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L.L. SILVA & A.A.S. PAOLI
CARACTERIZAÇÃO MORFO-ANATÔMICA DA SEMENTE DE
Zanthoxylum rhoifolium Lam. - RUTACEAE1
LINDA LACERDA DA SILVA2 E ADELITA APARECIDA SARTORI PAOLI3
RESUMO - Foram descritos e ilustrados aspectos morfo-anatômicos das sementes de mamica-deporca (Zanthoxylum rhoiflolium Lam.), visando o conhecimento dos tegumentos, endosperma e
embrião. As sementes são, obovóides, pretas, anátropas, bitegumentadas, exariladas e albuminosas.
O endosperma é do tipo celular, contendo reserva protéica. O embrião é axial, oblíquo ao eixo da
semente, branco, dominante e os cotilédones possuem reserva protéica.
Termos para indexação: mamica-de-porca, semente, morfologia, anatomia.
MORPHOLOGICAL AND ANATOMICAL STUDIES
ON Zanthoxylum rhoifolium Lam. SEEDS - RUTACEAE
ABSTRACT - The morphology and anatomy of the seeds of Zanthoxylum rhoifolium Lam. were
described and ilustrated, emphazing the seed coat and development.The seeds are obovoid, black,
anatropous, bitegmic, exarillate and albuminous. The endosperm is celular with a protein grain
storage. The embryo is axial, oblique to seed axis, white, dominant, and the cotyledons have a
protein grain storage.
Index terms: Zanthoxylum rhoifolium Lam., seed, seed caracterization.
INTRODUÇÃO
Os estudos morfo-anatômicos em sementes são importantes na paleobotânica, na arqueologia, na fitopatologia, no
estudo de comunidades vegetais, na identificação de plantas
e mais recentemente na análise de sementes para agricultura
e horticultura, cujos processos envolvem conhecimentos de
fisiologia vegetal. Estes estudos iniciaram-se no século
dezessete, simultâneamente com os primeiros estudos microscópicos em plantas, através de Grew (1671) e Malpighi (1675),
citados por Beltrati (1994). A partir de 1826, com a descoberta do óvulo e o conhecimento da sua estrutura, foi possível relacionar-se as camadas dos envoltórios das sementes
com as do óvulo. Um século depois, Netolitzky (1926), citado por Beltrati (1994), publicou uma revisão sobre o estudo
do desenvolvimento e estrutura dos envoltórios das sementes
com os dados disponíveis até o final de 1923. Martin (1946)
1
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3
Aceito para publicação em 31.12.2000.
Bióloga, Seção de Pesquisa, Divisão de Produção, Prefeitura do Município
de S. Paulo; Rua Gal. Julio Marcondes Salgado, 134, apt. 63, 01201-020,
São Paulo-SP; e-mail: [email protected]
Profa., Dra., Depto. de Botânica/Inst. de Biociências/UNESP, Cx. Postal
199, 13506-000, Rio Claro-SP; e-mail: [email protected]
Revista Brasileira de Sementes, vol. 22, nº 2, p.250-256, 2000
realizou um extenso estudo sobre a organização interna das
sementes de 1287 gêneros de Angiospermas, referindo-se à
filogenia e às tendências evolutivas das sementes. Recentemente, segundo Beltrati (1994) a anatomia das sementes tem
sido investigada por embriologistas indianos e a partir de
1967 uma série de estudos comparativos focalizando a iniciação dos óvulos e o desenvolvimento dos tegumentos das
sementes em diferentes famílias de Angiospermas, foram iniciados na Holanda por Bouman e seus colaboradores. Corner
(1976) publicou um tratado contendo muitos dados novos
sobre as sementes de dicotiledôneas, constituindo-se em uma
obra de referência para os estudos morfo-anatômicos de sementes de dicotiledôneas.
A família Rutaceae está incluída na ordem Rutales
(Engler, 1931) com aproximadamente 150 gêneros e 1500
espécies largamente distribuídas pelas regiões tropicais e temperadas do mundo todo, sendo mais abundante na América
tropical, Sul da África e Austrália (Porter & Elias, 1979, citados por Pirani, 1982). Segundo Albuquerque (1976), no Brasil existem cerca de 188 espécies.
A taxonomia da família Rutaceae encontra-se ainda desorganizada, sendo o trabalho de Engler (1931) a última
monografia sobre a família (Pirani, 1982). Quanto ao estudo
morfo-anatômico de sementes poucos foram os gêneros estu-
CARACTERIZAÇÃO MORFO-ANATÔMICA DA SEMENTE DE MAMICA-DE-PORCA
dados, havendo necessidade de mais estudos sobre o assunto
(Corner, 1976; Boesewinkel, 1977 e Beltrati, 1991).
Dentre os representantes desta família, destaca-se a
mamica-de-porca (Zanthoxylum rhoifolium Lam.), uma espécie arbórea com altura variando de 6,0 a 12,0m, aculeada,
de folhas compostas, a qual devido à forma e densidade de
sua copa e, ao fato de seus frutos serem consumidos por algumas espécies de pássaros, pode ser empregada com sucesso
no paisagismo, em plantios visando a recomposição de vegetação e recuperação de áreas degradadas. Além disso, sua
madeira é indicada para construção civil, marcenaria e carpintaria, na confecção de ferramentas e outros instrumentos
agrícolas (Lorenzi, 1992). Esta espécie também é conhecida
como: tembetaria, mamiqueira, mamica-de-cadela, juva,
juvevê, teta-de-cadela, espinho-de-vintém, tembetaru,
tambatarão, tinguaciba, guarita e tamanqueira (Lorenzi,
1992).
As informações morfo-anatômicas da semente de
Zanthoxylum rhoifolium Lam. são escassas encontrando-se
algumas citações de Corner (1976) e de Boesewinkel (1977)
que estudaram o desenvolvimento da semente de Zanthoxylum
simulans Hance.
Devido à importância econômica, paisagística e ecológica desta espécie foi efetuado o estudo morfo-anatômico da
semente, visando fornecer subsídios para observações posteriores na germinação das sementes e na morfologia da plântula
que também contribuirão para estudos taxonômicos, ecológicos e de análise de sementes.
MATERIAL E MÉTODOS
O material botânico utilizado, constou de flores e frutos
em diferentes estádios de desenvolvimento, coletados de árvores existentes na trilha da Mariana, localizada na Reserva
Biológica e Estação Experimental de Mogi-Guaçu do Instituto de Botânica de São Paulo. Após a coleta, parte do material botânico foi herborizado, sendo devidamente identificado e depositado no Herbarium Rioclarense (HRCB) sob o
número 31.497.
Os parâmetros quantitativos foram obtidos em amostras
de 100 frutos e 100 sementes, utilizando-se um paquímetro.
As observações e ilustrações foram feitas utilizando-se
estereomicroscópio e microscópio óptico (Zeiss), ambos providos de câmara clara. O estudo anatômico foi realizado em
secções feitas à mão livre, observadas à fresco, montadas em
glicerina 50% e em material incluído em historresina conforme metodologia descrita por Carmello-Guerreiro (1995),
empregando-se como corante o azul de toluidina, em pH 4 à
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0,05% (O’Brien et al., 1964, citado por Carmello-Guerreiro,
1996) e montadas em resina sintética Entelan. Foram também confeccionadas preparações semipermanentes, coradas
com fucsina básica e azul de Astra (Roeser, 1972), montadas
em glicerina 50% e lutadas com esmalte incolor.
Os testes microquímicos foram feitos em material
seccionado à mão livre, utilizando-se corantes ou reagentes
específicos tais como: solução aquosa de cloreto férrico a 10%
adicionada de pequena porção de carbonato de cálcio, visando a localização de compostos fenólicos; floroglucina ácida
para evidenciar paredes lignificadas (Sass, 1951); Sudam IV
para localizar paredes suberificadas, cutinizadas e outros
materiais lipídicos; ácido clorídrico e sulfúrico para a identificação de cristais de oxalato de cálcio; reagente de Lugol
para a localização de amido; vermelho de rutênio para substâncias pécticas e eosina diluída para identificação de proteínas (Johansen, 1940). Na descrição das sementes adotou-se a
terminologia de Corner (1976).
RESULTADOS
Morfologia da semente
Semente obovóide, medindo cerca de 3,0mm de comprimento por 3,0mm de largura, de coloração preta, albuminosa,
exarilada, ficando pendente pelo funículo. Hilo comprido,
com cerca de 1,0mm de comprimento e estreito, com 0,5mm
de largura, de coloração mais clara que a semente. Micrópila
não visível. Embrião axial, dominante, oblíquo ao eixo da
semente, aclorofilado, de coloração branca, composto por dois
cotilédones planos; eixo hipocótilo-radícula curto e plúmula
pouco desenvolvida (Figura 1a, b, c).
Anatomia e desenvolvimento da semente
A semente provém de óvulos anátropos, bitegumentados,
crassinucelados e justapostos (Figura 2a). O tegumento externo do óvulo, em secção transversal, possui epiderme externa formada por células retangulares mais altas do que largas, núcleos grandes, com paredes celulares e cutícula finas.
Abaixo da epiderme, as camadas celulares subsequentes, possuem forma poliédrica, paredes celulares finas e núcleos grandes. A epiderme interna é formada por células que tendem ao
formato retangular, com núcleos grandes e paredes celulares
e cutícula finas. O tegumento interno é constituído por duas
fileiras de células, menores que as células do tegumento externo, de formato tendendo a retangular, com núcleos grandes e paredes celulares finas. Entre os tegumentos externo e
interno, observa-se uma cutícula mediana. O nucelo possui
células, de paredes finas, de forma variada e núcleos grandes
(Figura 2b).
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FIG. 1. Semente de Zanthoxylum rhoifolium Lam.: a) semente madura pendente pelo funículo; b) semente evidenciando o
hilo; c) embrião.
Legenda: co = cotilédone, fn = funículo, fr = fruto, hl = hilo, hr = eixo hipocótilo-radícula, se = semente madura.
A semente imatura de frutos com dimensões de 3,0 x
3,0mm é composta por testa, tégmem, nucelo e embrião em
desenvolvimento (Figura 3a). A testa é multiplicativa sendo
possível distinguir três partes: a mais externa (exotesta) formada por duas a três fileiras de células parenquimáticas, grandes, mais alongadas do que largas, de paredes finas; seguida
pela mesotesta formada por sete a dez fileiras de células
parenquimáticas, de forma poliédrica, menores que as células da camada mais externa e, a endotesta constituída por cinco a sete fileiras de células parenquimáticas e poliédricas. O
tégmem é constituído por duas fileiras de células
parenquimáticas e poliédricas. O nucelo é composto por várias camadas de células parenquimáticas, poliédricas e relativamente grandes (Figuras 3a e 3b).
Na semente madura, em secção transversal, a exotesta é
formada por duas a três fileiras de células epidérmicas, mais
alongadas que largas, com conteúdo lipídico e cutícula espessa.
A mesotesta é formada por cerca de sete a dez fileiras de células, com paredes espessadas e impregnadas por compostos
fenólicos que fornecem a coloração escura apresentada pela
semente. A endotesta é constituída por cinco a sete fileiras de
células de paredes fortemente espessadas, impregnadas por
compostos fenólicos. O tégmem é composto por células parenquimáticas, retangulares e que apresentam espessamento
parietal do tipo traqueoidal (Figuras 2c e 2d). Endosperma
do tipo celular, possuindo células parenquimáticas,
poliédricas, grandes e com reserva protéica (Figuras 2c; 4a e
4b). Os cotilédones possuem protoderme formada por células retangulares, tecido fundamental composto por células com
reserva protéica em forma de grânulos (Figuras 4a e 4c).
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DISCUSSÃO
Corner (1976) refere-se aos óvulos de Rutaceae como
sendo anátropos. Todavia, Boesewinkel (1977) os descreve
como sendo anátropos, hemianátropos ou campilótropos.
Neste sentido, Zavaleta-Mancera & Engleman (1991),
verificaram que o óvulo de Casimiroa edulis Llave et Lexarza
(subfamília Toddalioideae) é hemianátropo e Beltrati (1991)
verificou que o óvulo de Esenbeckia febrifuga (St.Hill) A.Juss.
ex.Mart é hemianátropo. No que diz respeito à espécie em
questão, Zanthoxylum rhoifolium, o óvulo é anátropo,
bitegumentado e crassinucelado.
Com relação à organização da estrutura dos tegumentos
da semente, Corner (1976) elaborou um amplo estudo sobre
a estrutura dos tegumentos das sementes de dicotiledôneas e
estabeleceu que o caráter distintivo básico do envoltório da
semente está na posição e na estrutura da principal camada
mecânica presente, composta de células de paredes grossas
mas, não necessariamente lignificadas, podendo ter um ou
mais estratos de espessura. Em Rutaceae, o próprio Corner
(1976) reconhece que assim como em outras famílias, o conhecimento sobre a organização da estrutura dos tegumentos
das sementes ainda não está completo. Desse modo, classificou as sementes desta família como exo e mesotetais. Beltrati
(1991) ao estudar a estrutura dos tegumentos da semente de
Esenbeckia febrifuga, classificou-a como endotestal, devido
à presença de uma camada de células em paliçada, de paredes grossas nesta região. Neste estudo foi observado que as
sementes de Zanthoxylum rhoifolium podem ser consideradas como mesotestais, apresentando células de paredes es-
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FIG. 2. Óvulo e semente de Zanthoxylum rhoifolium Lam.: a e b) óvulo em secção longitudinal e transversal, respectivamente;
c) semente madura em secção transversal; d) tégmen traqueoidal.
Legenda: ce = cutícula externa, ci = cutícula interna, cm = cutícula mediana, ed = endosperma, ent = endotesta, ext = exotesta, mst = mesotesta, nu = necelo, te =
tegumento externo, tgm = tégmen, ti = tegumento interno, ts = testa.
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FIG. 3. Semente de Zanthoxylum rhoifolium Lam.: a) semente imatura em secção transversal; b) detalhe dos tegumentos em
secção transversal; d) tégmen traqueoidal.
Legenda: em = embrião, ent = endotesta, ext = exotesta, mst = mesotesta, nu = necelo, tgm = tégmen.
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1mm
10µm
10µm
FIG. 4. Semente de Zanthoxylum rhoifolium Lam.: a) diagrama em secção
transversal, da semente madura; b) detalhe do endosperma com reserva
protéica; c) detalhe do cotilédone com reserva protéica.
Legenda: co = cotilédone; ed = endosperma.
pessas, originadas da diferenciação das células do tegumento
externo do óvulo. O tégmem apresenta células com
espessamento “traqueoidal”, possuindo assim estrutura bastante semelhante àquela apresentada pelas sementes de
Zanthoxylum simulans Hance (Corner, 1976).
Ainda, segundo Corner (1976), arilo é um termo geral
para designar qualquer excrescência carnosa que se forma na
superfície do óvulo ou da semente, localizada em diferentes
pontos do tegumento externo e que de acordo com a origem
pode ser arilo funicular, quando se origina do funículo; arilo
umbilical, quando provém do hilo; arilo micropilar, quando
se forma ao redor da micrópila; rafeal, quando de pequeno
tamanho e se produz na rafe e arilo calazal, quando localizado junto à calaza. Para as Rutaceae, este mesmo autor descreve que na sua maioria, as sementes são exariladas, ocorrendo a presença em poucos gêneros como Eriostemon spp.,
Pilocarpus spp. e Xanthoxylum spp. Em Zanthoxylum
rhoifolium Lam. não foi verificada a presença de arilo. Esta
característica também foi observada em Zanthoxylum simulans
Hance (Boesewinkel, 1977).
As sementes de Rutaceae podem ou não apresentar
endosperma, quando presente, este é do tipo nuclear e contendo reserva lipídica (Corner, 1976). No entanto, em
Zanthoxylum rhoifolium a semente apresenta endosperma
do tipo celular, com reserva de natureza protéica. O tipo de
reserva protéica também foi verificada em algumas espécies
da família Meliaceae, pertencente à mesma ordem da família
Rutaceae, ou seja, Sapindales (Moscheta, 1995).
CONCLUSÕES
A estrutura e a organização dos tegumentos das sementes de Zanthoxylum rhoifolium Lam. em muito se assemelham àquelas de Zanthoxylum simulans Hance, ambas sendo
mesotestais. Estas informações poderão ser úteis para estudos posteriores na identificação destas espécies a partir de
suas sementes; na análise de sementes florestais bem como
no estudo de comunidades vegetais com base em bancos de
sementes.
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