III SEMINÁRIO POLÍTICAS SOCIAIS E CIDADANIA AUTORES DO TEXTO: Alessandra dos Santos; Jussara Ferreira de Sousa Projeto “Reconstruindo o fazer profissional”: uma análise acerca de sua efetivação RESUMO: Este artigo faz uma análise sobre o processo de efetivação do Projeto “Reconstruindo o Fazer Profissional” no Complexo Hospitalar de Doenças InfectoContagiosas Dr. Clementino Fraga (CHCF) na percepção dos assistentes sociais. Como resultado entendemos que apesar do projeto encontrar muitas dificuldades para a sua implementação, a postura profissional adotada pelos assistentes sociais desta instituição, em sua maioria, apresenta um Serviço Social criativo, propositivo que expressa em sua prática cotidiana o compromisso com a excelência e a qualidade nos serviços prestados aos usuários, além de buscar articulação com as demais categorias profissionais da área de saúde, na garantia dos direitos sociais de cada indivíduo. Palavras-chave: Serviço Social. Saúde. Prática Profissional. Introdução O Projeto “Reconstruindo o Fazer Profissional” é uma proposta de intervenção formulada pelos assistentes sociais que tem como objetivo reformular o trabalho desenvolvido pelo Serviço Social, visando além de fortalecer o trabalho dos assistentes sociais, contribuir para o melhor atendimento e qualidade nos serviços prestados aos usuários em concordância com os demais profissionais da unidade hospitalar referenciada. Este projeto baseia-se em quatro eixos, que têm como alvo à garantia destes direitos dos usuários. Os eixos são: o artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”; na Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social (Lei n° 8.662/93), no Código de Ética Profissional do Assistente Social (1993) e por fim nos Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde (2009). 1. A trajetória do Serviço Social no Brasil: o surgimento como profissão, uma guisa a análise O Serviço Social no Brasil surge a partir da eclosão da questão social 1. As bases para sua implantação deu-se a partir do reconhecimento das tensões sociais, oriundas do agudizamento da questão social nas décadas de 1920 e 1930 com o processo de industrialização. Portanto, sua gênese corresponde à conjuntura vivenciada no país neste período, momento em que o Estado passa a utilizar-se de estratégias de intervenção e regulação da questão social via políticas sociais. Estas estratégias foram influenciadas pelas mudanças ocorridas no país – principalmente as econômicas –, em função do processo de industrialização, que teve como consequência imediata, o crescimento 1 Questão social definida por Iamamotto e Carvalho (2005, p.77) [...] não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e da repressão . 1 desordenado das cidades, devido o devido o êxodo rural, causado pela crise no setor agrícola – crise do café. O crescimento da classe operária em condições precárias de higiene, saúde e habitação, tomou proporções gigantescas, dando visibilidade social aos mesmos que passaram a reivindicar melhores condições de vida e de trabalho, dessa forma adquirindo importância social. Outro fator vivenciado neste período foi à quebra da bolsa de Nova York em 1929, gerando uma crise econômica com proporções mundiais. Diante de todo esse contexto vivenciado no país no início do século XX, percebemos algumas formas de intervenção com intuito de controlar as tensões sociais e atuar de forma a garantir a disciplina e a reprodução da força do trabalho. O Estado entra em cena utilizando-se de algumas estratégias com caráter interventivo e de regulação da questão social, dessa forma, as primeiras ações de intervenção configuravam-se de forma incipiente em um tipo de ação social com objetivo de diminuir as consequências materiais e morais derivadas do trabalho assalariado, ou seja, ações de caráter filantrópico. De acordo com Iamamoto e Carvalho (2005) o processo de legitimação e institucionalização da prática profissional dos assistentes sociais no Brasil, deu-se com o advento e desenvolvimento das grandes entidades assistenciais – estatais autarquias ou privadas – na década de 1940, momento em que os conflitos sociais entre a classe burguesa e a classe operária se intensificaram e passaram a exigir outros meios de intervenção, pois, a filantropia e a repressão já não davam conta de tais conflitos. Ressaltamos que o papel do Serviço Social era buscar adequar o operariado às novas condições de vida, mas, não por uma solicitação da classe a ser assistida e sim por uma imposição da burguesia em conjunto com a Igreja Católica, com objetivo de neutralizar a classe trabalhadora que no momento lutava por melhores condições de trabalho e sobrevivência. Assim entendemos que o Serviço Social emergiu como um instrumento do capitalismo para a manutenção da ordem vigente. O Serviço Social no decorrer da sua trajetória, com intuito de atender as exigências postas aos assistentes sociais, bem como atender às requisições do Estado, buscaram construir seu aporte teórico e ampliar seus referenciais técnicos, se distanciando da Igreja, e assim, passaram a assumir correntes teóricas, face a ausência de um referencial crítico. Dentre estas correntes de pensamentos citamos: o positivismo; o funcionalismo. Na década de 1960, com o Movimento de Reconceituacão 2 eclodindo em toda a América Latina (Chile, Argentina, Peru e Uruguai), a profissão buscou romper com a marca conservadora das práticas, ou seja, buscou destinar seu foco profissional para o interesse dos que participavam da sociedade através de seu trabalho – classe subalterna. Baseados em Netto3 (1991), o Movimento de Reconceituação do Serviço Social latinoamericano assume três distintas direções: 1- a perspectiva modernizadora; 2- a perspectiva de reatualização do conservadorismo; 3- a perspectiva de ruptura com o Serviço Social tradicional. O processo de reconceituação gestado pelo Serviço Social desde a década de 1960 permitiu à profissão enfrentar a formação tecnocrática conservadora e no período de transição da década de 1970 para 1980 se processam as 2 O Movimento de Reconceituação do Serviço Social apresentava a proposta de romper com a tendência funcionalista de reforço ao conservadorismo, em busca de um referencial que desse uma nova fundamentação teórico-metodológica à profissão, rompendo então com o modelo norteamericano até então hegemônico. 3 Consultar NETTO, José Paulo. Ditadura e serviço social: uma análise do serviço social no Brasil pós-64. S. Paulo: Cortez, 1991. 2 bases para o novo projeto profissional que denominamos de projeto ético-político do Serviço Social, que teve como principal e primeira condição para sua construção à recusa e a crítica ao conservadorismo. O Brasil na década de 1980 passou por grandes e profundas transformações tanto no âmbito econômico – mudanças caracterizadas principalmente pela recessão econômica vívida no momento, ampliando a dívida externa – quanto no âmbito político – transição de regime político, antes ditadura e caminhando para um modelo democrático e liberal. Essas transformações ocorreram simultaneamente e o período foi evidenciado pelo contraste entre as demandas sociais que cresciam devido à crise vívida e as restrições financeiras do Estado para atender essa crescente demanda. Porém, ressaltamos, mesmo frente às crises vividas nesta fase, à década de 1980 terminou com o saldo positivo no que diz respeito a direitos garantidos, com a promulgação da Nova Constituição Federal em 1988. A Constituição Federal garantia a universalidade da cobertura e do atendimento, a uniformidade dos benefícios, introduzido ainda que teoricamente o referencial de universalização dos direitos sociais, além de um novo modelo para o Sistema de Seguridade Social – previdência, saúde e assistência social –, onde podemos ressaltar a integralidade da política de Seguridade Social, bem como os princípios próprios e os diferentes objetivos: a assistência social e a saúde independem de contribuição, e a previdência, pressupõe contribuição. O projeto ideopolítico, marcado pela ruptura ao conservadorismo, materializa-se em três colunas, que individualmente tem seu papel nesta construção: o Código de Ética Profissional (1993) – constitui-se em direitos e deveres dos assistentes sociais, segundo princípios e valores humanistas, guias para exercício profissional –, a Lei que regulamenta a profissão (Lei n° 8.662/93) – representa a institucionalidade legal da profissão – e o Projeto Político Pedagógico através das Diretrizes Curriculares de Formação para o Curso de Serviço Social da Associação Brasileira de ensino e Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS/1996). Portanto, estes três documentos somados definem a atuação dos profissionais, traçando-lhes diretrizes gerais e orientação teóricometodológica, ético-política e técnico-operativa, traduzindo-se no compromisso do profissional com o usuário. Lembramos que este projeto é um processo em contínuo desdobramento que mantém seus eixos fundamentais, entretanto é suficientemente flexível para sem perder suas características, incorporar novas questões, assimilar problemáticas diversas e enfrentar novos desafios, além de ter como componente básico o compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população, e o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aperfeiçoamento 4 intelectual do assistente social. 2. O Trabalho do assistente social no campo da saúde O trabalho do assistente social nos diversos espaços em que atua é sem dúvida um desafio posto a categoria, principalmente no que diz respeito à garantia dos direitos dos usuários. De acordo com Silva (2000) as transformações ocorridas na contemporaneidade impostas pelo modelo econômico vigente – o capitalismo – exige o redimensionamento das funções do assistente social como também, uma maior qualificação para o exercício da profissão. 4 No exercício de sua profissão, os assistentes sociais têm por inevitável uma formação teórica, técnica, ética e política que os afastem das abordagens tradicionais funcionalistas e pragmáticas, que reforçam as práticas conservadoras. As atribuições e competências destes profissionais em qualquer espaço sócio-ocupacional são orientadas e norteadas por direitos e deveres constantes neste projeto ético-político devendo ser observados e respeitados. 3 A área da saúde é a que mais absorve os assistentes sociais, entendemos que a trajetória da profissão está de certa forma relacionada à história da política de saúde no país. A saúde foi uma das áreas em que os avanços constitucionais foram mais significativos, mas, apesar dos avanços a proposta não foi efetivada, havendo ainda, uma enorme distância entre o proposto e a prática do sistema público de saúde vigente. E os desafios surgem principalmente, em virtude do embate gerado pela disputa entre o projeto de reforma sanitária – gestado a partir da década de 1970 – e o projeto privatista – hegemônico a partir da década de 1990 – requisitando do assistente social posturas distintas. entre os dois projetos que emergem – o projeto de Reforma Sanitária e o projeto privatista. O projeto privatista requisitou, e vem requisitando, ao assistente social, entre outras demandas: seleção sócio-econômica dos usuários, atuação psicossocial através de aconselhamento, ação fiscalizatória aos usuários dos planos de saúde, assistencialismo através da ideologia do favor e predomínio de práticas individuais. [...] o projeto da reforma sanitária vem apresentando como demandas que o assistente social trabalhe as seguintes questões: busca de democratização do acesso as unidades e aos serviços de saúde, atendimento humanizado, estratégias de interação da instituição de saúde com a realidade, interdisciplinaridade, ênfase nas abordagens grupais, acesso democrático às informações e estímulo a participação cidadã (BRAVO e MATOS, 2009, p. 25). O perfil do assistente social deve se distanciar de práticas conservadoras – ainda presente em alguns espaços onde atuam –, sua intervenção deve ser norteada por uma perspectiva crítica, que busca a identificação dos determinantes sociais, econômicos e culturais das desigualdades sociais. Os assistentes sociais enfrentam o desafio de decifrar algumas lógicas impostas pelo capitalismo, dentre estes, o maior desafio continua sendo a implementação do projeto de Reforma Sanitária, que está diretamente relacionado ao projeto ético-político do Serviço Social. Ressaltamos ainda baseados em Yasbek (1999), que as lógicas aqui referidas, apenas reiteram a desigualdade e constroem formas despolitizadas de abordagem da questão social. Com objetivo de referenciar a intervenção dos assistentes sociais na área da Saúde, foi construído um documento intitulado “Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde (2009)” 5, este visa contribuir com a categoria em torno de orientações gerais sobre as respostas profissionais a serem dadas pelos assistentes sociais, no âmbito da saúde, às demandas identificadas no cotidiano do trabalho e àquelas que são requisitadas tanto pelos usuários destes serviços como pelos empregadores desses profissionais. Buscando abranger a totalidade das ações que são desenvolvidas pelos assistentes sociais na saúde, considerando a particularidade das ações desenvolvidas nos programas de saúde bem como na atenção básica, na média e alta complexidade em saúde. Segue uma síntese do conteúdo do documento: Este documento procurou fazer uma análise sucinta da política de saúde, com ênfase nos principais desafios a serem enfrentados na atualidade. [...] apresentou alguns embates teórico-metodológicos que têm ocorrido no Serviço Social com repercussão na saúde. Como conteúdo central, enfatizou os parâmetros para a atuação de assistentes sociais na saúde, tendo por objetivo fornecer subsídios para ampliar o debate e possibilitar uma reflexão dos profissionais face às ações realizadas bem como, fortalecer o projeto ético5 Este documento foi resultado de quatro reuniões de trabalho no período de julho de 2008 a março de 2009. Durante sua elaboração foram consultadas diferentes publicações. 4 político profissional. Não se pretendeu abordar todas as atribuições e competências, pois considera-se que estas estão em permanente construção, sendo um desafio aos assistentes sociais que atuam na saúde. Procurou-se centrar em algumas ações e destacar algumas polêmicas como, por exemplo, a ouvidoria, a humanização e as atividades burocráticas que são transferidas para o assistente social (PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA SAÚDE, 2009, p. 36). Por fim, o documento enfatiza a importância do fortalecimento do projeto éticopolítico profissional no cotidiano do trabalho do assistente social, contrapondo-se à difusão dos valores liberais que geram desesperança, conformismo e encobrem a apreensão da dimensão coletiva das situações sociais presentes na vida dos indivíduos e grupos. Historicamente a atuação do Serviço Social na saúde se deu no âmbito curativo e individual, apenas a partir da instituição do Sistema Único de Saúde (SUS) na transição entre as décadas de 1980/1990, houve a adoção da perspectiva da saúde como uma questão política, e assim um reconhecimento interno dos assistentes sociais em defesa de um Sistema Único condizente com o que preconiza a Constituição Federal de 1988. Desta forma, o assistente social da saúde deve promover ações que estejam articuladas com a proposta do SUS; com a criação de estratégias voltadas para a efetivação dos direitos da população, considerando o código de ética profissional, de modo que a prestação de serviço atenda às demandas sociais da contemporaneidade (CONTI e MAGNABOSCO, 2009, p. 2). Lembramos que, o assistente social tem em seu objeto de trabalho demandas dentro do espaço institucional que exigem respostas objetivas e concretas e para atendêlas ou mesmo enfrentá-las, é indispensável um preparo teórico e político, que possibilite articular as solicitações imediatas que necessitam de resposta rápida, com as implicações históricas – articular o particular com o geral. Além desse preparo o assistente social necessita pesquisar a realidade com a qual trabalha, possibilitando a elaboração de propostas competentes e eficazes para melhorar a qualidade dos serviços prestados, ou seja, sair do discurso para a prática. Então no âmbito da saúde o assistente social deve promover ações que estejam articuladas com a proposta do SUS; com a criação de estratégias voltadas para a efetivação dos direitos da população, considerando o código de ética profissional, o projeto ético-político e o projeto de reforma sanitária, de modo que a prestação de serviço atenda às demandas sociais da contemporaneidade, ou seja, numa perspectiva de universalização do direito à saúde e sua defesa como direito. A prática do Serviço Social no âmbito hospitalar consiste também em potencializar a orientação social com vistas à ampliação do acesso dos indivíduos e da coletividade aos direitos sociais. Neste ambiente é corriqueiro o trabalho em equipe, entretanto as atribuições do profissional de Serviço Social precisam ficar especificadas e divulgadas para os diversos profissionais, neste sentido, recorremos aos parâmetros para atuação de assistentes sociais na saúde adverte, que o assistente social tem tido: [...] dificuldades de dialogar com a equipe de saúde para esclarecer suas atribuições e competências face à dinâmica de trabalho imposta nas unidades de saúde em decorrência das pressões com relação à demanda e da fragmentação do trabalho. Entretanto, aponta estas dificuldades como fator que deve 5 impulsionar a realização de reuniões e debates entre os diversos profissionais para o esclarecimento de suas ações e estabelecimento de rotinas e planos de trabalho (PARÂMETROS PARA A ATUAÇÃO DE ASSISTENTES SOCIAIS NA SAÚDE, 2009, p. 24). Espera-se do profissional uma postura norteada por direitos e deveres constantes no Código de Ética Profissional e na Lei de Regulamentação da Profissão, ou seja, a postura do assistente social deve ser mais do que um técnico executor, que possa ousar enfrentar a realidade e os desafios de um profissional que também é um intelectual, respeitando os vínculos do poder institucional. Na contemporaneidade o profissional de Serviço Social no âmbito da saúde vem sendo requisitado para atuar também nos níveis de planejamento, gestão e coordenação de equipes, programas e projetos. Para tanto, sua atuação deve ser embasada pela realização de estudos e pesquisas que revelem as reais condições de vida e as demandas da classe trabalhadora, além dos estudos sobre o perfil e situação de saúde dos usuários e/ou coletividade. 3. Projeto “Reconstruindo o Fazer Profissional” uma análise acerca da sua efetivação no Complexo Hospitalar de Doenças Infecto-contagiosas Dr. Clementino Fraga O Complexo Hospitalar de Doenças Infecto-Contagiosas Dr. Clementino Fraga (CHCF) 6, localiza-se no município de João Pessoa, na Paraíba, considerado referência estadual no tratamento das doenças infecto-contagiosas, como: AIDS, tuberculose, hanseníase e Gripe A (H1N1) – a partir de 2009. Atualmente é mantido pelo Governo do Estado da Paraíba através da Secretaria de Saúde do Estado e presta atendimento médico hospitalar de alta resolutividade, com diagnóstico, tratamento e acompanhamento aos pacientes, assistência farmacêutica, laboratório e análises clínicas, além do atendimento multidisciplinar, com objetivo de oferecer suporte psicossocial tanto aos pacientes como a seus familiares. As situações vivenciadas no complexo hospitalar ora referenciado, apontam para a caracterização de um Serviço Social criativo, propositivo, dentro do que sugere o projeto ético-político da profissão, porém, encontramos resquícios dentro da instituição que sinalizam para posturas tradicionais, conservadoras, que acabavam por opor-se ao trabalho desenvolvido pelo setor trazendo prejuízos principalmente aos usuários da instituição. Dessa forma, a equipe de assistentes sociais7 da instituição formulou uma proposta de intervenção balizada no artigo 196 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 que trata acerca da saúde; na Lei n° 8.662/93, Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social, no Código de Ética Profissional do Assistente Social (1993); e nos Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde (2009), objetivando a reformulação das atividades desenvolvidas pela mesma de acordo com o projeto ético-político profissional e as diretrizes do SUS, visando um serviço público eficiente e de qualidade. 6 PARAÍBA. Secretária de Estado da Saúde. Informativo CHCF. Ano 01, nº. 01, João Pessoa, out dez/2008. 7 A equipe de profissionais do Serviço Social no CHCF é composta por dezenove assistentes sociais: a coordenadora – gerente do Serviço Social no CHCF –, e mais dezoito assistentes sociais que se dividem em duas equipes – a equipe que atende às demandas do hospital: os quatro pavilhões e o pronto Atendimento (PA), e a equipe que atende as demandas do ambulatório: Atendimento Domiciliar Terapêutico (ADT), Serviço de Assistência Especializada (SAE) e o Hospital Dia (HD). 6 Nele foram definidas referências centrais e mínimas com intuito de obter uma unidade de atuação do Serviço Social nos diferentes espaços de atendimento – ambulatório, enfermarias – além de responder a exigências da articulação de ações na atenção integral à saúde dos usuários deste serviço. Procurando, nesse sentido, expressar a totalidade das ações que são desenvolvidas pelos assistentes sociais considerando a perspectiva de atuação em diversas ações de forma interdisciplinar. Traçamos o perfil dos assistentes sociais do CHCF e identificamos que à faixa etária desses profissionais expressa uma categoria formada por adultos-jovens com idade entre 21 e 30 anos (70%); quanto ao tempo de formação profissional verificamos a predominância (70%) dos profissionais com no máximo 10 anos de formação, reflexo do aumento da oferta de cursos de graduação presenciais e a distância, outro elemento relevante a ser considerado nesta área é o fato do currículo contemporâneo apresentar características renovadas e propositivas, compromissado com os trabalhadores. Com relação ao tempo de serviço prestado à referida instituição, os profissionais em sua maioria expressiva (90%), trabalham a menos de cinco anos, o que comprova o aumento das demandas para o Serviço Social ampliando o espaço sócio-ocupacional para esta categoria profissional. Ainda tratando sobre a formação profissional, no que se refere à qualidade da formação acadêmica, entendendo que este fator reflete diretamente no desenvolvimento da prática profissional, percebemos que a maioria (90%) considerou como “boa”, atendendo positivamente em face à precarização do ensino superior; por fim, identificamos que a maior parte dos profissionais (60%) considera-se satisfeitos com a profissão, o que nos remete a acreditar em uma melhoria nas condições de trabalho desta categoria profissional, marcada historicamente pela precarização do seu trabalho. Com o intuito de perceber como se dá a prática profissional no CHCF, indagamos aos assistentes sociais como definem a sua prática na instituição, e apesar de um perfil profissional mais crítico, a maioria das opiniões aponta para uma prática conservadora, pragmática e burocrática. Entendemos como prática conservadora, colocada pelos profissionais em seus depoimentos, como as demandas postas pela instituição ao Serviço Social que aprisionam o profissional numa rotina cotidiana altamente marcada pelo atendimento das situações emergenciais como sendo atribuição do Serviço Social. Percebemos também uma resistência profissional a essa prática na medida em que alguns depoimentos trazem referência ao projeto-ético- político. Outro depoimento evidencia a luta dos profissionais para efetivação do projeto que redireciona a prática profissional na instituição Interrogados sobre as dificuldades postas no cotidiano institucional que afetam diretamente sua prática, os profissionais apontaram opiniões diversificadas. Para eles as dificuldades transitam desde as condições de estrutura física, gestão do serviço, falta de comunicação, a cultura de um Serviço Social conservador e o próprio desconhecimento pelos demais profissionais das atribuições e competências do assistente social. Embora o Serviço Social esteja inscrito na divisão sócio-técnica do trabalho como uma profissão autônoma, o profissional no seu cotidiano não goza dessa autonomia, visto que, ele precisa ser contratado para realizar sua prática profissional, em outras palavras, o Serviço Social precisa acionar os recursos institucionais para realizar suas ações, nesse sentido a precarização desses recursos expressos pela falta de estrutura física ao profissional, mecanismos de gestão conservadores, falta de materiais essenciais necessários para o desenvolvimento de ações e recursos para se converterem em meios/estratégias de atendimentos aos usuários engessam o assistente social, muitas vezes, não lhe restando alternativa se não atender apenas as demandas da instituição. 7 No âmbito da saúde a prática do Serviço Social consiste também em prestar orientação social objetivando a ampliação do acesso dos indivíduos e da coletividade aos direitos sociais. Nesta área o trabalho em equipe é algo comum e necessário, entretanto as atribuições do profissional de Serviço Social precisam ser especificadas e ainda divulgadas para os demais profissionais da área, para que não haja desconforto entre os diversos profissionais da equipe, enfatizando que os profissionais, em decorrência de sua formação, têm distintas competências e habilidades para assim desempenhar suas funções. Compreendemos que as demandas postas para o serviço são saturadas de determinações políticas, econômicas, culturais e ideológicas e que exigem mais do que respostas técnico-institucionais. É necessária uma articulação com conhecimentos específicos para dar conta da complexidade dessas demandas, da constante capacitação e vinculação dessa atuação com o projeto ético-político da profissão. Por vezes, é necessário, ultrapassar as rotinas institucionais na tentativa de apreender, no movimento da realidade, as tendências e possibilidades presentes, possíveis de serem apropriadas pelo profissional, desenvolvidas e transformadas em projetos de trabalho. Além de um acompanhamento atento do movimento das classes sociais, dos movimentos sociais, com intuito de incorporar algumas propostas e demandas nos programas no espaço institucional e fazer valer o apoio deste. Outra questão que é decisiva e a compreensão dos liames do poder institucional, isto exige que os assistentes sociais sejam mais que técnicos executores, que possam ousar enfrentar a realidade e os desafios de um profissional que também é um intelectual. [...] o significado social da prática profissional não se revela de imediato, não se revela no próprio relato do fazer profissional, das dificuldades que vivenciamos cotidianamente. A prática profissional [...] adquire seu sentido, descobre suas alternativas na história da sociedade da qual é parte (IAMAMOTTO, 2004, p. 120). Quando indagados se o Projeto “Reconstruindo o Fazer Profissional” contribuiu para um melhor esclarecimento das atribuições do Serviço Social, percebemos que a falta de comunicação com os outros profissionais, é mencionado como algo decisivo impossibilitando o esclarecimento acerca do papel do assistente social na instituição, continuando o mesmo a ser requisitado para intervir em situações que não são de sua competência. Assim compreendemos que diante de uma prática marcada pelos atendimentos das demandas emergenciais, em virtude da precarização das condições de trabalho, a prática do assistente social não consegue diferencia-se de outras funções num processo que obscurece as atribuições e competências para o profissional e para a equipe de trabalho. Confirmando como a profissão é percebida pelas demais categorias, com um forte traço assistencialista, esquecendo que o usuário do sistema é um sujeito de direito e não um mero expectador, em busca de favores e caridade. O profissional em Serviço Social ainda não é percebido como um viabilizador de direitos já garantidos constitucionalmente. Outro aspecto a ser considerado é a publicização do referido projeto, os projetos profissionais, assim como os societários devem ser constantemente difundidos, discutidos ao ponto que se tornem públicos para os demais seguimentos sociais, no caso particular do CHCF, para os demais profissionais da equipe, gerência, coordenações e chefia. A esse respeito corroboramos com Netto (1996) quando aponta que do ponto de vista profissional o projeto implica o compromisso com a competência, que só pode ter como base o aperfeiçoamento intelectual do assistente social, como bem coloca e ainda acrescenta que em sua dimensão política: 8 [...] ele se posiciona a favor da equidade e da justiça social, na perspectiva da universalização do acesso a bens e a serviços relativos às políticas e programas sociais; a ampliação e a consolidação da cidadania são explicitamente postas como garantia dos direitos civis, políticos e sociais das classes trabalhadoras (NETTO, 1999, p. 105). Em suma, percebemos que os desafios e as dificuldades postos aos assistentes sociais no âmbito da saúde, especificamente no CHCF, são grandes, contudo, e diante de uma conjuntura tão adversa e cheias de práticas neo-conservadoras, a proposição desses profissionais pode ser considerada como um grande avanço, além de refletir uma formação mais crítica e o comprometimento com o projeto ético-político da profissão, apesar de não conseguir efetivá-lo. Algumas considerações Apesar do significativo avanço das políticas sociais no âmbito da saúde, ainda há muito a ser feito para obter a garantia e concretização dos direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1988. Portanto, é necessário que exista uma relação com os usuários como cidadãos de direitos, observando a relação orgânica do direito à saúde com outros direitos sociais garantidos pela Constituição – educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados –, bem como o direito ao controle social. A respeito da prática do Serviço Social na instituição referenciada – o CHCF – observamos que apesar do perfil profissional apontar para um caráter crítico as demandas impostas pela instituição tem caráter conservador, pragmático além de muito burocrática, entretanto, ressaltamos a resistência dos assistentes sociais, que estão sempre se remetendo-se ao projeto ético-político da profissão. Já em relação às dificuldades postas no dia a dia institucional consideramos que as alternativas que restam a estes profissionais é atender apenas as demandas da instituição. Destarte, no que concerne a questão central que norteia o nosso estudo, isto é, a análise sobre o processo de efetivação do Projeto “Reconstruindo o Fazer Profissional” no CHCF, percebemos que o maior desafio é a implementação e o estabelecimento do projeto, já que o mesmo traz mudanças significativas e tem como alvo o sistema hospitalar como um todo e não apenas parte dele – no que diz respeito à atuação dos profissionais do Serviço Social. Este projeto aponta as características do sistema hospitalar que é multifacetado, composto por vários outros setores – conjunto de profissionais de outras áreas –, que tem diferentes formatos organizacionais, além de múltiplos papéis e funções. Também, verificamos que a prática do assistente social frente às demandas institucionais não obtém o resultado adequado, já que em virtude da precarização das condições de trabalho, sua prática não diverge de outras funções num processo que obscurece e acaba por encobrir as reais atribuições e competências do assistente social. No entanto, é perceptível que apesar dos entraves que dificulta a implementação do projeto em sua totalidade, existe na equipe do Serviço Social uma intencionalidade em transformar a prática tradicional existente. Acreditamos que a postura profissional adotada pelos assistentes sociais da instituição, agora referenciada, que aponta para um Serviço Social criativo, propositivo que expressa em sua prática cotidiana o compromisso com a excelência e a qualidade nos serviços prestados aos usuários, buscando articularse com as demais categorias profissionais da área de saúde, na garantia dos direitos sociais de cada indivíduo, pode torna-se uma referência para outras unidades de saúde do Estado. 9 Referências BRAVO, Maria Inês Souza [et al.] (orgs.). Saúde e Serviço Social. 4ª ed. São Paulo/SP: Cortez, Rio de Janeiro/RJ: UERJ, 2009. CFESS. Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde (CFESS, março de 2009). CONTI, Verena, MAGNASBOCO, Raquel Maria Cassimiro. 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