Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO¹ SILVA, Letícia Aparecida da Estudante do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá [email protected] NUNES, Sylvia da Silveira Professora do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade da Universidade Federal de Itajubá [email protected] RESUMO Uma das formas de inserção dos indivíduos na sociedade é oriunda da atividade profissional, que ao ser exercida, pode ser fator de equilíbrio e/ou deterioração da saúde mental dos trabalhadores. Diante do cenário organizacional atual, o prazer e o sofrimento no trabalho viabilizam novas estratégias individuais e coletivas na administração da saúde física e psíquica do trabalhador e suas condições de trabalho. Nesse contexto, a presente pesquisa estuda o prazer e o sofrimento psíquico dos trabalhadores de uma indústria metal mecânica, a partir do aporte teórico da Psicodinâmica do Trabalho de Dejours. Para tanto, utilizar-se-á como metodologia o estudo de caso visto que a pesquisa concentra-se em uma organização específica e pela relevância de estudar os fenômenos humanos em suas relações sociais. A coleta, análise e interpretação dos dados serão estruturadas por meio de observações clínicas das condições e modo de produção de trabalho, aplicação da técnica do grupo focal e entrevistas semiestruturadas com 10 operários distribuídos pelos três turnos de trabalho. Palavras-chave: Psicodinâmica do Trabalho. Prazer e Sofrimento Psíquico. Indústria Metal mecânica. ABSTRACT One of the ways of insertion of individual on society is originated by professional activity, which when exercised, can be the balancing factor and or deterioration of mental health of workers. Against the current organizational setting, the delight and suffering on work enable new individual and collective strategies in the management of physical and mental health of worker and their working conditions. In this context, the research study the pleasure and psychological suffering of workers in a metal mechanical industry from the theoretical framework of the psychodynamics of work by Dejours. For this, will be used as methodology the study case since the research focuses in a specific organization and by relevance of studying human phenomenon in their social relations. The collection, analysis and interpretation of data will be structured by clinical observations of working conditions and the mode of production and application of the technique of focal group and semi –structured interviews with ten workers distributed across three turns of work. Key- words: Psychodynamics of Work. Pleasure and Psychological Suffering. Metal mechanical industry. SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 466 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 1 – INTRODUÇÃO O trabalho, atividade central na vida dos indivíduos, sob a perspectiva da sociedade capitalista de produção, e sua influência e centralização na vida dos indivíduos (ALBORNOZ, 1986; ANTUNES, 1995; BRAVERMAN, 1977) produz reflexões, análises e questionamentos acerca da problemática existente entre as relações de trabalho e a saúde do trabalhador. Entende-se, nesse sentido, que o trabalho é “o eixo de construção/transformação da sociedade e do indivíduo, ou seja, o mediador da inserção social e realização profissional” (CATÃO; TRINDADE, 1998 p. 01). Nesse sentido, a realização do ser humano como ser social é efetivada pela execução do trabalho e constitui o início de sua humanização (MARX, 1984; GORZ, 1980; BRAVERMAN, 1977; ANTUNES, 1995). Assim, o trabalho: (...) desenvolve-se pelos laços de cooperação social existentes no processo de produção material, em outras palavras, o ato de produção e reprodução da vida humana realiza-se pelo trabalho. É a partir do trabalho em sua cotidianidade que o homem torna-se ser social, distinguindo-se de todas as formas não humanas (ANTUNES, 1995, p. 121). Dessa forma, o paradoxo existente na realização do trabalho aponta-se para a reflexão das dicotomias homem/trabalho, construção/desconstrução, sociedade/organização uma vez que o trabalho pode ser concebido ora para atender as necessidades do indivíduo, ora para atender as necessidades impostas pelo modo capitalista de produção. Dessas dicotomias, emerge a figura do trabalhador que se insere num contexto de contradições e transformações no universo social e econômico do trabalho, aquele que por sua vez é pressionado a mudar seu modo de vida e maneira de pensar a fim de atender as necessidades e imposições da organização para a qual trabalha colocando em risco sua saúde física e mental. 2 - AS FORMAS DE TRABALHO E O IMPACTO NA SAÚDE DO TRABALHADOR Na contemporaneidade, as transformações no mundo do trabalho e, principalmente, com o surgimento de novas tecnologias, assumem uma tendência voltada à flexibilização da mão de obra, contratos temporários, garantia de empregabilidade a cargo do trabalhador e SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 467 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 novas formas de organização. Nesse aspecto no que se refere ao futuro do trabalho pode-se destacar: (...) o trabalho e sua organização passam por inegável crise por força de contínuas mudanças em seus aspectos objetivos e subjetivos. As pessoas que trabalham estão sendo obrigadas a reformular sua forma de pensar e agir. Isso está sendo difícil para todos. O imaginário resiste a uma alteração tão profunda e na velocidade como as mudanças tecnológicas o pressionam. Esse descompasso entre o imaginário (conservador) e o mundo (progressista) tem sido um dos principais desafios para os estudiosos e profissionais de recursos humanos em sua missão de articular as pessoas e as empresas em transição (MALVEZZI, 1996, p.09). Tais mudanças constituem novos processos e meios de produção que proporcionam formas de controle dos trabalhadores diferenciadas e repercutem, também, nas relações de trabalho. As consequências dessas formas de controle devem, ainda, ser pesquisadas e discutidas no tocante à saúde física e/ou psíquica bem como ao desempenho e/ ou produtividade desses trabalhadores. Desse modo, com essas formas de trabalho vieram novos modos de adoecimento decorrentes das constantes mudanças dos meios de produção e afetaram o aparelho psíquico dos trabalhadores. Para Dejours (1993) a organização do trabalho é responsável pelas consequências positivas ou negativas para o funcionamento psíquico do trabalhador por meio de vivências de prazer e sofrimento no ambiente organizacional. Ainda, segundo o autor, as condições de trabalho possuem impacto direto no corpo, e as organizações de trabalho refletem mais o aparelho psíquico visto que as vontades e expectativas desses trabalhadores não condizem com os desejos da organização, desencadeando sofrimentos e doenças ocupacionais. Nesse contexto, o trabalho é o espaço para uma série de sofrimentos que surgem por meio de conflitos de relacionamentos, exigência, desrespeito, pressão e cobrança da chefia, além de sobrecarga de trabalho e condições não adequadas na execução de tarefas. Outro aspecto a ser considerado, nesse contexto, diz respeito à lacuna existente ao que a organização de trabalho prescreve e o que representa o trabalho real. As regras impostas, muitas vezes, não consideram as imprevisibilidades, operações suplementares e variações das tarefas. Sendo assim, os trabalhadores necessitam adaptar-se às formas de trabalho e, em decorrência disso, sofrem consequências efetivas em seu corpo e mente. SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 468 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 Devido a isso, Dejours et al (1993) destacam que os trabalhadores não chegam às organizações como máquinas novas, pois possuem uma história pessoal e, em função disso, dispõem de vias de descarga preferenciais na estrutura de sua personalidade. Sendo assim, o conteúdo da tarefa exigido aos trabalhadores nem sempre é em quantidade suficiente em relação às atividades psíquicas, fantasiosas e psicomotoras o que resume toda a problemática da relação entre aparelho psíquico e trabalho (DEJOURS et al, 1993). Os autores afirmam que (...) o bem-estar psíquico não provém da ausência de funcionamento, mas, ao contrário, de um livre funcionamento em relação ao conteúdo da tarefa. Se o trabalho favorece esse livre funcionamento, ele será fator de equilíbrio; se ele se opõe, será fator de sofrimento e de doença. (DEJOURS et al, 1993, p. 103) Dessa maneira, para enfrentar os conflitos resultantes da tarefa e não adoecerem, os trabalhadores aplicam estratégias a fim de enfrentarem o sofrimento. Essas estratégias podem estar relacionadas ao conformismo, abnegação e passividade. Com isso, eles se protegem do sofrimento e mantêm o equilíbrio psíquico necessário à execução das tarefas exigidas pela organização. Por outro lado, de acordo com (2002), as estratégias de defesa do sofrimento não são somente individuais, mas também coletivas: Os trabalhadores criam formas para resistir à racionalidade imposta pela organização do trabalho tal qual planejada pelo corpo gerencial, denunciando que os trabalhadores buscam constantemente melhorar a sintonia entre eles e os contextos de trabalho. Eles o fazem individual e coletivamente (SATO, 2002, p. 1148). Embora haja sofrimento no âmbito profissional, por outro lado, o prazer também se constrói quando os desejos e necessidades dos indivíduos vão ao encontro aos da organização, ocasionando a ressignificação do sofrimento. As pressões do trabalho, nesse caso, são subvertidas como estratégias de mediação a fim de torná-lo fonte de autorrealização, prazer e saúde (ROSSI, 2008). SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 469 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 Assim, a dicotomia homem/trabalho remete ao fato de atribuir sentidos relacionados ao prazer e ao sofrimento os quais permitem aos trabalhadores construírem meios para manter a saúde nesse universo complexo e conflituoso das organizações de trabalho. Essa construção dos meios, segundo Dejours (2001) edifica-se a partir da Psicodinâmica do Reconhecimento, ou seja, para que ocorra a preservação da saúde, torna-se fundamental ao trabalhador ser reconhecido pelo exercício de suas funções visto que isso promove o equilíbrio entre o desgaste proporcionado pelo trabalho e as expectativas de retribuição. Dessa forma, (...) pode-se entender então que a Psicodinâmica do Reconhecimento é um conceito central, pois é a chave que possibilita encontrar sentido, realização e saúde no trabalho e que sua ausência é fator preponderante no desencadeamento de problemas psíquicos e somáticos, ou seja, é um dos principais fatores de adoecimento no trabalho (TRAESEL, 2007, p. 44). Sendo assim, a Psicodinâmica do Reconhecimento é essencial para o estudo entre saúde e trabalho, porque a maioria dos indivíduos necessita da confirmação do seu trabalho sob a perspectiva do outro. O que fica claro na seguinte citação: “A validação de trabalho pelo reconhecimento atribuído pelos outros é um elemento principal do sentido do trabalho que participa da construção da identidade” (GERNET, 2011, p. 64). Nesse sentido, a Psicodinâmica do Trabalho possibilita uma abordagem contemporânea dessas subjetividades no contexto do trabalho ao propor espaços de discussão e escuta desses trabalhadores sobre seus sentimentos e contradições vivenciados nesse contexto. O interesse por esta abordagem teórica concentra-se no fato de que, embora seja uma abordagem recente no âmbito acadêmico, tem apresentado resultados e/ou respostas às inquietações advindas dos conflitos do mundo do trabalho. Segundo Macêdo (2010) houve um aumento significativo no interesse em estudar o universo do trabalho em diversos segmentos. A Psicodinâmica do Trabalho de Dejours, em especial, tem ocupado espaço cada vez mais significativo em congressos nacionais e internacionais em Psicologia do Trabalho. Nesse sentido, o trabalho observado sob a ótica da Psicodinâmica do Trabalho “(...) encontra interesse particular no estudo sobre o prazer, ligado à autonomia, liberdade, SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 470 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 reconhecimento, identidade, sublimação, principalmente, no processo criativo, mas também sofrimento, ligado a falta de reconhecimento e sobrecarga” (BUENO; MACÊDO, 2012, p.308). 3 - A PSICODINÂMICA DO TRABALHO A Psicodinâmica do Trabalho possui por objetivo compreender aspectos psíquicos e subjetivos vivenciados no ambiente de trabalho. Os processos menos visíveis vivenciados pelos trabalhadores são objetos de estudo dessa metodologia, tais como: reconhecimento, cooperação, sofrimento, motivação, dentre outros. (HELOANI; LANCMAN, 2004). Dessa maneira, a Psicodinâmica do Trabalho utiliza-se de um método específico que une a intervenção à pesquisa pautado na pesquisa-ação, que tem por objetivo compreender os processos psíquicos do trabalho, escutando os trabalhadores de modo a intervir na realidade estudada. É, portanto, um espaço de escuta, devido a isso o termo utilizado pelo autor é “Clínica”. Dessa forma, (...) a Psicodinâmica do Trabalho é antes de tudo uma clínica. Ela se desdobra sobre um trabalho de campo radicalmente diferente do lugar da cura. Afirmar que ela é uma clínica implica que a fonte de inspiração é o trabalho de campo, e que toda a teoria é alinhavada a partir deste campo (DEJOURS,1993,p.137). Nesse sentido, a Psicodinâmica do Trabalho propõe uma escuta dos trabalhadores que pode ser realizada de forma individual e/ou coletiva por meio de processos de reflexão em conjunto com esses trabalhadores. Esses processos são importantes para que os indivíduos sejam capazes de se (re)apropriarem do trabalho com o intuito de promover as mudanças necessárias para que o trabalho seja mais saudável. Para realização dessas escutas, o método denominado Psicodinâmica do Trabalho constrói-se por uma série de etapas que podem ser adaptadas de acordo com a realidade pesquisada, a saber: a enquete (composta pela análise da demanda), análise do material da enquete, a observação clínica e a interpretação; a validação e refutação e a validação ampliada (HELOANI; LANCMAN, 2004). SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 471 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 A construção do estudo caracteriza-se por criar condições objetivas para a realização da pesquisa, bem como a difusão da Psicodinâmica do Trabalho e a enquete para a identificação dos voluntários interessados na participação da pesquisa. A enquete é a etapa das discussões grupais que nortearam ações transformadoras favorecendo a verbalização dos participantes. Esta etapa é importante visto que é responsável pela escolha dos voluntários e a difusão da metodologia de pesquisa entre os trabalhadores que participarão da pesquisa. Na etapa de verbalização e refutação elabora-se um relatório a partir das interpretações, discussões, comentários ocorridos nas sessões para validar ou refutar as verbalizações. O pesquisador, nessa etapa, por meio de conceitos teóricos, tais como: sofrimento e prazer no trabalho, estratégias individuais e coletivas de defesa é responsável por construir ferramentas que proporcionem sentido e/ou explicação ao material coletado nas discussões. Na última etapa, o relatório elaborado será discutido com os demais trabalhadores, que não participaram da pesquisa, e com os membros da direção do campo de estudo com o intuito de difundir as interpretações. Dessa forma, a Psicodinâmica do Trabalho está ligada à ideia de que por meio de ações dos próprios trabalhadores eles possam ampliar o espaço público de discussão e operacionalizar mudanças. Assim, ao participar de maneira efetiva dos modos de produção e de serem ouvidos sobre seus sofrimentos e prazeres, esses trabalhadores podem operar pequenas transformações nas condições de trabalho. 4 – SAÚDE MENTAL DO TRABALHADOR As mudanças ocorridas no mundo do trabalho trouxeram novos desafios ao trabalhador que necessita adaptar-se a essas transformações a fim de manter-se no emprego e garantir a sobrevivência. Nesse universo, as novas exigências afetam o psíquico desse trabalhador que munido, muitas vezes, pelos sentimentos de impotência, desvalorização e/ou desmotivação e incertezas tem que suportar as pressões advindas da organização do trabalho. SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 472 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 Assim, do choque entre indivíduo e organização de trabalho é preciso entender o que ocorre na mente desses trabalhadores ao executar suas funções de forma mecanizada e repetitiva e como equilibram o corpo e a mente para se manterem saudáveis nesse ambiente. Segundo Dejours (1986 p. 43) “não há dúvida sobre a existência de uma atividade mental que acompanha o trabalho repetitivo” mesmo porque, quando se trabalha, a mente não está livre de devaneios e distrações o que pode ocasionar uma alteração na qualidade e quantidade das tarefas realizadas ou pode atribuir sentido ao trabalho repetitivo. Entretanto, ao mesmo tempo em que as tarefas repetitivas cedem espaço para os devaneios e distrações; por outro lado, os trabalhadores por enfrentarem desgastes familiares, problemas pessoais ou econômicos entregam substancialmente a esse tipo de trabalho como forma de esquecimento das dificuldades mesmo que seja somente nesse período de trabalho. (DEJOURS, 1986). A ameaça à saúde mental dos trabalhadores não se efetiva somente pelas organizações do trabalho, mas também, pelas condições de trabalho, entendidas aqui, como os ambientes físico, químico e biológico e as condições de higiene, segurança desses locais de trabalho. Frente a essas ameaças há uma bifurcação: ao direcionar para um lado, o trabalhador sucumbe às pressões, no entanto, para o outro lado ele procura encontrar saídas para vencer as pressões e tentar evitar o sofrimento. Ao sucumbir às pressões, temos o caminho do adoecimento; já ao encontrar as saídas, temos o caminho da saúde. Nesse caso, não há antagonismos ou exclusões entre esses caminhos. O que existe é a condição mínima de saúde psíquica para que o trabalhador possa se manter em equilíbrio na execução das tarefas impostas. É fato que a organização do trabalho, composta pela divisão do trabalho, conteúdo da tarefa, relações de poder, responsabilidades e hierarquias, possui impacto direto na saúde mental dos trabalhadores. O importante, aqui, é conhecer as estratégias individuais e coletivas desses trabalhadores como forma de enfrentar o sofrimento psíquico e manterem saudáveis diante as exigências das organizações. SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 473 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 5 - JUSTIFICATIVA O interesse nesse objeto surgiu quando a primeira autora em sua pesquisa sobre análise dos estilos de liderança constatou quanto à aplicação do questionário, queixas desses trabalhadores quanto ao modo de relacionarem-se com os colegas e com a própria liderança. Nesse contexto, investigar-se-á, in loco, a possibilidade e interesse desses trabalhadores serem ouvidos sobre suas angústias e sofrimentos, medos e ansiedades, originados de um pensar que vem na contramão dos desejos da organização de trabalho. No entanto, esta investigação levará em conta, também, o trabalho como fonte de prazer e reconhecimento, assertiva proposta pelo próprio referencial teórico da Psicodinâmica do Trabalho. Tal investigação terá um foco interdisciplinar visto que contempla análise de várias áreas das ciências sociais e humanas a fim de compreender como as novas formas de organização de trabalho, o modo de relacionar-se com as pessoas no ambiente organizacional, de lidar com o tempo, o espaço e as cobranças oriundas das funções desempenhadas afetam, substancialmente, a saúde física e psíquica dos trabalhadores. (SATO, 2002). Sendo assim, o objetivo geral da pesquisa é estudar as condições de trabalho dos trabalhadores de uma indústria metal-mecânica, do interior de Minas Gerais, sob a perspectiva da Psicodinâmica do Trabalho. 6 – METODOLOGIA A empresa, campo de estudo, é uma unidade de uma grande indústria metal mecânica situada no interior de Minas Gerais, produz anéis para automóveis e anéis especiais com aplicação para compressores e máquinas agrícolas. A empresa ocupa uma área de aproximadamente 6.000 m², com 401 funcionários, distribuídos em três turnos de trabalho e são responsáveis pela produção de uma média mensal de seis milhões de anéis, ou diária de 260.000 anéis. Os indicadores-chave são a entrega, produtividade e refugo, pois respondem pela análise dos resultados obtidos e futuras ações para obtenção das metas estipuladas. Dentre esses indicadores, a produtividade recebe maior importância tendo em vista o atendimento à demanda de mercado. SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 474 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 A observação do campo de estudo norteou a problemática da pesquisa por meio da visita técnica realizada no mês de maio de 2014. Pela visita, observou-se que esses trabalhadores, frente a esse processo de produção, estão condicionados a exercerem suas funções de forma sequencial, repetitiva e imersos em uma realidade, talvez, geradora de sofrimentos, por execução de um trabalho que pode estar desprovido de conteúdo significativo. Em contrapartida, esse mesmo campo de estudo também pode proporcionar aos trabalhadores o prazer quando ao cumprirem as metas estabelecidas são recompensados pela empresa seja por meio de promoções, premiações e/ ou estabilidade. O cumprimento dessas metas é acompanhado diariamente pelo mestre de produção e registrado em uma ficha individual do trabalhador para posterior consulta quanto à avaliação de desempenho a qual é realizada anualmente. Quanto à coleta de dados dar-se-á por meio de observações clínicas sobre as condições e o modo de produção do trabalho, entrevistas semiestruturadas para a identificação das estratégias de defesa individuais e o grupo focal a fim de identificar as estratégias de defesa coletivas. As técnicas da entrevista e do grupo focal serão aplicadas em um grupo composto por dez operários, selecionados voluntariamente, distribuídos pelos três turnos de trabalho. Com a aplicação da técnica do grupo focal, espera-se a construção de informações ao favorecer a livre expressão do pensamento e de sentimentos dos participantes quanto ao tema da pesquisa e ao sentido que a execução do trabalho pode proporcioná-los. Na análise e interpretação dos dados levar-se-ão em conta as pesquisas realizadas, a escuta dos trabalhadores, bem como a interpretação, sistematização e análise dos dados coletados nas entrevistas e as discussões realizadas na empresa, tecendo um paralelo entre teoria e as situações vivenciadas pelos trabalhadores. 7 – CONSIDERAÇÕES FINAIS A realização profissional e inserção dos indivíduos na sociedade são frutos de um meio de produção capitalista que controla os desejos e necessidades frente aos novos desafios e estruturas das organizações de trabalho. SAÚDE MENTAL DOS TRABALHADORES DE UMA INDÚSTRIA METAL-MECÂNICA: UM ESTUDO DE CASO - SILVA, Letícia Aparecida da; NUNES, Sylvia da Silveira 475 Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014, ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 466-477 Observa-se que a forma como as funções são desempenhadas nas indústrias provoca consequências significativas na saúde física e mental dos trabalhadores devido à falta de conteúdo significativo na realização das tarefas. Dessa maneira, esses trabalhadores, imersos nesse contexto, necessitam estabelecer estratégias de defesa coletivas e individuais a fim de equilibrar o corpo e a mente. Para o entendimento e o conhecimento da adoção dessas estratégias de defesa dos operários da indústria metal-mecânica, a Psicodinâmica do Trabalho oferece o suporte teórico para este estudo. De acordo com as características da empresa, espera-se com esse estudo validar e ampliar as pesquisas no tocante à Psicodinâmica do Trabalho e a colaboração desta corrente teórica para explicar as subjetividades dos trabalhadores inseridos nesse contexto do capital e da produtividade. Ao dar voz a esses trabalhadores, espera-se, também, conhecer as formas de enfrentamento contra o sofrimento causado por essa organização de trabalho e, em contrapartida, conhecer as formas de prazer reconhecidas nesse mesmo ambiente. Se, possível, propor mudanças nas condições de trabalho a fim de contribuir para melhoria da qualidade de vida desses trabalhadores. REFERÊNCIAS ALBORNOZ, S. O que é Trabalho? São Paulo. Brasiliense. 1986. ANTUNES, R. Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. São Paulo. CORTEZ. 1995. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista. A degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: ZAHAR.1977. CATÃO, Maria de F. F. 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