ANAIS
XIII ENCONTRO NACIONAL DA ABET
28 a 31 de outubro de 2013 – Curitiba-PR
GT 09
SESSÃO 3
ID 177
POLÍTICAS
DE
CERTIFICAÇÃO
PROFISSIONAL
NA
INGLATERRA:
DISPOSITIVOS DE RECONHECIMENTO DE SABERES DO TRABALHO
Natália Valadares Lima1
Daisy Moreira Cunha2
Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar os
dispositivos de certificação profissional que viabilizam o reconhecimento de
saberes construídos pelos sujeitos durante a experiência de trabalho
elaborados pelo governo inglês. Para tal, através de pesquisa bibliográfica e
documental, realizaremos um mergulho histórico na configuração econômica,
política e educacional da Inglaterra durante as duas últimas décadas do século
XX, levantando aspectos que determinaram a configuração do National
Vocational Qualification (NVQ), um dos primeiros mecanismos de avaliação e
certificação de saberes de trabalhadores desenvolvido mundialmente, as
modificação realizadas nesse dispositivo até sua extinção e substituição pelo
Qualification and Credit Framework (QCF) em 2008.
Palavras-chave:
Certificação Profissional; Inglaterra; Reconhecimento de
saberes.
1
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFMG. Bolsista da CAPES. E-mail:
<[email protected]>
2
Professora do PPGE/UFMG. E-mail: <[email protected]>
Abstract: This article aims to present and analyse the devices of vocational
certification that enable the recognition of knowledge constructed by the
subjects during their work experience implemented by the British Government.
To this end, through bibliographical and documentary research, we will explore
the economic, political and educational setting of England during the last two
decades of the 20th century, raising issues that led to the setting of the National
Vocational Qualification (NVQ), one of the first mechanisms for evaluation and
certification of work-based knowledge developed worldwide, the modifications
performed on this device until its extinction and replacement by the Qualification
and Credit Framework (QCF) in 2008.
Keywords: Vocational Certification; England; Recognition of knowledge.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo apresentar e analisar os
dispositivos de certificação profissional que viabilizam o reconhecimento de
saberes construídos pelos sujeitos durante a experiência de trabalho
elaborados pelo governo inglês. Para tal, realizaremos um mergulho histórico
na configuração econômica, política e educacional da Inglaterra durante as
duas últimas décadas do século XX, levantando aspectos que determinaram a
configuração do National Vocational Qualification (NVQ), um dos primeiros
mecanismos de avaliação e certificação de saberes de trabalhadores
desenvolvido mundialmente, as modificação realizadas nesse dispositivo até
sua extinção e substituição pelo Qualification and Credit Framework (QCF) em
2008.
Este artigo é fruto das investigações iniciais da pesquisa de mestrado
Reconhecimento de saberes do trabalho e Certificação Profissional: o caso
inglês e integra o projeto de pesquisa sobre os sistemas de reconhecimento de
saberes e certificação profissional desenvolvidos mundialmente, ainda sem
financiamento. A metodologia adotada para análise aqui proposta se pauta-se
na revisão documental e bibliográfica. A primeira consiste na apreciação de
documentos legais emitidos pelo governo da Inglaterra, voltados para
regulamentação dos dispositivos de certificação profissional que possibilitam o
reconhecimento de saberes construídos no trabalho, e na análise da
documentação emitida pelas agências responsáveis pelo acompanhamento
dos trabalhadores no processo de certificação e avaliação de seus saberes. A
revisão bibliográfica tem como objetivo de identificar de que forma as
discussões sobre validação de saberes desenvolvidos na experiência de
trabalho se configuram na Inglaterra. Neste sentido, foram foco desta pesquisa
trabalhos que contemplam as temáticas: certificação e qualificação profissional,
avaliação e reconhecimento de saberes, National Vocational Qualification, e
educação de trabalhadores.
Segundo Moraes e Neto (2005), as políticas nacionais que instituem e
regulamentam instrumentos de validação de conhecimentos construídos ao
longo da vida3 põem em jogo interesses de diferentes atores sociais e, por isto
mesmo, desencadeiam disputas ideológicas e envolvem questões políticoepistemológicas importantes. Os referenciais teórico-metodológicos adotados
em cada país para organização do dispositivo de reconhecimento e certificação
de saberes são orientados por suas finalidades econômicas, sociais e/ou
políticas. Ou seja, enquanto alguns países desenvolveram sistemas de
validação de experiência articulados aos direitos de trabalho e educação,
buscando atender as reivindicações sociais, outros viram neste instrumento a
possibilidade de adequar os programas de formação e qualificação de mão de
obra às exigências do setor produtivo (ECOTEC, 2007).
Na Inglaterra, o dispositivo de certificação de saberes foi concebido no
bojo do governo neoliberal conduzido por Margareth Thatcher e norteado por
anseios políticos e econômicos, em detrimento das demandas sociais. Para o
governo inglês, a introdução de um dispositivo que definisse objetivamente
todas habilidades e competências necessárias para certificação profissional
permitiria aos trabalhadores identificar e desenvolver, por conta própria, os
conhecimentos essenciais para o crescimento do setor produtivo (TREVISAN,
2001), transferindo, desta forma, a responsabilidade pela formação profissional
do Estado para os indivíduos. Para colocar em prática esta proposta, o governo
conservador se norteou pelo modelo americano de competências, que
propunha a racionalização de elementos indispensáveis para um desempenho
3
Na Europa estes programas são intitulados Lifelong Learning.
eficiente e se voltava para a avaliação de “capacidades efetivas” dos sujeitos
(ARAÚJO, 2001).
Desde sua concepção, o NVQ vêm sendo alvo de críticas por parte de
empresários, representantes dos trabalhadores e da academia, uma vez que
não conseguiu atender as demandas de nenhum deste atores. As alterações
do NVQ ao longo de sua vigência e, finalmente, sua substituição pelo QCF em
2008, trazem à tona aspectos importantes para pensamos a definição de
instrumentos de reconhecimento de saberes com fins de certificação
profissional.
As ponderações sobre esses mecanismos levantam questões
sobre: as concepções de trabalho e experiência que fundamentam o processo
de certificação; a possibilidade de racionalização e formalização de saberes da
experiência; a tensão entre trabalho real e trabalho prescrito; a relevância da
avaliação de competências; o papel do Estado, empresários e trabalhadores
para definição dos conhecimentos legitimados/certificados; e os limites e
possibilidades do processo de reconhecimento de saberes (HYLAND, 2007;
WOLF, 2009).
Apesar de considermos todas estas questões de extrema relevância
para se pensar a construção de um sistema de reconhecimento de saberes e
certificação profissional, nos focaremos neste trabalho, tendo em vista a
escassez de pesquisas sobre este tema, em apresentar o contexto de
implementação do National Vocational Qualification, sua orientações teóricometodológicas, as criticas a esse dispositivo, até a sua substituição por um
novo mecanismo de reconhecimento de saberes.
Contexto histórico
A organização dos dispositivos de certificação profissional da
Inglaterra, assim como a reestruturação do sistema educacional inglês, foi
orientada por demandas oriundas da crise econômica que atingiu o país
durante as décadas finais do século XX. Os problemas econômicos
vivenciados na Inglaterra, iniciados nos anos 1960 e agravados durante 1980,
foram atribuídos à falta de adaptabilidade da mão de obra inglesa às novas
tecnologias, que, por sua vez, foi relacionada à má formação do trabalhador
britânico, considerado inabilitado para alcançar altos índices de produtividade
no novo contexto de desenvolvimento tecnológico (TREVISAN, 2001). Neste
sentido, estabeleceu-se uma relação linear entre educação, qualificação e
desenvolvimento
econômico,
utilizada
para
justificar
a
intervenção
governamental na organização dos sistemas de educação e de formação
profissional.
A crise econômica fez com que o governo inglês intensificasse a busca
por caminhos que culminassem na elevação da produtividade e no
desenvolvimento de novos produtos e mercados (CARVALHO, 1996). A
alternativa encontrada pelo Partido Conservador, então no poder, centrou-se
na privatização das indústrias nacionais. A privatização foi apresentada como
meio de modernizar as técnicas de produção industrial, aumentando a
competitividade dos produtos ingleses e restabelecendo o potencial produtivo
do país (TREVISAN, 2001).
O processo de privatização e o desenvolvimento tecnológico
reorganizaram
quase todos
os setores de atividades econômicas
e
estabeleceram novos modelos de relações de trabalho. A adesão às novas
tecnologias enfraqueceu os dogmas tayloristas de organização do trabalho e
nesse novo modelo produtivo o mercado de trabalho passou a buscar
trabalhadores dotados de múltiplas habilidades, responsáveis, autônomos e
capazes de se adaptarem às modificações no processo de produção
(CARVALHO, 1996). Além disso, na Inglaterra, constatou-se a modificação do
perfil do trabalho, caracterizada pela redução no número de empregos no setor
industrial e um aumento proporcional no setor de serviços, já em expansão
desde meados dos anos 1970 (TREVISAN, 2001).
No entanto, apesar destas alterações, a crise econômica na Inglaterra
continuava se agravando. A resposta encontrada pelo governo inglês para
justificar esta situação se centrou na falta de qualificação da mão de obra
inglesa para lidar com os aparatos tecnológicos introduzidos nas empresas.
A culpabilização do sistema educacional pelos problemas econômicos
na Inglaterra não tem origem neste momento histórico. Nos anos 1870, com o
declínio da economia britânica e aumento de competitividade da Alemanha,
relatórios governamentais e obras populares já afirmavam que a má qualidade
da educação, principalmente da educação profissional, era responsável pelo
falta de competitividade da indústria britânica (SANDERSON, 2008). Ao
analisar o declino econômico da Inglaterra neste período, Schumpeter (1939)
afirma que a modificação do tipo e local de emprego, derivado da alteração dos
meios de produção, exigia outro tipo de capacitação profissional daqueles em
busca de trabalho.
Segundo Sanderson (2008, p. 32), o governo de Margareth Thatcher
recorreu às obras produzidas no início do século XX para justificar as
dificuldades econômicas encontradas durante sua gestão. Desta forma, o
governo conservador passou a se pautar na máxima de que o mercado de
trabalho inglês requeria um novo tipo de trabalhador, dotado de múltiplas
habilidades e capaz de adaptar-se a diferentes situações, mas que o sistema
educacional falhava em formar tais sujeitos. A educação passou, então, a ser
apontada como a principal causa do declínio econômico britânico (TREVISAN,
2001, p. 173).
No relatório realizado pela Câmara dos Lordes, em 1985, é explicitada
a importância atribuída ao “tratamento dos recursos humanos” e à educação
para o desenvolvimento da economia nacional. De acordo com o documento,
estudos mostram que a deficiência nos campos da educação e formação de
mão de obra é o fator que apresenta maior influência sobre a baixa
performance da indústria nacional, e, segue afirmando, que “é através de um
melhor sistema educacional que uma nova atitude, fundamental para o setor
industrial, será estabelecida”4 (HOUSE OF LORDS, 1985). Paralelamente a
este
relatório,
foram
realizados
estudos
que
demonstravam
que
os
trabalhadores britânicos não possuíam habilidades fundamentais, como
letramento e conhecimento das operações matemáticas (MARCHIN e
VIGNOLES, 2006).
Diante desta realidade, na década de 1980, o governo inglês deu
ênfase à implementação de programas voltados para a valorização da
experiência de trabalho como rota de formação alternativa ao mundo
acadêmico,
incentivando
jovens
cursando
o
ano
final
da
educação
compulsória5 a se inserirem no mercado de trabalho. Contudo, para atender às
4
http://hansard.millbanksystems.com/lords/1985/mar/25/education-and-training-for-new-1
No Reino Unido a educação compulsória é destinada à pessoas entre 5 e 16 anos de idade e é dividida
em 4 etapas, a saber: Key Stage 1, atende crianças entre 5 e 7 anos; Key Stage 2, voltado para crianças
entre 7 e 11 anos; Key Stage 3, destinada a crianças entre 11 e 14 anos; e Key Stage 4, abrange alunos
entre 14 e 16 anos.
5
exigências das empresas, era necessário que estes jovens apresentassem
habilidades distintas daquelas já possuídas pelos trabalhadores ingleses
(TREVISAN, 2001). Ou seja, para que a escola formasse trabalhadores que
atendessem os requisitos do mercado de trabalho inglês, era necessária a
alteração dos conteúdos ensinados durante a educação compulsória e
profissional.
Até o início dos anos 1980, a formação profissional inglesa era
realizada através de estágios, nos quais os alunos observavam e repetiam as
ações de trabalhadores mais experientes. Esta forma de aprendizagem passou
a ser amplamente criticada pelo governo inglês, que afirmava que este tipo de
formação impossibilitava o desenvolvimento das novas habilidades necessárias
para o sucesso do processo produção, pois a aprendizagem era limitada aos
conhecimentos dos trabalhadores sobre os processos de produção já
estabelecidos.
Em 1978, a Manpower Services Commission (MSC)6 estabeleceu o
Programa Youth Opportunities, voltado para o atendimento de jovens
desempregados e evadidos do sistema de ensino. O Programa visava a
preparar esses jovens, considerados não qualificados, para ingresso no mundo
do trabalho, tendo em conta suas experiências de trabalho, procurando
estabelecer uma relação entre trabalho e educação. A experiência de trabalho
foi tomada como referência para se pensar como a educação poderia ser
“apropriada” ou “relevante” para as situações de trabalho nos quais os
estudantes estariam inseridos. As críticas a este programa estavam centradas
na natureza artesanal dos trabalhos abordados e na oferta de formações
profissionais especificas, com pouco embasamento teórico e que propiciava um
desenvolvimento pessoal limitado (HARWOOD, 1996).
Ainda
procurando
aproximar
educação
e
as
exigências
dos
empregadores, em 1981, foi publicado o livro branco New Training Initiative: a
Programme for Action. Neste documentos formam apresentadas demandas por
mudanças no sistema de formação profissional. Dentre as principais estão: a
flexibilização dos requisitos de entrada nesse sistema, a fim de ampliar as
6
O MSC foi instituído pelo Employment and Training Act de 1973 como parte do Departament of
Education, apoiado pelas Training Services Agency e Employment Services Agency, com o objetivo de
melhorar a formação industrial.
oportunidades para os adultos adquirirem, aumentarem ou atualizarem suas
habilidades e conhecimentos; a reforma e ampliação das habilidades
normatizadas por esse sistema; e a progressão entre os níveis do sistema de
educação baseada na aprendizagem ao invés de no tempo gasto em
frequência de cursos. De acordo com Trevisan (2001), o livro branco propunha
um maior controle do governo sobre o conteúdo da formação do trabalhador, o
aumento da flexibilidade do trabalhador no processo de produção e a
ampliação participação de empresários em assuntos relacionados à educação.
O New Training Initiative sugeria a criação do Youth Training Scheme
(YTS), que tinha o mesmo público alvo do Programa Youth Opportunities,
então extinto. O YTS, implementado em 1983, propunha uma maior relevância
do currículo, bem como o desenvolvimento de atividades mais relevantes para
o indivíduo e para a comunidade. Esse programa procurou estabelecer critérios
objetivos de avaliação, voltados para as demandas do mercado de trabalho.
Ele consistia em cursos voltados para formação e inserção de jovens e adultos
no mundo do trabalho, relacionando a oferta de estágios com a frequência a
cursos de formação (JESSUP, 1991). Contudo, as especificações dos
conteúdos de formação e avaliação não foram unificados com este programa e
coexistiam na Inglaterra programas de formação profissional que adotavam
parâmetros diversificados.
Para reorganizar o sistema de educação nacional o governo Thatcher
elaborou o Education Reform Act de 1988. Este documento modificava perfil da
educação nacional, centralizava a definição dos conteúdos curriculares e
estabelecia um sistema de avaliação unificado, possibilitando o controle dos
conteúdos ensinados e da qualidade do ensino.
A formulação do currículo nacional, que padronizava dos conteúdos
educacionais ensinados nacionalmente, visava garantir padrões mínimos de
qualidade para a educação obrigatória e controlar as habilidades e
conhecimentos desenvolvidos pelos alunos durante este período. O currículo
nacional foi organizado em módulos de ensino, que delimitavam competências
e conhecimentos a serem adquiridos em cada etapa do ensino, auxiliando na
implementação de um sistema de metas de aprendizagem por unidade escolar
(PRADO, 2011). Com este sistema, ao final de cada etapa da educação
compulsória, os alunos deveriam se submeter a avaliações padronizadas,
realizadas nacionalmente, estruturadas de acordo com os conteúdos
curriculares previamente estabelecidos. A avaliação, por meio do Education
Reform Act de 1988, adquire um papel fundamental no processo de
aprendizagem, pois é através da análise de seus resultados que serão criados
novos elementos para a reorganização do sistema educacional (JESSUP,
1991).
No âmbito da qualificação profissional, as diretrizes foram unificadas e
centralizadas através da implementação do NVQ, que estabelecia os critérios
de avaliação e certificação de trabalhadores. O NVQ foi elaborado pelo grupo
de trabalho constituído pelo governo inglês, chefiado por De Ville, para analisar
a organização da formação profissional no país. O relatório originário dessa
análise apontou para a necessidade de criação de um sistema nacional de
formação profissional. De acordo com De Ville (1986), esse sistema
possibilitará o aumento das competências dos trabalhadores, o aumento da
competitividade da indústria nacional e melhorará a qualidade dos serviços
prestados. O autor justifica a necessidade de elaboração de sistema nacional
apresentando os seguintes pontos: a nação precisa de maior número de
pessoas bem qualificadas; é necessário uma ação para reduzir a confusão
causada por diferentes programas formação; as formações profissionais devem
se relacionarem diretamente com as competências requeridas pelo mundo do
trabalho (1986, p. 01).
O NVQ foi apresentado como um instrumento necessário para
aprimorar as habilidades dos indivíduos já inseridos no mercado de trabalho,
uma vez que o país não poderia se dar ao luxo de esperar o aumento gradual
do nível de qualificação e de habilidades dos trabalhadores por uma geração
ou mais. Além disso, segundo Jessup, “os novos trabalhadores também
necessitarão de treinamento contínuo para atualizar e aprimorar suas
habilidades, e para se adaptarem às mudanças requeridas pelo trabalho”7
(1991, p. 96).
Por meio do NVQ, o governo definiu as normas orientavam os
programas de capacitação e avaliação de trabalhadores, buscando estabelecer
7
“(…) the new entrants to the workforce will also need continuing training to update and improve their
skills, and to adapt to changing work requirements” (JESSUP, 1991, p.96).
uma coerência entre habilidades requeridas pelo mercado de trabalho e
competências dos trabalhadores, sem, no entanto, assumir responsabilidade
pelo processo de treinamento dos trabalhadores. De acordo com Trevisan,
“Esse processo, aparentemente contraditório, só foi possível porque se
desenvolveu
um
sofisticado
‘sistema
de
competências’,
mantendo-o
rigorosamente sob controle” (2001, p. 201).
Uma análise das políticas de educação e qualificação do trabalhador
do governo Thatcher explicita que estas se basearam no modelo de
competências para fomentar o desenvolvimento de habilidades pelos
trabalhadores compatíveis com as necessidades dos empregadores na
Inglaterra. Segundo Araújo,
“A partir da noção de competências, um novo discurso sobre
formação profissional se apresenta prometendo ser capaz de
responder às novas demandas do mercado de trabalho,
sustentando um conjunto de ideias sobre como deve ser a
formação da classe trabalhadora. Tal discurso, apesar de não
homogêneo, coloca-se como um elemento da nova realidade
da sociedade capitalista pós-fordista e tem a pretensão de
responder às exigências desta nova realidade e de estabelecer
novas práticas formativas e, com isso, contribuir para a
construção de uma sociedade mais justa e de homens
plenamente desenvolvidos” (2001; p. 09).
O modelo de competências, da forma como foi adotado na Inglaterra,
estava voltado para o estimulo do desenvolvimento de habilidades individuais
pelos membros da sociedade. Neste modelo, trabalhador competente é aquele
capaz de mobilizar qualidades subjetivas para realizar diferentes tarefas que
compõem determinada atividade de trabalho, independente de frequência a
cursos de formação profissional ou ao sistema de educação formal
(ISAMBERT-JAMATI apud ARAÚJO, 2001).
Em consonância com o foco na constatação das “capacidades efetivas”
do sujeito, a avaliação de resultados assume um papel central nos sistemas de
educação e de qualificação profissional. No primeiro, o governo inglês
desenvolveu o Standard Assessment Tasks (SATs), que define conteúdo e
forma das avaliações no final de cada etapa do ensino regular. No segundo,
através do NVQ, foi definido um referencial para avaliação padronizada dos
sujeitos durante a atividade de trabalho voltado para a certificação profissional.
Para além da centralidade da avaliação, um mergulho na história dos
dispositivos de certificação profissional implantados na Inglaterra nos mostra
que a noção de competências introduziu uma nova forma de tratar a questão
da qualificação dos trabalhadores. Estes instrumentos, até os dias atuais, se
articulam em torno de características inerentes à esta noção. São elas: foco
nas capacidades individuais; ênfase no desenvolvimento de habilidades
transferíveis; responsabilização do sujeito pelo processo de aquisição de
habilidades, ingresso e permanência no mercado de trabalho; e valorização da
autonomia e capacidade crítica dos trabalhadores, para o enfrentamento das
demandas oriundas da flexibilização da produção. (ARAÚJO, 2001, p. 12). A
forma como estes aspectos estão presentes nos dispositivos de certificação
profissional será apresentada no próximo tópico.
Configuração dos dispositivos de certificação profissional na Inglaterra
A implementação do NVQ trouxe à tona discussões em torno dos
aspectos teórico-metodológicos que orientavam a avaliação e certificação de
saberes dos trabalhadores na Inglaterra. Ao longo das últimas décadas, como
resposta às críticas a este mecanismo, o governo nacional realizou alterações
estruturais no NVQ, sem, no entanto, debater os conceitos que norteavam os
processos de avaliação e certificação. Isto foi possível porque os dispositivos
de certificação de profissional na Inglaterra sempre se voltaram para a
satisfação das exigências do mercado de trabalho, aferindo as habilidades
diretamente requeridas para o exercício de determinada atividade.
Conforme dito anteriormente, o NVQ foi concebido por De Ville em
1986. No documento apresentado pelo autor é proposto a implementação do
National Council for Vocational Education (NCVQ), como órgão responsável
pela elaboração de um sistema nacional de formação profissional. As
atividades propostas para o NCVQ diziam respeito à elaboração e regulação
desse sistema, não cabendo a ele avaliar e certificar sujeitos. Nesse sentido,
caberia a esse Conselho garantir o cumprimento dos critérios estabelecidos no
relatório supracitado para o NVQ, a saber: inteligibilidade, relevância,
credibilidade, acessibilidade e eficácia. De Ville (1986, p. 17 – 18) apresenta
esses critérios da seguinte forma:
1. Inteligibilidade: a) A estrutura do novo sistema de formação profissional
deve ser facilmente compreendida por todos, especialmente pelos
responsáveis por fornecer cursos de formação geral e profissional,
estudantes, empregadores e sindicatos; b) A matriz de conteúdos e
critérios dos programas de formação profissional deve ser clara,
proporcionando a identificação da relação entre formações, a localização
destas no sistema nacional e a sua conexão com outros modelos de
formação elaborados fora desse sistema.
2. Relevância: a) O sistema deve ir de encontro com as demandas, atuais e
futuras, de jovens e adultos, independentemente de gênero, raça e etnia,
e atender toda a gama de ocupações e de habilidades requeridas para
ingresso e permanência no mundo do trabalho; b) O sistema deve atender
as exigências de todos os campos de trabalho; c) Demandas locais,
assim como as novas exigências que forem identificadas ao longo do
tempo,
devem ser contempladas pelo sistema nacional de formação
profissional, através de esforços de empregadores e de responsáveis
fornecer programas de formação geral e profissional; d) A certificação
profissional deve refletir os padrões de competência alcançados e, por
conseguinte, contemplar a avaliação da aplicação de conhecimento e de
habilidades; e) O sistema deve abranger diferentes métodos de avaliação,
possibilitando
realizadas no
o
reconhecimento
e
certificação
de
aprendizagens
trabalho ou em outros ambientes; f) Sempre que
necessário, atualizações devem ser requisitadas, possibilitando a
requalificação dos sujeitos.
3. Credibilidade: a) O sistema deve ser visto como referencial de
conhecimentos, habilidades, compreensão e performance reconhecidos e
valorizados por estudantes, empregadores, sindicatos e setores da
educação. As certificações devem ser nacionalmente monitoradas, para
garantir a coerência dos critérios adotados.
4. Acessibilidade: a) Restrições de acesso à educação e formação
profissional e à avaliação para certificação devem ter o mínimo de
coerência com os critérios estabelecidos pelo sistema. As circunstâncias e
necessidades de mulheres, membros de grupos étnicos minoritários,
pessoas deficientes e daqueles com necessidades especiais devem ser
plenamente respeitadas; b) Educação e formação devem, o tanto quanto
possível, serem fornecidas de diferentes formas, quer seja em horário
integral ou parcial, em instituições de ensino, no local de trabalho ou em
outro
local
escolhido
pelo
indivíduo;
c)
Devem
ser
fornecidas
oportunidades para que os sujeitos estabelecem o ritmo de sua
progressão e não devem ser estabelecidos limites de idade; d) Deve ser
possível que os indivíduos progridam nos sistemas de ensino, de
formação profissional e no mundo do trabalho. Os indivíduos devem
poder ampliar, atualizar ou aprimorar suas competências; d) Os sujeitos
devem ter a possibilidade de obterem reconhecimento e transferir créditos
para avaliação de competências, habilidades e conhecimentos. Isso deve
facilitar a mobilidade entre empregos, tanto geograficamente quanto entre
setores.
5. Eficácia: O sistema deve ser eficiente em relação ao custo financeiro para
o indivíduo, para os empregadores e para o governo.
Em consonância com esses objetivos, o NVQ foi definido como uma
declaração de competência claramente relevante para o trabalho, voltada para
facilitar a entrada ou a progressão no mundo do trabalho, na escola ou em
cursos de formação profissional, obtida por um indivíduo e emitida por uma
instituição reconhecida pelo governo. Essa declaração de competência deve
incorporar a avaliação de: habilidades padronizadas especificadas de acordo
com o trabalho avaliado; conhecimentos e compreensão a respeito das atitudes
necessárias para realização de determinado trabalho; e da capacidade de
utilizar suas habilidades e conhecimentos para efetuar determinada atividade
(DE VILLE, 1986, p. 17; JESSUP, 1991).
O NVQ não está vinculado ao sistema de educação compulsória ou à
cursos de formação profissional, uma vez que o processo de avaliação é
direcionado para a identificação de elementos que constituem uma ação
competente. A avaliação e certificação dos candidatos ao NVQ são realizadas
por Centros credenciados por Entidades Adjudicantes.8 Estas entidades são
nomeadas pelo NCVQ para: aprovar e monitorar as atividades dos Centros;
elaborar guias de conduta para os Centros, referente aos critérios de
gerenciamento do processo de certificação; nomear e monitorar o trabalho dos
Assessores externos aos Centros; auditar os programas NVQ; e apresentar ao
NCVQ novas ocupação ou critérios para certificação profissional.
As certificações são agrupadas em 10 áreas profissionais9 e em 5
níveis de habilidades. Estes são definidos de acordo com a complexidade da
tarefa e aptidão requerida para sua execução. Nesta classificação, os níveis
são organizados de forma crescente, sendo o primeiro nível voltado para
trabalhadores capazes de realizar atividades rotineiras, necessárias para o
exercício de determinada função, e o último destinado a trabalhadores aptos a
exercerem todo tipo de atividade referente à sua função de forma autônoma e
responsável (QCA, 2006).
Ao analisar a ampliação dos níveis de habilidade, para além das
classificações habilitado, não habilitado e profissional, Trevisan (2001, p. 197)
afirma que, devido ao processo de inovação tecnológica, “(...) diversos outros
níveis de habilidades se desenvolveram, diversas outras possibilidades de
exercício de função se formaram, e os graus clássicos de habilitação,
obviamente, não conseguiram abranger todo o novo arco de possibilidades
profissionais”. O autor constatou que os trabalhadores inseridos neste contexto
possuíam uma gama de “habilidades intermediarias” fundamentais para o
processo produtivo e que, portanto, o desenvolvimento destas deveria ser
estimulado através da certificação das mesmas (ibid).
Para iniciar o processo de obtenção do NVQ, o indivíduo deve procurar
um Centro que irá indicar um assessor para acompanha-lo durante todo o
processo de certificação. O assessor é responsável por decidir qual o nível de
certificação mais indicado para o candidato, de que forma as habilidades do
candidato serão aferidas, e por avaliar os conhecimentos e habilidades dos
mesmos para fins de emissão do NVQ (EDEXCEL, 2006).
8
Em inglês Awarding bodies.
Tratamento de animais, plantas e terra; extração e fornecimento de recursos naturais; construção civil;
engenharia; manufatura; transporte; fornecimento de mercadorias e serviços; fornecimentos e serviços
na área de saúde; serviços em administração de empresas; e serviços em comunicação.
9
Uma vez que a proposta do NVQ é certificar os resultados
evidenciados durante a atividade de trabalho, ele deve ser realizado,
preferencialmente, durante a atividade de trabalho. No entanto, quando este
tipo de avaliação não é possível, ela pode ser realizada através de “provas de
competências”, que são obtidas através de análise de documentos ou de relato
de pessoas que acompanham o trabalhador cotidianamente (JESSUP, 1991).
A avaliação do NVQ se baseia em quadros referenciais10 que foram
formulados com o objetivo de estabelecer nacionalmente os elementos
necessários para certificação em cada nível e área profissional. Estes quadros
foram utilizados pelo governo inglês para centralizar o controle dos conteúdos
dos programas de formação profissional, públicos e privados, buscando
garantir o desenvolvimento de habilidades pertinentes às exigências do
mercado de trabalho. Além disso, pretendia-se que a consulta a estes quadros
fornecesse aos empregadores informações precisas sobre as habilidades e
competências de um trabalhador com um certificado da NVQ (JESSUP, 1991;
TREVISAN, 2001).
A busca pelo julgamento objetivo e confiável das competências dos
trabalhadores fez com que o instrumento de avaliação do NVQ se estruturasse
de forma muito fragmentada. Em um primeiro momento, a avaliação era
norteada por “unidades de competência”, que tratavam sobre as habilidades e
tarefas que deveriam ser realizadas pelo trabalhador. Posteriormente, estas
unidades foram divididas em “elementos de competência”, que, por sua vez,
eram elaborados segundo “critérios de desempenho”. Estes fornecem os
padrões sob os quais deve se realizar a avaliação das performances, enquanto
aqueles proveem especificações detalhadas das atividades que compõem uma
competência. O quadro 1 apresenta os componentes que devem ser avaliados
para emissão do NVQ.
Quadro 1 – Estrutura do NVQ
Unidade de Competência: Descreve a tarefa ou a função certificada;
Elementos de competência: As unidades são feitas de um número
10
The NVQ framework.
de elementos. Cada elemento descreve a atividade de trabalho
específica que o trabalhador deve realizar e as habilidades
requeridas para tal.
Critérios de desempenho: Define o que o candidato deve fazer para
realizar sua tarefa completamente. Os assessores julgam a
performance dos candidates a partir deste critério.
Evidências necessárias: Especifica a quantidade e o tipo de
evidências necessárias para provar que o candidato atende a todos
os Elementos de Competência.
Abrangência:
Define as diferentes situações nas quais os
candidates devem atuar.
Conhecimento e entendimento: Define o que o candidato deve
saber sobre a tarefa e sobre a forma como este conhecimento é
aplicado na atividade de trabalho.
Para West (2004, p. 6), este excesso de especificações se deu porque,
quando os formuladores do NVQ se deparavam com critérios de avaliação
remotamente não confiáveis, eles adicionavam ainda mais detalhes a estes,
criando uma “espiral interminável de especificações. Ainda segundo a autora, o
nível de detalhamento destes quadros deu origem a um sistema de avaliação
extremamente fragmentado, burocrático e obscuro, fazendo com que o NVQ
perdesse força entre os empresários e cidadãos (WEST, 2004).
Estudos sobre o papel do NVQ no mercado de trabalho e nos
programas de formação e certificação profissional revelam que os objetivos
almejados pelo governo inglês, quando da concepção deste dispositivo, não
foram alcançados (BROWN, 2011; WEST, 2004; WILLIANS, 1999; WOLF,
2009). Hyland (2007) constatou que grande parte dos empregadores não
conhecia ou utilizava o NVQ como referencial para contratação ou promoção
de seus empregados, ou seja, a obtenção de um NVQ não influenciava no
potencial de ganho financeiro nem de competitividade do trabalhador, se
tornando pouco atraente para a população. No que diz respeito à formação
profissional, Willians (1999; p. 218) afirma que “longe de ser um catalisador
para o estabelecimento de um sistema coerente de certificação profissional, o
NVQ simplesmente inseriu mais elementos na selva já existente”11, ampliando
a gama de qualificações disponíveis.
O fracasso do NVQ foi atribuído, principalmente, à centralidade dos
resultados durante o processo de avaliação; à análise das atitudes dos
trabalhadores, em detrimento dos conhecimentos mobilizados por eles para
realização da tarefa; e ao fracionamento e limitação dos referencias de
avaliação (idem). Foi procurando sanar estes problemas e tornar o NVQ mais
claro, dinâmico e abrangente, que o governo inglês o inseriu no National
Qualifications Framework (NQF).
O NQF, assim como o NVQ, mapeia as qualificações de acordo com os
resultados explicitados e as relacionam com uma posição em sistema de níveis
hierárquicos. No NQF os níveis de habilidades foram ampliados, de cinco para
nove, contemplando conhecimentos adquiridos no sistema de educação formal
e àqueles relacionados à formação profissional. Desta forma, este dispositivo
estabelece uma equivalência entre os certificados acadêmicos e profissionais,
e também entre àqueles emitidos por sistemas de educação e treinamento de
países membros da União Europeia (BROWN, 2011).
Contudo, a inserção do NVQ no NQF não alterou significativamente os
referenciais teórico-metodológicos do dispositivo e as críticas aos instrumentos
de qualificação e certificação profissional inglês permaneceram inalteradas. No
entanto, de acordo com Lester (2011), com este dispositivo se detectou a
necessidade de elaboração de um sistema que possibilitasse o reconhecimento
de “pequenos saberes”. Foi justamente visando contemplar estes saberes, que
o governo extinguiu o NQF e o substitui pelo Qualification and Credit
Framework (QCF).
O QCF, criado em 2008, foi apresentado como o novo dispositivo de
avaliação
e
certificação
profissional
desenvolvido
pelos
órgãos
governamentais. No QCF, apesar da permanência do foco nas competências, o
processo de avaliação passa a se orientar pela ideia de “acumulação de
créditos”. Estes são designados de acordo com o tempo despendido pelo
indivíduo em atividades, realizadas antes e durante o processo de certificação,
11
“(…) far from being a catalyst for the establishment of a coherent system of vocational awards, the
provision of NVQs appears to have simply added to the existing jungle.” (WILLIANS, 1999; p. 218)
que contribuam para o alcance de determinado resultado. De acordo com
Brown (2011), por meio do QCF, a avaliação de competência foi organizada de
forma que o processo de aprendizagem, e não só a performance do
trabalhador,
fosse
valorizado,
estabelecendo
uma
relação
entre
desenvolvimento de habilidades individuais e programas de formação
profissional.
O QCF apresentou duas importantes alterações no dispositivo de
reconhecimento de saberes e certificação profissional inglês. A primeira diz
respeito à organização da acreditação de saberes em torno da noção de
acumulação de créditos, na qual a soma de determinado número de créditos dá
origem a unidade, e a soma das unidades dá direito a um tipo certificação
profissional. Estas passaram a ser classificadas em três esferas diferentes:
prêmio, certificado e diploma, designadas de acordo com o número de créditos
acumulados pelo individuo (QCA, 2008). A segunda foi a abertura dos
organismos responsáveis por elaborar os requisitos para certificação
profissional para aqueles empregadores que não participavam efetivamente do
processo de avaliação e certificação de indivíduos.
A definição dos conteúdos avaliados pelos dispositivos ingleses, NVQ e
QCF, é baseada nos Padrões Nacionais de Ocupação (NOS). Estes
apresentam requisitos mínimos de performance e descrevem o que pessoas
competentes em determinada ocupação deverão ser capazes de fazer
(SKEERRATT, 2005; p. 30).
A formulação destes padrões, por sua vez, é realizada pelo Sector
Skills Council (SSC), órgão licenciado pelo governo e composto pelos
principais empregadores da indústria e do comércio, em parceria com o
Standard Setting Bodies (SSBs), órgão representante de cada setor
profissional, responsável por definir as habilidades necessárias para o exercício
de uma ocupação. Durante a vigência do NVQ, somente poderiam fazer parte
destes órgãos as organizações que participassem no processo de avaliação e
certificação de trabalhadores, mas no QCF foi estabelecida uma distinção entre
organizações autorizadas a submeter unidades para o quadro de qualificação,
aquelas capazes de especificar as regras de combinação das unidades para
emissão da certificação e aquelas responsáveis por acreditar e emitir os
certificados. Abrindo espaço, desta forma, para que as organizações que não
quisessem emitir certificações pudessem especificar os conteúdos das
mesmas (LESTER, 2011).
O objetivo do QCF é constituir um dispositivo de avaliação e
certificação mais flexível, transparente e relevante para empregadores e
trabalhadores - coincidindo com aqueles almejados pelo NVQ quando de sua
formulação. No entanto, enquanto alguns pesquisadores defendem que o QCF
possibilitou o reconhecimento e certificação de saberes “independentemente de
seu tamanho, nível ou da forma como foram adquiridos, efetivamente
habilitando adultos a acumularem créditos a partir de qualquer tipo de
aprendizagem”12 (LESTER, 2011), outros acreditam que “o foco na noção de
competência, no mapeamento de habilidades, níveis e resultados podem se
tornar uma distração de um objetivo muito mais difícil que é melhorar a
qualidade da educação no país” (BROWN, 2011; p. 02).
Considerações Finais
Conforme explicitado, a elaboração do NVQ tinha como foco atender
as exigências de um novo contexto produtivo, oriundo do processo de inovação
tecnológica. No decorrer das últimas 3 décadas, este dispositivo sofreu uma
série de alterações, no que diz respeito aos níveis de certificação, à estrutura
dos referenciais de avaliação e, até mesmo, às agências responsáveis por
regular os dispositivos de certificação. Contudo, o foco na noção de
competências, a fragmentação do processo de avaliação de saberes e a
grande influência dos empresários na definição dos critérios para certificação
permaneceram inalterados ou foram agravados ao longo deste período,
culminando em grandes gastos governamentais e pouco retorno para os atores
interessados neste processo (WOLF, 2009).
Os dispositivos de certificação profissional implementados na Inglaterra
visam
o
reconhecimento
de
habilidades
fragmentadas,
relacionadas
diretamente com a execução de determinadas atividades. O foco está na ação
competente, nos resultados destas ações, o importante aqui é formar mão de
12
“(…) it should allow achievements to be captured, expressed and certificated regardless of their size or
level or of how or where the learning took place, effectively enabling adults to gain credit for any
learning achievement or area of skill that they could demonstrate” (LESTER, 2011, p. 03).
obra para atender as demandas do mercado de trabalho. Neste contexto, o
processo de aprendizagem dos trabalhadores no ambiente de trabalho é
deixado de lado. A inflexão dos quadros referenciais adotados para avaliação e
as tentativas de definir objetivamente aquilo que se espera do trabalhador
eliminam o espaço de reconhecimento dos saberes construídos durante a
experiência de trabalho. Além disso, a forma como estes dispositivos estão
organizados trazem à tona a questão: será que a simples soma de todas as
habilidades certificadas no âmbito de uma tarefa garantirá a execução exitosa
da atividade de trabalho?
Visando atender as demandas do mercado de trabalho, o governo
inglês reinterpretou os conteúdos os objetivos da educação e da formação
profissional, e o conhecimento passou a ser valor somente quanto atrelado à
“performance competente”. O foco na avaliação de competências e habilidades
dos programas de formação e certificação profissional na Inglaterra explicitam
um reducionismo equivocado motivado pelo desejo dos governantes do país de
encontrar
soluções
rápidas
e
fáceis
para
problemas
econômicos
e
educacionais complexos, que coexistem na sociedade inglesas há décadas.
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GT 09
SESSÃO 3
30/10/2013 (TARDE)
ID : 350
CONSOLIDAR OS INSTITUTOS FEDERAIS – MISSÃO ESTRATÉGICA
PARA O PAÍS
Remi Castioni
Resumo: O presente texto discute alguns resultados preliminares de uma
investigação que estamos realizando sobre o impactos da expansão da
educação profissional e tecnológica no território de Águas Emendadas (DFGO-MG), em particular com a chegada dos Institutos Federais. As informações
coletadas até aqui demonstram a afirmação da nova institucionalidade da
educação profissional e tecnológica a partir da criação dos Institutos Federais e
a dificuldade de lidar com as antigas estruturas originárias das escolas
agrotécnicas e agrupadas agora nos 38 Institutos Federais. Será essa nova
institucionalidade capaz de afirmar uma nova proposta de atuação no campo
da educação profissional. A metodologia proposta aqui contempla análise dos
documentos oficiais e análise dos diários de campo a partir das visitas
realizadas e da análise das ações em curso por parte dos Institutos Federais.
Palavras chaves: educação profissional, institutos federais, PRONATEC,
institucionalidade
Introdução
Os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia, criados a
partir do Decreto Nº 6.095, de 24 de abril de 2007 e da Lei Nº 11.892, de 29 de
dezembro de 2008, abrigam hoje 39 instituições centrais, e devem chegar
daqui um ano a 562 unidades, conforme consta na consolidação da terceira
etapa do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional
anunciado em agosto de 2011 pela Presidência da República. Essa expansão
significa quadruplicar o número de escolas existentes em 2002, quando do
início do governo Lula. Tem sido uma expansão vigorosa que vai atender a 600
mil alunos em todos os estados da Federação. Foi um avanço notável em
menos de uma década, porque a expansão de fato começou a ocorrer em
2005-2006.
Essa nova estrutura institucional se impôs vários desafios: a ampliação
do acesso à educação profissional de nível técnico; a graduação tecnológica,
por meio de cursos superiores de tecnologia; os bacharelados; as licenciaturas;
e a pós-graduação, além da pesquisa e da extensão tecnológica. Tudo isso
embasado naquilo que determinou a ousada lei de criação dos Institutos
Federais, que no seu artigo segundo diz que os “Institutos Federais são
instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e
multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica
nas diferentes modalidades de ensino”.
A importância que essa nova estrutura institucional da educação
profissional assumiu na agenda da sociedade brasileira pode ser dimensionada
pelo orçamento no âmbito do Ministério da Educação (MEC). Com a criação
dos Institutos Federais, a função programática (Desenvolvimento da Educação
Profissional e Tecnológica), que era da ordem de R$ 1,2 bilhão, em 2003,
passou para R$ 2,3 bilhões, em 2009, e atingiu, na Lei Orçamentária Anual
(LOA) de 2013, a marca de R$ 5,9 bilhões. A participação da educação
profissional no orçamento do MEC em 2012 aproxima-se dos 8% do total do
ministério, que para 2013 é de R$ 81,286 bilhões. Em 2003, essa participação
era de 6%. O volume de recursos da educação profissional foi quintuplicado
nestes 10 últimos anos.
Ao reunir em torno dos Institutos Federais uma variedade de
instituições espalhadas e vinculadas a centros federais, a universidades, a
escolas isoladas, a nova institucionalidade da educação profissional pretendeu,
além de atender ao ensino técnico de nível médio, ampliar sua ação para os
cursos tecnólogos, os bacharelados, as licenciaturas para apoiar a educação
básica, atender a educação de jovens e adultos integrada à educação
profissional, a pós-graduação com cursos de mestrado e doutorado e ainda
realizar a pesquisa e a extensão. É um notável desafio.
Como tem sido a expansão dessa rede de escolas pelo interior do
Brasil e quais os desafios que ainda são necessários para consolidar essa
nova institucionalidade da educação profissional. Essa é a reflexão pretendida,
que foi subsidiada pela nossa participação nas orientações de alunos da Rede
Federal que realizaram nos últimos anos estudos e pesquisas no âmbito do
Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, da Faculdade de
Educação da UnB, além de visitas que realizamos em diversos campi dos
Institutos Federais.
Educação profissional e estratégia de desenvolvimento
A premissa orientadora do esforço governamental na criação de
instituições de capacitação, difusão de tecnologia e prestação de serviços
tecnológicos é o papel do conhecimento na produção de riquezas. Esta ocorre
sob distintas formas organizacionais, a exemplo de empresas, cooperativas,
redes
de
produtores
e
microempreendimentos.
A
literatura
sobre
desenvolvimento econômico, especialmente a que está mais relacionada com
as capacidades tecnológicas, e a experiência internacional revelam que a
criação de uma infraestrutura pública de conhecimento na forma de institutos
vocacionados, institutos de pesquisa e organizações que prestam serviços
tecnológicos
foi
decisiva
para
experiências
exitosas
em
países
de
industrialização tardia.
O Manual de Oslo13 destaca o papel dos vínculos e das fontes externas
de conhecimento para a promoção da inovação. Para além da inovação stricto
sensu, é fundamental destacar o papel do aprendizado tecnológico e o papel
do desenvolvimento de habilidades profissionais para o aumento da
produtividade
do
trabalho,
a
inclusão
produtiva
e
a
formação
de
microempreendimentos.
A ideia de vincular a infraestrutura de conhecimento com as vocações
econômicas da região é outro pilar das instituições de capacitação, difusão e
criação de conhecimento. Neste sentido, a experiência coreana recente pode
constituir uma lição importante. A partir de 2004, há um plano abrangente de
promoção da ciência e da tecnologia em nível regional (OECD, 2009). O plano
possui os seguintes eixos:
• desenvolver competências locais em tecnologias estratégicas;
13
Publicação da OCDE que orienta a coleta, análise e interpretação dos dados de pesquisas
de inovação em nível internacional. A terceira edição do Manual referida aqui é de 2005. A
Pesquisa Industrial Tecnológica (PINTEC) no Brasil orienta-se por esse Manual.
• criar centros regionais para a inovação tecnológica;
• desenvolver recursos humanos locais em C&T;
• aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos
governos locais.
Para cumprir tais objetivos, foram utilizados três tipos de instrumentos:
a) serviços coletivos para as empresas, b) trabalho de facilitação para conectar
os diferentes atores da aglomeração produtiva regional e c) projetos
colaborativos de desenvolvimento tecnológico com várias empresas e
universidades que se organizam para acessar as fontes e programas de
financiamento em P&D.
Naquilo que possui maior conexão com o escopo de atuação dos
Institutos Federais, merecem destaque dois aspectos da experiência coreana:
a formação de recursos humanos para a construção das habilidades
necessárias na força de trabalho, que contribuam para o desenvolvimento de
competências locais, e o trabalho de facilitação para conectar os diferentes
atores. Vale destacar que as competências locais não estão necessariamente
relacionadas a serviços e indústrias de elevado conteúdo tecnológico, mas
podem estar relacionadas a atividades de baixa intensidade tecnológica.
Grosso modo, as organizações vocacionadas para capacitação devem
atentar para a capacidade de integrar competências heterogêneas, com apoio
dessas organizações a redes pré-existentes de relações, e a construção de
novas redes a partir da sua atuação. Para Battista et alii (2009), o grau de
integração entre capacitação, educação e políticas de trabalho e o grau de
coordenação entre sistemas e níveis de governança são considerados os
elementos mais importantes para avaliar a qualidade dos sistemas vocacionais
de capacitação, seguido pela qualidade da capacitação. Os autores também
advertem para a necessidade de uma contextualização inteligente da avaliação
do desempenho das organizações vocacionais de capacitação, assegurando
que a avaliação não incentive uma padronização ou bloqueie caminhos de
mudança e crescimento nos sistemas vocacionais.
Em linhas gerais também são essas as premissas que sustentam o
papel dos Institutos Federais. O artigo 6º da Lei 11.892, enumera uma série de
possibilidades de atuação dos Institutos Federais, a saber:
I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e
modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação
profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no
desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional;
II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo
educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e
tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais;
III - promover a integração e a verticalização da educação básica à
educação profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura
física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão;
IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e
fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais,
identificados com base no mapeamento das potencialidades de
desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do
Instituto Federal;
V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências,
em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o
desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica;
VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de
ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação
técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de
ensino;
VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e
tecnológica;
VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o
empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e
tecnológico;
IX - promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de
tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio
ambiente.
Entretanto, para além da experiência internacional, o caso brasileiro
coloca ainda enormes desafios a serem superados, particularmente, na
educação básica e na transição desta para o ensino superior. As fases do
desenvolvimento vivenciadas por países como a Coréia, caso citado acima,
estão ainda longe de serem alcançados pelo Brasil no que se refere, por
exemplo, ao atendimento da educação para todos e a construção de um
ambiente propício à inovação. Dessa forma, os desafios pretendidos com a
reorganização da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica são da
exata dimensão do nosso atraso em termos de acesso da população ao
conhecimento.
Qual a cara dos Institutos Federais
Organizações como os Institutos Federais se formam e se consolidam
com base nos objetivos que lhe são conferidos pelo mandando legal e por meio
das relações que se estabelecem no seu seio e na forma de relacionamento
dos indivíduos que compõe aquela organização. A cultura organizacional é
permeada por vários fatores. Hofstede (1990), atribui a forma como se
processa a tomada de decisões, a designação das funções e as ações
cotidianas, os traços de uma organização. Já Giddens (1984) identifica que as
pressões e coerções não empurram alguém a fazer algo que não a interesse.
Há uma motivação revelada pelas estruturas que pressionam para a ação dos
indivíduos, que são denominadas de práticas sociais. O mesmo conceito que
vários outros autores do campo de conhecimento das organizações identificam,
como o formulado por Bourdieu (1989) de campo social. Nele o autor mostra
que o habitus, não pode resultar em atos mecânicos como sendo as realidades
objetivas incorporadas na vida cotidiana, o senso prático, mas sim representam
antes disso, as experiências passadas e incorporadas nas instituições.
Dessa forma os Institutos Federais tem assumido uma variedade de
formas de atuação nos diversos campi onde estão implantados. Subsidiandome de estudos realizados no PPGE/UnB como Silva (2012) e Rosa (2012) e
ainda visitas in loco a algumas das unidades de diversos Institutos Federais,
posso perceber que existe um diferencial entre as unidades que derivam de
estruturas já consolidadas e outras que surgiram de bases não existentes.
As unidades existentes tendem a reproduzir culturas passadas
baseadas em relações muito pessoais e muito arraigadas ao exercício de uma
organização centralizada e extremamente dependente dos grupos dirigentes.
Naquelas unidades que surgiram de bases não existentes (construções novas),
a presença de jovens pesquisadores, provindos ou não da região, de
servidores
comprometidos
com
a
missão
da
organização,
tem
tido
desempenho melhor no que se refere à relação com a comunidade, a oferta de
cursos e o envolvimento com a missão concedida pelo mandato legal.
Alguns aspectos reforçaram características de reconhecimento da
comunidade em que os Institutos Federais estão inseridos, que não estavam
presentes na organização anterior da Rede Federal.
i) Características do Empreendimento. Em visita a algumas escolas da
educação básica e próximas aos campi é fácil constatar o desejo que a
escola da rede municipal ou estadual tem de se igualar ao Instituto
Federal. Percebeu-se que o desejo de diretores das escolas vinculadas
a Secretaria de Educação é ter um prédio nos moldes do Instituto, os
alunos desejam os equipamentos dos institutos, o ônibus que faz o
transporte para atividades de campo do Instituto, está entre os itens
citados. Esse aspecto destaca que é possível ter uma escola diferente
da que conhecemos. Em síntese podemos dizer que a escola de
referência é a escola proporcionada pelo governo federal. Este fato
aflorou em muitas conversas com alunos e diretores das escolas de
educação básica mantidas pelo município ou pelo estado. Nesse
particular essa nova institucionalidade permitiu criar uma possível escola
de referência para o país, que de alguma forma esteve entre as
intenções da pretensão do MEC. Para tanto o artigo de Haddad (2008),
anunciava esta intenção.
ii) Relação de proximidade com as Secretarias de Educação. A existência
de estruturas diferenciadas e de cursos voltados para a formação de
professores tem aproximado às Secretarias de Educação dos Institutos
Federais. Não somente pelo fato dos Institutos Federais terem aderido
às licenciaturas, mas também pela vinculação há alguns programas de
formação de professores, como o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência – Pibid, patrocinado pela CAPES, tem sido
importante aliado para aproximar as Secretarias de Educação dos
Institutos Federais, particularmente, no ensino de ciências, cuja carência
é enfrentada pela recomendação prevista no artigo 6º da Lei
11.892/2008. Nesse particular, embora sendo inédita essa aproximação,
ela tende a beneficiar os sistemas locais de educação, uma vez que boa
parte das licenciaturas dialogam com um eixo tecnológico de
conhecimento que está previsto como foco do campi e de alguma forma
complementam ações estruturadas para tal.
iii) Padrão de referência. É percebível que onde o Instituto Federal se
instala logo se estabelece um padrão de referência. É possível identificar
em algumas cidades de importantes alunos da rede privada se
transferindo para o Instituto Federal, não por causa da gratuidade, mas
sim, por causa da excelência do ensino. Não é a toa, que algumas
unidades dos Institutos Federais têm avaliação no ENEM superiores a
muitas escolas tradicionais da cidade.
iv) Envolvimento da comunidade. A previsão da existência do Conselho
Superior de membros da comunidade é uma característica que
diferencia os Institutos Federais dos formatos anteriores à vigência da
Lei de criação.
Todavia, se algumas das questões acima constituem-se em diferencial
e mostram avanços em relação as estruturas anteriores da Rede Federal,
algumas reforçam a preocupação com o atendimento às metas previstas. Em
boa parte isso se deve a dificuldade incipiente de uma nova cultura dos
Institutos Federais. Algumas dessas questões colocaram em evidência as
dificuldades de atendimento às metas previstas pela nova institucionalidade. As
questões numeradas a seguir são alguns dos exemplos onde a constituição
dos institutos ainda está longe do que prevê o mandato legal e os acordos de
compromisso estabelecidos.
i) Ausência de integração ou de um período de formação dos novos
professores fez com que muitos deles prefiram atuar no ensino superior
do que na educação básica. Um dos reflexos dessa opção tem sido a
baixa oferta de cursos na modalidade PROEJA, que foram um grande
diferencial na tentativa de conectar a realidade das escolas técnicas com
as demandas sociais (SANTOS, 2010). Novamente aqui as resistências
começam por campi mais consolidados do que os novos, porém, estes,
acabaram por incorporar o padrão das estruturas antigas. Provindos em
sua grande maioria das universidades, os novos professores, pela
ausência de um processo de integração/formação, tendem a reproduzir
o modelo que vivenciaram nas universidades. Em geral, é um modelo
individualista, baseado na necessidade de alcançar reconhecimento
rápido em publicações em revistas indexadas, e muito pouco
preocupado como essa atividade que pode beneficiar a instituição.
Embora o quantitativo de doutores presentes nos Institutos Federais,
abaixo de 12%, seu comportamento tende a estimular os professores
com menor titulação.
ii) A carência que os Institutos Federais se propuseram a atender na
educação básica ficou a descoberto nos próprios institutos. Nesse
particular ficou ausente no desenho dos Institutos Federais, cursos de
formação de docentes para a educação profissional. Não é por menos
que alguns Institutos estão prevendo para os próximos meses, com a
chegada de novos professores cursos de formação superiores a 300
horas ou mais. Este também é um grande desafio. Como convencer
jovens mestres e doutores se submeterem a uma formação que
problematize a sua prática, uma vez que nas próprias universidades, de
onde são egressos, a universidade não os preparou para perseguirem
um processo de formação continuada, a não ser, quase que
exclusivamente, em benefício próprio. Nesse particular foi acertada a
ideia de uma carreira docente específica nos Institutos Federais que
tenha vinculação com a das universidades, mas que guarde suas
especificidades. Teria sido equivocado submeter os professores dessas
instituições as mesmas regras de promoção nas universidades. Dessa
forma, a criação da equivalência da carreira do Ensino Básico Técnico e
Tecnológico – EBTT, prevista na Lei 12.772, de 28 de dezembro de
2012, assegurou mecanismos de equiparação entre as duas carreiras e
garantiu a promoção, para além dos títulos acadêmicos, como é o caso
do Reconhecimento de Saberes e Competências – RSC. Esse
mecanismo constitui-se num reconhecimento coletivo da produção
docente.
iii) Os Núcleos de Inovação Tecnológica – NITs foram importante estímulo
para os Institutos Federais, mas seus efeitos ainda não são percebidos.
Falta uma ação para aproximar os Institutos Federais das políticas do
próprio governo federal. Embora estivesse presente na Política de
Desenvolvimento Produtivo (PDP) e agora consolidada no Plano Brasil
Maior (PBM), o anunciado no artigo 6º da Lei ainda não se concretizou,
particularmente, naquilo que a literatura classifica como sendo o papel
de instituições vocacionadas para a inovação. Os Institutos Federais são
reconhecidos como importante parceiro na execução de ações
complementares da política governamental, mas essa colaboração ainda
é muito tópica e não se constitui num feixe de ações que alavanquem
um processo virtuoso entre as instituições e o tecido produtivo. A recente
reorganização do SENAI, que concentrou seus esforços numa rede de
educação profissional e numa outra de inovação possa ser um dos
caminhos a serem perseguidos. Nesse aspecto é bom ressaltar que a
expansão da Rede Federal em termos de unidades vai se equivaler às
escolas do SENAI.
Os riscos da descaracterização – um instituto dentro de outro
Num estudo realizado em 2011 para a Secretaria de Ciência e
Tecnologia para a Inclusão Social – SECIS, do Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação - MCTI, sobre os Centros Vocacionais Tecnológicos –
CVTs, identificou-se o baixo número de unidades nos municípios que possuíam
uma unidade de CVT, escola do SENAI ou da Rede Federal. O número não
passava de 500 em cada uma delas, sendo que em meados de 2011 o SENAI
possuía 470 e a Rede Federal 404 unidades. No mesmo município não
passavam de uma centena a existência dos três equipamentos (SENAI, CVT e
Rede Federal). Na proporção por habitante ainda era muito desigual a
cobertura de unidades da Rede Federal e de escolas de SENAI, embora na
média fossem muito próximas, o que mostra que a Rede Federal avançou
muito em áreas em que o SENAI tinha pouca presença como é o caso da
Bahia, Ceará, Maranhão e Distrito Federal, Alagoas e Sergipe. Entretanto, a
presença do SENAI nos estados mais industrializados como São Paulo, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul fosse quase o dobro da presença da Rede Federal
até aquela data.
Na esteira da expansão da Rede Federal o governo federal, ao instituir
por meio da Lei nº 1209, de 29 de abril de 2011, o Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), criou um grande feixe de
ações que tem como lócus de atuação os Institutos Federais. Tem sido assim
com várias políticas públicas, desde o Plano Brasil Maior ao Bolsa Família. O
PRONATEC tem o objetivo de: i) ampliar as vagas e continuar a expansão da
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; ii) fomentar a ampliação
de vagas das redes estaduais de Educação Profissional; iii) incentivar a
ampliação de vagas e a expansão da rede física de atendimento do Sistema S;
e iv) fomentar a expansão da oferta de Educação Profissional e Técnica de
nível médio na modalidade de educação a distância.
O PRONATEC centralizou no âmbito do Ministério da Educação (MEC)
várias iniciativas que têm no Ministério do Trabalho MTE o seu lócus há mais
de 15 anos. Entretanto, sua trajetória sempre se pautou naquilo que a
legislação lhe confere
o sistema escolar. Ao assumir para si ações que se
estabelecem no ambiente de trabalho e em outros espaços de construção,
demonstra que, embora queira dar certa organicidade e otimização à educação
profissional, falta ao MEC conhecimento sobre a realidade de como se
estrutura o diálogo da formação profissional no âmbito das relações de
trabalho.
Além disso, a maioria dos cursos, reproduzem em alguma medida o
modelo de formação adotado pelo PLANFOR e não constituem num itinerário
de formação ao longo da vida produtiva do trabalhador. Ao ser receptor de tais
iniciativas os Institutos Federais acabaram por criar uma estrutura paralela de
atendimento: os alunos normais e os do PRONATEC. Com o estímulo de uma
bolsa, o Programa tem aderido a um grande número de interessados.
A nosso ver esse modelo tem sido um grande desafio para a Rede
Federal. Na realidade está se convivendo com uma rede dentro de outra. Há
notável incentivo para a realização dos cursos do PRONATEC e pouco
interesse para os cursos de mais longa duração, que combinam a aquisição da
escolaridade necessária para a emissão do diploma de técnico e a carga
horária necessária para tal habilitação. Isso ocorre, por exemplo, nos cursos
subsequentes, que recebem os alunos já concluintes do ensino médio. A alta
evasão e a dificuldade de lidar com esse público colocam em dúvida a sua
importância como espaço de importante de formação.
Em suma esses são os dilemas que ainda persistem na centenária,
mas ainda jovem Rede Federal de Educação Profissional. O desenvolvimento
de uma cultura organizacional nos marcos atuais da administração pública
coloca sérios limites para o seu desenvolvimento. É impossível realizar com
velocidade e tempestivamente ações que não sejam alcançadas pelas
restrições impostas pelos órgãos de controle e pelo excessivo rigor a que foram
submetidos às universidades, a rede federal e a rede de institutos federais
mantidos pelo MCTI. Se não for rompido com esse padrão que parte da
presunção que tudo o que as instituições fazem está sob suspeita será muito
difícil vencer os desafios que se impõe na remoção das barreiras que nos
separam dos países desenvolvidos.
Considerações finais
Um estudo elaborado Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da
Presidência da República, para servir de base para os Objetivos do Milênio,
mostra que o tamanho da população jovem brasileira nunca foi, e nunca será,
tão grande quanto o de hoje, correspondendo a cerca de 50 milhões de
pessoas na faixa entre 15 e 29 anos de idade, equivalendo a 26% da
população. Consultados nessa recente pesquisa, os jovens deram mais alta
prioridade a educação de qualidade: 85,2% dos brasileiros de 15 a 29 anos,
entre as seis mais importantes dos 16 temas apresentados, resultado 4,75
pontos percentuais superior ao registrado entre os não jovens (SAE, 2013).
O país de jovens tem data para acabar. Em 2022, os jovens começarão
a decrescer na nossa pirâmide etária e declinarão uma taxa mais acentuada do
que foi nos outros países. Se até lá o Brasil não aproveitar essa oportunidade
dificilmente terá condições de liderar no futuro mudanças nas condições de
vida para que possam oferecer a partir de 2040-2050, melhores condições das
atuais a todos os habitantes.
Esse desafio coloca para estruturas como a dos Institutos Federais
desafios que precisam estar coordenados com estratégias mais globais de
imediato, médio e longo alcance. Essa parece ser a grande ausência na
estratégia dos Institutos Federais. Até para aceitar a realização, como até aqui,
de uma rede competindo contra outra, o caso do PRONATEC, necessitaria ter
a exata dimensão de que isso é uma necessidade, mas talvez, não será daqui
há 10 anos, por exemplo.
A
consolidação
dos
Institutos
Federais
está
necessariamente
alicerçada com uma missão estratégica deles para o País. Negligenciar nesse
momento a perda de identidade dessa importante rede poderá comprometer a
contribuição que ela pode dar ao País.
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GT 09
SESSÃO 3
30/10/2013
ID 389
TRABALHO E TECNOLOGIAS GERENCIAIS:
PARADIGMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL
O
NOVO
(VELHO)
Rafael Rodrigo Mueller
Resumo
O principal objetivo de nosso estudo é analisar o paradoxo existente na relação
entre trabalho e educação a partir do estudo das tecnologias gerenciais
identificadas com maior propriedade no Sistema Toyota de Produção. Para
tanto, torna-se imprescindível retomarmos historicamente os métodos e
técnicas de treinamento, desenvolvidos nos EUA na década de 1920,
intensificados a partir de 1940 pelo método Training Within Industry (TWI) e
demonstrar a sua revisitação, após a Segunda Guerra Mundial, pelo ‘Sistema
Toyota de Produção’, se constituindo como um elemento central para educação
profissional dos trabalhadores. Nossa tese é que a busca pela máxima
eficiência a partir da racionalização das relações de produção necessita de
uma adequação da formação dos trabalhadores ao modelo produtivo
historicamente vigente. Para tanto, constatamos que o caráter ideológico que
perpassa as tecnologias gerenciais pode ser verificado por intermédio da
relação das mesmas com os ideais educacionais presentes tanto no discurso
dos managers como nas recomendações dos órgãos multilaterais voltadas à
educação nas últimas três décadas. Adotamos como base metodológica a
pesquisa teórica, pois a revisão e confrontação teórica mostraram-se uma
necessidade revelada pelo objeto em questão (a relação entre tecnologia
gerencial e educação) em sua totalidade e atualidade.
Palavras-chave: Trabalho e Educação, Tecnologias Gerenciais,
Treinamento dentro da Indústria, Pilares da educação, Capital.
INTRODUÇÃO
Os altos índices de desemprego dos jovens na Europa tornou-se um
problema central para as principais economias do referido continente. Segundo
dados noticiados pela Deutsche Welle (2013), os jovens trabalhadores recémegressos das universidades em países da zona do euro são os mais atingidos:
em Portugal, 42,1% estão desempregados; na Irlanda, 26,3%; na Itália, 38,5%;
na Grécia, 59,2%; e na Espanha, 56,5%. A média de jovens desempregados
de até 25 anos na União Europeia é de 23,5%. Segundo o presidente francês
François
Hollande:
“Seis
milhões
de
jovens
estão
[oficialmente]
desempregados na Europa” e "quase 14 milhões estão sem trabalhar, sem
estudar ou sem fazer um estágio” (EL PAIS, 2013).
O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, enfatizou a
questão da necessidade de combate ao desemprego juvenil a partir da
chamada “garantia de emprego”, que tem por objetivo assegurar aos egressos
de escolas ou universidades, quatro meses de trabalho ou vaga em algum
treinamento profissional. Para o especialista em mercado de trabalho do
Instituto Alemão para Pesquisa Econômica (DIW), Karl Brenke, “os mais novos
precisam dos benefícios de uma educação prática mais intensa” (DEUTSCHE
WELLE, 2013).
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na América
Latina existem 7,5 milhões de jovens desempregados e 27 milhões na
informalidade. A diretora da OIT para a América Latina e Caribe em reunião do
Fórum Econômico Mundial sobre a América Latina 2013, destacou “a
necessidade de reforçar o vínculo entre educação, formação e o mundo do
trabalho” conectando “o setor provedor de capacitação com as empresas que
geram 80% dos empregos disponíveis” (OIT, 2013). No Brasil, segundo dados
do Ministério da Educação (MEC), o número total de matrículas na educação
profissional em 2009 foi de 991.100, sendo criadas 214 novas escolas de
educação profissional no período de 2003 a 2010, e investido em tal setor da
educação um montante aproximado de 3,9 bilhões de reais (MEC, 2010),
valores que reforçam os objetivos do atual governo em termos de alavancar o
crescimento econômico a partir da aproximação entre o setor produtivo e a
educação.
A partir da constatação das modificações ocorridas historicamente
âmbito da educação profissional, identificamos o seguinte paradoxo: no intuito
de responder a uma das questões latentes existente na relação entre trabalho
e educação, qual seja, a qualificação profissional dos atuais e futuros
trabalhadores adequada as atuais demandas do mercado mundial no contexto
das organizações, o capital se utiliza de ferramentas ou métodos de ensino e
aprendizagem desenvolvidos no início do século passado, em nosso estudo
particularmente, o método do Training Within Industry (TWI). Nesse sentido, o
panorama que se desenha em termos de uma educação para o trabalho nos
revela que no plano fenomênico o capital se utiliza de velhas soluções para os
novos problemas que se apresentam dentro do contexto econômico mundial
nos últimos 40 anos, revelando que essencialmente as ferramentas de controle
da força de trabalho – aqui especificamente as tecnologias de gestão -, foram
somente adaptadas às novas demandas em termos de valorização do valor.
No que concerne à estrutura de nosso artigo, inicialmente pretendemos
demonstrar o contexto histórico em que se desenvolveu o método do TWI para
em seguida descrevermos as suas etapas e características em termos de
qualificação profissional. Na sequencia demonstramos a relação existente entre
o referido método e as tecnologias gerenciais a partir de sua utilização e
aperfeiçoamento no Sistema Toyota de Produção; bem como a relação entre
os preceitos ideológicos presentes na concepção do TWI e as normativas
postas para a educação indicadas pelos organismos multilaterais, sob a forma
dos ‘pilares’ para a educação do século XXI. Em nossas considerações finais
retomamos o paradoxo presente na relação entre trabalho e educação no
intuito de demonstrar a necessidade de adequação objetiva e subjetiva da força
de trabalho às demandas impostas pelo capital nas ultimas décadas em termos
de qualificação profissional.
Adotamos como base metodológica a pesquisa teórica, pois a revisão e
confrontação teórica mostrou-se uma necessidade revelada pelo objeto em
questão (o paradoxo da relação capital-trabalho) em sua totalidade e
atualidade.
Tornou-se
então
necessária
a
verificação
sistemática
da
particularidade do objeto em sua abstração (revisão teórica) no intuito de
identificarmos o seu impacto na materialidade historicamente desenvolvida.
Nesse caso nos utilizamos do método materialista-histórico, o que implicou em
aprofundarmos a relação entre a essência e aparência presente na apropriação
e utilização por parte do capital de ferramentas para o controle da força de
trabalho sob a máscara da qualificação profissional, e como esta providencia o
atendimento as demandas do mercado permitindo a continuidade do processo
de valorização do valor.
o TRAINING WITHIN INDUSTRY NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA
De acordo com Hutzinger (2007, p. 04), “o Training Within Industry
(TWI) foi iniciado em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial com o intuito de
aumentar a produção para suprir as necessidades do esforço de guerra das
Forças Aliadas”. Ainda segundo o autor:
O TWI foi lançado em 1940 pela National Defense Advisory
Comission (NDAC) e eventualmente foi transferido para
Federal Security Agency (FSA), com o objetivo de funcionar
como parte da nova War Manpower Comission (WMC) no dia
18 de abril de 1942. O TWI continuaria sob o comando do
WMC até que suas operações cessassem, fato que ocorreu em
setembro de 1945 (HUTZINGER, 2007, p.6).
Após a queda da França, em 1940, as Forças Aliadas, antes mesmo da
entrada definitiva dos Estados Unidos na guerra, perceberam a urgência de
suprir as demandas geradas pela guerra, pois os níveis produtivos elevaram-se
demasiadamente. O governo americano decidiu, então, já prevendo uma
possível intervenção direta na guerra por parte dos Estados Unidos, dar início a
um programa que poderia solucionar os problemas advindos de uma
superprodução de insumos de guerra. Surge então o TWI que, desde a sua
criação, desenvolveu-se em uma rede nacional liderada por profissionais da
indústria no intuito de ensinar técnicas de produção às empresas fabricantes de
insumos de guerra. Nesse grupo havia empresários voluntários que cediam
suas companhias, haja vista a necessidade de efetuar o treinamento “dentro da
indústria” com o objetivo de concretizar e legitimar as ações realizadas pelo
TWI, empreitada realizada somente em empresas cujo aceite tivesse sido
espontâneo, a partir das gerências de fábricas.
A metodologia do TWI teve como base os métodos de treinamento de
Charles Allen, desenvolvidos em 1919 em princípio para a indústria naval
americana durante a Primeira Guerra Mundial. Destes métodos, cognominados
“Os Quatro Passos de Allen”, surgiram os “Programas J”: Instrução de Trabalho
(Job Instruction, JI); Métodos de Trabalho (Job Methods, JM); Relações de
Trabalho (Job Relations, JR) e o desenvolvimento de programa articulado
como um todo. O elemento-chave desses métodos era o inter-relacionamento
entre os supervisores e os trabalhadores operários, sendo considerado o fator
responsável pelo sucesso da indústria de suporte à guerra dos Estados Unidos.
O foco do TWI passou a ser as necessidades dos supervisores em
termos de organização e controle da mão-de-obra, pois a demanda produtiva
obrigava as empresas a contratarem um grande número de pessoas nãoqualificadas, algo que realçava ainda mais o papel fundamental do supervisor e
sua relação com os funcionários no que se referia ao aumento da
produtividade14 industrial americana.
A segunda etapa do processo de desenvolvimento do TWI, a fim de
ampliar os níveis produtivos gerados pelo trabalho cooperado, se centrou na
concepção de métodos de ensino que privilegiassem a relação entre
supervisores e subordinados e, principalmente, em como alinhar uma vasta
gama de habilidades desenvolvidas e não-desenvolvidas pelos funcionários
das empresas empenhadas com a produção da Segunda Guerra. O trabalho
desenvolvido por Charles Allen - em 1919 e que ficou conhecido como o
método dos Quatro Passos - foi fundamental para a próxima etapa do TWI nos
EUA. Conforme citado por Allen (apud HUTZINGER, 2007, p.10):
Cada lição completa de ensinamento requer 4 passos ou
operações de treinamento conhecidos como passo 1 –
Preparação, passo 2 - Apresentação, passo 3 – Aplicação e
passo 4 – Teste (ou Inspeção). Esses passos são sempre
lecionados nessa ordem dada. O propósito do passo 1 é deixar
o aluno preparado para aprender, do passo 2 é instruí-lo, do
passo 3 é verificar se há erros e do passo 4 é fazer uma
inspeção final na Instrução de Trabalho.
É possível evidenciar-se, a partir do método dos Quatro Passos de
Allen, as raízes do que se difundiu amplamente, em especial a partir da década
de 1990, tanto nas organizações como nos ambientes educacionais: o princípio
do “aprender a fazer” (DELORS, 2003). Tal conceito tornou-se um elemento
constante na literatura da área da educação, fundamentando pesquisas e
estudos (BRUNO, 1996; DUARTE, 2001 e 2004; MARTINS, 2004; ROESLER,
2007) e como os quatro passos são interdependentes em sua manifestação
concreta, evocam uma atenção diferenciada aos métodos de ensino utilizados
pelos profissionais da educação formal e da educação profissional: a educação
para o trabalho e no local de trabalho.
14
Conforme demonstraremos adiante, a relação supervisor-funcionários, ou mais
propriamente, a utilização de tecnologias gerenciais por parte destes, será um dos princípios
básicos para o sucesso do Sistema Toyota de Produção.
Nesse caso, torna-se necessário explicitar os fundamentos do TWI
como sendo uma metodologia de racionalização da força de trabalho efetivada
por meio da qualificação profissional diretamente relacionada à formação dos
trabalhadores.
A METODOLOGIA DO TWI
Um dos fatores diferenciais da metodologia concebida e desenvolvida
por Allen foi o tratamento dado à questão do treinamento, apontando, a partir
de pesquisas empíricas realizadas no interior das indústrias, quais os gastos
relacionados à falta de um programa de treinamento (desperdício de recursos
financeiros, materiais e “humanos”) e indicando os três fatores primordiais para
a melhor eficiência dos processos de produção:
[...] o instrutor, porque é através de instrução eficaz que
podemos assegurar eficiência em treinamento. O homem,
porque quando corretamente treinado, ele faz o melhor
trabalho. O serviço, porque eficiência produtiva vem de homens
bem treinados [...] (ALLEN apud HUTZINGER, 2007, p. 11).
Para que se estabelecesse o melhor desempenho do treinamento era
imprescindível que se aplicassem quatro princípios: 1) ajuste dos padrões; 2)
estabelecimento de instrução correta; 3) o treinamento de maneira contínua
dentro das organizações, 4) nos locais onde esse treinamento não pudesse
ocorrer em um curto espaço de tempo. Grande parte do livro que Allen dedicou
ao estudo do treinamento nas indústrias buscou demonstrar como uma
metodologia eficientemente aplicada pode contribuir de maneira decisiva para a
relação entre instrutores bem selecionados e orientados, e como os
trabalhadores podem ser despertados à necessidade de “aprender a aprender”.
As preocupações de Allen - no que se referia ao desenvolvimento de uma
metodologia orientada para resultados, à seleção e formação de instrutores e à
necessidade de “despertar” o trabalhor-aluno para a necessidade de se manter
em constante atualização para um melhor “aprender a fazer” - em nada diferem
das preocupações verificadas nos meios acadêmico e empresarial atualmente
no que tange às novas perspectivas acerca da educação e formação
profissional dos trabalhadores respectivamente. De fato, o que Allen
desenvolveu em seus estudos sobre melhores práticas gerenciais orientadas à
racionalização da organização do trabalho são os preceitos lógico-práticos do
que passou a ser conhecido como “os quatro pilares para a Educação do
século XX” (DELORS, 2003) e um currículo escolar orientado para o
desenvolvimento de habilidades e competências.
“Aprender fazendo”: o conteúdo dos cursos Training Within
Industry (TWI)
Intencionalmente os idealizadores do TWI utilizaram-se do método dos
Quatro Passos de Charles Allen: As preocupações de Allen no que se referia
ao melhor desempenho dos instrutores já tinham sido discutidas no Training
Within Industry Report 1940-1945, onde a questão do “aprender fazendo” foi
central. Nesse caso, estabeleceu-se que todo instrutor possuía cinco
necessidades:
1)
Conhecer
o
trabalho,
2)
Ter
conhecimento
da
responsabilidade, 3) Ter habilidade de instruir, 4) Habilidade em aperfeiçoar os
métodos, e 5) Habilidade em liderar. As duas primeiras eram consideradas de
responsabilidade da empresa no sentido de fornecer as condições necessárias
para o desempenho da função em termos estruturais e de explicitar sua política
interna e planejamento; e as três últimas eram providenciadas pelo TWI a partir
de seus respectivos “Programas J” (Job Instruction, Job Methods, Job
Relations) combinados ao método dos Quatro Passos de Allen.
A Instrução de Trabalho (Job Instruction) era constituído de cinco
sessões com duas horas de duração cada uma, sendo que as duas primeiras
sessões tratavam exclusivamente da apresentação e discussão do método de
instrução e as três últimas eram utilizadas para a aplicação prática das
apresentações e discussões. O objetivo era que no decorrer das três últimas
sessões os alunos-instrutores utilizassem um método de instrução aplicado
junto aos funcionários de seu departamento e, a partir da aplicação deste,
registrassem e discutissem a experiência com os participantes das sessões.
Métodos de Trabalho (Job Methods): Conforme exposto por Allen (apud
HUTZINGER, 2007, p. 15), o objetivo deste programa era “[...] ajudar os
supervisores a produzirem maiores quantidades de produtos com qualidade em
menos tempo, fazendo o melhor uso da mão-de-obra, máquinas e material
disponível no momento”. Nesse caso, tornou-se imprescindível uma redefinição
e realinhamento das características do trabalho do supervisor, quais fossem:
sua missão, qualidades, problemas e objetivos (BRYAN, 2008). Convém
destacar, a partir do objetivo exposto do programa “Métodos de Trabalho”, que
no cerne do desenvolvimento do TWI e de seus métodos de cunho pragmático
se encontra a essência da produção capitalista e, consequentemente, das
tecnologias gerenciais, qual seja, a racionalização da produção e da
organização da força de trabalho orientados à valorização do valor. A partir da
análise dos procedimentos técnicos utilizados na produção de um determinado
produto, era solicitado aos participantes do programa em questão que
desenvolvessem um novo método mais eficiente e adequado às demandas
atuais da empresa15.
Há uma grande similaridade entre os procedimentos desenvolvidos no
programa “Métodos de Trabalho” e o que ficou conhecido como Kaizen
(melhoria contínua) no método de gerenciamento japonês.
Relações de Trabalho (Job Relations): utilizando como matriz
novamente o método dos Quatro Passos, esse programa estava fundamentado
em desenvolver técnicas para melhoria das relações entre supervisores e
subordinados, ou seja, as relações de trabalho deveriam ser orientadas para
melhorias nas relações sociais no ambiente produtivo, tendo em vista que,
segundo o programa em questão, um bom supervisor é aquele que consegue
identificar pequenos problemas antes que se tornem maiores e prejudiciais à
produção. O procedimento adotado consistia na apresentação de casos
fictícios, envolvendo supervisores e operários e o manual orientava os
supervisores quanto à resolução dos problemas apresentados, após o que
estes deveriam aplicar em seus respectivos departamentos as lições obtidas
para, posteriormente, apresentar os resultados para o grande grupo.
De acordo com Bryan (2008, p.104), o programa “Relações de
Trabalho” era “uma síntese das descobertas da psicossociologia do trabalho
americana, desenvolvida com base na constatação da fragilidade dos
pressupostos tayloristas quanto às motivações dos trabalhadores”. E, apesar
15
Essa é uma referência direta ao Sistema Toyota de Produção, particularmente por sua
capacidade de captura do saber objetivo dos trabalhadores por intermédio de “sugestões
espontâneas” feitas pelos mesmos no intuito de melhorar os processos produtivos do sistema.
Para uma análise pormenorizada dessa questão, vide Bianchetti (2000) e Faria (1997; 2004).
de outros teóricos terem desenvolvido pesquisas no campo organizacional,
tendo a mesma preocupação e orientação do TWI, como Chester Barnard e
Douglas McGregor, foi Elton Mayo quem mais contribuiu para o “Enfoque das
Relações Humanas nas Organizações”:
A Escola das Relações Humanas surge numa época em que
se funda o sindicalismo vertical, por indústria, em substituição
ao de ofícios. Cabe ao conselheiro das relações humanas [vide
supervisor, gerente] a supressão das resistências informais às
exigências administrativas. Enquanto a Escola Clássica
pregava a “harmonia” pelo autoritarismo, Mayo procura-a pelo
uso da Psicologia, convertendo a resistência em problema de
inadaptação pela manipulação dos conflitos, por pessoal
especializado em Psicologia social e Sociologia industrial, ou
melhor, relações industriais (TRAGTENBERG, 1985, p. 83). 16
Como nos demais programas, para facilitar a aplicação e orientar os
supervisores, desenvolveu-se um cartão para “Relações de Trabalho” como
referência.
DA
MÁQUINA
AO
HOMEM:
O
DETOUR
TECNOLÓGICO
NAS
ORGANIZAÇÕES VIA TECNOLOGIAS GERENCIAIS.
No decorrer de nossa análise sobre a relação em termos de
desenvolvimento histórico entre o programa Training Within Industry e o
Sistema Toyota de Produção pôde-se verificar a importância que ambos
atribuíram à formação do instrutor/supervisor numa perspectiva de ampliar a
racionalização da produção (processos, operações, métodos e técnicas) a
partir da organização e controle da produção e da força de trabalho, sendo que
não necessariamente nesse percurso tenha sido dada a ênfase na tecnologia
física como o taylorismo/fordismo dava a essa manifestação da tecnologia. Por
sua vez, pode-se constatar que o Sistema Toyota de Produção, como um
estágio mais aprimorado e avançado do programa TWI - em termos de
abrangência produtiva -, se utilizou em grande parte para o seu próprio
desenvolvimento, de tecnologias gerenciais ao desenvolver inovações
organizacionais que atuassem diretamente sobre o controle da força de
16
De acordo com Francisco Filho (2006), o pragmatismo de John Dewey e a Psicologia
Dinâmica de Kurt Lewin foram imprescindíveis para a afirmação das ideias de Mayo.
trabalho e na potencialidade existente em termos de intensificação da
produtividade.
Os motivos pelos quais o referido sistema produtivo fez-se em suas
especificidades
técnicas,
certamente,
estão
relacionados
com
as
determinações históricas que o conduziram para sua perspectiva em termos de
valorização do valor, como por exemplo: a condição econômica e social do
Japão, após a Segunda Guerra, que motivou os países aliados, capitaneados
pelos EUA, em transformar o referido país em um “laboratório” ou centro de
pesquisas industriais; os seus limites geográficos que inviabilizavam a
produção em larga escala a partir dos seus estoques tanto de matérias-primas
como de produtos acabados; a constituição dos sindicatos “patronais” – por
empresas - em substituição aos sindicatos classistas – por setores da
economia - vinculados ao agora extinto, Partido Comunista; e, talvez, um dos
fatores históricos determinantes, a condição econômica dos EUA e sua
determinação sobre a produção, que não permitia vislumbrar, a curto e médio
prazos, quaisquer modificações técnicas ou inovações organizacionais em sua
planta industrial a qual, naquele momento, estava em plena ascensão. Tais
fatores moldaram o sistema produtivo das indústrias japonesas naquele
período histórico (o pós-guerra), o que, a posteriori, se concretizou como sendo
o Sistema Toyota de Produção. Foi especificamente na referida empresa
automotiva, que se constituía naquele momento de extrema escassez, que as
inovações criadas por engenheiros americanos tiveram seu espaço criativo
ilimitado e se conjugaram a ponto de se transformarem em um sistema
produtivo orgânico.
Tais
inovações
estavam
embasadas
na
prerrogativa
de
que
necessariamente deveriam estabelecer um ambiente que privilegiasse a
racionalização da produção, porém não mais focado nas características
propostas pelo sistema de produção tipicamente americano, taylorista/fordista),
mas nas circunstâncias concretas que determinavam o Japão naquele
momento: a completa escassez de recursos, matérias-primas e parques
industriais. Ou seja, o foco deveria estar no desenvolvimento de métodos e
técnicas, que restringissem a praticamente zero quaisquer possibilidades de
permanência de elementos constituintes do processo produtivo que gerassem
custos desnecessários.17 Nesse caso, para a efetivação de tal intento era
necessária e fundamental a utilização dos conhecimentos provenientes da
realidade empírica vivenciada pela força de trabalho no seio da produção e,
consequentemente, do realinhamento de sua formação. Destarte, os maciços
investimentos em treinamento teriam certamente que providenciar tal condição
favorável ao sistema de produção em questão, o que automaticamente o retira
da categoria “custos” para inseri-la em “investimentos”.
Tal prerrogativa está em total consonância com a afirmação feita por
Marx (1992, p.79) ao questionar: “Qual é o custo de produção da própria força
de trabalho? É o custo necessário para conservar o operário como tal e educálo para este ofício” (grifo nosso). A partir desta citação podemos identificar dois
fatores de real importância para o delineamento de nossa pesquisa: 1) para
Marx, o adiantamento de capital com intuito de formar a força de trabalho é
considerado como sendo “custo necessário”, ou seja, havia a “necessidade” de
tal adiantamento como forma única de extrair mais-valor da mesma; 2) o
sentido empregado por Marx para “educação” como um realinhamento dos
conhecimentos técnicos provenientes de todos os componentes do trabalho na
produção. Nesse caso, para Marx, esta era a significância que a educação
deveria ter a partir de sua constituição no e pelo capitalismo. A redução do
termo “educação” como “a formação da força de trabalho na produção” teve
consequências fundamentais principalmente para o direcionamento das
reformas educacionais propostas com maior intensidade a partir do século XXI,
determinadas
pelos
ideais
do
capitalismo
globalizado.
Esta
reflexão,
aprofundada a seguir, enfatizará de que maneira esta perspectiva de educação
serviu como pressuposto ideológico para o desenvolvimento das tecnologias
gerenciais inerentes ao Sistema Toyota de Produção. Pois, conforme destaca
Shiroma (1993), a formação de trabalhadores polivalentes no espaço de fábrica
é a base do Modelo Japonês, sendo que essa formação exerce maior
17
Faz-se necessário aqui destacar que, a racionalização da produção e do trabalho não foi
criação ou exclusividade do Sistema Toyota de Produção, pois, o controle em termos de
detecção e extinção do que Tauile (2001) denomina como “porosidade do trabalho”, ou seja, o
trabalho que não agrega valor direto ao produto já era motivo de preocupação tanto para os
engenheiros industriais do século XIX, quanto para Taylor e Ford; porém a criação de novas
tecnologias gerenciais que atuassem diretamente sobre a intensificação da força de trabalho
concebendo índices de produtividade inalcançáveis pelo taylorismo/fordismo, certamente foi o
grande diferencial do Sistema implementado na e pela Toyota Motors.
influência e goza de maior prestígio frente à educação formal. A autora
enfatizou também a importância dos funcionários recém-admitidos “passarem
por programas consecutivos de indução e capacitação para serem moldados
internamente à empresa, fazendo com que sejam vultuosos os investimentos
de educação do trabalho” (1993, p.50):
Durante o rápido desenvolvimento industrial do Japão nos anos
[19]50 e [19]60, havia carência de mão de obra, e os
formandos do secundário passaram a ser altamente cobiçados
pela indústria que lhes forneceria uma educação
complementar. O currículo consistia em 70% de treinamento
prático sobre o ofício e 30% sobre cultura geral. Durante os 3
anos de curso eram ensinadas não apenas as habilidades mas
também a cultura da empresa [...]. Recebiam formação geral
exaustiva sobre a firma, sua história, os objetivos da direção e
o comportamento exigido para o trabalho (SHIROMA, 1993,
p.51).
Ao destacarmos como o referido sistema de produção “inverteu” a
ordem de importância dos recursos disponíveis ao colocar o trabalhador e sua
relação com a administração a partir da ênfase na formação no e pelo trabalho
produtivo, queremos enfocar também a importância das tecnologias gerenciais
como forma de controle e de organização social da produção. Nesse caso, a
reorientação funciona como sendo um desvio da “ordem natural” imposta pelo
sistema de produção americano em termos de excessiva ênfase nas
tecnologias físicas (rígidas ou flexíveis18) para atingirem altos níveis de
extração de mais-valia. A utilização da própria capacidade inerente a todo ser
social, a racionalidade, será direcionada para o desenvolvimento de métodos e
técnicas de controle e organização da força de trabalho, alinhadas às
necessidades atuais do padrão de acumulação vigente. Sendo assim, o
Sistema Toyota de Produção extrapola os limites geográficos da planta
industrial japonesa e passa a ser adotado não somente em filiais da mesma
empresa em outros países, mas também por outras organizações ocidentais
interessadas em atingir os índices de lucratividades decorrentes de sua
18
Conforme Tauile (2001, p.143) “o fordismo, que se apoiava na automação rígida, típica da
produção em grande escala de produtos padronizados, começou a encontrar uma forte
turbulência gerada pela instabilidade econômica da década de 1970. A difusão de
equipamentos de automação flexível, que então começava a se acelerar, não conseguia
superar as dificuldades colocadas pelos novos e instáveis padrões de demanda, pois ainda não
se compreendia plenamente o que a nova base significava em termos das novas possibilidades
de produção”.
utilização, sendo que tais índices somente se efetivam quando se “desvia da
ordem natural” do sistema de produção americano e implementam-se
maciçamente tecnologias gerenciais relacionadas à produção.
Isso, de maneira alguma, diminui a importância da racionalização da
produção obtida através das tecnologias físicas, mas significa que as
tecnologias gerenciais possibilitam níveis não atingíveis pela primeira no
sentido de valorização do valor. Nesse caso, a ordem de importância em
termos de priorização de utilização na produção capitalista sofre um detour
tecnológico, onde as ciências exatas e naturais deixam de ser a base
conceitual no que se refere à aplicação tecnológica da ciência, sendo
superadas pelas ciências humanas e sociais em termos de controle do
comportamento e alinhamento ideológico da força de trabalho aos preceitos do
padrão de acumulação atual. De acordo com Tauile (2001, p.146):
Nas
economias
ocidentais
modernas,
tornou-se
progressivamente evidente que a utilização eficaz de novas
tecnologias de automação flexível (TAF) dependia em grande
parte da introdução de novos e adequados métodos gerenciais.
No caso japonês, todavia, cabe ressaltar que as mudanças nas
TOSP [Tecnologias de Organização Social da Produção]19
precederam à introdução de novas tecnologias de automação
flexível.
Foi a partir da década de 1960 que novas TOSP´s como o Just-in-Time
e os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ´s) ganharam amplitude nas
plantas industriais japonesas, onde o seu sucesso
[...] exigia um elevado grau de coordenação, precisão e
qualidade das atividades executadas, tanto dentro da fábrica
como no âmbito da articulação entre empresas, até porque,
havendo uma dramática redução dos estoques intermediários,
as ineficiências do processo tornavam-se incompatíveis com a
estratégia produtiva (TAUILE, 2001, p. 149).
As tecnologias gerenciais possibilitam índices de lucratividade não a
partir da produção em larga escala, mas da redução de custos que podem
advir de qualquer elemento da produção: estoques, processos, movimentação,
transporte etc. É dessa forma que o conjunto de métodos e técnicas
provenientes
19
das
tecnologias
gerenciais
(Just-in-time
e
kanban)
Tauile (2001) atribui às Tecnologias de Organização Social da Produção (TOSP) as mesmas
características que atribuimos às Tecnologias Gerenciais.
necessariamente extrapola os limites da própria empresa atingindo as
empresas fornecedoras que devem equalizar sua produção à demanda da
empresa cliente. A perspectiva que envolve as tecnologias gerenciais é a da
lean production (produção enxuta), sendo que esta permeia todo o Sistema
Toyota de Produção na medida em que se deve
[...] racionalizar os fluxos de fabricação entre processos de
forma contínua, otimizando e aproveitando os espaços
disponíveis, a fim de minimizar a movimentação de pessoas,
produtos, materiais e documentos. É necessário estabelecer
um fluxo racional de trabalho. Quando são aprimorados os
processos e elevados os níveis de capacitação e motivação
dos empregados, os índices de desperdício caem
naturalmente (JUSTA; BARREIROS, 2009, p.7, grifo nosso).
O elemento que integra todo o Sistema Toyota de Produção é a forma
como este utiliza as tecnologias gerenciais no sentido de racionalizar a
produção ad aeternum - e não se pautando como elemento principal em
tecnologias físicas que, além de gerarem custos de manutenção e depreciação
como capital fixo, não possibilitam a melhoria contínua a partir de um processo
de colaboração horizontal (o trabalho cooperado da força de trabalho) e vertical
(o trabalho de controle, aprimoramento e treinamento garantido pelo
gerente/instrutor/líder) dentro do Sistema Toyota de Produção. Um exemplo
empírico de tal afirmação advém de uma citação de Chappel (apud
BATTAGLIA, 2007, p.1) onde a autora, após visita a Toyota Motor
Manufacturing North America situada em Erlanger, Kentucky, destaca que “em
um mundo inundado pela logística computadorizada, a Toyota afirma que seus
cartões coloridos – kanban – estão gerindo muito bem a cadeia de
suprimentos.
Além da mera utilização dos sentidos no intuito de detectar e corrigir
possíveis erros é a capacidade de observar os processos, analisá-los e sugerir
melhorias que é, sem dúvida, o maior diferencial dessa tecnologia. Ou seja, o
nível de cooperação, nesse caso, extrapola a divisão imposta pelo sistema de
produção americano que restringia o potencial inerente à força de trabalho
produtiva, qual seja, uma formação profissional que privilegia a contribuição
direta da força de trabalho como fonte de aprimoramento da racionalização da
produção.
O caráter “colaborativo” presente no Sistema Toyota de Produção
manifesta-se concretamente por meio das sugestões propostas pela força de
trabalho de implementar melhorias no processo produtivo. Contudo, a
colaboração tem que ser assimilada por parte dos trabalhadores por meio de
uma formação que privilegie essa característica da produção e, por serem os
sistemas de produção flexíveis, a formação e o treinamento dos trabalhadores
devem ser contínuas. Nesse caso, a formação da mão de obra no Sistema
Toyota de Produção deve valorizar o desenvolvimento de competências e
habilidades que irão propiciar a colaboração por parte dos trabalhadores e
serem incentivadas pelos gerentes que, a partir de agora, são líderes que
devem “orientar” seus subordinados a trabalharem por meio do trabalho
cooperado e colaborativo. Necessariamente, as orientações formativas que se
desenvolvem através do sistema de produção toyotista devem estar orientadas
para suas características proeminentes: redução contínua de custos que não
agregam valor; e habilidades que vão além da mera instrumentalização,
característica do sistema de produção americano. O desenvolvimento histórico
de uma “pedagogia toyotista” e suas raízes ideológicas será analisado a partir
do próximo item.
A EDUCAÇÃO NO E PARA O TRABALHO: RELACIONANDO A GESTÃO
CAPITALISTA COM A FORMAÇÃO PROFISSIONAL
É imperativo, no modo de produção capitalista, estruturar a constituição
de relações sociais baseadas na relação econômica de custo e benefício.
Como vimos no item anterior, para que se desenvolva no seio da produção
capitalista
programas de
formação
e
treinamento,
estes devem
ser
devidamente mensurados e passíveis de perpetuação pela sua capacidade de
providenciar mais-valor em uma perspectiva de crescimento contínuo. Sendo
assim, o vislumbre de possibilidades de intensificar a racionalização do
trabalho via formação intra e extraorganizacional somente efetiva-se a partir da
análise da relação custo-benefício em concomitância com a necessidade
intrínseca do capital de valorizar todos os âmbitos da organização social. A
intervenção direta de órgãos multilaterais que dão sustentação política e
ideológica ao construto do capital no que se refere aos diversos loci
relacionados à educação formal ou informal e à formação profissional20, faz
com que os processos que se estabelecem por meio da relação entre ensino e
aprendizagem devam ser orientados num sentido de mercantilização, limitando
a educação, pois privilegia uma relação instrumental com o mercado.
Os processos educativos, particularmente estabelecidos na década de
1950 no mundo, determinaram os caminhos percorridos pela educação,
consolidados com maior efetividade na década de 1990, quando as teorias do
capital humano e das competências entraram em consonância com o momento
da economia ao final do século XX e já com vistas para o século XXI. Este
momento de transição secular histórica marca também o desenvolvimento
dialético no que concerne à superação incorporando pressupostos teóricos que
determinam os parâmetros educacionais e de formação profissional onde a
relação entre a educação formal e a organização do trabalho vem de longa
data. Nesse sentido o documento publicado pela
Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em sua edição de 2009
que trata exclusivamente das perspectivas acerca da educação formal no
mundo, destaca as seguintes questões:
- a maneira como os sistemas de educação continuam a
expandir-se, com um número de titulares de diplomas
universitários quase duas vezes maior em 2007 do que em
meados dos anos 1990.
- Considerando o actual cenário de recessão econômica –
caracterizado pela restrição dos recursos, mas também por
uma elevada necessidade de investimentos em capital humano
-, analisa os processos, o financiamento e os resultados do
sector da educação como factores que determinam se os
sistemas de educação oferecem uma boa relação custobenefício (OCDE, 2009, p.1, grifos nossos).
Pode-se observar que, conforme a OCDE, apesar do momento
econômico atual ser de crise, onde necessariamente a racionalização dos
recursos deve ser priorizada, os investimentos em “capital humano”
permanecem na agenda econômica mundial, observando-se também uma
relação direta entre educação e formação de “capital humano”, o que consolida
os dados “positivos” do referido documento num âmbito puramente quantitativo
20
Dentro dos quais, atualmente e como demonstramos aqui, o processo de nivelamento entre
educação e formação é algo concreto em nossa sociedade nos últimos 30 anos.
a partir de dados estatísticos. Em essência, o documento “Panoramas da
Educação: Indicadores da OCDE”
destaca a permanente relação entre
educação e trabalho que, de acordo com a perspectiva do capital, deve
ampliar-se em termos de os sistemas educacionais desenvolverem a formação
necessária para abastecer uma suposta demanda do mercado mundial em
suas diversas atividades profissionais.
O construto teórico desenvolvido por Theodore Schultz e Gary Becker e
que teve seu reconhecimento mundial, a partir da década de 1970 como um
ideal a ser perseguido pelos sistemas educacionais, ainda orienta as
perspectivas acerca da educação na primeira década do século XXI.
As
análises acerca dos sistemas educacionais e, especificamente, a gestão
destes, enfatizam a forma como se estabelece a subsunção real do trabalho ao
capital - e que, atualmente, não se dá prioritariamente por meio de tecnologia
física, mas principalmente a partir da “captura da subjetividade” da força de
trabalho (ALVES, 2007; FARIA, 2007) via tecnologias gerenciais, sendo que
tais tecnologias desenvolveram-se - e consolidaram-se como instrumentos para
tal “captura” com maior propriedade - no Sistema Toyota de Produção.
Para
que
a
relação
custo-benefício
existente
entre
a
educação/formação e a produtividade se estabeleça concretamente no plano
das relações sociais é necessário que esteja alinhada às necessidades
advindas do âmbito da produção capitalista de maneira que os trabalhadores
que atuam nesta relação sejam formados de acordo com os seus preceitos
teórico-práticos
para
possibilitar
a
racionalização
da
produção
e
consequentemente, a valorização do valor. Da mesma forma, como no decorrer
do século XX, foi necessário que os preceitos da Administração Científica de
Taylor tivessem que ser assimilados pelo ambiente escolar em termos de uma
“Administração Escolar” voltada à racionalização do plano produtivo, com maior
ênfase no período após o evento da reestruturação produtiva exige-se dos
sistemas escolares uma formação alinhada aos novos paradigmas impostos
pelo sistema de produção que se constitui como “a ideologia orgânica da
produção capitalista” (ALVES, 2007), qual seja, o Sistema Toyota de Produção.
Nesse caso, torna-se necessário o alinhamento entre o sistema de
produção e o sistema de educação, conforme previsto na análise de Gramsci
sobre o sistema produtivo americano no século XX e o sistema de relações
sociais constituintes da superestrutura. De acordo com Braga (2008, p. 25):
Americanismo e fordismo representam as duas faces da
mesma moeda, isto é, uma nova composição das forças
produtivas do trabalho social por meio dos chamados
processos de modernização conservadora: à racionalização da
produção correspondia um novo ajuste entre estrutura e
superestrutura, sempre no sentido de recompor a unidade
entre relações sociais de produção e aparelhos de hegemonia.
Pode-se estabelecer a mesma relação entre as relações sociais de
produção
orientadas
pelo
toyotismo
e
os
aparelhos
de
hegemonia
estabelecidos para além da organização, ou conforme Gramsci (2008, p. 68),
há uma necessidade de “adequar os costumes às necessidades do trabalho”. A
gestão dos sistemas escolares responsáveis pela formação do atual e futuro
trabalhador deve estar em consonância com as necessidades psicofísicas
impostas pelo sistema toyotista de produção, nesse caso, os princípios que
norteiam o referido sistema de produção (redução de custos e formação
polivalente) devem ser buscados e estabelecidos na prática pelos sistemas
educacionais. Exemplo empírico de tal necessidade dá-se a partir do relato de
Liker e Hoseus (2009, p.93) e que ilustra nossa reflexão:
Mesmo o luxo de escolher a comunidade em que a nova
fábrica será construída não é o suficiente para a Toyota. A
empresa está acostumada a influenciar a força de trabalho
desde antes de começar a contratar as pessoas. No Japão, a
Toyota começa o processo de preparar os jovens para entrar
em sua cultura por meio de colaboração com o sistema escolar
local. Na cidade hoje conhecida como Toyota City, há um
sistema de ensino médio da Toyota. Os interesses e aptidões
dos alunos são avaliados durante os últimos anos do ensino
fundamental, e os estudantes recebem escolhas e indicações
que se adaptam às suas competências. Há três carreiras gerais
dentro da Toyota: trabalho de produção, trabalho de
manutenção especializada (solda, elétrica, programação de
robôs, etc), engenharia. Com base nessas escolhas, é possível
escolher três caminhos educacionais distintos. A maioria dos
alunos que escolhe trabalhar para a Toyota quando se forma
na escola local opta pelo caminho do trabalho de produção. Na
Escola de Ensino Médio Toyota, eles vivem em dormitórios e
aprendem, trabalham e se divertem juntos. É claro que
continuam a aprender as matérias tradicionais, como japonês e
aritmética, mas também são expostos ao Modelo Toyota,
incluindo aspectos técnicos da construção de carros, os
componentes do STP [Sistema Toyota de Produção] e os
valores e componentes interpessoais do trabalho em equipe e
da cultura Toyota.
É a real orientação de um sistema escolar quase em sua plenitude pelo
modelo de produção atual, sem qualquer possibilidade de concessão por parte
do primeiro, conforme Liker e Hoseus (idem) “quando a Toyota começou sua
fábrica no Kentucky, o desenvolvimento de seu próprio sistema escolar
formador não era uma opção”.
Tendo por base ainda a instalação da fábrica em Kentucky, a relação
exemplificada anteriormente no Japão também foi posta em ação nos EUA:
após um rigoroso processo de seleção de pessoas para trabalharem na filial,
foi constatado que somente 5% das pessoas avaliadas possuíam as
qualidades e habilidades necessárias correspondentes ao “padrão Toyota” de
produção, pois “com o tempo a Toyota queria mais produtividade, e decidiu
colaborar criativamente com a comunidade para aumentar a capacidade dos
trabalhadores disponíveis para contratação, semelhante ao que a empresa faz
no Japão” (LIKER; HOSEUS, 2009, p.94).
Constata-se uma necessidade intrínseca ao sistema de produção em
questão, de gerir e controlar a formação da força de trabalho e reduzir, por
meio do “assalto” aos currículos escolares, os princípios inexoráveis da
educação a meros instrumentos de incorporação dos ideais referentes ao seu
modo de intensificação da racionalização produtiva. Assim como o próprio
Sistema Toyota de Produção é uma síntese de múltiplas determinações
historicamente constituídas, constituindo-se por meio de referenciais políticos e
econômicos mundiais e de condições próprias da cultura japonesa, a relação
entre esse sistema e os preceitos educacionais postos para o século XXI
também sofre múltiplas influências, principalmente do plano organizacional
orientado à valorização do valor via racionalização produtiva. Nesse sentido é
preciso verificar até que ponto o programa de treinamento TWI, desenvolvido
com base nas necessidades do complexo militar-industrial21, serve de base
para a ideologia educacional conhecida como “os pilares” para a educação do
século XXI e como o conteúdo de tal ideologia dá sustentação para a
consolidação
no
plano
organizacional e
educacional das tecnologias
gerenciais, tema de nosso próximo item.
21
Para mais informações ver o item 16.2 intitulado “O significado do complexo militarindustrial”, presente na obra de Mészarós (2002), Para além do Capital.
As imbricações existentes entre os Quatro Passos (do TWI) e os “Quatro
Pilares” (da educação)
Pretendemos demonstrar nesse item as aproximações e similaridades
existentes entre o método dos Quatro Passos de Charles Allen, (que serviu de
base para o TWI, a base conceitual do Sistema Toyota de Produção) e o dos
Quatro Pilares para a educação do século XXI, idealizados por Jacques Delors
(que se constituem como a materialização no plano educacional dos ideais de
formação da mão-de-obra no referido sistema produtivo). As duas propostas
(os Quatro Passos e os Quatro Pilares) constituem-se projetos de introjeção
dos ideais previstos para o novo padrão produtivo, que adquire uma
abrangência global nos últimos 30 anos. Inerentemente, ambas são formas de
implementação na produção da racionalidade do capital, que implicam
necessariamente em mudanças e transformações na formação profissional da
força de trabalho.
Particularmente, as ideias previstas no conjunto dos programas aqui
analisados, por si sós, não impõem uma intervenção direta na realidade, mas
devem ser materializadas por intermédio de agentes “treinados” para tal
intento, ou seja, a perspectiva de busca de uma racionalização na produção
capitalista deve ser objetivada a partir da intervenção de seus executores que,
no caso, podem ser desde gestores organizacionais até pessoas com cargos
de comando e gestão na educação, como por exemplo, professores.
Um dos primeiros itens que podemos constatar em termos de
aproximação e similaridade fica por conta do item “Preparação” referente ao
método dos Quatro Passos e o primeiro pilar “Aprender a conhecer” de Delors:
a “preparação” tem em sua definição o fato de haver uma necessidade de
sensibilizar o trabalhador em formação para o ato de aprender e que para tal
intento, o conhecimento novo deve ser ancorado em um pré-existente, situação
muito próxima em termos conceituais do que propõe o “aprender a conhecer”,
que privilegia “o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento”
(DELORS, 2003, p. 90) ante a necessidade de saberes específicos.
O pilar “Aprender a fazer” é a síntese do que é preconizado pelos
“Programas J” do TWI e pelo item “Aplicação” dos Quatro Passos: a
necessidade de desenvolver-se um conjunto de habilidades e competências,
particularmente nos professores/instrutores, que supram as necessidades de
um novo paradigma produtivo. Mesmo que os “Programas J” estivessem
pautados em uma base taylorista/fordista, a racionalidade que permeia
historicamente a relação entre ambos é a de obter-se um controle sobre a
formação da mão-de-obra indispensável para a perpetuação de qualquer
sistema produtivo, saindo dessa forma de um controle sobre tempos e
movimentos, e passando para o controle de competências e habilidades que
estimulam a utilização da subjetividade humana no ambiente produtivo.
Necessariamente, Delors indica que há uma relação entre o pilar “aprender a
fazer” com o sistema Toyota de produção ao afirmar que:
O aumento de exigências em matéria de qualificação, em todos
os níveis, tem várias origens. No que diz respeito ao pessoal
de execução a justa posição de trabalhos prescritos e
parcelados deu lugar à organização em “coletivos de trabalho”
ou “grupos de projeto”, a exemplo do que se faz nas empresas
japonesas: uma espécie de taylorismo ao contrário. (DELORS,
2003, p. 94).
O “aprender a viver juntos” tem em sua concepção uma aproximação
ao que foi proposto por um dos itens dos “Programas J” chamado “Relações de
Trabalho”: a criação e implementação de um conjunto de técnicas e métodos
que estimulem o convívio harmonioso entre e intra níveis hierárquicos, e o
trabalho cooperado por meio de objetivos comuns previstos tanto para a
produção como para a organização como um todo. O controle sobre as
relações sociais no ambiente produtivo é uma condição fundamental e que foi
pensada e viabilizada desde os Quatro Passos até os “Quatro Pilares” sendo
que nestes, o objetivo econômico central foi mascarado por objetivos
“humanizadores” previstos para a educação no século XXI. Este controle passa
necessariamente pelo expurgo e anulação da produção de organismos
incentivadores da não-conciliação dos objetivos da força de trabalho aos
objetivos empresariais, como, por exemplo, os sindicatos e os partidos
políticos, sendo o Japão pós-guerra, o caso primordial de tal condição22. Os
itens “Teste” e “Aprender a ser” aproximam-se por tratar-se de sínteses dos
22
Para um maior aprofundamento dessa questão, ver Oliveira (2004).
itens componentes de cada proposta de formação, previstas nos Quatro
Passos e nos “Quatro Pilares” respectivamente.
Analisando o encadeamento histórico dessas propostas constata-se
que é dada à formação profissional e a educação, como fontes de
desenvolvimento
das
capacidades
físicas
e
cognitivas,
poderes
que
ultrapassam as suas condições ontológicas no que se refere às possibilidades
reais de estabelecer-se uma relação direta entre o aumento da qualificação
profissional e o desenvolvimento econômico e social em uma perspectiva
generalizante, enveredando dessa forma para um caminho contrário à lógica
imposta pelo capital.
Considerações finais.
Conforme evidenciado em nosso estudo, as tecnologias gerenciais,
enquanto uma manifestação da aplicação tecnológica das ciências, em
especial das Ciências Humanas e Sociais, contribuem decisivamente para
A unidade coletiva na cooperação, a combinação na
divisão do trabalho, a utilização das forças naturais e das
ciências, dos produtos do trabalho como maquinaria, tudo
isto se contrapõe aos operários individuais, de forma
autônoma, como um ser alheio, objetivo, que lhes préexiste, que está ali sem o seu concurso e amiúde contra o
seu concurso, como meras formas de existência dos
meios de trabalho que os dominam e são independentes
deles, na medida em que essas formas (são) objetivas.
(MARX, 1985, p.127)
Torna-se importante realçar as características que indicam uma
situação de continuidade e descontinuidade existente entre os sistemas de
produção observando principalmente as aproximações pelo Enfoque das
Relações Humanas sendo que, para tanto, este atuava diretamente no
enfrentamento aos sindicatos e a necessária submissão dos mesmos aos
ditames do capital, condição objetivada concretamente pelo Sistema Toyota de
Produção em sua gênese no Japão pós-guerra.
No que se refere à educação, o processo de continuidade e
descontinuidade
presente
na
relação
existente
entre
o
Sistema
Taylorista/Fordista e o Sistema Toyota de Produção, pode ser observado a
partir de nossa análise acerca do desenvolvimento histórico existente entre o
método dos ‘Quatro Passos’ de Charles Allen, o Training Within Industry (TWI),
o modelo de gerenciamento no Sistema Toyota de Produção e os princípios
elencados pelos ‘Quatro Pilares para a Educação do século XXI’ de Jacques
Delors. O fio condutor que interliga todos estes métodos e orientações é a
racionalização necessária à valorização do valor, que necessita se apropriar
dos nexos causais existentes na relação entre trabalho e educação, onde que a
subsunção real do trabalhador não é suficiente para que os níveis de extração
de sobrevalor se mantenham em um patamar aceitável, pois este vem se
desenvolvendo para que haja a subsunção total do ser social ao capital.
Para tanto, o controle deve se manifestar objetiva e subjetivamente
tanto no espaço da fábrica quanto no espaço educacional (quando ambos não
se encontram sobre o mesmo teto). Nesse caso torna-se imprescindível a
utilização de métodos, técnicas e princípios orientadores que dão sustentação
ideológica para o processo de subsunção total do ser ao capital,
providenciando a relação direta entre trabalho e educação determinada pela
valorização do valor. Historicamente essa relação evidencia-se a partir do
Enfoque das Relações Humanas, onde a aplicação tecnológica das Ciências
Humanas e Sociais tem uma contribuição determinante para a manipulação da
força de trabalho através do controle não somente pautado na coerção, mas
principalmente em elementos de persuasão, característica fundamental
observada no desenvolvimento das tecnologias gerenciais.
Sendo assim, independente da ‘forma’ na qual os preceitos da
subsunção total do ser ao capital se manifestem – seja por meio dos ‘Quatro
Passos’, do TWI, do gerenciamento toyotista ou através dos ‘Quatro Pilares
para a Educação do Século XXI’ -, a essência permanece inalterada, onde o
controle objetivo e subjetivo do trabalho cooperado inerente à relação entre
trabalho e educação, materializa o processo de racionalização do capital e
consequentemente da valorização do valor. Ambas as manifestações da
subsunção total do ser ao capital, calcadas no pragmatismo inerente a
racionalização do capital, atuam junto aos trabalhadores/alunos como
princípios, ‘palavras de ordem’, que não sugerem dúvidas, mas sim certezas
absolutas, processo que vai de encontro aos princípios da aplicação
tecnológica da ciência voltada à emancipação e aos valores propostos pelo
universo acadêmico-científico crítico pautado no questionamento e na incerteza
no tocante à ‘verdades absolutas’.
Destarte, os métodos e técnicas presentes na relação entre trabalho e
educação, independente de sua forma assumida historicamente em comum
acordo com o sistema de produção vigente, a essência dessa relação está
pautada na racionalização do trabalho cooperado e no pragmatismo capitalista
no que se refere à valorização do valor.
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GT 09
SESSÃO 3
30/10/2013
ID 399
A SITUAÇÃO DOS EGRESSOS (2010 – 2014) DOS CURSOS TÉCNICOS DE
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL DA REDE FEDERAL DE ENSINO, NA ÁREA
DA INFORMÁTICA, NO PARANÁ
Candida de F. Deichmann Santos Lima
Resumo
No contexto das transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho a
partir dos anos 70 sob a perspectiva de novos paradigmas tecnológicos e
organizacionais como a flexibilização da produção, dos processos e das
relações contratuais, o trabalho informacional se destaca. Para se conhecer
mais sobre como este se configura na realidade dos trabalhadores,
analisaremos a situação dos egressos de cursos técnicos da rede federal de
ensino profissional (2010 – 2014), especificamente do Instituto Federal do
Paraná, ligados ao trabalho informacional. Buscaremos analisar como se dá a
inserção desses egressos no mercado, o perfil desse trabalhador e, em
especial, como ocorre a qualificação e atualização num setor de constante
inovação. Acreditamos que esses egressos estão sujeitos às mais variadas
condições e relações contratuais de trabalho, boa parte delas precárias, em
relações de emprego disfarçadas pelo uso de “PJs”, apesar de serem
trabalhadores qualificados. Como o presente trabalho se configura como um
comunicado de pesquisa, análises preliminares indicam a valorização pelo
mercado de certas habilidades subjetivas deste trabalhador. Apesar do nível de
escolaridade ser um atributo importante, igualmente é a atualização “técnica”
rotineira do profissional em programas, softwares, etc., sendo esta realizada
por iniciativa do trabalhador, geralmente de maneira autodidata e virtualmente.
Palavras-chave: qualificação, educação profissional, egressos da
educação profissional, trabalho informacional, setor da informática no
Paraná.
INTRODUÇÃO
O trabalho aqui apresentado está ligado à linha de pesquisa Trabalho,
Inovações Organizacionais e Inclusão social do departamento de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. No âmbito do
Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade - GETS tem destaque a pesquisa
realizada sobre as redes de empresas, trabalho e relações de trabalho no setor
de informática no Paraná. Este, enquanto setor econômico, não é ainda tão
expressivo no cenário brasileiro e paranaense se comparado a outros setores,
mas é emblemático no sentido de ser uma fronteira no que se refere às
modificações no mundo do trabalho.
O presente trabalho se constitui numa aproximação inicial e numa
reflexão acerca do seu objeto de estudo, quer seja, o trabalho informacional e o
processo de qualificação dos trabalhadores deste setor.23 Mas, afinal, o que é
esse trabalho dito “informacional”?
No esteio das grandes transformações que vêm ocorrendo no mundo do
trabalho,
sob
a
perspectiva
de
novos
paradigmas
tecnológicos
e
organizacionais a partir dos anos 70, como a flexibilização do trabalho e das
relações
contratuais,
informacional.
tem
destaque
o
desenvolvimento
do
trabalho
Wolff (2009), ao discutir a reificação da informação sob os
novos paradigmas organizacionais adotou esse conceito para designar o
conjunto das atividades relacionadas com as novas tecnologias de informação
e comunicação (TICs). Para a autora a cognição vira matéria-prima tal qual um
insumo na produção material, o que permite, portanto, ao capital explorar não
só o trabalho dito material, como também o imaterial (idem, 2009). Essa visão
se contrapõe à ideia de um trabalho imaterial emancipador, que toma o
conhecimento e a técnica como uma nova forma de poder que não pode ser
apreendida pelo capital. Autores como Gorz (2005), Negri (1991;1993) e
Lazzarato (1993; 2001) acreditam que o conhecimento não pode ser
considerado “mercadoria”, estando livre da proletarização que ocorre com o
trabalho material. Amorim (2009), concordando com Wolff, combate a tese de
que o trabalho imaterial está livre do controle capitalista: mesmo que a
informação seja considerada um subproduto do trabalho imaterial, ainda sim
ela é constituída por tempo de trabalho explorado e não pago.
Nesta perspectiva, o trabalho informacional se submete à mesma lógica
de acumulação capitalista taylorista-fordista sujeita a todo tipo de precarização
e amarras que o controlam, fazendo-o ser como afirmou Braga (2009, p. 65),
ao mesmo tempo “contemporâneo e retrógrado, oportuno e inoportuno...”, ou
seja, o trabalho informacional está no centro das mudanças no sistema
23
Essa aproximação e reflexão acerca das configurações e especificidades do trabalho
informacional servirão de base para o desenvolvimento e elaboração posterior de uma tese de
doutoramento.
capitalista contemporâneo, trazendo inovações em termos de produtos e
serviços, bem como implicações para os trabalhadores de vários setores da
economia. Ao capital interessaria, pelo uso das tecnologias da informação,
diminuir o custo da força de trabalho, reduzindo o número de trabalhadores
necessários para produzir e fazer circular a mesma quantidade de mercadorias.
Pretende-se, assim, por meio da pesquisa empírica, contribuir com a
Sociologia do Trabalho no sentido de conhecer mais sobre como o trabalho
informacional se configura na realidade dos trabalhadores, em especial
entender como se dá a qualificação do profissional num setor tão dinâmico e
inovador como é o caso da informática. Para tanto, identificaremos a situação
dos egressos de cursos técnicos da rede federal de ensino profissional ligados
ao trabalho informacional. Serão analisadas as condições de inserção e de
trabalho desses egressos formados entre os anos de 2010 e 2014 do Instituto
Federal do Paraná nos vários campi da instituição espalhados pelo Estado.
Isso permitirá verificar e comprovar, ou não, a hipótese de que esses egressos
estão sujeitos às mais variadas relações contratuais, sendo boa parte delas
precárias, com jornada de trabalho intensificada, sem carteira assinada,
temporárias ou por projeto, muitas vezes em relações de emprego disfarçadas
pelo uso de “PJs” (pessoas jurídicas) apesar de ser exercido por trabalhadores
qualificados. Tal constatação poderá corroborar com a tese de autores como
Amorim (2009) e Wolff (2009) de que o capitalismo continua, mesmo no
trabalho informacional, se apropriando de trabalho explorado e não pago ao
trabalhador e o submetendo à condições flexíveis e precárias de atuação para
otimizar essa acumulação.
Também será possível perceber e apreender as imbricações da situação
do trabalho informacional com a educação profissional, uma vez que, segundo
o PPA 2012-2015 (Brasil, 2011), esse egresso é fruto de uma política pública
que pretende, pelo menos enquanto discurso, garantir a expansão qualitativa e
quantitativa do número de profissionais que ainda é escasso se comparada
com as necessidades do setor produtivo. Até que ponto essa política pública
está conseguindo inserir seus alunos no mercado de trabalho? Eles estão
encontrando um emprego e em que condições? Qual o padrão de contratação
e o perfil desses egressos na área da informática no Paraná? Há alguma
distinção em termos de região, gênero, idade ou atividades exercidas?
Na primeira parte deste trabalho, que se constitui em uma comunicação
de pesquisa, serão feitas considerações metodológicas acerca da pesquisa
empírica e uma breve revisão da literatura. Em seguida, serão analisadas
algumas informações preliminares obtidas nesta e em outras pesquisas em
andamento, em especial as realizadas no GETS, e as perspectivas em termos
de possíveis contribuições que a presente pesquisa poderá trazer para se
conhecer um pouco mais sobre o trabalho informacional e suas configurações
na realidade paranaense.
1. AS MODIFICAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O TRABALHO
INFORMACIONAL
Como mencionamos anteriormente, a pesquisa tem como objetivo
central verificar como se dá a inserção do egresso de cursos técnicos ligados
ao trabalho informacional, do IFPR, no mercado de trabalho em termos de
qualificação,
bem
como
levantar
aspectos
ligados
à
remuneração,
regulamentação e condições de trabalho. Nesse sentido, para analisarmos o
mundo do trabalho precisamos, como lembra Leite (2009), estar atentos ao
contexto de mudanças econômicas, políticas e sociais que o tem atingido.
Assim, é necessário entender os processos de globalização e reestruturação
produtiva como um novo rearranjo social, e não somente como “uma
acomodação do modelo de acumulação ao desenvolvimento tecnológico, ou
uma adequação do mercado financeiro e produtivo ao caráter flexível das
novas tecnologias” (LEITE, 2009, p. 68). Segundo Castel (1998), as mudanças
são frutos de decisões políticas de setores da sociedade que resolveram
romper o pacto entre capital e trabalho, bem como desmantelar conquistas
conseguidas dentro da sociedade salarial. É nesse sentido que se pode
entender a crise das políticas keynesianas do Estado de Bem-Estar Social, as
mudanças no caráter do Estado e o advento das políticas neoliberais que terão
um profundo impacto no trabalho (LEITE, 2009). Por isso o levantamento
bibliográfico é necessário no sentido de se realizar uma discussão acerca
dessas mudanças e dos seus impactos nos conceitos – como o de
informalidade, precarização e trabalho atípico - formulados dentro da
Sociologia do Trabalho e que tratam das novas configurações do trabalho.
Estabelecer quais definições serão utilizadas para conceitos como esses é
fundamental para se identificar a intensidade e as formas da flexibilização que
se configura na realidade brasileira e paranaense. Como se conhece ainda
muito pouco sobre isso, é igualmente importante verificar se muitos dos
conceitos hoje utilizados pela Sociologia do Trabalho são suficientes ou válidos
para analisar um setor relativamente novo, emblemático por nascer e se
desenvolver dentro de um contexto econômico-social já flexível.
Assim, a revolução tecnológica que vem ocorrendo a partir dos anos 70
no quadro da crise do modelo de produção taylorista-fordista e instaurando um
novo modo de acumulação chamada de flexível (HARVEY, 1973), traz as
tecnologias da informação, principalmente o computador, como centro do
processo de organização, primeiramente do processo produtivo, para depois
espraiar-se para todos os níveis da organização, uma vez que a transformação
da informação em dados (ou softwares) permite a promoção de rápidas
inovações tanto nos produtos quanto nos processos organizacionais (WOLFF,
2009). Além disso, essa flexibilização também incide sobre as relações de
produção.
Para Benko (1996), a crise do modelo fordista-taylorista significou uma
ruptura - um momento histórico - e não uma lenta transformação ou refluxo de
exploração do capital em relação à força de trabalho. A “era eletrônica” da
acumulação capitalista passa pelo reexame do “compromisso” da relação
salarial fordista, pela busca de novas fontes de produtividade, num cenário de
acirramento e aumento da complexidade da concorrência intercapitalista. É o
sistema produtivo que tem de se adaptar ao mercado e não o contrário. Ocorre
também uma nova configuração internacional da divisão do trabalho com o
deslocamento das unidades para locais de baixos salários, unidades menores
de produção com processos mais flexíveis e aos mais baixos custos possíveis
de produção. Mas isso não quer dizer que essa transição seja homogênea,
pelo contrário, ela é híbrida: ocorre a coabitação entre as atividades nobres do
pós-fordismo
metropolitano
e
plantas
industriais
que
mediante
uma
deslocalização delega processos de trabalhos “tradicionais” à locais com força
de trabalho barata. O capital se serve desse período para se reorganizar,
aproveitando as oportunidades geográficas e tecnológicas que lhes são
oferecidas.
Segundo Harvey (1993), a flexibilização pode se dar sob diversas
formas: flexibilidade para contratar e demitir funcionários, flexibilidade na
jornada de trabalho, flexibilização dos processos de trabalho e também do
vínculo empregatício, o que tem levado, segundo Leite (2009), a um
crescimento de formas de trabalho que, do ponto de vista da sociedade salarial
(Castel, 1998), eram consideradas atípicas: o trabalho por conta própria - as
“pessoas jurídicas” ou PJs -, ou seja, trabalhadores que têm de abrir uma
empresa para poder prestar serviços; em tempo parcial; por prazo
determinado; sem carteira assinada; cooperativado. Leite (2009) então
questiona: como falar em trabalho atípico se este está se tornando cada vez
mais comum?
Nesse último caso, dos cooperativados, como lembra Druck e Franco
(2009), as pesquisas têm indicado um grande número de cooperativas
fraudulentas, bem como o fato destas terem se tornado o tipo de terceirização
“mais perversa” que se difundiu nos últimos anos, pois “precarizam o trabalho
de forma legal – cobertas pela legislação que também é flexível – e alimentam
uma ilusão para aqueles trabalhadores que acreditam ser a cooperativa uma
alternativa de autogestão e de um trabalho solidário, muito além de uma
alternativa ao desemprego.” (idem, p. 239). Aliás, a terceirização é uma das
principais opções para o capital em termos de flexibilidade, uma vez que os
contratos de trabalho se ajustam às necessidades das empresas em relação à
duração, jornada, produtividade, salários, jogando toda a responsabilidade pela
gestão da mão de obra e dos custos trabalhistas para o terceiro.
Em relação ao conceito de informalidade, trata-se, como adverte Leite
(2009), de um conceito polissêmico à medida que pode ter vários significados e
não há uma unanimidade sobre seu uso entre os autores24. O fato é que ele
está intrinsecamente ligado à flexibilização e não pode mais deixar de ser
considerado um trabalho produtivo e capitalista25.
24 Ver a discussão completa sobre o conceito de informalidade em Leite (2009).
3
Trabalho informal é aqui entendido como aquele exercido sem carteira assinada.
Para Castel (1998) a desconstrução do Welfare State, ou da sociedade
salarial constituída dentro do sistema taylorista-fordista de produção, significa a
perda da relativa coesão social obtida arduamente no século XX, bem como o
desmonte das conquistas sociais conseguidas pelos trabalhadores no Estado
de Bem-estar social. Com o ressurgimento das idéias neoliberais no final dos
anos 70 na Inglaterra, no governo Tatcher, e nos EUA, no início da década de
80, com Reagan, a flexibilidade se converte também na ideia de uma mínima
interferência do Estado (Estado mínimo) em termos de geração de empregos,
dando às empresas grande liberdade de gestão social e fiscal. Tal atitude
favorece a economia informal com o aprofundamento da precarização das
relações de trabalho (Benko, 1996)26.
No Brasil, o ideário neoliberal se faz sentir a partir do final dos anos 80.
Até então o mercado brasileiro era fechado e a indústria da informática,
portanto, protegida. Com a abertura da economia, dentro da onda neoliberal
que inunda o país, a indústria da informática teve que se ver às voltas com a
competição
internacional.
Nesse
sentido,
foi
sendo
necessária
uma
capacitação técnica maior por parte dos trabalhadores, principalmente na
produção de softwares e processamento (TAUILE, 2001).
Em relação ao trabalho precário o que o caracteriza? Para se definir
esse conceito é interessante levar em consideração a reflexão feita por Leite
(2009) na qual, considerando as transformações recentes, o termo adquire
novos conteúdos. Assim, consideramos trabalho precário aquele que é instável,
inseguro, temporário e com pouca ou nenhuma proteção social. É importante
mencionar que a precarização não fica apenas restrita à esfera do trabalho. Na
maioria das vezes se espraia para a vida familiar empobrecendo famílias,
atingindo a saúde do trabalhador, modificando as relações sociais (LEITE,
2009; DRUCK e FRANCO, 2009)27.
Outra consequência da precarização é a fragmentação na organização
sindical que dificulta a mobilização dos trabalhadores. Segundo Wolff (2009),
26 O Brasil nunca chegou a ter um Estado de Bem-estar social aos moldes dos países
capitalistas centrais, mas mais próximo de um fordismo periférico. Sobre este conceito ver
BENKO, 1996.
27
Vale ressaltar que o presente trabalho concorda com Leite (2009) que, a despeito do avanço
da precarização, o trabalho continua sendo central na vida das pessoas para garantir a sua
sobrevivência. Além disso, continua a ser referência para a formação das identidades sociais.
no caso dos trabalhadores da área informacional, estes estão submetidos à
mesma lógica de precarização que os demais trabalhadores: precarizados pelo
desemprego, pela informalidade, pelas condições de trabalho, sugados no seu
conhecimento28. Nesse sentido, Amorim (2009), contesta a ideia de que o
trabalho imaterial é libertador, autônomo. Discordando de autores como André
Gorz, Antonio Negri e Maurizio Lazzarato, afirma que o discurso do trabalhador
emancipado, cognitivo, serve para dissolver a consciência de classe e não
muda a relação de exploração da força de trabalho para a produção de maisvalia, seja no setor industrial, seja no de serviços.
No que se refere à criatividade e à inovação presentes no trabalho
imaterial, Wolff (2009) faz uma análise interessante ao afirmar que este não é a
todo o momento qualificado e inovador. Para ela, o trabalhador vai alternando
momentos de trabalho criativo com momentos de mera manutenção de
sistemas que, com a automação, tornam o trabalho redundante, desqualificado.
Véras (2006) também chama a atenção para outro aspecto importante
que é o deslocamento da noção de qualificação para o de competência. Isso
significa, ao mesmo tempo, um deslocamento do paradigma fordista de
produção para um novo paradigma, o flexível, não sendo suficiente ao
trabalhador apenas “saber fazer”, mas também “saber agir”, ser flexível,
inovador, criativo, ou seja, ser competente. Parte-se da premissa que o
trabalhador deve estar apto a enfrentar, juntamente com a empresa, a
concorrência acirrada e competitiva presente no mercado. Portanto, dentro
dessa ótica, não basta mais ao trabalhador apenas adquirir conhecimento: ele
precisa desenvolver competências para torná-lo empregável, de forma a
“ampliar” o seu valor no mercado de trabalho. A responsabilidade pelo sucesso
28 Alves e Rosenfield (2011), por exemplo, ao analisar o trabalho de teletrabalhadores,
constatam que mesmo o trabalho informacional independente, sem subordinação, ou seja, por
conta própria, acaba se subordinando, em maior ou menor grau, às imposições do mercado.
Para elas, o trabalho imaterial, em especial o teletrabalho, é muito mais trabalho flexível do que
autônomo. A autonomia verificada na pesquisa diz mais a respeito da autonomia de controlar a
si mesmo, de controlar o tempo ou local de trabalho. Ademais, o trabalhador está sujeito à
subordinação do mercado ou às empresas que lhe pagam o salário.
ou fracasso da permanência e “atratividade” do trabalhador no mercado, passa,
portanto, a ser dele.
A preocupação com a qualificação enquanto política pública aparece na
Europa pós-guerra e nos Estados Unidos na consolidação dos métodos
tayloristas/fordistas
de
produção.
É
nessa
época
que
os
Estados
desempenharam uma ação reguladora – e central - em países europeus e
latino-americanos no que se refere aos acordos coletivos de trabalho
juntamente com os sindicatos e empresas para apoiar e organizar sistemas
nacionais de formação profissional inicial (tanto na formação escolar quanto
contínua) no intuito de ampliar os lucros do capital e a renda dos trabalhadores.
Nesse sentido, a educação e a qualificação profissional passam a ser vistas
não apenas por seus aspectos econômicos, mas também sociais, pelo fato de
possibilitarem ao trabalhador o pleno emprego. A certificação profissional
passa a ser objeto de políticas públicas acordadas nas convenções trabalhistas
(PRESTES; VÉRAS, 2009).
No Brasil a preocupação com qualificação enquanto política pública é
relativamente recente. A primeira política pública foi o Programa Intensivo de
Preparação de Mão de Obra (PIPMO) de 196329. O Sistema Nacional de
Emprego (SINE) surge apenas em 1975 como serviço de intermediação de
mão de obra quando o Ministério do Trabalho também passou a gerir o PIPMO.
Segundo Prestes e Véras (2009) foi somente nos anos 90 que o governo
brasileiro, sob influência de organismos internacionais como a Organização
Internacional do Trabalho – OIT, o Banco Interamericano de Desenvolvimento BID e o Banco Mundial, resolveu assumir a responsabilidade de implantar
medidas articuladas para tratar da questão da qualificação. É nesse contexto
que surge o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Conselho Deliberativo
do FAT – CODEFAT. Em 1993 inicia-se a qualificação para beneficiários do
seguro-desemprego e em 1995 o governo institui o Plano Nacional de
Educação Profissional - PLANFOR, financiado pelo FAT, cujo objetivo era
formar uma rede de educação profissional em todo o Brasil para qualificar,
sobretudo os não escolarizados e os desempregados, e contou com ampla
29 É importante destacar que houve a criação do “Sistema S” a partir de 1940.
participação do sistema S, bem como de organizações não governamentais ONGs, centrais sindicais, entre outros. À formação do “saber fazer”, dentro de
uma ótica fordista de qualificação, somam-se novas competências: o “saber
ser” e o “saber aprender” dentro de um paradigma flexível visando a
empregabilidade do trabalhador. No entanto, o programa não alcançou os
resultados esperados.
Em 2003, já no governo Lula, o PLANFOR é substituído pelo Plano
Nacional de Qualificação (PNQ). Segundo Prestes e Véras (2009) o PNQ
contou com uma nova visão da qualificação, questionando a noção de
empregabilidade,
tratando-a
como
um
direito
social.
Apesar
dessa
reorientação, as políticas de qualificação ficaram mais restritas ao Ministério do
Trabalho e Emprego e a educação profissional, particularmente a de nível
médio e superior, ao Ministério da Educação, tomando, assim, caminhos
diferentes.
No que se refere à educação profissional, a sua história no Brasil esteve
ligada às camadas mais baixas da população que executavam as tarefas
manuais e que, para tanto, precisavam do ensino profissional (AZEVEDO,
1996). A partir dos anos 30 e 40, com a industrialização, passa-se
gradativamente a exigir que o ensino profissional prepare os trabalhadores
para atuarem dentro dos princípios tayloristas-fordistas de produção.
Em 1971, a lei 5.692 reformulou o ensino primário e secundário e
estabeleceu a profissionalização como regra geral para o ensino médio. Em
1982, a lei 7.044 desfez a obrigatoriedade da habilitação profissional. Em 1997,
durante o primeiro governo FHC (1995-1998), foi baixado o Decreto n. 2.208, o
qual especificava como sendo três os níveis de educação profissional: o
básico, o técnico e o tecnológico. O decreto também proibiu o ensino técnico
integrado ao ensino médio. Nesse sentido, a educação volta a ser separada do
ensino regular. Para Frigotto e Ciavatta (2006) há uma clara dissociação entre
o agir e o pensar: “a dualidade do Ensino Médio e Técnico embasa-se numa
concepção epistemológica e ontológica em que se supõe a possibilidade de
separarem-se as dimensões gerais e específicas do conhecimento e os
aspectos técnicos dos ideológicos e políticos” (IDEM, p. 359).
No primeiro governo Lula (2003-2006) há a revogação do decreto
2.208/97 por meio do Decreto 5.154, de julho de 2004, que permitiu que o
ensino médio voltasse a ocorrer de maneira integrada com a educação
profissional. Em 2007, o governo federal lançou o programa Brasil
Profissionalizado, o qual, por sua vez, visava fortalecer as redes estaduais de
educação profissional e tecnológica, repassando recursos para que os estados
investissem em suas escolas técnicas. Em 2008 são criados os Institutos
Federais por meio da Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008. Segundo a lei,
os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e
profissional, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica
nas diferentes modalidades de ensino, conjugando conhecimentos técnicos e
tecnológicos com suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008). Grande parte
dos institutos nasce a partir dos Centros Federais de Educação Tecnológica, os
CEFETs. No caso paranaense, como o CEFET havia se transformado em
“universidade tecnológica”, o Instituto Federal do Paraná acaba surgindo a
partir da Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná. Atualmente o
IFPR conta com 14 campi espalhados pelo Estado, além de outros 6 em fase
de implantação, dentro da expansão da Rede Federal de Ensino profissional,
Científica e Tecnológica. Em 2013 o IFPR conta com 7.944 alunos na
modalidade presencial. A estimativa, segundo dados da instituição, é chegar a
20.000 alunos presenciais ao término da expansão da rede no Paraná (Instituto
Federal do Paraná (IFPR), 2013). Ao todo são 76 cursos técnicos, 17
superiores e uma especialização na modalidade presencial no Paraná30.
A educação profissional tem se constituído numa prioridade para o
governo federal nos últimos mandatos (Lula e Dilma). Em comparação à
previsão do Plano Plurianual - PPA 2008-2011, o PPA 2012-2015 demonstra
30
Para a criação de novos cursos, segundo norma interna da instituição, é necessário haver
um debate com a comunidade baseando-se em indicadores econômicos, sociais e culturais da
realidade regional que subsidiem a discussão e justifiquem a proposta de abertura de um novo
curso. Essa proposta deve ser encaminhada à coletividade do campus e ao Conselho Diretor
para aprovação e posterior elaboração de um Projeto político Pedagógico. Este será
encaminhado para análise da Pró-reitoria de Ensino - PROENS, do Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão - CONSEPE e o Conselho Superior – CONSUP (IFPR, 2011).
um aumento de quatro pontos percentuais na participação da educação técnica
e profissional no total de recursos orçamentários da União alocados aos
programas geridos pelo Ministério da Educação - MEC (POLÍTICAS SOCIAIS,
2012). Além disso, outras políticas públicas vêm sendo adotadas pelo MEC em
relação à educação profissional e tecnológica, particularmente com a expansão
da rede federal e o acordo feito com o Sistema S, bem como o Programa
Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC. O governo
federal tem como meta atingir a marca de oito milhões de matrículas na
educação profissional em nível técnico, ou seja, oito vezes mais do que as
matrículas realizadas em 2010.
O PPA 2012-2015 traz como meta a ser alcançada pela educação
profissional e tecnológica o atendimento das necessidades do mercado de
trabalho, mas também formar um profissional crítico, consciente e agente
transformador para buscar a diminuição da desigualdade social no país. Em
tese, o discurso se enquadra numa visão republicana, a qual, segundo Véras
(2006), se constitui numa perspectiva dos direitos sociais, como um elemento
articulado entre trabalho, emprego e renda, bem como entre formação
propedêutica, técnico-profissional e cidadã, se contrapondo a visões liberais e
clientelistas de qualificação. Constitui-se aí um campo em aberto para ser
explorado por pesquisas empíricas que poderão nos dizer se as novas políticas
públicas de educação e qualificação, notadamente a atuação dos Institutos
Federais, constituem-se em políticas que realmente estão promovendo uma
formação para a cidadania e se consolidando enquanto direito social. É
importante lembrar que a entrada de novos alunos na instituição hoje é feita, na
sua maioria, por meio de cotas sociais e raciais.
Atualmente, no Brasil, aproximadamente 300 mil alunos estão
matriculados em cursos de ensino médio integrado ao técnico, que é aquele
em que o aluno cursa as disciplinas normais do ensino médio juntamente com
as disciplinas técnicas e, ao final do curso, recebe o certificado de “Técnico”. O
curso dura, em média, de 3 a 4 anos. Além desta modalidade há ainda a
concomitante e a subsequente. A primeira se refere àqueles alunos que fazem
o ensino médio em uma escola e poderão fazer o ensino técnico
concomitantemente em outra que ofereça curso técnico. Já a modalidade
subsequente é para aqueles alunos que já concluíram o ensino médio e
desejam fazer apenas o curso técnico. Estes têm normalmente a duração de
18 a 24 meses, dependendo da área de concentração e da carga horária
mínima estipulada pelo MEC.
De acordo com o Censo Escolar Brasileiro da Educação Básica,
somando-se os alunos matriculados nos três tipos de oferta de ensino técnico
(integrado, concomitante e subsequente) é possível encontrar os números
demonstrados na tabela a seguir.
NÚMERO DE MATRICULAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL POR DEPENDÊNCIA
ADMINISTRATIVA – BRASIL – ANO - 2007-2012
Ano
Total
Federal
Estadual
Municipal
Privada
2007
780.162
109.777
253.194
30.037
387.154
2008
927.978
124.718
318.404
36.092
448.764
2009
1.036.945
147.947
355.688
34.016
499.294
2010
1.140.388
165.355
398.238
32.225
544.570
2011
1.250.900
189.988
447.463
32.310
581.139
2012
1.362.200
210.785
488.543
30.422
632.450
Fonte: tabela extraída de INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP) (2012).
Nota: a tabela foi alterada pela autora para inclusão dos dados relativos a 2012
obtidos também a partir do INEP, na Sinopse Estatística da Educação Básica 2012,
(?).
Como vimos, são as escolas estaduais e as privadas que concentram o
maior número de alunos matriculados. Tais números levantam indagações
acerca da qualidade do ensino profissional ofertado no país, uma vez que
todos sabemos das dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas brasileiras
como a falta de investimentos em infraestrutura física, o déficit de professores
em função das precárias condições de trabalho e dos baixos salários, a falta de
qualificação de muitos desses professores, entre outros problemas. No caso
das particulares, há também que se fiscalizar e verificar a qualidade do ensino
que está sendo ofertado. Em relação à rede federal, esta conta na sua maioria,
especificamente os Institutos Federais, com uma boa infraestrutura, em alguns
casos herdada dos antigos CEFETs e Escolas Técnicas, bem como possui em
seus quadros professores mais qualificados, parte considerável com mestrado
e doutorado.
Por outro lado, é importante ressaltar que o número total de matrículas
na educação profissional vem crescendo com o passar dos anos. Logo abaixo
é possível observar outra tabela onde o número total de matrículas está
distribuído de acordo com a modalidade de ensino. Há um número maior de
alunos na modalidade Subsequente, o que evidencia maior oferta da rede
pública e privada nesta modalidade, bem como demonstra a grande procura
pelos trabalhadores que, já tendo o ensino médio, querem obter maior
qualificação e uma melhor colocação no mercado com a obtenção de um
diploma como “técnico”.
NÚMERO DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL EM 2012
POR MODALIDADE
Total
Federal
1.362.200
210.785
488.543
30.422
632.450
Concomitante
240.226
25.008
77.139
4.130
133.949
Subsequente
823.429
80.820
253.035
16.187
473.387
Integrado
298.545
104.957
158.369
10.105
25.114
Total
Estadual
Municipal
Privada
Fonte: dados extraídos de INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP), Sinopse Estatística da Educação Básica
2012, (?).
Na tabela seguinte é possível visualizar o número de vagas nas três
modalidades de ensino para o Estado do Paraná. Novamente, o maior número
de matrículas é no Subsequente, ofertada pela rede estadual, seguida da rede
privada e depois da federal. É válido mencionar que, dentre as várias área de
conhecimento, dos 87.323 alunos matriculados na educação profissional no
Paraná, 10.079 são da área de Informação e Comunicação - onde se
encontram os cursos de Informática -, ou seja, 11,54% do total de matrículas.
Esses números são confirmados na realidade do Instituto Federal do Paraná,
pois dos 14 campi em funcionamento atualmente doze oferecem pelo menos
um curso nessa área, demonstrando que a necessidade de profissionais nesse
setor é percebida como relevante nas diversas regiões do Estado. As primeiras
turmas tiveram formandos a partir de 2010, sendo que a maioria dos cursos é
de Informática e alguns poucos em Informática para internet e Jogos Digitais.
NÚMERO DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, NO PARANÁ, EM 2012,
POR MODALIDADE
Total
Total
Federal
Estadual
Municipal
Privada
87.323
7.287
58.966
0
21.070
Concomitante
1.953
29
0
0
1.924
Subsequente
52.621
3.449
30.839
0
18.333
Integrado
32.749
3.809
28.127
0
813
Fonte: dados extraídos de INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS
EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP), Sinopse Estatística da Educação Básica
2012, (?).
Constitui-se aí um universo importante para pesquisa, indicativo do
papel central que a informática desempenha, não somente para a área em si,
mas pela influência nas demais. Como lembra Dupas (1999), não são os
fabricantes de “produtos” das novas tecnologias que lideram seus setores: são
líderes aqueles que conseguem incorporar com mais eficácia essas inovações
nos seus produtos, processos produtivos e de gerência.
2. O PERFIL DO TRABALHADOR INFORMACIONAL E AS NECESSIDADES
DE QUALIFICAÇÃO NO SETOR DA INFORMÁTICA NO PARANÁ
Nos anos 80 o Brasil possuía uma indústria nacional de hardware
protegida que, com a abertura econômica nos anos 90, teve que se readequar
para sobreviver e competir com as estrangeiras. Segundo Tauile (2001), muitas
empresas passaram de fabricantes a montadoras diante da dificuldade em
fazer pesquisa e desenvolvimento e da concorrência internacional. A maioria
das empresas de hardware desapareceu e as poucas que restaram se
dedicaram a serviços específicos. As empresas hoje existentes no mercado
são montadoras ligadas a grandes redes de fornecedores nacionais e
estrangeiros. É o caso, no Paraná, da empresa Positivo Informática, uma das
maiores fabricantes de computadores da América Latina.
Assim, grande parte dos negócios no setor da informática se direcionou
para produção e desenvolvimento de softwares utilizados em vários tipos de
negócios. Houve um grande crescimento nesse segmento no país em função
de políticas nacionais e locais destinadas ao setor como a isenção fiscal para
novos investimentos, redução de impostos e desenvolvimento de programas
específicos como a criação de um Parque de Software, no Paraná, em 1996.
Tais políticas contribuíram para que o Paraná passasse a ser, a partir de 2001,
o segundo maior produtor de software do país (BRIDI; MOTIM, 2013)31.
É dentro deste cenário expressivo que a presente pesquisa será
desenvolvida, inserida como dissemos inicialmente, numa pesquisa mais ampla
intitulada “Redes de empresas, trabalho e relações de trabalho no setor da
informática no Paraná” que está em andamento no âmbito do GETS32. De
acordo com Bridi e Motim (2013), em seu relatório parcial e preliminar baseado
nesta pesquisa do GETS, em uma das “pontas” do trabalho informacional se
encontram
os trabalhadores que fabricam os
computadores
e
seus
componentes (hardware) e que no Paraná se caracterizam por ter, em geral,
nível de escolaridade mais baixo se comparado ao segmento de software,
principalmente daqueles trabalhadores que atuam na linha de produção.
Analisando duas empresas – uma de pequeno e outra de grande porte -, as
autoras verificaram que se tratam, em sua maioria, de trabalhadores com
ensino médio, que exercem suas atividades na linha de produção - registrados
como “auxiliares de produção” - e que para aprender o trabalho fazem um
treinamento de um dia com outro trabalhador na linha. As atividades
compreendem uma sequencia já estabelecida de tarefas, repetitivas, típicas do
sistema taylorista-fordista de produção. Em 2011, o piso salarial girava em
torno de R$ 742,00. Na pequena empresa, os únicos elementos flexíveis
encontrados dizem respeito aos contratos de trabalho que são temporários,
31
Sobre o desenvolvimento do setor da informática no Paraná ver Bridi; Motim (2013).
Tal pesquisa ocorre sob a coordenação de Maria Aparecida Bridi e vice-coordenação de
Benilde Lenzi Motim, cujos resultados preliminares podem ser verificados em artigo
recentemente publicado e em algumas dissertações produzidas por pesquisadoras do grupo
como PEREIRA (2013) e BRAUNERT (2013).
32
pois a contratação é feita por uma terceirizada e somente depois de
“aprovados”, e se houver interesse, são efetivados. Além disso, a produção
funciona em lotes conforme a demanda e os estoques são reduzidos (IDEM,
103-104).
Na grande empresa, tais aspectos em termos de flexibilidade de
contratação são percebidos, bem como são encontrados outros traços de
flexibilidade também no processo de produção como o funcionário polivalente
que garante o funcionamento da linha no caso da falta de algum trabalhador,
ou a existência de um funcionário responsável por várias operações numa
célula de produção. Tal constatação confirma a convivência – já citada aqui em
Benko (1996) - de padrões tayloristas-fordistas de produção com os flexíveis. É
importante mencionar que as pesquisadoras também encontraram na grande
empresa um quadro de 16 engenheiros que atuam no setor responsável pela
produção de placas, onde a maioria dos auxiliares de produção são mulheres
(a empresa alega que são mais detalhistas e cuidadosas). Tais engenheiros
atuam em áreas técnicas e outros como gerentes e supervisores. Apenas um
dos profissionais é mulher. Já os responsáveis pela manutenção e qualidade
são técnicos de nível médio. Em relação à remuneração, esta varia de R$
800,00, para cargos operacionais, e chega a salários superiores a R$ 4.500,00
para cargos de nível superior (IDEM, 107-108).
Outro aspecto a ser ressaltado e que tem sido percebido no decorrer da
pesquisa do GETS é que há uma pluralidade enorme de funções e áreas de
atuação, bem como de qualificações e exigências para as ocupações dos
cargos. Os salários também variam bastante em função da região do país e do
contrato de trabalho acertado entre patrões e empregados, principalmente no
desenvolvimento de software. Outra ocorrência frequente é o trabalho por
projetos, onde os trabalhadores são contratados como pessoas jurídicas. Este
é o caso, como afirmou Pereira (2013), do “trabalhador-empresa”, que muitas
vezes presta serviços para uma única empresa - numa situação de vínculo
empregatício “disfarçado” pela “pejotização” -, empresa esta que se apropria do
conhecimento técnico e habilidades subjetivas do trabalhador.
Na outra ponta do setor da informática - de software – na empresa
analisada na pesquisa preliminar do GETS, os trabalhadores são na sua
maioria do sexo masculino, jovens e solteiros, com curso superior completo ou
incompleto, com cursos técnicos ou específicos na área de atuação (BRIDI;
MOTIM, 2013).
Na pesquisa realizada por PEREIRA (2013), as habilidades destacadas
pelos trabalhadores no segmento de software são o interesse, a criatividade, a
pró-atividade, uma visão holística dos processos, bem como a flexibilidade e
disponibilidade para encarar novos projetos. Wolf (2009) já destacava tais
aspectos:
ao
mesmo
aperfeiçoamento
de
tempo
softwares,
se
requer
capacidade
criatividade
para
para
lidar
criação
com
e
situações
imprevisíveis, visão sistêmica e capacidade de comunicação para trabalhar de
forma a “potencializar a sistemática mercadológica planificada nas redes”
(IDEM, 2009, p. 108).
Bridi e Motim (2011), ao realizar entrevistas com profissionais do setor
da informática, obtiveram como respostas mais frequentes sobre as habilidades
e conhecimentos exigidos para alguns cargos a capacidade de concentração,
precisão,
paciência,
comunicação,
atenção
aos
detalhes,
bem
como
conhecimentos de lógica, de hardware, de softwares, de sistemas operacionais
e linguagem de programação. O relato completo acerca das habilidades e
capacidades respondidas pelos entrevistados encontra-se no quadro abaixo.
Habilidades conforme função (analista, programador, suporte técnico de
software e manutenção de hardware e de servidores)
Função/atividades
Analista
(Analista no suporte
técnico de software;
Analista e outro tipo;
analista e programador;
Analista, programador e
suporte técnico de
software).
Programador
(Programador e suporte
Habilidades e conhecimentos exigidos
- Conhecimento de ITIL (gerenciamento de incidentes;
aplicativos web; banco de dados; inglês fluente
- Inglês, lógica, orientação a objetos, design patterns
- Lógica
- Relacionamento interpessoal e conhecimento técnico
- conhecimento infraestrutura em TI; linguagem SAS e VBA;
análise códigos (programas) ligados a modelos estatística;
análise de sistemas
- Concentração; capacidade de aprender sozinho
- Concentração; raciocínio lógico; relações interpessoais;
comunicação
- Conhecimento em lógica de programação e SAS
- SQL; lógica, análise de sistemas, levantamento de requisitos
- Análise e desenvolvimento com muita precisão e eficácia
- Lógica de programação; conhec. técnico na área; boa fluência
tratamento com clientes
- Análise e programação
- Lógica de programação; conhecimento em linguagens
computacionais e em bancos de dados
técnico de software;
Programador,
manutenção de
hardware e suporte
técnico de software).
- Lógica, conhecimentos de hardware, software, sistemas
operacionais e linguagem de programação
- Conhecimento na área; concentração; vontade de aprender
- Lógica; paciência; conhecimento da língua inglesa
- Lógica de programação
Suporte técnico de
software
- Conhecimentos na área de suporte em TI
- Conhecimentos de hardware
Manutenção de
hardware e de
servidores
- Paciência e conhecimentos em manutenção de hardware
- Pensamento rápido
(Manutenção de
hardware e suporte
técnico de software;
Manutenção de
hardware).
Outro tipo:
(administrativo;
Recursos Humanos;
Fiscal).
- Utilização de computadores, ordenação de arquivos; gestão
documental; português; saber lidar com o público;
flexibilidade;
- Conhecimento
de
planilhas;
internet/Windows;
boa
comunicação escrita
Fonte: Questionário de pesquisa exploratória, Bridi e Motim, 2011.
Nota: extraído de BRIDI; MOTIM (2011).
Braunert (2013) também confirma em sua pesquisa a valorização das
habilidades
subjetivas
do
trabalhador
informacional.
Ao
analisar
os
trabalhadores de software em empresas de Curitiba e região, obteve como
características desejáveis a capacidade do profissional em ser dinâmico,
responsável, comunicativo, ter bom relacionamento interpessoal para com os
colegas e no contato com o cliente. (BRAUNERT, 2013, p. 71-72).
Gutiérrez (2011), analisando os trabalhadores de software no México,
traz o relato de habilidades subjetivas e conhecimentos semelhantes aos
exigidos dos trabalhadores e que foram obtidos por Bridi e Motim (2011),
Pereira (2013) e Braunert (2013). Gutiérrez (2011, p. 187), ao entrevistar
programadores e empregadores, verifica que habilidades de raciocínio e
solução de problemas, habilidades de comunicação oral e escrita, saber
manejar base de dados estão entre os mais citados. Depois destes, aparecem
como desejáveis saber analisar e desenhar projetos, conhecimento de
matemática, de processos operacionais e industriais, entre outros. Como
destaca Gutiérrez, o mais interessante é que as atividades mais citadas entre
todas - habilidades de raciocínio e solução de problemas – se constituem em
habilidades de...
índole subjetivo, son destrezas individuales que tienen que ver com
experiencias, hábitos, pericias cognitivas, aptitudes y actitudes frente a um
problema y La posición e intereses, representaciones e intencionalidades que
significan este tipo de cualidades. Mientras que el uso de sistemas operativos y
bases de datos, implica uma constante actualización individual, uma
persistente renovación em el saber-hacer personal, ya que dichos
conocimientos se valoran por el predomínio de X sistema operativo ou Z base
de datos que sea significativa em ese momento de la contractación (Gutiérrez,
2011, p. 187-188).
Adiante, Gutiérrez ressalta o caráter autônomo da qualificação do
profissional do segmento de software que, para saber operar ou configurar um
sistema, trabalhar com certas linguagens, entre outros conhecimentos, deverá
realizar uma capacitação contínua, de iniciativa pessoal, e que de preferência
não custe nada à empresa (GUTIÉRREZ, 2011, p. 190).
Braunert (2013, p. 72) também percebe, apesar de não ser a
qualificação o foco de sua pesquisa, que o trabalhador informacional
investe continuamente na própria formação, sendo autodidata depois que
passa pela escolarização formal. Esse trabalhador qualifica-se para o mercado
de trabalho na medida em que adquire formação profissional e dispõe de
certificações técnicas que atestam seu conhecimento em linguagens
específicas de programação.
Tal constatação converge para o que a presente pesquisa percebeu em
conversas
iniciais,
de
aproximação
com
o
objeto
de
estudo,
com
programadores de softwares. A formação obtida por meio do curso técnico e,
em especial do superior, é um atributo importante para a empregabilidade
desses trabalhadores, pois são encarados como relevantes pelo mercado no
momento da seleção e contratação, mas a qualificação e atualização técnica
para o exercício cotidiano da atividade profissional em atividades de análise e
programação, desenvolvimento de aplicativos, conhecimento em linguagens
computacionais e em bancos de dados, etc. se faz pela iniciativa individual do
trabalhador. Além disso, não somente o trabalho é virtual, mas a própria
qualificação também é, pois esta ocorre, na sua maioria, por meio da
realização de cursos via internet como videoaulas, cursos para obtenção de
certificações em certas linguagens, entre outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho informacional se constitui num campo de estudo que ainda
carece de pesquisas empíricas que possam elucidar como ele se materializa
na realidade, em que condições e quais as suas implicações aos
trabalhadores. Em especial, são mais escassas ainda, as pesquisas que tratam
do processo e das formas de qualificação desses trabalhadores. Trata-se,
ainda, de identificar as especificidades dessa qualificação para um setor tão
dinâmico em termos de inovação, bem como contribuir para, se possível,
delinear um perfil do trabalhador da área informacional, no Paraná, em termos
de idade, gênero, atividades desenvolvidas, habilidades e competências
exigidas, entre outros aspectos.
Pudemos perceber, como atestam os resultados preliminares da
pesquisa do GETS, assim como os trabalhos de Pereira (2013) e Braunert
(2013), que o trabalho emancipador, criativo, livre das amarras e controle
capitalista, destacado por autores como Gorz (2005), Negri (1991;1993) e
Lazzarato (1993; 2001), é algo que ainda precisa ser provado pelas pesquisas
empíricas. As pesquisas também têm confirmado diferenças de gênero neste
setor – se assemelhando à realidade de outros setores -, demonstrando que as
mulheres ocupam menos posições de chefia do que os homens e são
conduzidas para funções de menor qualificação, principalmente aquelas que as
empresas acreditam ser mais adequadas para o sexo feminino, onde a atenção
aos detalhes e o cuidado são aspectos considerados importantes.
A
responsabilidade
pela
qualificação
na
área
informacional,
especialmente daqueles profissionais que atuam no ramo de software, é
atribuída, pelo mercado, ao trabalhador. Este deve se manter atualizado e
buscar desenvolver habilidades que o tornem atrativo e útil para as
organizações. À essas atualizações constantes, na maioria das vezes de
maneira autodidata e realizadas virtualmente – e que são bem diferentes da
forma taylorista-fordista de formação -, devem se somar habilidades de caráter
subjetivo envolvendo capacidades gerenciais e visão sistêmica, principalmente
para aqueles trabalhadores que desejam ocupar postos mais expressivos
dentro das organizações. Isso não livra os trabalhadores, por mais qualificados
que sejam, de conviver com condições precárias e flexíveis de trabalho em
termos de contratação e remuneração, bem como de ter as suas habilidades
cognitivas e o seu conhecimento apreendidos e submetidos à lógica capitalista
de acumulação.
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2009.
GT 09
SESSÃO 3
30/10/2013
ID 449 (pôster)
CONSIDERAÇÕES AVALIATIVAS SOBRE O PRONATEC NO IFSERTÃO PERNAMBUCANO
Eliene Silva (PRONATEC)
Fábio Soares Silva (IFRJ).
INTRODUÇÃO
O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)
foi instituído pelo Governo Federal em 2011, pela Lei 12.513, com o objetivo de
ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Tais cursos
são destinados a trabalhadores desempregados, pessoas que recebem
benefícios dos programas federais de transferência de renda ou que estejam
cadastradas no CadÚnico, estudantes matriculados no Ensino Médio das
escolas públicas, inclusive na Educação de Jovens e Adultos, dentre outros.
No âmbito do IFSertão-PE, durante o ano de 2012, foram ofertados: 53 cursos
na modalidade de formação inicial e continuada-FIC.
OBJETIVO
A presente pesquisa, recentemente iniciada, tem como objetivo mapear e
discutir os resultados da implantação do PRONATEC no IFSERTÃO-PE, a
partir do olhar dos gestores.
METODOLOGIA
Quanto à metodologia, este estudo é do tipo descritivo-exploratório e a coleta
de dados se deu a partir da análise documental e da aplicação de questionário
semiestruturado a cinco coordenadores do Programa. Nesse primeiro
momento, priorizou-se os aspectos quantitativos, relacionados à oferta de
vagas, permanência e evasão nos cursos FIC (Formação Inicial e Continuada).
RESULTADOS/CONCLUSÕES
Detalhamento de Dados por Campus
Nome do
Campus
Quantida Vagas Matrícul Matríc Evasão
Ofertad a Inicial ula
de
%
Cursos
as
Final
FIC
Ofertado
s
OBS.
Campus 1
Petrolina
18
397
397
261
34,2%
Campus 2
Petrolina
Z. Rural
12
415
347
116
66,5% 02 cursos em
fase de
conclusão
Campus 3
Floresta
08
249
240
159
33,7%
Campus 4
Ouricuri
04
76
76
25
67,1% 01 curso foi
cancelado
Campus 5
Salgueiro
11
224
222
150
32%
53
1361
1282
711
44,5%
TOTAL
-
-
A análise dos dados coletados permite afirmar que a falta de estrutura para
realização das aulas (teóricas e práticas) e a liberação de recursos em tempo
hábil afetou implantação do PRONATEC no IFSertão-PE durante o ano de
2012. A falta de informações precisas sobre o Programa, a greve dos
professores, o atraso na contratação de professores e no pagamento da bolsa
de assistência estudantil, a falta de laboratórios e insumos para as aulas
práticas foram fatores apontados como responsáveis pelo alto índice de
evasão. Ao todo 44,5% dos estudantes abandonaram os cursos, antes do
término do curso oferecido. Por outro lado, destaca-se que o apoio institucional
local foi determinante para tornar possível a realização das aulas. Tal
contrapartida veio suprir a deficiência por parte do Programa, que não atendeu
às necessidades dos cursos em tempo hábil.
GT 09
SESSÃO 3
30/10/2013
ID 454
O MUNDO DO TRABALHO NAS ESCOLAS SENASIANAS DE CURITIBA: A
FALA DOS APRENDIZES
Desiré Luciane Dominschek Lima
RESUMO
Neste trabalho será apresentado o discurso da concepção de ensino das
escolas senasianas para a formação de mão de obra. Roberto Mange idealizou
os processos de ensino da instituição. Colocaremos a escola de Curitiba em
destaque, visto a localização do periódico que constitui a fonte principal. Consta
do acervo no Centro de Memória do SENAI-PR um boletim de publicação
semestral, produzido pelos alunos do SENAI-PR um órgão informativo dos
alunos. Em 1942 o SENAI estava organizado nacionalmente em dez regiões. O
ensino industrial assumiu um papel relevante na formação da mão de obra,
principalmente no contexto da industrialização do país. Tal foi sua importância
que verificamos, a partir de 1942, tanto o Estado como a Confederação
Nacional das Indústrias patrocinando esse ensino. A análise faz inferências de
como Roberto Mange concebe os processos de ensino da instituição, Mange
trouxe para o SENAI sua longa experiência como diretor do IDORT e como
professor de engenharia mecânica na escola politécnica, e sua enorme
bagagem intelectual, com teorias sobre métodos adequados para a formação e
socialização dos industriários aprendizes As escolas do SENAI foram criadas
pelo Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942. Desde então, o SENAI
alinhou-se às políticas de desenvolvimento industrial, passando a desenvolver
projetos de vertente tecnológica, gestão de recursos humanos, reconfiguração
dos espaços físicos, gestão de qualidade e redefinição da filosofia da educação
profissional. Nesse sentido propomos apresentar recortes da instalação das
escolas do SENAI no Brasil focando o Estado Paraná frente à concepção de
ensino orientada por Roberto Mange.
Palavras-chave: Metodologia de ensino profissional; SENAI; Roberto Mange,
Trabalho e Educação, aprendizes.
Nesta comunicação, apresentamos o sistema de aprendizagem
ministrado pelo SENAI, localizando-o em Curitiba (1943-1960), evidenciando a
trajetória do ensino profissional no Paraná através do jornal ”O Escudo”, da
Associação dos Alunos do SENAI de Curitiba. Para tanto, apresentamos uma
breve análise sobre a proposta de ensino integral disseminada pelo SENAI e
pensada por Roberto Mange.
Foi em janeiro de 1942, sob o nome de Lei Orgânica do Ensino
Industrial, que surgiu a tão esperada legislação que, pouco mais tarde, daria
espaço à criação do SENAI — criado com o Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de
janeiro de 1942.
O decreto nº. 6.029 de julho de 1940 não seria modificado; ele
daria lugar, no entanto, já em 1942, a dois decretos quase
simultâneos, um criava o Serviço Nacional de Aprendizagem
Industrial, o SENAI, conforme as aspirações da indústria e do
ministério do trabalho; e o outro que definia a Lei Orgânica do
Ensino Industrial, oriundo das idéias e propósitos da área da
Educação. A partir daí, os dois teriam que conviver. Na fórmula
encontrada pelo ministro, o SENAI se encarregaria da
“formação profissional dos aprendizes”, e seria tão somente
uma peça, delegada a Federação Nacional das Indústrias, do
amplo painel de ensino profissional estabelecido pela lei
orgânica. Todavia, não deixa de ser sintomático que o projeto
do SENAI, que só merece oito linhas na longa exposição de
motivos de 5 de janeiro de 1942 com a qual Capanema
encaminha a Lei Orgânica, termine sendo assinada em
primeiro lugar.33
Em 1942 era criado o SENAI, sendo esta instituição organizada e
mantida pela Confederação Nacional das Indústrias, ofertando diversos cursos
de aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização, além de possibilitar a
reciclagem do profissional.
Depois de verem concretizadas as primeiras medidas governamentais
para a regulamentação do SENAI, cabia aos industriais montar o sistema que
sustentaria a aprendizagem industrial em todo país, a fim de instalar os diversos
Departamentos Regionais — células responsáveis pela implantação do sistema.
Também foram criadas regiões administrativas, de acordo com as respectivas
atividades industriais. Deste modo, em 1942, o SENAI estava organizado,
nacionalmente, em dez regiões.
Entendemos como Lombardi que (2010, p. 222):
Como as observações de Marx e Engels sobre a
educação, ensino e qualificação profissional foram
construídas a partir da crítica das teorizações e práticas
33
SCHWARTZMAN, S. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 254-255.
burguesas, como foi a crítica da economia política e,
antes dela, da filosofia alemã e das várias matizes de
socialismo, é no contexto do modo capitalista de
produção que a problemática em questão deve ser
colocada.
Estaremos pensando os aspectos da organização das escolas do
SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) nesta perspectiva
considerando o contexto histórico na estrutura da sociedade capitalista
brasileira. Conforme destaca Lombardi (2010), diferente dos animais, os
homens têm que produzir os meios necessários a sua existência. O modo de
produção é, portanto, a categoria que expressa a própria materialidade
ontológica da história dos homens.
Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser
como distinção entre os homens e os animais; porém, esta
distinção só começa a existir quando os homens iniciam a
produção dos seus meios de vida, passo em frente que é
conseqüência da sua organização corporal. Ao produzirem os
seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a
sua própria vida material.
A forma como os homens produzem esses meios depende em
primeiro lugar da natureza, isto é, dos meios de existência já
elaborados e que lhes é necessário reproduzir; mas não
deveremos considerar esse modo de produção deste único
ponto de vista, isto é, enquanto mera reprodução da existência
física dos indivíduos. Pelo contrario, já constitui um modo
determinado de atividade de tais indivíduos, uma forma
determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida
determinado. A forma como os indivíduos manifestam a sua vida
reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide,
portanto, com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que
produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os
indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da
sua produção. (Lombardi, 2010 Apud Marx e Engels, [s.d.], p.
18-19).
A organização Racional do Trabalho, ainda que eficiente sob o ponto de
vista da fábrica, não estava respondendo de forma satisfatória quando aplicada
na escola, mas o importante era a formação do operário, mas de um operário
inserido dentro de um contexto, o escolar.
Para Mange, "[...] se conjugarmos o preceito de ordem educativa e
social, que fundamenta parte da atividade do SENAI, com o aspecto técnico
profissional da obra que compete promover, teremos realizado o que poderá ser
denominado de educação integral [...]” 34.
Mange questionava sobre a compatibilidade entre a formação técnica e
a “Educação Integral do indivíduo”. Para ele, a técnica tinha um caráter utilitário,
devido ao rigor da racionalidade e da rapidez, destoando do conceito
espiritualista da “educação integral”.
Desde que as primeiras indústrias começaram a instalar-se na
Inglaterra, França e Alemanha, impôs-se uma necessidade básica: além de
máquinas e edifícios, era preciso elaborar um novo tipo de trabalhador,
adaptado ao universo social da indústria. Por herança, as pessoas recebem
bens matérias ou características biológicas, mas habilidades adquiridas e
padrões de comportamento não passam naturalmente de geração em geração.
Na perspectiva de ensino do SENAI, é preciso ensinar sempre, sobretudo na
formação de trabalhadores industriais. Eles devem ser reproduzidos em
gerações sucessivas, mediante aprendizado constante, e este aprendizado
inclui o desenvolvimento de habilidades, mas não pode prescindir da orientação
de comportamentos e atitudes, o que buscava Mange em todas as escolas
SENAI de aprendizagem, inclusive nas sediadas no Paraná.
Abaixo, reproduzo uma parte da entrevista concedida por Roberto
Mange a José Augusto Bezena. Nela Mange destaca o que considerava
importante no processo de ensino nas escolas do SENAI:
Mange: O Senhor conhece o torno? Bezena: Conheço torno de
madeira. Isso eu sei, ou melhor, tenho mais ou menos uma
idéia. Mange: Mas... e o torno mecânico? Bezena: Não, esse
eu nunca vi. Mange: Olha o importante no torno é a ferramenta
[...]. Agora tire a madeira e ponha o metal e essa ferramenta
precisa ser afiada num ângulo determinado. Se isso não
acontecer, ela se quebra, entendeu? Ela não dura. Então
precisa saber bem qual é o ângulo certo. Se o rapaz não for
educado, ele pode ser um excelente profissional, conhecer a
máquina, ele pode saber fazer tudo. Mas se ele não for
educado, às vezes, pode não entender o comportamento
padrão, porque ele não tem a formação suficiente para isso.
34
DE HOMENS E MÁQUINAS, 1991, p. 137.
Então, o que é que ele faz? Ele pode afiar aquela ferramenta
de um ângulo errado, entendeu? Com raiva do patrão, ele vai
quebrar a ferramenta, vai gastar a ferramenta. Então, o que
nós queremos é que, quando for ao torno, ele seja uma pessoa
educada. Isso faz parte da formação profissional. Porque nós
formamos uma elite! E se nós formamos uma elite e dermos
uma boa educação, além da profissão, eles vão adquirir a
capacidade de comandar a indústria.35
Estas idéias e procedimentos buscavam a tão sonhada “educação integral”,
almejada por Mange, para o futuro trabalhador. Nesse contexto, o objetivo maior era
proporcionar ao aluno/aprendiz acesso a cidadania, o que seria plenamente alcançado
a partir da formação de um cidadão trabalhador, física e psicologicamente capaz. Esta
era a filosofia que estava instaurada por Mange nas escolas de ensino profissional do
SENAI. E o lema que Mange defendeu desde a criação do SENAI foi: ”Antes do
profissional, o cidadão [...]”36.
Considerado o discurso dos aprendizes, em um primeiro momento podemos
considerar
que
as
escolas
do
SENAI-PR
apreenderam
a
concepção
tão
exaustivamente difundida por Mange, pois os aprendizes da escola de Curitiba
descreviam em “O Escudo” vários procedimentos e atitudes que deveriam assumir,
fazendo-o com grande entusiasmo por representarem parte da instituição. Embora
possamos questionar tamanho entusiasmo e se haveria censura dos textos dos alunos
no momento da correção, o fato é que os artigos assinados pelos alunos demonstram
adesão á concepção de ensino e do modo de operar da escola. E como descreve
Arnaldo Joaquim, futuro aprendiz, que destacou suas aspirações futuras a respeito da
escola de Curitiba, tal como ser útil e competente, intitulando o seu artigo como ”Uma
boa Escola”:
O SENAI é uma boa escola. Quero aprender aqui um ofício, e
futuramente, ser uma pessoa útil e competente. Só serei um
bom profissional, se tão cedo não deixar o SENAI. Estou no
curso vocacional e já fiz diversas coisas que me prenderam a
escola. Meus professores são para mim muito bons.
Terminando peço a Deus que me ajude nos estudos, que são
para meu bem. Desejo aos diretores, professores e
professoras, muitas felicidades [...].37
35
DE HOMENS E MÁQUINAS. V. I, op. cit., p. 151.
Id.
37
O ESCUDO, nov. 1951.
36
Pode-se notar também, em um artigo publicado em junho de 1951, o
qual se destacava uma página para divulgar os aprendizes que receberam
“Cartas de ofício” (em 16 de dezembro de 1950), que a formação integral e o
trabalhador cidadão ali estavam representados. O depoimento ficou registrado
sob a oratória do aprendiz Jorgi Aoto:
[...] a fase que ora concluímos é fruto de esforço e de boa
vontade de muitos, dedicação de outros, nossos professores,
os quais com sua perseverança fizeram de nós pessoas aptas
para enfrentar a vida em todas as suas modalidades. A escola
tornou-se nosso segundo lar e os professores, reconhecemos,
depois de nossos pais, são os que mais se empenham e se
interessam pela nossa formação moral e intelectual. Enorme é
o papel que a escola de aprendizagem do SENAI vem
representando em nossa educação, na educação de todos os
brasileiros, pois não são poucas as escolas que hoje, após oito
anos de sua criação, florescem em todos os recantos do Brasil.
Os cursos que estamos diplomando hoje: mecânica de rádio,
eletro-mêcanica, serralheria, ajustagem, tornearia mecânica,
motores de explosão, eletricista-instalador, construção civil,
pedreiro e alfaiataria, são como podemos ver, profissões
necessárias a um país novo como o nosso que está se
desenvolvendo e quanto mais técnicos e artífices possuirmos,
tanto maior será nosso progresso, podendo então, se ainda
não o fizemos igualarmo-nos as maiores potencias da terra. È
pelo estudar, pesquisar e praticar que iremos desenvolver
nossas profissões. Retrocedendo aos primeiros dias que
viemos a Escola veremos que éramos nulidades comparando
com o adestramento que hoje possuímos [...], cumprindo
sempre nosso dever para Deus, a pátria e os nossos
semelhantes.38
FIGURA 13 – OFICINA DE TORNEARIA MECÂNICA – ESCOLA DE
APRENDIZAGEM (EA) - CURITIBA – 1955
38
Ibid., jun. 1951.
O aprendiz Antonio Lapikoski relembrou o quanto fora “malandro” e como isso
havia prejudicado sua formação, chamando de fraquezas os seus percalços escolares:
Logo que entrei no grupo, comecei a estudar com muita
vontade, mas quando cheguei ao 2º ano fiquei preguiçoso. Isto
durou pouco, porque fui descoberto pelos meus pais e então
me deram várias surras, mas como sempre as surras de nada
adiantaram, continuei a gazear para ir tomar banho nos rios e
lagoas. Quando completei onze anos, percebi que minha
malandragem não adiantou nada e que devia continuar a
estudar [...] fiquei mais ou menos uns dois anos sem estudar
até que resolvi continuar, então entrei para o SENAI, onde
estou até hoje sem repetir um só termo. Estou próximo do fim e
muito em breve, serei torneiro mecânico. Tenho bons colegas e
ótimos professores. O diretor desta escola era um dos
professores do Grupo Escolar “República do Uruguai”, onde eu
estudei. Ele melhor do que eu poderá contar das minhas
fraquezas, pois muitas vezes foi em minha procura no rio onde
eu costumava com alguns colegas, tomar banho, gazeando as
aulas.39
Edmar Friebe, aprendiz do SENAI, escola de Curitiba, narrou sobre a
vadiagem que representaria o "atraso da vida", bem como uma "oposição ao estudo":
39
Ibid., maio 1952.
A vadiagem é a responsável pelo atraso da vida, pois com ela
nada se faz. Ela se opõe ao estudo e este é fator de vida. O
homem sem estudo, depois de velho se arrepende e se
arrepende tarde. Aproveitemos a mocidade, estudando com
afinco, para podermos gozar de seus inúmeros benefícios.
Para que a miséria não more conosco, devemos estudar e
trabalhar sempre para sermos donos de nós mesmos. O
SENAI é uma escola muito boa, pois se interessa grandemente
por seus alunos. No entanto, como se isto não bastasse,
muitos alunos freqüentam esta escola uns 15 dias, entrando
depois a reclamar — reclamam para as mães que necessitam
levantar muito cedo, para fazer o favor ao SENAI (grande
favor). Mais tarde quando o arrependimento chegar, será tarde
dizer: — Fomos ignorantes, devíamos ter aproveitado a
mocidade! de nada mais poderá adiantar. 40
O sistema criado por Mange visava formar, acima de tudo, o caráter —
assim dizia ele: “trabalho e dever; trabalho e honestidade, formação do caráter”
41
. E também fornecia apoio em diversos outros aspectos, como a assistência
médica, dentária, social, juntamente com o desenvolvimento do espírito cívico,
favorecendo, deste modo, a formação de um cidadão com capacidade técnica
para ser útil à nação. Alguém que não esquece que tinha deveres para a
comunidade que o ensinou, como descreveu o aprendiz formando Jorgi Aoto. A
formação profissional não era só para proporcionar uma profissão, para ganhar
dinheiro, para sobreviver, o aluno não poderia esquecer que estava em um
contexto social, no qual tinha suas obrigações.
Isso é o que Mange denominava de ensino integral, representado pela
cultura humanística e pela filosofia institucional que ele almejava para o sistema
de ensino SENAI e que os alunos dizem endossar. Esta cultura é aquela que
trata não só da parte exclusivamente técnica, como as séries metódicas, mas
considerava também o contexto social, a visão de uma educação para a vida
em sociedade, o que entendiam os alunos vinha sendo realizado nas escolas
de aprendizagem de Curitiba.
Conforme registrou o aprendiz Arnaldo Kussek, unindo as duas aliadas
— a técnica e a sociabilidade — o Paraná teria os maiores industriais para o
Brasil:
40
41
Ibid., maio 1952.
DE HOMENS E MÁQUINAS, op. cit., p. 152.
Meus amigos! Para vencermos na vida não basta só
conhecermos a técnica de nossa profissão, os por menores da
mesma, todos os segredos que ela encerra profundamente.
Não. É preciso algo mais. Precisamos fazer boas amizades no
meio em que vivemos para que o nosso trabalho se torne
conhecido. Para isso basta trabalhar corretamente, com
cuidado, tratando com educação os que vivem conosco e
assim não tardarão em avisar os companheiros e familiares
que conhecem um ótimo oficial. As relações sociais nos
permitem abrir uma oficina por conta própria, com o tempo
aumentá-la, progredir e viver folgadamente os últimos anos de
nossa vida. È assim que se formam os maiores industriais do
Paraná, do Brasil e do mundo inteiro – unindo as nossas duas
aliadas à 'técnica e a sociabilidade'.42
No discurso do aprendiz Kussek percebe-se as razões que moviam os
aprendizes a buscar uma boa formação. Em primeiro lugar era considerado o
homem, pelo menos essa era a intenção dos projetos de Mange. Pretendia-se
formar um cidadão, uma personalidade com caráter, equilibrada, que pudesse
vir a servir sua comunidade.
Os primeiros cursos nas áreas ocupacionais de Mecânica e Desenho
Técnico foram instalados pelo Delegado na Escola Técnica e Industrial de
Curitiba, com a colaboração de seu Diretor, o Eng. Lauro Wilhem. A sede da
Delegacia foi instalada no 1º andar do edifício Moreira Garcez, situado na
Avenida João Pessoa, no centro de Curitiba. Os setores chamados burocráticos
— secretaria, protocolo, contabilidade e almoxarifado — já se encontravam
instalados desde 1º de setembro de 1943. O Delegado admitiu o professor
Antonio Theolindo Trevizan, cuja experiência adquirida43 muito contribuiu para
deslanchar os primeiros passos do SENAI nos estados do Paraná e Santa
Catarina.
Em 16 de março de 1944, o Delegado Regional Ivo Cauduro Picoli,
deixou o seu cargo na 7ª Delegacia para assumir a Chefia de Divisão de Ensino
do Departamento Nacional do SENAI. No entanto, este fato não alterou a
dinâmica de desenvolvimento do SENAI-PR.
Durante sua gestão, Picoli divulgou o SENAI nos dois Estados,
admitindo pessoal técnico e burocrático, instalando a Delegacia e os primeiros
42
O ESCUDO, maio 1954.
O professor Trevizan obteve suas experiências mais significativas na Escola Profissional Ferroviária
Coronel Tibúrcio Cavalcanti, de Ponta Grossa; bem como foi capacitado no Centro Ferroviário de Ensino
e Seleção Profissional, de São Paulo.
43
Cursos do SENAI em Curitiba, Ponta Grossa, Joinvile e Blumenau. Programou
a construção de Escolas de aprendizagem em Curitiba, Londrina, Ponta
Grossa, Florianópolis, Joinvile, Blumenau, Tubarão e Criciúma, cujas obras
foram, mais tarde, todas executadas, exceto a de Florianópolis, que foi
instalada em prédio adquirido e adaptado, e a de Criciúma, que foi transferida
para Siderópolis, por melhor satisfazer as necessidades de treinamento de
mineiros de carvão, em plena Segunda Guerra Mundial.
Para a substituição de Picolo na 7ª Delegacia Regional, foi indicado e
nomeado o Engº Flausino Mendes da Silva, que deu prosseguimento ao seu
programa. O novo delegado transferiu os cursos que funcionavam na Academia
de Comércio De Placido e Silva e da Escola Técnica de Curitiba para prédios
locados: um na rua Riachuelo, onde funcionou a Oficina de Aprendizagem de
Alfaiataria e eram ministradas aulas de cultura geral; e outro na Alameda
Princesa D. Izabel, onde eram ministradas as práticas de oficinas e as aulas de
cultura técnica.
Em 1º de junho de 1944 juntaram-se ao professor Trevizan os
professores Rubens de Assunção Miranda e Antonio Weinhardt, que muito
contribuíram com a
escola. Ambos possuíam capacidade e idealismo para
traçar os rumos pedagógicos do SENAI-Pr. O professor Miranda demonstravase preocupado com a conquista da cidadania pelo educando; e o professor
Weinhardt buscava o ajustamento social e contínuo do desenvolvimento da
personalidade do educando. Após ter se especializado na França, Weinhardt
dirigiu o setor de Orientação Profissional, implantando os cursos vocacionais
para alunos de 12 a 13 anos de idade. Possuindo conhecimentos sobre as
ferramentas e matérias primas, este procurava despertar o talento criativo e a
vocação profissional nos jovens.
Em 31 de dezembro de 1947, com a criação e o reconhecimento da
Federação das Indústrias, a gestão da 7ª Delegacia Regional do Paraná e
Santa Catarina encerrou seus trabalhos. A Delegacia então transforma-se em
Departamento Regional do SENAI, Escola Profissional de Curitiba ,conforme
previsto pelo Regimento do SENAI, aprovado pelo Decreto nº 10.009, de 16 de
julho de 1942.
Durante a gestão da 7ª Delegacia Regional no Paraná, foram
implantados cursos de formação profissional em Curitiba e Ponta Grossa, bem
como adquiridos terrenos para a construção de escolas de Aprendizes em
Curitiba e Londrina. Foram ministrados cursos de ajustagem, tornearia
mecânica, fundição, motor de explosão, eletricidade, solda, mecânica de rádio,
tornearia de madeira e construção civil. Importante lembrar, ainda, que após os
alunos concluírem as tarefas que compunham a respectiva “série metódica de
oficina”, passavam a trabalhar em equipes multidisciplinares na construção de
máquinas, aparelhos ou peças industriais: como caldeira a vapor, fogão de
cozinha, portão de ferro e mobiliário, que eram trocados com outras peças
industriais ou vendidas a alunos e servidores do SENAI. Já na aprendizagem de
construção civil, os aprendizes atuavam na construção de muros e pequenas
edificações.(DOMINSCHEK, 2008).
FIGURA 5 -
VISTA PARCIAL DA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA SENAI-PR –
LOCALIZADO NA RUA CHILE - CURITIBA - 1947
Fonte: Centro de Memória do Sistema FIEP
Na figura 5, a pose para a foto que registra a construção da Escola
SENAI-PR em 1947, localizada na Rua Chile, em Curitiba.
No início da fase departamental, o SENAI-PR já se encontrava
estruturado em duas divisões: a de contabilidade; e a de ensino, que ficou sob a
chefia do professor Antonio Theolindo Trevizan e englobava as seções de
seleção e orientação profissional. A seleção do pessoal para a administração e
para as unidades operacionais ficou a cargo do professor Antonio Weinhardt; e
a inspetoria de ensino sob a chefia do professor Lourival Sponholz. Essas duas
divisões abrangiam todas as ações — meio e fim — do Departamento Regional.
Nos Centros de Formação Profissional de Curitiba e Londrina eram
ministrados cursos de alfaiate, marceneiro, pedreiro, compositor manual,
mecanotipista, impressor, encanador, ajustador, serralheiro, mecânico de auto,
torneiro mecânico, soldador, mecânico, eletricista, eletricista Instalador,
mecânico de rádio, mestre de obras em construção civil, motor de explosão,
afiador de serras e cursos preparatórios para jovens e adultos.
Em 1949 possivelmente os cursos não preenchessem todas as vagas,
pois em aviso publicado pelo no Escudo lia-se,
Atenção: o SENAI está precisando de alunos e os meninos de
14 a 16 anos estão precisando de ofício, e o Brasil esta
precisando de artífices. Se você quer ser pedreiro, marceneiro,
mecânico, carpinteiro, gráfico, alfaiate, vá logo ao SENAI, à
Rua Chile e depois de três anos você já será artífice. Meninas
de 14 anos para cima também podem vir aprender costura no
SENAI44.
Os aprendizes do SENAI-PR, na escola de Curitiba, descreviam seus cursos
nos artigos do “Escudo” da seguinte maneira:
Minha Profissão - Colegas, a minha profissão é marceneiro.
Entrei no SENAI e quando cheguei não sabia nem pegar uma
ferramenta, mas agora já sei. Eu gosto muito da minha
profissão. Os nossos mestres tudo fazem com satisfação. A
Escola do SENAI está situada a rua Chile nº 1380. As
ferramentas individuais do marceneiro são: a serra de volta, o
esquadro, o rebote, a plaina, o martelo, o formão, a pua, os
grampos, a groza etc [...]. A minha profissão é que faz objetos
de madeira, como o guarda-roupa, a mesa a cadeira, etc [...].45
44
O ESCUDO, nov. 1949.
45
O ESCUDO, set. 1949.
Convidando os alunos a cursar a escola do SENAI de Curitiba, o aprendiz
Rodolfo Ratmann, enfatiza o valor de um curso no SENAI, e a sua inclinação desde
pequeno para o ofício de marceneiro:
O Meu ofício - Porque gosto do meu ofício? é uma pergunta
que faço a mim mesmo. Acho que meu ofício é muito bom.
Aprendo no SENAI o curso de marceneiro. Gosto dele porque a
verdadeira marcenaria forma artistas. Desde pequenino
apreciei o trabalho de madeira. Gostava de serrar e cortar tudo
que encontrava com o formão que meu pai possuía. Vendo
minha inclinação para o ramo, meu pai aprovou quando lhe
disse desejar especializar-me em trabalhos de madeira.
Convido pois a todos amigos que ingressem no SENAI. Para
isso é só fazer a matrícula e dizer ao diretor a arte que
pretende estudar. Vocês serão encaminhados a oficina e
também a uma firma industrial a qual, por sinal, irá recebê-los
com todo o prazer, pois sabem o valor do SENAI, no tocante ao
dia de amanhã. Somos nós que vamos representar e mostrar
que o que nos foi ensinado saberemos aproveitar. Viva o
SENAI!46
A figura 6 mostra a oficina de marcenaria do SENAI –PR, em Curitiba. Percebese o seriedade do ambiente do curso, os alunos paramentados com avental, cada um
em seu posto de oficio, os acompanham instrutores.
FIGURA 6 – OFICINA DE MARCENARIA - SENAI-PR – CURITIBA - 1950
46
Id.
Fonte: Centro de Memória do Sistema FIEP
Iracílio da Luz Garcia, aprendiz no curso de pedreiro descreveu a sua
profissão com detalhes:
Um aprendiz de Pedreiro - Eu sou trabalhador e freqüento a
Escola SENAI, onde estou matriculado no curso de pedreiros.
Entendo bastante sobre o assentamento dos tijolos, pedras e já
trabalho bem com a colher. Vou indo bem com meus trabalhos,
meus estudos, pois a escola SENAI, como ninguém, sabe
ministrá-los. A minha profissão é boa porque mais tarde será
dela que irei tirar o dinheiro para meu sustento e poderei
ganhá-lo como água. Enfim, trabalho com a colher, o
esfregador, o prumo, o nível, a régua, o balde e a pá, sabendo
também preparar a massa associada ao cimento.47
FIGURA 7 -
47
CURSO DE PEDREIROS, INSTRUTOR OSTROSKI - CURITIBA –
1955
O ESCUDO, jun. 1951.
Fonte: Centro de Memória do Sistema FIEP
Nesta figura 7, vemos novamente alunos paramentados em seus uniformes,
supervisionados pelo instrutor do curso para pedreiros.
Considerações Finais
Estes artigos publicados no jornal “O Escudo”, deixam transparecer o
orgulho e a satisfação pessoal do aprendiz em ser aluno de uma escola SENAI.
Mais do que isso, os artigos assumem o papel de propaganda, tornam-se
vitrines dos cursos ofertados, com requintes de detalhes, com forte exaltação à
pátria e ao progresso.
Neste sentido, o SENAI-PR veio se consolidando como escola
exemplar, formando aprendizes para o trabalho e conformando homens para a
vida, seguindo a doutrina pensada pelo idealizador do SENAI, Roberto Mange.
Importante ressaltar nestas considerações finais que como outras
fontes de pesquisa a fotografia permite analisar relações, podendo direcionar,
enriquecer a variedade das fontes com as quais o historiador atua.
Para Ciavatta (2002)48,
Se a imagem acompanha a vida humana como representação
da realidade ,como memória e expressão da cultura de um
povo,de uma época,garantia de uma visão do passado, hoje
com a comunicação informatizada,ela nos desafia a
compreendê-la em novas temporalidades como mediação
complexa dos processos.
As fotografias, em grande maioria produzida por fotógrafos não
identificados e/ou contratados pelo SENAI, apresentam momentos do processo
de formação dos aprendizes na ótica institucional.
A questão da vocação para o ofício, a organização dos cursos e do
aprendizado, a responsabilidade representada pela disciplina na freqüência às
aulas, bem como o cumprimento dos horários foram aspectos que se revelaram
nos artigos e que refletem a organização das escolas do SENAI-PR, traduzindo
uma cultura institucional que acompanharia o aprendiz em sua vida adulta e
profissional.
Este forte “conteúdo” ideológico elaborado nas escolas do SENAI nos
remete a refletir e considerar as análises de Marx e Engels sobre trabalho e
educação, relação que se articula no ensino profissional conforme aponta
Lombardi,
Marx e Engels insistiram, em praticamente todas as obras,
quanto a necessária articulação entre trabalho produtivo e
formação intelectual, entendendo que esta relação deveria ser
aberta a todos os educandos, e não somente aos filhos dos
trabalhadores. Não se tratava de um mero ensino técnico, da
aprendizagem de um ofício, mas de uma concepção de educação
fundada na articulação entre o ensino com o trabalho produtivo
pago. A articulação entre trabalho e educação tem sido
exaustivamente pesquisada e teoricamente debatida. Parece
haver relativo consenso de que essa análise marxista expressa
que ―trabalho e educação são atividades especificamente
humanas [...].(2010,p.231)
48
CIAVATTA,Maria. O mundo do trabalho em imagens: a fotografia como fonte histórica ( Rio de Janeiro,
1900-1930).Rio de Janeiro : DP&A.2002.
Todo conteúdo pedagógico e ideológico do curso de aprendizagem
do SENAI propiciava ao aprendiz um sentimento de autoestima, de confiança e
de auto realização, resultado de eficácia do ensino ministrado e da sintonia
com o ambiente da empresa (este é o discurso da empresa/escola), concepção
disseminada por Roberto Mange para a aprendizagem dos ofícios no SENAI.
REFERÊNCIAS
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CIAVATTA,Maria. O mundo do trabalho em imagens: a fotografia como fonte
histórica ( Rio de Janeiro, 1900-1930).Rio de Janeiro : DP&A.2002
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_____. O Ensino industrial-manufatureiro no Brasil: origem e desenvolvimento.
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ABC/TEM/SEFOR- FLCSO/Brasil (1999-2000).
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Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
DE HOMENS E MÁQUINAS v.1 – Roberto Mange e a Formação Profissional.
Acervo Roberto Mange: Inventario Analítico, 1991, SENAI-SP
DOMINSCHEK,D.L.O Escudo : a alma do SENAI-PR 1949-1962. Dissertação de
Mestrado – UFPR: 2008.
LOMBARDI, José Claudinei. Reflexões sobre educação e ensino na obra de Marx e
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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Oportunidades de preparação no ensino
industrial. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, 1950.
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Educar em Revista. Curitiba, PR: Editora da UFPR, nº 18, 2001.
SENAI. Histórias e percursos: o departamento nacional do SENAI (1942-2002).
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TREVIZAN, Antonio Theolinto. SENAI Paraná 50 anos. Curitiba: Champagnat, 1995.
WEISTEIN, B. (Re) formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-1964). São
Paulo: Cortez, 2000.
FONTES HISTÓRICAS
O ESCUDO - Órgão oficial dos alunos do SENAI. Curitiba: Oficina de Artes Gráficas
da Escola do SENAI, 1949-1962.
GT 09
SESSÃO 3
30/10/2013
ID: 455 (Pôster)
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO : AVANÇOS
E RETROCESSOS
Sabrina Janaina dos Santos Aguiar (Prefeitura Municipal de Curitiba/UNINTER)
Desiré Luciane Dominschek Lima (HISTEDBR- UNICAMP)
RESUMO
A educação brasileira ao longo de sua história vem admitindo a necessidade de
se formar cidadãos críticos, mas em algum momento deste processo de
formação o que foi almejado é impedido de se efetivar. A Educação
Profissional Integrada ao Ensino Médio através de suas políticas teria como
objetivo criar mecanismos de superação da dualidade estrutural minimizando a
dicotomia entre ensino profissionalizante e propedêutico, entendendo que esta
educação deve transcender ao mais alto grau das possibilidades de atuação,
tanto da escola como do docente. Este artigo objetiva uma primeira
compreensão sobre o modo de organização da Sociedade Capitalista e suas
implicações para a educação pública brasileira; busca estudar os aspectos
históricos da educação profissional no Brasil, estabelecendo uma análise das
Políticas Educacionais de ontem e hoje no que se refere aos aspectos da
Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio como forma de superação da
dualidade estrutural, pois devemos considerar os avanços e principalmente os
retrocessos relacionados à educação principalmente o Ensino Médio que tem
se constituído “como o nível de mais difícil enfrentamento, em termos de
organização, em decorrência de sua própria natureza de mediação entre a
educação fundamental e a formação stricto sensuO presente texto através de
uma pesquisa bibliográfica dos trabalhos de: Kuenzer, Frigotto, Ciavatta e
Manfredi busca compreender como a ideologia capitalista impede que a classe
trabalhadora utilize a educação profissional como objeto de mobilização, onde
o proletariado possui a oportunidade de receber uma educação capaz de retirar
as vendas que o impede de atuar como cidadão participativo e não dominado
pelos meios de produção.
Palavras-Chave: Educação Profissional Integrada. Ensino Médio. Dualidade
Estrutural.
REFLEXÕES INICIAIS
Vários estudos já apontaram os problemas sociais decorrentes da
organização da sociedade Capitalista49, onde a burguesia explora o
proletariado através da mais valia e as inversões dos objetivos educacionais
advindos dos programas Internacionais de Educação vão ao encontro da
manutenção da alienação que impede a mobilização da classe trabalhadora. A
crescente necessidade de formar sujeitos de forma critica para que tenham
condições de se mobilizar contra a classe que explora na luta por melhores
condições de trabalho e salário digno é motivo de discussões nos bancos
escolares.
Se os membros das camadas populares não dominam os
conteúdos culturais, eles não podem fazer valer seus
interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores,
que se servem exatamente desses conteúdos culturais para
legitimar e consolidar a sua dominação. (...) o dominado não se
liberta se ele não vier a dominar o que os dominantes
dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é
condição de libertação (SAVIANI, 2007, p. 55).
O ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio se propõe ensinar os
conteúdos culturalmente acumulados e a base profissional que capacita o
jovem para ingressar no mercado de trabalho e dar prosseguimento aos
estudos, desta forma “queremos que a educação geral se torne parte
inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a
preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos
educativos como formação inicial, como ensino técnico, tecnológico ou
superior” (CIAVATTA in FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 84),
podendo se libertar das amarras das correntes capitalistas. Para os filhos da
classe trabalhadora, ter a oportunidade de cursar o Ensino Médio de forma
Integrada à Educação Profissional e “exercer um trabalho digno será a única
49
Para um estudo mais aprofundado ver Saviani (2007).
possibilidade de continuar seus estudos em nível superior” (KUENZER, 2000,
p. 28).
A Pedagogia como ciência da educação possui o compromisso de
organizar os conteúdos científicos capazes de formar sujeitos críticos, por isso,
é importante que a formação inicial ou continuada dos Pedagogos aborde
assuntos políticos com o objetivo de compreender como a sociedade se
organiza e quais são os resultados para a Educação, deixando o discurso da
meritocracia de lado e procurando se organizar no interior das escolas
objetivando um trabalho pedagógico de qualidade junto aos professores.
Também entendendo que não é a escola que faz revolução, mas o sujeito que
dela sai.
Para melhor compreender o tema proposto apresentaremos um estudo
histórico da Educação Profissional Brasileira: a chegada dos Portugueses e a
colonização do Brasil; a Instituição dos Liceus de Ofícios; o período
Republicano e a ruptura das ações sindicais em decorrência do Estado Novo e
do Regime Militar; a Promulgação da primeira LDB – 4.024/61 – logo
substituída pela polêmica Lei 5.692/71, chegando às políticas atuais para o
Ensino Profissional e Médio Integrado. O decreto 2.208/97 – a legitimação da
ação Neoliberal no país, sua discussão e extinção diante de um novo governo
advindo da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que descrevemos as
mudanças recentes no Ensino Médio com relação à Educação Profissional –
decreto 5.154/04 e a Lei 11.741/08 – buscando uma análise dos aspectos da
integração como forma de superação da dualidade estrutural procurando
responder à pergunta: O Ensino Médio Integrado ao curso técnico é uma
proposta capaz de superar a dualidade estrutural ou se torna a reafirmação da
dicotomia entre ensino profissionalizante e propedêutico?
A Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio vem sendo
estudada e discutida por vários pesquisadores brasileiros dentre eles: Kuenzer
(2001), Frigotto e Ciavatta (2004) e Manfredi (2002).
O período Republicano marcado por um salto industrial e de urbanização
com construção das malhas ferroviárias, de indústrias e usinas e a
modernização tecnológica,
pedia também
qualificação profissional. As
chamadas escolas de ofícios cederam espaço para as redes de ensino
profissional que deveriam atender aos futuros trabalhadores assalariados que
não demoraram muito para se organizar e aderirem a movimentos grevistas.
Em vista destes movimentos as classes dirigentes vêem na educação
profissional um meio de atenuar “as idéias exóticas das lideranças anarcosindicalistas existentes no operariado brasileiro, o qual, na época, era
majoritariamente formado por imigrantes estrangeiros” (MANFREDI, 2002, p.
82), como também forma de crescimento social, econômico e político.
Mesmo o país ainda sendo de economia agrícola e as indústrias que
aqui estavam se instalando preferirem a cidade de São Paulo o presidente Nilo
Peçanha cria através do decreto 7.566 de 23 de setembro de 1909, 19 escolas
gratuitas de aprendizes artífices com instrução primária e ensino profissional,
uma em cada unidade da Federação, exceto no Rio Grande do Sul e Distrito
Federal.
Já que o decreto em seu art. 6º estabelecia que fossem “admitidos os
individuos que o requererem dentro do prazo marcado para a matrícula e que
possuirem as seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da fortuna: a)
idade de 10 annos no minimo e de 13 annos no Maximo” (BRASIL, 1909), a
estes não restava nenhuma alternativa a não ser ingressar no mercado de
trabalho no ofício ao qual se matriculara.
As escolas de aprendizes artífices atenderam em seus 33 anos de
funcionamento “141 mil alunos, uma média de 4.300 por ano. (...) Os ofícios
oferecidos eram os de marcenaria, de alfaiataria e de sapataria, mais
artesanais do que manufatureiros” (MANFREDI, 2002, p. 84), com exceção das
escolas de São Paulo que devido às indústrias instaladas, se obrigaram a
oferecer instrução de ordem fabril.
Vale lembrar que os sindicatos (uniões) também incentivavam a
educação dos trabalhadores e de seus familiares, entendendo que educar os
trabalhadores consistia em um importante veículo de conscientização de ideais
revolucionários. (MANFREDI, 2002, p. 91). Como podemos notar a educação
profissional no Brasil na
Primeira República se caracterizou como um período de
grandes transformações e de grande ebulição social, no qual
se gestaram novas práticas e concepções de Educação
Profissional: ao lado da concepção católico-humanistica,
orientada pelo trabalho com antídoto à preguiça, à vadiagem e
às idéias revolucionárias, a concepção anarco-sindicalista de
educação integral, finalmente, a visão de formação profissional
para o mercado de trabalho – para o exercício de funções e
atribuições dos postos de trabalho, segundo os padrões do
regime fabril e do trabalho assalariado capitalista. (...)
configurar-se-iam como matrizes político-pedagógicas de
referência ao longo de todo século XX (MANFREDI, 2002, p.
94).
A política do Estado Novo tratou de calar os movimentos sindicais e por
consequência suas iniciativas de educação para revoluções idealistas. Com a
criação do Ministério do Trabalho e ações como: instituição do “salário mínimo,
as férias remuneradas, a limitação da jornada de trabalho, a limitação da força
de trabalho feminina e infantil” (MANFREDI, 2002, p. 97), funcionaram como
moeda de troca, o Estado fornece “boas” condições de trabalho e o trabalhador
deixa de se mobilizar contra os ideais do Governo. Entre 1935 a 1942 foi
constituído como um período de intensa repressão das vozes dos
trabalhadores.
O decreto n° 19.890 de 18 de abril de 1930, conhecido como a reforma
Francisco Campos objetivava um currículo seriado em dois ciclos: um
fundamental com duração de cinco anos e outro complementar com duração
de dois anos, necessário para o ingresso ao ensino superior.
Em vista da Lei Orgânica 4.073 de 30 de janeiro de 1942 que
regulamentou a o Ensino Profissional, os Liceus de Artes e Ofícios passam a
integrar a rede de escolas de formação profissional, como destaca o art. 67 “O
ensino industrial das escolas de aprendizagem será organizado e funcionará,
em todo o País” (BRASIL, 1942).
O ano de 1942 também é marcado pela criação do SENAI e
posteriormente em 1946 o SENAC, ambos de “iniciativa privada, como forma
de atender às demandas de mão-de-obra qualificada” (KUENZER, 2001, p. 14).
Podemos observar como o Estado mantém em seus documentos oficiais
a obrigatoriedade da iniciativa Privada de também suprir a educação com
ações próprias. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
decorreu da exigência do artigo 5º, XV, d, da Constituição
Federal de 18 de setembro de 1946.(...) o ministro da
Educação, Clemente Mariani, constituiu uma comissão
composta por educadores de variadas tendências. A referida
comissão foi instalada em 29 de abril de 1947 (SAVIANI, 2006,
p. 31).
Muito se foi discutido, o projeto arquivado e retomado, emendado e
reformulado até que em 20 de dezembro de 1961, 15 anos depois das
primeiras aspirações, a Lei 4024 é promulgada “o mais importante é que essa
lei ganhou um caráter complementar à Constituição, de modo que todas as
esferas administrativas ficaram a ela subordinadas” (CERVI, 2005 p. 61). Três
anos depois o País seria cenário do golpe militar de 1964.
Em 1971 a Lei 5692 entra em vigor para substituir a Lei 4024/61, e desta
forma, completar “o ciclo de reformas educacionais destinadas a ajustar a
educação brasileira à ruptura política perpetrada pelo golpe militar de 1964 (...)
tal ruptura política constituíra uma exigência para a continuidade da ordem
socioeconômica” (SAVIANI, 2006, p. 119). A lei deliberava sobre o ensino de 1º
e 2º graus, numa visão de profissionalização universal. Manfredi (2002, p. 105)
ressalta que “o País objetivava participar da economia internacional e, neste
sentido delegou (entre outras coisas) ao sistema educacional a atribuição de
preparar os recursos humanos para a absorção pelo mercado de trabalho”, que
estava baseado no modelo de organização Taylorista50.
50
Cada trabalhador é sistematicamente treinado para alcançar o mais alto grau de eficiência e
aprende a fazer espécie de trabalho superior, que não conseguia fazer sob os antigos sistemas
de administração; ao mesmo tempo adquire atitude cordial para com seus patrões e condições
A proposta previa superar a dualidade estrutural, onde todos passariam
pelos mesmos cursos com o objetivo de se qualificar profissionalmente para o
mercado de trabalho, estava dada a “obrigatoriedade da habilitação para todos
os que cursassem o que passou a ser chamado de ensino de 2º grau”
(KUENZER, 2001, p. 16), agora estava superada a dualidade do ensino
prevista em lei. Na prática não representou um avanço para os filhos da classe
trabalhadora, visto que os mais pobres não conseguiam atingir níveis altos de
escolaridade.
Em decorrência das pressões dos setores educacionais a Lei 5692/71
foi sofrendo, em um curto período de tempo, várias
modificações, até se chegar em 1982, com a Lei 7.044 (...) a
velha dualidade, que, na prática, não havia sido questionada,
voltava, assim, a se manifestar, mas agora sem os
constrangimentos legais (MANFREDI, 2002, p. 106-107).
Oferecer cursos profissionalizantes para o ensino de 2º grau se torna
optativo para as instituições causando uma reafirmação da “escola com o
espaço para os já incluídos nos benefícios da produção e do consumo de bens
materiais e culturais” (KUENZER, 2001, p. 25), ao buscar na educação
superação da condição de classe trabalhadora e assalariada, estes que já são
excluídos historicamente, mantêm suas condições, mesmo permanecendo na
escola “posto que a “qualidade” desta escola, que era a qualidade do
academicismo livresco e da competência no fragmento, não correspondia à
“qualidade” necessária para superar a sociedade de classes que alimenta a
acumulação capitalista” (KUENZER, 2001, p. 25).
Com o enfraquecimento do regime Militar e as diversas mobilizações
sociais que culminaram na Constituição Federal de 1988, havia a necessidade
de também formular uma nova LDB. Como tudo no Brasil aconteça a passos
lentos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é votada e aprovada
de trabalho, enquanto antes grande parte de seu tempo era gasto em crítica, vigilância e
suspeita e, às vezes, franca hostilidade. Este benefício generalizado a todos os que trabalham
sob o sistema é, sem duvida, o mais importante elemento na questão (TAYLOR, 1990, p. 103).
após vários debates, emendas a favor do Estado e do Capital. Em 20 de
dezembro de 1996 entra em vigor a Lei 9394.
O texto previa a obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio (que só
veio a se concretizar pela Lei 12.061/2009 em seu art. 4º) e que a habilitação
profissional poderia acontecer de forma cooperativa com Instituições
Especializadas em educação profissional, o que possibilitou uma grande
descentralização das ações do Estado diante da educação profissional levando
os alunos para organizações privadas de Ensino Técnico Profissionalizante
concebendo que organizações civis teriam maior competência de realizar esta
educação (KUENZER, 2007, p. 1154).
LIMITES E POSSIBILIDADES DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA
EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO
Ao final do 1º mandato do Governo FHC (Fernando Henrique Cardoso)
quando o Decreto nº 2.208/97 entrou em vigor. Foi estabelecido através deste
que a educação profissional aconteceria de forma concomitante ou sequencial
ao Ensino Médio o que ocasiou a separação da
formação acadêmica da Educação Profissional, aproximandose muito mais dos interesses imediatos dos empresários e das
recomendações dos órgãos internacionais do que das
perspectivas
democratizantes
inerentes
aos
projetos
defendidos pelas entidades da sociedade civil (MANFREDI,
2002, p. 119).
Sabemos também que este período foi marcado pela inserção da
corrente Neoliberal no país “que exige racionalização do uso de recursos
finitos, redução da presença do Estado no financiamento das políticas sociais e
aumento da flexibilidade, qualidade e produtividade no sistema produtivo”
(KUENZER, 2001, p. 66). O Estado se torna mínimo por delegar suas
responsabilidades para organizações privadas, como saúde, educação e
segurança, crescendo com isso a prestação de serviços e a terceirização da
mão de obra, “um sem-número de ocupações precárias que embora ainda
sirvam à sobrevivência longe estão de permitir um mínimo de dignidade e
cidadania” (KUENZER, 2000, p. 27). Se já existia a fragmentação do trabalho,
com esta nova opção, as empresas de grande porte eximam-se da
responsabilidade sobre estes trabalhadores, que recebem cada vez menos, e
entendem pouco do processo que estão desenvolvendo.
É o mercado quem define onde o estado deverá investir. Se há uma
necessidade de mão de obra especializada na área técnica, o estado firmará
programas de capacitação técnica, incentivando escolas e institutos a abrirem
vagas de ensino nestas áreas, ele também oferta o ensino, com uma qualidade
inferior, mas a vaga existe.
O ensino sempre chega às famílias da classe popular, um exemplo são
os Liceus de Ofícios da Prefeitura Municipal de Curitiba, instalados nas ruas da
cidadania que passaram a oferecer cursos de qualificação e aperfeiçoamento
não estando sujeito a organização curricular (decreto 2.208/97, art. 4º).
Coincidentemente ou não com o período Imperial estes Liceus também
oferecem cursos gratuitos para jovens a partir de 16 anos que se encontra em
vulnerabilidade social. É o Estado servindo ao capitalismo, incentivando os
filhos da classe trabalhadora a se inserir no mercado de trabalho como
operador de tarefas. Quanto aos filhos da elite, a educação é diferenciada, são
formados para o rol dos intelectuais da sociedade, pois o
ensino superior não é para todos, mas sim para dirigentes e
técnicos de alto nível, para o que se exige estudantes bem
preparados pela educação primária e secundária, cujos
egressos devem ser rigorosamente selecionados, premiando
os que sejam realmente competentes (KUENZER, 2001, p. 68).
Muito comum para uma sociedade fundada na meritocracia e “de maior
desigualdade econômica, social, cultural e educacional do mundo, na qual se
legalizam o privilegio e a própria desigualdade. Uma sociedade legalista, mas
profundamente injusta e, portanto, de fraca legitimidade” (FRIGOTTO, 2004, p.
55), onde todos agem na normalidade frente às discrepâncias sociais, os 10%
mais ricos ganham 39 vezes mais em comparação aos menos favorecidos. “Ou
seja, um brasileiro que está na faixa mais pobre da população teria que reunir
tudo o que ganha (R$ 137,06) durante três anos e três meses para chegar à
renda média mensal de um integrante do grupo mais rico (R$ 5.345,22)”
(GAZETA DO POVO, 16/11/2011), em outra matéria do mesmo jornal o
Economista Marcio Pochmann51 admite que “existem ainda hoje, no país, cerca
de 16,2 milhões de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza – o
que significa que elas vivem com apenas R$ 72 por mês, ou o equivalente a R$
2 por dia” (GAZETA DO POVO, 01/05/2012).
Para o Capital é extremamente necessário a hierarquização das classes
sociais, e é absolutamente normal que altos cargos paguem a seus
profissionais remunerações exorbitantes e para a base da pirâmide salários
que não atendem as necessidades mínimas, quem dirá as descritas na
Constituição Federal de 1988, quando ressalta em seu art. 7º que o
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado,
capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de
sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com
reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo,
sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL,
1988).
Comparações como estas nos causam indignação, mas o que fazer? Em
vista que “somos uma sociedade estigmatizada por uma formação social
colonizadora e de marca escravocrata. Uma sociedade de pouca experiência
democrática e de uma democracia formal e fraca”52 (FRIGOTTO, 2004, p. 53),
o que impede qualquer forma de mobilização, já que aprendemos a nos manter
numa zona de conforto e a delegar para o outro qualquer atitude de
reivindicação.
51
Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1984) e doutorado
em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Atualmente é
Professor Livre Docente da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de
Economia , com ênfase em Políticas Sociais e do Trabalho. Atuando principalmente nos
seguintes temas: políticas de trabalho.
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Quando Frigotto afirma que nossa democracia é formal e fraca está nos apontando quanto a
superficialidade que a sociedade brasileira trata o assunto. Num sistema democrático de
governo o povo possui poder de decisão, escolhe por meio de voto quem deve lhe representar,
e no caso brasileiro esta escolha nem sempre é critica.
Durante a transição dos governos FHC para a gestão Petista de Lula, já
havia a critica ao decreto 2.208/97 e uma crescente mobilização da
comunidade escolar que observara com este
Em 23 de julho de 2004 ocorre a promulgação do Decreto nº 5.154, e
mais recentemente a Lei 11.741 de 16 de julho de 2008 que amplia o art. 36º
da LDB 9394/96, incluindo a Educação Profissional à educação básica
possibilitando a Integração desta formação ao Ensino Médio.
Devemos salientar que a busca por uma educação emancipatória advém
desde a promulgação da Constituição de 1988, e as primeiras discussão sobre
uma LDB quando esta “sinalizava a formação profissional integrada à formação
geral nos seus múltiplos aspectos humanisticos e cientifico-tecnológicos”
(FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 25), objetivos minimizados pela
Lei 9394/96 e silenciados pelo decreto 2.208/97.
Podemos então considerar que “o ensino médio integrado ao ensino
técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária
para se fazer a “travessia” para uma nova realidade” (FRIGOTTO, CIAVATTA e
RAMOS, 2005, p. 43), social que vem sendo almejada e impedida de se
efetivar.
Uma reflexão sobre o que seria uma formação integral neste momento
se faz necessária. Ciavatta in Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 85) nos
relata uma ideia quanto a formação integrada que
sugere superar o ser humano dividido historicamente pela
divisão social do trabalho entre ação de executar e a ação de
pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da
preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional,
simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua
gênese cientifico-tecnológica e na sua apropriação históricosocial. Como formação humana, o que se busca é garantir ao
adolescente, ao jovem, e ao adulto trabalhador o direito a uma
formação completa para a leitura do mundo e para a atuação
como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à
sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a
compreensão das relações sociais subjacentes a todos os
fenômenos.
A Diretriz Curricular para a Educação Profissional do Estado do Paraná,
quando enfatiza que esta é “uma politica de Estado, comprometida com a
emancipação da classe trabalhadora, na medida que pretende superar a
dualidade educacional, potencializando a construção de uma sociedade justa”
(PARANÁ, 2006, p. 9), aponta que o jovem terá a oportunidade de ter acesso
ao ensino técnico e erudito superando a dualidade do ensino, entretanto propor
a superação da dualidade estrutural sem que se supere o modo de
organização social Capitalista seria muita ingenuidade, pois
a superação da dualidade não é uma questão a ser resolvida
através da educação, mediante novas formas de articulação
entre o geral e o específico, entre teoria e prática, entre
disciplinaridade e transdisciplinaridade; ou mediante uma nova
concepção de competência que impacte as políticas e
programas de formação de professores. A dualidade só será
superada com a superação da contradição entre a propriedade
dos meios de produção e a propriedade da força de trabalho
(KUENZER, 2010, p. 862).
Podemos observar que a educação integrada empregada em nossos
bancos escolares visa à preparação para o mercado de trabalho e a
possibilidade de acesso ao ensino superior, não se parte de uma
contextualização das condições sociais causadas pela sociedade capitalista, e
como a massa trabalhadora possui força de mobilização. Existe aqui uma
enorme contradição do que deveria ser a Educação Integrada e o que ela
realmente é.
A educação não é redentora, não pode ser responsabilizada pelo caos
social, “ela é um recurso relevante para a compreensão dos fundamentos da
desigualdade” (CIAVATTA, 2005, p. 102).
Segundo Kuenzer (2010, p. 854), para a maioria dos jovens a escola, em
especial a pública, é o único espaço que lhes proporcionará acesso ao
conhecimento erudito, desta forma é primordial que sua oferta seja
democratizada – dada pela Lei 12.061/09 – e a permanência concretizada, é o
que a ainda almejamos.
Para
que
possamos
alcançar
um
índice
de
escolaridade
consideravelmente bom, com sujeitos participativos e críticos em todas as esferas,
devemos
desconstruir, primeiramente, do imaginário das classes
populares, o entulho ideológico impostos pelas classes
dominantes da teoria do capital, da pedagogia das
competências, da empregabilidade, do empreendedorismo e da
idéia que cursinhos curtos profissionalizantes, sem uma
educação básica de qualidade, os introduzam rápido ao
emprego (FRIGOTTO, 2005, p. 77).
Devemos recordar que quando a burguesia almejou mudança social – em favor
de seus ideais –, procurou-se através da escola, levar luz aos que estavam nas
trevas, tirando-os da servidão aos feudos. Naquele momento “escolarizar todos
os homens era condição para converter os servos em cidadãos, era condição
para que esses cidadãos participassem do processo político” (SAVIANI, 2007,
p. 40) e comungassem com as propostas contratuais burguesas. Portanto,
para que haja mudança social conceitos errôneos quanto à condição social da
maioria da população precisam ser desconstruídos com o propósito de
revolução.
O currículo integrado deveria ter a função de levar aos nossos jovens a
“compreensão dos fundamentos técnicos, sociais, culturais e políticos do atual
sistema produtivo” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p.15), e não
somente a um conhecimento tácito – de saber fazer algo – de um lado e a
possibilidade de prosseguimento dos estudos de outro, se tornaria ferramenta
eficaz de mudança do sujeito, e este sim, mobilizador de consciências em
busca de melhores condições trabalhistas com objetivo de minimizar as
disparidades econômicas entre as classes sociais.
Quando a escola entende que a integração é “a adição de um ano de
estudos profissionais a três de ensino médio (a chamada estrutura 3 + 1)”
(RAMOS in FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 122), impede que a
desconstrução de conceitos se realize e como conseqüência o jovem é privado
de realmente ter uma formação integral.
Não podemos deixar de lembrar que a atuação do professor,
desempenha um papel importantíssimo na formação do aluno, desta forma, há
a necessidade do profissional do magistério ter uma visão critica da sociedade
– dada pela formação inicial ou continuada –, não estamos querendo dizer que
a responsabilidade é toda do docente, mas quando este assume os objetivos
descritos no PPP (Projeto Político Pedagógico)53, a probabilidade de o jovem
desenvolver consciência critica aumenta.
Muitos se desmotivam e acabam por incutir o discurso meritocrático e
deixam de sonhar, não se permitem mais buscar uma ideologia de igualdade e
passam a concordar que realmente precisamos da divisão social e do trabalho,
e reproduzem dentro de sala de aula tal desigualdade, contudo, “sabemos que
a desigualdade não é gerada na escola, mas na sociedade. A escola pode
reforçá-la ou contribuir para a sua superação” (FRIGOTTO, 2004, p. 58). No
que se refere à educação profissional na visão capitalista a “escola tem por
missão impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta
revolucionária” (SAVIANI, 2007, p. 27), com isso calar a voz da classe
trabalhadora.
Devemos ressaltar que antes de ser professor o sujeito é “reflexo da
fração da sociedade civil da qual faz parte, ou seja, da totalidade das relações
sociais que se dão na família, na sua vizinhança e na sua comunidade”
(CORRÊA in FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005, p. 142), por isso
integrar à educação básica mecanismos de superação deste círculo vicioso
onde o conformismo advindo de sua experiência quanto cidadão, pode
“influenciar os professores nas suas opções pela adoção de determinada teoria
pedagógica, a didática, os currículos, a organização da escola como um todo,
enquanto espaço de socialização” (CORRÊA in FRIGOTTO, CIAVATTA E
RAMOS, 2005, p. 143), é urgente, se realmente almejamos mudança.
53
O projeto pedagógico é o projeto de cidadania da escola, define a intencionalidade e as
estratégias da escola (BORDIGNON in FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 308).
Superar a dualidade vai além de ensinar uma profissão num currículo
integrado com a última etapa da educação básica – o ensino médio – ela diz
respeito a uma formação que transcende tudo que conhecemos, é considerar o
sujeito como um “homem completo, que trabalha não apenas com as mãos,
mas também com o cérebro e que, consciente do processo que desenvolve,
domina-o e não é por ele dominado” (MANACORDA, p. 95). É o homem quem
deve decidir sobre seu trabalho54 e não a sua origem de classe, este quando
consciente dominará os processos de produção, e não se deixará dominar,
porque entende as entrelinhas do discurso neoliberal.
Um país só pode crescer como nação através da formação de seu
cidadão, um primeiro passo precisa ser dado, “o novo não surgirá do nada, de
forma instantânea ou da cópia de outras sociedades” (FRIGOTTO e
CIAVATTA, 2004, p. 14) que pouco se assemelham histórica e culturalmente
com o Brasil.
O retrato da educação brasileira atualmente não condiz com o
idealizado, pois
para os filhos da burguesia e pequena burguesia, as escolas
médias de educação geral ofertadas pela iniciativa privada
atendem às suas demandas de acesso ao ensino superior;
para os estratos médios e para parcela menos precarizada da
classe trabalhadora, os cursos de educação profissional e
tecnológica ofertados pelo setor público, embora de reduzida
oferta, atendem à necessidade de inserção no mercado de
trabalho, com o que viabilizam seu acesso ao ensino superior,
na busca por ascensão social (KUENZER, 2010, p. 867).
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Devemos aqui ressaltar o duplo sentido de trabalho: “a) ontológico, como práxis humana e,
então, como forma pela qual o homem produz sua própria existência na relação com a
natureza e com os outros homens e, assim, produz conhecimento; b) histórico, que no
sistema capitalista se transforma em trabalho assalariado ou fator econômico, forma específica
da produção da existência humana sob o capitalismo; portanto, como categoria econômica e
práxis produtiva que, baseadas em conhecimentos existentes, produzem novos
conhecimentos” (RAMOS in FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 46).
E o que resta aos desvalidos55 da sorte? A estes a educação básica
precisa perseguir “o desenvolvimento intelectual de seus alunos, de modo que
possam se tornar dirigentes” (RAMOS in FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p.
50). Sujeitos que possuem poder de decisão de seu próprio meio de
subsistência e não adaptados e conformados ao meio, para isso a utopia
precisa sim brotar e transcender ao mais alto nível da realidade, admitindo que
os avanços e retocessos ainda estão presentes na educação brasileira
e que
o Ensino Profissional Integrado ao Ensino Médio pode ser objeto de
mobilização social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período Republicano afamado pela modernização, pelo salto
industrial, pelas construções de malhas ferroviárias institui a educação
profissional para o atendimento das necessidades do progresso, entendendo
que quanto mais o povo trabalha menos tempo possui para reinvindicação, não
há espaço para pensamentos críticos.
O Ministério do Trabalho instituído pelo Estado Novo cumpre bem este
papel de repressão através de medidas de benefícios nunca antes
disponibilizados para os trabalhadores: férias, diminuição da carga horária de
trabalho, o afastamento da mão de obra infantil, dentre outras. O Sistema “S”
também possui objetivos disciplinadores através do ensino profissionalizante.
O militarismo que imperou nos pais por duas décadas impediu
manifestações de qualquer ordem contra a exploração da mão de obra
assalariada. Podemos observar que a cada momento histórico em que existe
um clamor para olharmos as discrepâncias de redistribuição de renda há uma
medida de contenção dos ânimos, admitida diversas vezes legalmente.
Foi o que ocorreu com a promulgação do decreto 2.208/97, que
ocasionou a separação da educação profissional da educação básica,
impossibilitando que os filhos da classe trabalhadora tivessem acesso a uma
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“os sujeitos a que nos referimos são predominantemente jovens e, em menor número,
adultos, de classe popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de
forma precária por conta própria, do campo e da cidade, de regiões diversas e com
particularidades socioculturais e étnicas” (FRIGOTTO, 2004, p. 57).
educação que os formasse para atuar como cidadãos conhecedores de seus
direitos e que pudessem entender a importância de um povo atuante
democraticamente nas decisões.
Optou-se por retomar alguns aspectos históricos para que o leitor
pudesse também refletir: o ensino técnico integrado ao ensino médio que hoje
é oferecido nos bancos escolares públicos não se aproxima do que acabamos
de ler?
Várias vezes reafirmamos que a educação não é redentora, ela por si só
não pode fazer revolução e que a desigualdade é produzida na sociedade. A
escola pode contribuir para que o sujeito que dela sai seja capaz de
mobilização em busca de minimização das ideologias dominantes, ou que seja
por elas dominado.
Devemos
lembrar
que
o
professor
desempenha
um
papel
importantíssimo neste processo. Ele também é fragmento da sociedade que
temos, também é trabalhador e por muitas vezes acaba por refletir na escola
em que atua a sua própria condição social e deixa o conformismo impedir que
o círculo vicioso se quebre. A formação inicial e/ou continuada destes docentes
precisa engrossar as honrosas exceções dos profissionais que não se
conformam com os manuais práticos que ensinam a dar aula, pelo contrário,
vão ao limite de suas possibilidades para assumir os objetivos descritos no
Projeto Político Pedagógico da escola.
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GT 9 Sessão 3