Caravana, ou Sobre Aquilo Que
Não se Diz. (detalhe) 2005
E n t r e v i s ta
Poesia Buenos Aires
Rodo l fo A lo ns o
– Sua amizade com o Brasil é umas das
páginas mais expressivas de sua biografia. Nela se aprofunda sua
ancestralidade ibérica, como se o Brasil e a Argentina reivindicassem um estreito parentesco, nem sempre declarado?
RODOLFO ALONSO – Como sempre na minha vida, as coisas simplesmente me acontecem, nunca são fruto de um plano ou de um
projeto. Eu me descobri profundamente ligado ao Brasil desde que
tenho memória, desde os meus primeiros anos.
A contagiosa personalidade e diversidade da vida cultural e social do povo brasileiro, a sensualidade expressiva da sua linguagem
e da sua música logo me seduziram. De fato, os primeiros poetas
que traduzi foram os grandes modernistas brasileiros. E, apesar de
minha inata timidez, travei amizade com Drummond e Murilo, que
me enviaram seus livros e suas cartas. E isso foi só o começo.
Revista Brasileira
* Tradução
Poeta, crítico,
tradutor,
reconhecido
internacionalmente,
especializado em
literatura de língua
espanhola, italiana
e sobretudo
brasileira.
de Ana Lea Plaza.
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Rodolfo Alonso
Desde então até hoje, difundi e traduzi a grande literatura brasileira ao
castelhano. E conheci o Brasil, quando fui convidado para Bahia, Curitiba,
Passo Fundo, Brasília, Belo Horizonte, Ouro Preto, Rio. Experimentei, assim,
a maravilhosa sensação de sentir-me, por fim, imerso neste planeta vivo que
é o Brasil.
Só muito mais tarde intuí qual podia ser talvez a razão de tudo isso. De
pais galegos – o primeiro dos meus, nascido em Buenos Aires – e infância
bilíngue, se tive algum dom, foi o dom das línguas, o do ouvido. Nunca
precisei aprender português. Quem sabe no meu sangue vinham aqueles
trovadores que cantavam em galaico-português muito antes de que existissem as nações.
Em 1984, após a ditadura, tive a sorte de assistir emocionado ao primeiro
encontro dos presidentes Sarney e Alfonsín, onde se cimentou o Mercosul,
reunindo a Argentina com o Brasil tão solidamente, que agora são o motor
da Unasul, entre as novas democracias soberanas do nosso continente. Estas, por sua vez, estão unidas como nunca e como nunca antes atentas cada
uma à sua própria identidade, ao seu próprio caminho dentro do destino
geral, ampliando, na sua grande maioria, as liberdades constitucionais e os
direitos humanos, com a inclusão popular e a justiça social. Fico contente
por isso.
RB – Como primeiro tradutor de Fernando Pessoa na América Latina, você
já dava mostras de qual havia de ser a sua carta de navegação?
RA – Devem ter sido, suponho, minhas primeiras traduções de grandes poetas brasileiros que fizeram com que, sendo tão jovem, me pedissem para
selecionar e traduzir Pessoa, quando ainda era quase um desconhecido, inclusive em Portugal. Nesse mesmo ano me encarregaram a poesia completa
de Cesare Pavese e um romance de Marguerite Duras. E, no ano seguinte,
uma ampla antologia de Ungaretti. Só com isso, de entrada, era evidente
(ainda que eu não soubesse) que meu destino já estava fixado. Escrever
e também traduzir poesia, o que muito provavelmente é outra forma de
escrevê-la, não é?
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Poesia Buenos Aires RB –
Outra marca da sua trajetória foi a revista de vanguarda Poesía Buenos
Aires. Para além do grande papel desempenhado pelo grupo, o que subsiste
na sua poesia?
RA – Como disse, essas coisas me aconteceram, jamais as planejei. Introvertido e tímido, no meio do ensino secundário, a noite em que eu fazia os meus
17 anos, descobri-me transformado no membro mais jovem da revista Poesía
Buenos Aires. Foram anos fecundos e velozes, de entrega e crescimento.
Num clima de humor, nada solene, ao longo de uma década, 30 números
de uma revista de vanguarda feita por jovens, uniram criação, tradução e reflexão ao redor da poesia. E se disse que mudaram a forma de viver e de escrever
poesia, não só na Argentina, e até mesmo mais além.
Fraternidade e exigência foi o que, de início, senti que me propunham. E é
o que, sinto eu, me acompanhou até aqui. A gente era admitida com absoluta
liberdade, entre brincadeiras e risos; mas poesia era coisa séria.
RB – Sua amizade com Aldo Pellegrini e todo um regime de planos e desa-
fios estéticos que o levariam aos poetas franceses e italianos permanecem
acesos, como se pode ver em seu livro Defesa da poesia.
RA – Ao mesmo tempo em que me integrava à Poesía Buenos Aires, fraternizei
com os surrealistas. Entre eles, Aldo Pellegrini, figura central, pioneiro do
Surrealismo fora da Europa e na América Latina, foi muito generoso comigo.
Ele me propôs, muito jovem, selecionar e traduzir nada menos que Pessoa e
Ungaretti.
Mas o contato, como experiência viva, não apenas literária, com os grandes
da poesia francesa (especialmente surrealistas) ou italiana, junto com o que eu
bebia em Língua Portuguesa – sobretudo no Brasil, mas também em Portugal
–, surgia tanto de uma como de outra fonte. E muitas vezes eram descobertas
pessoais, que se compartilhavam como uma alvoroçada novidade.
– Cito ao acaso alguns poetas que você traduziu: Bandeira, Dante Milano, Cecília, Murilo, Schmidt, Cabral, Drummond. A oficina de tradução,
aberta em todos esses anos, continua ativa para este canto do mundo?
RB
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Rodolfo Alonso
RA – Também
traduzi Guimarães Rosa e Mário de Andrade (tarefa nada fácil), Machado de Assis e Olavo Bilac, Aníbal M. Machado, Clarice e Vinícius.
Esse manancial não está fechado. Ao contrário, Editorial Alción acabou de publicar duas antologias minhas: Poesia escolhida, de Drummond, e A poesia sopra onde
quer, de Murilo, em que cumpro um velho sonho: reunir tudo o que traduzi de
cada um. Mas o Brasil não me abandona. Não pode. E eu também não posso
abandoná-lo. De modo que continuarei incorrendo em traduções.
– Gostaria de ouvi-lo falar sobre Juan Gelman, seu grande “companheiro de viagem”, para usar a expressão cara a Alceu Amoroso Lima.
RA – Juan Gelman, poucos anos mais velho do que eu, passou-me seu primeiro livro quando já tinham publicado um par de títulos meus. No início, não
fomos tão assíduos, nossas vidas nem sempre se atravessaram. Tudo mudou a
partir do nosso reencontro, em meados de 1994, no caudaloso Festival Internacional de Poesia de Medellín.
Lembro que Juan me convidou quase secretamente a seu hotel, onde me
dedicou o belo “Dibaxu”, recentemente aparecido. A partir de então, graças
a sua desmedida generosidade, nos descobrimos muito unidos. Juan é um
grande poeta, justamente celebrado, capaz de continuar arriscando-se em cada
novo livro, sem decair em retórica nenhuma de si mesmo. E, algo tanto mais
extraordinário, é absolutamente isento de qualquer vaidade, um devoto servidor da poesia (“A senhora”, como costuma chamá-la). Ao mesmo tempo,
é não menos devoto servidor da amizade, dono de uma ampla e fraternal
acolhida, de uma cálida hospitalidade de braços sempre abertos.
RB
– Sua obra poética se constitui quase que num plano goetheano, atento
à filologia da Weltliteratur, em sintonia com as línguas do mundo e de nosso
tempo. Quais serão seus próximos passos?
RA – Não sei. Eu me deixo levar. Sempre o tenho feito. Jamais faço projetos.
A poesia me acontece, insisto. E, ao mesmo tempo, estou sempre rodeado de
trabalho. Reviso um novo livro com meus poemas dos últimos anos: A flor de
lábios. E tento ordenar, para volumes coletivos, a totalidade dos meus textos de
RB
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Poesia Buenos Aires poesia. (Custa-me dizer: poesia completa. Soa-me oximoro). Só se editou até
hoje um volume que reúne minhas seis primeiras obras, de extrema juventude:
A favor do vento.
E espero que apareçam, junto com livros próprios, novas traduções na Argentina, no México, na Venezuela, em Cuba (Éluard, Pessoa, Dino Campana,
Mário de Andrade, Celan e outros poetas alemães do pós-guerra, Jacques Prévert, Guimarães Rosa etc.). Dirijo uma nova coleção, “A Grande Poesia”, para
Eduvim (Editorial Universitaria Villa María). Sempre bilíngues, já saíram as
minhas versões de Baudelaire e Dino Campana, e estão preparando Guillaume
Apollinaire. Evidentemente que irão poetas brasileiros.
Tive a sorte de ser editado na Argentina e em mais de uma dezena de países. Mas muito pouco na Espanha pós-moderna, nada em Portugal e só uma
vez no meu amado Brasil, onde espera um editor meu recente Poemas pendentes,
com comovedora introdução do meu velho e querido amigo Lêdo Ivo, e esplendidamente traduzido por Anderson Braga Horta.
Mas só deveria agradecer. Busquemos primeiro ser dignos do dom da poesia, que todo o resto nos será dado por acréscimo.
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Entrevista - Academia Brasileira de Letras