Projeto Pé-de-Pincha Parceria de futuro para conservar quelônios na várzea amazônica 1 Ministério do Meio Ambiente - MMA Ministra: Marina Silva Secretaria de Coordenação da Amazônia/SCA Secretária: Muriel Saragoussi Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - Ibama Presidente: Marcus Luiz Barroso Barros Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7 Coordenadora: Nazaré Lima Soares Diretoria de Fauna e Recursos Pesqueiros - Difap Diretor: Rômulo José Fernandes Barreto Mello Coordenação-Geral de Gestão de Recursos Pesqueiros - CGREP Coordenador: José Dias Neto Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea - ProVárzea/Ibama Coordenador: Mauro Luis Ruffino Gerente-Executivo: Benedito A. Pessoa Reis Peritos: Darren Andrew Evans (DFID) e Wolfram Maennling (GTZ) Assessora de Comunicação: Marinês da Fonseca Ferreira 2 Gerente do Componente Iniciativas Promissoras: Evandro Pires Leal Câmara Equipe ProVárzea/Ibama Adriana M. Magalhães, Alzenilson S. Aquino, Anselmo C. de Oliveira, Antônia Lúcia F. Barroso, Aparecida Heiras, Aubermaya Xabregas, César V. Teixeira, Cleucilene da Silva Nery, Emerson C. Soares e Silva, Flávio Bocarde, Joelcia C. Ribeiro de Figueiredo, Kate Anne de Souza, Luiz Alexandre Chixaro Voss, Manuel da Silva Lima, Marcelo D. Vidal, Marcelo Parise, Marcelo B. Raseira, Márcia G. da Silva Escóssio, Márcio M. Aguiar, Maria Clara Silva-Forsberg, Mário Thomé de Souza, Natália Aparecida de Souza Lima, Núbia Maria Gonzaga, Raimunda Queiroz de Mello, Ricardo Pinheiro Lima, Rosilene B. da Silva, Simone N. Fonseca, Tatianna de Souza Silva, Tatiane P. Souza dos Santos, Tiago Viana da Costa, Urbano L. da Silva Júnior, Willer Hermeto Almeida Pinto. ProVárzea/Ibama Rua Min. João Gonçalves de Souza, s/nº Distrito Industrial - Manaus - AM CEP 69.072-970 Tel.: (92) 613.3083 / 613.6246 / 613.6754 Fax: (92) 237.5616 / 237.6124 E-mail: [email protected] Site: http://www.ibama.gov.br/provarzea Projeto Pé-de-Pincha Parceria de futuro para conservar quelônios na várzea amazônica Manaus - AM Fevereiro de 2005 3 Autoria: Pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e Ibama-AM, integrantes do Projeto Pé-de-Pincha Paulo César Machado Andrade (coordenador) José Ribamar da Silva Pinto Sandra Helena de Azevedo Aldeniza C. Lima Pedro Macedo da Costa Paulo Henrique Guimarães de Oliveira João Alfredo da Mota Duarte Edição: Tereza Moreira Ilustrações: Rodrigo Oliveira Projeto gráfico: Luiz Daré Agradecimentos: às comunidades de Aninga, Parananema e Valéria, no município de Parintins/AM, pelas informações prestadas, aos Agentes Ambientais Voluntários e ao Gerente Executivo do Ibama em Parintins, José Ramos, pelo apoio logístico. 4 ISBN Projeto Pé-de-Pincha Laboratório de Animais Silvestres Bloco E - Mini Campus Universidade Federal do Amazonas Av. Gal Rodrigo Otável Ramos, no 3000 Coroado - Manaus - AM - CEP 69.077-000 Tel: (92) 647.4047 e 644.1853 E-mail: [email protected] Ficha Catalográfica Sumário Apresentação ............................................................................................................................... 7 Quelkônios, com muita honra ...................................................................................................... 8 Projeto Pé-de-Pincha: um sinal de esperança .............................................................................. 10 Manejar é dar uma mâozinha para a natureza .............................................................................. 12 Passos do manejo de quelônios .................................................................................................... 13 1. Descobrindo os locais de desova ....................................................................................... 14 2. Mudando de lugar os ninhos em perigo ............................................................................ 16 3. Chocadeira: construindo um lugar seguro ......................................................................... 18 4. Eclosão: nascem os filhotes ............................................................................................... 20 5. Liberação dos filhotes: voltando às origens ...................................................................... 24 Uma rede para proteger os quelônios........................................................................................... 26 Bibliografia consultada ................................................................................................................ 27 5 6 Apresentação Esta cartilha é fruto do trabalho da equipe do Projeto Pé-de-Pincha, que integra o Componente Iniciativas Promissoras do Projeto Manejo dos Recursos Naturais da Várzea – ProVárzea/Ibama. O ProVárzea faz parte do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – PPG7, e seu objetivo é contribuir para que a várzea da calha dos rios Solimões e Amazonas seja conservada mediante o uso sustentável dos seus recursos naturais. Para isso, trabalha em parceria com instituições governamentais e não-governamentais, organizações pesqueiras e comunitárias. Entre as ações do ProVárzea está o apoio a projetos de manejo dos recursos da várzea por meio do Componente Iniciativas Promissoras. O Componente Iniciativas Promissoras visa desenvolver e testar novas formas de uso dos recursos naturais da várzea que sejam sustentáveis e promovam o bem-estar da população ribeirinha. Atualmente há vinte subprojetos em andamento e cinco em fase de contratação. Estes subprojetos ocorrem de forma integrada em 32 municípios dos estados do Pará e Amazonas. Entre os subprojetos apoiados pelo Componente Iniciativas Promissoras, o Projeto Pé-de-Pincha está disseminando técnicas de manejo de quelônios já consolidadas em cinco anos de atividades em parceria com a Universidade Federal do Amazonas - Ufam, e com o Ibama. O Projeto Pé de pincha ensina alunos de escolas locais, professores e ribeirinhos a protegerem os ovos de quelônios colocados nas praias da várzea dos rios Amazonas e Solimões para que estes ovos tenham maiores possibilidades de gerarem filhotes de quelônios para a natureza. É ainda incentivada a criação comercial em cativeiro. São atingidas com o projeto cerca de 68 comunidades de várzea, em sete municípios dos estados do Amazonas e Pará (Parintins-AM, Barreirinha-AM, Boa Vista do Ramos-AM, Nhamundá-AM, Terra Santa-PA, Oriximiná-PA e Faro-PA). A presente cartilha visa contribuir com a disseminação da técnica de manejo de quelônios desenvolvida pelo Projeto Pé-de-Pincha, para que os quelônios aumentem sua população em nossos rios, trazendo vida e beleza à nossa várzea. Quem assina Mauro ou Evandro??? 7 Quelônios, com muita honra! Os rios e os lagos da Amazônia sempre tiveram fartura. Fartura de água, fartura de vegetação em suas margens, fartura de peixes e fartura de quelônios. Quem são eles? 8 Quelônio é aquele grupo de animais que tem as tartarugas, os jabutis e os tracajás como seus representantes mais conhecidos. Em todo o mundo existem mais de 360 espécies de quelônios: oito espécies vivem no mar, 83 são da terra firme e a maioria vive em rios, igarapés e lagos. Os quelônios possuem o corpo envolvido por uma carapaça ou casco. Não têm dentes, mas comem de tudo. Alimentamse principalmente de plantas aquáticas, capim e frutos que caem na água. Comem também restos de animais e matéria orgânica flutuante. Os mais famosos Mil e uma utilidades As espécies mais conhecidas dos ribeirinhos são a tartaruga-verdadeira ou tartaruga-amazônica (Podocnemis expansa), o tracajá (Podocnemis unifilis), o iaçá ou pitiú (Podocnemis sextuberculata), o calalumã ou irapuca (Podocnemis erytrocephala) e o cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus). Os quelônios possuem grande valor para os moradores da várzea: sua carne e seus ovos fazem parte da alimentação das famílias nortistas. A carapaça serve para produzir objetos artesanais. A banha e os ovos são usados nas indústrias de medicamentos e de cosméticos. Mas isso significa também uma constante ameaça para esses animais. Por que essa fartura está ameaçada? Tem mais gente pescando nos lagos e nos rios. O gado invadiu a várzea e prejudica os ninhos dos quelônios. Muita gente usa os ovos para comer e para vender. 9 Gavião, jacaré e outros predadores naturais atacam ninhos e filhotes. Aumentou o comércio ilegal de animais silvestres. Resultado: Em alguns lugares, a tartaruga QUASE desapareceu e outros membros menos conhecidos desse grupo estão seguindo o mesmo caminho... Por isso, ribeirinhos, produtores rurais, associações comunitárias, pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas e do Ibama resolveram dar as mãos para achar uma solução e trazer os quelônios de volta. Projeto Pé-de-Pincha: Um sinal de esperança 10 Foram os moradores do município de Terra Santa, no Pará, que deram o alerta. Em 1999, eles se uniram aos pesquisadores da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) e ao Ibama para impedir o desaparecimento dos quelônios. Nascia o Projeto Pé-de-Pincha, assim chamado em homenagem aos pequenos tracajás, que deixam na areia marcas parecidas com tampinhas de refrigerante, conhecidas como “pinchas” na região. Hoje, 3.400 pessoas, de 68 comunidades de várzea, estão diretamente envolvidas nas atividades do projeto. Além de Terra Santa, outros municípios entraram nessa corrente em defesa dos quelônios: Faro e Oriximiná, no Pará, e Barreirinha, Parintins, Juruti, Nhamundá e Boa Vista do Ramos, no Amazonas. Outras 20 mil pessoas apóiam indiretamente o trabalho nas prefeituras, nas associações ambientalistas, na Fundação de Amparo à Pesquisa do Amazonas, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no Ministério da Educação e no módulo regional do Programa Universidade Solidária. A base trabalho é o envolvimento das comunidades O Pé-de-Pincha busca o envolvimento de produtores rurais, lideranças comunitárias, professores e alunos da rede de ensino. São as comunidades que indicam os Agentes Ambientais Voluntários, pessoas treinadas pelo Pé-de-Pincha para liderar o manejo dos quelônios em cada local. Este trabalho é todo feito na base da boa vontade. Veja só o que o Pé-de-Pincha está fazendo... Além de proteger os ninhos, coletar os ovos, acompanhar a eclosão e soltar os filhotes na natureza, o Projeto Pé-dePincha: • realiza atividades de educação ambiental com a rede pública de ensino, por meio do Programa Jovem Cientista; • forma lideranças ambientalistas e incentiva a criação de associações comunitárias; • incentiva a criação comercial de quelônios e de outros animais silvestres, como abelhas e capivaras; • realiza cursos sobre alternativas de geração de renda, como plantas medicinais, hortas, criação de galinha caipira. Com isso, espera diminuir a pressão sobre os recursos naturais e, ao mesmo tempo, garantir bem-estar e progresso para as famílias ribeirinhas. Os resultados em números... Ano Filhotes soltos na natureza 1999 24.000 2000 29.476 2001 53.000 2002 71.725 2003 81.612 ... E o projeto bumbou! “Pé-de-pincha... Pé-de-pincha...!!!”. O Bumbódromo de Parintins vibrou quando milhares de pessoas cantaram o refrão da música de Geandro Pantoja e Demetrius em homenagem aos ribeirinhos e seu trabalho em defesa dos quelônios. Em 2004, o Projeto Pé-de-Pincha consagrou-se na maior festa folclórica da Amazônia. 11 Manejar é dar uma mãozinha para a natureza O manejo envolve uma série de procedimentos bastante simples, destinados a garantir o nascimento do maior número possível de filhotes. Além de nascer em segurança, eles devem ser protegidos até que sua carapaça fique dura. Assim, eles podem resistir aos seus inimigos naturais: aves (gaivotas e gaviões), peixes (piranhas, traíras, aruanãs) e outros seres aquáticos (sangue-sugas e jacarés). 12 Manejar é como fazer uma caderneta de poupança. A cada ano que passa, aumenta o número de quelônios. Com a fartura voltando à várzea, ganha o meio ambiente e ganham os seres humanos, pois aumenta a oferta de alimentos e crescem as possibilidades de se fazer criação em cativeiro, gerando renda para as comunidades locais com a venda de carne, ovos e filhotes. Importante Para conservar quelônios por meio das técnicas de manejo, é preciso: • Procurar o posto do Ibama mais próximo; • Pedir autorização e apoio para o trabalho. Manejo sem autorização é crime previsto nas leis No 5.197/67 e No 9.605/98. Passos do manejo de quelônios Identificar e proteger os locais de desova Coletar os ovos e transportar os ninhos para lugares seguros Acompanhar os ovos na chocadeira até o nascimento dos filhotes Zelar dos filhotes nos viveiros Soltar os animais nos locais de origem 13 1 Descobrindo os locais de desova Entre os meses de outubro e novembro é tempo de percorrer as praias em busca dos ninhos dos quelônios. Essa atividade deve ser iniciada bem cedo, antes do dia clarear. Vale a pena trabalhar em equipe e estar acompanhado de técnicos do Ibama. Assim, enquanto uns seguem os rastros e procuram da margem para o meio da praia, outros buscam também os ninhos próximos à vegetação. 14 Seguindo as pegadas, dá para achar os ninhos Tartarugas: Deixam os maiores rastros, com distância de 40 a 50 centímetros entre as marcas das patas. Desovam em grupos e preferem fazer seus ninhos na areia, a 80 centímetros de profundidade. Cada ninhada possui entre 90 e 145 ovos, que são grandes e têm formato arredondado, com casca branca e meio-dura. Tracajás A distância entre as marcas das patas varia de 14 a 25 centímetros. Preferem desovar sozinhos e o mais escondido possível. Seus ninhos podem ser encontrados no barranco, na areia, entre as folhas ou no meio do mato. Põem em média 22 ovos de casca dura, branco-rosado ou amarelado, a uma profundidade de 25 centímetros. Iaçás Deixam os menores rastros, com distância entre pegadas de 13 centímetros. Desovam em grupos de dois a quatro animais. Colocam cerca de 17 ovos na areia, a uma profundidade de 20 centímetros. Os ovos possuem forma ovóide, de casca mais mole e branca. Proteger, sim! Mas sem tirar do lugar. Em praias afastadas de vilas e cidades é melhor proteger os ninhadas em vez de tirá-las do lugar. Onde existem muitos ninhos deve-se proteger todo o tabuleiro. Em locais com poucas ninhadas, estas são marcadas com piquetes, protegidas com tela ou cercadas com galhos. 15 2 Mudando de lugar os ninhos em perigo Por que transplantar? • Para evitar perdas de ovos por inundações (repiquetes). • Para impedir que os ovos sejam destruídos por predadores naturais, como gaivotas e gaviões. • Para dificultar a coleta de ovos por pessoas não autorizadas. 16 • Para que os filhotes nascidos consigam endurecer os cascos, aumentando as suas chances de sobrevivência nos primeiros anos de vida. Importante Só se faz transplante de ninhos quando já existe outro local preparado para receber os ovos. Tudo na ponta do lápis Num caderninho devem ser anotadas todas as informações sobre o transplante das covas: data de coleta dos ovos, nome da praia, espécie que desovou, número de ovos, profundidade da cova, distância da água. Isso vai facilitar a devolução dos filhotes aos seus locais de origem. ilustrações abertura de cova limpeza dos ovos colocando em fôrmas caixa de isopor bloco de anotações Como fazer a coleta dos ovos Verificar os ninhos em perigo, ou seja, aqueles sujeitos a inundações e aos ataques de animais. Abrir as covas com cuidado, retirando os ovos devagar. Eles devem ficar na mesma posição em que estavam dentro do ninho. Limpar os ovos de todas as impurezas e colocá-los em caixas de isopor. Evitar que os ovos balancem. É bom colocar as ninhadas em fôrmas de ovos de galinha ou então forrar a caixa com camadas de areia ou de capim seco. Separar um ninho do outro, escrevendo a data, espécie, número de ovos e a praia da coleta. Cada caixa de isopor de 25 litros comporta de quatro a cinco ninhadas de tracajá. Fazer o transporte até, no máximo, 9 horas da manhã. 17 3 Chocadeira: construindo um lugar seguro 18 O melhor abrigo A chocadeira é o local onde os ovos vão permanecer por 45 a 60 dias. Deve ser construída em local plano, sem pedregulhos, raízes ou vegetação e ficar longe de áreas sujeitas a alagamento. Será cercada com tela ou com ripas de madeira (com 1,20m a 1,80m de altura) e coberta com malhadeira ou fios de nylon para evitar ataques de animais. O tamanho vai depender da quantidade de ninhos. Uma chocadeira para 100 ninhos deve ter 6 metros de comprimento por seis metros de largura. Curiosidades sobre o sexo dos quelônios Os cientistas descobriram que a temperatura determina o número de machos e de fêmeas. Nascem mais fêmeas naqueles ninhos onde bate mais sol e que têm temperaturas mais altas (acima de 32o C), ou seja, na areia do meio da praia. Os ninhos situados no barro, próximos à água ou em locais sombreados, com temperaturas abaixo de 30o C, produzem mais machos. De “casa” nova Fazer o transplante com a areia úmida. Os melhores momentos são pela manhã ou à tardinha. Convém evitar o sol a pino. Arredar a areia mais quente e solta da área a ser escavada. Marcar os locais onde serão abertas as covas, fazendo um espaçamento entre elas de meio em meio metro para tracajás e de um em um metro para tartarugas. Abrir “covas-transplante” com 15cm de profundidade no barro ou 25cm na areia para ninhos de tracajá, e com 60cm a 80cm de profundidade para ninhos de tartaruga. As covas devem ter o formato de uma bota (ver desenho abaixo). A câmara no fundo da cova deve ficar do lado oposto ao do rio. Não misturar ovos de um ninho com ovos de outro ninho. Cobrir a cova com areia úmida e amontoar terra sobre ela sem pressionar. Bater de leve a tampa da cova com a palma das mãos para dar mais resistência ao ninho. Marcar o novo ninho com um piquete numerado, indicando número da cova, local da coleta, número de ovos e a data prevista para a eclosão. 19 4 Eclosão: nascem os filhotes Um sinal: a cova afunilou Entre o fim de outubro e início de dezembro começam a nascer os filhotes. O primeiro sinal é o afunilamento da cova. A areia acima do ninho começa a se movimentar, os animais saem da câmara de postura e sobem para a parte mais superficial do ninho. Durante cinco dias eles esperam o momento de ir ao encontro das águas. 20 Pequenos e desprotegidos Os filhotes nascem com o “umbigo” saltado e com um cheiro forte, que atrai seus inimigos naturais. Filhotes de tracajás costumam pesar entre 8 e 19 gramas. Tartarugas são maiores e iaçás menores. Por isso, correm risco de serem atacados. Eles só deixam o ninho quando completaram a inclubação, no início do período chuvoso. Ajudando a nascer Nem sempre a ninhada eclode ao mesmo tempo. Em geral, os filhotes saem das covas em momentos diferentes, ao anoitecer ou quando começa a chover. Até o terceiro dia após a saída dos primeiros animais devese deixar o processo ocorrer naturalmente. Somente depois disso é que se faz a abertura da cova para facilitar a saída dos que não conseguiram nascer sozinhos. 21 Como se faz Cuidados especiais A retirada dos filhotes deve ser feita com as mãos. Afasta-se a areia seca da superfície, escavando a areia úmida com muito cuidado, até a completa retirada dos filhotes. Assim que são retirados das covas, os filhotes seguem para o berçário. Os filhotes com umbigo grande, ferimentos ou fungos devem ficar isolados e receber tratamento antes de serem colocados nos berçários. Iodo é o melhor remédio para eles. Pode-se colocar algumas gotas diretamente nos ferimentos ou deixá-los por um ou dois dias em banho de água iodada. Bastam 10 gotas de iodo para cada 100 litros de água. A boa vida do berçário Os filhotes permanecerão no berçário durante dois meses, até que estejam com o casco duro. Isso fará com que tenham mais chances de sobrevivência em seu ambiente natural. 22 O berçário deve ser construído de acordo com as condições de cada local e com os materiais disponíveis. Convém estar com esses espaços prontos em novembro, pouco antes da eclosão dos ovos. Há vários modelos possíveis Tanques-rede feitos de madeira e tela, são colocados às margens dos rios, presos em bóias de madeira. Esse modelo permite a renovação constante da água. Proteção e vigilância Seja feita com tela ou com estacas, a cerca do berçário deverá ficar a aproximadamente 50 cm de altura da linha d’água. É preciso garantir que o espaçamento entre as estacas evite a presença de predadores da água, como piranhas e jacarés. Há locais em que os filhotes são atacados por sanguessugas. Por isso, é preciso contar com vigilância constante. Vale a pena trançar fios de náilon na parte de cima para dificultar o ataque de gaivotas, gaviões e outras aves de rapina. Depressões naturais Pode-se usar áreas represadas e protegidas por cercas de tábuas e troncos. Filhotes saudáveis A quantidade de animais por metro quatro e o tipo de alimento fornecido é que vão determinar o desenvolvimento dos filhotes. Aconselha-se criar entre 65 e 80 animais por metro quadrado. E a comida? Cada grupo de mil filhotes come entre meio quilo e um quilo de alimentos por dia. Eles devem se acostumar desde cedo com os alimentos que encontrarão mais tarde na natureza. Berçário de alvenaria construído com os cantos arredondados para evitar acúmulo de sujeira. A água deve ser renovada periodicamente. Alimentos mais indicados: • plantas aquáticas, como mureru, capim-canarana, arroz-de-várzea; • frutas que costumam encontrar na água, como murici, mungumbeira, fruta da vitória-régia, caimbé, catauari; • plantas de quintal, como beldroega, erva-de-jabuti, cariru, alface, couve. A alimentação pode ser enriquecida com peixe cru ou assado, cortado em pedaços bem pequenos ou moído. Algumas comunidades que estão se preparando para fazer criação em cativeiro usam ração balanceada para alevinos (com 35 % de proteína) com pellets bem pequenos. Importante Caixas d’água De fibra de vidro ou material plástico, devem ter a água renovada de dois em dois dias. Renovar a água dos berçários, especialmente quando se trata de caixas d’água, evita o acúmulo de sujeira e o aparecimento de doenças entre os filhotes. 23 5 Liberação dos filhotes: voltando às origens 24 De novo na água Onde soltar A estadia de ovos e animais em terra chegou ao fim. Famílias e escolas dizem adeus aos filhotes, sabendo que daqui a cerca de oito anos alguns deles voltarão para desovar nas mesmas praias. É a certeza do dever cumprido: garantir a continuidade no ciclo de reprodução dos quelônios e, assim, poder se beneficiar com a existência desses animais. Uma esperança que se renova a cada ano. Os filhotes deverão ser liberados nas margens dos igarapés, rios e lagos onde foram coletados os ovos. Convém escolher locais próximos a abrigos naturais, como troncos caídos nas margens, aningais, capins flutuantes etc. Soltá-los nos locais de origem garante a simpatia dos proprietários das terras e a certeza de que o trabalho realizado destinase à conservação das espécies. É tempo de festa nas comunidades As pessoas que se empenharam na proteção dos ovos e dos filhotes têm motivos de sobra para comemorar. Algumas comunidades aproveitam esse período – entre fevereiro e março – para fazer grandes festas. Armam barracas, vendem produtos diversos, criam concursos de beleza, montam cenários para realizar a soltura dos filhotes. As escolas participam, apresentando peças de teatro, gincanas, música e poesia. Dessa forma, atraem a atenção da TV e dos jornais, dando destaque à sua luta em defesa dos quelônios. Uma luta que começou em poucas comunidades e que pretende se estender para toda a várzea amazônica. 25 Uma rede para proteger os quelônios Quem pode auxiliar? • Comerciantes - podem doar alimentos, pilha, caixas de isopor, fôrmas de ovos e apoiar as comunidades na coleta dos ovos e na manutenção dos filhotes. • Fazendeiros - podem orientar seus vaqueiros a demarcar e proteger os ninhos e tabuleiros e tratar bem as equipes que fazem a coleta dos ovos. • Bancos, gráficas e imprensa podem patrocinar e divulgar a luta das comunidades em defesa dos quelônios. 26 • Igrejas - podem utilizar este trabalho para aumentar a união entre as pessoas e estimular o amor pela natureza. • Escolas - podem usar a defesa dos quelônio como uma oportunidade de ensinar e de aprender; Este é um trabalho coletivo. Merece e precisa do apoio de todos. Quem se dedica a proteger os peixes, os quelônios e as matas sabe que está fazendo isso para conservar esse ambiente para seus filhos, netos, bisnetos... um trabalho que beneficia toda a sociedade. • Vereadores e vereadoras - podem aprovar leis municipais que garantam o livre acesso às praias na época da desova e a coleta de ovos sem conflitos com os fazendeiros. • Prefeituras - podem transformar a defesa dos quelônios em oportunidade para realizar festas e outras atividades voltadas para os turistas e que garantam o desenvolvimento sustentável do município. Referências bibliográficas ANDRADE, P.C.M. Criação e manejo de quelônios no Amazonas. Projeto Diagnóstico da Criação de Animais Silvestres no Estado do Amazonas. IBAMA/UFAM/SDS: Manaus. 2004. 492 p. ANDRADE, P.C.M.; LIMA, A.C.; CANTO, S.L.O. et al. Projeto “Pé-de-Pincha”: manejo sustentável de quelônios (Podocnemis sp.) no baixo Amazonas. Coleção socializando experiências, vol. 3, p.1:14. São Paulo: Universidade de Mogi das Cruzes. Extensão Universitária/Olho D’água. 2003. ANDRADE, P.C.M.; LIMA, A.C.; et al. Projeto Pé-de-pincha 2002. Anais da Amostra de Extensão, no 133. PROEXT/UFAM, 26-28 Nov. 2003 (em CD). 27 Esta iniciativa tem apoio do Projeto Manejo de Recursos Naturais da Várzea / ProVárzea, executado pelo Ibama, através do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil - PPG7, e vem promovendo o desenvolvimento de alternativas de manejo sustentável e participativo dos recursos da várzea na calha dos rios Amazonas e Solimões, na Amazônia, para influenciar políticas públicas e modelos de co-gestão para áreas de várzea. 28