ANÁLISE DAS CONCENTRAÇÕES DE OZÔNIO EM SUPERFÍCIE E SUA POSSÍVEL RELAÇÃO COM
DADOS DE ALTURA DA CAMADA LIMITE OBTIDA ATRAVÉS DO SODAR DOPPLER
Edmilson Dias de Freitas, Maria de Fátima Andrade e Pedro Leite da Silva Dias
Departamento de Ciências Atmosféricas – IAG – USP
Rua do Matão, 1226, Cid Universitária, São Paulo, SP, 05508-900
e-mail: [email protected]
ABSTRACT
In this work, the behavior of ozone concentration during 1999’s winter is analyzed. Although a lot of studies have
indicated a negative correlation between most pollutants and inversion height, for the ozone concentration the
multivariate and correlation analyses indicate a different relationship, when there is any relationship. In most cases,
high concentration of ozone is associated with relatively high values of inversion high, suggesting the dependence on
the solar radiation for both parameters. From the pollution dispersion point of view, the passages of frontal systems
seem to be the most important factor.
INTRODUÇÃO
A relação entre as condições atmosféricas e a concentração de poluentes tem sido estudada por muitos
pesquisadores. Para a maior parte dos poluentes, verifica-se que altas concentrações estão relacionadas a valores
relativamente baixos da altura da camada limite planetária (CLP) (Setzer et. al., 1980; Sanchez-Ccoyllo, 1998),
indicando assim, uma correlação negativa. Tais condições são comumente observadas durante o período de inverno,
quando a incidência de radiação solar é relativamente pequena impossibilitando um grande crescimento da camada
limite. No entanto, o ozônio, um oxidante fotoquímico, sofre grande dependência da radiação solar e, assim, apresenta
um comportamento diferente dos outros poluentes.
A poluição do ar por oxidantes fotoquímicos (conhecida como smog) consiste numa mistura de espécies como
ozônio, dióxido de nitrogênio, peroxiacetilnitrato e peróxido de hidrogênio. Esses e outros poluentes são produzidos
como resultado da ação da luz solar nos óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos reativos, sendo que em geral esses
poluentes não são de origem primária mas sim resultado de reações na atmosfera, depois da sua emissão
principalmente devido a queima de combustíveis (p. ex. gasolina e álcool).
A região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é a região mais industrializada da América Latina com uma área de
8051 km2 e uma população de 16,3 milhões de habitantes. Atualmente existem cerca de 5 milhões de veículos:
aproximadamente 300.000 veículos pesados a diesel e 4,7 milhões de veículos leves, sendo destes, 3,7 milhões
utilizando uma mistura de 78-80% (v/v) de gasolina e 20-22% etanol, e 1,0 milhão utilizando etanol hidratado. A
adição de etanol como combustível reduz a emissão de CO mas aumenta a emissão de aldeídos (especialmente
acetaldeído), induzindo um problema de poluição fotoquímica bastante característico desta área urbana.
Nos últimos anos várias ocorrências de ultrapassagens do padrão de ozônio têm sido observadas pelas estações da
rede telemétrica da CETESB. O ozônio como exposto acima, não é emitido diretamente para a atmosfera, mas sim
formado das reações fotoquímicas entre os compostos orgânicos voláteis (VOC) e os óxidos de nitrogênio. Deve-se
lembrar que os VOC possuem diferentes potenciais de formação de ozônio (Carter, 1994 ). Para a RMSP considera-se
que aproximadamente 90% dos precursores do ozônio são emitidos para a atmosfera pela frota veicular (CETESB,
1999). De acordo com o inventário oficial, 22% dos hidrocarbonetos são emitidos pela queima de gasolina (aditivada
com 22% de álcool), 15% por veículos diesel, 6% pelos veículos movidos a etanol e 5% por motocicletas. Outra
grande contribuição de hidrocarbonetos para a atmosfera é a fração decorrente da evaporação pelo veículo e no
processo de abastecimento do combustível, com 48% do total dos HC. Para o NOx, 78% é emitido pelos veículos
diesel, 13% pelos à gasolina, e 4% pelos veículos movidos à etanol.
As estações da rede telemétrica da CETESB que medem ozônio na RMSP, encontram-se, em geral, em regiões de
grande tráfego e portanto esse poluente apresenta um comportamento semelhante nesses locais, com exceção da
estação da Lapa , onde tem-se registrado ao longo do tempo um comportamento diferente das outras estações. Nessa
estação acredita-se exista uma participação maior das emissões das fontes industriais, o que implica em um potencial
de formação de ozônio dos precursores diferente dos de origem veicular.
2913
Na figura 1 observa-se que para o período de 24 de julho a 15 de agosto de 1999, as concentrações de ozônio
medidas na estação telemétrica da Lapa são em geral mais baixas que nas outras estações, como por exemplo Mauá e
Moóca. Esse comportamento já foi observado em outros períodos, como descrito em Massambani e Andrade (1994).
Sendo assim, este trabalho objetiva verificar o comportamento deste poluente durante o período de inverno no ano
de 1999, quando foi realizada uma campanha intensiva de medidas na região metropolitana de São Paulo (RMSP)
como parte do Projeto Temático “Meteorologia e Poluição Atmosférica em São Paulo” (Projeto FAPESP nº 96/14034), e a sua relação com a altura da CLP.
Figura 1: Evolução temporal das concentrações de ozônio em três estações da rede telemétrica da CETESB. Podese observar as concentrações relativamente mais baixas na estação da Lapa.
MATERIAL E MÉTODOS
Apesar da existência de outras fontes de dados o tratamento desses ainda está em andamento. Sendo assim, a
análise foi realizada através da utilização dos dados de concentrações de poluentes, distribuídas em toda a RMSP,
coletados por 10 estações automáticas da rede da CETESB e os dados de altura da inversão térmica, considerada como
altura da CLP, fornecidos pelo Sodar Doppler (tipo phased-array mod PA2 – Remtech), instalado na cidade
Universitária durante o período do experimento. As estações de medida de concentração de ozônio utilizadas e suas
respectivas localizações foram:
§ Diadema:
lat 23º 40’
lon 46º 36’
§ Cubatão centro: lat 23º 52’
lon 46º 25’
§ Mauá:
lat 23º 39’
lon 46º 27’
§ Osasco:
lat 23º 31’
lon 46º 46º
§ Lapa:
lat 23º 30’
lon 46º 41’
§ São Caetano: lat 23º 36’
lon 46º 34’
§ Ibirapuera:
lat 23º 34’
lon 46º 39’
§ Moóca:
lat 23º 32’
lon 46º 36’
§ Santana:
lat 23º 32’
lon 46º 38’
§ Pq. D. Pedro II: lat 23º 32’
lon 46º 37’
Os dados estavam disponíveis em médias horárias e correspondem ao período de 24 de julho a 15 de agosto de
1999. Foram utilizados somente dados considerados consistentes segundo o critério utilizado pela CETESB.
A altura da inversão é obtida pelo sodar através do retroespalhamento de ondas sonoras emitidas para a atmosfera.
Inversões térmicas são bem identificadas pelo Sodar por refletirem uma grande quantidade da potência recebida por
2914
elas de volta para o instrumento. Uma descrição detalhada sobre as características e o princípio de funcionamento deste
tipo de Sodar Doppler pode ser vistas em Freitas et. al., 1999. Assim como para as concentrações, foram utilizadas
médias horárias para os dados de inversão.
Para a análise foi necessária a padronização dos dados. Esta padronização foi feita através do cálculo das médias
para cada horário e subseqüente cálculo do desvio padrão, sendo cada dado posteriormente dividido pelo desvio padrão
horário. Desta maneira a análise é feita em termos das diferenças entre desvios padrão dos dados de concentração de
ozônio e a altura da inversão.
Além de uma análise das correlações entre ozônio e inversão, foram utilizados dois métodos de análise
multivariada, a análise de ‘Clusters’ (AC) e a análise de componentes principais (ACP). Descrições detalhadas desses
métodos podem ser encontradas em Wilks (1995) e não serão apresentadas aqui.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Análise de ‘Clusters’ (AC) foi aplicada utilizando-se o método de Ward e, para a determinação da distância de
corte, uma análise subjetiva no gráfico envolvendo as distâncias de ligação entre os grupos e os passos da análise
(Wilks, 1995). Através da utilização da AC foram obtidos três grupos com comportamento semelhante, sendo dois
deles compostos pelos dados de concentração de ozônio e o outro unicamente pelos dados de altura da inversão (Figura
2). O primeiro grupo de poluentes é formado pelas estações de Cubatão, Diadema, Mauá, São Caetano do Sul, Osasco
e Santana e o segundo pelas estações do Ibirapuera, Moóca, Parque Dom Pedro II e Lapa. Este resultado sugere que
não se pode realizar uma análise envolvendo todas as estações simultaneamente ou mesmo obter uma série que seja
representativa de toda a RMSP. Qualquer análise desse tipo deve ser feita considerando os dois grupos de poluentes e a
altura da inversão separadamente, ou seja, podem ser montadas séries representativas de cada um dos três grupos e
reduzir a análise para no mínimo três variáveis. Outro resultado que pode ser verificado é que não parece existir uma
ligação direta entre a altura da inversão e a concentração de ozônio em superfície dada a grande distância de ligação
entre essas variáveis como pode ser visto no dendograma da figura 2.
Figura 2: Dendograma obtido da AC para os dados padronizados de ozônio e altura da inversão.
2915
Os resultados obtidos pela Análise de Componentes Principais (ACP) apresentam boa concordância com aqueles
obtidos pela AC. Neste caso, foram obtidos dois autovalores significativos. O primeiro, formado pelos dados de
concentração de poluentes e o segundo, pela altura da inversão. Os dois autovalores somados respondem por cerca de
70% da variância total. A tabela 1 apresenta os “factor loadings” obtidos na análise.
Através da ACP verifica-se novamente que não parece existir relação entre as concentrações de ozônio e a altura da
inversão. No entanto, uma análise das correlações existentes entre esses parâmetros (Tabela 2) mostra que eles são
positivamente correlacionados, apesar de ser baixa tal correlação. Isso se deve ao fato de que, tanto a altura da inversão
quanto a concentração de ozônio, um oxidante fotoquímico, serem altamente dependentes da radiação incidente.
Enquanto que, para outros poluentes, baixas alturas de inversão contribuem para altos valores de concentração, para o
ozônio esse não é um fator determinante.
Tabela 1: “Factor Loadings” obtidos na ACP. Valores absolutos maiores que 0,7 são indicados em vermelho.
Estação / Variável
Cubatão Centro
Diadema
Ibirapuera
Lapa
Mauá
Moóca
Osasco
Parque Dom Pedro II
Santana
São Caetano do Sul
Altura da Inversão
1º Componente
-0.597863
-0.815775
-0.890327
-0.712297
-0.797524
-0.901571
-0.747062
-0.869202
-0.800465
-0.880707
-0.342769
2º Componente
-0.397285
-0.084606
-0.176628
0.394892
-0.199676
-0.023034
0.394629
0.221839
0.199151
-0.050564
-0.700134
Tabela 2: Matriz de correlação entre os dados padronizados de concentração de ozônio e altura da inversão.
Cubatão
Diadema
Ibirapuera
Lapa
Mauá
Moóca
Osasco
Pq. Pedro
Santana
S. Caetano
Inversão
Cub.
Diad.
Ibir.
Lapa
1,00
0.48
0,56
0,22
0,50
0,47
0,41
0,37
0,40
0,50
0,27
0,48
1,00
0,72
0,49
0,71
0,47
0,54
0,64
0,53
0,78
0,22
0,56
0,72
1,00
0.55
0,71
0,67
0,56
0,74
0,59
0,78
0,37
0,22
0,49
0,55
1,00
0,41
0,87
0,58
0,73
0,60
0,53
0,16
Mauá Moóca Osasc
o
0,50
0,47
0,41
0,71
0,67
0,54
0,71
0,87
0,56
0,41
0,65
0,58
1,00
0,67
0,49
0,65
1,00
0,58
0,49
0,58
1,00
0,56
0,86
0,69
0,60
0,66
0,68
0,76
0,74
0,61
0,26
0,35
0,02
P.
Pedro
0,37
0,64
0,74
0,73
0,56
0,86
0,69
1,00
0,69
0,67
0,25
Sant.
0,40
0,53
0,59
0,60
0,60
0,66
0,68
0,69
1,00
0,69
0,22
S.
Caet
0,50
0,78
0,78
0,53
0,76
0,74
0,61
0,67
0,69
1,00
0,25
Invers
ão
0,27
0,22
0,37
0,16
0,26
0,35
0,02
0,25
0,22
0,25
1,00
Uma análise na série de concentrações de ozônio da estação Mauá (Figura 3), a qual apresentou as mais altas
concentrações no período, ultrapassando por duas vezes o nível de atenção declarado pela CETESB (200 µg/m3) dá
uma idéia da dependência com a radiação. Em geral, observam-se valores elevados durante à tarde. Em alguns dias,
existe uma queda significativa nas concentrações. Observou-se que tais quedas se devem à passagem de sistemas
frontais pela região, ocasionando bastante nebulosidade e impedindo a passagem de radiação. Uma amostra desse fato
pode ser verificada na figura 4, que apresenta duas imagens de satélite no canal infravermelho para os dias 14 e 15 de
agosto de 1999 às 1200 Z. Embora não seja apresentado aqui, para os outros dias em que tais quedas foram
observadas, em sua grande maioria foi verificada a influência da passagem desses sistemas.
2916
Figura 3: Série das concentrações de ozônio na estação Mauá para o
período de 24 de julho a 15 de agosto de 1999.
Figura 4: Imagens do satélite GOES-8 no canal IR para os dias 14 e 15 de agosto às 1200 Z,
mostrando a passagem de um sistema frontal sobre a RMSP.
2917
Observando as séries médias das concentrações de ozônio em todas as estações (Figuras 5 a-c) verifica-se a
existência de dois máximos no ciclo diurno. O primeiro (de menor amplitude) próximo às 05 HL e o segundo entre 15
e 17 HL. Dadas às propriedades fotoquímicas do ozônio, é interessante notar a presença de um máximo relativo
durante o período noturno. Como não existe radiação disponível, é provável que exista um transporte desse poluente de
outras regiões ou de níveis mais elevados dentro da CLP, resultado de um acúmulo de ozônio produzido no dia
anterior. Para explorar esta possibilidade, foram analisados os principais episódios com concentração máxima no
período noturno durante o período de interesse. Em todos os episódios observou-se a existência de jatos noturnos de
baixo nível, em geral abaixo de 500m. A maioria dos casos apresenta o jato na direção SW a NE, com trajetórias de
parcelas de ar predominantemente do interior do continente. Jatos noturnos podem provocar significativo transporte
vertical de constituintes em função da turbulência mecânica induzida pelo intenso cisalhamento vertical do vento
(Stull, 1988). Portanto, dado que as queimadas produzem altas concentrações de ozônio troposférico (Kirchoff et al.
1991) em baixos níveis, é plausível supor que nas condições de jato noturno seja viável o transporte vertical de ozônio
produzido pelas queimadas no interior do continente. Um exemplo desse padrão é mostrado na Figura 6 , onde o
campo do vento em 289 m acima da superfície é mostrado no dia 08/08/1999 às 03 HL. A Figura 7 mostra a evolução
temporal do perfil vertical da magnitude do vento horizontal (observar a máxima intensidade abaixo de 200 m da
superfície às 09 UTC (06 HL) e da componente vertical do vento (w em m/s) num ponto de grade localizado sobre a
RMSP (23.5 S e 46.5 W). Observa-se, no campo de w, indícios claros da atividade de ondas de gravidade (observar a
oscilação do sinal de w), parâmetros indicativos do processo turbulento noturno associado ao jato de baixo nível. Os
campos de vento mostrados na Figura 6 e 7 foram obtidos no ciclo de assimilação do modelo RAMS (Regional
Atmospheric Modeling System), descrito em Sanchez-Ccoyllo e Silva Dias (2000) com resolução horizontal de 5 km.
(a)
(b)
(c)
Figura 5 Ciclo médio diurno das concentrações de ozônio para as dez estações utilizadas,
relativo ao período de 24 de julho a 15 de agosto de 1999.
2918
Figura 6: Campo do vento a 289 m da superfície às 03 HL do dia 08/08/1999. Resultados obtidos das simulações com o
modelo RAMS realizadas por Sanchez-Ccoyllo e Silva Dias (2000).
Figura 7: Evolução temporal do vento horizontal (em cores) e da componente vertical do vento, w, (contornos) entre os
dias 07 e 08 de agosto de 1999. A barra de cores indica a magnitude do vento (em m/s).
Obtido das simulações de Sanchez-Ccoyllo e Silva Dias (2000).
2919
CONCLUSÕES
Através dos métodos de análise multivariada utilizados verifica-se que durante o período analisado, não há
nenhuma relação direta entre as concentrações de ozônio e a altura da CLP, sendo que os dois métodos utilizados
apresentaram boa concordância entre si. Segundo a Análise de ‘Clusters’, as concentrações de ozônio possuem
comportamento diferente podendo ser divididas em dois grupos homogêneos sendo o primeiro constituído pelas
estações de Cubatão, Diadema, Mauá, São Caetano do Sul, Osasco e Santana e o segundo pelas estações do Ibirapuera,
Moóca, Parque Dom Pedro II e Lapa.
Embora tenham sido obtidos valores baixos de correlação entre as concentrações de ozônio e a altura da inversão,
essa correlação é sempre positiva indicando a alta dependência com a radiação desses dois parâmetros.
Do ponto de vista da dispersão de poluentes, a passagem de sistemas frontais parece ser um dos principais
contribuintes para a diminuição das concentrações de ozônio.
Existem dois máximos de concentração no ciclo diurno médio das concentrações de ozônio. O primeiro (de menor
amplitude) próximo às 05 HL e o segundo entre 15 e 17 HL.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer a CETESB pela concessão dos dados de concentração de ozônio e a Fundação
de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP - pelo financiamento desse trabalho.
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KIRCHHOFF, V.W.J.H., MARINHO, E.V.A., SILVA DIAS P.L., PEREIRA, E.B., CALHEIROS, R.V., ANDRÉ,
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2920
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