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XIX
CONGRESSO
BRASILEIRO
DE
CIÊNCIAS
DA
COMUNICAÇÃO - INTERCOM 96 - LONDRINA (PR)
GT1 - Cinema e Vídeo
“A Personagem Real e a Potência do Falso”
Maria de Fátima Augusto
O cinema sempre apontou a dificuldade que há de pensar uma
relação direta da verdade com a forma do tempo e nos condenou a situar o
verdadeiro longe do existente, “no eterno ou no que imita o eterno”.
Grandes autores de cinema sempre partilharam uma mesma preocupação:
parecer verdadeiro, montar um sistema de representação que procurava
anular a sua presença como trabalho de representação. A potência artística
e criadora dos autores gerava o falso, ou seja, para parecer verdade e
aproximar-se do realismo o cinema criava a “ilusão” do real.
“Do romance ao cinema, a obra de
Robbe-Grillet aponta a potência
do falso como princípio de produção
das imagens. Não é um simples
“atenção isso é cinema!” é uma
fonte de inspiração. As imagens
devem ser produzidas de tal
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maneira que o passado não seja
necessariamente verdade ou que
do possível proceda o impossível.”
(Deleuze 1990, p 161)
Porém foi o neo-realismo italiano com seu estilo de apresentação
fragmentada de uma realidade em ruínas que forjou, uma espécie de nova
imagem no período pós-guerra. Tais filmes produziam “um mais de
realidade” porque irrompiam um elemento novo que pouco a pouco
subordinaria a imagem às exigências de novos signos.
“(...) como não havia história prévia
também não havia ação pré-formada
cujas conseqüências sobre uma ação
pudessem ser previstas, e o cinema
não podia transcrever acontecimentos
já cumpridos, mas era necessariamente
obrigado a atingir o acontecimento
enquanto está se dando, seja indo de
encontro a uma atualidade seja provo - cando-a ou produzindo-a.”
(Deleuze, 1990, p 256)
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Tratava-se de um “realismo” despido de auto-compaixão e carregado
de senso crítico que ao eliminar o “pathos” da tragédia, transfere-o para os
pequenos sentimentos do “dia a dia”, paradoxalmente multiplicando suas
proporções e possibilitando infinitas variações. Evitando não estender
demasiado os caracteres que marcam a renovação trazida por esta nova
imagem, recorremos aqui apenas à distinção que trará um novo estatuto à
personagem; a disjunção entre percepção e ação: “a personagem tornou-se
uma espécie de espectador (...) está entregue a uma visão, perseguido por
ela ou perseguindo-a, mais que engajado numa ação”.
Em “Ladrões de Bicicleta” de De Sica, não há mais vetor ou linha de
un iverso que prolongue e junte os acontecimentos. Trata-se da história da
caminhada pelas ruas em Roma de um pai e seu filho. ( De Sica se utilizou
de intérpretes que não tinham a menor experiência no teatro ou no cinema).
A chuva sempre pode interromper ou desviar a procura ao acaso, a
perambulação do homem e do menino. A chuva torna-se signo do tempo
morto e da interrupção possível. O que se impõe no filme não é a realidade
crua, mas o seu “forro”. Tratava-se de recusar as ficções pré-estabelecidas,
em favor de uma realidade que o cinema podia apreender ou buscar.
Porém se a câmera se dirigia a um real pré-existente, nada tinha
mudado nas condições da narrativa, abandonava-se a ficção em favor do
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real, mantendo-se um modelo de verdade que supunha a ficção e dela
decorria.
Gostaríamos de considerar aspectos dessa “nova imagem”,
inaugurada pelo neo-realismo italiano, na escolha das orientações estéticas
de cineastas contemporâneos, citando filmes, onde o real não será mais
representado mas visado. Se nos referirmos às formas que desde muito
tempo recusavam a ficção, constatamos que o “cinema de realidade”,
queria fazer ver ora objetivamente os meios, as situações e personagens
reais, ora mostrar subjetivamente as maneiras de ver das próprias
personagens, a maneira pela qual elas viam a situação, seu meio, seus
problemas.
No filme “Através das Oliveiras” de Abbas Kiarostami, é preciso
estar atento às repetições da mesma cena justificáveis, à medida que os
atores não conseguem interpretá-la a contento, pois o fio da história que
está sendo interpretada se mistura com a vida dos protagonistas. Hossein
ama Fakhondé, mas esta o repele porque ele é analfabeto e o filme se
prepara para ser a chance para Hossein aproximar-se da amada. No filme
vemos a contaminação de dois tipos de personagens e Hossein não
consegue vencer as barreiras que separam o real da ficção.
O homem verídico e o falsário fazem parte da mesma cadeia, afinal,
não são eles que se projetam, se elevam ou se cavam?
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“Elevando o falso à potência, a
vida se libertava tanto das
aparências quanto da verdade:
nem verdadeiro,nem falso,
alternativa indecidível, mas potência
do falso, vontade decisória.”
(Deleuze, 1990, p 176)
No caso do filme “Barbosa” de Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo
ao inserir dois tipos de personagens: real (Barbosa) e ficcional (Paulo) na
diegese fílmica, percebe-se a intuição dos autores de libertar na ficção - o
drama ficcional vivido pelo narrador-protagonista: Paulo - o modelo de
verdade que o penetra - o drama “real” de Barbosa “o homem que fez o
Brasil chorar”. Neste sentido a diferença não se encontra entre ficção e
realidade, falso e verdadeiro, mas no modo como o cineasta atinge o
reconhecimento de sua identidade - a culpa de Paulo é a mesma culpa que
acompanha Barbosa. Atrás do homem verídico, há pois o falsário, e um
está remetendo sempre ao outro, e o real acaba encontrando na ficção sua
“função” de fabulação.
Em “Esta não é sua vida” de Jorge Furtado, a personagem real Noeli
é pêga de surpresa pela equipe do filme em sua casa e é mostrada em sua
realidade cotidiana, porém logo após, a vemos “no papel” de sua
fabulação”. Noeli comenta, visita e refabrica as realidades do seu passado.
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“É uma personagem que vence
passagens e fronteiras, porque
inventa, enquanto personagem
real e torna-se tão mais real
quanto melhor inventou.”
(Deleuze, 1990, p 184)
Tais personagens estão sempre passando a fronteira entre o real e o
fictício (a potência do Falso) e o cineasta atinge o que a personagem era
“antes” e será “depois”, reunindo a passagem incessante de um estado a
outro, que constitui o real, no ponto mesmo em que a fabulação alça vôo.
Assim, o que Nietzsche havia mostrado - que o ideal da verdade era a
ficção mais profunda, no âmago do real - o cinema estava começando a
perceber. Era na ficção que a veracidade da narrativa continuava a se
fundar. A ruptura trazida pelos filmes contemporâneos, não estava entre
ficção e realidade; mas no novo modo de narrativa que as afeta. A fronteira
só pode ser apreendida como fugidia, quando não sabemos onde ela passa,
mas também entre o filme e o não-filme, estando sempre fora de suas
marcas.
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“O que faz parte do filme, é se interessar
mais pelas pessoas do que pelo filme,
pelos “problemas humanos” que pelos
“problemas de encenação”, para que as
pessoas não passem para o lado da câmera
sem que a câmera não tenha passado para
o lado das pessoas.”
(Deleuze, 1990, p 187)
Vemos que é precisamente este o objetivo do cinema: não alcançar
um real que existisse independente da imagem, mas um antes e um depois
assim como coexistem com a imagem, inseparáveis da imagem. Seria o
sentido do cinema direto: quebrar o curso ou a seqüência empírica do
tempo, a sucessão cronológica, a separação do antes e do depois: alcançar a
apresentação direta do tempo.
O falsário e sua potência, o cineasta e sua personagem, ou o inverso,
já que eles só existem por essa comunidade que lhes permite dizer: “nós,
criadores de verdade”. Então o cinema poderia se chamar cinema - verdade,
“tanto mais que terá destruído qualquer modelo de verdade para se tornar
criador, produtor de verdade: não será um cinema de verdade, mas a
verdade do cinema”.
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BIBLIOGRAFIA:
- BAZIN, André, O Cinema
São Paulo: Editora Brasiliense, 1991.
- DELEUZE, Gilles, A Imagem Movimento. Cinema I
São Paulo: Editora Brasiliense, 1983.
- -----------------------, A Imagem Tempo. Cinema II
São Paulo: Editora Brasiliense, 1990.
- XAVIER, Ismail, O Discurso Cinematográfico: a Opacidade e a
Transparência;
Rio de Janeiro: Edições Graal, 1983.
FILMOGRAFIA:
- ATRAVÉS DAS OLIVEIR
Dir: Abbas Kiarostami (Irã)
- BARBOSA
Dir: Jorge Furtado e Ana Luiza Azevedo (Brasil)
- ESTA NÃO É SUA VIDA
Dir: Jorge Furtado (Brasil)
- LADRÕES DE BICICLETA (Ladri di Biciclette)
Dir: Vittorio de Sica (Itália)
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