Capítulo 2 Capítulo 2 O problema da alocação de perdas As perdas que ocorrerem numa rede de distribuição podem ter origem e natureza diversas. A sua classificação é efectuada neste capítulo. As perdas por efeito de Joule, as quais são o centro deste trabalho, dependem do quadrado do módulo da corrente que percorre cada elemento da rede de distribuição. No entanto, como constataremos no capítulo 3, a maioria dos métodos existentes para alocar estas perdas, utilizam a potência activa como forma de distinguir os diferentes utilizadores das redes no processo de alocação. Neste capítulo será mostrado em que condições é válida a consideração desta relação entre as perdas em cada elemento de uma rede de distribuição e o trânsito de potência activa que neste se faz sentir. Mostra-se também a influência dos módulos e esfasamentos das tensões de uma rede de distribuição no valor das perdas que nesta ocorrem. O problema de alocação de perdas é também descrito neste capítulo, mostrando-se que o facto de este ser um problema quadrático conduz a que exista alguma complexidade na sua resolução. Perante a complexidade do problema e a existência de diferentes metodologias para efectuar alocação das perdas, torna-se necessária a definição de requisitos que um método ideal deve cumprir, os quais servirão para efectuar comparações entre diferentes metodologias. Tais requisitos serão aqui apresentados. Aborda-se ainda, a actual situação em Portugal no que se refere ao subsistema de distribuição de energia, em especial a forma como as perdas destas redes são alocadas aos seus utilizadores. Para se efectuar esta caracterização foram utilizados os regulamentos do sector em vigor até Agosto de 2001. 2.1 – Classificação das perdas Os trânsitos de potência nos elementos das redes eléctricas de distribuição de energia provocam perdas eléctricas que, na sua maioria, são uma função do quadrado da corrente que circula nestes elementos, e que se traduzem pela dissipação de calor nas linhas de transmissão, cabos e transformadores. Estas perdas são devidas ao efeito de Joule mas não são as únicas perdas existentes nestas redes. Podemos classificar as perdas eléctricas que ocorrem nas redes de distribuição quanto à sua natureza e quanto à sua origem da forma que se segue: Quanto à sua natureza, as perdas podem ser: - Perdas de potência, as quais traduzem a diferença existente entre a potência de entrada ou requerida e a potência de saída ou vendida, num determinado instante t, ou em média num intervalo T (kW). 7 Capítulo 2 - Perdas de energia, as quais traduzem a diferença existente entre a energia de entrada ou requerida e a energia de saída ou vendida, num determinado intervalo de tempo (kWh). Quanto à sua origem, as perdas podem ser classificadas em: - Perdas técnicas, as quais traduzem as perdas resultantes das actividades de distribuição e transformação da energia eléctrica que ocorrem antes da entrega da energia ao consumidor final. Englobam-se aqui as perdas por efeito de Joule já referidas e as perdas no ferro dos núcleos magnéticos dos transformadores. Outras perdas que poderiam ser consideradas seriam as perdas por efeito coroa as quais, geralmente, nas redes de distribuição se apresentam como irrelevantes. - Perdas não técnicas, as quais traduzem a potência ou energia efectivamente entregue ao consumidor, mas que não é contabilizada. Incluem-se aqui os furtos de energia eléctrica e os erros cometidos pela aparelhagem de medição. 2.2 – Relação entre as perdas num elemento de uma rede de distribuição e o trânsito de potência que flui neste elemento. As perdas eléctricas por efeito de Joule num determinado componente eléctrico são proporcionais ao quadrado da potência que neste flui, se a tensão eléctrica for mantida constante. Para se ilustrar esta afirmação atentemos na figura 2.1 que se segue. S C Figura 2. 1 – Ramo de uma rede eléctrica A potência consumida pela carga C, no sistema por unidade (pu), é dada por: S carga = U carga I * ( 2. 1) de onde se pode tirar que: I= * S carga * U carga ( 2. 2) Por outro lado, é bem conhecido que as perdas óhmicas, ou por efeito de Joule, num determinado elemento de uma rede eléctrica, são dadas por: Pp = R I 2 (2. 3) onde R é o valor da resistência, em pu, do elemento. 8 Capítulo 2 Substituindo a equação (2.2) em (2.3), obtemos que: S 2 Pp = R. I = R 2 U carga (2. 4) 2 Se |Ucarga| for constante, esta expressão pode ser escrita na forma: Pp = k '.S 2 (2. 5) sendo que: k' = R U carga 2 (2. 6) Conclui-se assim que as perdas nos elementos de uma rede de distribuição são, por um lado, inversamente proporcionais ao quadrado da tensão, e por outro dependem dos trânsitos de potência activa e reactiva. A maioria dos métodos que serão apresentados no capítulo 3 consideram, no processo de alocação de perdas, que estas são proporcionais ao quadrado da potência activa. Nestes casos considera-se um factor de potência típico, correspondente a um esfasamento entre a tensão e a corrente igual a ϕ. Teremos então que: Q P Q = P. tan ϕ = α .P tan ϕ = (2. 7) Considerando a expressão (2.7), podemos rescrever a expressão (2.5) com a forma: Pp = k .P 2 (2. 8) onde o valor de k é dado por: k = k ' (1 + α 2 ) (2. 9) Uma expressão alternativa onde se exprime as perdas em função dos módulos e fases das tensões em vez de em função das potências é a expressão (2.10). Esta expressão mostra que as perdas num ramo de uma rede dependem quer dos módulos quer das fases das tensões nas suas extremidades. 9 Capítulo 2 ( Pp = g ij Vi 2 + V j2 − 2ViV j cos(θ i − θ j ) ) ( 2. 10) onde: gij representa a parte real da admitância do elemento para o qual se pretende determinar as perdas. Vi representa o módulo da tensão na extremidade de emissão de potência do elemento. Vj representa o módulo da tensão na extremidade de recepção do mesmo elemento. θi representa esfasamento da tensão na extremidade de emissão de potência no elemento. θj representa o esfasamento da tensão na extremidade de recepção de potência do mesmo elemento. 2.3 – O problema da alocação das perdas No âmbito deste trabalho discutem-se metodologias para efectuar a alocação das perdas técnicas dependentes das correntes que circulam nos elementos das redes de distribuição para e entre os utilizadores destas. A alocação dos custos destas perdas é um problema complexo, uma vez que à não linearidade das equações do trânsito de potências em cada elemento da rede, junta-se ainda a não linearidade das perdas em cada elemento com o trânsito de potência que neste flui. O facto das perdas por efeito de Joule, desprezando o efeito das tensões, serem proporcionais ao quadrado da potência que é veiculada nas canalizações eléctricas faz com que as perdas numa linha de transmissão não sejam proporcionais ao uso desta. Esta particularidade conduz a problemas na definição da forma como devem ser alocadas as perdas entre os utilizadores de uma rede de distribuição partilhada. De facto, se, individualmente, um determinado trânsito de potência numa canalização provoca 10 kW de perdas por efeito de Joule e se um outro trânsito de potência, na mesma canalização provoca 20 kW de perdas, os dois em conjunto não provocarão 30 kW de perdas mas sim um valor superior. Apresenta-se de seguida um pequeno exemplo que ilustra esta situação, no qual se admite que a influência das tensões nas perdas é desprezável, sendo portanto o valor k da expressão (2.9) constante. C1 Ramo i 100 kW Ramo i P2 P1 C2 80 kW Figura 2. 2 – Ramo i alimentando de forma individual dois consumidores distintos Quando o ramo i apenas alimenta o consumidor C1, as perdas que ocorrem no ramo são, utilizando a expressão (2.8), iguais a: PpC1 = k .100 2 = 10000k (2. 11) Quando o ramo i alimenta apenas o consumidor C2, as perdas que ocorrerem no ramo, valem: 10 Capítulo 2 PpC 2 = 80 2.k = 6400k (2. 12) Nestas duas situações, a alocação das perdas seria trivial, cabendo a cada consumidor pagar as perdas do respectivo ramo que os alimenta. Neste caso, o consumidor C2, cuja potência é 80 % da do consumidor C1 apenas suportaria 64% dos custos suportados por este. A situação complica-se quando ambos os consumidores passam a ser alimentados pelo mesmo ramo, passando as perdas a valer: Pptotal = (100 + 80) 2 .k = 32400.k Ramo i P1+P2 ( 2. 13) C1 100 kW C2 80 kW Figura 2. 3 – Ramo i alimentando dois consumidores simultaneamente Quando o ramo i alimenta os consumidores C1 e C2 simultaneamente, as suas perdas têm um valor superior àquele que resulta da soma das perdas obtidas quando alimenta cada um individualmente. O problema da repartição de perdas em redes eléctricas partilhadas advém exactamente desta não linearidade. Coloca-se agora a questão sobre quem será o responsável pelas perdas suplementares que surgem face à situação das perdas que cada uma das transações individuais provocaria se utilizasse o ramo i isoladamente. Como se constata deste pequeno exemplo, a não linearidade na relação das perdas com os trânsitos de potência e o facto das linhas eléctricas serem partilhadas entre diferentes utilizadores, fazem com que os fluxos de energia de cada um dos utilizadores da rede partilhada afectem as perdas criadas pelo fluxo de outros utilizadores. Esta situação acarreta problemas que podem ser difíceis de resolver. 2.4 – Princípios para uma alocação ideal das perdas Como referido anteriormente, o subsistema de distribuição de energia eléctrica apresenta um conjunto de custos, entre os quais os custos das perdas, que têm de ser alocados entre todos os seus utilizadores. A forma como os custos das perdas são alocados interfere directamente com a eficiência económica do sistema de distribuição, uma vez que o processo de alocação de custos pode ser aproveitado para enviar sinais económicos capazes de incentivar a localização de novas cargas ou produtores em regime especial em locais mais favoráveis para a eficiência global da rede. Estes sinais económicos podem também ser utilizados para incentivar a utilização mais eficiente da rede de distribuição pelos utilizadores já existentes e para incentivar o próprio investimento no desenvolvimento da rede, visando atingir maior eficiência global. 11 Capítulo 2 A alocação dos custos das perdas pode ser efectuada utilizando diversas metodologias distintas. Este facto implica a necessidade de se efectuar uma comparação entre estas, a qual poderá auxiliar na selecção do método mais indicado para tarifar as perdas eléctricas. Esta comparação deve ser efectuada em relação a um conjunto de requisitos desejáveis que cada método deveria cumprir. Torna-se assim necessária a definição dos princípios fundamentais que os métodos devem procurar atingir, e que servirão de base à comparação entre estes. Apresentam-se de seguida, os grandes princípios julgados como fundamentais e que servirão de base à caracterização das metodologias efectuada no capítulo 4. Objectividade, transparência e simplicidade Tal como referido em Odériz (1999), o método deve basear-se em dados objectivos da rede e não conter simplificações excessivas em relação à operação dos sistemas eléctricos, o que implica que cada método respeite as leis físicas que regem os sistemas eléctricos. Sendo a rede de distribuição de energia utilizada por várias entidades distintas, a transparência nas metodologias de alocação de custos é essencial. O método deve ser simples e fácil de compreender por forma a permitir a qualquer agente do mercado efectuar o seu cálculo para estudar situações futuras. Deve ainda ser transparente, o que implica que os dados utilizados no cálculo sejam conhecidos e facilmente verificáveis por todos (Odériz, 1999) (Cura, 1998). Eficiência económica A eficiência económica implica que a alocação de custos reflicta os custos económicos reais, tendo ainda em consideração a necessidade de se evitar situações de subsidiação cruzada. O método de alocação de custos deve permitir a transmissão de sinais económicos capazes, não só de incentivar consumidores e produtores em regime especial a localizarem-se em locais mais favoráveis para a rede (que conduzam a menores perdas globais), mas também tendentes a incentivar os investimentos na rede. Note-se que o método deve condicionar a localização dos novos utilizadores da rede e também desencorajar passos não económicos dos utilizadores já existentes, através da transmissão de sinais económicos adequados (IPART 2000). Os sinais económicos transmitidos pelo método devem fazer-se sentir, quer nos consumidores e produtores em regime especial, quer nos distribuidores, uma vez que os custos influenciam a forma como os primeiros utilizam a rede e também a forma como os distribuidores a exploram e mantêm. Retorno suficiente O método deve garantir o retorno do valor global das perdas, embora evitando o retorno excessivo. Este princípio procura garantir a viabilidade financeira da empresa detentora da rede física de distribuição, bem como permitir os investimentos necessários ao seu funcionamento em condições técnico-económicas adequadas. Igualdade e não discriminação O método deve promover a igualdade entre utilizadores da rede nas mesmas circunstâncias. Se tivermos em conta a organização do Sistema Eléctrico em Portugal, o método não deve fazer discriminação entre clientes do SEP e clientes do SENV, devendo para clientes com iguais características efectuar alocações de custos iguais. Também não deve existir discriminação entre produtores em regime especial com iguais características. 12 Capítulo 2 Estabilidade O método deve promover a estabilidade dos custos a suportar por cada utilizador da rede e por consequência a estabilidade do preço da energia. Por outras palavras, o método não deve contribuir para uma excessiva volatilidade dos preços da energia. Consistência O método deve ser consistente, ou seja fornecer resultados consistentes em diferentes situações de funcionamento do sistema. Aplicabilidade em mercados abertos O método deve poder ser aplicado de forma correcta a sistemas eléctricos com carácter concorrencial, ou seja, o método deve ser politicamente implementável. 2.5 – Situação actual em Portugal 2.5.1 – Distribuição de energia eléctrica Na actual legislação do sector eléctrico português, estão atribuídas aos distribuidores vinculados as actividades de Distribuição e de Comercialização de Energia Eléctrica. A primeira actividade corresponde à veiculação de energia eléctrica desde os pontos de recepção da entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte, dos produtores em regime especial e das ligações transfronteiriças até aos clientes finais. A segunda actividade relaciona-se com a compra e venda de energia eléctrica, bem como com as actividades de leitura, facturação e cobrança (ERSE, 2000). O ponto 1 do artigo 43º do Regulamento do Acesso às Redes e Interligações, estabelece que o “acesso e o uso das redes de transporte e de distribuição em MT e AT devem ser proporcionados pela entidade concessionária da Rede Nacional de Transporte e pelas entidades titulares de licença vinculada de distribuição em MT e AT, de forma não discriminatória...”. Esta é a actividade de Distribuição de Energia Eléctrica atribuída actualmente aos distribuidores vinculados. No ponto 2 do mesmo artigo 43º, refere-se que “...as entidades titulares de licença vinculada de distribuição em MT e AT têm, nos termos previstos nos diplomas referidos no número anterior, o direito de receber uma retribuição pela utilização das suas instalações e serviços, nos termos fixados no Regulamento Tarifário”. Esta remuneração, como referido em (ERSE, 2001e), provém da aplicação das tarifas do Uso da Rede de Distribuição. A aplicação destas tarifas deve permitir às entidades titulares de licença vinculada de distribuição obterem um conjunto de proveitos que se encontram regulados. Em (ERSE, 2001e) refere-se que, para a actividade de Distribuição de Energia Eléctrica o método de regulação subjacente é baseado no limite aos preços, pelo que os proveitos a proporcionar nesta actividade dependem da energia eléctrica entregue pelas redes de distribuição, do nível de perdas nestas redes e de eventuais custos da política ambiental. Por outras palavras, a actividade de Distribuição é regulada por um mecanismo do tipo “preço máximo” (“pricecap”), no qual são estabelecidos à priori, ou seja, no início do período de regulamentação, os montantes permitidos para a actividade, ou, mais correctamente, parâmetros que em função das quantidades, determinam os montantes permitidos. 13 Capítulo 2 Assim, as tarifas de Uso da Rede de Distribuição são estabelecidas no ano t-1 para aplicação no ano t e deverão permitir aos distribuidores vinculados obter um conjunto de proveitos estabelecidos no ponto 1 do artigo 35º do Regulamento Tarifário pela fórmula: ~ 3 ( ( ) ) RtD = Ft D + ∑ Pi ,Dt .EiD,t + PpD,t . ptD* − ptD / 100.EtD + Ramb ,t − ∆Dt−2 i =1 (2. 14) (t = 1,2,..., n) onde: ~ D R t representa os proveitos que as tarifas de uso da rede de distribuição devem proporcionar no ano t, em escudos. n representa o número de anos do período de regulação. Ft D representa a componente fixa dos proveitos de uso da rede de distribuição no ano t, em escudos. i representa o nível de tensão (i=1, 2 ou 3, respectivamente para AT, MT e BT). Pi ,Dt representa componentes variáveis unitárias dos proveitos de uso da rede de distribuição no nível de tensão i, no ano t, em escudos/kWh. E iD,t representa a energia eléctrica entregue pela rede de distribuição no nível de tensão i a clientes vinculados e não vinculados, no ano t, em kWh. PpD,t representa a valorização das perdas na rede de distribuição no ano t, em escudos/kWh. p tD* representa o nível de referência das perdas na rede de distribuição no ano t, em percentagem. p tD representa o nível de perdas no ano t, em percentagem. E tD representa a energia eléctrica entregue pela rede de distribuição a clientes vinculados e não vinculados no ano t, em kWh. Ramb ,t representa os proveitos permitidos para a recuperação dos custos incorridos na protecção do ambiente no ano t, em escudos. ∆Dt− 2 representa o ajustamento no ano t, dos proveitos das tarifas de uso da rede de distribuição no ano t-2, em escudos. A componente fixa dos proveitos, Ft D evolui anualmente de acordo com o estabelecido no número 2 do artigo 35º do Regulamento Tarifário. O ponto 3 do mesmo artigo estabelece a forma de evolução das componentes variáveis, Pi ,Dt . No ponto 5 do mesmo artigo refere-se que o nível de perdas, p tD é dado pelo quociente entre as perdas e a energia entregue pela rede de distribuição a clientes vinculados e não vinculados. No ponto 6 é referido que o nível de referência das perdas, p tD* , é fixado para cada um dos anos do período de regulação. 14 Capítulo 2 A valorização das perdas, PpD,t , é dada pelo custo médio de aquisição de energia eléctrica à entidade concessionária da RNT, do conjunto de distribuidores vinculados no ano (t), tal como se refere no ponto 7 do mesmo artigo. O artigo 36º do mesmo regulamento descreve a forma de determinação do ajustamento dos proveitos, ∆Dt− 2 , a proporcionar pela tarifa de uso da rede de distribuição no ano t. Observe-se que, no que se refere às perdas, a expressão dos proveitos permitidos aos distribuidores vinculados contém um mecanismo de incentivo à sua redução. De facto, se o nível de perdas conseguido na rede de distribuição no ano de aplicação da tarifa, for inferior ao nível de referência fixado no ano anterior, os proveitos permitidos às empresas de distribuição vinculadas aumentam. Se o nível de perdas for superior ao nível de referência, o distribuidor vinculado é penalizado com a diminuição dos proveitos permitidos. Este tipo de mecanismo regulatório visa incentivar a redução das perdas nas redes. Como já referido anteriormente, as tarifas de Uso da Rede de Distribuição destinam-se a remunerar a actividade de Distribuição de Energia Eléctrica, a qual tem como principais objectivos o planeamento, o estabelecimento, a operação e a manutenção dos activos afectos às redes de distribuição, incluindo também os equipamentos de medição e de controlo. Esta tarifa é suportada por todos os clientes, quer pertençam ao SEP quer ao SENV. Existem previstas três tarifas de Uso da Rede de Distribuição, diferenciadas consoante o nível de tensão do fornecimento. O quadro que se segue resume estas tarifas: Tabela 2. 1 – Tarifas de Uso da Rede de Distribuição Tarifa Abreviatura Aplicada por Tarifa de uso URDAT da rede de distribuição em Alta Tensão Tarifa de uso URDMT da rede de distribuição em Média Tensão Tarifa de uso URDBT da rede de distribuição em Baixa Tensão Paga por Objecto Observações Todos os clientes Uso da rede alimentados em AT e nos níveis de tensão a jusante, tanto do Os clientes do SEP SEP como do não têm o valor SENV Distribuidores Clientes finais do Uso da rede desta tarifa descriminado, SEP alimentados vinculados sendo paga de em MT e BT e MT/AT forma diluída na pelos clientes não factura mensal vinculados alimentados em MT Distribuidores Clientes finais do Uso da rede Definida nos termos do n.º 2 do SEP alimentados vinculados artigo 31º do em BT MT/AT Regulamento (actividade de Tarifário comercialização de energia eléctrica) Distribuidores vinculados MT/AT A legislação portuguesa nos artigos 51º do Regulamento Tarifário e artigo 47º do Regulamento do Acesso às Redes e às Interligações estabelece que, estas tarifas são compostas por um preço de potência (PTE/kW por mês) e dois preços de energia reactiva (PTE/kVarh), consoante se trate de energia reactiva fornecida ou recebida. Como previsto no Regulamento de Relações Comerciais, no seu artigo 78º e no Regulamento de Acesso às Redes e às Interligações, no seu artigo 47º, e tendo em conta os 15 Capítulo 2 valores dos factores k1 e k2 referidos nos mesmos artigos e fornecidos pela ERSE para o ano 2001, o preço de potência aplica-se ao valor da potência a facturar calculada a partir da potência média em horas de ponta adicionada de 70% do valor da potência média em horas cheias que exceda o valor da potência média em horas de ponta em mais de 20%. As quantidades de potência são determinadas tendo em conta as quantidades de perdas nas redes, o que se consegue através da utilização de factores de ajustamento para perdas definidos na lei. Quer isto dizer que, por exemplo, para um cliente não vinculado alimentado em MT, com energia proveniente da RNT, as tarifas a pagar, para lá da tarifa do uso da rede de transporte serão as tarifas do uso da rede de distribuição em AT e MT. Cada uma destas tarifas terá duas componentes, a componente de potência e a componente de energia reactiva. A determinação das componentes de potência faz-se da forma acima referida, tendo no entanto em conta o ajustamento de perdas na determinação da tarifa de uso da rede distribuição em AT. Por outras palavras, na determinação da potência a facturar na tarifa de uso da rede de distribuição em MT utiliza-se a potência calculada como referido anteriormente, enquanto que para a definição da tarifa do uso da rede de distribuição em AT se usa essa potência acrescida do ajustamento de perdas. Na tabela que se segue apresentam-se os factores de perdas em vigor em Portugal, no ano 2001, discriminados por nível de tensão e por posto horário. Tabela 2. 2 – Factores de ajustamento para perdas (%) Horas de Ponta γP Horas Cheias γC Horas de Vazio γV Factores de ajustamento para perdas AT MT 2,2 5,4 1,5 2,5 1,0 2,2 BT 9,3 6,8 4,3 Atendendo a que, como referido em (ERSE, 2001e), a potência média em horas cheias geralmente não ultrapassa o respectivo valor em horas de ponta em mais de 20%, a potência a considerar nas Tarifas de Uso da Rede de Distribuição é calculada com base na energia em horas de ponta e logo o coeficiente de perdas relevante para estas quantidades de potência é γP. A figura que se segue ilustra a aplicação dos factores de correcção de perdas para um cliente não vinculado, ligado à rede de distribuição de MT e cuja potência nesse nível de tensão é igual a PMT. P PMAT = (1 + γ AT ).PAT Rede de transporte Rede de Distribuição AT P PAT = (1 + γ MT ).PMT Rede de Distribuição MT PMT = PMT CMT Rede de Distribuição BT Figura 2. 4 – Aplicação às potências de factores de correcção para perdas 16 Capítulo 2 No cálculo da tarifa de uso da rede de distribuição em MT, a potência a considerar para este consumidor é igual a PMT, mas no cálculo da tarifa de uso da rede de distribuição em AT, a potência a considerar será PMT corrigida para perdas em MT, ou seja: P PAT = (1 + γ MT ).PMT (2. 15) O preço de energia reactiva fornecida, de acordo com o artigo 75º do Regulamento de Relações Comerciais, aplica-se à quantidade de energia reactiva indutiva que, nas horas fora de vazio, exceder 40% da energia activa transitada no mesmo período. O preço da energia reactiva recebida aplica-se a toda a energia reactiva capacitiva nas horas de vazio. Os valores considerados para a energia reactiva recebida e fornecida resultam das entregas relativas unicamente ao nível de tensão de ligação à rede, uma vez que a compensação é local. Actualmente, a aplicação das Tarifas de Uso da Rede de Distribuição só é efectuada de forma detalhada a clientes pertencentes ao SENV. Aos clientes do SEP, esta discriminação não é efectuada. Por outras palavras, as tarifas de Uso da Rede de Distribuição que deveriam ser suportadas pelos clientes finais do SEP são pagas pelos distribuidores vinculados, na sua actividade de comercialização de energia, com base nos mesmos critérios acima referidos. Estes custos suportados pelos distribuidores vinculados são depois recuperados através das tarifas de venda de energia aos consumidores finais, surgindo na sua factura de energia mas de forma não discriminada. A tarifa de Uso da Rede de Distribuição em baixa tensão não é aplicada a clientes não vinculados, uma vez que a actual legislação só admite clientes não vinculados em MT, AT ou MAT. No que se refere às perdas eléctricas convém, antes de mais, referir que os seus custos não são alocados pelas Tarifas de Uso da Rede. De facto, os custos associados às perdas que cada consumidor terá de suportar são, segundo a actual legislação portuguesa, um custo relacionado com compra de energia “extra”. Por outras palavras, o distribuidor vinculado e os clientes não vinculados ligados à rede de distribuição do SEP têm de adquirir (aos produtores vinculados, não vinculados ou importação) uma quantidade de energia superior àquela que efectivamente necessitam, por forma a compensarem as perdas que provocam nas redes. Esta quantidade extra de energia é determinada pela aplicação dos factores de ajustamento para perdas anteriormente referidos, os quais são diferenciados por nível de tensão e posto horário, tal como consta do artigo 68º do Regulamento de Relações Comerciais e do artigo 47º do Regulamento do Acesso às Redes e Interligações. Este ajustamento para perdas faz-se somente para a energia activa, convertendo-se esta energia absorvida por um consumidor no seu ponto de alimentação para o referencial de produção. Assim, por exemplo um consumidor não vinculado ligado à rede de distribuição em AT, tem de adquirir uma quantidade de energia dada por: W p = Wc × (1 + γ AT ( RNT ) ) × (1 + γ AT ) (2. 16) onde: Wp é a energia activa a produzir por período horário para alimentar o consumidor. Wc é a energia activa entregue ao consumidor por período horário. γAT(RNT) é o factor de ajustamento para perdas na Rede Nacional de Transporte por período horário. γAT é o factor de ajustamento para perdas na Rede de Distribuição em AT por período horário. 17 Capítulo 2 Se o consumidor se encontrar ligado à rede de distribuição em MT, a quantidade de energia que terá de adquirir é dada pela expressão: W p = Wc × (1 + γ AT ( RNT ) ) × (1 + γ AT ) × (1 + γ MT ) (2. 17) sendo: γMT o factor de ajustamento para perdas na rede de distribuição em MT por período horário. A legislação portuguesa prevê ainda, no Regulamento do Acesso às redes e às Interligações, a possibilidade de virem a existir Coeficientes de Adesão às Redes. No artigo 46º deste regulamento refere-se que “No caso de novas ligações de candidatos a utilizadores das redes, a entidade concessionária da RNT e as entidades titulares de licença vinculada de distribuição em MT e AT devem dar a sinalização económica adequada a uma correcta localização geográfica”. Refere-se no ponto 2 do mesmo artigo 46º que “A conveniência de uma determinada localização geográfica de uma nova ligação relaciona-se, fundamentalmente, com as maiores ou menores perdas de energia eléctrica que essa ligação causa”. No ponto 3 do mesmo artigo refere-se que “...é estabelecido um sistema de Coeficientes de Adesão às Redes, nodais ou zonais, que são aplicados ao valor a pagar pela potência activa a facturar mensalmente, relativa ao uso da rede a que respeita a nova ligação, durante o período de um ano”. Estes coeficientes previstos na legislação podem assumir valores inferiores ou superiores a 1, consoante a localização seja mais ou menos favorável, respectivamente. Actualmente são iguais a 1, cumprindo assim o disposto no ponto 8 do artigo 46º do Regulamento do Acesso às redes e às interligações, que os fixa igual a 1 enquanto não for aprovada qualquer proposta de valores. Compete à ERSE, nos termos do ponto 6 do artigo nº46, a aprovação destes coeficientes, após propostas fundamentadas apresentadas pela entidade concessionária da RNT e pelas entidades titulares de licença vinculada de distribuição. Estes factores, se definidos e implementados poderão funcionar como mecanismo de incentivo à ligação de novos utilizadores em pontos mais convenientes para o sistema, embora tenham apenas efeitos temporários e não expressem o impacto real que cada novo consumidor ligado à rede terá nas perdas. 2.5.2 – Comentários ao actual sistema tarifário O actual sistema tarifário rege-se por princípios de não discriminação e de uniformidade tarifária. Os custos inerentes à operação, planeamento, estabelecimento e manutenção dos activos afectos às redes de distribuição, são alocados aos seus utilizadores através das Tarifas de Uso da Rede de Distribuição. A forma como as tarifas de Uso da Rede de Distribuição são suportadas pelos consumidores finais de energia é diferente consoante se trate de um cliente do SEP ou um cliente não vinculado. Os últimos pagam estas tarifas, de forma discriminada na sua factura energética, sendo o valor a pagar função de uma potência e da energia reactiva consumida ou injectada na rede, como anteriormente referido. Os clientes do SEP pagam estas tarifas diluídas no preço da energia, sem que apareçam discriminadas na sua factura. A recuperação dos custos da rede de distribuição feita da forma apresentada pode conduzir a situações de subsidiação cruzada uma vez que não é contabilizada a “quantidade 18 Capítulo 2 de rede” que cada cliente utiliza. Por exemplo, dois clientes não vinculados, ligados ao mesmo nível de tensão, com iguais valores de potência e de energia reactiva pagam o mesmo valor pelo acesso à rede de distribuição, independentemente da sua distância à subestação que os alimenta, das condições físicas e eléctricas da rede e das perdas que provocam. Os clientes do SEP, que consumam igual energia, têm também de suportar iguais custos pelo acesso à rede de distribuição. No que se refere aos custos das perdas a suportar pelos diferentes utilizadores da rede, podem também suceder situações de subsidiação cruzada devido à forma como é determinada a quantidade de energia “extra” a adquirir por estes por forma a compensar as perdas. Por exemplo, dois clientes não vinculados com iguais potências e energias, ligados à rede de distribuição em MT, não têm forçosamente que possuir igual utilização da rede, ou de criar igual valor de perdas. A sua localização geográfica, por exemplo, pode condicionar de forma decisiva as perdas que cada um provoca na rede. No entanto, a forma definida na lei para calcular a energia activa “extra” que estes têm de adquirir para compensar as perdas que provocam conduz a que ambos suportem igual valor de perdas. No caso de clientes do SEP, o facto de ser o distribuidor vinculado, na sua actividade de comercialização de energia, a suportar os custos das perdas e posteriormente a transferi-los para os consumidores finais com base na energia consumida por estes pode também ser discutível deste ponto de vista. Dois clientes com consumo de energia semelhante podem não provocar igual quantidade de perdas na rede, dependendo estas quer da sua localização geográfica quer do espaço temporal em que os consumos são efectuados. As quantidade de energia “extra” a ser adquirida pelos clientes é determinada com base no mecanismo de ajustamento para perdas. O problema é que os coeficientes de ajustamento para perdas são constantes, iguais para todos, não tendo em conta as perdas que de facto cada utilizador da rede provoca em função da sua localização geográfica e do seu diagrama de cargas. Não se pretende, com este trabalho, discutir o princípio da uniformidade tarifária actualmente em vigor em Portugal. Apenas se procura mostrar que, à luz deste princípio, os custos das redes de distribuição, perdas incluídas, não são alocados a quem de facto os provoca. Da análise da actual situação em Portugal, percebe-se que o processo de alocação das perdas das redes só é explícito para clientes não vinculados, sendo que aos clientes vinculados estes custos são imputados de forma diluída na tarifa da energia. Como consta do artigo 37º, nº 7 do Regulamento Tarifário, as tarifas de venda de energia aos clientes finais do SEP incluem uma parcela de repercussão dos custos de montante a qual inclui os custos de aquisição de energia eléctrica que incluem a energia “extra” necessária para compensar as perdas. A alocação destes custos aos clientes do SEP através da tarifa de venda da energia a clientes finais não permite que se responsabilize cada um dos utilizadores pelas perdas que efectivamente provoca. Por outro lado, estes consumidores não vêem de forma explícita na sua factura os custos de perdas que estão a suportar. Põem-se assim em causa duas das traves fundamentais da eficiência económica, ou seja, cada um suportar os custos que origina e ter conhecimento de que os está a suportar. No entanto, esta forma de alocação dos custos permite manter uma situação de uniformidade tarifária, consagrada na lei portuguesa. 19 Capítulo 2 2.5.3 – Produção em regime especial Como referido anteriormente, as necessidades ambientais e de optimização de recursos energéticos conduziram ao aparecimento de um fenómeno que se sente um pouco por todo o mundo, e que consiste no aparecimento de centrais produtoras de energia eléctrica geralmente interligadas com as redes de distribuição. Na legislação portuguesa estas instalações são designadas por Produtores em Regime Especial (PRE). Na sua maioria, estas centrais de produção de energia eléctrica são caracterizadas por terem uma pequena potência e por se encontrarem interligadas com a rede de distribuição nos níveis de tensão mais baixos. No entanto existem também produtores em regime especial com potências significativas e interligados com níveis de tensão superiores. Os casos dos parques eólicos ou de instalações de co-geração são casos evidentes desta situação. Em Portugal, desde a publicação do Decreto-Lei 189/88, estas instalações apareceram em força e, na sua maioria, encontram-se ligadas às redes de distribuição, as quais geralmente têm uma estrutura radial ou são exploradas com topologia radial. Tal facto conduz a alterações no funcionamento das redes de distribuição, deixando estas de ser um elemento passivo para passarem a ter um comportamento activo, dificultando a tarefa de gestão destas redes. Embora neste trabalho interesse fundamentalmente analisar o impacto dos PRE nas perdas das redes de distribuição, não podemos esquecer que o impacto dos PRE não se limitam às perdas e que também se fazem sentir quer nas redes de transporte quer no sistema electroprodutor centralizado. O problema de avaliação do impacto provocados pelos PRE nas redes de distribuição é complexo e agravado pelo facto de muitas das pequenas centrais aproveitarem como energia primária recursos fortemente variáveis no tempo (quer a curto quer a longo prazo) tais como a água de pequenos rios ou o vento. O aparecimento de PRE nas redes de distribuição conduziu ao aumento das dificuldades de exploração destas redes, uma vez que: 20 • O trânsito de potências activa e reactiva que tradicionalmente eram unidireccionais, com sentido da subestação para as cargas, podem passar a ser bidireccionais, em especial nas horas de vazio dos sistemas de distribuição onde pode ocorrer uma inversão no sentido dos trânsitos de potência dos ramos, e mesmo no sentido do trânsito de potência entre a rede de transporte e a rede de distribuição. • Os perfis de tensão nas redes de distribuição deixam de ser monotonamente decrescentes desde a subestação até à carga mais afastada para passarem a ter um comportamento menos monótono, ou seja, podem surgir tensões mais elevadas em determinados nós da rede situados próximos da interligação de um PRE. • Podem surgir flutuações lentas e rápidas nas tensões das redes devido às entradas e saídas de serviço dos PRE e às variações no recurso primário respectivamente. • As potências de curto-circuito que tradicionalmente eram decrescentes à medida que nos afastávamos da subestação deixam de apresentar tal monotonia. De facto, a presença de PRE em determinados nós conduz a um aumento das potências de curtocircuito no nó de interligação e nos nós vizinhos. • Aumentam as dificuldades na coordenação das protecções da rede receptora, torna-se mais complexo efectuar uma eficaz regulação da tensão, aumenta a probabilidade de interrupções de serviço, aumenta a poluição harmónica das redes. Capítulo 2 A acrescentar a estes, surgem impactos nas perdas da rede de distribuição. De facto, antes do aparecimento dos PRE, as perdas dependiam quase exclusivamente dos regimes de carga e das condições de exploração da rede, mas actualmente surge mais uma variável que influencia o seu valor. O padrão de injecção de energia na rede pelos PRE interfere directamente e significativamente no valor global das perdas destas redes. O impacto dos PRE nas perdas de uma rede de distribuição, pode ser negativo ou positivo. Geralmente, acarreta para a rede uma redução do valor global das perdas. Um estudo elaborado e apresentado em (Peças Lopes et al, 2000) mostra que os PRE têm um impacto global positivo nas perdas das redes de distribuição. Constata-se ainda neste documento que as perdas são uma função dos diferentes cenários de exploração e das características de ligação dos PRE às redes receptoras (comprimento do ramal, tensão da rede receptora). Este relatório “envolveu um vasto conjunto de estudos que se estenderam, por sua vez, por vários cenários de operação associados a regimes hidrológicos húmidos e secos e a situações de ponta e vazio.”. Em (Peças Lopes et al, 2000) refere-se ainda que, “globalmente, pode afirmar-se que o impacto dos PRE nas perdas activas e reactivas na rede receptora é benéfico durante os dias de semana, conduzindo à sua diminuição, e prejudicial nos fins de semana, conduzindo ao seu aumento, ainda que de menor amplitude”. O estudo revela que, nos dias da semana, a presença de PRE conduz a uma redução dos trânsitos de potência nos ramos situados entre a PRE e a subestação. O trânsito de potências faz-se com o sentido da subestação para a rede. Ao fim de semana, constata-se que, existindo PRE, o trânsito de potência activa se faz da rede para a subestação, podendo conduzir a aumento das perdas activas. O trânsito de potência reactiva permanece com sentido da subestação para a rede. Tendo em conta os impactos referidos e o âmbito do presente trabalho, importa perceber como a actual legislação portuguesa contabiliza o impacto nas perdas das redes de distribuição dos PRE. O Decreto-Lei n.º 168/99 de 18 de Maio regulamenta a remuneração da produção renovável ou utilizando resíduos industriais, agrícolas ou urbanos. No que se refere aos aproveitamentos hidroeléctricos, este diploma apenas é aplicável a instalações com potência instalada até 10 MW. Com esta regulamentação a remuneração da energia dos PRE deixa de estar ligada ao preço de venda ao cliente final do SEP, adoptando-se uma remuneração baseada em custos evitados, onde se incluem os custos ambientais e das perdas. A energia produzida pelos PRE que utilizam recursos renováveis como energia primária é, nos termos deste Decreto-Lei, remunerada com base na expressão: V = k pt .( PF + PV + PA).k P .k IPC (2. 18) onde: PF é a chamada “parcela fixa” sendo proporcional quer à utilização da potência instalada quer à potência média. PV é a chamada “parcela variável”, proporcional à energia entregue pelo PRE. PA é designada por “parcela ambiental” sendo também proporcional à energia entregue. kp é um factor que procura traduzir as perdas evitadas nas redes pelos PRE. Este factor é função da potência instalada, assumindo o valor 1,036 para potências instaladas inferiores a 5 MW e 1,015 para potências iguais ou superiores aos 5 MW. kIPC é um factor que está relacionado com a taxa de inflação e que se calcula através do quociente entre o índice de preço no consumidor, sem habitação, no continente, referente ao mês anterior, e o mesmo índice, mas referente ao mês de Dezembro de 1998. 21 Capítulo 2 kpt é um factor que permite ponderar a energia entregue pelos PRE em função dos períodos tarifários (ponta, cheia, vazio). Este factor é optativo, tendo o PRE que decidir no acto de licenciamento se pretende que este tenha o valor 1 ou então um valor obtido pela expressão: k pt = 1,25.E pc + 0,65.EV E (2. 19) sendo: Epc a energia entregue nos períodos de ponta e de cheia EV a energia entregue nos períodos de vazio E a energia total entregue Os pontos 2 a 22 do mesmo Decreto-Lei 168/99 estabelecem a forma de cálculo de cada um dos factores envolvidos na expressão (2.18). O Decreto-Lei 538/99 de 13 de Dezembro regulamenta a forma de remuneração da energia produzida por produtores em regime especial baseados na co-geração. Neste diploma, no ponto 2 do artigo 10º estabelecem-se três tarifários distintos, aplicáveis a toda a energia fornecida pelas respectivas instalações à rede do SEP. Um destes tarifários é aplicável a instalações de co-geração com potência de ligação até 10 MW inclusive, outro a instalações com potência de ligação superior a 10 MW e o terceiro às instalações cuja energia primária seja constituída em mais de 50% por recursos renováveis ou resíduos industriais, agrícolas ou urbanos, independentemente da potência de ligação. No ponto 3 do mesmo artigo 10º estabelece-se que as tarifas de venda da energia ao SEP devem reflectir os custos evitados pelo SEP devido à entrada em serviço da instalação de cogeração, entre os quais os custos das perdas. As portarias 30/2000 e 31/2000 de 27 de Janeiro e a portaria n.º 525/2001 de 25 de Maio estabelecem as formulas de remuneração da energia entregue respectivamente pelas instalações de co-geração com potências igual ou inferior a 10 MW, superior a 10 MW e que utilizam energia primária que, em cada ano, seja constituída em mais de 50% por recursos renováveis ou resíduos. A expressão da remuneração da energia entregue por estas instalações tem a forma: V = ( PF + PV + PA).k P ( 2. 20) onde os factores têm o mesmo significado anterior e são calculados nos termos expressos em cada uma das portarias referidas. No que se refere ao factor kp, para as instalações de co-geração, os seus valores são diferentes daqueles referidos para os PRE cuja energia primária é do tipo renovável. Para instalações de co-geração com potência até 10 MW, o factor kp assume o valor 1,02 se a potência for maior ou igual a 5 MW e o valor 1,04 se a potência é inferior aos 5 MW. Para instalações com potência superior aos 10 MW o factor kp é unitário. Para instalações de co-geração cuja energia primária seja constituída em mais de 50% por recursos renováveis ou resíduos, independentemente da sua potência, o factor kp assume o valor 1,02 se a potência da instalação é igual ou superior a 5 MW e o valor 1,04 se a potência é inferior aos 5 MW. 22 Capítulo 2 2.5.4 – Comentários à actual fórmula de remuneração aos PRE A actual forma de remuneração da energia entregue pelos PRE às redes de distribuição assenta no conceito dos custos evitados, entre os quais as perdas. Significa isto que, a energia entregue pelos PRE é remunerada tendo em conta as perdas evitadas por estes face à situação da sua ausência. Como referido em 2.5.3, a forma legal de expressar o valor das perdas evitadas actualmente em vigor em Portugal, assenta na utilização de um factor, kp, o qual pode assumir cinco valores distintos, em função da potência instalada e do tipo de PRE. O facto deste factor kp só poder assumir estes cinco valores conduz a que possam existir situações de subsidiação cruzada entre PRE. Por exemplo, dois PRE do mesmo tipo, com iguais potências instaladas e que produzam a mesma quantidade de energia podem originar diferentes valores de perdas evitadas, uma vez que estes valores dependem da sua posição geográfica, das características da rede junto ao seu ponto de interligação e do próprio regime de funcionamento de cada PRE. A actual forma remuneratória da energia entregue pelos PRE não contempla portanto, as perdas efectivamente evitadas por cada um destes. Por outro lado, os PRE são igualmente remunerados por perdas evitadas mesmo em intervalos de tempo em que eventualmente contribuam para o seu aumento. Como referido anteriormente, nos períodos de menor carga da rede de distribuição podem ocorrer aumentos das perdas nesta causadas pela presença dos PRE. Nestes casos, e perante a actual fórmula remuneratória, os PRE continuarão a receber por perdas evitadas quando de facto contribuem para o seu aumento. 2.6 – Enquadramento do presente trabalho na situação portuguesa Com este trabalho não se pretende, como foi anteriormente referido, discutir o princípio da uniformidade tarifária actualmente em vigor em Portugal. A escolha de uma determinada forma de alocar os custos das redes de distribuição, de perdas ou outros, aos diferentes utilizadores destas não depende somente da procura de uma eficiência económica óptima. Factores sociais podem também ser determinantes no processo de selecção da metodologia a utilizar para efectuar alocação dos custos. Por outras palavras, a escolha de uma determinada metodologia para efectuar a alocação dos custos depende dos objectivos de gestão da rede que se pretendem atingir mas também de objectivos sociais que não podem ser descurados. No entanto, mesmo que no processo de alocação das perdas das redes de distribuição seja utilizado o princípio da uniformidade tarifária é sempre desejável conhecer quem de facto origina ou evita estes custos. Este conhecimento permitirá, às entidades ligadas com a regulamentação do sector eléctrico, avaliarem o grau de subsidiação entre utilizadores da rede. 23 Capítulo 2 2.7 – Conclusões As perdas técnicas de uma rede eléctrica de distribuição são, na sua esmagadora maioria, perdas por efeito de Joule e portanto dependentes do quadrado da corrente que percorre cada elemento dessa rede. Esta corrente é, por sua vez, função dos módulos e das fases das tensões nas extremidades de cada elemento, o que permite concluir que as perdas numa rede eléctrica são também função dos módulos e esfasamentos das tensões em cada barramento desta. A consideração de que as perdas num determinado elemento de uma rede eléctrica são proporcionais ao quadrado do trânsito de potência aparente que nele se faz sentir é uma aproximação à realidade que pode ser mais ou menos grosseira como se demonstrou. Uma aproximação que pode ser ainda menos realista é a consideração de que as perdas num elemento de rede são proporcionais ao quadrado da potência activa que flui nesse elemento. De facto, tal aproximação pressupõe a definição de um factor de potência típico o qual se pode afastar da realidade. Quer se considere que as perdas são proporcionais ao quadrado da corrente quer proporcionais ao quadrado da potência, estas regem-se sempre por uma expressão não linear. A esta não linearidade das perdas junta-se ainda a não linearidade que caracteriza os trânsitos de potência (e das correntes) nas redes eléctricas, tornando complexo o problema da alocação das perdas eléctricas entre os utilizadores de uma rede. Diferentes metodologias podem ser adoptadas para efectuar tal alocação, o que torna necessária a definição de critérios que permitam comparar o comportamento de cada uma face a uma metodologia ideal imaginária. Esta comparação permite, em última instância, efectuar uma comparação entre os diferentes métodos de alocação de perdas. Neste capítulo foram definidos os grandes princípios, julgados como fundamentais, para uma correcta alocação de perdas. Em Portugal, a alocação de perdas aos clientes não vinculados é efectuada através da obrigação destes adquirirem uma quantidade de energia superior aquela que efectivamente receberão. No caso dos clientes do SEP, compete ao distribuidor adquirir essa quantidade “extra” de energia repercutindo os seus custos na tarifa final de venda da energia aos consumidores. A quantidade de energia “extra” a adquirir por um cliente não vinculado ou pelo distribuidor vinculado, é determinada com base em factores de ajustamento para perdas definidos na lei e publicados pela ERSE no regulamento tarifário. No caso dos PRE, a actual legislação impõe uma remuneração da energia entregue por estes ao SEP, baseada em custos evitados. Nestes custos evitados incluem-se as perdas eléctricas que, supostamente, cada PRE evita por estar presente na rede. A forma como, na legislação portuguesa, são definidos e aplicados aos consumidores os factores de ajustamento para perdas e aos PRE os coeficientes que traduzem as perdas evitadas conduz a situações de subsidiação cruzada entre os utilizadores das redes de distribuição, mas garante a uniformidade tarifária. 24