos adequados. . Figura 11 – Foto aérea do CEFET-Bambuí. Fonte: arquivo do departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007. É inegável o bom conceito que o CEFET-Bambuí desfruta, não apenas na região, mas também nos outros estados. Prova disso é a procura pelos cursos do CEFET-Bambuí de alunos vindos de outras localidades. Quanto aos recursos didáticos, estes tiveram uma relação inversamente proporcional quanto ao aumento do número de cursos e alunos, comparado ao crescimento dos recursos financeiros. Há um crescente custo de 146 Fonte: CEFET-Bambuí – informações do Departamento de Administração, Nov/2007. 131 manutenção da instituição, devido tanto a fatores inflacionários como as despesas advindas de seu próprio crescimento. Por isso, algumas Unidades Educativas de Produção apresentam defasagem tecnológica com instalações e equipamentos antigos e/ou inadequados; laboratório de agroindústria carente de equipamentos. Enfim, há realmente necessidade de maiores investimentos nessa área a fim de atender à crescente demanda de alunos que procuram o CEFET em Bambuí. Em relação aos questionários aplicados em grupo por ocasião do encontro de ex-alunos – período de 05 a 08/10/2005 – a resposta à pergunta sobre a “possibilidade de trabalho para técnicos formados pelo CEFET-Bambuí, do ponto de vista de inserção no mercado de trabalho ou de implantação ou condução de empreendimentos próprios”, foi a de reafirmar a facilidade de inserção no mercado de trabalho logo após o término do curso. Esse fato é confirmado pela coordenadora de Integração Escola-comunidade147, que aponta as empresas de comércio em defensivos agrícolas, cooperativas, empresas de cultivo de café, captação de leite – Nestlé, Danone, Imbaré etc. – como as principais portas de entrada dos egressos do CEFET-Bambuí para o mercado de trabalho. O que mais uma vez demonstra a tradição agrícola da escola e região. Quanto às modificações sugeridas pelos egressos à escola no desenvolvimento dos cursos, esta foi a constatação: em relação ao conteúdo, sugeriram maior incentivo a área de relações interpessoais, mais dinâmica em grupo, mais consciência ambiental inserindo na maioria das disciplinas ministradas. Quanto à prática educativa, sugeriram aulas práticas dentro da escola semelhantes ao que está acontecendo no mercado de trabalho. Dentro do possível, a escola deveria procurar atualizar-se e inovar-se 147 Entrevista concedida pela coordenadora de Integração Escola-comunidade, Andréia Martins de Oliveira e Lima, a Adriana Maria Silva em 27/12/2007. 132 tecnologicamente, repetindo aquilo que ocorre no mercado de trabalho, para facilitar a empregabilidade do seu egresso. E em relação ao estágio, gostariam de um maior número de parceria possível para maior disponibilidade de estágios. Outros cursos que a escola deve oferecer – Agronomia e Medicina Veterinária. (idem, 2005, p. 48). As respostas reforçam o grande compromisso do CEFET-Bambuí em adaptar a grade curricular dos cursos em coerência com o mercado de trabalho. Quanto ao desempenho de empregabilidade dos egressos até seis meses de formado é creditado ao diferencial de formação acadêmica, à metodologia e ao conteúdo curricular em consonância com o mercado de trabalho. O que é confirmado pela maioria dos egressos que concordam que o currículo ministrado pelo CEFET-Bambuí foi suficiente para desempenhar suas funções exigidas pelo mercado. Os resultados reafirmam o alto nível de empregabilidade dos egressos do CEFETBambuí e a constante preocupação em estar em perfeita interação com as mudanças tecnológicas e o mercado produtivo – visando a uma melhor qualificação. Entretanto, se considerarmos a formação profissional apenas a partir daquilo que é útil ao sistema produtivo e não daquilo que é necessário à sociedade e à elevação da compreensão do trabalhador sobre seu trabalho, estaremos apenas reforçando as atuais relações sociais de dominação e nos descomprometendo com a construção do futuro. Essas são questões que merecem ser levadas em consideração, principalmente por uma instituição conceituada como o CEFET-Bambuí. 133 3.2.2 Empreendedorismo nos cursos técnicos do CEFET-Bambuí Dentre as considerações acerca da formação dos alunos do CEFET-Bambuí, achamos pertinente investigar se uma educação empreendedora não viria a ser uma saída para a formação meramente técnica ou até mesmo que promova uma autonomia para aqueles que se aventurassem em um negócio próprio. Diante dessa questão iremos analisar se essa proposta seria viável visando a essa emancipação. A pesquisa148 feita no período de 02 a 26/10/2006 em um universo de 1.317 alunos - sendo 841 dos cursos técnicos e 476 dos cursos tecnológicos - também tiveram incluídos seis membros da direção e coordenadores gerais ligados à área de ensino, oito coordenadores de cursos técnicos e cinco de cursos tecnológicos (para auferir a opinião dos mesmos sobre a possibilidade de inclusão da disciplina empreendedorismo nos cursos que ainda não a possui). Como nosso objetivo é os cursos técnicos, pinçaremos nesse universo as constatações as quais se referem ao nosso objeto de estudo. Assim, 63,2% dos alunos que participaram da pesquisa pertencem aos cursos técnicos oferecidos e 36,80% pertencem aos cursos superiores de tecnologia. Entre os cursos técnicos, a área de Agricultura e Zootecnia possui maior representatividade (33,55%), pois durante 30 anos foi o único curso oferecido enquanto Escola Agrotécnica Federal de Bambuí. Os demais cursos técnicos contam com um número menor de alunos, por estarem em fase inicial de implantação. 148 COSTA, Rita de Cássia Silva – O Empreendedorismo como componente curricular para os cursos do CEFET-Bambuí – estudo feito para conclusão do curso superior de Tecnologia em Administração: gestão de pequenas e médias empresas, CEFET- Bambuí, 2006. 134 No item sobre a escolha feita por um determinado curso, temos a seguinte constatação: 42,02% responderam que pretendem ter base para o prosseguimento dos estudos; 19,87% pretendem trabalhar em uma empresa privada; 17,92% gostariam de montar seu próprio negócio; 3,26% pretendem dar continuidade aos negócios da família; 12,70% pretendem ingressar no serviço público; 4,23% pretendem apenas obter um diploma (Costa, 2006, p.48). O desejo em prosseguir os estudos, revela que o ensino médio é visto por uma parte significativa dos alunos pesquisados como uma garantia de acesso à educação superior. E, caso esse acesso não seja possível, então o mercado de trabalho se torna a opção mais viável já que o CEFET proporciona esse ingresso com mais eficiência. A percentagem dos que gostariam de montar seu próprio negócio ou que pretendem dar continuidade aos negócios da família, revela que o ensino do empreendedorismo no CEFET-Bambuí ainda não é visto como um fator importante na formação do aluno, e sim que a empregabilidade constitui-se em um objetivo maior dessa formação. Em relação ao conhecimento que os alunos possuem sobre o termo empreendedorismo, 52,43% dos alunos do curso técnico em Agricultura e Zootecnia desconhecem o termo empreendedorismo. O fato dos cursos técnicos em Agricultura e Zootecnia não possuírem em suas grades curriculares a disciplina empreendedorismo, justificaria em parte o não conhecimento do termo. Entretanto, de acordo com o Projeto Pedagógico149 de ambos os cursos, um dos objetivos apresentado é o de formar profissionais para “implantar, organizar e gerenciar atividades, seções, empresas e instituições ligadas à agricultura” (Projeto Pedagógico, p. 5). Sendo assim, a disciplina empreendedorismo poderia vir a contribuir para que esse objetivo seja alcançado, já que “implantar, organizar, gerenciar” faz parte do dia-a-dia de um empreendedor. Além disso, o ensino 149 CEFET-Bambuí – Projeto Pedagógico do curso técnico em Agricultura e Projeto Pedagógico do curso técnico em Zootecnia – informações fornecidas pelo setor de Coordenação Geral de Ensino, Nov/2007. 135 técnico agropecuário apresenta uma visão padronizada de currículo que está muito ligada à idéia de organização e gestão do trabalho bem própria do modelo taylorista, com seus princípios de eficácia, controle, previsão, racionalidade na adequação de meios e fins. Isso justificaria esse desconhecimento. Quanto aos cursos que já possuem esta disciplina na grade curricular como técnico em Gestão de Saúde, técnico em Mecânica automotiva e Agrícola e outros apresentaram baixos índices de desconhecimento do termo (idem, 2006, p. 54). E esse é outro item da pesquisa que merece ser analisado: as atividades curriculares ou extracurriculares sobre empreendedorismo que os alunos participaram ou participam no CEFET-Bambuí: “11,24% cursam ou cursaram a disciplina empreendedorismo, porque esta faz parte dos cursos superiores de tecnologia em Administração, Informática, Gestão de Empreendimentos turísticos e do curso técnico em Informática; 16,14% desenvolvem esta atividade através da elaboração de projetos de final de curso por ser exigência da escola; 1,15% tiveram participação na Empresa Júnior; 12,10% trabalham com o desenvolvimento de produtos – alunos dos cursos de Informática, técnicos e superiores e curso superior de Tecnologia em Alimentos (FIPA); 23,34% tiveram contato com empreendedorismo através de palestras com profissionais da área ou empresários; 9,77% não participaram de qualquer atividade ligada ao empreendedorismo” (Costa, 2006, p.51). Figura 12 - FIPA – Feira Integrada de Produtos Agroindustriais – produtos desenvolvidos no CEFET-Bambuí. Fonte: arquivo do departamento de Administração do CEFET-Bambuí – nov/2007. 136 Com exceção dos cursos superiores que possuem maior contato com a experiência do empreendedorismo, os cursos técnicos ficam muito a desejar nessa questão. Uma cultura empreendedora precisaria ser fomentada desde as primeiras séries do ensino fundamental para que se torne um hábito e para que haja uma compreensão real sobre a economia capitalista e suas contradições. Abordá-la no final da escolarização básica, poderia ser insuficiente ou até mesmo ineficiente para atingir ao objetivo que ela deve se propor, ou seja, o de promover a autonomia do trabalhador bem como a capacidade de buscar soluções para os problemas causados pela forma como produzimos e consumimos. Quanto à postura dos coordenadores de cursos em relação ao tema empreendedorismo, 92% acreditam que o empreendedorismo possa ser ensinado nas escolas, enquanto 8% não concordam que o mesmo possa ser administrado nas escolas (idem, 2006, p. 60). Com uma postura diferente em relação aos membros da coordenação de cursos, alguns membros da diretoria do CEFET-Bambuí, por ocasião da pesquisa, acreditam que o empreendedorismo pode ser ensinado nas instituições de ensino (83%); e 17% acreditam que esta é uma capacidade inata. No entanto, os membros da diretoria foram unânimes em admitir que o empreendedorismo deva ser incluído em todos os cursos oferecidos pelo CEFET-Bambuí (idem, 2006, p. 64). Os motivos apresentados por eles, dentre outros, para a inclusão em todos os cursos refere-se ao fato de que poderia complementar no indivíduo sua capacidade inata, daria mais oportunidade aos alunos para serem inovadores e terem o seu próprio negócio. 137 Em suma, os resultados nos mostram que há grande desinformação dos alunos sobre o tema empreendedorismo, sendo que dentre eles estão os alunos do curso técnico em Agricultura e Zootecnia. “este desconhecimento demonstra que falta ao CEFET-Bambuí uma cultura empreendedora. Apenas cinco cursos possuem em sua grade curricular o empreendedorismo como disciplina. Embora alguns coordenadores e diretores afirmem em seus questionários que o empreendedorismo faz parte dos currículos dos cursos como elemento curricular ou transversal às disciplinas oferecidas, o resultado desta proposição faz duvidar de que na prática pedagógica isto esteja acontecendo” (idem, 2006, p.68). Voltando mais uma vez à questão da proposta de ifetização, dentre os objetivos que concerne à relação entre educação e trabalho está o de “promover a cultura do empreendedorismo e cooperativismo, apoiando processos educativos que levem à geração de trabalho e renda”.150 Por isso, cabe ao CEFET-Bambuí repensar sua prática pedagógica em relação a esse tema, inovando nessa proposta. A forma como o empreendedorismo está estruturado no CEFET-Bambuí, reforça ainda mais o modelo econômico vigente no país que prega a competição, o individualismo e a meritocracia. O modelo que julgamos conveniente que se ministre nas escolas, é o que oferece condições para se superar o paradigma econômico atual e que pense de forma holística sobre os problemas decorrentes desse modelo econômico. O fato de ter havido grande interesse dos alunos que participaram da pesquisa (90%) pela inclusão da disciplina no currículo, representa um importante fator a considerar visto que há uma recepção favorável à disciplina. Mesmo em um centro tecnológico, cuja estrutura está montada para atender ao modelo econômico vigente, julgamos possível repensar esta organização econômica que já 150 Fonte: Brasil - Chamada Pública MEC/SETEC nº. 002/2007. Disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 27/12/2007. 138 demonstra sinais de superação principalmente através da questão ambiental. Afinal, como pensava Gramsci151 a respeito da função da escola, “ela pode ser, em certa medida, transformadora, sempre que possa proporcionar as classes subalternas os meios iniciais para que, após uma longa trajetória de conscientização e luta se tornem capazes de ‘governar’ aqueles que as governam”. Repensar, portanto, essa estrutura é ir em busca de um outro modelo de sociedade, onde a vida passe a ser prioridade. 151 MOCHCOVITCH, Luna Galano – Gramsci e a Escola – SP, Ed. Ática S.A., 1988. 139 CONSIDERAÇÕES FINAIS Essa pesquisa representou uma tentativa de aprofundar a compreensão da natureza contraditória das relações entre a prática escolar e a estrutura econômico-social capitalista, mais especificamente do mercado de trabalho. Assim, o estudo desenvolveu-se dentro de dois sentidos. Primeiramente elucidando as relações entre educação e estrutura econômico-social, isto é, em que sentido as teorias e práticas pedagógicas dos cursos profissionalizantes foram determinadas pelas teorias liberais existentes na sociedade, mediante a adoção de uma postura positivista. No segundo sentido, analisando os cursos técnicos do CEFET-Bambuí, notou-se que a prática educativa escolar se articula com a prática social da produção de forma mediata, ou seja, criam-se cursos técnicos para atender aos interesses imediatos do mercado de trabalho. Por isso, o que vem determinando historicamente a criação desses cursos é, justamente, essa interligação econômico-pedagógica em uma região que ainda depende substancialmente da atividade agroindustrial. Entretanto, uma proposta de empreendedorismo que provocasse uma mudança de paradigma, também não se tornou viável. Visto que há um movimento no sentido de adaptação à conjuntura social do que a uma contestação dessa mesma conjuntura. No entanto, o CEFET-Bambuí passa por mudanças. Isso se deve à proposta do governo federal em transformar os CEFETs em IFETs (Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia), onde serão oferecidos além dos cursos técnicos já existentes, os cursos 140 de licenciatura e bacharelado bem como os de pós-graduação lato e stricto sensu. Também há uma proposta de ressignificação do modelo das chamadas “escolasfazenda”, já que as mesmas – de acordo com o governo – não responde às necessidades de uma sociedade urbano-industrial. E já que esse é o momento de mudanças, então porque não ousar mais e buscar um novo paradigma que não vise apenas responder às mudanças tecnológicas e de mercado, mas que se comprometesse com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Que o CEFET usasse o conhecimento não apenas para produzir melhor, para dominar procedimentos e encontrar soluções para objetivos já determinados pelo sistema. Que os cursos, apesar de curta duração e voltados para conteúdos bem definidos, exigissem níveis mais aprofundados de formação geral e que desenvolvesse a capacidade de inovar. Pois, seja qual for a perspectiva que o CEFET vier a tomar, é importante que ele supere esses seus limites estritamente técnicos e que promova uma educação direcionada em prol das soluções dos nossos problemas mais cruciais como: fome, desigualdade social e degradação ambiental. Talvez para isso o CEFET-Bambuí terá que buscar inspiração na fonte que o gerou – o Centro de Treinamento de Tratorista Agrícola. Como o Sr. Altamiro mesmo nos relatou: A minha sala de aula era o campo. Se o trator estragava, a gente ia até lá e os alunos eram instigados a descobrir o defeito. Eles deveriam olhar não só o trator, mas o terreno onde ele estava arando para descobrir o defeito. Hoje, não! Eles ficam na sala de aula com tudo pronto e só vêem o que está ali. Talvez seja a hora de sairmos de nossas salas e reinventarmos o caminho. 141 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ABRAMOVAY, Miriam & CASTRO, Mary Garcia – Ensino Médio: múltiplas vozes - Brasília/DF, edições UNESCO, MEC, 2003. ADORNO, T.W. – Educação e Emancipação – SP, Ed. Paz e Terra, 1995. ANTUNES, Ricardo – Os Sentidos do Trabalho – SP, Ed. Boitempo, 1999. ARENDT, Hannah – Entre o Passado e o Futuro – 3ª edição, SP, Ed. Perspectiva S.A., 1992. BÍBLIA SAGRADA – Edição Pastoral Catequética – 147ª edição, SP, Ed. Ave Maria, 2002. BRASIL – Conselho Nacional de Educação – Parecer 16/99, Documenta Brasília, nº. 457, p. 3-73, out/1999. _______ - Ministério da Educação – Lei Federal nº. 8.948/94. Disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 10 de julho/2007. _______ - Ministério da Educação – Resolução CNE/CEB nº. 04/99, disponível em: http://portal.mec.gov.br . Acesso em 10 de julho/2007. _______ - Decreto nº. 6.302/2007, disponível em: http://www.planalto.gov.br . 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A União, representada pelo MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, por intermédio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica, estará acolhendo propostas de constituição de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET, na forma e condições estabelecidas na presente Chamada Pública. 1. DA CONTEXTUALIZAÇÃO 1.1 A implantação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs constitui-se em uma das ações de maior relevo do Plano de Desenvolvimento da Educação – PDE, na medida em que tornará mais substantiva a contribuição da rede federal de educação profissional e tecnológica ao desenvolvimento sócio-econômico do conjunto de regiões dispostas no território brasileiro, a partir do acolhimento de um público historicamente colocado a margem das políticas de formação para o trabalho, da pesquisa aplicada destinada à elevação do potencial das atividades produtivas locais e da democratização do conhecimento à comunidade em todas as suas representações. 1.2 No que concerne à relação entre educação e trabalho, a missão institucional do IFET deve orientar-se pelos seguintes objetivos: 1.2.1 — ofertar educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo, em todos os seus níveis e modalidades, sobretudo de nível médio, reafirmando a verticalização como um dos princípios do IFET; 1.2.2 — ofertar a educação básica, a licenciatura e bacharelado em áreas em que a ciência e a tecnologia são componentes determinantes, bem como ofertar estudos de pós-graduação, lato e stricto sensu; 1.2.3 — orientar a oferta de cursos em sintonia com a consolidação, o fortalecimento e as potencialidades dos arranjos produtivos, culturais e sociais, de âmbito local e regional, privilegiando os mecanismos de inclusão social e de desenvolvimento sustentável; e 1.2.4 — promover a cultura do empreendedorismo e cooperativismo, apoiando processos educativos que levem à geração de trabalho e renda. 1.3 No que diz respeito à relação entre educação, ciência e tecnologia, o IFET deverá: 1.3.1 — constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, voltado 149 à investigação empírica; 1.3.2 — qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas escolas públicas; 1.3.3 — oferecer programas especiais de formação pedagógica inicial e continuada com vistas à formação de professores para a educação profissional e tecnológica e educação básica , de acordo com as demandas de âmbito local e regional, em especial, nas áreas das ciências da natureza (biologia, física e química) e matemática; 1.3.4 — estimular a pesquisa e a investigação científica, visando ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia e de inovação, ressaltando, sobretudo, a pesquisa aplicada. 1.3.5 — promover a divulgação científica e programas de extensão, no sentido de disponibilizar para a sociedade, considerada em todas as suas representatividades, as conquistas e benefícios da produção do conhecimento, na perspectiva de cidadania e da inclusão. 2. DO OBJETO 2.1 A presente Chamada Pública tem por objeto a análise e seleção de propostas de constituição de Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFETs. 2.2 Os IFETs poderão ser constituídos: 2.2.1 — mediante transformação de Centro Federal de Educação Tecnológica, de Escola Técnica Federal ou de Escola Técnica vinculada à Universidade Federal; 2.2.2 — mediante integração de duas ou mais instituições federais de educação profissional e tecnológica de um mesmo estado. 2.3 O quantitativo máximo de IFETs que serão implantados em cada Unidade da Federação consta do Anexo I à presente Chamada Pública. 2.4 Todas as propostas de constituição de IFET que forem selecionadas pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica serão incorporadas em um único Projeto de Lei, cuja minuta consta do Anexo II à presente Chamada Pública. 3. DA ELEGIBILIDADE DOS PROPONENTES 3.1 Poderão candidatar-se à apresentação das propostas de que trata o presente instrumento: 3.1.1 — os Centros Federais de Educação Tecnológica, individualmente, ou em conjunto com outras instituições federais de educação profissional e tecnológica de seu estado; 3.1.2 — a Escola Técnica Federal de Palmas, individualmente, ou em conjunto com a Escola Agrotécnica Federal de Araguatins; 3.1.3 — duas ou mais Escolas Agrotécnicas Federais, situadas em uma mesma Unidade da Federação, mediante apresentação de proposta conjunta; e 3.1.4 — a Escola Técnica vinculada à Universidade Federal do Paraná. 4. DAS CARACTERÍSTICAS DA PROPOSTA 150 4.1 A proposta a ser encaminhada à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica deverá apresentar, como conteúdo mínimo, os seguintes elementos: 4.1.1 — documento que oficialize a adesão da(s) instituição(ões) proponente(s) ao modelo de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia; 4.1.2 — indicação do município onde se estabelecerá a Reitoria da nova instituição, observando-se que as reitorias serão preferencialmente constituídas em espaços físicos independentes de quaisquer dos campi que integrem o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia; 4.1.3 — a delimitação da base territorial em que atuará o novo ente, compreendidas na dimensão geográfica de um Estado, do Distrito Federal ou de uma ou mais mesorregiões dentro de um mesmo Estado, caracterizadas por identidades históricas, culturais, sociais e econômicas; 4.1.4 — a relação dos campi que passarão a integrar o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, após a sanção de seu ato de criação. 4.2 A proposta de IFET que resultar na integração de instituições, na forma estabelecida pelo subitem 2.2.2, deverá ser aprovada em cada uma das autarquias signatárias da proposta, observando-se que todas as manifestações individuais de adesão ao novo modelo deverão compor um único processo a ser remetido à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica. 4.3 As propostas de constituição de IFETs deverão, ainda, ser instruídas com o mapeamento descritivo da situação atual de cada unidade que integra a proposta, excetuando-se apenas as unidades ainda não implantadas, contemplando, no mínimo, informações gerenciais sobre: 4.3.1 — número de professores e de técnicos administrativos do quadro efetivo; 4.3.2 — número de alunos, por nível / modalidade de ensino; 4.3.3 — relação dos cursos regulares atualmente ofertados; 4.3.4 — descrição sumária da infra-estrutura física constituída; 4.3.5 — caracterização socioeconômica e educacional da área de abrangência da unidade; 5. DA APRESENTAÇÃO DAS PROPOSTAS 5.1 As propostas deverão ser enviadas ao Ministério da Educação no prazo limite de 90 (noventa) dias a contar da publicação da presente Chamada Pública. 5.2 Será obrigatório o envio à Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica de uma cópia da proposta em meio magnético – disquete ou CD-ROM – e de 1 (uma) cópia impressa da proposta, assinada pelos dirigentes das instituições envolvidas. 5.3 As propostas deverão ser impressas em papel A4 podendo ser anexados outros documentos e informações consideradas relevantes para análise do pleito, até um limite total de 50 (cinqüenta) folhas. 5.4 A proposta e seus respectivos anexos poderão ser entregues diretamente no protocolo da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, no endereço abaixo indicado, ou remetidos pelo correio, mediante registro postal ou equivalente, com comprovante da postagem até a data final 151 para apresentação da proposta, estabelecida no item 5.1 desta Chamada Pública, devendo constar no envelope a seguinte identificação: CHAMADA PÚBLICA MEC/SETEC n.º 002/2007 <nome(s) da(s) instituição(ões) proponente(s)> Ministério da Educação Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica Esplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, sala 127 70.047-900 – Brasília – DF 6. DA SELEÇÃO DE PROPOSTAS 6.1 A seleção das propostas será realizada por equipe técnica designada pela Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica e se pautará pela análise das seguintes dimensões: 6.1.1 — grau aderência da proposta aos termos do presente instrumento; 6.1.2 — importância estratégica de constituição do IFET proposto para o alcance dos objetivos definidos nos itens 1.2 e 1.3 desta Chamada Pública; 6.1.3 — número de campi que integram a proposta de constituição do IFET; 6.1.4 — potencial de articulação de ações derivadas das políticas de educação, desenvolvimento socioeconômico e ordenamento territorial. 6.2 O resultado da seleção referida o item 6.1 será divulgado até o dia 31 de março de 2008 e pautará a elaboração do Projeto de Lei que tratará da instituição dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia. 7. DA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA 7.1 Os recursos para atender os eventuais dispêndios dessa Chamada Pública, por parte do Ministério da Educação, estão consignados no Programa de Trabalho nº 12.363.1062, Ptres 12.363.1062.6380.0001, Programa 1062 – Desenvolvimento da Educação Profissional -, Ação 6380 – Fomento ao Desenvolvimento da Educação Profissional. 8. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS 8.1 A qualquer tempo, a presente Chamada Pública poderá ser revogada ou anulada, no todo ou em parte, por motivo de interesse público ou exigência legal, sem que isso implique direito a indenização ou reclamação de qualquer natureza. 8.2 Os casos omissos e as situações não previstas na presente Chamada Pública serão apreciados pelo Ministério da Educação. 9. DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS 9.1 Os resultados finais serão divulgados no sítio da Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (www.mec.gov.br/setec) e no Diário Oficial da União. 9.2 Esclarecimentos acerca do conteúdo da presente Chamada Pública poderão ser obtidos através do Serviço de Atendimento ao Cidadão/SETEC/MEC – Tel.: (61) 2104.8315 9.3 O foro é o da cidade de Brasília, Distrito Federal, para dirimir questões oriundas 152 da execução do presente Edital. Brasília, 12 de dezembro de 2007. ______________________________________ Fernando Haddad Ministro de Estado da Educação ANEXO I QUANTITATIVO MÁXIMO DE IFETs POR UNIDADE DA FEDERAÇÃO UF QUANT. MÁXIMO DE IFETs ACRE 1 ALAGOAS 1 AMAPÁ 1 AMAZONAS 1 BAHIA 2 CEARÁ 1 DISTRITO FEDERAL 1 ESPÍRITO SANTO 1 GOIÁS 2 MARANHÃO 1 MATO GROSSO 1 MATO GROSSO DO SUL 1 MINAS GERAIS 4 PARÁ 1 PARAÍBA 1 PARANÁ 1 PERNAMBUCO 2 PIAUÍ 1 RIO DE JANEIRO 3 RIO GRANDE DO NORTE 1 RIO GRANDE DO SUL 3 RONDÔNIA 1 RORAIMA 1 SANTA CATARINA 2 SÃO PAULO 1 SERGIPE 1 TOCANTINS 1 ANEXO II MINUTA DE PROJETO DE LEI Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e dá outras providências. CAPÍTULO I DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA Art. 1º. Fica instituída, no âmbito do Sistema Federal de Educação, a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, vinculada ao Ministério da Educação e constituída pelas seguintes instituições: I – Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia – IFET; II – Universidades Tecnológicas Federais – UTF; III – Centros Federais de Educação Tecnológica – CEFET; Parágrafo único. As instituições relacionadas no caput possuem natureza jurídica 153 de autarquia, detentoras de autonomia administrativa, patrimonial, financeira, didáticopedagógica e disciplinar. Art. 2º Os IFET são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampus, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, com base na conjugação de conhecimentos técnicos e tecnológicos às suas práticas pedagógicas, nos termos desta Lei. § 1º. Para efeito da incidência das disposições que regem a regulação, avaliação e supervisão das instituições e dos cursos da educação superior, os IFET são equiparados às universidades federais. § 2º. Os IFET terão autonomia, nos limites de sua área de atuação territorial, para criar e extinguir cursos, bem como para registrar diplomas dos cursos por ele oferecidos, mediante autorização do seu Conselho Superior. Art. 3º As UTF são universidades especializadas, nos termos do parágrafo único do art. 52 da Lei n.º 9.394, de 1996, regendo-se pelos princípios, finalidades e objetivos constantes da Lei n.º 11.184, de 2005. Art. 4º Os CEFET são instituições de ensino superior pluricurriculares, especializados na oferta de educação tecnológica nos diferentes níveis e modalidades de ensino, caracterizando-se pela atuação prioritária na área tecnológica, na forma estabelecida pelo Decreto n.º 5.224, de 1º de outubro de 2004, e alterações posteriores. CAPÍTULO II DOS INSTITUTOS FEDERAIS DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA Seção I – Da criação dos IFET Art. 5º Ficam criados os seguintes Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: Exemplos de redações que serão empregadas neste artigo I – IFET do Acre, mediante transformação da Escola Técnica Federal do Acre; II – (....) (....) XII – IFET Agroindustrial de Goiás, mediante integração dos Centros Federais de Educação Tecnológica de Rio Verde-GO, de Urutaí-GO e da Escola Agrotécnica Federal de Ceres-GO; (....) § 1º As localidades onde serão constituídas as reitorias dos novos IFET constam do Anexo I a esta Lei. § 2º A unidade de ensino que integrava a estrutura organizacional de instituição transformada ou integrada em IFET passa de forma automática, independentemente de qualquer formalidade, à condição de campus da nova instituição. Seção II – Das finalidades e características dos IFET Art. 6º Os IFET têm por finalidades e características: I – ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e 154 modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas à atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; II – desenvolver a educação profissional e tecnológica, como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais; III – promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; IV – orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do IFET; V – constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica; VI – qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino; VII – desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica; VIII – realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico; IX – promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente. Seção III – Dos objetivos dos IFET Art. 7º Observadas as finalidades e características definidas no art. 6º, são objetivos dos IFET: I – ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos; II – ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores, objetivando a capacitação, o aperfeiçoamento, a especialização e a atualização de profissionais, em todos os níveis de escolaridade, nas áreas da educação profissional e tecnológica; III – realizar pesquisas aplicadas, estimulando o desenvolvimento de soluções técnicas e tecnológicas, estendendo seus benefícios à comunidade; IV – desenvolver atividades de extensão de acordo com os princípios e finalidades da educação profissional e tecnológica, em articulação com o mundo do trabalho e os segmentos sociais e com ênfase na produção, desenvolvimento e difusão de conhecimentos científicos e tecnológicos; V – estimular e apoiar processos educativos que levem à geração de trabalho e renda, e à emancipação do cidadão na perspectiva do desenvolvimento socioeconômico local e regional; VI – ministrar em nível de educação superior: 155 a) cursos superiores de tecnologia visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia; b) cursos de licenciatura, bem como programas especiais de formação pedagógica, com vistas à formação de professores para a educação básica, sobretudo nas áreas de ciências e matemática, e para a educação profissional; c) cursos de bacharelado e engenharia, visando à formação de profissionais para os diferentes setores da economia e áreas do conhecimento; d) cursos de pós-graduação lato sensu de aperfeiçoamento e especialização, visando à formação de especialistas nas diferentes áreas do conhecimento; e) cursos de pós-graduação stricto sensu de mestrado e doutorado, que contribuam para promover o estabelecimento de bases sólidas em educação, ciência e tecnologia, com vista ao processo de geração e inovação tecnológica. Art. 8º No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o IFET, em cada exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinqüenta por cento) de suas vagas para atender aos objetivos definidos no inciso I do art. 7º, e o mínimo de 20% (vinte por cento) de suas vagas para atender ao previsto na alínea b do inciso VI do citado art. 7º. § 1º O cumprimento dos percentuais referidos no caput deverá observar o conceito de aluno-equivalente, conforme regulamentação a ser expedida pelo Ministério da Educação. § 2º Nas regiões em que as demandas sociais pela formação em nível superior o justificarem, o colegiado superior do IFET poderá, com anuência do Ministério da Educação, autorizar o ajuste da oferta desse nível de ensino, sem prejuízo do índice definido no caput deste artigo, para atender aos objetivos definidos no inciso I do art. 7º. Seção IV – Da estrutura organizacional dos IFET Art. 9º Cada IFET é organizado em estrutura multicampi, com proposta orçamentária anual identificada para cada campus e a reitoria, exceto no que diz respeito a pessoal, encargos sociais e benefícios aos servidores. Art. 10. A administração dos IFET terá como órgãos superiores, o Colégio de Dirigentes e o Conselho Superior. § 1º As presidências do Colégio de Dirigentes e do Conselho Superior serão exercidas pelo Reitor do IFET. § 2º O Colégio de Dirigentes, de caráter consultivo, será composto pelo Reitor, pelos Pró-Reitores e pelos Vice-Reitores de cada campus que integra o IFET. § 3º O Conselho Superior, de caráter consultivo e deliberativo, será composto por representantes dos docentes, dos estudantes, dos técnicos-administrativos, dos egressos da instituição, da sociedade civil, do Ministério da Educação e do Colégio de Dirigentes do IFET. § 4º O estatuto do IFET disporá sobre a estruturação, as competências e as normas de funcionamento do Colégio de Dirigentes e do Conselho Superior. Art. 11. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia terão como órgão executivo a Reitoria, composta de um Reitor e cinco Pró-Reitores. Parágrafo Único. A Reitoria, como órgão de administração central, poderá ser instalada em espaço físico distinto de qualquer dos campi que integram o IFET, desde que previsto em seu estatuto. 156 Art. 12. Os Reitores serão nomeados pelo Presidente da República, para mandato de quatro anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à comunidade escolar, observando-se os pesos de dois terços para a manifestação dos servidores e de um terço para a manifestação do corpo discente. § 1º Poderão candidatar-se ao cargo de Reitor os docentes pertencentes ao Quadro de Pessoal Ativo Permanente de qualquer dos campi que integram o IFET, desde que possuam o mínimo de cinco anos de efetivo exercício na instituição e que atendam a, pelo menos, um dos seguintes requisitos: I – possuir o título de doutor; II – estar posicionado na última classe da respectiva Carreira Docente. § 2º O mandato de Reitor extingue-se pelo decurso do prazo, ou, antes desse prazo, pela aposentadoria, voluntária ou compulsória, pela renúncia e pela destituição ou vacância do cargo. § 3º Os Pró-Reitores são nomeados pelo Reitor do IFET, nos termos da legislação aplicável à nomeação de cargos de direção. Art. 13. Os campi serão dirigidos por Vice-Reitores, nomeados pelo Reitor para mandato de quatro anos, permitida uma recondução, após processo de consulta à comunidade do respectivo campus, nos termos estabelecidos pelo estatuto da instituição. § 1º Poderão candidatar-se ao cargo de Vice-Reitor de campus os servidores ocupantes de cargo efetivo da carreira docente ou de cargo efetivo de nível superior da carreira dos Técnicos-Administrativos em Educação, desde que possuam o mínimo de cinco anos de efetivo exercício no campus e que se enquadrem em pelo menos uma das seguintes situações: I – preencher os requisitos exigidos para a candidatura ao cargo de Reitor do IFET; II – possuir o mínimo de dois anos de exercício em cargo ou função de gestão na instituição; III – ter concluído, com aproveitamento, curso de formação para o exercício de cargo ou função de gestão em instituições da Administração Pública. § 2º O Ministério da Educação expedirá normas complementares dispondo sobre o reconhecimento, a validação e a oferta regular dos cursos de que trata o inciso III do § 1º. CAPÍTULO II DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E TRANSITÓRIAS Art. 14. O Diretor-Geral de instituição transformada ou integrada em IFET, designado para a função de Reitor da nova instituição, a exercerá até o final de seu mandato em curso e em caráter pro tempore, com a incumbência de promover, no prazo máximo de cento e oitenta dias, a elaboração e encaminhamento ao Ministério da Educação da proposta de estatuto e de Plano de Desenvolvimento Institucional PDI do 157 IFET. § 1º. Os diretores-gerais das instituições transformadas em campus de IFET exercerão, até o final de seu mandato e em caráter pro tempore, a função de ViceReitor do respectivo campus. § 2º Nos campi em processo de implantação, os cargos de Vice-Reitor serão providos em caráter pro tempore, por designação do Reitor do IFET, até que seja possível identificar candidatos que atendam aos requisitos previstos no § 1º do art. 13. Art. 15. A criação de novas instituições federais de educação profissional e tecnológica, bem como a expansão das instituições já existentes, levará em conta preferencialmente o modelo de IFET, observando ainda os parâmetros e as normas definidas pelo Ministério da Educação. Art. 16. Ficam criados, no âmbito do Ministério da Educação, os cargos de direção e funções gratificadas constantes do Anexo II a esta Lei, destinados à implantação dos IFET de que trata o art. 5º. Art. 17. As atuais Escolas Agrotécnicas Federais não inseridas no reordenamento de que trata o art. 5º desta Lei permanecem como entidades autárquicas vinculadas ao Ministério da Educação, atuando prioritariamente na oferta de educação profissional técnica de nível médio e na formação inicial e continuada de trabalhadores. Art. 18. O provimento dos cargos e funções criados por esta Lei fica condicionado à comprovação da existência de prévia dotação orçamentária suficiente para atender às projeções de despesa de pessoal e aos acréscimos dela decorrentes, assim como à existência de autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme determina o parágrafo 1º do artigo 169 da Constituição Federal. Art. 19. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação. 158 ANEXO 02 159 ANEXO 03 160 161 ANEXO 04 162 ANEXO 05 163 ANEXO 06 164 ANEXO 07 165 ANEXO 08 166 ANEXO 09 167 ANEXO 10 168 ANEXO 11 169 ANEXO 12 170 ANEXO 13