.
COLEÇÃO PAULÍSTlCA
VOL. X
,...
f
] . W asth Rodrigues
TROPAS PAULISTAS
DE OUTRORA
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
•
TROPAS PAULISTAS
DE OUTRORA
•
Governador do Es lado : Paulo Egydio Martins
Secretário do Governo: Péricles Eugênio da Silva Ramos
Secretário de Cultura, Ciência e Tecnologia: Max Feff er
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP
R613t
Rodrigues,
Tropas
drigues ;
ilustrações
São Paulo
José Wasth, 1891-1957 .
paulistas de outrora / J. Wasth Rointrodução de J osé de Barros Martins ;
do autor e de Wladimir Douchkine.
: Governo do Estado, 1978.
Coleção paulística ; v. 10)
l. São
Paulo
(Estado) - História 2. São
Paulo (Estado) - Milícia I. Título. II. Série.
CDD-355 . 31098155
-981 . 55
78-142 2
índices para catálogo sistemático:
1. São Paulo : Estado
2. São Paulo : Estado
355.31098155
História
Tropas :
981 . 55
Ciência militar
COLEÇÃO PAULiSTICA
VOL.X
J. WASTH RODRIGUES
TROPAS PAULISTAS
DE OUTRORA
Introdução de
JOSÉ DE BARROS MARTINS
Ilustrações do autor e de
WLADIMIR DOUCHKINE
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO
São Paulo -
1-E
1978
COLEÇÃO PAULíSTICA
Volumes publicados:
Volume I
MARCELINO PEREIRA CLETO e outros
ROTEIROS E NOTICIAS DE SÃO PAULO COLONIAL
Volume II
AnoLPI-IO AUGUSTO PINTO
HISTORIA DA VIAÇÃO PúBLICA DE SÃO PAULO
Volume III
JosÉ AROUCI-IE DE TOLEDO RENDON
OBRAS
Volume IV
J. J.
MACHADO D ' OLIVEIRA
QUADRO HISTóRICO DA PROV1NCIA DE SÃO PAULO
Volume V
FIRMO DE ALBUQUERQUE DIN IZ
NOTAS DE VIAGEM
Volume VI
A. R. VELOSO DE OLIVEIRA
MEMORIA SOBRE O MELHORAMENTO DA PROVfNCIA DE SÃO PAULO
Volume VII
JosÉ GERALDO EVANGELISTA
LORENA NO SECULO XIX
Volume VIII
MELLO NÓBREGA
HISTORIA DO RIO
TIET~
Volume IX
A. DE FREITAS
TRADIÇÕES E REMINISC~NCIAS PAULISTANAS
AFFONSO
Volume X
J. WASTH RODRIGUES
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
Volume XI
D ANIEL PEDRO MüLLER
ENSAIO D'UM QUADRO ESTATlSTICO DA PROVlNCIA DE S. PAULO
Volume XII
JOAQUIM FLORIANO DE GODOY
A PROV1NCIA DE S. PAULO
.. INTRODUÇÃO
UM ARTISTA DO DOCUMENTÁRIO
JosÉ
DE BARROS MARTINS
Artista ilustre, ao qual deve a cidade natal seu brasão
com o " NON DUCOR, DUCO " ,......., e o seu estado as
arma s com a divisa "PRO BRASILIA FIANT EXIMIA" ,
justo é que numa coleção histórica deste porte, não fosse
esquecido José Wasth Rodrigues. E , louvando-se a inclusão
de um trabalho seu nesta .série, seja realçado o valor da excelente iniciativa do Governador Paulo Egydio Martins ao
fa zer editar esta "Paulística".
Que este empr eendimento, exemplo raro nos homens
públicos deste País, aproveite a estudantes e estudiosos, colocando-lhes à disposição a melhor bibliografia de nossa
história, assim proporcionando o aparecimento de novos estudos, entre os quais seja nos permitido mencionar o de ·
uma verdadeira síntese da história geral de São Paulo. Prefaciando obra de Saint-Hilaire, já há anos, Rubens Borba
de Moraes, acentuava essa falha : mÓnografias notáveis,
grandes e inesgotáveis coleções de documentos têm sido publicadas, homens ilustres têm dedicado sua vida inteira ao
estudo e a pesquisas, mas falta ainda o espírito latino, claro
e arguto que intente resumir o essencial, salientar o importante, tirar as conclusões da história do povo paulista, para
conhecimento do grande público. Que o esforço, tanto oficial
nesta oportunidade, quanto o do constante trabalho dos edi•
X
J.
WASTH RODRIGUES
tores particulares, incentive o ap arecimento de obra desse
padrão há tanto tempo aguardada.
Apreciável o presente esforço oficial, que retoma a distante tradição deixada por Washington Luís, que quando
prefeito da Capital e presidente do Estado , determinou a
edição das Atas e do Registro Geral da Câmara Municipal e providenciou a publicação dos Inventários e Te stamentos, e a:;;sim permitiu o manuseio e o conhecimento da s
mais fidedignas fontes de nossa história. Daí, como é notório , o aparecimento de excelentes obras , dentre as quais avultam as de Affonso d'E. Taunay, Alcantara Machado, Alfre ..
do Ellis J (mior e do próprio presidente-historiador, legandonos o notável es·tudo Na Capitania de São Vicente, iniciado nos albores do s·éculo e somente terminado em 1956,
após a sua volta do exílio voluntário.
Com o de~aparecimento de José W asth Rodrigues np
Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1957, perdia o Brasil um
de seus maiores historiadores, que , sem haver formalmente
escrito uma história, deixaria um conjunto de trabalhos dos
mais importantes para a nossa historiografia. As imagens
criadas por seu pincel ou seu lápis, após laboriosas pesquisas, abrangendo os setores em que se tornou erudito e
mesfre, formam um documento de mérito indiscutível.
Jo vem provinciano em Paris
Nasceu Wasth Rodrigues na cidade de São Paulo, em
19 de março de 1891 . Como filho de família da média burguesia, fez seus estudos primários em grupo escolar e em
escola particular, os de humanidades no Seminário Menor
de Pirapora, onde permaneceu até 1907, quando, satisfazendo seu nascente pendor artístico, iniciou estudos com
TROPAS P AULISTAS DE OUTRORA
XI
Oscar Pereira da Silva, o grande pintor, que, de volta da
Europa, onde se aperfeiçoara de 1889 a 1896, se havia fixado em São Paulo. Sua permanência no Exterior, como
pensionista do Estado, fora conseguida como prêmio, quando
ainda cursava o último ano da Academia Imperial de Belas
Artes. Como aluno, escolheu-o João Zeferino da Costa para
um do s seus assiste ntes na realização dos painéis decorativos da nave p rincipal da Igreja da Candelária. Teve na
época outros mestres, como Victor Meirelles e José Maria
Medeiros.
0
A aplicação, o entusiasmo e o talento que Wasth Rodrigues demonstrou em seu aprendizado com Oscar Pereira
da Silva foram tais que, já em 1910, apenas com 19 anos
de idade, em exposição oficial, era contemplado com viagem
à Europa, tornando-se, como seu mestre, pensionista do
Estado.
E x tremamente dedicado ao trabalho, consciente da
oportunidade conquistada, chegando a Paris, entregou-se
integralmente ao estudo, freqüentando assiduamente, entre
outras, duas escolas do mais alto prestígio: a Academia
Julien e a Escola de Belas Artes de Paris. Na primeira ,
foi discípulo de Jean Paul Laurens e, na segunda, teve como
mestres Lucien Simon e Nandí.
Para o jovem provinciano, Paris do início do século
deve ter sido um deslumbramento, o que não seria novidade.
Já em 1869, o Conde de Gobineau dizia ~ D. Pedro II que
o brasileiro deseja apaixonadamente ir viver em Paris . Joaquim Nabuco em Minha Formação, referindo-se à sua
primeira viagem à Europa, encontra explicação para esse
desejo: a "atração de afinidades esquecidas, mas não apagadas,, que estão em todos nós, nossa comum origem européia" , e continua : "de um lado do mar sente-se a sua ausência do mundo; do outro a ausência do país. O sentimento
XII
J.
W ASTH R'ODRIGUES
em nós é brasileiro, a imaginação européia". Em 1910, o
sentimento e a imaginação continuavam a persistir e podemos afirmar que ainda hoje permanecem. Não se confunda,
entretanto, o "rastaquerismo" dos novos milionários com as
rea ções da sensibilidade dos homens de cultura e inteligência.
W asth conheceu então de perto o movimento artístico
da época com .suas escolas, seus "ismos", seus mestres e
também com a miséria dos jovens artistas que iriam marcar
um dos períodos mais fascinantes da história das arte.s plásticas. Na sua correspondência familiar refere-se aos jovens
brasileiros ricos , "rapazes de uma certa esfera social, fre- ·
qüentadores em São Paulo do "Guarany" ou do "Internacional" e que em Paris não saem do "Café de la Paix" e
queixa-se daquela "rodinha que eu conheço, paulistas ricos
e das melhores famílias , que não dão importância aos estudantes pa trícios."
Período heróico para os artistas
O mundo começara a viver um clima aviatório. No ano
anterior, 1910, Louis Bleriot atravessara a Mancha em aeroplano. Em junho de 1911 escreve Wasth: " No domingo
passado levantei-me às 4 horas da madrugada corri a Vincennes e no meio de um milhão de espectadores· assisti a
partida de quarenta e tantos a viadores. Infe}izmente já morreram três."
A esse mesmo tempo em São Paulo, dois aviadores italianos : Piccolo e Ruggerone, decolando respectivamente do
Velódromo Paulista e do Hipódromo da Mooca vão ,s.e acidentar espetacularmente, vindo o primeiro a sucumbir. Um
cavalariano da Polícia, ao ver a queda do segundo, enlouqueceu no local, investindo contra os populares, ferindo e
matando alguns.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
XIII
A vida do jovem artista é organizada, não se perde no
turbilhão parisiense. W asth é parcimonioso nos gastos. De
Barbizon, ao lado da C apital, informa na sua correspondên~
eia que aí foi passar um· mês para pôr em ordem as finan~
ças : "chegando a Paris vou mudar~me para Montparnasse,
o verdadeiro quarti~r dos artistas" . . Também a vida é ba~
rata: "um fiac re do outro lado (Concorde) até a praça do
Odeon custa 1,35 fr." e "un repas, 1111 potage ou hors
d'oeuvre, un plat de viande et dessert 1,50 fr .... "
É o período heróico em que a arte emigra do Norte
para o Sul de Paris, em Montparnasse, onde já estão dois
pólos de atração: Gertrudes e Leo Stein, os primeiros gran~
des compradores de telas cubistas, que iriam exercer papel
preponderante na moderna história das artes. O urbanismo
- os proprietários e os arquitetos - forçaram o êxodo
dessa legião de artistas e poetas órficos. E , assim Montpar~
nasse tomou o lugar de Montmartre.
Encontro com M.adígliani
Wasth vai à "Academia, das 8 ao meio dia e ao atelier,
de uma às tantas" e o seu sonho é não morar em hotéis,
como o Odeon ou o Suez. Quer apenas um "logement",
isto é, um quarto, sala e casinha , e, se. poss·ível. as refei~
ções feitas pela "femme de menage". Em 1913 , Amedeo
Modigliani no dizer de Frank Elgar, "descend de la Butte
et va promener dans Montparnasse son inquiétude et son
ivresse, noctambule, misérable, bourré d'alcool, de drogues
et de talents gaspillant ses dons autant que son argent".
Conhece~o Wasth, vai ser seu vizinho de alojamento e de
pobreza . Pode ser que esse conhecimento e posteriormente
essa amizade entre jovens de formação tão diversa, tenha
XIV
]. WASTH R!ODRIGUES
se consolidado nas calçadas de algum café, no Rotonde ou
no Dôme. . . Fica por conta de noss a imaginação: o certo
é que são centenas de cafés e de tavernas que acolhem os
gênio.& e os fracassados e em alg umas delas estariam o com~
portado brasileiro e o louco livornês.
1
É o tempo em que, no "Rotonde", Vladimir Ilitch Le ~
nine e Leon Nicolaievitch Trotsky jogam intermináveis partidas de xadrês e quando o jovem Charles Spencer Chaplin
chega a . Paris, ·e m sua primeira "tournée", se apressa a
conhecer o "Dôme".
Quando Modig liani, na ,s ua constante inquietude, se
transfere de .mansarda, Wasth o presenteia com um casaco
azul, que de há muito era cobiçado, numa ambiciosa ternura, pelo gênio italiano. Em retribuição, dá-lhe este vários
de seus estudos e esboços. Wasth, mais tarde, reconheceria
em alguns dos auto-retratos de Modigliani o seu famoso
casaco de inverno.
Não é em vão que o jovem artista se dedica a aperfeiçoar sua técnica; o.s· três trabalhos que apresenta para -o
salão de 1914 da Sociedade dos Artistas Franceses são
aceit6s ·pefo júri e, mais,· do que a satisfação de apresentar
seus trabalhos nessa exposição de alto nível , realizada ém
abril no Grand Palais des Champ.s- Elysées, Wasth vendé
ó seu primeiro quadro no estrangeiro. É o sucesso. . . O
comprador, Mr. Henry Balantyne, é um escocês, que, em
·c:·a rta de 5 de maio, pede-lhe o preço, e como não tem cer•
teza do número de catálogo especifica: ...the subject of the
picture wich took my attention was the cloisters of an old
.church with an old 'diligence' standing, without the horses
atached." A aquisição é feita pela cifra marcada pelo autor,
400 francos e o quadro remetido para Tweed Vale House,
W alkerburn, Scotland.
TROPAS PAULISTAS DE 0UTRl0RA
·XV
Estamos no fatídico 1914; Wasth regressa ao Brasil.
Em 28 de junho, o estudante sérvio Prinzip abate a tiros
em Serajevo, o herdeiro do Império Austro-Húngaro, ar~
quiduque Francisco Ferdinando. Os acontecimentos internacionais vão transformar a Europa num vasto e desolador
campo de batalha.
Apoio de Monteiro Lobato
Aqui chegado, Wasth dedica-se de corpo e alma ao
trabalho. Realiza exposições e desde aí os motivos brasileiros começam a ser um.a constante nos seus óleos, aquarelas
ou d.e senhos. Enfrenta dificuldades de todo estreante, que
quase o abatem. 'Não lhe faltam, porém, incentivadores e
amigo.si e, entre eles, está Monteiro Lobato, então em pleno
apogeu, o qual em carta de fevereiro de 1916, conta a
Godofredo Rangel, que se está batendo no Estado, onde
co'labora, "em prol do W asth Rodrigues, um pintor que
ia passando despercebido. la, mas antes ninguém piava
sobre ele, o que levou o pobre rapaz a mandar-me uma
carta triste, pedindo socorro. Pelo Co·rreio. o Oswald de
Andrade me combateu as idéias 'anti-litoralistas', e o caso
foi que a exposição do Wasth está freqüentada e os quadros vendem-se".
Ao artista Lobato escreve da Faz'enda do Buquira:
"és moço ainda, quase uma criança. Isso de chegar, ver e
vencer aconteceu a Cesar e a raros outros, quando um concurso de circunstâncias felizes ajudam. . . Nada vai sem
luta. Fica, subsiste , vence o talento servido pelo esforço
contínuo, pelo trabalho de mouro, a mira posta não em recompensas atuais, nem em gloriolas do momento, mas na
escada de Jacob ·da perfeição . .. " Referindo-se aos motivos
XVI
]. WASTH RODRIGUES
nacionais dos seus trabalhos diz-lhe ainda: "Veja o que
Rudyard Kipling extraiu da índia ,......., e compreenderás o
que um artista de talento arrancará desta nossa terra vir~
gem .. . . " E prossegue no seu entusiasmo: "Vem passar um
ano comigo, dois, três, dez anos. Irás de vez em quando a
São Paulo ou Rio, com um punhado cintilante de telas".
E , terminando: "Escrevi novamente ao Estado, falo de
você, gabo-te, exalto o teu trabalho, coisa de chamar atenção
sobre a expo·s ição. . . Adeus, e dispõe da casa, da mesa. das
terras do Lobato".
O apoio e o entusiasmo de Lobato continuam. Em outra
carta, diz-lhe: "Se V. tem séria tenção de completar a do ~
mesticação do pincel e vir atacar as- assuntos nacionais, sem
ser profeta auguro um sucesso estrçmdoso. Veja o A. J r.:
com meia duzia de caipiras passou a perna em todos os
afrancesado.s pintadores de bretões." Aí o conhecido exa~
gero, referindo~se a Almeida Júnior.
Na recém~fundada Revista do Brasil, em 1916. Lo~
bato publica os desenhos do jovem artista e anuncia que "a
revista ilustrará sempre a sua resenha do mês· com retratos
de notabilidades brasileiras e estrangeiras, feitas a pena por
artistas do valor de J. W asth Rodrigues e outros".
Em julho de 1918, a parece a primeira edição de
Ur:upês com capa de Wasth e inúmeros desenhos de
"um curioso sem estudos" (o próprio autor) . Lobato dá~lhe
a notícia do lançamento: "Meus Urupês saíram e já se
venderam muitos. Vai um recorte do Estado para avaliar
as tuas capas". :E: valioso o apoio de Lobato. Wasth continua a trabalhar exaustivamente. Realiza mais exposições.
Faz retratos. Viaja. e muito, pelo interior. Vai acumulando
o seu extraordinário material. E não pensa em "recompensas atuais, nem gloriolas do momento"; consolida a sua po~
sição de pintor documental. Estuda história. principalmente
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
XVII
a militar. Inicia-se na heráldica. Freqüenta os museus e
arquivos. Vai amealhando aqueles. conhecimentos que farão
dele um erudito nos vários campos de sua predileção.
Brasões e História Militar
Já em 1917, e~ concurso aberto pela Prefeitura de São
Paulo para o brasão da cidade, de todos os projetos apresentados o da parceria Wasth ~ Guilherme de Almeida
é classificado em primeiro lugar e, com pequenas modificações sugeridas pela Comissão Julgadora, torna-se, por ato
de 8 de março daquele ano do Prefeito Washington Luís,
o brasão d'armas da cidade e do município de São Paulo.
com a divisa Non . Ducor, Duco. Quanto aoSJ símbolos contidos no projeto inicial, diz Wasth "é a espada do Apóstolo
Paulo é o gesto de Amador Bueno e o de D. Pedro .1, é o
valor militar paulista". Nas alterações feitas a espada foi
suprimida.
Com Gustavo Barroso, estuda Wasth um projeto sobre
uniformes militares, e escreve-lhe o academico "Se o projeto passar, o nosso trabalho ,s erá induzir o Governo a
mudar os uniformes do Exército e criar para estes um plano
nacional e decente". Esses estudos vão ,servir de muito por
ocasião do 1.° Centenário da Independência, em 1922,
quando Wasth realiza um dos seus mais importantes trabalhos. Com texto organizado por Gus:ta~o Barroso, é pu·
blicado em Paris, por F . Ferroud os Uniformes do Exército Brasileiro 1730-1922 com as aquarelas e documentação de nosso artista. Seus estudos e pesquisas sobre nossa
história militar vão possibilitar que, aos 30 anos de idade,
elabore ele um dos mais belos trabalhos de nossa iccmografia: são 223 aquarelas, excelentemente impressas, re•
compondo os uniformes militares desde os Dragões Reais
XVIII
]. WASTH RODRIGUES
de Minas ( 1730) aos recentes uniformes da infantaria de
1919. Cada estampa compreende dois, três e as vezes até
cinco desenhos, o que propicia a reprodução de centenas de
modelos. Obra monumental e definitiva. A esse tempo ,
Wasth tinha assumido no Ginásio do Estado, na Capital,
a cadeira de desenho que pertencera ao seu antigo e pri . .
meiro mestre Oscar Pereira da Silva.
Em 1932, durante a Revolução Constitucionalista , a
comissão nomeada para dirigir a Campanha do Ouro para
a Vitoria, adotou o lema "Pro São Paulo fiant eximia" e,
por sugestão de Wasth Rodrigues , também adotou a es . ..
pada romana usada pelo Apóstolo S. Paulo, posta em pala ,
com a ponta ao alto e o punho sobre o cruzamento de dois
ramos , um de lour.o e o outro de carvalho. Escolhido para
compor o bra são de arma s do E stado de S ão Paulo, úni ca
unidade da Federaç ão qu e ainda nã o possuía tal símbol o,
apresenta o seu projeto, com memorial redigido por F ran ·
cisco Pati e Clovis Ribeiro. O Governador Pedro de T oledo aprova-o, apenas modificando a divisa para "Pro Brnsilia fiant eximia" afirmação de brasilidade de São Paulo,
E a ssim, por decreto de 29 de agosto de 1932 , acompanhando
os outros Estados da Federação, São Paulo passou a possuir
oficialmente o seu próprio brasão d' armas. Ainda como con ...
tribuição sua à Revolução Constitucionalista, deve-se lembrar o famo so mapa que desenhou e que na época ornou
os lares paulistas: "Esta he a carta verdadeira da Revolução q : houve no estado de São Paulo no ano de . . . . .. .
MCMXXX II " .
Em 1933, Clovis Ribeiro publicou o seu valioso e nunca
a ss-ás louvado estudo sobre Brasões e Bandeiras do Brasil.
Mais uma vez Was th é chamado para dar sua contribuição ,
encarregando-se das ilustrações. O mestre preparou para
essa edição uma série de projetos, reproduzindo , em suas
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
XIX
cores indicadas, os brasões de cidades e Estados brasileiros .
. Aí estão, entre outros, os brasões das cidades de Sabará,
Diamantina, Caeté, Ouro Preto, Mariana, São João D'El
Rey. Todos com as devidas justificações de História e Heráldica. O trabalho, único em nossa bibliografia, abrange o
estudo da bandeirfi nacional e sua tradição, as· bandeiras
dos nossos antepassados, as do Império, a da República, as
armas nacionais, as bandeiras militares, as bandeiras da!:
revoluções, as bandeiras e brasões dos Estados e cidades.
São ao todo 253 composições parte das quais em suas cores
oficiais.
Foi Wasth um, dos maiores conhecedores de História
Militar. Levou anos coligindo dados, pesquisando, estudando
e preparando os verbetes para o que seria a sua mais impor~
tante obra o Dicionário Histórico Militar, ilustrado, com~
preendendo a história das forças armadas do Brasil em todos
os tempos, informação histórica de caráter geral, artilharia
antiga e armas de fogo, armas brancas, insígnias, etc., le~
gislação militar, uniformes antigos e modernos. Esse trabalho deixou~o inédito, pronto para publicação: Contém mais
de 1 . 600 páginas de texto e cerca de 400 ilustrações, das
quais uma centena a cores. A dificuldade de publicação, em
vista das suas peculiaridades, foi contornada pela família do
artista, que, num gesto significativo, doou todo ·e sse material
ao Centro de Documentação do Exército, que se encarregotl
da edição, levando~o assim oportunaménte ao conhecimet:ito
dos brasileiros.
Arquitetura e Mobiliário
Os grandes conhecimentos adquiridos por Wasth. o
abundante material por ele colhido e pesquisado, seu amor
ao estudo, aos poucos são trazidos a público: com muito
·XX
}. WASTH RODRIGUES
cuidado, Wasth vai lançando uma série de trabalhos que
marcam uma época na nossa historiografia. São coleções
preciosas de desenhos" que revelam ao Brasil um passado
esquecido, favorecendo um renascimento do interesse nacional pela nossa arte, assunto até então circunscrito a museus,
bibliotecas e a reduzido número de especialistas.
Entre esses muito.s trabalhos, devemos citar, em pri.meiro lugar, o Documentário Arquitetônico relativo à antiga
construção civil no Br:asil: são 160 pranchas, das quais dez
a cores, reproduzindo velhas casas, igrejas e chafarizes, com
todos os seus detalhes, isto é, suas plantas, muro.sr e janelas,
portas com suas guarnições, sacadas e cornijas , grades e
suportes de luminárias, trincos e fechos de porta, grades de
ferro, portais, vidraças antigas, azulejos•. . . enfim tudo .
1
Sobre o mobiliário do Brasil antigo, W asth chegou a
preparar o ál~um relativo à Evolução das Cadeiras Luso-Brasileiras, que foi publicado em 1960, após a sua morte,
em edição muito bem cuidada, colocando ao alcance dos
estudiosos um conjunto de informações eruditas da mais
alta valia.
Pr:eciosa obra pictórica
Além desse& trabalhos de fôlego, Wasth deixou inúmeros outros, publicados em jornais, revistas especializadas e
folhetos , acrescentando-se ainda o seu amor aos "ex libris ",
elaborados para dezenas de bibliófilos e colecionadores.
A vasta obra pictórica de Wasth está espalhada por
museus, instituições oficiais e particulares e inúmeros cole€ionadores. · Dadas as suas características, ela se concentra
no Museu do lpiranga, onde se encontram quase cincoenta
trabalhos entre óleos, aquarelas, guaches,. nanquim, avultando
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
·XXI
os quatro painéis do peristilo, relativos a D. João III, Martim
Afonso, . Tibiriçá e João Ramalho.
Em 1940, atendendo a pedido da Comissão Brasileira
dos Centenários de Portugal, preparou seis quadros a óleo
que figuraram na Exposição daquele ano em Lisboa: Batalha de Monte Caseros, Batalha de Tuíuty, Lemas Valentinas, Tiradentes, Conde de Bobadela e Avanço dos Mineiros sobre o Rio de Janeiro em 1710. Segundo a valiosa
opinião do historiador Herculano Mathias, ex-diretor do
·M useu Histórico Nacional, o "Tiradentes" de Wasth é a
mais convincente imagem criada na "arquetipia do mártir",
que hoje se ·e ncontra nesse Museu, apresentando-o ainda
jovem, cabelos cheios, sem barba e fardado.
necessárío mencionar-se ainda a participação de
W asth no livro brasileiro: foi um dos melhores e mais lúcidos ilustradores. Dezenas de obras ilustradas saídas do 9
prelos nacionais tiveram a rubrica de Wasth; entre elas,
permitimo-nos citar apenas dois exemplos: Salões e Damas do Segundo Reinado, de Wanderley Pinho (São Paulo,
1942) e Santo Antonio de Lisboa, Militar no Brasil de
José Carlos de Macedo Soares (Rio, 1942) .
Ê
O espírito militar paulista
Tropas Paulistas de Outrora foi escrita por Wasth
Rodrigues para publicação em 1954, no número especial
d 'O Estado de São Paulo, comemorativo do IV Centenário da Fundação de São Paulo, colocando-se na mesma
categoria de pesquisas e estudos que formam a sua obra. A
apresentação desse trabalho em livro tornava-s e necessária,
·p odendo assim a nossa historiografia contar com mais um
valioso subsídio, agora de fácil consulta.
2-E
XX!l
]. WASTH RODRIGUES
Da rude história dos três primeiros séculos, conseguiu
Wasth o levantamento completo da formação das tropas pau~
listas e do seu comportamento militar, em minucioso estudo
que abrange um mundo de ordenanças, ordens régiasi e alJ
varás, incluindo os figurinos· de uniformes, num acervo no~
tável de informações em que conserva seu estilo sóbrio e
erudito.
Notório era o espírito militar que despontava com os
primeiros colonizadores, entre os quaiS' já se encontravam ho~
mens d' armas assim como também conhecida era a índole
belicosa das tribos indígenas do continente descoberto. Já
no primeiro século es•s e espírito se- impõe quando , atendendo
a pedido de Mem de Sá, partem de S . Vicente expedições
formadas por colonos e indígenas• para defesa do Rio de Janeiro atacado e invadido por Villegaignon, os quais em defesa da própria São Vicente, lutam contra as incursões cor~
sárias de Fenton e depois Cavendish. Ante as ameaças do
gentio bárbar.o e ameaçador, ao povoado de S . Paulo os
índios de Tibiriçá, já catequizados, possibilitam a continuaJ
ção do iniciado trabalho colonizador.
Segue~se a longa série de lutas, que é a própria história das bandeiras, em suas· várias fases, atravessando os
séculos XVI, XVII e XVIII : as expedições ao Guaíra, as
lutas contra os espanhóis do Prata , a destrui_ção de Palmares, a guerra dos emboabas, além daquelas de menor vulto,
como a de Bartolomeu Fernandes de Faria contra a cidade
de Santos. Partiam armados de arcabuzes, escopetas , mosquetes e espadas e,. não se descuidavam de se defender das
setas indígenas ·com acolchoados de algodão, com que se
revestiam.
' ·Como acentua o autor, as bandeiraS' organizavam~se
levando oficiais -inferiores, meirinhos e escrivães. Obede~
ciam aos rigorosos· códigos militares da época , como o atesta
TROPAS PAULISTAS DE 0UTR:0RA
XXII!
o comportamento de Fernão Dias Paes', ao mandar enforcar
o seu bastardo José Dias Paes, por traição e tentativa de
.levante. Essa obediência. como lembra Washington· Luís,
não era somente cega, · filha da disciplina e da força , mas
impos-ta também como condição para o êxito da empresa ,
que a tod.? s intere,s sava.
Os meirinho~ e escrivães vão deixar nos arrolamentos e
inventários feitos em pleno sertão, subsidias importantíssimos para a reconstituição histórica, quer dos costumes e
haveres dos sertanistas, quer das localizações geográficas,
uma vez que tais documentos são sempre datados , .c om a
menção pormenorizada do lugar em que se achavam: margem de rios, cabeça de morro ou aldeamento de índios.
Em 1739 , foram criadas as Companhias de Aventureiros
Paulistas, por D . Luiz de Mascarenhas. Muitas outras foram
levantadas posteriormente, já combatendo no sul, em 1752,
contra os castelhanos" O Conde da Cunha, em 1763, mandou organizar mais quatro Companhias e dizia "estou persuadido que os Paulistas são os mais próprios homens· que
o Brasil tem para a vida militar". Na guarnição do forte de
Iguatemi, de triste memória, figuravam três Companhias de
A venturdros.
Entretanto, somente com o Morgado de Mateus é que
realmente vai aparecer a primeira tropa de caráter permanente, não mais uma força provisória, mas caracterizando-se
como uma tropa auxiliar, com hierarquia militar instituída.
As três linhas de triopas paulistas
. No início deste estudo, Wasth recomenda que não se
.perca de vista a magna divisão destas tropas em três linhas•:
a das tropas pagas, a das auxiliares e a de ordenanças·, di-
XXIV
J.
WASTH RODRIGUES
visão essa que somente vai ser alterada pela Regência , em
1831.
Essas três linhas são estudadas em seus detalhes de
formação e atuação, tanto no que concerne à regulamentação de suasi finalidades , quanto no que se refere à parte
externa dos uniformes. Quanto a estes, refere-se Martim
Lopes ao estado em que encontrou essa tropa , em junho de
1775: "As companhias em lastimável esitado, formadas de
meninos e velhos tendo sido fardados alguns deles para a
formatura em sua chegada" e ainda: " Os numerosos re.crutas estavam nus, não vencendo o soldo sem que pos•s am
aparecer pela sua indecência" . Respondendo a solicitação de
Martim LopeS', preocupado com essa situação, o Marquei:
do Lavradio lembra-lhe: "Quando os Paulistas fizeram grandes conquistas dessa Capitania, da de Goiás, de Mato
Grosso, e em todas outras partes do Brasil, foi animando-os
e deix ando-os obrar livremente. Nunca foram vestidos regularmente; eram armados à sua fantasia, alguns iam descalços,
as selas dos cavalos eram uns couros; assim atravessando
os pântanos, os rios , subiam e desciam serras; atacavam os
inimigos e se faziam formidáveis."
Evidente questão de recursos, pois, no seu relatório de
1788, Bernardo José de Lorena encontrou o Regimento de
Santos "em alto preparo militar, formado só de brancos,
bem armados e de baixo de exatíssimo uniforme".
Em carta de 1789, o mesmo governador dizia a Martinho de Mello e Castro: "Os paulistas na cara e figura
nenhuma diferença têm dos Europeus, se fosse possível aparecer um destes regimentos em Lishôa , todos sem os ouvir
falar diriam que era gente de Portugal. Com toda a verdade:
digo a V . Excia. que são os melhores soldados da América
e que será muito útil a sua conservação para segurança dos
domínios de S. Majestade."
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
xxv
A Legião dos Voluntários Reais.
Valorosa é também a história da Legião de Voluntários
Reais da Companhia de São Paulo também chamada sim~
plesmente de Legião Paulista, tropa de primeira linha, desde
1775, quando foi cl:iada, até 1824, quai~do seus componentes
foram transferidos para outras unidades do Exército, sem~
pre ligadas às lutas travadas no Sul. Lembra Osório que
iniciou sua carreira militar aos 19 aneis na antiga Legião.
Em 1865, em Corrientes, como comandante em chefe, passou
diante do 7. 0 de Voluntários e disse: "Estes são soldados.
E devem se~los, pois os paulistas seu~ antepassados, foram
bravos como certifica a história."
.
Reproduz Wasth o relato deixado por Jacques Arago
de um singular torneio havido no Rio de Janeiro entre um
paulista e um lanceiro polonês. Leve,.-se ein conta a fértil
imaginação do cronista, que não ·deve · ser confundido com
seu irmão, o sábio François, titular da Academia Francesa,
diretor do Observatório de Paris, ·membro do governo provisório de 1848, ministro da Marinha ·e da Guerra, o estadista que aboliu a escravatura nas colÔnfasi francesas. Jacques
foi um inveterado viajante, autor de várias obras, entre as
quais Voyage Autur du Mondé e Souvenirs d'un aveugle. Desta última Wasth repródüz esse famoso e discutido
torneio com a ressalva: "Serve · ape~as para amenizar o
assunto.''
Perfil de um artista
l.
Homem de modéstia exemplai, .comó já foi dito, artista
dos mais sérios, foi sempre Wasth à.e .:convívio fácil. Não
tendo p,a rticipado dos movimentos ·modernistas, nem por isso
XX VI
J.
WASTH R0DRIGUES
deixou de se interessar por todas as manifestações artísticas.
Dava-se bem e compreendia os representantes das várias
escolas. Em 1932, por exemplo, fez parte do reduzido· grupo
que fundou a Sociedade Pró-Arte Moderna ( SPAM). No
famoso baile de Carnaval realizado em fevereiro de 1933,
no Trocadero, denominado "Carnaval na Cidade SPAM,"
projeto e direção de Lasar Segall, e no qual foram pintados
centenas de metros quadrados de paredes, W asth foi um dos
decoradores, ao lado de Vittorio Gobis, Anita Malfatti, John
Graz, Rossi Osir e outros conhecidos modernistas. Ne·s se
mesmo ano ao se realizar a l.ª Exposição de Arte Moderna
SP AM , Wasth comparece, ao lado dos vanguardeiros Anita
Malfatti, Gomide, Brecheret, Lasar Segall, Tarsila, War . .
chavchik. Também na fase do Grupo do S anta Helena, aparecia, para convívio com os seus integrantes.: Rebolo , Gra~
ciano, Penacchi, Volpi, Bonadei, Manoel Martins.
Atencioso quando solicitada sua colaboração, estava
sempre ligado a iniciativas artísticas. Já fora assim em 1919,
quando desenhou com precisão e arte todos os "croquis"
para a cenografia da peça de Afonso Arinos O Contratad or: de Diamantes, levada à cena no Teatro Municipal por
um grupo da sociedade paulista. Tal tipo de colaboração
vai-se repetir muito mais tarde quando, em 1936, Alfredo
Mesquita apresentou, no mesmo teatro, a sua Noite de São
Palllo, em caráter beneficente : Wasth desenhou o cenário
e forneceu ainda parte dos acessórios neces·sários.
Menotti Dei Picchia, em 1920, achava-o taciturno "e
de pouca prosa, não que não tenha um coração amabilís~
simo; temperamento meditativo, é como Brecheret ,......; um
observador calado". Nos anos 50, continua assim. Retrata-o
Carlos Drumond de Andrade: "Wasth não ostentava ciên~
cià , possuía-a simplesmente. Nfnguém o via deitando doutrina em rodas de artistas, críticos ou pesquisadores; con~
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
XXV!I
sultado, informava e calava-se, com um silêncio astuto de
caipira - esse caipira civilizado, que perdurava ainda na
sua voz. Diante de falastrões, olhava, no máximo sorria de
leve, não contraditava" ·e Rodrigo Mello Franco de Andrade
.observava que e!e não tinha o menor empenho em fazer prevalecer seu ponto .de vista.
No Rio de Janeiro convivia com os freqüentadores do
Instituto Histórico, com o grupo que se reunia na Biblioteca
Nacional, ao tempo de Rodolfo Garcia, na casa de antiquária do erudito Marques dos Santos, mais tarde diretor do
Museu Imperial de Petrópolis e, principalmente, no gabinete
de Rodrigo Mello Franco de Andrade, no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do qual foi canse~
lheiro e ao qual prestou inestimáveis serviços.
Em São Paulo, o seu grupo era muito grande. Freqüen~
tava assiduamente a redação d'"O Estado" do seu amigo
Júlio de Mesquita Filho, o esoeritório da Editora Martins, da
qual era editado e colaborador constante, assim como, entre
outras , a casa de Y an de Almeida Prado e a de Octalles
Marcondes Ferreira. Os amigos eram-lhe extremamente fiéis:
Mário de Andrade, Monteiro Lobato, Clovis Ribeiro , Tacito
e Guilherme de Almeida, Manequinho Lopes, Menotti Dél
Picchia , Carlos Pinto Alves, Roberto Moreira, Af fonso
d'E. Taunay, Rubens Borba de Morais, Ruy Nogueira
Martins1 e outros .
Os desenhos de Douchkine
Em 1954, Guilherme de Almeida, então presidente da
Comissão do IV Centenário da Fundação de São Paulo,
apresentou-nos ao artista russo Wladimir Douchkine, rea-
X XVIII
·y.: WASTH . RODRIGUES
lizando então uma exposição na ·Galeria ltá. Douchkine, conhecido no mundo· inteiro por· suas miniaturas' históricas,
estava preparando dois dioramas para a Exposição do lbirapuera. Dele possui o Mtiseu :do White Hall em Londres dez
dioramas sobre a história da Inglaterra. Suas figurinha s
históricas ornam várias coleções, como as do General W eygand , dos artistas Sacha Guitry e Ferrand Grevey, do diretor Christian Gerard, do antiquário Vailland e do industrial Otto Gottesteir. Já tinha realizado com sucesso, exposições na Sociedade da Escola Militar de Paris, no Museu
Cognac Gay, no Museu de Compiegne, em Nova York e
em outras instituições conceituadas.
Aproveitando a estada do artista em S. Paulo, conversamos com Wasth Rodrigues sobre a . possibilidade de solicitar-lhe algumas miniaturas de antigos soldados paulistas.
Wasth, que já tinha então es·crito o seu trabalho Tropas
Paulistas de Outrora, aprovou a idéia e, sob sua orientação
foi posta à disposição do miniaturista russo o material necessário das coleções do Arquivo do · Estado e do Museu
do lpiranga. Dessa forma realizou Douchkine uma série de
originais, até hoje inéditos e pertencentes à nossa coleção.
os quais são apresentados em "sruite" desta edição.
Ao encerrarmos estas desataviadas anotações, repetimos
as palavras de Monteiro Lobato em 1916: "Veja o que
Rudyard Kipling extraiu da índia ~ e compreenderás o que
um artista de talento arrancará desta terra virgem". Foi o
que W asrth Rodrigues procurou fazer em seus quase cinqüenta anos de trabalho. Que o digam os cor1hecedores de
sua obra.
São Paulo, outubro de 1978.
XXIX
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
FONTES CONSULTADAS
Arquivo da Família Wasth Rodrigues
Campos, Pedro Dias de S. Paulo, 1923 ·
O Espírito
Militar Paulista.
Elgar, Frank - in " Dictionnaire de la Peinture Moderne",
P.ernand Hazan, Paris, 1954
Frank, Nino 1964
in "Dictionnaire de Paris" , Larousse, Paris
Magro, Omar Simões . - A Legião de S . Paulo, in Revista
do Arquivo Municipal, vol. 24, S. Paulo, 1936
Mendes de Almeida, Paulo . Paulo, 1977
De Anita
Monteiro Lobato, José Bento Paulo, 1944
A Barca
ao Museu, S.
de
Gleyre,
S.
Pontual, Roberto Rio, 1969
Dicionário das Artes Plásticas no Brasil.
Ribeiro, Clovis Paulo, 1933
Brasões
Taunay, Afonso d'E. -
e
Bandeiras
do
Brasil , S.
Relatos Monçoeiros, S. Paulo, 1954 .
Washington Luís - (Washington Luís Pereira de Souza)
Na Capitania de S. Vicente, S. Paulo, 1956
TROPAS PAULISTAS
DE OUTRORA
1
L-
s hostes de Portugal, no momento em que se
inicia a colonização do Brasil e a formação
dos seus primeiros núcleos defensivos, tinham ainda por fundamento o R egimento
dos Coudéis, de d . Duarte, o Regimento de Guerra,
constante no livro 1 das Ordenanças Afonsinas, e
as Instruções do Anadelmor, comandante-geral dos
besteiros, compiladas no tempo de d. Afonso V , e
que abriram caminho às reformas contra os preconceitos feudais já em desagregação. Outras ordens a
seguir, devidas a d. João II, cuidam dos espingardeiros e dos bombardeiros. Com d. Manoel, as
realizações são no material da artilharia, na renovação das unidades de infantes ou peões e na vulgarização da cavalaria, que, caminha rapidamente para
o abandono do seu caráter feudal de místicos privilégios.
A
Os primeiros estabelecimentos defensivos nas
costas do Brasil --- uns bem sucedidos, outros malbaratados --- foram devidos a alguns · donatários; na
3
4:
] . W ASTH RODRIGUES
Capitania de São Vicente, a Martim Afonso de
Sousa. A consolidação destes núcleos só se dá, real~
mente, depois da criação_do governo geral da Bahia.
Em Portugal, as forças armadas são então compostas, como diz o general Ferreira Martins, das
milícias concelhais, das guarnições dos .castelos das
fronteiras e das praças de África, de voluntários:
fidalgos~cavaleiros , cavaleiros~fidal,gos e escudeiros;
das antigas Ordens Militares, da guarda real de
ginetes, dos mercenários nacionais e estrangeiros
contratados em tempo de guerra e, enfim, ainda das
mesnadas senhoriais ( 1 ) •
No correr do século XVI, os principais diplo~
ma~ sobre organização militar referem~se principal~
mente às ordenanças e são o Regimento de 7 de
agosto de 1549, a Lei das Armas de 9 de dezembro
de 1569, o Regimento das Ordenanças de 10 de
dezembro de 1570 e a Provisão dos Capitães~mores,
de 15 de maio de 1574.
Após o domínio espanhol, restaurado o Reino
de Portugal em 1640, um dos primeiros atos de d.
João IV foi a formação do novo exército em três
escalões de forças permanentes: 1<) ) , o Exército de
linha; 2 9 ) , os Auxiliares; 3 9 ) , as -Ordenanças, nas
quais eram _alistados homens de 16 a 60 anos. _
(1)
Ferreira Martins (General) -
·tug-y,és, Lisboa, 1945.
História do Exército· Por-
TROPAS PAULISTA S DE !O UTRORA
5
O exército de linha (que vencia soldo) era for.macio de terços de infantaria, companhias de cava-laria, de troços de artilharia e dos pés de .castelo~
Os Auxiliares constituíam uma força de reserva,
convocada em caso de necessidade. Seus terÇos de
600 homens eram ·comandados por mestres--de--campo
e formados com os homens isentos da 1'). linha.
As companhias de Ordenanças destinavam.-se a
depósito de recrutamento para a tropa paga e auxi.liares.
O terço de infantaria era dividido em companhias ou bandeiras (pois cada uma tinha sua insíg.nia) e instruído à suíça. Tinha o nome de esquadrão
a formação de várias companhias de piqueiros,
ladeada de mangas de arcabuzeiros e mosqueteiros.
A denominação ---- bandeira ---- dada às expedi.ções paulistas que por esta época partiam para o
o interior, em descobrimentos, em busca de índios
ou, mais tarde, à procura de gemas preciosas e de .
ouro, teve origem na sua própria organização, que
era militar. Levavam bandeiras, oficiais, oficiais inferiores e soldados,. meirinho e escrivão. Obedeciam
aos rigorosos códigos militares da época, que pu-nham ao arbítrio dos .c hefes os castigos e a vida
dos subalternos. Eis a razão por que Fernão Dias
Pais mandou enforcar seu filho natural, cúmplice do
crime de traição e tentativa de levante. Fernão não
o condenou levado pelo seu gênio violento, ou para
6
]. WASTH RODRIGUES
que o castigo servisse de exemplo, mas impelido pelo
dever a que era obdgado como chefe militar; em
caso contrário, estaria desfeita a bandeira.
O Regimento das Fronteiras, baixado em 1645,
pôs melhor ordem nas forças de Portugal e serviu
de base à futura legislação militar . Terços de mer•Cenários estrangeiros foram criados, assim como restaurada a Guarda Real de Archeiros e Ginetes.
Ao apresentar este ensaio sobre as tropas de
São Paulo de outros tempos , recomendamos que não
se perca de vista a questão de magna importância da
sua divisão em três linhas, ou seja, como já foi dito:
a primeira, de tropas pagas, a segunda, de auxilia-·
res,. e a terceira, de ordenanças. Esta disposição foi
constante em Portugal e no Brasil durante dois
séculos e meio e, entre nós, só foi alterada na
Regência com a substituição das 2'!- e 3~ linhas pela
Guarda Nacional, em 1831.
TROPAS PAGAS OU DE
PRIMEIRA LINHA
AVENTUREIROS
LISTA
~
~
LEGIÃO
PAU~
REGIMENTO MEXIA
~
OUTROS CORPOS DE 1"' LINHA DE
INFANTARIA, DE CAVALARIA,
DE ARTILHARIA
3-E
AVENTUREIROS
eu-se, na Idade-Média, o nome de aventurei,...
ros a ·s oldados voluntários, pagos ou não,
que se agregavam às hostes, combatendo irregularmente e vivendo do saque. No século
XIV, tornaram-se mercenários integrados às bandes,
tropas compostas de vagabundos , salteadores e criminosos. Sua história é dramática pois esta gente
indisciplinada e rixenta, que servia a quem melhor
pagasse, foi uma das grandes preocupações dos
chefes militares e dos monarcas, só melhorando no
século XV, quando vieram a formar as Grandes
Compagnies.
D
O nome "Aventureiros " aparece em Portugal,
Jª com sentido inteiramente diferente, .c om D. Sebastião , em 1578, na batalha de Alcacer --- Quibir.
É , então, assim chamado um esquadrão formado d~
1400 voluntários fidalgos .
10
]. WA STH RO DRIGUES
No Brasil, em tempos coloniais, a presença de
"Aventureiros" é constatada várias vezes. Na expe . .
dição que partiu de Pernambuco em 1614 para a
conquista do Maranhão, marcharam, além do corpo
de infantaria, conforme relata Pereira da Costa,
voluntários chamados Aventureiros " que, separada . .
mente do mesmo •Corpo, teriam para comandá . . los,
quando fosse necessário, o cabo que se lhe nomeasse".
Os chamados Aventureiros da conquista eram
companhias irregulares de índios e mestiços, criadas
para preceder na penetração do sertão às forças
regulares, sendo geralmente destinadas a combater
as investidas do silvícola. Foram extintas pela Pro . .
visão de 19 de dezembro de 1819.
Companhias de Aventureiros Paulistas . A 1 de
agosto de 1739, o governador D . Luís de Mascarenhas criou no território de Goiás ,. ._. ., então perten. .
cente a São Paulo ,. ._. ., duas companhias de pedestres
com designação de aventureiros, que, pouco depois,
foram reduzidas a uma.
A partir da segunda metade do século XVII 1,
muitas companhias foram levantadas em São Paulo,
como veremos, para acorrer às lutas no Sul ou guar . .
necer fronteiras.
Uma companhia de " Aventureiros" foi organi . .
zada por Cristóvão Pereira de Abreu, criada por
ordem de Gomes Freire de Andrade a 16 de janeiro
de 1752, para integrar a expedição ao Rio Grande
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
11
Aventureiros paulistas
de São Pedro, por motivo da execução do tratado
de Madrid. Gomes Freire partiu de São Paulo co~
duas .companhias de Santos, ao todo 104 homens, e
a Companhia de Aventureiros Paulistas que, com os
Lagunenses, somaram 162 homens, sob o comando
do capitão Mateus Camargo.
Sobre os feitos desta expedição, diz Rio Branco
que os Aventureiros de São Paulo e Santa Catarina
ajudaram a repelir o ataque dos guaranis, comanda~
dos por Sepé, ao forte do Rio Pardo, a 29 de abril
12
']'.: WASTH' R.0DRIGUES
de 1754. O forte, que estava sob o comando do
coronel Tomás Luís Osório, tinha por guarnição,
além dos Aventureiros, infantaria do Rio de Janeiro
e Dragões do Rio Grande ( 2 ) •
Iniciada a luta no Sul contra os Castelhanos,
motivada pelas hostilidades destes, chefiados por
V ertiz y Salcedo, ordenou o Conde de Boba dela a
28 de março de 1762 ao Governador de Santos, Ale~
xandre Luís de Souza Menezes, que subisse a s·.
Paulo e formasse um corpo de 200 homens.
Informa Rio Branco que a 1 de janeiro de 1763,
foi tomada "a trincheira espanhola do arroio de
Santa Bárbara (Rio Grande do Sul) pelo Capitão
Francisco Pinto Bandeira, à frente de 230 Dragões
do Rio Grande e Aventureiros Paulistas . O principal
herói do dia foi o Capitão Miguel Pedroso Leite,
Comandante da infantaria de S. Paulo. A trincheira
tinha 7 peças que foram transportadas para o forte
do Rio Pardo e era defendida por 500 milicianos
corrientinos e muitos índios, sob o comando do Te-nente-Coronel Antonio Catanix" .
Trata-se, provavelmente, de Aventureiros que
ficaram no Sul; remanescentes da expedição de Gomes Freire, ou das duas companhias de infantaria
de Santos, que mar.charam para o ·Rio Grande em
1762.
(2)
Rio Bra nco -
Efem ér ides, Rio, 19l 8.
TROPAS PAULISTAS . DE · OUTRORA
13
O Conde da Cunha, ·que· substituiu Gomes
Freire (conde de Bobadela) no governo do Brasil e
no da capitania de S. Paufo eµi outubro de 1763,
determinou ao governador de Santos, · que fossem
levantadas 4 companhias de Aventureiros, em todo
o território paulista, com 60 hômens cada uma, formando-se em Santos um núcleo
de exército
sob o
.
'
comando do cel. Mexia Leite. As companhias deviam socorrer o "continente do Viamão", pois, diz
o Vke-Rei em sua carta, "estou persuadido que os
Paulistas são os mais próprios homens que o Brasil
tem para a vida militar" . E promete o pagamento
do soldo "se~ demora de dois meses pontualissimamente e ajuda de custas antes de saírem de suas
casas". O soldo oferecido foi de 4$800 por mês.
D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão,
Morgado de Mateus, nomeado governador de São
Paulo em 1765, dirigiu em pessoa a , instrução das
tropas reorganizadas por ele, sendo feitas espingar-das de pau para os exercícios que se realizavam no
Pátio do Colégio ou na Várzea do Carmo. O armamento e o fardamento viera~ dep~is~ · do Rio de
Janeiro.
·
Traiçoeiramente, D. Luís Antônio atraiu a tropa
para São Bernardo e lá, compulsoriamente, escolheu
os melhores homens, formando as' 4 "c ompanhias que,
sob o comando do Sar·g~~t~~p+c:)~. T.e~t9nio José.Juzarte,. seguiram para Santos a 11 . de setembro de
J.
WASTH RO DRIGUES
1765 e lá ficaram de prontidão ( 3 ). Como sempre, o
magnífico soldo e as vantagens prometidas aos aven.tureiros com tanto açodamento pelo Conde da Cunha
foram esquecidos.
Surge, neste momento, a grave questão da
situação destas companhias em face da organização
do exército pois, criadas em emergências, não se
enquadravam em nenhuma das três linhas existentes : tropa paga, auxiliares, ou ordenanças; daí a
dificuldade para a legalização do soldo prometido.
Resolveu o Conde da Cunha, a 28 de novembro de
1765, que se pagasse o soldo ·especial prometido,
mandando embarcar as companhias para o Rio Gran...de, e aqueles que não o aceitassem ou não quisessem
embarcar, que fossem castigados. De fato , embarcaram a 3 de janeiro de 1766 e che,garam à fronteira
do Viamão a 14 de fevereiro do mesmo ano.
A 21 de maio de 17 67 foi feito um novo pedido,
o de mais 90 aventureiros. Em carta de 14 de setem.bro do mesmo ano a D. Luís Antônio, pediu o Conde
da Cunha que as 4 companhias se recolhessem aos
seus quartéis pois chegara tropa de Lisboa com o
general Bohm e o Engenheiro Brigadeiro Funck.
(3)
Simões Magro (Osmar) -
Legiã o Pmtlis ta, in Rev. do Arq.
Mu!licipal de S. Paulo, vol. 24.
:__ Sobre Aventureiros vide Documentos
Hi.~ t6 ria
Interessantes par a
a
e Costumes de São Paulo, publ. eo Arq. do E. de S. Paulo,
vóls. · 14 (ps. 32, 39, ·71), 17 (p. 43)e mais os vols. 8, 13, 20, 42, 59, 65.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
15
Efetivamente, os Aventureiros voltaram do Sul em
janeiro de 1768.
Bohm era alemão e estivera em Portugal na
comitiva do Conde de Lippe, em 1762, sendo um dos
seus mais distintos oficiais. EII! 17 65, voltou a Portugal a pedido de Lippe, e, em 1767, veio para o
Brasil, enviado pelo Marquês de Pombal, como tenente-general .comandante em chefe de todas as tropas na campanha do Sul. Terminada esta com a
vitória, voltou para o Rio em janeiro de 1779, sendo
festivamente recebido. Devido a uma queda de
cavalo, veio a · falecer em junho do mesmo ano (Rio
Branco diz a 22 de dezembro de 1783) sendo sepultado no Convento de Santo Antônio, pois se havia
convertido ao catolicismo.
Em 1772, três companhias de Aventureiros figuram na guarnição do forte ou presídio do lguatemi.
Este forte, situado à margem do rio I.guatemi, perto
da foz do rio das Bogas, no Sul do Mato Grosso, foi
fundado em 1765 pelo capitão João Martins de
Barros, por ordem de D. Luís Antônio, para conter
as incursões espanholas. Suas defesas, formadas de
cinco baluartes e dois meios baluartes em terra batida
e faxina, só terminaram em 1770, sendo armadas
com 14 canhões.
A guarnição foi composta de cinco companhias
de Aventureiros Paulistas e uma de artilharia do Rio
J.
16
WASTH RODRIGUES
de Janeiro, num total de 300 homens. Sofreram estes
soldados e a população civil, durante anos, toda a
s~rte de provações, misérias e doenças , com enorme
perda de vidas.
Em 1774, o forte foi atacado pelos Guakurus.
Em 1776, reicebeu um reforço de 7 8 soldados do
Regimento de Infantaria de S. Paulo, de Mexia
Leite. Rendeu-se aos castelhanos comandados por
D . Agostinho Penedo, em 27 de outubro de 1777,
sendo arrasado.
Destacam-se, na triste história deste forte , o
sertanista Teotônio José Juzarte que comandou por
algum tempo sua guarnição e deixou um Diário onde
narr a o que foi a vida na praça; o capitão João Martins de Barros e o vigário Antônio Ramos Louzada,
que teve a desdita de assinar a capitulação ,_ pois
estava a praça sem comando ---- e por tal crime pas ...
sou 19 anos encarcerado no Forte da Barra, em
Santos.
A 1O de agosto de 1774, promete D. Luís Antônio' ao vice-rei a formação de mais uma companhia de aventureiros ou c açadores, precisando para
isso de um oficial.
Em
1775, são reor.gariizadas as tropas de S .
Paulo a fim de se.guirem para o Sul em v ista de
novas lutas, criando-se então a Legião de Voluntários Reais. Com isto, tendem a desaparecer os aven-
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
17
tureiros; no entanto, em carta de 1777 promete Mar-tim Lopes Lobo ao general Bohm a formação de
uma companhia de aventureiros (de caçadores como
então eram chamados) "de 100 homens fortes e
resolutos que chamam canelados", projetando criar
em seguida oufra. Esta notíci~ enche de júbilo o
general em chefe, que a 2 de junho do mesmo ano,
não escondendo sua alegria ao governador, escreve
sobre a notícia: " é a mais agradável que v. excia.
me dá da formatura de uma companhia de aventu-reiros de cem homens, que eu receberei com braços
abertos, e beijos às mãos de v . ex.eia. pela mercê que
nisto me faz particularmente". Tal promessa não
teve efeito em vista do armistício assinado.
Com relação aos uniformes dos aventureiros,
vejamos o que contém a missiva de 26 de novembro
de 1775 do Marquês do Lavradio ao governador de
S . Paulo, Martim Lopes Lobo, então preocupado
com o vestuário e armamento dos Voluntários Reais: .
"quando os Paulistas fizeram as grandes conquistas
dessa Capitania, da de Goiás, Mato Grosso, e em
todas as outras partes deste nosso Brasil, foi ani-mando--os e deixando,...os obrar livremente. Nunca
foram vestidos re.gularmente; eram armados à sua
fantasia, al.g uns iam descalços, as selas dos cavaleiros eram uris couros; assim atravessando os pântanos,. os rios; subiam e desciam serras; atacavam os
inimigos e se faziam formidáveis". Referindo--se
18
J. WASTH RODRIGUES
especialmente aos aventureiros escreve: "Sempre
que estes homens foram chamados ao Rio Grande
nas companhias de aventureiros, iam quase em igual
desordem; assim trabalhavam; e alguma coisa que
por lá se f êz de boa quase sempre se lhe deveu a
eles." Diz ainda na mesma carta: "O nosso mesmo
Corpo de Voluntários formado no ano de 62, grandíssima parte dos soldados iam em véstia, outros,
depois de estarem na cavalaria é que buscavam os
meios de fazerem suas botas: uns iam com casacas
brancas e canhões encarnados, outros com verdes E'
amarelos; porém como o caso era formar-se aqueie
corpo para as surpresas, emboscadas e inquietação
do exército inimigo; tomar comboios; cortar outros;
ganhar um posto rapidamente, e outros serviços
semelhantes" ( .. .. ) "estes mesmos foram aqueles
que mais se distinguiram no exército. Que podemos
nós esperar dos Paulistas, que parecem ser aqueles,
que Deus positivamente .criou para estes serviços"?
Quando, em 1777, Martim Lopes Lobo projetou criar
uma companhia de aventureiros caçadores, para enviar ao general Bohm, esclareceu a 14 de abril, que
iriam "descalços dando-lhes só um calção e véstias
muito curtas a que lhes chamam jaleco, de baeta,
para menor despesa e rapidez na confecção" . Ao
marquês de Lavradio informou que dispunha de 200
recrutas faltando-lhes fardamento "porque todos
estavam com umas calças a que chamam bombaxas
e uma camisa de algodão."
0
Legião de Voluntários Reais de São Paulo (Legião Paulista)
(Arqui vo H istórico Colonial de Lisboa)
20
]. WASTH R,ODRIGUES
LEGIÃO PAULISTA
A grande unidade militar a que se dá o nome
de Legião tem origem em Roma antiga. Na França,
Francisco 1 criou em 1534, a exemplo das legiões
romanas, as legiões nacionais com 6.000 homens,
uma em cada província, formadas de piqueiros e
alabardeiros, sendo esta uma das primeiras orga.nizações para os exércitos modernos. Não deram
contudo grandes resultados sendo logo dissolvidas.
Outras legiões, de estrangeiros, foram criadas em
diversas épocas, sendo que a atual Legião Estran-geira teve início em 1831 na África.
Em Portugal houve legiões e diversas ocasiões
como a de Tropas Li geiras, e 1796, a Legião Por~
tuguesa em 1808, a Legião Lusitana em 1809, etc.
0
No Brasil, além da Legião Paulista, existiram
as de Cuiabá, do Rio Grande do Sul, da Bahia, do
Mato Grosso, sem falar nas Legiões da Guarda Na-cional, simples agrupamento de corpos das três
armas nas províncias ou ,comarcas.
A Legião de Voluntários Reais da Capitania
de São Paulo, mais ,conhecida por Legião Paulista,
tropa paga de primeira linha, foi criada a 27 de maio
de 1775 , pelo governador da Capitania Martim Lo.pes Lobo, sob determinação do marquês do Lavra.dio, vice..-rei do Brasil, conforme Ordem Régia de
14 de janeiro do mesmo ano. A Legião foi levantada
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
21
·e m vista da campanha no Sul e para substituir as
companhias irregulares de Aventureiros, ficando
pronta a 1 de dezembro daquele ano. Para coronel
foi nomeado o próprio governador da Capitania.
Seu efetivo em tempo de paz era de 1.000 homens
,em 10 companhias,. 6 a pé e 4 -a cavalo; em tempo
de guerra, as companhias a pé eram aumentadas
para o dobro.
Seu estado. . maior era formado de 1 coronel (o
·governador da Capitania) , 1 tenente. . coronel, 1 sar . .
·,gento . . mor, 1 ajudante, 1 ,capelão, 1 auditor (o ouvi ...
.dor . . geral da Capitania), 1 cirurgião . . mor e seu aju . .
<lante, 1 tambor . . mor e um quartel mestre. Cada
,companhia de infantaria, em tempo de paz,. compu. .
:nha. . se de 1 capitão, 2 tenentes, 2 alferes, 2 sargen. .
itos, 2 furriéis,. 1 porta. . bandeira, 4 cabos de esquadra,
4 anspeçadas, 2 tambores e 80 soldados. Na cavala...
r ia, nas mesmas condições, cada uma: 1 capitão, 2
.tenentes, 1 alferes, 1 porta. . estandarte, 2 furriéis, 8
cabos, 1 trombeta e 80 soldados.
Para seu comandante efetivo foi nomeado o
paulista José Pedro Paes Leme, capitão_de grana ...
.deiros do 2QRegto. de Infantaria do Rio de Janeiro.
(Era filho de Pedro Dias Paes Leme, neto de Garcia Rodrigues Paes e bisneto de Fernando Paes
Leme).
Pelas instruções aprovadas, os soldados podiam
ser brancos, mulatos ou índios, "contanto que fos-
22
J. WASTH RODRIGUES
sem fortes e desembaraçados, casados ou não" .
Deviam fazer manobras e tudo o que a Legião pi,..
lhasse ao inimiHO lhe ficaria pertencendo. O serviço
era de 8 anos · e o soldado que permanecesse no
corpo por mais 8 anos, teria além da reforma, uma
fardeta de 2 em 2 anos e o meio soldo; com 24 anos.
de serviço, teria, além do acima discriminado, pão
ou farinha e uma farda inteira de 4 em 4 anos;
Cuidou~se
com a máxima urgência de instruir,.
armar e vestir os soldados para seguirem o seu destino: o Rio Grande de São Pedro. Faltou tudo,
armas, barracas, equipamento e pano para as fardas. Apesar das deficiências e "para evitar despesas", seguiram em novembro de 1775 algumas com,..
panhias de infantaria e de cavalaria, parte por terra
e parte por mar,. e que chegaram ao Sul em meados
de 1776. Os que seguiram por terra foram, em
grande parte, vítimas da varíola, tanto em São Paulo·
como em Santa Catarina, tendo o mal dizimado não
só estas companhias como outros corpos.
Sobre o estado em que se apresentaram as 3
companhias de cavalaria ao chegarem, diz o GeneraJ.
Bohm em rearta de 18 de junho de 1776 a Martim
Lopes Lobo, que os cavalos estavam arruinados, o
armamento e o arreamento imprestáveis, "uns com
selas, outros com selins, uns com pistolas, outros.
sem elas, uns com espadas, outros com terçados;
sem capotes, sem mochilas,. sem barracas e sem cal-
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
23
<leiras". Enfim, incapazes de servir, necessitando
descanso e reorganização. E foi assim, nesta precariedade, que a Legião Paulista ao lado dos Dragões
<lo Rio Grande e de outros. corpos, entrou na linha
de resistência aos ataques de Ceballos.
Serenada a luta, sugeriu o General Bohm, em
fins de 1776, que a Legião voltasse a São Paulo para
-descansar, retornando depois para o Sul, com o que
não concordou o governador Martim Lopes pelos
inúmeros inconvenientes de sua jornada; no que teve
razão, pois no ano seguinte deram os espanhóis nova
investida ocupando a Ilha de Santa Catarina.
A Legião voltou a quartéis em 1778, e na carta
-em que o general Bohm comunica a Martim Lopes
tal fato, diz, ref erindcrse às duas .companhias de
cavalaria, de Macedo e de Garcia Rodrigues: "Esti:marei que elas vão pela metade tão contentes de mim
como eu sou satisfeito da sua conduta, do que con.servarei uma lembrança saudosa".
Dez anos depois, em 1788, o governad.o r da
·Capitania d. Bernardo José de Lorena, 59 Conde de
Sarzedas, baixou ordens disciplinares rigorosas para
.a Legião e transformou a 3 ~ companhia em companhia de bombeiros (bombardeiros) , que na parada
tomaria o lugar dos granadeiros. Estavam então a
·cargo da Legião as guardas do Palácio, .cadeia, casa
·da Pólvora, hospital, armazém e casa da fundição;
fazia a ronda até a meia-noite e sua parada era no
·4-E
24
J.
WASTH RODRIGUES
Pátio do Colégio, pois o seu quartel (na rua do
Quartel) estava em construção em 1790.
A Legião se encontrava então muito reduzida,
porém, bem fardada e bem armada, compondo~se a
infantaria na maior parte de negros e mulatos.
Em sua correspondência com o vice-rei, escreveu.
d . Bernardo que ninguém excedia os paulistas em.
fidelidade e amor à Soberana" . Em carta de 20 de
fevereiro de 1789 conta o seguinte fato: .. . '. 'eu
mesmo vi na recruta que tenho feito , vinham os pais.
e algumas mães trazendo os seus filhos, e diziam.
chorando que tinham saudade.$ deles mas que s. ma,..
jestade estava primeiro que tudo" ( ... ) "com toda a
verdade digo a v. exa. que são os melhores soldados.
da América".
D. Antônio de Melo e Costa que sucedeu a.
D . Bernardo no governo da capitania em 1797 •.
aumentou a Legião naquele mesmo ano com uma bri-·
gada de artilharia tanto a pé ·como a cavalo, um trem.
bélico e um laboratório.
Em 1801, têm início novas lutas no Sul e a cava~­
laria com a artilharia foram para lá destacadas, vindo de Portugal o armamento. A infantaria ficou.
ainda em São Paulo. Na carta em que pede o envio·
da tropa, diz o vice-rei "por ter sido este corpo que·
em 1774 ali estivera de guarnição e por mais próprio·
para a guerra daquele país que é em campanha rasa" ~
TROPAS PAULISTAS DE OU.TR0 RA
25
Pelo alvará de 29 de agosto de 1808, a Legião
de tropas Ligeiras (seu nome de então) passou por
uma reorganização total, constituindo em pé de paz,
estado~maior e 13 oficiais e ofkiais inferiores~ um
corpo de infantaria com um estado--maior e 2 bata~
lhões, cada um com 4 comp~nhias e 504 homens; um
corpo de .cavalaria com estado~maior e 4 esquadrões,
cada um com 81 homens; um corpo de artilharia a
cavalo com estado~maior e 2 companhias, cada uma
com 96 homens, somando um total geral de 1.556
homens, elevados a 2.442 em tempo de guerra.
Determinou o alvará, entre outros itens, que
para o serviço na Legião, "tendo contemplação à
natural aptidão que têm os paulistas para o exercício
de tropas ligeiras", fossem os seus .corpos completa~
dos com voluntários, recrutados e indivíduos tirados
dos corpos de milícias, servindo, os recrutados 16
anos, os voluntários 8, e os milicianos o tempo que
fosse necessário. Todos os voluntários e milicianos
deviam trazer na chapa das barretinas a letra. --Voluntário. Determinou, outrossim,. que as armas e
troféus tomados ao inimigo fossem pagos na tesouraria competente pelos seguintes preços: cada espin~
garda com baioneta, 4$800; cada davina ou espingarda sem baioneta, 4$000; cada peça de artilharia,
bandeira ou estandarte, 48$000.
Os soldad"o·s da Legião eram divididos em duas
classes: os Pe·rmanentes e os Licenciados. Os pri-
J. WASTH R'ODRIGUES
26
meiros eram soldados que serviam efetivamente; os
segundos, apenas três meses por ano, período em que
deviam residir no quartel recebendo soldo e farda-·
mento, e efetivamente licenciados os nove meses res.tantes. Nesta classe estavam compreendidos os pro,..
prietários, os filhos de agricultores, os artistas e os
que, exemplarmente, se distinguissem pela disciplina
e morigeração.
30 de dezembro de 1808 foi dada ordem para
a artilharia da Legião seguir para o Sul por mar,
levando dois obuses e 6 peças e deixando os cavalos
e arreios. Em junho de 1809, partiram 600 homens
de infantaria e 600 de cavalaria e artilharia, lá ficando sob as ordens do general Xavier Curado.
À
No ano de 181 O, procedeu,..se em toda a capitania ao recrutamento para as vagas de 300 homens
na Legião, devendo ser, os recrutados, solteiros, de
15 a 35 anos, de boa estatura, brancos, índios ou
pardos livres. Sobre o processo adotado pelo gover,..
nadar Franca e Horta, escreve Simões Magro,
que num dia de parada cercavam o povo e levavam
os homens para o quartel, selecionando~se aí os que
estivessem em condições para o serviço da Legião.
Em 1813, a Legião passou a ter banda de mú~
sica. Mais um batalhão de infantaria lhe foi acrescentado em 1816, totalizando sua tropa em 3.200
homens, sendo enviado para o Sul um reforço de 600
TROPAS .PAULISTAS DE OU:TR0RA
27
homens,. sob o comando do sargento~mor Lázaro
José Gonçalves.
Pela reorgànização procedida no exército, em
1 de dezembro de 1824, .os dóis batalhões de infan...
taria da Legião foram reunidos e transformados no
? 9 Batalhão .d e Caçadores ,de J.~ linha do Exército~
com sede em São Paulo, batal~ão que, em 1831 , foi
absorvido pelo ?9 • Este 69 . tomou o n. 1O em 1839 e
foi transformado em 69 Batalhão de Fuzileiros em
1842. Em 1888, esta~a em l .Iruguaiana. Pela reor ...
ganização geral de 1908, entrou na composição de
11 9 R. 1. na ddade do Salvador, regimento que, em
1919, foi transformado no 19 'B. C ; na mesma cidade.
Esta unidade é, portanto, le.gítima representante da
infantaria da Legião Paulista e do Regimento Mexia,
como veremos logo mais.
Pelo mesmo decreto de 1824, os quatro esqua. .
drões da cavalaria da Legião Paulista foram unidos
ao Esquadrão de Caval~ria da Cidade de São Paulo,
formando o 3 9 Regimento de Cavalaria Ligeira de
1" linha do Exército.
Este Regimento, sob o c:omando do tenente...
~coronel Xavier de Souza, portou..-se brilhantemente
na batalha do Passo do Rosário, a 20 de fevereiro
de 1827. Seu ímpeto ·combativo e sua bravura foram,
então, reconhecidos pelo próprio general Alvear,
comandante em .chefe do exército argentino, confor...
.me a palavra insuspeita de I. M. Todd, oficial argen...
28
]. WASTff•RObI<iGUÉS · . ·;
' dos· dei 'Exercito em
tino que diz em · seus ·. "R
·· ecu~r
operaciones contra el Emperador del Brasil", o
seguinte: "Tambieni notamos que los reginiientos o
·esquadrones qüe ·rechazamos, se ·. parahan á retá·guarda de su linea; y reorganizando-se, volviam a
·concentrar-se com fos s,ujos. Estaba~os admirados
de encontrar una resistencia á .la que no estábamos
acostumbrados; pero despoes nos explicamos esto,
'quando supimos que hàbiari:J.os · combatido com los
paulistas nombrados, que·'c onstituiam la ·mejor caballeria enemiga" ( 4 ).
·
Continuou o regimento .aquartelado no Rio
Grande do Sul, em S. Borja. (Estava destinado à
Bahia, conforme o plano de. 1.8.31 ) . A 21 de maio
de 1836, a Regência ordenou. sua dissolução, juntamente com outros corpos por tei;em tomado parte na
sedição do Rio Grande do Sul. Esta ordem de Feijó
foi, porém, revogaqa. Conservou sempre o seu
número 3 e a parada em S. Borja. Pela reorganização de 1908, passou a ser o 89 R , C., em Uruguaiana.
A 11 de dezembro de 1919, tomou a den,ominação de
5 9 R. C. I., e assim se conserva até hoje. Por Decr.
de 24 de dezembro de 1932 foi transferido para
·Rosário.
As duas Baterias de Artilharia a Cavalo da Legião organizaram, em 1824, o 2 9 Grupo de Artilharia
(4)
Macedo Soares (Josê Carlos) -
Falsos Troféus àe Ituzaing6 .
TROPAS
PAU:~.. ISTAS
_DE OUTRO RA
29
Montada de 111- Lfnh.a qo Exército, em Santos. Foi
extinto em 1831.
A legendária história da Legião Paulista está
ligada, pelos "Aventureiros·": a · todas as lutas tra;
vadas no Sul desde as primeiras -invasões dos caste~
lhanos, na se.g unda -metade ,_d o século XVIII, até a
extinção das divergências herdadas da colônia, com
a independência do Uruguai. Inicia sua existência
nas lutas contra CebaIIos, formando na primeira
linha, sob as ordens de Bohm, dando~se então os
combates no Canal do Rio Grande.
Passados alguns anos de. paz em que a Legião
se recolheu a São Paulo, é de novo chamada ao de~
ver nas campanhas de 1801, 18J lrl2 e 1816~21,
voltando para o Sul onde recebe constantemente
recrutas de São Paulo. Passam estes anos entre
pelejas e bonanças, sucessos e revezes ,. . . . . o que então pouco significa, pois o tempo e. o espaço são ili~
mitados para ~s ajustes e desforras. O quadrilátero
de seus movimentos é de largos limites: de Colônia,
Montevidéu ou Maldonado a S. Borja e Missões, da
Lagoa e Jaguarão a Paisandu e Salto. No vai~ervém
das lutas que se renovam periodicamente~ a Legião
ora avança ora recua, tornando~se, assim, senhora
das planícies e cochilias, dos passos e rincões. Fez
sua escola nos rápidos entreveros e nos pesados cho~
ques, com vitórias ou desastres, que foram São Borja,
lbiraocaí, Carumbé, c;atalan, Arroio Grande, lndia
30
]. WASTH RODRIGUES
Muerta, Canelones, e muitos outros encontros. En~
tre seus chefes imediatos, destaca-se o coronel Joaquim de Oliveira Álvares ~. nos grandes comandos,
Pinto Bandeira, Veiga Cabral, Chagas Santos, Manoel Marques de Sousa (segundo do nome) , José
de Abreu, D. Diogo de Sousa, Curado, Calado,
Mena Barreto, Alegrete e, já sob o nome de 3QRe~
gimento de Cavalaria, Lecor e Barbacena.
A tática de embustes e negaças, de emboscadas e guerrilhas lhe era familiar, do mesmo modo 0
manejo do laço, das bolas e da espada. Diz o Padre
Luís Gonçalves dos Santos que o general Lecor
tinha reforços de "tropas do país e de S. Paulo visto
serem os continerttistas 'e .os Paulistas homens práticos destes terrenos e pedtos no modo de pelejar
dos insurgentes espanhóis e dos índios seus aliados
que fazem a guerra à maneira dos tártaros, sem
ordem nem disciplina, 'atacando sempre de improviso
e pondo-se em fu.g a debandada, iogo tornam a voltar, quando menos se espera; man~jando com suma
destreza a lança e laço bolas .. .
e
Conheceu a Legião., dias cr.uéis como aconteceu
em 1815, quando famintos, maltrapilhos e sem soldo
foram seus soldados relegados ao abandono, seja
pelas próprias circunstâncias da guerra seja por de~
sídia do governo; ..- fato tão bem evocado pelo
Coronel Pedro Dias de Campos.- Não perdeu por
TROPAS PAULISTAS DE Oll;TRORA
31
isso o espírito de disciplina, pois, .- como diz o roes~
mo autor .- trazem sempre na m~mória o verbo
inflamado do grande Monte Alverne que, ao fazer
a entrega de uma bandeira a um corpo, em 1811, na
Catedral de São Paulo, disse: "Que importa sejam
esquecidos vossos serviços~ Que importa que a in~
veja obscureça os vossos talentos? A posteridade
subtrairá vossa memória às injúrias do tempo e do
predomínio das paixões. Seguida da justiça, susten~ ·
tada pela razão, ela vos distinguirá daqueles que
dormem no túmulo o sono do esquecimento, terá em
conta vossas virtudes e apreciará o vosso mérito".
Osório, que na cavalaria da antiga Legião
Paulista iniciou sua fulgurante vida militar, tinha
nela o posto de alferes e a idade de 19 anos ao
bater~se no Passo do Rosário, em 1827. Lembrou~se
de sua mocidade quando, em 1865, em Corrientes,
como comandante em chefe, passa diante do 79 de
Voluntários e diz: "Estes são soldados. E devem
sê~los, pois os paulistas, seus antepassados, foram
bravos, como certifica a história". Depois, pales~
trando como os oficiais, recordou: "Entre os pau~
listas fui cadete do exército; m-u ito os apreciei, com
eles vivi ligado no mais amplexo e estreito laço de
fraternidade; com eles partilhei mais de uma vez a
vida de campanha" ( 5 ).
(5)
Paulista.
Pedro Dias da Silva (T. Coronel) -
O Espírito Militar
32
]. WASTH RODRIGUES
Hoje, ao 59 R. C. I., cabe cultuar tão honrosas
tradições que lhe deixaram há tanto seus maiores da
cavalaria da Legião e transmiti-las como herança singular aos seus vindouros .
...- Uniformes. Ao criar o Corpo de V oluntários ·R eais a 27 de maio de 1775, escreveu o Marquês do Lavradio a Martim Lopes Lobo, que o corpo
teria armas e uniformes, que lhe seriam dados e não
com as que estavam acostumados até então (os
antigos aventureiros). E que devia sujeitá-los à
obediência e disciplina dando-lhes conselhos, pois os
Paulistas eram conhecidos pelo orgulho e pela vai ...
dade. A 26 de agosto do mesmo ano foi remetido
do Rio para São Paulo todo o material para o fardamento: panos azuis e vermelhos aniagem, brim~ linha,
camisas, botões, meias, gravatas vermelhas, chapéus,
fita preta, pentes, botas, sapatos, catanas, etc., fal ...
tando barracas, bandeiras e cartucheiras.
Com relação à falta de bandeiras, escreve o
Marquês do Lavradio a 7 de novembro a Martim
Lopes Lobo,. que é melhor que as não tenham "isto
é, agora, nesta ocasião, para lhe darem maior estímulo com que eles possam fazer alguns golpes mais
fortes; dizendo-se-lhes, que eles as terão logo que
as ganharem sobre os inimigos; isto para o gênio
dos Paulistas poderá ser muito útil e vantajoso".
(Contudo, vieram a recebê...Ias no ano seguinte).
As instruções de 19 de dezembro de 1775 declaram que: "Os uniformes serão justos, ligeiros e sem
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
33
ornamentos que possam embaraçar, próprios enfim
de uma tropa composta de sertanejos e caçadores,
que mais há de marchar pelos matos e combater
neles que em rasa campanha". E que, a Legião seria
"armada na forma que ela quisesse".
Para suprir a falta de davinas para a cavalaria,
foram aproveitadas espingardas velhas cortando-se-lhes os canos; as espadas (catanas) foram feitas em
S. Paulo; algumas pistolas foram compradas no Rio
e os cavalos foram pagos pelos capitães das companhias. Partiram estes cavalarianos "sem cartucheiras
nem pistolas por não as haver". Ajustaram-se todos
os alfaiates de São Paulo e vilas .circunvizinhas até a
distância de 16 léguas.
Em 1776, vieram do Rio 800 uniformes mas faltaram os sapatos que ficavam muito caros em São
Paulo por não haver couro nem sapateiros bastante.
Por esta razão foi preciso prender alguns porque
estavam escondendo cabedal, e assim foram feitos
60 pares em São Paulo e 30 em Santos.
Havia falta de tudo. O Governador pedia incessantemente ao Vice-Rei cabedal, panos, etc. Além
do mais~ era preciso vencer a aversão que começava
a se manifestar entre os paulistas pela vida militar,
cansados de tantos sacrifícios, misérias e ingratidões,
e atraí-los novamente. Para transformá-los, muito
concorreu o juramento das bandeiras, com o cerimonial estabelecido pelo Conde de Lippe, coisa que os
34
]. WASTH R!ODRIGUES
soldados nunca tinham visto e que muito os impressionou contendo-os de desertar.
Pelos figurinos existentes, de 1777, tinha então
o oficial da Legião o seguinte uniforme: farda e calç ão azul-ferrete; canhões, gola, forro e véstia vermelhos; dragonas, .casas e botões prateados, gravata
vermelha, chapéu preto agaloado de prata, meias,.
polainas pretas e sapatos; os soldados, casas e dragonas de lã branca, e, como armamento, espingarda,
baioneta e patrona. Dos Armazéns Reais esperavam
oratórios e barracas. Os oficiais da cavalaria tinham
uniforme idêntico ao da infantaria com a diferença
de serem douradas as casas. Faltaram para os seus
soldados os capotes.
digno de nota o fato de que "espadas muito
boas" foram feitas em S. Paulo para a Legião, conforme .carta de 20 de fevereiro de 1789, de Bernardo
José de Lorena.
É
Grande número de figurinos da Legião existem
nos arquivos de Lisboa, e no Rio, no Arquivo Nacional e no Museu Histórico Nacional, alguns dos
fins do século XVIII outros de 1800 e 1806. Novos
uniformes foram criados no tempo de D. João VI,
como é natural, mas a verdade é que os soldados da
Legião Paulista preferiam - por influência do meio
e pelo atraso de anos na entrega do fardamento
reiúno - o chiripá com calçonsilho, o pala, a jaqueta
e o chapéu de feltro, encontrando meios de .conciliar
TROPAS PAULISTAS DE OUTR<0RA
35
farda com tais peças num pitoresco arranjo, como
se vê na gravura da época da campanha cisplatina
"Paolistas Soldiers" por E. E. Vidal ( 6 ). Los Paulistas, como eram conhecidos, não dispensavam o
lenço atado sob o chapéu, as bolas pendentes do
tirador, o .chiripá de grandes dobras à moda gaúcha,
ou simples, de listras e com franjas, à moda corrientina. No arreamento campeiro, o laço ficava na anca,
a soga e a manéia, no peito do animal. Do uniforme
<:onservam a jaqueta desabotoada e a barretina ou
um chapéu de feltro com penacho. Não usavam lança,
pois sua arma preferida foi sempre um largo e pesado
sabre.
;::i,
A fim de amenizar a aridez fatigante deste
ensaio, reproduzimos o que conta J. E. Arago ( 7 )
sobre a perícia dos paulistas no manejo do laço, perícia adquirida quando soldados nos .campos do Rio
Grande e da Cisplatina. Arago esteve no Brasil por
volta de 1820 e descreve os paulistas com hábitos e
trajes dos .gaúchos, porém, com requintes na elegância e preciosismos nos pormenores: chapéu largo de
feltro fino preso sob o queixo por fita de veludo,
poncho de pano castanho, azul ou branco, calção de
(6) Vidal (E.E.) .and Montevideit, 1817.
Pictoresqm3 Illii,strations of Buenos Ayres
(7) Arago (M.J.E.) - Souvenirs d'itn Aveugle, Voyage aittour
de Monte. Paris, 1839, v. 1, p . 157.
- Sobre Legião Paulista vide Does. Interess. vols. 15, 17 (ps. 1,
28, 33, etc.) 28, 29, 42 (p. 177, etc.), 43, 45 e 59.
36
]. WASTH RIODRIGUES
couro, botas e cinturão enfeitados com desenhos de
diversas nuanças, "curiosos e sedutores à vista".
Para mostrar a habilidade e o prestígio dos
paulistas, descreve o autor um singular torneio havi·J
do na Corte por aquela época. Chegado do Rio de
pouco, um coronel polonês, lanceiro da velha guarda
imperial, só ouvia falar dos paulistas, com os mais
exaltados elogios, como exímios laçadores. Decidiu ...
-se o lanceiro a uma prova e publicou nos jornais um
desafio para um encontro entre a lança e o laço. No
dia seguinte, recebeu um estranho visitante.
o senhor o coronel,. que publicou ontem uma
nota nos jornais?
É
__, Sim senhor, por que está interessado por ela?
__, Eu sou paulista.
__, E então aceita minha proposta?
Porque não.
Mas o sr. só tem cinco pés de altura!
__, E o sr. não chega a seis.
Eu ignorava que o Garonne corria no BrasiL
__, Oh! Não me fale de vossos rios, coronel,.
os nossos são mais largos que os seus não são com-·
pridos.
Prosseguem neste diálogo e fica marcado o encontro para o Campo de São Cristóvão. Um povO'
enorme ali se reunfo no dia marcado. Ferviam as
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
37
ofertas de aposta no paulista. Na hora certa, tocou
uma música militar anunciando os contendores. O
coronel entrou primeiro, montado num magnífico
alazão, que manejava com graça, e se precipita a
galope de lança em riste. Um grito geral de admira..ção e palmas reboaram. Eis, porém, que entra o
paulista, curto, magro, a'm.arfanhado, mas cujos
olhos lançavam faíscas sob o largo bordo do chapéu
de feltro; seu cavalo era pequeno mas vivo. Cumprimenta uma dúzia de camaradas e se dirige lenta..mente para seu adversário, ao qual saúda com a
cabeça.
--- É José! dizem uns; e outros, que teriam
preferido Fernando, ou Antônio, ou Pedro! Não
importa, as apostas são apregoadas, mas não a fa . .
vor do polonês.
Coronel, estou às suas ordens.
Temi que o sr. não fosse exato.
Um paulista não se faz esperar; e ainda não
bateu nove horas.
,__ Mas o sr. não tem sela?
Não é necessário. Trago o meu laço.
Quanto a mim vou substituir o ferro da
minha lança por um tampão de couro.
Por quê?
Ê que eu poderia matá-lo!
38
J.
WASTH RODRIGUES
_, Impossível. Para matar alguém é preciso
tocá,..lo, e o sr. me não vai tocar.
,. . . . , O sr., brincando sempre!
Sempre. Mesmo diante de uma onça.
Mas os clarins soam e o povo impaciente espera
o resultado final. Silêncio. Vejam agora o paulista.
Sua montaria se torce, se levanta sobre as pernas
nervosas e obedece, não só ao freio e às esporas
como à _voz e à respiração do seu dono. José se
anima com ele, o anão torna ... se um ·gigante e desde
este instante adivinha,..se o vencedor; até o coronel
parece estar também admirado.
Os campeões vão lançar~se, o coronel de ferro
em riste, o paulista agitando sobre a cabeça o laço
perigoso ...
,. . . . , Ah, ah! grita este,. para se ligar aos seus
hábitos de guerra. Ah, ah! E se precipitam um sobre
o outro. O lanceiro errou o golpe. José não procurou
laçar o contendor, como se tivesse querido negacear
uma primeira vez; o coronel é arrancado da sela
e rola na poeira sem poder desprender,..se do nó qu~
o aperta. O povo quer aplaudir, mas o paulista faz
sinal, pois não é delicado, e ei,..lo levantando seu
adversário.
,. . . . , Desculpe coronel, eu sou um desastrado,
arranqueio'"'o com muita força. Serei mais prudente
na próxima vez.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
39
Fui surpreendido,. diz o coronel.
Eu já esperava. Nós pegamos sempre de
surpresa.
Pois bem, vamos ver.
Vam'o s ver.
Separaram-se um do outro em toda a extensão
da pista e partiram a passos ...
,_., Ah, ah! fez o paulista. Ah, ah! Vai ser no
pescoço desta vez! O seu cavalo partiu como uma
flecha. O coronel novamente é atirado ao chão e
José socorre-o para que não morra estrangulado.
,_., O negócio vai mal, diz o paulista o negócio
vai mal, coronel; eu ainda não almocei e minha mão
não está muito segura. Quer o sr. uma terceira
prova? Eu lhe prometo prendê-lo pelo braço direito
ou pela perna esquerda; à sua vontade.
,_., Não. Basta, diz o coronel vencido, rasgado
e coberto de pó. É bastante. Acreditarei de hoje em
diante em todos os prodígios que me contarem do sr.
,_., Coronel, o sr. não viu nada. Há uma dúzia
de meus companheiros perto dos quais eu não passo
de uma criança.
Eles virão com o sr. almoçar comigo.
O sr. não os conhece, eles são capazes de
aceitar; mas eu, contento-me com sua amizade.
5-E
40
]. WASTH RODRIGUES
REGIMENTO MEXIA
Os corpos militares mais antigos do Brasil, sem
contar os soldados desembarcados com Tomé de
Souza, na Bahia, em 1549, foram o "Regimento
Velho", organizado em 1567 com os infantes vindos
com Estácio de Sá e Mem de Sá, quando da expulsão dos franceses e fundação da Cidade de S. Se~
bastião do Rio de Janeiro, e o "Terço Novo" criado
em 1699, que depois passou a ser 2 9 Regimento do
Rio de Janeiro.
Em S. Paulo, uma primeira 1Companhia de infantaria paga foi criada em Santos em 1710, no governo
de d. Antônio de Albuquerque, pouco depois da
elevação de S. Paulo a Capitania. Para as despesas
desta pequena unidade determinou-se, no mesmo
ano, que os contratadores de sal pagassem de taxa
um cruzado por alqueire ( 8 ) • Por volta de 1712, o
governador da praça de Santos já não tinha meios
para usar de disciplina, pois os infantes não recebiam nem soldo nem fardamento e andavam maltrapilhos, empregando-se em vários misteres, nem
sempre dignos da sua profissão, para poderem manter-se ( 9 ).
(8)
Does. Inter ess. vol. 52.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
41
Com a criação do governo privativo da Capitania de S. Paulo, a força foi aumentada pois, em
1722, eram 3 companhias e foram acrescidas de
mais duas, tendo, nesta ocasião, recusado Cananéia
·em •Concorrer para tal com 9 sold'ados ( 10 ).
Estas ·c ompanhias faziam todos os serviços da
.época, tanto de guerra como de polícia. Uma delas
foi para Santa Catarina em 1735, e outra, para
Goiás, a fim de sustentar o ouvidor na cobrança dos
'quintos do ouro. Gomes Freire de Andrade,. ao
.seguir para o Rio Grande do Sul, em 1754, para dar
·execução . ao tratado de Madrid, levou, com outras
·tropas, duas companhias de Santos, que voltaram em
1759. Com a guerra declarada no Sul contra os
·castelhanos, foram de novo destacadas para o Rio
Grande, em 1762, duas companhias que combateram
·ao lado de outras forças ( 11 ).
Pela Carta Régia de 22 de julho de 1766, foi
·determinado a d. Luís Antônio que, com as sete com~
:panhias existentes (estando duas no Rio Grande de
.S. Pedro), se formasse o Regimento de Infantaria
paga da Praça de Santos (chamado também "Regi~
·mento de: Santos" e "Regimento Novo"), sendo
·nomeado seu comandante Manuel M uniz dos Santos.
(9)
Simões Magro, op. cit., p. 16.
(10)
Does. Interess., vol. 40, p. 251.
(11)
Simões Magro, op. cit., p. 34.
42
]. WASTH RODRIGUES
Em vista da Carta Régia de 14 de janeiro de
1775, foi o Regimento reorganizado ou criado de
novo,. o que teve início meses depois, no governo de
Martim Lopes Lobo. Deram motivo a esta medida
as novas lutas que se anunciavam no Sul devido à
guerra entre Portugal e Espanha. Tomou o Regi . .
mento o nome de Regimento de Infantaria de S .
Paulo e, por comandante, o tenente-coronel Manuel
Messias Leite, que se achava no Sul.
O coronel Mexia ,. . . . , como era conhecido ,. . . . , tevegrande projeção nas lutas de então e comandou o
regimento por muitos anos. Nasceu em Elvas, em.
1735, foi tenente-coronel do P Re.gto. do Rio de
Janeiro e faleceu em 1808. Durante o seu comando·
o Regimento foi mais conhecido por Regimento·
Mexia.
Martim Lopes, ao tomar conta do governo de
S . Paulo em junho de 1775, encontrou as 7 compa-·
nhias em lastimável estado, formadas de meninos evelhos, tendo sido fardadas algumas delas para a
formatura em sua chegada.
Em dezembro do mesmo ano , algumas companhias seguiram para o Sul, sofrendo muitas baixas.
em Santa Catarina devido à epidemia das bexigas.
Em 1776, três companhias partiram por mar para.
Santa Catarina, sem grande regularidade no farda-·
mento e no armamento, de lá continuando a viagem.
por terra. Ao chegarem no Rio Grande, a falta de-
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
43
roupas e de mantimentos era tal que os soldados,
maltrapilhos, doentes e .ainda acossados pela fome,
começaram a desertar ( 12 ).
Esta situação não era, porém, nova para
os soldados, pois mesmo em S. Paulo, confor...
me disse 'M artim Lopes ao
secretário de Estado em carta
de 14 de fevereiro de 177 6: "a ··
miséria, a baixeza de espírito, ·
a ignorância e a nudez estavam
vivamente pintadas nesta tropa
como efeito do que expus a v.
exa.".
Sobre o estado dos recru..tas~ escreve o .g overnador a
15 de dezembro daquele ano:
"Os numerosos recrutas esfa..:
vam nus, não vencendo soldo
sem que possam aparecer pela
sua indecência". E pede a·o ' ·
governo de Portugal que man- . ._
de diretamente para Santos ·~:, . ·.> ···~
fardamento tanto grOSSO COmO
Regimento Infantaria
13
miúdo ( ). Como justificação
de Santos
à opinião de Martim Lopes, é preciso lembrar a
sua má vontade para com d. Luís Antônio,
a quem culpava de todos ·os ·males, e a culpa
.J
(12)
Does. Interess., vol. 28.
(13)
Does, Interess., voL 28, ps. 71 e 235.
44
J.
WASTH RODRIGUES
do próprio governo, que deixava os soldados lon ...
,g os meses sem soldo e sem roupa. Tudo isto
concorre para ressaltar o valor destes homens,. como
se vê nas palavras do general Bohm, comandante do
Exército do Sul, a Martim Lopes em carta de 28 de
fevereiro de 1778, anunciando a volta de cinco com...
panhias do Regimento Mexia: "Confesso a v. exa.
que me ficarão sinceramente saudades deles; eu mes~
mo me criei em um Regto. novo e formei também um,
assim como vi muitos outros; porém um Regto. mais
bem ·Criado, exercitado, asseado, sossegado e obedi ...
ente como este nunca vi" ( 14 ).
Em relatório de 1788, informa o governador
Bernardo José de Lorena, 5Q conde· de Sarzedas, que
o Regimento ----- então conhecido por Regimento de
Santos ----- pois esteve sempre naquela praça, onde
tinha excelente quartel, "estava com alto preparo
militar, formado só de brancos, bem armado "e de ...
baixo de exatíssimo uniforme".
Em março de 1801, ainda sob o comando do
coronel Mexia, marcham para o Sul 5 companhias
a fim de reforçar Santa Catarina, ficando 2 na
Capital.
Por Decr. de 29 de agosto de 1808, o Regimento de Santos foi aumentado e dividido em dois
batalhões com 4 companhias cada um, recebendo
então a designação de Regimento de Caçadores,
com 1.029 homens, um batalhão comandado pelo
(14)
Does. Interess., vol. 17, p. 385.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
45
Coronel Cândido Xavier de Almeida Lara, outro,
pelo tenente~coronel José Pedro Galvão de Moura
Lacerda. Passou mais tarde à denominação de R.egi,...
menta da Província de São Paulo e recebeu banda
de música em 1820 .com a competente dotação anual
de 48$000.
A criação de companhias de caçadores, em
Portugal, teve início ,em 1796, uma em cada regimento. Unidades inteiras de caçadores datam de 13
de julho de 1808. No Brasil, coube ao Regimento
de Santos ser a primeira unidade transformada nesta
especialidade, exatamente em 1808. A seguir, pouco
a pouco, · todos os corpos de infantaria passam por
esta transformação, excetuando os de granadeiros.
Em 1821 , seus dois batalhões de caçadores esta,..
vam, o 19 em Santos e o 29 na Capital. Deu~se então
a rebelião de 3 de junho na qual este exigiu, de
armas na mão, que lhes fosse paga a equiparação de
soldo decretado por D. João VI antes de partir, o
que foi feito sem demora. O fato estimulou seus
camaradas do 19 , em Santos, que agiram de modo
idêntico. Estes porém foram castigados com desa,..
piedade e exagerado rigor, quando as causas tinham
sido as mesmas (alguns autores afirmam que o soldo
não era pago havia já alguns anos, outros, que o
atraso era de al.guns meses). Alguns militares foram
executados, entre os quais o Chaguinhas. Além disso
o Batalhão de Santos foi extinto ( 1 5 ) •
(15 )
Albe rto Sousa -
Os A ndrad as.
46
j. WA'STH .RODRIGUES
Sobre esta extinçã6, há o segu:i nte: 'o u o batalhão foi logo resti:i.belecÚlo ou, ·depois da Independência, foi criado uni out~o lQpois 'passaram para a
Corte onde eram conhecidos pelo apelido de "Guarda da Marquesa de Santos" ;
Na reorganização geral de 1 de dezembro de
1824 foram aproveitados, tornando-se respectivamente os 5 9 e 69 ' Batalhões
de
Caçadores de J-?- linha
'
.
9
do Exército. O 5 , · que continuou na Corte, foi
extinto a 4 de maio de 1831 ; na mesma data, o 79
(antiga Legião) foi incorporado ao 69 (a evolução
deste corpo até o presente já foi . descrita na parte
referente à infantaria da Legião Paulista).
Seu uniforme no século XVIII era azul com
·gola, canhões, bandas e véstia encarnadas, dragonas
e botões brancos, trkórnio preto etc. Depois da
Independência, distinguia-se pela .gola e canhões azul
claro.
O UTROS CORPOS DA PRIMEIRA LINHA
D E INFANTARIA, DE CAVALARIA
DE ARTILHARIA
As numerosas extinções de unidades em 1831
e em anos seguintes merecem uma rápida referência.
A Regência, levada pela efervescência política do
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
47
momento, exaltação partidária e pretexto econômico,
reduziu o nosso já pequeno exérdto em um punhado
de minguados corpos, sem atender às necessidades
da defesa nacional, extinguindo unidades nas diversas armas, desarmando fortalezas e reformando centenas de oficiais. A 4 de dezembro de 1831, os 29
batalhões foram reduzidos -a 16; pouco depois, mais
3 foram suprimidos. A 4 de fevereiro de 1833, procede-se a novas reduções, o que restringe a infantaria
a 8 batalhões. Esta política estranha se prolonga até
1833 quando, devido aos constantes levantes e revoltas ---- pois os poucos corpos tinham que atender sem
cessar ao · Norte e ao Sul, mudando de quartel, de
número, de nome ou de arma,. numa balbúrdia tre...
menda ,___ começa o aumento gradual das forças do
exército. Conseqüências da ação nefasta da Regência, fez-se sentir até em 1863, na questão Cristie,
quando o País, em face de ameaças, se achou com
suas fortalezas desmanteladas e desarmadas, sendo
então remediada a situação com a maior urgência.
Um fato a assinalar deu-se na Revolução de
1842: a criação do 19 Batall~.ão de Fuzileiros em
Areias, do amálgama de soldados e voluntários os
mais diversos, reunidos às pressas pelo Barão de
Caxias na cidade fronteiriça de São Paulo. Este é o
verdadeiro antepassado do 19 Batalhão do atual 1?
R. I. (Regimento Sampaio), e não ,___ como querem
alguns historiadores ,___ o velho regimento colonial,
48
]. WASTH RODRIGUES
19 do Rio de Janeiro, extinto em 1793; ou o Regi . .
mento de Bragança, que lhe seguiu no número e que
passou a 29 em 1822; ou o 19 Batalhão de Caçadores,
·criado em 1818 e extinto em 1833.
Outro batalhão que sediou em São Paulo foi o
37 , organizado a 28 de fevereiro de 1894, por oca. .
·sião da Revolta no Rio Grande do Sul e que seguiu
logo para Santa Catarina, sendo extinto em 1908
formando o 549 B. C.
9
Um esquadrão de cavalaria com O nome de
Esquadrão da Cidad e de São Paulo foi criado em
22 de novembro de 1820, por estar destacada no Sul
a cavalaria da Legião. Foi formado de duas compa'"'
nhias cada uma com 80 homens e comandada pelo
tenente. . coronel José Pinto Gavião Peixoto.
Achando . . se o Esquadrão no Rio de Janeiro por
ocasião da coroação de D. Pedro 1, em 1 de dezem . .
bro de 1822, formou, com os caçadores paulistas, a
ala esquerda dentro da Capela Imperial, sendo que a
ala direita era composta de archeiros e porta . . ma. .
chados.
Pela reorganização do exército, em 1824, o
Esquadrão foi englobado à cavalaria da Legião e
assim, transformados no 3 9 Regimento de Cavalaria
do Exército, indo para o Sul e cuja história já foi
descrita ao tratarmos da Legião Paulista.
O aumento de corpos no exército, determinado
em 18 de agosto de 1888,. ,c oncedeu a São Paulo um
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
49
Regimento de cavalaria: o 109 R. C., organizado com
a companhia avulsa de cavalaria e que foi aquartelado no antigo Quartel de Linha na rua do Quartel.
e que de São Paulo foi para Santa Vitória.
Em 1908, tornou-se o 9 9 em Alegrete: em 1919~
passou a 69 em Guareí, indo depois para Alegrete.
Devido às lutas no Sul conseqüentes da Revolta da Armada, foi formado em 1894, no Paraná,
o 13 9 R. C., para cuja composição entrou considerável pessoal do Regimento de Cavalaria da Força
Pública de São Paulo. Em 1908, passou a ser o 2 9'
R. C. 1. na Capital Federal: em 1915, tornou-se o
59 R. C. D. em Guarapuava; sediou depois em Castro e, em 1934, em Curitiba.
Em 29 de novembro de 1822, foi organizado·
um batalhão de artilharia para .guarnição e defesa da
Praça de Santos,. com 4 companhias, somando ao·
todo 398 homens. Na reorganização de 1824, passou
a 3 9 Batalhão de Artilharia de Posição de 1"" linha do
Exército, sendo extinto em 4 de maio de 1831.
Corpos Fixos ou de Guarnição. Durante grande
parte do Império, foram .criados corpos de 1'I linha
com o objetivo principal de dar guarnição estável em.
cada província, e por isso chamados Corpos Fixos,
em contraposição aos Corpos Móveis, ou seja, ao
exército propriamente dito, que se deslocava de um
ponto para outro do Império à medida das ocorJ
rências. Tiveram começo com pedestres, ligeiros e
50
J, W ASTH R0DRIG UES
caçadores de montanha, que foram reorganizados em
1842, formando corpos de caçadores, companhias de
cavalaria e companhias de artilharia (estas, apertas
em Mato Grosso e Amazonas). Com exceção do
Rio Grande do Sul, Pará e o Estado do Rio, existi~
ram nas demais províncias. Durante a guerra do
Paraguai foram todos incluídos nas unidades então
criadas.
O Corpo Fixo de São Paulo foi criado a 23 de
agosto de 184 7 e teve por casco a Companhia de
Caçadores de Montanha .criada em 1839. Formou,..,se
em duas companhias de caçadores e uma de cava,.,
laria, num total de 384 homens. A partir de 1852
passa a ser conhecido por Corpo de Guarnição.
Em 1865, dissolvido, seus caçadores foram reunidos
aos do Corpo de guarnição de Minas Gerais, for,.,
mando,..,se o 21 9 Batalhão de Caçadores, que seguiu
por terra para Mato Grosso e, com outros corpos,
·tomou parte na epopéia da Retirada da Laguna.
Em 1870, restabeleceu,..,se a infantaria de guar,..,
nição sob a denominação de 7~ Companhia de Infan,..,
taria Ligeira. Pela Portaria de 5 de novembro de
1888, foi, como a cavalaria, transferida para Minas
onde foi extinta em 1889.
As companhias de ,cavalaria de São Paulo,
Mato Grosso e Minas Gerais formaram, em 1865,
o l 9 corpo de Caçadores a cavalo, o qual, depois da
guerra, foi extinto, sendo então reconstituídas em
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
5J
cada província as antigas companhias de cavalaria.
A de São Paulo transferiu-se para Minas em 1888,
para onde também enviaram uma .companhia de
Goiás ; e supõe-se, escreve o cel. Rego Monteiro,
que com estas •Companhias foi organizado naquele
ano o 9 9 Regto. de Cavalaria do Exército em Ouro
Preto.
CORPOS DE AUXILIARES,
DE MILíCIAS OU
DE SEGUNDA LINHA
RESUMO HISTÓRICO
Os terços, depois regimentos de auxiliares foram criados em Portugal após a Restauração. Pela
Carta Régia de 7 de janeiro de 1645, determinou-se
que, para evitar as levas ordinárias, se criasse, em
cada comarca de Portugal, um troço de gente desobdgada com o título de soldados auxiliares, gozando
de todos os privilégios concedidos aos pagos alistados, e aos capitães, pessoas experientes, patente .com
as honras e preeminências de capitães pagos, sendo
escolhidos de preferência os nobres e honrados por
não costumarem entrar na tropa paga. Esta tropa
estando pronta, disciplinada, seria levada à Raia e
paga pontualmente.
52
J.
WASTH RODRIGUES
Por Carta Régia de 11 de setembro de 1697, os
corpos de cavalaria tiveram garantidos todos os pri~
vilégios dos de infantaria; a Provisão de 27 de de~
zembro de 1754, porém, considerou~se de ordenan~
ças; voltaram, contudo às condições de tropa auxiliar
pela Provisão de 22 de agosto de 1760.
Nos portos de mar do Brasil, os terços de auxi~
liares foram criados em observância à Provisão de
21 de abril de 1739, expedida sobre ·R esolução de 9
de abril de 1728 ,......., diz Cunha Matos ,......., "e em todo
o Estado,. em conseqüência da Carta Régia de 22 de
março de 1766, a qual mandou alistar para Au xi~
liares todas as pessoas de jurisdição real sem exceção de nobres ou plebeus, brancos ou mulatos, com
as classificações, uniformes, divisas e gêneros de
armas" ( 1 6 ) • Entretanto, corpos de auxiliares já exis-tiam no Brasil em época anterior àqueles atos, como
facilmente se verifica em inúmeros documentos.
A propósito, diz Pizarro: "Ainda que o povo
da cidade estivesse alistado, muito antes de 1697, em
três classes, Brancos, Pardos e Pretos, como se
alcança da ordem datada de 29 de janeiro de 1700
( .. . ) fez o vice~rei Conde da Cunha novo alista~
menta e principiou a ouganizar os Terços, para o que
lhes nomeou alguns oficiais; mas a sua regularidade
e disciplina foi obra dos desvelos mui ativos do vice(16)
Cunha Matos (Brig. R. J. d a) -
M i l i tar, Rio, 1 834.
R ep ertório de Legislaç/J,o
TROPAS PAULISTAS DE O_UTR0RA
53
-rei Marquez, [do Lavradio] fazendo exercitar os
novos Auxiliares nas manobras competentes, em
modo que ficaram substituindo os Regimentos de
Linha destacados no Continente do Sul, como substi.tuem hoje, fazendo as guardas e serviço regular da
Corte" ( 17 ).
A formação de corpos auxiliares tomou impulso
a partir de 1765, reorganizando~as o Conde da
Cunha por toda a parte em razão do envio de Por-tugal da cópia do Alvará de 6 de outubro de 1698.
Desde então, não houve cidade no Brasil que não
tivesse um ou mais terços ou regimentos com suas
companhias espalhadas pelos bairros, nem vila ou
arraial que não formasse, ao menos, uma companhia
de pardos ou pretos, o que representou, praticamente
a força territorial do Estado. Todos os homens válidos serviam então às armas, fosse na tropa paga, nas
ordenações, auxiliares ou ainda, nas ordenanças.
Os .c orpos de auxiliares não tinham quartéis ~ pois
sendo compostos de civis, se reuniam em lugares
marcados, geralmente praças públicas, a que davam
o nome de Assembléias Gerais.
Em 1776,..,77, devida a invasão dos Castelhanos
no Rio Grande de São Pedro, houve um recensea-mento .geral das forças de auxiliares disponíveis em
todo o Brasil. No Rio foram reunidos terços e regi(17) Pizarro cfe Araujo Monsenhor J . S. Azevedo rias Históricas do Rio de Janeiro, Rio, 1882.
Memó-
54
J.
WASTH RODRIGUES
mentos vindos de Minas e Bahia, ficando de prontidão outras unidades em suas capitanias, criando-s2
também muitos corpos novos. Seguiram para o Sul
vários regimentos de 1" linha como já vimos.
Nova organização total foi procedida na 2 ~
linha pelo Decr. de 7 de agosto de 1796, sendo
então substituída a denominação de Auxiliares por
Milícias. Cada regimento passou a ter estado-maior,
8 companhias de fuzileiros , uma de granadeiros e
uma de caçadores, num total de 800 homens; o título
de mestre-de-campo foi substituído pelo de coronel.
Por esta reorganização, muitos corpos e compa~
nhias foram extintos, outros, reagrupados e consolidados ou melhor organizados, formando , como os
antigos auxiliares, três classes: brancos, pardos e
pretos.
Santos Vilhena, historiando em 1798 a ,guarni ...
ção da Bahia, diz que, para o serviço de recrutamento, em dada hora, todos os soldados deviam
prender todos os homens brancos que entrassem na
ddade, procedendo-se depois à escolha ( 1 8 ) •
O Alvará de 17 de dezembro de 1802, regulando as promoções, estabeleceu que o comando dos
Regimentos de Milícias no Brasil coubesse a antigos
oficiais de Linha ou a outras pessoas submetidas a
exame e concurso; assim como, por concurso, os
- · ·.:. . :. . :. :.
____
(18)
A rquivo Nacional, Rio.
TROPAS PAULISTAS DE O.UTRORA
55
outros oficiais ~ e que, a promoção fosse gradual e
sucessiva ~ havendo algumas ex.ceções.
Extenso regulamento para as milícias foi aprovado pelo Alvará de 20 de dezembro de 1808. Passam os regimentos de infantaria a ter dois batalhões
num total de 1.1O1 homens (em Portugal, pois no
Brasil, tal determinação não foi posta em prática) ;
o posto de major passa a ser ocupado por oficial da
tropa de 1~ linha; procede-se ao sorteio para o recrutamento; desenvolve-se a instrução militar; aprovam-se as obriogações, garantias e privilégios estabelecidos
pelo Alvará de 24 de novembro de 1645, modificado
pelo de i de setembro de 1800. Assim, (em Portugal) não se lhes podiam embargar bestas ou carros,
nem casas, adegas, estrebarias, pão, vinho, palha
cevada, galinhas, gados ou outros quaisquer gêneros.
Os voluntários serviam 8 anos,. os sorteados 16;
quando licenciados deviam guardar o fardamento
por 8 anos.
Por aviso de 25 de janeiro de 1811, foi · rec0mendado que as fardas fossem confeccionadas à
custa própria ou do comandante, ou recebendo-se
para isso um auxílio do governo, mas nunca por meio
de subscrições entre pessoas abastadas ou do povo
em geral. A Portaria de 28 de setembro de 1813
declarou as pessoas que se deviam reputar isentas do
recrutamento (na agricultura, pes.ca, navegação,
artes, etc.).
6-E
56
]. WASTH RODRIGUES
. A 6 de agosto de 1817, o gozo de privilégio de
foro militar para julgamento em conselhos de guerra
foi estendido aos oficiais milicianos até sargentos, e,
quanto aos soldados, apenas aos que estivessem em
exercício efetivo.
Pelo Decreto de 1 de dezembro de 1824, que
remodelou todas as forças militares do Brasil, proce~
<lendo a uma depuração esmerada, aproveitando os
corpos em condições, e por outros de 1826 e de 1827,.
nova dassificação e numeração geral foram dadas
aos corpos de milícias que passaram a ser de Segunda
Linha, formando em todo · o País 4 regimentos de
infantaria, 140 batalhões de caçadores, 51 regimen~
tos de cavalaria, 4 brigadas de artilharia montada
guarda~costa e 4 corpos de artilharia de posição.
Esta numerosa força de 2~ linha durou apenas sete
anos, pois foi extinta em 1831, criando~se em seu
lugar a Guarda Nacional.
AUXILIARES E MILíCIAS NA
CAPITANIA E PROVíNCIA
DE SÃO PAULO
As primeiras notícias que se têm sobre tropas de
auxiliares em São Paulo datam dos começos do
século XVIII, e só se tornam mais precisas depois
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
57
da 1criação da capitania, e da elevação da Vila de
São Paulo a Capital em 1721. O que a seguir tolheu
a progressão destes corpos foi a sujeição da capitania
à direção do governo do Rio de Janeiro entre 1748
a 1765.
A 20 de maio de 1702, Artur de Sá e Menezes
concede a José de Goes a patente ad honorem em
auxiliares; a 1O de junho do mesmo ano, idêntica
patente de capitão de cavalaria é dada a D. Francisco Rendon.
Por ocasião da revolta em Minas provocada por
Felício dos Santos, em 1720, soldados de S. Paulo
foram para lá destacados e a Provisão de 27 de abril
de 1722 mandou que voltassem 150 deles, os quais,
provavelmente, seriam de auxiliares.
Em 1722, prontificou~se o Provedor da Fazenda
Real em São Paulo, Sebastião Fernandes Rego, a
formar à sua custa uma companhia de cavalos. Sobre
esta proposta, que foi aprovada, não temos mais
notícias; o certo é que, anos depois, o Provedor foi
preso por fraudes e espertezas sendo remetido preso
para o Rio.
Entre 1727 e 1730, terços ou companhias de
auxiliares estavam já organizados, pois patentes de
oficiais foram dadas neste período para as compa~
nhias das vilas de Jacareí, Mogi, Taubaté, Pindamonhangaba~ Itu, Araritaguava, Sorocaba ·e Guara~
J.
58
WASTH RODRIGUES
tinguetá. Em Santos havia companhias de pardos.
Entre 1729 e 1733, os corpos de Itu e de Sorocaba
são citados como regimentos.
Cabe a D. Luís Antônio reorganizar os corpos
de auxiliares dando,...lhes forma e existência efetivas.
Compunha,...se esta tropa, em 1765, dos seguintes
corpos: Companhia de Pardos de Santos, Cavalaria
Ligeira de Guaratinguetá, Companhias de Ussares
de Curitiba, Corpo de Infantaria de S. Paulo e Vilas
do Norte e o Corpo de Infantaria da Marinha e
Vila de Paranaguá.
Demorando alguns meses em Santos, D . Luís
Antônio tomou,...se de entusiasmo pelos seus projetos
militares e declarou, em bando de 1 de novembro de
1765, que ia criar um regimento de cavalaria formado
da melhor gente: o "Regimento do General" ,_., e
diz: "diante do qual montarei a cavalo postando,...me
na frente dele nas ocasiões mais públicas que se ofe ~
recerem e outrossim, que todas as pessoas que foram
alistadas nessa tropa passam a usar de uniformes,
•Cairéis d~ ouro e prata a meu arbítrio, como é permi,...
tido às tropas pagas, sem embargo das ordens em
contrário" ( 19 ) •
Para a instrução da Milícia, prontificou,...se o
próprio governador a ensiná,...la aos domingos tanto
em Santos como em São Paulo. Data de então o
(19)
Does. Interess., vols. 20 e 65.
TROPA S PAULISTA S DE OUTRORA
2• Corpo d e Cava laria d e
Gua ratinguetá e Vilas
do Norte
59
1° Corpo de Dragões d e
S. Paulo e Vila s do Sul
Re.gimento de Dragões da Capitania,. formado " da
melhor .g ente e de mais notório luzimento".
Em obediência à Carta Régia de 22 de março
de 1766, formou o governador 4 regimentos de infantaria e 2 de cavalaria; no Regimento de Infantaria
da cidade de S. Paulo mandou organizar no mês de
maio uma companhia de granadeiros, a seguir levan-
60
]. WASTH RODRIGUES
tou um regimento na vila de Sorocaba e outro na de
Cunha.
O Estado Militar da Capitania em 1767 ( 20 ),
conforme carta do Governador ao Vice ... Rei, era o
seguinte:
19 Corpo de Dragões de S. Paulo e Vilas de
Sul de Serra acima, com 384 homens em 6 compa~
nhias, aquarteladas, duas em S. Paulo e as restantes
em Conceição, S. Bernardo,_ Santo Amaro, Cotia,
Parnaíba, Itu, Sorocaba, Jundiaí, Mogi Guaçu E
Mogi Mirim.
29 Corpo de Cavalaria de Guaratinguetá e Vi,.
las do Norte de serra acima, com 384 homens em 6
companhias, distribuía,.. se entre Facão (Cunha) , Pin,..
damonhangaba, Taubaté, Jacareí e Mogi das Cruzes,
(esta, criada a 28 de junho de 1766). Ambos os
corpos estavam às ordens do sargento ...mor Dr. José
de Macedo Sotto Maior.
3 9 Corpo de Infantaria de S. Paulo e Vilas de
serra acima: 975 homens em 15 companhias. distri,..
buídas entre a Capital, Juqueri, Conceição, S. Ber,..
nardo, Santo Amaro, Cotia, Atibai~, Nazaré, Par,..
naíba, Itu, Sorocaba, Jundiaí, Mogi Guaçu, Mogi
Mirim, e Jaguari, nesta última, os granadeiros.
(20)
Does. Interess., vol. 20.
TROPAS PAULISTAS DE ÓUTRORA
61
4 9 Corpo de Infantaria de Guaratinguetá e Vilas do Norte: 390 homens em 6 companhias, compreendendo Guaratinguetá, Piedade, Pindamonhangaba, Taubaté, Jacareí e Mogi das Cruzes. Os dois
corpos sob o comando do Sargento-mor Manuel
Caetano Z~niga.
5 9 Corpo de Infantaria da Marinha de Santos
e Vilas do Norte,. 520 homens em 8 companhias.
6 9 Corpo de Infantaria da Marinha de Paran aguá e Vilas do Sul, com 715 homens em 10
companhias (lguape, Cananéia, S. Francisco, Laguna, etc. ) .
As três companhias de Ussares de Curitiba, de
80 homens cada uma, somando com os oficiais 252
homens, estavam, as l '> e 2<' em Curitiba,. e a 3~ nos
Campos Gerais . Comandava-as o mesmo sargento-mor Francisco José Monteiro, nomeado naquele ano
para comandante da infantaria de Paranaguá.
Formavam todos os corpos, inclusive oficiais,
21 companhias de .cavalaria e_40 de infantaria num
total .geral de 4 .004 homens.
Quanto aos pardos ou mulatos e pretos, ordenara D . Luís Antônio, a 29 de agosto de 1765, ao
capitão Caetano Francisco de São Tiago, que fazia
as vezes de capitão da antiga companhia dos Pardos de Santos, que alistasse todos os pardos forros
62
J.
WASTH RODRIGUES
da vila "para aumentar quanto fosse possível a Mi..lícia" até completar 100 homens. Conforme a carta
do Governador, de 5 de
janeiro de 1767, as 5 compa..nhias de mulatos estavam
distribuídas entre Santos (a
desta, "muito boa"), S. Vicente, S. Sebastião, Taubaté
e Pindamonhangaba; as do
litoral eram armadas de compridos chuços.
Os terços e companh1as de pretos tiveram no
Recife, Bahia, etc. o nome
de terços ou Regimentos de
Henriques, em honra ao herói pernambucano da guerra
holandesa, Henrique Dias,
"Cabo e governador dos
Crioulos, Negros e Mulatos
do Exército do Brasil, "e que
1° Corpo de Infanta ria da
Marinha de Santos e Vilas
depois da guerra foi Mestre
do Norte
de Campo do Terço dos
Minas . O Terço de Auxiliares de Pretos do Rio
de Janeiro foi transformado, em 1810, no Regi.menta de Caçadores dos Henriques da Cidade
do Rio de Janeiro, a fim de "conservar a doce
memória da lealdade e fidelidade com que estes corpos sempre serviram nos Estados do Brasil, e que
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
63
são fiadores de que sempre se hão de distinguir por
uma i,gual conduta". Tiveram uniforme branco real,...
çado de vermelho. Em Minas e São Paulo foram
denominados "Libertos" ou "Pretos".
Ainda em 1767, D. Luís Antônio promoveu o
alistamento · em grande escala, "sem exceção de
nobres, plebeus, brancos, mestiços, indígenas e li,...
bertos".
Passam-se os anos e pouco antes de deixar 1J
governo, a 4 de janeiro de 1775, D. Luís Antônio
cria ainda uma companhia de mulatos na Capital.
Martim Lopes Lobo ao substituir D. Luís Antô,...
nio em junho de 1775, encontrou ,. . . ., ao que parece
- os corpos de auxiliares na mais completa desorganização e em franca de.cadência. No mesmo ano,
determina um recrutamento geral em vista da Carta
Régia de 7 de abril de 177 4, pela qual todos os ho,...
mens solteiros deviam ser considerados ao serviço.
Conforme escreveu a 19 de fevereiro de 1776, as 41
companhias de infantaria e as 22 de cavalaria esta'"'
vam dispersas pelas freguesias, vilas e matos, muitas
desfalcadas ou formadas de velhos e meninos, sem
armas nem patronas nem fardas, sendo que grande
parte dos milicianos estavam em Minas negociando
ou trabalhando.
Teve o novo governo .grandes dificuldad'e s em
atrair os paulistas para as armas, pois, como já dis,...
semos, tinham então verdadeiro horror em _servir,
depois que D. Luís Antônio o:S enganara mandando
61
J.
WASTH RODRIGUES
as tropas esperar o Bispo a 3 léguas da cidade e, a
seguir, .fazendo . . as mar.char diretamente para Santa
Catarina . .. isto na primeira invasão dos Castelha . .
nos. Assim mesmo, com a população desconfiada,
conseguiu Martim Lopes reorganizar esta linha.
Em 1777 houve a "Recruta Grande" em razão
da invasão da Ilha de Santa Catarina por Ceballos,
e o governador mandou levantar tropas em Curitiba
e Paranaguá, sendo esta vila transformada em praça
de guerra. Marcharam seis companhias, sendo duas
de curitibanos, duas de infantaria e duas de cava ...
laria. Aprontaram. . se em São Paulo 600 homens de
auxiliares que não puderam partir por falta absoluta
de armamento e fardamento. Pediu o governador ao
Rio com que vesti. . los e armá . . Ios "porque estavam
nus"
A 5 de abril do mesmo ano, estavam os terços
de auxiliares recompostos, tendo cada companhia de
infantaria 60 homens e as de cavalaria 50, nas se~
guintes localidades ( 21 ) :
I<1 Terço Auxiliar da Cidade de São Paulo; P
companhia, na cidade; z~, Juqueri; 3'\ Santo Amaro;
4 ~ , Cotia; 51l-, Parnaíba; 61l-, ltu; 7~, Sorocaba; 8'\ Mogi
Guaçu; 9~, Mogi Mirim e uma companhia de granadeiros em Ja guari. Comandante, Alexandre Barreto
de Lima e Morais.
·
(21)
Does. Interess., vol. 28.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRO RA
65
Regimento de D ragões Auxiliares ·da Cidade de São Paulo
Figm'ino aiitênti c o de 1788, no Museu Pauli.sta
2<! Terço Auxiliar d.a Capitania de São Paulo:
P comp., Conceição dos Guarulhos; 2'-', S. Bernardo;
3'-', Atibaia; 4'-', Nazaré; 5'}, Guaratinguetá; 6'\ Piedade; 7'-', Pinda; 8'-', Taubaté; 9 ~, Jacareí; 10~ . Mogi
das Cruzes. Comandante, José de Góes Siqueira.
66
J.
WASTH RODRIGUES
Terço Auxiliar da Marinha de Santos: P e 2 ~
comps . Santos; 3'-', S. Vicente; 4" e 5'-', S. Sebastião ;
6:;, Ubatuba; ?'!", Itanhaém; 8" e 9'-', Iguape; 10", Xiri..rica. Comandante, o Mestre de Campo Fernando
Leite de Guimarães.
Terço Auxiliar a pé da Marinha de Paranaguá:
1~. 2ª, Y e 4'' companhias na Vila de Paranaguá;
5ª, Pilar, Cubatão de Paranaguá; 6ª e 7", Paranaguá;
9:). e 1Oª em Curitiba; uma companhia de artilharia
em Paranaguá. Comandante o Sargento..-mor Fran..·cisco José Monteiro.
Regimento de Dragões Auxiliares da Cidade de
São Paulo: P comp., do Coronel, capital ; 2:). comp .,
do tenente..-coronel, Parnaíba; 3'', Sorocaba; 4'-', Santo
Amaro; 5", Cotia; 6'-', Itu; 7ª, Jundiaí; 8ª, Jaraguá.
Comandante, o coronel Bonifácio José de Andrade
(pai dos três Andradas.) .
Regimento de Cavalaria Ligeira de Auxiliares
da Capitania de São Paulo: 1" comp., Guarulhos;
2", São Bernardo; 3", Mogi das Cruzes; 4ª, Jacareí;
5ª, Taubaté; 6'', Pinda; 7", Guaratinguetá; 8'-', Facão
Cunha . Comandante, o Coronel Joaquim Manoel de
Souza e Castro.
Cavalaria de Curitiba: 1ª e 2" companhias na
dita cidade; 3" em Campos Gerais; 4", em Santo
Antônio da Lapa. Estas companhias (de Ussares)
estiveram constantemente adjtíptas ao Regto. de In..fantaria de Milícias de Parariaguá. Por volta de
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
67
1788 havia uma companhia com o nome de Cavalaria Franca da Vila de Lage.
Foi neste ano que o Governador de Minas
Gerais mandou 4.000 homens brancos, pretos e ·m ulatos para São Paulo a fim de seguirem para o Sul.
Não tinham, porém, fard.a mento
e nem instrução, sendo armados
apenas de chuços. Poucos foram
aproveitados. A correspondência entre Martim Lopes, D.
Antônio de Noronha, José Marcelino de Figueiredo, o general
Bohm e o Marquês do Lavradio
revela fatos incríveis sobre esta
expedição. "Aquela Capitania
nunca foi militar, ignora-se nela
tudo o que é serviço regular",
diz o Marquês em carta. Esta
gente bisonha foi devolvida
depois de serem escolhidos cerca
de mil homens dos quais se
aproveitaram 140 de .c açadores,
200 de cavaleiros e 100 para o
cultivo da terra. A impressão Companhia de Auxiliares
da Cavalaria de Curitiba
causada ao .general Bohm por
esta paisanada está estampada na carta de 2 de
junho de 1777: "semelhante socorro seria capaz de
fazer desesperar o homem mais fleumático" ( 22 ) •
(22)
7
Does. Interess., vols. 17 (ps. 247, 308, 322, etc. ). e 42.
68
J.
WASTH RODRIGUES
Em 1788, os 'corpos de auxiliares de São Paulo
continuavam mais ou menos na mesma disposição já
conhecida. Na capital eram três as companhias de
mulatos, as quais, onze anos depois, a 1 de agosto
de 1796, foram aumentadas de mais sete, formando-se o Regimento dos úteis.
No governo de D. Antônio Manoel de Melo e
Castro e Mendonça, procedeu--se, a 19 de agosto de
1797, à reorganização geral das tropas de 2i:c linha,
em vista das determinações dos Decretos de 1 e 7
de agosto do ano anterior, passando a Capitania a
ter 3 regimentos de cavalaria e 8 de infantaria.
O antigo Regimento de Dragões tornou--se o
19 Regto. de Cavalaria de Milícias, 29 Regto. con-tinuou o mesmo; ambos em S. Paulo. As compa-nhias de Ussares e a de Lage foram desanexadas
do Regto. de Infantaria de Parana_guá passando a
ser o 3 9 ·Regto. de Cavalaria de Milícias do Distrito
de Curitiba.
Um novo corpo surge em 1798: o Regimento
de Sertanejos de Itu. Em carta de 26 de abril da-quele ano ao Vice--Rei, diz D. Antônio de Melo e
Castro que criou "por respeito aos sertões daquela
vizinhança onde vem desembarcar a estrada do Sul
ou Curitiba, como para domesticar e fazer sociáveis
estes homens, sujeitando... os à disciplina dos seus
respectivos Cabos, com o que serão de grande
importância na ocasião de algum rompimento de
guerra".
TROP AS .PAULISTAS DE OUTRORA
Com relação ao recrutamento para as Milícias,
uma representação foi feita em 1808 pela câmara de
Paranaguá ao governador da Capitania, na qual
expôs o grande ffagelo que era para a comarca o
aprontamento de milicianos em turnos mensais para
dfügências e guarnição da fortaleza. Os contingentes
eram formados de homens retirados dos trabalhos da
lavoura, que assim era abandonada, do que resultavam a escassez dos produtos e o seu encarecimento
incessante.
Por ato de 29 de agosto de 1808, resolveu o
Príncipe Regente dar nova organização às milícias
da Capitania,. não só para atender às novas lutas
contra os castelhanos no Sul como para ocupação
dos Campos de Guarapuava. Estes Campos, no
atual Estado do Paraná, que tinham sido atravessados pelos bandeirantes em épocas remotas, foram
explorados em 1770 pelo tenente Cândido Xavier
de Oliveira e Sousa e, no ano seguinte, por outra
expedição chefiada por Afonso Botelho de Sampaio .
. Para a expedição aos ditos Campos, deu-se
início à criação de um corpo de voluntários de milídas a cavalo, com 502 homens, que deveria ser formada com elementos dos três regimentos existentes
na Capitania e um esquadrão de curitibanos, devendo se.r designado seu Comandante, o Sar g_ento-mor
do Re_gto. de Cavalaria de Curitiba, Diogo Pinto de
Azevedo Portugal.
70
J.
WAST.H RODRIGUES
Na realidade, o Corpo veio a ser formado diferentemente, pois o conde de Linhares determinou
"que se formasse do maior número de curitibanos que
fosse possível". Entraram também na sua composição outros milicianos da Capitania assim como soldados de linha e ordenanças, ao todo 200, e mais o
pessoal civil, todos de Santos, Curitiba, Lapa e
Castro. Os civis e os soldados do Regto. de Caça.dores de Santos foram requisitados pelo próprio
Diogo Pinto. Depois de terminada a expedição, os
militares dever iam voltar aos seus antigos corpos. A
expedição partiu em agosto de 1809 e voltou em
1820, tendo Diogo Pinto deixado seu comando em
1816.
Para a sua manutenção, foi criado um tributo
por 1O anos, de 200 r éis, sobre toda a cabeça de
gado que passasse pelo registro de Sorocaba. Facilitou-se também com isenção de pagamento de dívidas à Fazenda Real e dízimos aos que quisessem
ir povoar os campos de Guarapuava. Os índios que
fossem aprisionados seriam cativos por 15 anos ( 23 ) •
Por outro lado, a reorganização para atender
às lutas no Sul ainda não tinha sido feita em 1"814
(segundo o conde de Palma) . Cada um dos 3 Regi(23)
Vieir a dos Sa ntos (Antônio) -
M emórias H istóricas, etc.,
da Cidade de Paranagitá e seib Muni cíp i o. Curitiba, 1950.
Sobre Auxilia r es e Milícias de Sã o P a ulo vide a inda Documentos
Interessantes , vols. 15, 18, 19, 24, 26, 27, 28, 29, 32, 41, 46, 50, 51,
54, 56, 58, 60 e 64.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
71
mentes da Capitania formava então 604 homens,
dos quais cerca de 276 tinham se passado para a
Legião Paulista. Conforme diz Pizarro, somente em
181 7, dois corpos de voluntários Milicianos foram
formados para irem ao Rio Grande.
Na arma de artilharia, os Regtos. de Santos e
de Paranaguá, antigos da Marinha e que guarneciam as fortalezas com companhias de artilharia,
foram declarados, pela Carta Régia de 1 de setembro de 1808 e A viso de 22 de março de 181 O. respectivamente', 1 e 2 9 Regtos. de Artilharia da Capi,...
tania de São Paulo.
Em 1819, o Regto. de Cavalaria de Milícias de
Curitiba recebeu ordem para marchar em defesa da
Ilha de Santa Catarina; porém, sua marcha foi sustada quando já se achava em Paranaguá.
Atendendo ao pedido do príncipe regente d.
Pedro, o Governo Provisório de São Paulo organizou, em janeiro de 1822, um corpo de 1.000 homens,
formado de soldados de 1'-" linha, milícias e voluntários, sob o título de Leais Paulistanos, o qual seguiu
para o Rio. Entre seus elementos figuravam um
Batalhão da Infantaria de Milícias, um Esquadrão e
soldados de outros corpos também de Milícias.
Em maio de 1822, o Regto. dos úteis passou a
ser o 3Q Regto. de Infantaria de Milícias da cidade
de S. Paulo. Por ocasião da chegada do príncipe
D. Pedro a São Paulo, a 25 de agosto daquele ano,
os regimentos de infantaria de milícia formaram, em
Q
7-E
72
J.
WASTH RODRIGUES
grande gala, sob o comando do ceL José Joaquim
César d'e Cerqueira Leme, comandante do 3 9 , desde
a ponte do Carmo até a igreja da Sé e pela rua da
Fundição até o Palácio do Governo.
Pelos De.eretos de 13 de outubro e 1 de dezembro de 1824, são os seguintes os corpos existentes
de infantaria e artilharia e que entram para a numeração geral como batalhões de caçadores de 2"' linha:
10 R egto. da Cidade de
S. Paulo . . . . . . . . . . . . .
2 9 Regto. da Cidade cTe
S. Paulo ... . .... . .. . .
39 Regto. da Cidade de
S. Paulo (úteis) .. . .
Sertanejos de Itu ..... .
Regto. de Sorocaba .. . .
Regto. G.e Cunha .. . .•.
Artilharia da Praça de
Santos . . . . . . . ... . . .. .
Artilharia da Praça de
Paranaguá . .... .. ...•
Regto. de S. Francisco . .
1• Regto. de Cavalaria de
S·. Piau!lo . .. . . . . .... .
2• Regto. de Cavalaria de
S. Pau lo . . . . .. .. . .. . .
Regimento de Curitiba
329 B. C. de 2• L. do Ex.
São Paulo
339 B. C . de 2• L. do Ex.
São Paulo
34" B. C. de
35• B. C. d e
36° B . C. d e
379 B. C. de
2•
2•
2°
2•
L.
L.
L.
L.
C.o Ex.
do E x .
do E x .
cTo Ex.
S ã o Paulo
Vila de Itu
V. de Sorocaba
Vila de Cunha
38° B. C. d e 2• L. do Ex.
Santos
39• B. C. de 2• L. do Ex.
40° B. C. de 2• L. do Ex.
Paranaguá
Vila de São
Francisco
Regto. de Cav. de
2• L . do Ex . . . . . ..... .
17• Regto. de Cav. d e
Cidade de
16•
São Paulo
2• L . do Ex.... . ... . . .
Taubaté
18• Regto. de Cav. de
2• L. do Ex . ... .... . . .
Curitiba
Em 1829, o Regto. de Artilharia de Milícias de
Paranaguá contava 10 companhias, sendo as l", 2",
3", 4", T1' e a de bombeiros, em Paranaguá; a 611 e a
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
73
de mineiros, em Antonina; a 5" em Morretes e a · 8"
em Cananéia. Cada uma com 64 sóldàdos.
,......, Uniformes. Em 1765, d . Luís Antônio submeteu ao conde de Oeiras os figurinos para os corpos de Auxiliares de São Paulo. Tais Hgurinos se
encontram · no Arquivo dó ltamarati e no Arquivo
Público de São Paulo.
Um bando de 1 de outubro de 1766 fez saber
ao povo que os novos corpos levantados, na capitania podiam usar divisas e cairéis no chapéu, os
oficiais, de ouro ou prata, e os soldados, de lã ou
seda, devendo ter à sua custa espadas e armas; os
de cavalária, cavalo e um escravo para cuidar dele,
não podendo haver penhora nem dos cavalos nem
dos escravos.
Malgrado os belos figurinos, as ordens e bandos, a verdade era bem outra. Lutavam os governadores com a falta quase completa de panos para far-das, ;c ouro para calçado, equipamento e armas em
condições. Em 1776, Martim Lopes Lobo pede insis~
tentemente ao vice-rei e ao .governo da metrópole,
utensílios, armas e tecidos. Reorganizando as tropas
para socorrer o 'R io Grande, ordena que os soldados
que tivessem meios comprassem "cavalo e meio de
baeta azul ou algodão tinto da mesma cor", para
fazer farda com as divisas respectivas , e armas; e os
0utros que "se aprontassem com os facões que usam
pelos matos". Suplica a Lisboa para que mandem
"400 patronas e armas já sem uso das que estão nos
74
]
WASTH RODRIGUES
Armazéns do Além Tejo". Em 1777, .consegue, com
muito custo, fardar a tropa de baeta azul com suas
divisas ( droganas) e a infantaria com calção branco
sobressalente e botinas pretas (polainas). A cavalaria tem botas, espada, chairel, bolsas (coldres) ,
bandoleira e cartucheira; a infantaria,. patrona. Mas
as espingardas não prestavam, pois eram "umas pequenas e outras grandes e todas tão estreitas que
não cabem nenhuma bala das dos adarmes dos
armazéns".
Somente nos governos de Gama Lobo e de Bernardo José de Lorena cordge-se a situação de pobreza nos .corpos de auxiliares, com a vinda dos fornecimentos necessários.
Com a data de 1788, possui o Museu Paulista
magníficos figurinos dos Dragões Auxiliares da Cidade de S. Paulo, oferecidos pelo sr. Alberto Lamego.
Em completa série de figurinos das milícias
paulistas de 1806, existente no Museu Histórico Nacional, vê-se, através da ingênua execução, toda a
originalidade dos uniformes de então.
Debret apresenta na estampa 43 de sua obra ,. . _.,
"Caça ao tigre" --- diversos soldados de cavalaria
de Milícias --- provavelmente do Regto. de Curitiba
,. . _., e alguns de infantaria, dando caça a uma onça
por meio do laço. Os ,cavaleiros têm capacete guarnecido de crina, e penacho à esquerda, no modelo
adotado pelo plano de 1806.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
75
Possui o Departamento Histórico da Prefeitura
de S . Paulo um manuscrito do bri.gadeiro Machado
de Oliveira, completado com desenhos, que dá ótimos esclareciment0s sobre os uniformes da 2~ Jinha
em 1825.
COMPANHIAS. E TERÇOS DE
ORDENANÇAS OU
TERCEIRA LINHA
RESUMO HISTÓRICO
As bases dos exércitos permanentes tiveram
inído na França, com a criação das companhias de
ordenanças por Carlos VII, em 1445. Em Portugal,
as ordenanças foram estabelecidas como tropa de
reserva por d. João Ili, com o regimento baixado a
7 de agosto de 1549, que procurou definir as obrigações da gente de guerra. No governo de d. Sebastião, foram publicadas a Lei ~as Armas, a 9 de dezembro de 1569, que melhorou a legislação vigente,
o Regimento das Ordenanças, a 1O de dezembro de
1570, e a Provisão dos Capitães-mores, a 15 de
maio de 1574, regulamentos já citados. O diploma
de 1570 deu forma estável e definitiva às Ordenanças Sebásticas com suas companhias de 250 homens
a pé ou a cavalo, em todas as comarcas do Reino,
7'6
J .. W ASTH
RODRIGUES
sob o comando dos capitães-mores, cujos deveres
foram melhor definidos pela Provisão de 1574.
Os capitães-mores comandavam as ordenanças
nas cidades, vilas e conselhos, recebendo este posto
os donatários, os senhores dos mesmos lugares ou
os alcaides-mores e,. onde não os houvessem, eram
os capitães-mores eleitos pelas câmaras. Os demais
oficiais, com o sargento-mor, o ajudante, eram também eleitos e prestavam juramento.
Cada companhia ou bandeira se compunha de
250 homens divididos em fO esquadras, com um capitão, um alferes, um sargentb, um meirinho, um escrivão, dez cabos, um tambor (este, um familiar ou
criado -do capitão) e 234 soldados. O meirinho e o
escrivão foram depois suprimidos.
Em 1574, o Reino foi dividido em Capitanias
governadas pelos mesmos capitães-mores auxiliados
pelos sargentos-mores que procediam ao alistamento
de todos os homens válidos de 20 aos 60 anos de
idâde, que não fossem fidalgos , eclesiásticos, oficiais
de justiça ou de fazenda, assim como os que não
tivessem cavalos. Os ofidais eram propostos à aprovação do rei e gozavam do privilégio de cavaleiro
..--- fidalgo, posto que o não fossem .
Formavam as Ordenanças uma reserva para
preencher os claros nas tropas de linha, com homens
que pela idade ou condição, como os casados, não
podiam pertencer a 1'l- ou 2" linhas.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
77
Deviam exercitar~se em dias determinados, com
suas armas, arcabuzeiros, besteiros e piqueiros; os de
cavalo com suas lanças e espadas. Prêmios de. um
tostão e meio tostão foram estabelecidos para os me~
lhores atiradores e para, os que apresentassem as
armas mais limpas. Seus oficiais só tinham este título
a bem do serviço. Exerciam vigilância diurna e no~
turna nos portos de mar, "calhetas, praias e pedras".
As disposições destes regulamentos que isenta~
vam os capitães e oficiais de obediência aos grandes
donatários de terras, de quem eram vassalos, pro~
vocaram protestos destes,. escreve o .general Ferreira
Martins, "e das rivalidades assim criadas entre estes
e os oficiais nasceu a desordem de que enfermaram
as Ordenanças do reino". Outra causa foi a desmo~
ralização no recrutamento por causa das expedições
em Marrocos.
A dominação filipina revo_g,ou praticamente com
a organização das Ordenanças, "não convindo aos
mesmos reis de Castela que no reino de Po'rtugal
houvesse gente armada. Por tal motivo nenhum di~
ploma importante de caráter militar fora promulgado
nos sessenta anos de dominação castelhana além do
Regimento dos Sar,gentos-mores das Comarcas em
novembro de 1598 ", diz o autor citado.
Com a Restauração, as forças militares passa~
ram a ser divididas em três linhas, .como já foi dito.
Conforme o alvará de 13 de março de 164:6, as
Ordenanças "não deviam ir às fronteiras por serem
78
] . WASTH ROE>RIGUES
lavradores e isto prejudicar ao País, e não teriam
cabedal para pagar as contribuições para o sustento
da guerra; salvo em caso de notório perigo, invasão
e acometimento grande do inimi.go, que conhecidamente se não pudesse rebater, com os soldados pagos e Auxiliares".
Os artilheiros de Ordenanças que guarneciam
as praças e presídios tinham o nome de pés de castelo, e cessaram pelo Alv . de 9 de abril de 1762.
No Brasil, as Ordenanças foram estabelecidas
nas provações já no séiculo XVI , logo após o Regimento de 1570. Nos começos do século XVIII , já
estavam organizadas em todo o território,. em maior
ou menor quantidade, conforme a densidade da população e as distâncias entre as sedes das comarcas
e os povoados e vilas, formando terços ou compa·nhias.
A Provisão de 21 de abril de 1739 confirma os
regulamentos anteriores e esclarece serem os capitães-mores, os sargentos mores e os simples capitães
eleitos pelas câmaras, prestando juramento nas mãos
dos governadores. Os ajudantes eram nomeados
pelos capitães-mores; os alferes , sargentos e cabos,
pelos capitães das companhias. A 12 de dezembro
de 1749 resolveu-se que os capitães-mores fossem
vitalícios e não mais trienais.
O preito de homenagem prestado pelos capitãesmores nas mãos do Capitão General era feito " de
joelhos com as mãos juntas uma com a outra e entre
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
79
as do ,governador e sobre o missal dos Santos Evangelhos". conforme se lê em .correspondência de S.
Paulo de 1766. Por ordem de 23 de março do mesmo
ano, declarou-se que os oficiais das ordenanças tinham as mesmas honras q:ue os da tropa paga e dos
auxiliares.
Para se ter uma idéia da extensão a que atingiram as ordenanças, além das outras linhas, basta
lembrar que na Bahia, conforme o Livro que da Rezon do Estado do Brasil, de 1612, havia na cidade,
"2 companhias de ordenanças; 300 homens arcabuzeiros no alardo, sem contar estudantes nobres e
familiados que o alardo não podia obrigar". No
Recôncavo, 8 companhias ''que acudindo à cidade
metem no alardo oitocentos homens com suas armas ,
oficiais e bandeiras ficando nas fazendas e mais par.tes a respeito dos escravos e índios da terra" ( 24 )' .
Por ordem expedida ao Conde de Óbidos, em
1665, foram organizados 8 regimentos , mais tarde
transformados em terços. Em 1791. guarneciam o
território baiano 21 terços. Segundo Pizarro, por
volta de 1818, havia em Minas Gerais 210 companhias de brancos, pardos e pretos,. e discrimina-as
todas; e em Goiás, 23. É verdade que muitas delfis
(24) Manuscrito acompanhado de mapas de autor desconhecido.
Inst.- Hist. e Geogr. Bras. Rio.
-
Sobre Orc!enanças vide Documentos Interessantes, vols. 15,
19 e · 22.
80
J.
WASTH RODRIGUES
viviam desfalcadas e, algumas, só existiam no papel.
Em cidades onde abundavam as tropas de linha e de
auxiliares, as de ordenanças eram reduzidas e bas,..,
tava o descaso de alguns anos para desaparecerem.
CAPITANIA E PROVíNCIA DE
SÃO PAULO
Numerosas são as alusões às ordenanças em
documentos e vereanças das câmaras de São Paulo
e de outras vilas no correr do século XVII; mais
tarde, na correspondência dos governadores.
Em 1660, Gabriel de Lara foi feito Capitão.-mor de Ordenança·s, Ouvidor e Alcaide-mor de
P aranaguá. Em Iguapé, já havia, em 1699, a "companhia dos homens casados e a dos reformados" ,
denominações que indicam tratar,..,se de ordenanças.
A partir de 1700, intensifica,..,se a criação de companhias em todas as vilas e povoados, sendo constante,
desde então, a distribuição de patentes de coronéis,
capitães,..,mores e capitães de ordenanças tanto em
São Paulo como, depois de 1707, nos distritos de
Minas.
Em 1721, havia,. em Paranaguá, du_a s Companhias de Ordenanças que foram então desdobradas
em quatro para guarnecerem os povoados e ilhas
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
81
próximas, compondo um regimento em conjunto com
as companhias de Cavalaria de Ordenanças de Curitiba. Por Decreto de 1725 foi determinado que formasse 1O companhias de 60 homens cada uma.
A 5 de ·fevereiro de 1722, o Governador D. Ro..drigo César de Menezes baixou um Regimento dando nova organização às Ordenanças da Capitania de
São Paulo e esclarecendo seus deveres.
Em 1765, somavam já 76 companhias , sendo
que na cidade de São Paulo e nas freguesias do seu
termo: Santo Amaro, Cotia, Guarulhos, Nazaré,
Atibaia, Juqueri e Ja guari, formavam 11 companhias
Pela Ordem Régia de 22 de março de 1766, foi
determinado que as Ordenanças se reorganizassem
no casco das antigas, sem distinção de cor, apenas
separando..-se os nobres nos exercícios; que fossem
nomeados cabos para cada 15 a 25 homens vizinhos
e sar.gentos para cada 3 ou 4 esquadras. No ano
seguinte as ordenanças da capital formavam -duas
companhias a cavalo e uma a pé.
Ao inidar-se o século XIX, entre 1802 e 1810,
as ordenanças estavam organizadas com seus capitães-mores nas seguintes cidade e vilas da Capitania:
São Paulo, Parnaíba, São Sebastião, Ubatuba, São
Luís do Paraitinga, Jundiaí, Freguesia do Ó, São
Carlos, Piracicaba, Santos, Jacareí, Mogi. . Mirim,
Atibaia, Mogi das Cruzes, São José de Sales, Itanhaém, lguape, Porto Feliz, Apiaí, Cananéia, Soro-
82
J . WASTH RODRIGUES
caba , Guaratinguetá, Vila Bela, Nova Bragança,
P indamonhangaba, Lorena, Cotia, Itapeva, Areas.
No atual Estado do Paraná: Curitiba, Antonina,
P aranaguá, Guaratuba, Castro, Lage. Em muitos
destes lugares existiam diversas companhias.
Quanto aos uniformes dava-se com as ordenanças a mesma dificuldade que com as outras linhas,
•Como já vimos, devido à constante falta de panos,
aviamentos e couro. Em Goiás, determinou--se, em
1739, que os sold ados das ordenanças se fardassem
somente de linhagem sem guarnição de ouro ou de
p ra ta, devido aos negociantes levantarem os preços
dos tecidos , e que os negociantes não vendessem
panos escarlates e bernes por mais de duas oitavas
e meia o côvado, holandas .cruas a 12 vinténs e
linhagens a 2 tostões. Quanto ao armamento, foi
sempre deficiente, vl'lho ou estragado, armando-se
as ordenanças com armas de fogo de calibre e tamanho diversos e esp:idas reformadas ou fabricadas
pelos ferreiros locais.
Pelo Decreto de 24 de agosto de 1762, tiveram
as Ordenanças uniformes semelhantes aos da 1 linha,
segundo os princípios do Decreto de 21 de abril de
1761. Anteriormente, por av. de Julho de 1754, fora
concedido "aos oficiais de ordenanças que rondavam
com os dos regimentos" o uso de galão de ouro ou
de .p rata no chapéu. Seu uniforme compunha-se de
chapéu, farda, véstia, camisa, gravata, calção, meias
Q.
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA
83
e sapatos. Quanto às dragonas e metais, eram, no
geral, amarelos; até certa época não usaram banda.
Conforme figurinos dos arquivos de Lisboa e do
Museu . Histórico Nacional, este uniforme variava
de corpo para corpo, ou de uma comarca, vila ou
cidade para outra, uso, aliás, existente também na
tropa µaga nas milícias.
A 5 de janeiro de 1775, permitiu-se às orde~·
nanças e aos negros cativos de São Paulo armarem~se de chuços paus ferrados de 14 palmos de com~
primento . .
e
A lei de 9 de maio de 1806, que estabeleceu
novo padrão de uniforme para todas as forças arma ..
das , determinou para o s oficiais de Ordenanças uniforme verde, chapéu armado, banda encarnada, botifarras , dragonas, botôes e espada de metal dourado.
Este plano não foi obedecido a dgor, mesmo -porque,
a partir desta época, houve constante mudança de .
uniforme . Entram as ordenanças em declínio depois
da Independência e são finalmente extintas em todo
o lmpério pela R eg ência, em 1831.
íNDICE
INTRODUÇÃO
VII
TROPAS PAULISTAS DE OUTRORA . . . . . . . .
3
TROPAS PAGAS OU DE PRIMEIRA LINHA
7
Aventureiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9
Legião Paulista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
20
Regimento Mexia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
40
Outros corpos da 1.ª Linha de Infantaria, de Cavalaria, de Artilharia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
46
Corpos de Auxiliares, de Milícias ou de Segunda Linha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
51
Auxiliares e Milícias na Capitania e Província de
São Paulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
56
Companhias e Terços de ordenanças ou Terceira
Linha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Ti
Capitania e Província de São. Paulo . . . . . . . . .
80
ANTIGOS SOLDADOS DE SÃO PAULO
89
ANTIGOS SOLDADOS DE SAO PAULO
Reprodução da série original de
Wladimir Douchkine
(Coleção José de Barros Martins)
3.3.T.A.
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~»l~M~ )~ ~llm,panhtr tr~ ~auailarta &uxiliat b.t ~:urit~a
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17õ~
Compost o e impr esso em 1978, n a oficina da
EMPRESA GRAFICA DA REVI STA DOS TRIBUNAIS S/A
Rua Co nde de Sarzedas, 38 T el. 36-6958 (PBX)
01512 São Paulo, SP, Brasil.
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JOSE WASTH RODRIGUES
Breve escorço histórico
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Manuel Soriano Neto*
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1.[.
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dicou -se, entre outros misteres, ao longo de sua vida, à
pintura, à heráldica, à escultura, à medalhística e à história militar.
Consagradós pintores
como Victor Meirellcs, Oscar Pereira da Si lva e José
Maria Medeiros foram seus
mestres e, por sua aplicação
à pintura, ele conseguiu uma
bolsa de estudos na França,
tendo freqüentado, com
raro brilhantismo , a Escola
50-REB
tura de ·ó leos e aquarelas com
motivos tão-somente brasileiros. À época, juntamente com
o historiador Gustavo Barroso,
iniciou um projeto tendo como
tema os uniformes do Exército. Seus trabalhos redundaram
em uma primorosa obra histórico-militar publicada em Paris,
sob o título Uniformes rio l•_,'xérrito limsi!eil'O, 1730-19:?2, com
texto cJo parceiro historiador.
Contendo mais de 200 aquarelas, essa obra é, ainda hoje,
única referencial para pesquisadores que se dedicam ao
estudo da indumentária militar brasileira.
"
_,,&•
t' ,"': /
"'·
·:'A crescente-se, que o então Coronel José Pessoa Cavalcanti de Albuquerque, o
ideali za dor da Aca demia .M i 1i tardas Ag ulhas Negras,
quando comandante da Escola Militar do Real e ngo , no
início da década ele 30, ins pirou -se nesse belo trabalho
histórico e iconográfico,
para a criação de novos uniformes destina dos aos, então, a lunos dessa Escola. Os
uniformes , até hoje envergados pelos cadete~ da Al\ IAN,
foi«l rn pois desenha dos por
José Wasth Rodrigues, de
quem José Pessoa era gran de admirador, sendo idênticos aos cios batalhões de
185 1/52 , qu a ndo das Campanhas no U ruguai e Arge nt111a.
Além do mencionado livro
U11{/on11es rio Exénilo Bl(1sileiro , l 73O-192 2, Jos é W as r h
Rodrigu es foi au ror de dois
ourros alentados trabalhos,
l 11ifon11es e Armas e Dicio7!rírio Histórico-Militar, suas duas
obras-primas. O primeiro deles, e m 90 volumes, contém
1.600 páginas e cerca de 500
ilusuações de aquarelas, desenhadas e pintadas à mão,
com o auxílio de sua filha
Rachel. O segundo registra
inúmeros termos militares,
utilizados pelas nossas Forças
Armadas, desde prísçinos tempos, distribuídos em 26 volumes.
Tal a importância dessa
produção literária e históricomilirar, que o Exército houve por bem escolhê-la para
publicação, de forrna a mpliada .e atualizada, no presente
a no, como um dos projeros da
Força 'Ierresrre pa ra as comemorações do 5º cenrenário do
descobrimento do Brasil. A
tarefa e ncon rra-se em fase
adiantada de exec ução na Biblioteca do E xé rciro.
Esse fabuloso acervo docurnenral foi doado, ao Ccn rro d e Documenra çã o do
Exército (C Doe E x), pela
filha de \Vasrh Rodri g ues, a
Sra. Rach e l Orávia Wasrh
Rodr igues Berrini, rece nremente falecida, não h aven do, e m nenhum ourro lo ca l,
ex em pi a res dessas prec iosidades.
Alé m dessas verdadeiras
ohms de San/a F11grríria, que
lhe consumiram anos seguidos
de incansável labor, José \ Vasth Rodrigu es dei xou, para a
post e rid a d e, muitas ourras,
rarnbérn de grande ff>lcgo,
como inum eráveis ex-li/Jris
para bibliófilos e colecion ·1 dores. Publicou ainda, em jornais, revistas especializadas,
folhetos, etc , excepcionais
rra balhos, sobretudo os refere n res à heráldic a, tendo
sido considerado, pelo poe ta Ca rlos Dru mond de Andrade , como 111aior hemlrlis-
!a brasileiro .
Hoj e , museus , centros de
documentação, arqui vos, bibliotecas, entidades culturais
oficiais e particulares, colecionadores etc. detêm parte do
in vejcí ve l acervo legado por
aq u e le invulgar artista, de
vas ta e poliédrica cultura.
Desrnque-se o J'vJ useu do 1piranga, São Paulo-SP, onde se
enconrrn a maior part e das
coleções h isrórico-picrcíricas
de José Wasrh Rodrigues, cm
especia l o belo brasão do es tado de São Paulo , no qual,
cm listei , csrCl inscrito o lema
Pro /Jmsi/i({ /ia111 cxi111ir1.
O Cenrro de Docurncnração do E xérc iro, dcposir:irio
de parecia s ubstancial da mcmcí ria da Força' 1l:rrcsrrc, propôs dar se u nome, cm no vem bro de 1994, parn a S U<l biblioteca, a qu a l, hoj e, ostenta a
denominação hi srcí rica de !1i-
/Jliotem .José \Vaslh Ror!Fig11t's.
'n11 faro é motivo de g rande
ufania para os inregranres do
Centro, loca l onde se custo-
dia porção muito significa tiv a da herança cultura l do
grande patriota que foi José
\ Vas th Rodrigues. T ão patriota, que niio admitia, corno
nos declarou a sua filha Rachel, a pronúncia, à in g lesa,
do sobrencm\e Wasth, o qual
deveria ser pronunciado corno
a palavra portuguesa , ou seja,
VOS!...
Com a d e nominação con cedic..la à biblioteca do C Doe
Ex, cremos que a nossa lnsti tuição resgatou, de for ~11<1
superlativa, de um injusrn
semi-anonimato, não condizente com os tantos e tamanhos serviços por ele prestados ao Exército e ao Brasil , à
memóri a d e Jos é Wasth Rodrig ues , esre pró-homem das
.
.
.
artes nacwna 1s, que veio a
falecer, no Rio de Janeiro, em
21 de abril de 1959.
Na a w al fase por que passamos, de d es nac ionalizante
colonia lismo (ou sa1eli1is1110)
culrural, que o edificante
exemplo a ncís legado , por
.José \\ asth Rodrigues, sirva
de lu1.eiro a rocfos que busc1m cu ltuar o passado, na glorific1 ção de seus fotos históricos , so b a inspiração dos
ve rsos de J ,uiz de Camõcs:
/\r7o 111t 111r111r/({s m111r1r
J•:.11rr111hr1 histâria,
,)/as mr!llr!r1s-me lolfvar
/)os 111ms r1 glô1ir1 C!2ill
* Coronel de Infantaria e Estado -Maior.
Chefe do Centro de Documentação do
Exército .
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