Porto Alegre, 26 de outubro de 2009.
Nº 02
Editorial
Após o sucesso do lançamento da 1ª Edição da Revista Eletrônica de Direitos Humanos, o Centro de Apoio
Operacional, dando continuidade a esta iniciativa, apresenta a 2ª Edição da Revista, haja vista as diversas manifestações
parabenizando e demonstrando o interesse em uma publicação eletrônica voltada para esta temática. Neste mês de
outubro, em especial caracterizado por duas datas internacionais muito significativas para os direitos humanos (Dia
Internacional do Idoso, dia 1º, e Dia Mundial da Alimentação, dia 16), abordamos questões que dizem respeito a uma
grande diversidade de assuntos e esperamos que o leitor aproveite!
Francesco Conti,
Promotor de Justiça, Coordenador do
Centro de Apoio Operacional dos Direitos Humanos
Notícias
Pelotas
Porto Alegre
O Promotor de Justiça da
Promotoria
de
Justiça
Especializada de Pelotas, Dr.
Paulo
Roberto
Gentil
Charqueiro, repassou ao CAODH cópia da seguinte decisão:
MP.
LEGITIMIDADE.
ACP.
SAÚDE.
Prosseguindo
o
Paulo Roberto
julgamento, a Turma, por
Gentil
Charqueiro
maioria, decidiu que o parquet
tem legitimidade ativa para
propor ação civil pública (ACP) referente a direito
indisponível, mesmo para tutelar direito à saúde
de uma única pessoa física carente de
atendimento médico-hospitalar para realização de
cirurgia, tal como nos casos de fornecimento de
medicamento de uso contínuo. Precedentes
citados: REsp 688.052-RS, DJ 17/8/2006; Resp
819.010-SP, DJ 2/5/2006; REsp 699.599-RS, DJ
26/2/2007; EDcl no Resp 662.033-RS, DJ
13/6/2005, e REsp 830.904-RS. REsp 716.712-RS
<http://www.stj.gov.br/webstj/processo/justica/juris
prudencia.asp?tipo=num_pro&valor=REsp%20716
712>, Rel. originária Min. Eliana Calmon, Rel. para
acórdão Min. Herman Benjamin, julgado em
15/9/2009”.
No dia 15 de outubro
passado, o CAO-DH, com
o apoio da Promotoria de
Justiça de Defesa dos
Direitos
Humanos
de
Porto
Alegre,
do
CONSEA/RS, da FIAN
Brasil e da FESANS/RS,
exibiu o documentário
“Garapa”, de autoria de
José Padilha. O evento,
com entrada franca, teve
início previsto para às 9h,
no Auditório Mondercil
Paulo de Moraes, na sede do MP em Porto Alegre,
na Av. Aureliano de Figueiredo Pinto 80, 3º Andar.
O documentário traz a questão da fome no Brasil,
sob o ponto de vista de de três famílias cearenses:
uma que vive na periferia de Fortaleza, uma do
interior, na cidade de Choró, e mais uma
localizada na região rural. Depois de estrear
mundialmente no 59º Festival de Berlim, o
documentário faz parte da seleção do 14º Festival
Internacional de Documentários - É Tudo Verdade.
Após a apresentação, seguiu-se um debate entre
Promotora de Justiça Míriam Balestro; do
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1
Procurador Regional da República Paulo Leivas;
do Presidente da Rede de Ação e Informação
Alimentação Primeiro, Irio Luiz Conti; e do diretor
do Instituto Brasileiro de Análises Sociais
Econômicas, Francisco Menezes. Após o debate,
abriu-se espaço para as perguntas da platéia.
São Leopoldo
No dia 03 de outubro de 2009, o
servidor Alexandre José da
Silva, Assistente de Promotoria
de Justiça, ministrou aula no
Curso de Extensão “Autismo
Grave em Teria e Prática – A
proposta
da
Pandorga”
Alexandre
promovido pela Faculdade de
José da Silva
Teologia – EST e pela
Associação
Mantenadora
Pandorga de São Leopoldo (www.est.com.br). O
curso objetiva a multiplicação de conhecimentos e
experiências da Escola Pandorga, que, há 13
anos, trabalha pelo desenvolvimento e pela
socialização de crianças, adolescentes e jovens
adultos com autismo grave e síndromes
associadas. O tema da aula foi “Direito, Cidadania
e Pessoa Portadora de Deficiência”. Na ocasião, o
servidor destacou as normas constitucionais e as
convenções internacionais sobre a matéria.
Também
ressaltou
a
necessidade
de
concretização da farta legislação protetiva, para
fins de justiça e inclusão social. Além disso,
salientou a vocação institucional e a legitimidade
legal do Ministério Público para a defesa, judicial e
extrajudicial, das pessoas portadoras de
deficiência. Abordou ainda temas referentes à
judicialização da saúde, como, por exemplo, o
fornecimento de medicamentos e cirurgias. E, por
fim, realizou estudo de casos concretos, com base
na jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio Grande do Sul.
Legislação, Jurisprudência e Projetos em Destaque
Regulamento do SUS passará a ter vigência em setembro de 2010
A aplicação da Portaria GM/MS nº 2.048/GM, de 3 de setembro de 2009, que aprovou o Regulamento
do Sistema Único de Saúde, terá vigência somente em 04 de setembro de 2010. A alteração foi proposta
pela Portaria nº GM/MS 2.230, de 23 de setembro de 2009, e teve como fundamento a instituição de
margem temporal para permitir maior conhecimento do texto elaborado e sua atualização. Além disso, a
Portaria nº 2.230/2009 restaura os efeitos de Resoluções do Conselho Nacional de Saúde e restabelece a
vigência dos atos normativos que haviam sido revogados pelo Regulamento do SUS. O texto da Portaria
GM/MS nº 2.230/2009 está disponível em http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/legislacao/id4347.htm e o texto
completo da Portaria GM/MS nº 2.048/2009, inclusive com as alterações feitas, continua disponível em
http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/legislacao/id4337.htm. O texto da Portaria, publicado no Diário Oficial da
União do dia 4 de setembro de 2009, estará disponibilizado no endereço www.saude.gov.br/sus, e
permanecerá em consulta pública pelo prazo de 90 (noventa) dias.
Alterada a Ação penal por injúria com elementos relativos a raça, cor, etnia, religião, origem
ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência
A Lei nº 12.033, de 29 de setembro de 2009, publicada no DOU de 30 de setembro de 2009, alterou a
redação do parágrafo único do art. 145 do Código Penal, tornando pública condicionada a ação penal em
razão da injúria consistente na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a
condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.
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Estado cria o Programa “Remédio em Casa para Idosos”
No DOE de 02 de outubro de 2009, foi publicada o Decreto nº 46.653, de 01 de outubro de 2009, que cria o
Programa “Remédio em Casa para Idosos”. A idéia do programa é propiciar o acesso à assistência farmacêutica com
atendimento prioritário aos usuários com idade igual ou superior a sessenta anos, com maior conforto e eficiência no
recebimento dos medicamentos de que necessitam. O Decreto nº 46.653/2009 está acessível em
http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/legislacao/id4355.htm.
Publicadas alterações da Portaria que cria os Núcleos de Apoio à Saúde da Família - NASF
A Portaria GM/MS nº 2.281, de 01 de outubro de 2009, publicada no DOU de 02 de outubro de 2009, trouxe
importantes alterações para o funcionamento dos NASFs. Agora, cada NASF deve ter, pelo menos, 01 (um) pediatra.
Ao NASF tipo I, é obrigatória a vinculação de 06 (seis) equipes de saúde da família, enquanto ao NASF tipo II, a
vinculação deve ser de 02 (duas) ESFs, sob pena de o município ter os recursos financeiros referentes ao NASF
suspensos. A Portaria GM/MS nº 154, de 24 de janeiro de 2008, já com as alterações dadas pela Portaria GM/MS/2009,
está disponível em http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/legislacao/id4361.htm.
Definidas as diretrizes Operacionais para a Educação Especial
A Resolução nº 04, de 02 de outubro de 2009, da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação, foi publicada no DOU de 05 de outubro de 2010, com as Diretrizes Operacionais para o
Atendimento Educacional Especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial, tanto nas
classes comuns do ensino regular, como nas escolas de atendimento educacional especializado. A referida
resolução está disponível em http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/legislacao/id4400.htm.
Atenção à Saúde Bucal em foco
O DOU de 09 de outubro de 2009 trouxe uma série de Portarias do Ministério da Saúde com um
objeto muito importante: a saúde bucal. As principais Portarias são a 2.371/2009, que Institui, no âmbito da
Política Nacional de Atenção Básica, o Componente Móvel da Atenção à Saúde Bucal - Unidade
Odontológica Móvel – UOM, e a 2.372/2009, que cria o plano de fornecimento de equipamentos
odontológicos para as Equipes de Saúde Bucal na Estratégia Saúde da Família. Ambas estão disponíveis
em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2371_07_10_2009.html (2.371/2009) e em
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2009/prt2372_07_10_2009.html (2.372/2009).
Secretário de Atenção à Saúde submete o documento Pessoa com Deficiência - Direitos
Sexuais e Reprodutivos na Integralidade da Atenção à Saúde a Consulta Pública
A Consulta Pública nº 1, de 08 de outubro de 2009, tem validade até 03 de novembro de 2009 e está
disponível em http://200.214.130.94/consultapublica/index.php?modulo=display&sub=dsp_consulta. O documento da
consulta pública está disponível em:
http://200.214.130.94/consultapublica/documentos/PESSOA_COM_%20DEFICIENCIA_DSR_NA_INTEGRALIDADE_DA_ATENCAO.doc.
Lei estadual garante 5% de vagas para idosos em estacionamentos públicos e privados.
A Lei nº 13.262, de 20 de outubro de 2009, publicada no dia seguinte no DOE, garante em todo o Estado 5% das
vagas que já estavam previstas no art. 41 da Lei Federal n° 10.741, de 1° de Outubro de 2003 - Estatuto do Idoso, com
a ressalva de que a reserva de vagas não implica gratuidade ou qualquer espécie de redução de preços cobrados nos
estacionamentos. A referida Lei está disponível em http://www.mp.rs.gov.br/dirhum/legislacao/id4395.htm .
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Instituída a Sala de Situação em Saúde
A Portaria nº 2.493, de 21 de outubro de 2009, instituiu a Sala de Situação em Saúde, que já existia desde 2006.
A Sala de Situação em Saúde do Ministério da Saúde tem por objetivo disponibilizar informações, de forma
executiva e gerencial, para subsidiar a tomada de decisão, a gestão, a prática profissional e a geração de
conhecimento. As informações estão em quatro módulos: socioeconômico, ações em saúde, situação de saúde e
gestão em saúde. A sala de Situação em Saúde está disponível no site http://189.28.128.178/sage/.
Artigos
E a nossa cegueira?
Maria Augusta Menz1
Para mim, na condição de
leiga, um dos maiores méritos
de um filme, o que o qualifica
como excelente, é o impacto
que ele é capaz de causar. O
mesmo posso dizer de um
livro.
Maria Augusta
Menz
Nutria por José Saramago e
seus livros um sentimento
oscilante, já que, confesso minha estupidez, após
devorar “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” –
que adorei -, abandonei inacabados todos os
demais livros deste autor por achá-los um tanto
enfadonhos. O “Ensaio sobre a Cegueira”, por
outros motivos, também foi um dos abandonados,
primeiro pois não fui capaz de atravessar a cena
dos estupros coletivos, segundo pela carga
emocional crescente de desespero e horror que o
autor, magistralmente, conseguiu imprimir.
Assistindo a “Blindness”, o filme de Meirelles,
fui capaz de acompanhar a narrativa até o final. O
filme é excelente! A cegueira, uma metáfora da
dificuldade que temos em ver o outro, da
indiferença pelo nosso semelhante, no filme e no
livro nivela e despoja todos os seres humanos,
remetendo-os à condição original de recémnascidos em um mundo sem visão, onde deixam
de fazer sentido os papéis que cada um
desempenha na sociedade, e todos tateiam,
desesperados, desconhecendo os caminhos e os
signos desta nova condição.
1
Promotora de Justiça de Canoas.
Somos remetidos a uma reflexão profunda
sobre a condição humana, sobre as decisões e
opções que o homem - como ser social, como
indivíduo – ao ser confrontado com uma grave
situação de crise, tem e toma, como se
organizam os grupos e como se divide o poder.
Em contraponto à cegueira, temos a situação
da única pessoa que não perde a visão, e as
habilidades do cego de nascença, personagens
que nos fazem pensar sobre o uso do poder e a
forma como pode ser utilizado como instrumento
para o bem e para o mal.
Ou seja, o filme, o livro muito mais, é ótimo
pois causa profundo impacto e faz refletir, em
diversos aspectos e ângulos.
Trazendo o tema para nossa atuação no
Ministério Público podemos nos questionar até
que ponto enxergamos realmente o ser humano
por trás do processo, do conjunto maçante de
papel que atravanca nossas escrivaninhas. Será
que somos capazes de ver o indivíduo real, suas
angústias, suas dores, o caminho que percorreu
até chegar a nós, com suas reivindicações, seus
litígios? Corremos o risco de esquecer o homem,
a mulher ou a criança destinatária de nosso
trabalho, diante da imensidão de afazeres e do
afã de cumprir prazos, frente à rotina estafante.
Corremos o risco da cegueira.
Outra abordagem interessante para que
possamos fazer uma reflexão sobre nossa
atuação como Promotores e Procuradores de
Justiça está em questionar o que fazemos com o
poder que nos é dado em nossa atividade.
Agimos para o bem da sociedade, ou muitas
vezes nos deixamos levar por nossas vaidades e
interesses pessoais, atuando, se não para o mal,
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4
para fins que não são os melhores e os mais
elevados? Certamente não podemos deixar de
fazer esta pergunta.
Questionar criticamente nossa atuação diária,
por melhor que seja, é um exercício saudável de
depuração e de aprimoramento pessoal e
profissional que, certamente, nos livrará da
cegueira sobre nós mesmos e sobre os demais,
nos mantendo sempre atentos e de olhos bem
abertos, colocando em xeque a imagem de Têmis
como a deusa cega da Justiça. A Justiça não
pode ser cega e nós, como Promotores de
Justiça, não podemos compactuar com a
cegueira, mas, para tanto, temos que, primeiro,
ser capazes de impedir que a venda venha a
cobrir nossos olhos.
Sociedade criminógena: Sandro X Alex
Simone Mariano da Rocha2
Sandro, seqüestrador da Linha 174. Alex,
sobrevivente da chacina da Candelária. Biografia:
párias da sociedade, não importando se Sandro
do Nascimento ou Alex Júnior da Silva. Geisa,
única vítima identificada pela sociedade?
Lembremos e reflitamos.
A negligência, causada por uma conjunção de
fatores culturais, sociais, econômicos
e
psicológicos, gerou Sandro , que exterminou Alex
e Geisa, e todos permanecemos impotentes e
inertes aguardando nosso destino! Essa omissão
está perpetuando uma sucessão de graves
violações aos direitos humanos, o que afeta a
vida de milhões de pessoas.
Será que não percebemos que o conjunto de
contradições sociais, pelo afunilamento de
oportunidades, gera a marginalidade e a
permanente sensação de exclusão que reproduz
a ignorância, a violência e o delito? Buscaremos
romper esse ciclo ou permaneceremos inertes e
impotentes aguardando nosso destino? Um
verdadeiro desafio!
No nosso cotidiano ainda constatamos a
existência de um significativo distanciamento
entre a prática do exercício da cidadania , ainda
contaminada por uma história secular de
passividade e conformismo, e a proclamação dos
preceitos constitucionais que consagram a
proteção dos direitos e das garantias
fundamentais do cidadão.
Geisa, mulher, saudável,batalhadora, cheia de
esperança. Saiu de seu Estado de origem em
busca
de
novas
oportunidades para construir
um futuro melhor. Teve a
vida ceifada. Pediu socorro,
implorou, e todos ficamos
impotentes
e
inertes
aguardando seu destino!
Tal distanciamento se revela evidenciado
quando lançamos o olhar sobre a realidade das
crianças e dos adolescentes brasileiros. De um
lado, o Brasil registra cerca de cinqüenta mil
casos por ano de violência sexual contra crianças
e adolescentes, segundo o Ministério da Justiça 3.
Estudo realizado pelo Unicef revela que 45 mil
crianças vivem em lixões no Brasil e que ainda
morrem 56 mil crianças por ano antes de
completarem sete dias de vida, geralmente por
causas que poderiam ser evitadas. A maioria
dessas mortes ocorre entre os filhos das famílias
localizadas abaixo da linha de pobreza .
Alex, menino de rua,
negro, abandonado, carente,
Simone Mariano
da Rocha
analfabeto,
sobrevivente,
batalhador em busca de
atendimento às suas necessidades básicas. Teve
uma vida de privações. Pediu socorro, esmolou,
implorou, e todos ficamos impotentes e inertes
aguardando seu destino!
De outro lado, a Constituição Federal de 1988
abriu definitivamente as portas para uma
verdadeira transformação na condição sóciojurídica da criança e do adolescente,
reconhecendo-os, pela primeira vez na história
brasileira, como sujeitos de direitos, ao
determinar e assegurar-lhes direitos fundamentais
em seu art. 227, onde proclama:
2
Procuradora-Geral de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul.
3
CIPOLA, Ari. Folha de São Paulo,14 de julho de
2000, p.C6.
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5
É dever da família, da sociedade e do Estado
assegurar à criança e ao adolescente, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma
de
negligência,
discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por
sua vez, mais do que regulamentar a garantia dos
direitos fundamentais, disciplinar as relações
jurídicas e estabelecer mecanismos para compelir
o Estado a cumprir suas obrigações, veio
promover um conjunto de revoluções que
extrapolam o campo jurídico, desdobrando-se e
envolvendo outras áreas da realidade política e
social.
Enquanto legislação, a norma constitucional e
o Estatuto da Criança e do Adolescente
representam um marco de rompimento com a
Doutrina da Situação Irregular, que visualizava a
criança como objeto de medida , possibilitando
que a luta pelos direitos da criança e do
adolescente
fosse
calcada
numa
ética
fundamentada na Proteção Integral.
Contudo, não podemos nos equivocar
entendendo que tão-somente a vigência de
normas de proteção no ordenamento jurídico
positivo magicamente reverteria os indicadores
sociais negativos.
A vigência, na legislação pátria, de normas
que traduzem a doutrina da Proteção Integral
revela , sem dúvida, o reconhecimento no mundo
jurídico de que crianças e adolescentes são
sujeitos de direitos, ou seja, revela a decisão de
que crianças e adolescentes têm direito a ter
direitos. Portanto, o existir juridicamente constitui
verdadeiro pressuposto da eficácia, à medida que
apenas a norma vigente pode vir a ser eficaz4,
posto que incidirá sobre os fatos, as situações e
os comportamentos por ela previstos e regulados.
Estando, pois, os direitos fundamentais das
nossas crianças e adolescentes reconhecidos na
4
SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos
Fundamentais. Porto Alegre, Livraria do Advogado
Editora, 1998. p. 208.
Constituição Federal e regulamentados pelo
Estatuto da Criança e do Adolescente, resta-nos
refletir, diante da realidade ainda permeada de
violações, sobre a eficácia das normas
garantidoras. Nesse sentido, como preleciona
Ingo Wolfgang Sarlet5, há que se distinguir entre
a eficácia social da norma e a eficácia jurídica.
A eficácia jurídica diz respeito à aplicabilidade,
exigibilidade ou executoriedade da norma, como
possibilidade de sua aplicação jurídica aos casos
concretos, com a conseqüente aptidão para
geração dos efeitos jurídicos que lhe são
inerentes. Já a eficácia social se vincula à noção
de efetividade da norma e à sua real observância
pela comunidade. A efetividade da norma
significa, portanto, a realização do Direito, o
desempenho concreto de sua função social.
Sob esse enfoque, é incontestável a eficácia
jurídica das normas garantidoras dos direitos
fundamentais das crianças e dos adolescentes,
uma vez que, nesses dez anos de vigência do
Estatuto, já são incontáveis as inúmeras
conquistas tuteladas judicialmente.
Já quanto à eficácia social da lei, seria por
demais simplista e leviano afirmar não ser
socialmente eficaz por não ser cumprida
totalmente no plano social. Muitos são os
resultados decorrentes da aplicação da lei,
bastando perceber as várias conquistas
instrumentalizadas através de ações civis
públicas para a proteção dos interesses
individuais, difusos ou coletivos relativos à
infância e à adolescência. Nesses últimos anos,
muitos programas, serviços e órgãos necessários
foram implantados para efetivar o exercício e a
defesa dos direitos da criança e do adolescente.
Também já percebemos algumas políticas
públicas para a infância, em que pese ainda não
constituam prioridade. Assim, a lei permitiu
alcançar resultados que são decisivos, embora
tenhamos ainda um longo caminho pela frente.
A eficácia social da lei somente poderá ser
considerada satisfatória quando o conjunto da
sociedade tiver um novo olhar, uma nova
compreensão da criança como sujeito de direito,
com peculiar condição de pessoa em
desenvolvimento.
5
Ibidem, p. 209.
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6
O Estatuto da Criança e do Adolescente
representa essa mudança de concepção, uma
nova cultura. E poder perceber a dimensão do
que representa essa mudança - um novo
conceber e gerar essa nova ótica no útero da
sociedade - possibilitará a fecunda transição para
a geração de formulação de novas políticas, de
novas tendências, de práticas transformadoras
capazes de permitir a construção de uma nova
cidadania. Da sociedade dependem muitas das
ações que conduzem à efetivação dos direitos
fundamentais.
Que Geisa seja a última vítima a representar a
impotência da sociedade.
Que Alex seja o último menino sobrevivente a
ter sua dignidade humana aviltada.
Que Sandro seja o último monstro a ser
gerado por todos nós.
EXPEDIENTE
Coordenação da Revista Eletrônica de Direitos
Humanos
Dr. Francesco Conti, Promotor de Justiça.
Assessoria
Rodrigo Tönniges Puggina
Patrícia Vasconcelos Machado
Estagiário
Jorge Floriano
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7
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Porto Alegre, 1º de julho de 2009 - Ministério Público