ANAIS XIII ENCONTRO NACIONAL DA ABET 28 a 31 de outubro de 2013 – Curitiba-PR GT 09 SESSÃO 3 ID 177 POLÍTICAS DE CERTIFICAÇÃO PROFISSIONAL NA INGLATERRA: DISPOSITIVOS DE RECONHECIMENTO DE SABERES DO TRABALHO Natália Valadares Lima1 Daisy Moreira Cunha2 Resumo: O presente artigo tem como objetivo apresentar e analisar os dispositivos de certificação profissional que viabilizam o reconhecimento de saberes construídos pelos sujeitos durante a experiência de trabalho elaborados pelo governo inglês. Para tal, através de pesquisa bibliográfica e documental, realizaremos um mergulho histórico na configuração econômica, política e educacional da Inglaterra durante as duas últimas décadas do século XX, levantando aspectos que determinaram a configuração do National Vocational Qualification (NVQ), um dos primeiros mecanismos de avaliação e certificação de saberes de trabalhadores desenvolvido mundialmente, as modificação realizadas nesse dispositivo até sua extinção e substituição pelo Qualification and Credit Framework (QCF) em 2008. Palavras-chave: Certificação Profissional; Inglaterra; Reconhecimento de saberes. 1 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da FaE/UFMG. Bolsista da CAPES. E-mail: <[email protected]> 2 Professora do PPGE/UFMG. E-mail: <[email protected]> Abstract: This article aims to present and analyse the devices of vocational certification that enable the recognition of knowledge constructed by the subjects during their work experience implemented by the British Government. To this end, through bibliographical and documentary research, we will explore the economic, political and educational setting of England during the last two decades of the 20th century, raising issues that led to the setting of the National Vocational Qualification (NVQ), one of the first mechanisms for evaluation and certification of work-based knowledge developed worldwide, the modifications performed on this device until its extinction and replacement by the Qualification and Credit Framework (QCF) in 2008. Keywords: Vocational Certification; England; Recognition of knowledge. Introdução O presente trabalho tem como objetivo apresentar e analisar os dispositivos de certificação profissional que viabilizam o reconhecimento de saberes construídos pelos sujeitos durante a experiência de trabalho elaborados pelo governo inglês. Para tal, realizaremos um mergulho histórico na configuração econômica, política e educacional da Inglaterra durante as duas últimas décadas do século XX, levantando aspectos que determinaram a configuração do National Vocational Qualification (NVQ), um dos primeiros mecanismos de avaliação e certificação de saberes de trabalhadores desenvolvido mundialmente, as modificação realizadas nesse dispositivo até sua extinção e substituição pelo Qualification and Credit Framework (QCF) em 2008. Este artigo é fruto das investigações iniciais da pesquisa de mestrado Reconhecimento de saberes do trabalho e Certificação Profissional: o caso inglês e integra o projeto de pesquisa sobre os sistemas de reconhecimento de saberes e certificação profissional desenvolvidos mundialmente, ainda sem financiamento. A metodologia adotada para análise aqui proposta se pauta-se na revisão documental e bibliográfica. A primeira consiste na apreciação de documentos legais emitidos pelo governo da Inglaterra, voltados para regulamentação dos dispositivos de certificação profissional que possibilitam o reconhecimento de saberes construídos no trabalho, e na análise da documentação emitida pelas agências responsáveis pelo acompanhamento dos trabalhadores no processo de certificação e avaliação de seus saberes. A revisão bibliográfica tem como objetivo de identificar de que forma as discussões sobre validação de saberes desenvolvidos na experiência de trabalho se configuram na Inglaterra. Neste sentido, foram foco desta pesquisa trabalhos que contemplam as temáticas: certificação e qualificação profissional, avaliação e reconhecimento de saberes, National Vocational Qualification, e educação de trabalhadores. Segundo Moraes e Neto (2005), as políticas nacionais que instituem e regulamentam instrumentos de validação de conhecimentos construídos ao longo da vida3 põem em jogo interesses de diferentes atores sociais e, por isto mesmo, desencadeiam disputas ideológicas e envolvem questões políticoepistemológicas importantes. Os referenciais teórico-metodológicos adotados em cada país para organização do dispositivo de reconhecimento e certificação de saberes são orientados por suas finalidades econômicas, sociais e/ou políticas. Ou seja, enquanto alguns países desenvolveram sistemas de validação de experiência articulados aos direitos de trabalho e educação, buscando atender as reivindicações sociais, outros viram neste instrumento a possibilidade de adequar os programas de formação e qualificação de mão de obra às exigências do setor produtivo (ECOTEC, 2007). Na Inglaterra, o dispositivo de certificação de saberes foi concebido no bojo do governo neoliberal conduzido por Margareth Thatcher e norteado por anseios políticos e econômicos, em detrimento das demandas sociais. Para o governo inglês, a introdução de um dispositivo que definisse objetivamente todas habilidades e competências necessárias para certificação profissional permitiria aos trabalhadores identificar e desenvolver, por conta própria, os conhecimentos essenciais para o crescimento do setor produtivo (TREVISAN, 2001), transferindo, desta forma, a responsabilidade pela formação profissional do Estado para os indivíduos. Para colocar em prática esta proposta, o governo conservador se norteou pelo modelo americano de competências, que propunha a racionalização de elementos indispensáveis para um desempenho 3 Na Europa estes programas são intitulados Lifelong Learning. eficiente e se voltava para a avaliação de “capacidades efetivas” dos sujeitos (ARAÚJO, 2001). Desde sua concepção, o NVQ vêm sendo alvo de críticas por parte de empresários, representantes dos trabalhadores e da academia, uma vez que não conseguiu atender as demandas de nenhum deste atores. As alterações do NVQ ao longo de sua vigência e, finalmente, sua substituição pelo QCF em 2008, trazem à tona aspectos importantes para pensamos a definição de instrumentos de reconhecimento de saberes com fins de certificação profissional. As ponderações sobre esses mecanismos levantam questões sobre: as concepções de trabalho e experiência que fundamentam o processo de certificação; a possibilidade de racionalização e formalização de saberes da experiência; a tensão entre trabalho real e trabalho prescrito; a relevância da avaliação de competências; o papel do Estado, empresários e trabalhadores para definição dos conhecimentos legitimados/certificados; e os limites e possibilidades do processo de reconhecimento de saberes (HYLAND, 2007; WOLF, 2009). Apesar de considermos todas estas questões de extrema relevância para se pensar a construção de um sistema de reconhecimento de saberes e certificação profissional, nos focaremos neste trabalho, tendo em vista a escassez de pesquisas sobre este tema, em apresentar o contexto de implementação do National Vocational Qualification, sua orientações teóricometodológicas, as criticas a esse dispositivo, até a sua substituição por um novo mecanismo de reconhecimento de saberes. Contexto histórico A organização dos dispositivos de certificação profissional da Inglaterra, assim como a reestruturação do sistema educacional inglês, foi orientada por demandas oriundas da crise econômica que atingiu o país durante as décadas finais do século XX. Os problemas econômicos vivenciados na Inglaterra, iniciados nos anos 1960 e agravados durante 1980, foram atribuídos à falta de adaptabilidade da mão de obra inglesa às novas tecnologias, que, por sua vez, foi relacionada à má formação do trabalhador britânico, considerado inabilitado para alcançar altos índices de produtividade no novo contexto de desenvolvimento tecnológico (TREVISAN, 2001). Neste sentido, estabeleceu-se uma relação linear entre educação, qualificação e desenvolvimento econômico, utilizada para justificar a intervenção governamental na organização dos sistemas de educação e de formação profissional. A crise econômica fez com que o governo inglês intensificasse a busca por caminhos que culminassem na elevação da produtividade e no desenvolvimento de novos produtos e mercados (CARVALHO, 1996). A alternativa encontrada pelo Partido Conservador, então no poder, centrou-se na privatização das indústrias nacionais. A privatização foi apresentada como meio de modernizar as técnicas de produção industrial, aumentando a competitividade dos produtos ingleses e restabelecendo o potencial produtivo do país (TREVISAN, 2001). O processo de privatização e o desenvolvimento tecnológico reorganizaram quase todos os setores de atividades econômicas e estabeleceram novos modelos de relações de trabalho. A adesão às novas tecnologias enfraqueceu os dogmas tayloristas de organização do trabalho e nesse novo modelo produtivo o mercado de trabalho passou a buscar trabalhadores dotados de múltiplas habilidades, responsáveis, autônomos e capazes de se adaptarem às modificações no processo de produção (CARVALHO, 1996). Além disso, na Inglaterra, constatou-se a modificação do perfil do trabalho, caracterizada pela redução no número de empregos no setor industrial e um aumento proporcional no setor de serviços, já em expansão desde meados dos anos 1970 (TREVISAN, 2001). No entanto, apesar destas alterações, a crise econômica na Inglaterra continuava se agravando. A resposta encontrada pelo governo inglês para justificar esta situação se centrou na falta de qualificação da mão de obra inglesa para lidar com os aparatos tecnológicos introduzidos nas empresas. A culpabilização do sistema educacional pelos problemas econômicos na Inglaterra não tem origem neste momento histórico. Nos anos 1870, com o declínio da economia britânica e aumento de competitividade da Alemanha, relatórios governamentais e obras populares já afirmavam que a má qualidade da educação, principalmente da educação profissional, era responsável pelo falta de competitividade da indústria britânica (SANDERSON, 2008). Ao analisar o declino econômico da Inglaterra neste período, Schumpeter (1939) afirma que a modificação do tipo e local de emprego, derivado da alteração dos meios de produção, exigia outro tipo de capacitação profissional daqueles em busca de trabalho. Segundo Sanderson (2008, p. 32), o governo de Margareth Thatcher recorreu às obras produzidas no início do século XX para justificar as dificuldades econômicas encontradas durante sua gestão. Desta forma, o governo conservador passou a se pautar na máxima de que o mercado de trabalho inglês requeria um novo tipo de trabalhador, dotado de múltiplas habilidades e capaz de adaptar-se a diferentes situações, mas que o sistema educacional falhava em formar tais sujeitos. A educação passou, então, a ser apontada como a principal causa do declínio econômico britânico (TREVISAN, 2001, p. 173). No relatório realizado pela Câmara dos Lordes, em 1985, é explicitada a importância atribuída ao “tratamento dos recursos humanos” e à educação para o desenvolvimento da economia nacional. De acordo com o documento, estudos mostram que a deficiência nos campos da educação e formação de mão de obra é o fator que apresenta maior influência sobre a baixa performance da indústria nacional, e, segue afirmando, que “é através de um melhor sistema educacional que uma nova atitude, fundamental para o setor industrial, será estabelecida”4 (HOUSE OF LORDS, 1985). Paralelamente a este relatório, foram realizados estudos que demonstravam que os trabalhadores britânicos não possuíam habilidades fundamentais, como letramento e conhecimento das operações matemáticas (MARCHIN e VIGNOLES, 2006). Diante desta realidade, na década de 1980, o governo inglês deu ênfase à implementação de programas voltados para a valorização da experiência de trabalho como rota de formação alternativa ao mundo acadêmico, incentivando jovens cursando o ano final da educação compulsória5 a se inserirem no mercado de trabalho. Contudo, para atender às 4 http://hansard.millbanksystems.com/lords/1985/mar/25/education-and-training-for-new-1 No Reino Unido a educação compulsória é destinada à pessoas entre 5 e 16 anos de idade e é dividida em 4 etapas, a saber: Key Stage 1, atende crianças entre 5 e 7 anos; Key Stage 2, voltado para crianças entre 7 e 11 anos; Key Stage 3, destinada a crianças entre 11 e 14 anos; e Key Stage 4, abrange alunos entre 14 e 16 anos. 5 exigências das empresas, era necessário que estes jovens apresentassem habilidades distintas daquelas já possuídas pelos trabalhadores ingleses (TREVISAN, 2001). Ou seja, para que a escola formasse trabalhadores que atendessem os requisitos do mercado de trabalho inglês, era necessária a alteração dos conteúdos ensinados durante a educação compulsória e profissional. Até o início dos anos 1980, a formação profissional inglesa era realizada através de estágios, nos quais os alunos observavam e repetiam as ações de trabalhadores mais experientes. Esta forma de aprendizagem passou a ser amplamente criticada pelo governo inglês, que afirmava que este tipo de formação impossibilitava o desenvolvimento das novas habilidades necessárias para o sucesso do processo produção, pois a aprendizagem era limitada aos conhecimentos dos trabalhadores sobre os processos de produção já estabelecidos. Em 1978, a Manpower Services Commission (MSC)6 estabeleceu o Programa Youth Opportunities, voltado para o atendimento de jovens desempregados e evadidos do sistema de ensino. O Programa visava a preparar esses jovens, considerados não qualificados, para ingresso no mundo do trabalho, tendo em conta suas experiências de trabalho, procurando estabelecer uma relação entre trabalho e educação. A experiência de trabalho foi tomada como referência para se pensar como a educação poderia ser “apropriada” ou “relevante” para as situações de trabalho nos quais os estudantes estariam inseridos. As críticas a este programa estavam centradas na natureza artesanal dos trabalhos abordados e na oferta de formações profissionais especificas, com pouco embasamento teórico e que propiciava um desenvolvimento pessoal limitado (HARWOOD, 1996). Ainda procurando aproximar educação e as exigências dos empregadores, em 1981, foi publicado o livro branco New Training Initiative: a Programme for Action. Neste documentos formam apresentadas demandas por mudanças no sistema de formação profissional. Dentre as principais estão: a flexibilização dos requisitos de entrada nesse sistema, a fim de ampliar as 6 O MSC foi instituído pelo Employment and Training Act de 1973 como parte do Departament of Education, apoiado pelas Training Services Agency e Employment Services Agency, com o objetivo de melhorar a formação industrial. oportunidades para os adultos adquirirem, aumentarem ou atualizarem suas habilidades e conhecimentos; a reforma e ampliação das habilidades normatizadas por esse sistema; e a progressão entre os níveis do sistema de educação baseada na aprendizagem ao invés de no tempo gasto em frequência de cursos. De acordo com Trevisan (2001), o livro branco propunha um maior controle do governo sobre o conteúdo da formação do trabalhador, o aumento da flexibilidade do trabalhador no processo de produção e a ampliação participação de empresários em assuntos relacionados à educação. O New Training Initiative sugeria a criação do Youth Training Scheme (YTS), que tinha o mesmo público alvo do Programa Youth Opportunities, então extinto. O YTS, implementado em 1983, propunha uma maior relevância do currículo, bem como o desenvolvimento de atividades mais relevantes para o indivíduo e para a comunidade. Esse programa procurou estabelecer critérios objetivos de avaliação, voltados para as demandas do mercado de trabalho. Ele consistia em cursos voltados para formação e inserção de jovens e adultos no mundo do trabalho, relacionando a oferta de estágios com a frequência a cursos de formação (JESSUP, 1991). Contudo, as especificações dos conteúdos de formação e avaliação não foram unificados com este programa e coexistiam na Inglaterra programas de formação profissional que adotavam parâmetros diversificados. Para reorganizar o sistema de educação nacional o governo Thatcher elaborou o Education Reform Act de 1988. Este documento modificava perfil da educação nacional, centralizava a definição dos conteúdos curriculares e estabelecia um sistema de avaliação unificado, possibilitando o controle dos conteúdos ensinados e da qualidade do ensino. A formulação do currículo nacional, que padronizava dos conteúdos educacionais ensinados nacionalmente, visava garantir padrões mínimos de qualidade para a educação obrigatória e controlar as habilidades e conhecimentos desenvolvidos pelos alunos durante este período. O currículo nacional foi organizado em módulos de ensino, que delimitavam competências e conhecimentos a serem adquiridos em cada etapa do ensino, auxiliando na implementação de um sistema de metas de aprendizagem por unidade escolar (PRADO, 2011). Com este sistema, ao final de cada etapa da educação compulsória, os alunos deveriam se submeter a avaliações padronizadas, realizadas nacionalmente, estruturadas de acordo com os conteúdos curriculares previamente estabelecidos. A avaliação, por meio do Education Reform Act de 1988, adquire um papel fundamental no processo de aprendizagem, pois é através da análise de seus resultados que serão criados novos elementos para a reorganização do sistema educacional (JESSUP, 1991). No âmbito da qualificação profissional, as diretrizes foram unificadas e centralizadas através da implementação do NVQ, que estabelecia os critérios de avaliação e certificação de trabalhadores. O NVQ foi elaborado pelo grupo de trabalho constituído pelo governo inglês, chefiado por De Ville, para analisar a organização da formação profissional no país. O relatório originário dessa análise apontou para a necessidade de criação de um sistema nacional de formação profissional. De acordo com De Ville (1986), esse sistema possibilitará o aumento das competências dos trabalhadores, o aumento da competitividade da indústria nacional e melhorará a qualidade dos serviços prestados. O autor justifica a necessidade de elaboração de sistema nacional apresentando os seguintes pontos: a nação precisa de maior número de pessoas bem qualificadas; é necessário uma ação para reduzir a confusão causada por diferentes programas formação; as formações profissionais devem se relacionarem diretamente com as competências requeridas pelo mundo do trabalho (1986, p. 01). O NVQ foi apresentado como um instrumento necessário para aprimorar as habilidades dos indivíduos já inseridos no mercado de trabalho, uma vez que o país não poderia se dar ao luxo de esperar o aumento gradual do nível de qualificação e de habilidades dos trabalhadores por uma geração ou mais. Além disso, segundo Jessup, “os novos trabalhadores também necessitarão de treinamento contínuo para atualizar e aprimorar suas habilidades, e para se adaptarem às mudanças requeridas pelo trabalho”7 (1991, p. 96). Por meio do NVQ, o governo definiu as normas orientavam os programas de capacitação e avaliação de trabalhadores, buscando estabelecer 7 “(…) the new entrants to the workforce will also need continuing training to update and improve their skills, and to adapt to changing work requirements” (JESSUP, 1991, p.96). uma coerência entre habilidades requeridas pelo mercado de trabalho e competências dos trabalhadores, sem, no entanto, assumir responsabilidade pelo processo de treinamento dos trabalhadores. De acordo com Trevisan, “Esse processo, aparentemente contraditório, só foi possível porque se desenvolveu um sofisticado ‘sistema de competências’, mantendo-o rigorosamente sob controle” (2001, p. 201). Uma análise das políticas de educação e qualificação do trabalhador do governo Thatcher explicita que estas se basearam no modelo de competências para fomentar o desenvolvimento de habilidades pelos trabalhadores compatíveis com as necessidades dos empregadores na Inglaterra. Segundo Araújo, “A partir da noção de competências, um novo discurso sobre formação profissional se apresenta prometendo ser capaz de responder às novas demandas do mercado de trabalho, sustentando um conjunto de ideias sobre como deve ser a formação da classe trabalhadora. Tal discurso, apesar de não homogêneo, coloca-se como um elemento da nova realidade da sociedade capitalista pós-fordista e tem a pretensão de responder às exigências desta nova realidade e de estabelecer novas práticas formativas e, com isso, contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e de homens plenamente desenvolvidos” (2001; p. 09). O modelo de competências, da forma como foi adotado na Inglaterra, estava voltado para o estimulo do desenvolvimento de habilidades individuais pelos membros da sociedade. Neste modelo, trabalhador competente é aquele capaz de mobilizar qualidades subjetivas para realizar diferentes tarefas que compõem determinada atividade de trabalho, independente de frequência a cursos de formação profissional ou ao sistema de educação formal (ISAMBERT-JAMATI apud ARAÚJO, 2001). Em consonância com o foco na constatação das “capacidades efetivas” do sujeito, a avaliação de resultados assume um papel central nos sistemas de educação e de qualificação profissional. No primeiro, o governo inglês desenvolveu o Standard Assessment Tasks (SATs), que define conteúdo e forma das avaliações no final de cada etapa do ensino regular. No segundo, através do NVQ, foi definido um referencial para avaliação padronizada dos sujeitos durante a atividade de trabalho voltado para a certificação profissional. Para além da centralidade da avaliação, um mergulho na história dos dispositivos de certificação profissional implantados na Inglaterra nos mostra que a noção de competências introduziu uma nova forma de tratar a questão da qualificação dos trabalhadores. Estes instrumentos, até os dias atuais, se articulam em torno de características inerentes à esta noção. São elas: foco nas capacidades individuais; ênfase no desenvolvimento de habilidades transferíveis; responsabilização do sujeito pelo processo de aquisição de habilidades, ingresso e permanência no mercado de trabalho; e valorização da autonomia e capacidade crítica dos trabalhadores, para o enfrentamento das demandas oriundas da flexibilização da produção. (ARAÚJO, 2001, p. 12). A forma como estes aspectos estão presentes nos dispositivos de certificação profissional será apresentada no próximo tópico. Configuração dos dispositivos de certificação profissional na Inglaterra A implementação do NVQ trouxe à tona discussões em torno dos aspectos teórico-metodológicos que orientavam a avaliação e certificação de saberes dos trabalhadores na Inglaterra. Ao longo das últimas décadas, como resposta às críticas a este mecanismo, o governo nacional realizou alterações estruturais no NVQ, sem, no entanto, debater os conceitos que norteavam os processos de avaliação e certificação. Isto foi possível porque os dispositivos de certificação de profissional na Inglaterra sempre se voltaram para a satisfação das exigências do mercado de trabalho, aferindo as habilidades diretamente requeridas para o exercício de determinada atividade. Conforme dito anteriormente, o NVQ foi concebido por De Ville em 1986. No documento apresentado pelo autor é proposto a implementação do National Council for Vocational Education (NCVQ), como órgão responsável pela elaboração de um sistema nacional de formação profissional. As atividades propostas para o NCVQ diziam respeito à elaboração e regulação desse sistema, não cabendo a ele avaliar e certificar sujeitos. Nesse sentido, caberia a esse Conselho garantir o cumprimento dos critérios estabelecidos no relatório supracitado para o NVQ, a saber: inteligibilidade, relevância, credibilidade, acessibilidade e eficácia. De Ville (1986, p. 17 – 18) apresenta esses critérios da seguinte forma: 1. Inteligibilidade: a) A estrutura do novo sistema de formação profissional deve ser facilmente compreendida por todos, especialmente pelos responsáveis por fornecer cursos de formação geral e profissional, estudantes, empregadores e sindicatos; b) A matriz de conteúdos e critérios dos programas de formação profissional deve ser clara, proporcionando a identificação da relação entre formações, a localização destas no sistema nacional e a sua conexão com outros modelos de formação elaborados fora desse sistema. 2. Relevância: a) O sistema deve ir de encontro com as demandas, atuais e futuras, de jovens e adultos, independentemente de gênero, raça e etnia, e atender toda a gama de ocupações e de habilidades requeridas para ingresso e permanência no mundo do trabalho; b) O sistema deve atender as exigências de todos os campos de trabalho; c) Demandas locais, assim como as novas exigências que forem identificadas ao longo do tempo, devem ser contempladas pelo sistema nacional de formação profissional, através de esforços de empregadores e de responsáveis fornecer programas de formação geral e profissional; d) A certificação profissional deve refletir os padrões de competência alcançados e, por conseguinte, contemplar a avaliação da aplicação de conhecimento e de habilidades; e) O sistema deve abranger diferentes métodos de avaliação, possibilitando realizadas no o reconhecimento e certificação de aprendizagens trabalho ou em outros ambientes; f) Sempre que necessário, atualizações devem ser requisitadas, possibilitando a requalificação dos sujeitos. 3. Credibilidade: a) O sistema deve ser visto como referencial de conhecimentos, habilidades, compreensão e performance reconhecidos e valorizados por estudantes, empregadores, sindicatos e setores da educação. As certificações devem ser nacionalmente monitoradas, para garantir a coerência dos critérios adotados. 4. Acessibilidade: a) Restrições de acesso à educação e formação profissional e à avaliação para certificação devem ter o mínimo de coerência com os critérios estabelecidos pelo sistema. As circunstâncias e necessidades de mulheres, membros de grupos étnicos minoritários, pessoas deficientes e daqueles com necessidades especiais devem ser plenamente respeitadas; b) Educação e formação devem, o tanto quanto possível, serem fornecidas de diferentes formas, quer seja em horário integral ou parcial, em instituições de ensino, no local de trabalho ou em outro local escolhido pelo indivíduo; c) Devem ser fornecidas oportunidades para que os sujeitos estabelecem o ritmo de sua progressão e não devem ser estabelecidos limites de idade; d) Deve ser possível que os indivíduos progridam nos sistemas de ensino, de formação profissional e no mundo do trabalho. Os indivíduos devem poder ampliar, atualizar ou aprimorar suas competências; d) Os sujeitos devem ter a possibilidade de obterem reconhecimento e transferir créditos para avaliação de competências, habilidades e conhecimentos. Isso deve facilitar a mobilidade entre empregos, tanto geograficamente quanto entre setores. 5. Eficácia: O sistema deve ser eficiente em relação ao custo financeiro para o indivíduo, para os empregadores e para o governo. Em consonância com esses objetivos, o NVQ foi definido como uma declaração de competência claramente relevante para o trabalho, voltada para facilitar a entrada ou a progressão no mundo do trabalho, na escola ou em cursos de formação profissional, obtida por um indivíduo e emitida por uma instituição reconhecida pelo governo. Essa declaração de competência deve incorporar a avaliação de: habilidades padronizadas especificadas de acordo com o trabalho avaliado; conhecimentos e compreensão a respeito das atitudes necessárias para realização de determinado trabalho; e da capacidade de utilizar suas habilidades e conhecimentos para efetuar determinada atividade (DE VILLE, 1986, p. 17; JESSUP, 1991). O NVQ não está vinculado ao sistema de educação compulsória ou à cursos de formação profissional, uma vez que o processo de avaliação é direcionado para a identificação de elementos que constituem uma ação competente. A avaliação e certificação dos candidatos ao NVQ são realizadas por Centros credenciados por Entidades Adjudicantes.8 Estas entidades são nomeadas pelo NCVQ para: aprovar e monitorar as atividades dos Centros; elaborar guias de conduta para os Centros, referente aos critérios de gerenciamento do processo de certificação; nomear e monitorar o trabalho dos Assessores externos aos Centros; auditar os programas NVQ; e apresentar ao NCVQ novas ocupação ou critérios para certificação profissional. As certificações são agrupadas em 10 áreas profissionais9 e em 5 níveis de habilidades. Estes são definidos de acordo com a complexidade da tarefa e aptidão requerida para sua execução. Nesta classificação, os níveis são organizados de forma crescente, sendo o primeiro nível voltado para trabalhadores capazes de realizar atividades rotineiras, necessárias para o exercício de determinada função, e o último destinado a trabalhadores aptos a exercerem todo tipo de atividade referente à sua função de forma autônoma e responsável (QCA, 2006). Ao analisar a ampliação dos níveis de habilidade, para além das classificações habilitado, não habilitado e profissional, Trevisan (2001, p. 197) afirma que, devido ao processo de inovação tecnológica, “(...) diversos outros níveis de habilidades se desenvolveram, diversas outras possibilidades de exercício de função se formaram, e os graus clássicos de habilitação, obviamente, não conseguiram abranger todo o novo arco de possibilidades profissionais”. O autor constatou que os trabalhadores inseridos neste contexto possuíam uma gama de “habilidades intermediarias” fundamentais para o processo produtivo e que, portanto, o desenvolvimento destas deveria ser estimulado através da certificação das mesmas (ibid). Para iniciar o processo de obtenção do NVQ, o indivíduo deve procurar um Centro que irá indicar um assessor para acompanha-lo durante todo o processo de certificação. O assessor é responsável por decidir qual o nível de certificação mais indicado para o candidato, de que forma as habilidades do candidato serão aferidas, e por avaliar os conhecimentos e habilidades dos mesmos para fins de emissão do NVQ (EDEXCEL, 2006). 8 Em inglês Awarding bodies. Tratamento de animais, plantas e terra; extração e fornecimento de recursos naturais; construção civil; engenharia; manufatura; transporte; fornecimento de mercadorias e serviços; fornecimentos e serviços na área de saúde; serviços em administração de empresas; e serviços em comunicação. 9 Uma vez que a proposta do NVQ é certificar os resultados evidenciados durante a atividade de trabalho, ele deve ser realizado, preferencialmente, durante a atividade de trabalho. No entanto, quando este tipo de avaliação não é possível, ela pode ser realizada através de “provas de competências”, que são obtidas através de análise de documentos ou de relato de pessoas que acompanham o trabalhador cotidianamente (JESSUP, 1991). A avaliação do NVQ se baseia em quadros referenciais10 que foram formulados com o objetivo de estabelecer nacionalmente os elementos necessários para certificação em cada nível e área profissional. Estes quadros foram utilizados pelo governo inglês para centralizar o controle dos conteúdos dos programas de formação profissional, públicos e privados, buscando garantir o desenvolvimento de habilidades pertinentes às exigências do mercado de trabalho. Além disso, pretendia-se que a consulta a estes quadros fornecesse aos empregadores informações precisas sobre as habilidades e competências de um trabalhador com um certificado da NVQ (JESSUP, 1991; TREVISAN, 2001). A busca pelo julgamento objetivo e confiável das competências dos trabalhadores fez com que o instrumento de avaliação do NVQ se estruturasse de forma muito fragmentada. Em um primeiro momento, a avaliação era norteada por “unidades de competência”, que tratavam sobre as habilidades e tarefas que deveriam ser realizadas pelo trabalhador. Posteriormente, estas unidades foram divididas em “elementos de competência”, que, por sua vez, eram elaborados segundo “critérios de desempenho”. Estes fornecem os padrões sob os quais deve se realizar a avaliação das performances, enquanto aqueles proveem especificações detalhadas das atividades que compõem uma competência. O quadro 1 apresenta os componentes que devem ser avaliados para emissão do NVQ. Quadro 1 – Estrutura do NVQ Unidade de Competência: Descreve a tarefa ou a função certificada; Elementos de competência: As unidades são feitas de um número 10 The NVQ framework. de elementos. Cada elemento descreve a atividade de trabalho específica que o trabalhador deve realizar e as habilidades requeridas para tal. Critérios de desempenho: Define o que o candidato deve fazer para realizar sua tarefa completamente. Os assessores julgam a performance dos candidates a partir deste critério. Evidências necessárias: Especifica a quantidade e o tipo de evidências necessárias para provar que o candidato atende a todos os Elementos de Competência. Abrangência: Define as diferentes situações nas quais os candidates devem atuar. Conhecimento e entendimento: Define o que o candidato deve saber sobre a tarefa e sobre a forma como este conhecimento é aplicado na atividade de trabalho. Para West (2004, p. 6), este excesso de especificações se deu porque, quando os formuladores do NVQ se deparavam com critérios de avaliação remotamente não confiáveis, eles adicionavam ainda mais detalhes a estes, criando uma “espiral interminável de especificações. Ainda segundo a autora, o nível de detalhamento destes quadros deu origem a um sistema de avaliação extremamente fragmentado, burocrático e obscuro, fazendo com que o NVQ perdesse força entre os empresários e cidadãos (WEST, 2004). Estudos sobre o papel do NVQ no mercado de trabalho e nos programas de formação e certificação profissional revelam que os objetivos almejados pelo governo inglês, quando da concepção deste dispositivo, não foram alcançados (BROWN, 2011; WEST, 2004; WILLIANS, 1999; WOLF, 2009). Hyland (2007) constatou que grande parte dos empregadores não conhecia ou utilizava o NVQ como referencial para contratação ou promoção de seus empregados, ou seja, a obtenção de um NVQ não influenciava no potencial de ganho financeiro nem de competitividade do trabalhador, se tornando pouco atraente para a população. No que diz respeito à formação profissional, Willians (1999; p. 218) afirma que “longe de ser um catalisador para o estabelecimento de um sistema coerente de certificação profissional, o NVQ simplesmente inseriu mais elementos na selva já existente”11, ampliando a gama de qualificações disponíveis. O fracasso do NVQ foi atribuído, principalmente, à centralidade dos resultados durante o processo de avaliação; à análise das atitudes dos trabalhadores, em detrimento dos conhecimentos mobilizados por eles para realização da tarefa; e ao fracionamento e limitação dos referencias de avaliação (idem). Foi procurando sanar estes problemas e tornar o NVQ mais claro, dinâmico e abrangente, que o governo inglês o inseriu no National Qualifications Framework (NQF). O NQF, assim como o NVQ, mapeia as qualificações de acordo com os resultados explicitados e as relacionam com uma posição em sistema de níveis hierárquicos. No NQF os níveis de habilidades foram ampliados, de cinco para nove, contemplando conhecimentos adquiridos no sistema de educação formal e àqueles relacionados à formação profissional. Desta forma, este dispositivo estabelece uma equivalência entre os certificados acadêmicos e profissionais, e também entre àqueles emitidos por sistemas de educação e treinamento de países membros da União Europeia (BROWN, 2011). Contudo, a inserção do NVQ no NQF não alterou significativamente os referenciais teórico-metodológicos do dispositivo e as críticas aos instrumentos de qualificação e certificação profissional inglês permaneceram inalteradas. No entanto, de acordo com Lester (2011), com este dispositivo se detectou a necessidade de elaboração de um sistema que possibilitasse o reconhecimento de “pequenos saberes”. Foi justamente visando contemplar estes saberes, que o governo extinguiu o NQF e o substitui pelo Qualification and Credit Framework (QCF). O QCF, criado em 2008, foi apresentado como o novo dispositivo de avaliação e certificação profissional desenvolvido pelos órgãos governamentais. No QCF, apesar da permanência do foco nas competências, o processo de avaliação passa a se orientar pela ideia de “acumulação de créditos”. Estes são designados de acordo com o tempo despendido pelo indivíduo em atividades, realizadas antes e durante o processo de certificação, 11 “(…) far from being a catalyst for the establishment of a coherent system of vocational awards, the provision of NVQs appears to have simply added to the existing jungle.” (WILLIANS, 1999; p. 218) que contribuam para o alcance de determinado resultado. De acordo com Brown (2011), por meio do QCF, a avaliação de competência foi organizada de forma que o processo de aprendizagem, e não só a performance do trabalhador, fosse valorizado, estabelecendo uma relação entre desenvolvimento de habilidades individuais e programas de formação profissional. O QCF apresentou duas importantes alterações no dispositivo de reconhecimento de saberes e certificação profissional inglês. A primeira diz respeito à organização da acreditação de saberes em torno da noção de acumulação de créditos, na qual a soma de determinado número de créditos dá origem a unidade, e a soma das unidades dá direito a um tipo certificação profissional. Estas passaram a ser classificadas em três esferas diferentes: prêmio, certificado e diploma, designadas de acordo com o número de créditos acumulados pelo individuo (QCA, 2008). A segunda foi a abertura dos organismos responsáveis por elaborar os requisitos para certificação profissional para aqueles empregadores que não participavam efetivamente do processo de avaliação e certificação de indivíduos. A definição dos conteúdos avaliados pelos dispositivos ingleses, NVQ e QCF, é baseada nos Padrões Nacionais de Ocupação (NOS). Estes apresentam requisitos mínimos de performance e descrevem o que pessoas competentes em determinada ocupação deverão ser capazes de fazer (SKEERRATT, 2005; p. 30). A formulação destes padrões, por sua vez, é realizada pelo Sector Skills Council (SSC), órgão licenciado pelo governo e composto pelos principais empregadores da indústria e do comércio, em parceria com o Standard Setting Bodies (SSBs), órgão representante de cada setor profissional, responsável por definir as habilidades necessárias para o exercício de uma ocupação. Durante a vigência do NVQ, somente poderiam fazer parte destes órgãos as organizações que participassem no processo de avaliação e certificação de trabalhadores, mas no QCF foi estabelecida uma distinção entre organizações autorizadas a submeter unidades para o quadro de qualificação, aquelas capazes de especificar as regras de combinação das unidades para emissão da certificação e aquelas responsáveis por acreditar e emitir os certificados. Abrindo espaço, desta forma, para que as organizações que não quisessem emitir certificações pudessem especificar os conteúdos das mesmas (LESTER, 2011). O objetivo do QCF é constituir um dispositivo de avaliação e certificação mais flexível, transparente e relevante para empregadores e trabalhadores - coincidindo com aqueles almejados pelo NVQ quando de sua formulação. No entanto, enquanto alguns pesquisadores defendem que o QCF possibilitou o reconhecimento e certificação de saberes “independentemente de seu tamanho, nível ou da forma como foram adquiridos, efetivamente habilitando adultos a acumularem créditos a partir de qualquer tipo de aprendizagem”12 (LESTER, 2011), outros acreditam que “o foco na noção de competência, no mapeamento de habilidades, níveis e resultados podem se tornar uma distração de um objetivo muito mais difícil que é melhorar a qualidade da educação no país” (BROWN, 2011; p. 02). Considerações Finais Conforme explicitado, a elaboração do NVQ tinha como foco atender as exigências de um novo contexto produtivo, oriundo do processo de inovação tecnológica. No decorrer das últimas 3 décadas, este dispositivo sofreu uma série de alterações, no que diz respeito aos níveis de certificação, à estrutura dos referenciais de avaliação e, até mesmo, às agências responsáveis por regular os dispositivos de certificação. Contudo, o foco na noção de competências, a fragmentação do processo de avaliação de saberes e a grande influência dos empresários na definição dos critérios para certificação permaneceram inalterados ou foram agravados ao longo deste período, culminando em grandes gastos governamentais e pouco retorno para os atores interessados neste processo (WOLF, 2009). Os dispositivos de certificação profissional implementados na Inglaterra visam o reconhecimento de habilidades fragmentadas, relacionadas diretamente com a execução de determinadas atividades. O foco está na ação competente, nos resultados destas ações, o importante aqui é formar mão de 12 “(…) it should allow achievements to be captured, expressed and certificated regardless of their size or level or of how or where the learning took place, effectively enabling adults to gain credit for any learning achievement or area of skill that they could demonstrate” (LESTER, 2011, p. 03). obra para atender as demandas do mercado de trabalho. Neste contexto, o processo de aprendizagem dos trabalhadores no ambiente de trabalho é deixado de lado. A inflexão dos quadros referenciais adotados para avaliação e as tentativas de definir objetivamente aquilo que se espera do trabalhador eliminam o espaço de reconhecimento dos saberes construídos durante a experiência de trabalho. Além disso, a forma como estes dispositivos estão organizados trazem à tona a questão: será que a simples soma de todas as habilidades certificadas no âmbito de uma tarefa garantirá a execução exitosa da atividade de trabalho? Visando atender as demandas do mercado de trabalho, o governo inglês reinterpretou os conteúdos os objetivos da educação e da formação profissional, e o conhecimento passou a ser valor somente quanto atrelado à “performance competente”. O foco na avaliação de competências e habilidades dos programas de formação e certificação profissional na Inglaterra explicitam um reducionismo equivocado motivado pelo desejo dos governantes do país de encontrar soluções rápidas e fáceis para problemas econômicos e educacionais complexos, que coexistem na sociedade inglesas há décadas. Bibliografia ARAÚJO, R.M.L. Desenvolvimento de competências profissionais: as incoerências de um discurso. 2001. 192 P. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, UFMG, Belo Horizonte, 2001. BROWN, A. Problems with National Qualifications Frameworks in practice: The English case. In: Austrian Open Access Journal of Adult Education. Vienna, v. 14, 2011. CARVALHO, R.Q. Capacitação tecnológica, revalorização do trabalho e educação. In: FERRETTI, C.J. et al (Org.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1996. p. 93 – 123. COLARDYN, D.; BJORNAVOLD, J. Validation of Formal, Non-Formal and Informal Learning: policy and practices in EU Member States. In: European Journal of Education, v.39, n.1, 2004. DE VILEE, H. G. Review of vocational qualification in England and Wales: a report by the work group. Department of Education and Science. 1986. ECOTEC. European Inventory on Validation of Informal and Non-formal Learning: a final report to DG Education and Culture of the European Commission. Birmingham. 2007. 868p. GREAT BRITAIN. 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As informações coletadas até aqui demonstram a afirmação da nova institucionalidade da educação profissional e tecnológica a partir da criação dos Institutos Federais e a dificuldade de lidar com as antigas estruturas originárias das escolas agrotécnicas e agrupadas agora nos 38 Institutos Federais. Será essa nova institucionalidade capaz de afirmar uma nova proposta de atuação no campo da educação profissional. A metodologia proposta aqui contempla análise dos documentos oficiais e análise dos diários de campo a partir das visitas realizadas e da análise das ações em curso por parte dos Institutos Federais. Palavras chaves: educação profissional, institutos federais, PRONATEC, institucionalidade Introdução Os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia, criados a partir do Decreto Nº 6.095, de 24 de abril de 2007 e da Lei Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, abrigam hoje 39 instituições centrais, e devem chegar daqui um ano a 562 unidades, conforme consta na consolidação da terceira etapa do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional anunciado em agosto de 2011 pela Presidência da República. Essa expansão significa quadruplicar o número de escolas existentes em 2002, quando do início do governo Lula. Tem sido uma expansão vigorosa que vai atender a 600 mil alunos em todos os estados da Federação. Foi um avanço notável em menos de uma década, porque a expansão de fato começou a ocorrer em 2005-2006. Essa nova estrutura institucional se impôs vários desafios: a ampliação do acesso à educação profissional de nível técnico; a graduação tecnológica, por meio de cursos superiores de tecnologia; os bacharelados; as licenciaturas; e a pós-graduação, além da pesquisa e da extensão tecnológica. Tudo isso embasado naquilo que determinou a ousada lei de criação dos Institutos Federais, que no seu artigo segundo diz que os “Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, pluricurriculares e multicampi, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino”. A importância que essa nova estrutura institucional da educação profissional assumiu na agenda da sociedade brasileira pode ser dimensionada pelo orçamento no âmbito do Ministério da Educação (MEC). Com a criação dos Institutos Federais, a função programática (Desenvolvimento da Educação Profissional e Tecnológica), que era da ordem de R$ 1,2 bilhão, em 2003, passou para R$ 2,3 bilhões, em 2009, e atingiu, na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2013, a marca de R$ 5,9 bilhões. A participação da educação profissional no orçamento do MEC em 2012 aproxima-se dos 8% do total do ministério, que para 2013 é de R$ 81,286 bilhões. Em 2003, essa participação era de 6%. O volume de recursos da educação profissional foi quintuplicado nestes 10 últimos anos. Ao reunir em torno dos Institutos Federais uma variedade de instituições espalhadas e vinculadas a centros federais, a universidades, a escolas isoladas, a nova institucionalidade da educação profissional pretendeu, além de atender ao ensino técnico de nível médio, ampliar sua ação para os cursos tecnólogos, os bacharelados, as licenciaturas para apoiar a educação básica, atender a educação de jovens e adultos integrada à educação profissional, a pós-graduação com cursos de mestrado e doutorado e ainda realizar a pesquisa e a extensão. É um notável desafio. Como tem sido a expansão dessa rede de escolas pelo interior do Brasil e quais os desafios que ainda são necessários para consolidar essa nova institucionalidade da educação profissional. Essa é a reflexão pretendida, que foi subsidiada pela nossa participação nas orientações de alunos da Rede Federal que realizaram nos últimos anos estudos e pesquisas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE, da Faculdade de Educação da UnB, além de visitas que realizamos em diversos campi dos Institutos Federais. Educação profissional e estratégia de desenvolvimento A premissa orientadora do esforço governamental na criação de instituições de capacitação, difusão de tecnologia e prestação de serviços tecnológicos é o papel do conhecimento na produção de riquezas. Esta ocorre sob distintas formas organizacionais, a exemplo de empresas, cooperativas, redes de produtores e microempreendimentos. A literatura sobre desenvolvimento econômico, especialmente a que está mais relacionada com as capacidades tecnológicas, e a experiência internacional revelam que a criação de uma infraestrutura pública de conhecimento na forma de institutos vocacionados, institutos de pesquisa e organizações que prestam serviços tecnológicos foi decisiva para experiências exitosas em países de industrialização tardia. O Manual de Oslo13 destaca o papel dos vínculos e das fontes externas de conhecimento para a promoção da inovação. Para além da inovação stricto sensu, é fundamental destacar o papel do aprendizado tecnológico e o papel do desenvolvimento de habilidades profissionais para o aumento da produtividade do trabalho, a inclusão produtiva e a formação de microempreendimentos. A ideia de vincular a infraestrutura de conhecimento com as vocações econômicas da região é outro pilar das instituições de capacitação, difusão e criação de conhecimento. Neste sentido, a experiência coreana recente pode constituir uma lição importante. A partir de 2004, há um plano abrangente de promoção da ciência e da tecnologia em nível regional (OECD, 2009). O plano possui os seguintes eixos: • desenvolver competências locais em tecnologias estratégicas; 13 Publicação da OCDE que orienta a coleta, análise e interpretação dos dados de pesquisas de inovação em nível internacional. A terceira edição do Manual referida aqui é de 2005. A Pesquisa Industrial Tecnológica (PINTEC) no Brasil orienta-se por esse Manual. • criar centros regionais para a inovação tecnológica; • desenvolver recursos humanos locais em C&T; • aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) dos governos locais. Para cumprir tais objetivos, foram utilizados três tipos de instrumentos: a) serviços coletivos para as empresas, b) trabalho de facilitação para conectar os diferentes atores da aglomeração produtiva regional e c) projetos colaborativos de desenvolvimento tecnológico com várias empresas e universidades que se organizam para acessar as fontes e programas de financiamento em P&D. Naquilo que possui maior conexão com o escopo de atuação dos Institutos Federais, merecem destaque dois aspectos da experiência coreana: a formação de recursos humanos para a construção das habilidades necessárias na força de trabalho, que contribuam para o desenvolvimento de competências locais, e o trabalho de facilitação para conectar os diferentes atores. Vale destacar que as competências locais não estão necessariamente relacionadas a serviços e indústrias de elevado conteúdo tecnológico, mas podem estar relacionadas a atividades de baixa intensidade tecnológica. Grosso modo, as organizações vocacionadas para capacitação devem atentar para a capacidade de integrar competências heterogêneas, com apoio dessas organizações a redes pré-existentes de relações, e a construção de novas redes a partir da sua atuação. Para Battista et alii (2009), o grau de integração entre capacitação, educação e políticas de trabalho e o grau de coordenação entre sistemas e níveis de governança são considerados os elementos mais importantes para avaliar a qualidade dos sistemas vocacionais de capacitação, seguido pela qualidade da capacitação. Os autores também advertem para a necessidade de uma contextualização inteligente da avaliação do desempenho das organizações vocacionais de capacitação, assegurando que a avaliação não incentive uma padronização ou bloqueie caminhos de mudança e crescimento nos sistemas vocacionais. Em linhas gerais também são essas as premissas que sustentam o papel dos Institutos Federais. O artigo 6º da Lei 11.892, enumera uma série de possibilidades de atuação dos Institutos Federais, a saber: I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; II - desenvolver a educação profissional e tecnológica como processo educativo e investigativo de geração e adaptação de soluções técnicas e tecnológicas às demandas sociais e peculiaridades regionais; III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infra-estrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal; V - constituir-se em centro de excelência na oferta do ensino de ciências, em geral, e de ciências aplicadas, em particular, estimulando o desenvolvimento de espírito crítico, voltado à investigação empírica; VI - qualificar-se como centro de referência no apoio à oferta do ensino de ciências nas instituições públicas de ensino, oferecendo capacitação técnica e atualização pedagógica aos docentes das redes públicas de ensino; VII - desenvolver programas de extensão e de divulgação científica e tecnológica; VIII - realizar e estimular a pesquisa aplicada, a produção cultural, o empreendedorismo, o cooperativismo e o desenvolvimento científico e tecnológico; IX - promover a produção, o desenvolvimento e a transferência de tecnologias sociais, notadamente as voltadas à preservação do meio ambiente. Entretanto, para além da experiência internacional, o caso brasileiro coloca ainda enormes desafios a serem superados, particularmente, na educação básica e na transição desta para o ensino superior. As fases do desenvolvimento vivenciadas por países como a Coréia, caso citado acima, estão ainda longe de serem alcançados pelo Brasil no que se refere, por exemplo, ao atendimento da educação para todos e a construção de um ambiente propício à inovação. Dessa forma, os desafios pretendidos com a reorganização da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica são da exata dimensão do nosso atraso em termos de acesso da população ao conhecimento. Qual a cara dos Institutos Federais Organizações como os Institutos Federais se formam e se consolidam com base nos objetivos que lhe são conferidos pelo mandando legal e por meio das relações que se estabelecem no seu seio e na forma de relacionamento dos indivíduos que compõe aquela organização. A cultura organizacional é permeada por vários fatores. Hofstede (1990), atribui a forma como se processa a tomada de decisões, a designação das funções e as ações cotidianas, os traços de uma organização. Já Giddens (1984) identifica que as pressões e coerções não empurram alguém a fazer algo que não a interesse. Há uma motivação revelada pelas estruturas que pressionam para a ação dos indivíduos, que são denominadas de práticas sociais. O mesmo conceito que vários outros autores do campo de conhecimento das organizações identificam, como o formulado por Bourdieu (1989) de campo social. Nele o autor mostra que o habitus, não pode resultar em atos mecânicos como sendo as realidades objetivas incorporadas na vida cotidiana, o senso prático, mas sim representam antes disso, as experiências passadas e incorporadas nas instituições. Dessa forma os Institutos Federais tem assumido uma variedade de formas de atuação nos diversos campi onde estão implantados. Subsidiandome de estudos realizados no PPGE/UnB como Silva (2012) e Rosa (2012) e ainda visitas in loco a algumas das unidades de diversos Institutos Federais, posso perceber que existe um diferencial entre as unidades que derivam de estruturas já consolidadas e outras que surgiram de bases não existentes. As unidades existentes tendem a reproduzir culturas passadas baseadas em relações muito pessoais e muito arraigadas ao exercício de uma organização centralizada e extremamente dependente dos grupos dirigentes. Naquelas unidades que surgiram de bases não existentes (construções novas), a presença de jovens pesquisadores, provindos ou não da região, de servidores comprometidos com a missão da organização, tem tido desempenho melhor no que se refere à relação com a comunidade, a oferta de cursos e o envolvimento com a missão concedida pelo mandato legal. Alguns aspectos reforçaram características de reconhecimento da comunidade em que os Institutos Federais estão inseridos, que não estavam presentes na organização anterior da Rede Federal. i) Características do Empreendimento. Em visita a algumas escolas da educação básica e próximas aos campi é fácil constatar o desejo que a escola da rede municipal ou estadual tem de se igualar ao Instituto Federal. Percebeu-se que o desejo de diretores das escolas vinculadas a Secretaria de Educação é ter um prédio nos moldes do Instituto, os alunos desejam os equipamentos dos institutos, o ônibus que faz o transporte para atividades de campo do Instituto, está entre os itens citados. Esse aspecto destaca que é possível ter uma escola diferente da que conhecemos. Em síntese podemos dizer que a escola de referência é a escola proporcionada pelo governo federal. Este fato aflorou em muitas conversas com alunos e diretores das escolas de educação básica mantidas pelo município ou pelo estado. Nesse particular essa nova institucionalidade permitiu criar uma possível escola de referência para o país, que de alguma forma esteve entre as intenções da pretensão do MEC. Para tanto o artigo de Haddad (2008), anunciava esta intenção. ii) Relação de proximidade com as Secretarias de Educação. A existência de estruturas diferenciadas e de cursos voltados para a formação de professores tem aproximado às Secretarias de Educação dos Institutos Federais. Não somente pelo fato dos Institutos Federais terem aderido às licenciaturas, mas também pela vinculação há alguns programas de formação de professores, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – Pibid, patrocinado pela CAPES, tem sido importante aliado para aproximar as Secretarias de Educação dos Institutos Federais, particularmente, no ensino de ciências, cuja carência é enfrentada pela recomendação prevista no artigo 6º da Lei 11.892/2008. Nesse particular, embora sendo inédita essa aproximação, ela tende a beneficiar os sistemas locais de educação, uma vez que boa parte das licenciaturas dialogam com um eixo tecnológico de conhecimento que está previsto como foco do campi e de alguma forma complementam ações estruturadas para tal. iii) Padrão de referência. É percebível que onde o Instituto Federal se instala logo se estabelece um padrão de referência. É possível identificar em algumas cidades de importantes alunos da rede privada se transferindo para o Instituto Federal, não por causa da gratuidade, mas sim, por causa da excelência do ensino. Não é a toa, que algumas unidades dos Institutos Federais têm avaliação no ENEM superiores a muitas escolas tradicionais da cidade. iv) Envolvimento da comunidade. A previsão da existência do Conselho Superior de membros da comunidade é uma característica que diferencia os Institutos Federais dos formatos anteriores à vigência da Lei de criação. Todavia, se algumas das questões acima constituem-se em diferencial e mostram avanços em relação as estruturas anteriores da Rede Federal, algumas reforçam a preocupação com o atendimento às metas previstas. Em boa parte isso se deve a dificuldade incipiente de uma nova cultura dos Institutos Federais. Algumas dessas questões colocaram em evidência as dificuldades de atendimento às metas previstas pela nova institucionalidade. As questões numeradas a seguir são alguns dos exemplos onde a constituição dos institutos ainda está longe do que prevê o mandato legal e os acordos de compromisso estabelecidos. i) Ausência de integração ou de um período de formação dos novos professores fez com que muitos deles prefiram atuar no ensino superior do que na educação básica. Um dos reflexos dessa opção tem sido a baixa oferta de cursos na modalidade PROEJA, que foram um grande diferencial na tentativa de conectar a realidade das escolas técnicas com as demandas sociais (SANTOS, 2010). Novamente aqui as resistências começam por campi mais consolidados do que os novos, porém, estes, acabaram por incorporar o padrão das estruturas antigas. Provindos em sua grande maioria das universidades, os novos professores, pela ausência de um processo de integração/formação, tendem a reproduzir o modelo que vivenciaram nas universidades. Em geral, é um modelo individualista, baseado na necessidade de alcançar reconhecimento rápido em publicações em revistas indexadas, e muito pouco preocupado como essa atividade que pode beneficiar a instituição. Embora o quantitativo de doutores presentes nos Institutos Federais, abaixo de 12%, seu comportamento tende a estimular os professores com menor titulação. ii) A carência que os Institutos Federais se propuseram a atender na educação básica ficou a descoberto nos próprios institutos. Nesse particular ficou ausente no desenho dos Institutos Federais, cursos de formação de docentes para a educação profissional. Não é por menos que alguns Institutos estão prevendo para os próximos meses, com a chegada de novos professores cursos de formação superiores a 300 horas ou mais. Este também é um grande desafio. Como convencer jovens mestres e doutores se submeterem a uma formação que problematize a sua prática, uma vez que nas próprias universidades, de onde são egressos, a universidade não os preparou para perseguirem um processo de formação continuada, a não ser, quase que exclusivamente, em benefício próprio. Nesse particular foi acertada a ideia de uma carreira docente específica nos Institutos Federais que tenha vinculação com a das universidades, mas que guarde suas especificidades. Teria sido equivocado submeter os professores dessas instituições as mesmas regras de promoção nas universidades. Dessa forma, a criação da equivalência da carreira do Ensino Básico Técnico e Tecnológico – EBTT, prevista na Lei 12.772, de 28 de dezembro de 2012, assegurou mecanismos de equiparação entre as duas carreiras e garantiu a promoção, para além dos títulos acadêmicos, como é o caso do Reconhecimento de Saberes e Competências – RSC. Esse mecanismo constitui-se num reconhecimento coletivo da produção docente. iii) Os Núcleos de Inovação Tecnológica – NITs foram importante estímulo para os Institutos Federais, mas seus efeitos ainda não são percebidos. Falta uma ação para aproximar os Institutos Federais das políticas do próprio governo federal. Embora estivesse presente na Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e agora consolidada no Plano Brasil Maior (PBM), o anunciado no artigo 6º da Lei ainda não se concretizou, particularmente, naquilo que a literatura classifica como sendo o papel de instituições vocacionadas para a inovação. Os Institutos Federais são reconhecidos como importante parceiro na execução de ações complementares da política governamental, mas essa colaboração ainda é muito tópica e não se constitui num feixe de ações que alavanquem um processo virtuoso entre as instituições e o tecido produtivo. A recente reorganização do SENAI, que concentrou seus esforços numa rede de educação profissional e numa outra de inovação possa ser um dos caminhos a serem perseguidos. Nesse aspecto é bom ressaltar que a expansão da Rede Federal em termos de unidades vai se equivaler às escolas do SENAI. Os riscos da descaracterização – um instituto dentro de outro Num estudo realizado em 2011 para a Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Social – SECIS, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação - MCTI, sobre os Centros Vocacionais Tecnológicos – CVTs, identificou-se o baixo número de unidades nos municípios que possuíam uma unidade de CVT, escola do SENAI ou da Rede Federal. O número não passava de 500 em cada uma delas, sendo que em meados de 2011 o SENAI possuía 470 e a Rede Federal 404 unidades. No mesmo município não passavam de uma centena a existência dos três equipamentos (SENAI, CVT e Rede Federal). Na proporção por habitante ainda era muito desigual a cobertura de unidades da Rede Federal e de escolas de SENAI, embora na média fossem muito próximas, o que mostra que a Rede Federal avançou muito em áreas em que o SENAI tinha pouca presença como é o caso da Bahia, Ceará, Maranhão e Distrito Federal, Alagoas e Sergipe. Entretanto, a presença do SENAI nos estados mais industrializados como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul fosse quase o dobro da presença da Rede Federal até aquela data. Na esteira da expansão da Rede Federal o governo federal, ao instituir por meio da Lei nº 1209, de 29 de abril de 2011, o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC), criou um grande feixe de ações que tem como lócus de atuação os Institutos Federais. Tem sido assim com várias políticas públicas, desde o Plano Brasil Maior ao Bolsa Família. O PRONATEC tem o objetivo de: i) ampliar as vagas e continuar a expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica; ii) fomentar a ampliação de vagas das redes estaduais de Educação Profissional; iii) incentivar a ampliação de vagas e a expansão da rede física de atendimento do Sistema S; e iv) fomentar a expansão da oferta de Educação Profissional e Técnica de nível médio na modalidade de educação a distância. O PRONATEC centralizou no âmbito do Ministério da Educação (MEC) várias iniciativas que têm no Ministério do Trabalho MTE o seu lócus há mais de 15 anos. Entretanto, sua trajetória sempre se pautou naquilo que a legislação lhe confere o sistema escolar. Ao assumir para si ações que se estabelecem no ambiente de trabalho e em outros espaços de construção, demonstra que, embora queira dar certa organicidade e otimização à educação profissional, falta ao MEC conhecimento sobre a realidade de como se estrutura o diálogo da formação profissional no âmbito das relações de trabalho. Além disso, a maioria dos cursos, reproduzem em alguma medida o modelo de formação adotado pelo PLANFOR e não constituem num itinerário de formação ao longo da vida produtiva do trabalhador. Ao ser receptor de tais iniciativas os Institutos Federais acabaram por criar uma estrutura paralela de atendimento: os alunos normais e os do PRONATEC. Com o estímulo de uma bolsa, o Programa tem aderido a um grande número de interessados. A nosso ver esse modelo tem sido um grande desafio para a Rede Federal. Na realidade está se convivendo com uma rede dentro de outra. Há notável incentivo para a realização dos cursos do PRONATEC e pouco interesse para os cursos de mais longa duração, que combinam a aquisição da escolaridade necessária para a emissão do diploma de técnico e a carga horária necessária para tal habilitação. Isso ocorre, por exemplo, nos cursos subsequentes, que recebem os alunos já concluintes do ensino médio. A alta evasão e a dificuldade de lidar com esse público colocam em dúvida a sua importância como espaço de importante de formação. Em suma esses são os dilemas que ainda persistem na centenária, mas ainda jovem Rede Federal de Educação Profissional. O desenvolvimento de uma cultura organizacional nos marcos atuais da administração pública coloca sérios limites para o seu desenvolvimento. É impossível realizar com velocidade e tempestivamente ações que não sejam alcançadas pelas restrições impostas pelos órgãos de controle e pelo excessivo rigor a que foram submetidos às universidades, a rede federal e a rede de institutos federais mantidos pelo MCTI. Se não for rompido com esse padrão que parte da presunção que tudo o que as instituições fazem está sob suspeita será muito difícil vencer os desafios que se impõe na remoção das barreiras que nos separam dos países desenvolvidos. Considerações finais Um estudo elaborado Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República, para servir de base para os Objetivos do Milênio, mostra que o tamanho da população jovem brasileira nunca foi, e nunca será, tão grande quanto o de hoje, correspondendo a cerca de 50 milhões de pessoas na faixa entre 15 e 29 anos de idade, equivalendo a 26% da população. Consultados nessa recente pesquisa, os jovens deram mais alta prioridade a educação de qualidade: 85,2% dos brasileiros de 15 a 29 anos, entre as seis mais importantes dos 16 temas apresentados, resultado 4,75 pontos percentuais superior ao registrado entre os não jovens (SAE, 2013). O país de jovens tem data para acabar. Em 2022, os jovens começarão a decrescer na nossa pirâmide etária e declinarão uma taxa mais acentuada do que foi nos outros países. Se até lá o Brasil não aproveitar essa oportunidade dificilmente terá condições de liderar no futuro mudanças nas condições de vida para que possam oferecer a partir de 2040-2050, melhores condições das atuais a todos os habitantes. Esse desafio coloca para estruturas como a dos Institutos Federais desafios que precisam estar coordenados com estratégias mais globais de imediato, médio e longo alcance. Essa parece ser a grande ausência na estratégia dos Institutos Federais. Até para aceitar a realização, como até aqui, de uma rede competindo contra outra, o caso do PRONATEC, necessitaria ter a exata dimensão de que isso é uma necessidade, mas talvez, não será daqui há 10 anos, por exemplo. A consolidação dos Institutos Federais está necessariamente alicerçada com uma missão estratégica deles para o País. Negligenciar nesse momento a perda de identidade dessa importante rede poderá comprometer a contribuição que ela pode dar ao País. Referências ALMEIDA, Ivanete Bellucci P. de; BATISTA, Sueli Soares dos Santos (org.). Educação tecnológica reflexões, teorias e práticas. Jundiaí-SP: Paco Editorial, 2012. BATTISTA, Giuseppe Di. et al. Evaluating the Quality of Italian Local Vocational Training Systems: Towards a Sustainable and Shared Self-Assessment Tool in Evaluation, Vol. 15(2), pp. 185-203, 2009. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989. BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. 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Brasilia: Editora da UnB, 2012. GT 09 SESSÃO 3 30/10/2013 ID 389 TRABALHO E TECNOLOGIAS GERENCIAIS: PARADIGMA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL O NOVO (VELHO) Rafael Rodrigo Mueller Resumo O principal objetivo de nosso estudo é analisar o paradoxo existente na relação entre trabalho e educação a partir do estudo das tecnologias gerenciais identificadas com maior propriedade no Sistema Toyota de Produção. Para tanto, torna-se imprescindível retomarmos historicamente os métodos e técnicas de treinamento, desenvolvidos nos EUA na década de 1920, intensificados a partir de 1940 pelo método Training Within Industry (TWI) e demonstrar a sua revisitação, após a Segunda Guerra Mundial, pelo ‘Sistema Toyota de Produção’, se constituindo como um elemento central para educação profissional dos trabalhadores. Nossa tese é que a busca pela máxima eficiência a partir da racionalização das relações de produção necessita de uma adequação da formação dos trabalhadores ao modelo produtivo historicamente vigente. Para tanto, constatamos que o caráter ideológico que perpassa as tecnologias gerenciais pode ser verificado por intermédio da relação das mesmas com os ideais educacionais presentes tanto no discurso dos managers como nas recomendações dos órgãos multilaterais voltadas à educação nas últimas três décadas. Adotamos como base metodológica a pesquisa teórica, pois a revisão e confrontação teórica mostraram-se uma necessidade revelada pelo objeto em questão (a relação entre tecnologia gerencial e educação) em sua totalidade e atualidade. Palavras-chave: Trabalho e Educação, Tecnologias Gerenciais, Treinamento dentro da Indústria, Pilares da educação, Capital. INTRODUÇÃO Os altos índices de desemprego dos jovens na Europa tornou-se um problema central para as principais economias do referido continente. Segundo dados noticiados pela Deutsche Welle (2013), os jovens trabalhadores recémegressos das universidades em países da zona do euro são os mais atingidos: em Portugal, 42,1% estão desempregados; na Irlanda, 26,3%; na Itália, 38,5%; na Grécia, 59,2%; e na Espanha, 56,5%. A média de jovens desempregados de até 25 anos na União Europeia é de 23,5%. Segundo o presidente francês François Hollande: “Seis milhões de jovens estão [oficialmente] desempregados na Europa” e "quase 14 milhões estão sem trabalhar, sem estudar ou sem fazer um estágio” (EL PAIS, 2013). O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, enfatizou a questão da necessidade de combate ao desemprego juvenil a partir da chamada “garantia de emprego”, que tem por objetivo assegurar aos egressos de escolas ou universidades, quatro meses de trabalho ou vaga em algum treinamento profissional. Para o especialista em mercado de trabalho do Instituto Alemão para Pesquisa Econômica (DIW), Karl Brenke, “os mais novos precisam dos benefícios de uma educação prática mais intensa” (DEUTSCHE WELLE, 2013). Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na América Latina existem 7,5 milhões de jovens desempregados e 27 milhões na informalidade. A diretora da OIT para a América Latina e Caribe em reunião do Fórum Econômico Mundial sobre a América Latina 2013, destacou “a necessidade de reforçar o vínculo entre educação, formação e o mundo do trabalho” conectando “o setor provedor de capacitação com as empresas que geram 80% dos empregos disponíveis” (OIT, 2013). No Brasil, segundo dados do Ministério da Educação (MEC), o número total de matrículas na educação profissional em 2009 foi de 991.100, sendo criadas 214 novas escolas de educação profissional no período de 2003 a 2010, e investido em tal setor da educação um montante aproximado de 3,9 bilhões de reais (MEC, 2010), valores que reforçam os objetivos do atual governo em termos de alavancar o crescimento econômico a partir da aproximação entre o setor produtivo e a educação. A partir da constatação das modificações ocorridas historicamente âmbito da educação profissional, identificamos o seguinte paradoxo: no intuito de responder a uma das questões latentes existente na relação entre trabalho e educação, qual seja, a qualificação profissional dos atuais e futuros trabalhadores adequada as atuais demandas do mercado mundial no contexto das organizações, o capital se utiliza de ferramentas ou métodos de ensino e aprendizagem desenvolvidos no início do século passado, em nosso estudo particularmente, o método do Training Within Industry (TWI). Nesse sentido, o panorama que se desenha em termos de uma educação para o trabalho nos revela que no plano fenomênico o capital se utiliza de velhas soluções para os novos problemas que se apresentam dentro do contexto econômico mundial nos últimos 40 anos, revelando que essencialmente as ferramentas de controle da força de trabalho – aqui especificamente as tecnologias de gestão -, foram somente adaptadas às novas demandas em termos de valorização do valor. No que concerne à estrutura de nosso artigo, inicialmente pretendemos demonstrar o contexto histórico em que se desenvolveu o método do TWI para em seguida descrevermos as suas etapas e características em termos de qualificação profissional. Na sequencia demonstramos a relação existente entre o referido método e as tecnologias gerenciais a partir de sua utilização e aperfeiçoamento no Sistema Toyota de Produção; bem como a relação entre os preceitos ideológicos presentes na concepção do TWI e as normativas postas para a educação indicadas pelos organismos multilaterais, sob a forma dos ‘pilares’ para a educação do século XXI. Em nossas considerações finais retomamos o paradoxo presente na relação entre trabalho e educação no intuito de demonstrar a necessidade de adequação objetiva e subjetiva da força de trabalho às demandas impostas pelo capital nas ultimas décadas em termos de qualificação profissional. Adotamos como base metodológica a pesquisa teórica, pois a revisão e confrontação teórica mostrou-se uma necessidade revelada pelo objeto em questão (o paradoxo da relação capital-trabalho) em sua totalidade e atualidade. Tornou-se então necessária a verificação sistemática da particularidade do objeto em sua abstração (revisão teórica) no intuito de identificarmos o seu impacto na materialidade historicamente desenvolvida. Nesse caso nos utilizamos do método materialista-histórico, o que implicou em aprofundarmos a relação entre a essência e aparência presente na apropriação e utilização por parte do capital de ferramentas para o controle da força de trabalho sob a máscara da qualificação profissional, e como esta providencia o atendimento as demandas do mercado permitindo a continuidade do processo de valorização do valor. o TRAINING WITHIN INDUSTRY NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA De acordo com Hutzinger (2007, p. 04), “o Training Within Industry (TWI) foi iniciado em 1940 durante a Segunda Guerra Mundial com o intuito de aumentar a produção para suprir as necessidades do esforço de guerra das Forças Aliadas”. Ainda segundo o autor: O TWI foi lançado em 1940 pela National Defense Advisory Comission (NDAC) e eventualmente foi transferido para Federal Security Agency (FSA), com o objetivo de funcionar como parte da nova War Manpower Comission (WMC) no dia 18 de abril de 1942. O TWI continuaria sob o comando do WMC até que suas operações cessassem, fato que ocorreu em setembro de 1945 (HUTZINGER, 2007, p.6). Após a queda da França, em 1940, as Forças Aliadas, antes mesmo da entrada definitiva dos Estados Unidos na guerra, perceberam a urgência de suprir as demandas geradas pela guerra, pois os níveis produtivos elevaram-se demasiadamente. O governo americano decidiu, então, já prevendo uma possível intervenção direta na guerra por parte dos Estados Unidos, dar início a um programa que poderia solucionar os problemas advindos de uma superprodução de insumos de guerra. Surge então o TWI que, desde a sua criação, desenvolveu-se em uma rede nacional liderada por profissionais da indústria no intuito de ensinar técnicas de produção às empresas fabricantes de insumos de guerra. Nesse grupo havia empresários voluntários que cediam suas companhias, haja vista a necessidade de efetuar o treinamento “dentro da indústria” com o objetivo de concretizar e legitimar as ações realizadas pelo TWI, empreitada realizada somente em empresas cujo aceite tivesse sido espontâneo, a partir das gerências de fábricas. A metodologia do TWI teve como base os métodos de treinamento de Charles Allen, desenvolvidos em 1919 em princípio para a indústria naval americana durante a Primeira Guerra Mundial. Destes métodos, cognominados “Os Quatro Passos de Allen”, surgiram os “Programas J”: Instrução de Trabalho (Job Instruction, JI); Métodos de Trabalho (Job Methods, JM); Relações de Trabalho (Job Relations, JR) e o desenvolvimento de programa articulado como um todo. O elemento-chave desses métodos era o inter-relacionamento entre os supervisores e os trabalhadores operários, sendo considerado o fator responsável pelo sucesso da indústria de suporte à guerra dos Estados Unidos. O foco do TWI passou a ser as necessidades dos supervisores em termos de organização e controle da mão-de-obra, pois a demanda produtiva obrigava as empresas a contratarem um grande número de pessoas nãoqualificadas, algo que realçava ainda mais o papel fundamental do supervisor e sua relação com os funcionários no que se referia ao aumento da produtividade14 industrial americana. A segunda etapa do processo de desenvolvimento do TWI, a fim de ampliar os níveis produtivos gerados pelo trabalho cooperado, se centrou na concepção de métodos de ensino que privilegiassem a relação entre supervisores e subordinados e, principalmente, em como alinhar uma vasta gama de habilidades desenvolvidas e não-desenvolvidas pelos funcionários das empresas empenhadas com a produção da Segunda Guerra. O trabalho desenvolvido por Charles Allen - em 1919 e que ficou conhecido como o método dos Quatro Passos - foi fundamental para a próxima etapa do TWI nos EUA. Conforme citado por Allen (apud HUTZINGER, 2007, p.10): Cada lição completa de ensinamento requer 4 passos ou operações de treinamento conhecidos como passo 1 – Preparação, passo 2 - Apresentação, passo 3 – Aplicação e passo 4 – Teste (ou Inspeção). Esses passos são sempre lecionados nessa ordem dada. O propósito do passo 1 é deixar o aluno preparado para aprender, do passo 2 é instruí-lo, do passo 3 é verificar se há erros e do passo 4 é fazer uma inspeção final na Instrução de Trabalho. É possível evidenciar-se, a partir do método dos Quatro Passos de Allen, as raízes do que se difundiu amplamente, em especial a partir da década de 1990, tanto nas organizações como nos ambientes educacionais: o princípio do “aprender a fazer” (DELORS, 2003). Tal conceito tornou-se um elemento constante na literatura da área da educação, fundamentando pesquisas e estudos (BRUNO, 1996; DUARTE, 2001 e 2004; MARTINS, 2004; ROESLER, 2007) e como os quatro passos são interdependentes em sua manifestação concreta, evocam uma atenção diferenciada aos métodos de ensino utilizados pelos profissionais da educação formal e da educação profissional: a educação para o trabalho e no local de trabalho. 14 Conforme demonstraremos adiante, a relação supervisor-funcionários, ou mais propriamente, a utilização de tecnologias gerenciais por parte destes, será um dos princípios básicos para o sucesso do Sistema Toyota de Produção. Nesse caso, torna-se necessário explicitar os fundamentos do TWI como sendo uma metodologia de racionalização da força de trabalho efetivada por meio da qualificação profissional diretamente relacionada à formação dos trabalhadores. A METODOLOGIA DO TWI Um dos fatores diferenciais da metodologia concebida e desenvolvida por Allen foi o tratamento dado à questão do treinamento, apontando, a partir de pesquisas empíricas realizadas no interior das indústrias, quais os gastos relacionados à falta de um programa de treinamento (desperdício de recursos financeiros, materiais e “humanos”) e indicando os três fatores primordiais para a melhor eficiência dos processos de produção: [...] o instrutor, porque é através de instrução eficaz que podemos assegurar eficiência em treinamento. O homem, porque quando corretamente treinado, ele faz o melhor trabalho. O serviço, porque eficiência produtiva vem de homens bem treinados [...] (ALLEN apud HUTZINGER, 2007, p. 11). Para que se estabelecesse o melhor desempenho do treinamento era imprescindível que se aplicassem quatro princípios: 1) ajuste dos padrões; 2) estabelecimento de instrução correta; 3) o treinamento de maneira contínua dentro das organizações, 4) nos locais onde esse treinamento não pudesse ocorrer em um curto espaço de tempo. Grande parte do livro que Allen dedicou ao estudo do treinamento nas indústrias buscou demonstrar como uma metodologia eficientemente aplicada pode contribuir de maneira decisiva para a relação entre instrutores bem selecionados e orientados, e como os trabalhadores podem ser despertados à necessidade de “aprender a aprender”. As preocupações de Allen - no que se referia ao desenvolvimento de uma metodologia orientada para resultados, à seleção e formação de instrutores e à necessidade de “despertar” o trabalhor-aluno para a necessidade de se manter em constante atualização para um melhor “aprender a fazer” - em nada diferem das preocupações verificadas nos meios acadêmico e empresarial atualmente no que tange às novas perspectivas acerca da educação e formação profissional dos trabalhadores respectivamente. De fato, o que Allen desenvolveu em seus estudos sobre melhores práticas gerenciais orientadas à racionalização da organização do trabalho são os preceitos lógico-práticos do que passou a ser conhecido como “os quatro pilares para a Educação do século XX” (DELORS, 2003) e um currículo escolar orientado para o desenvolvimento de habilidades e competências. “Aprender fazendo”: o conteúdo dos cursos Training Within Industry (TWI) Intencionalmente os idealizadores do TWI utilizaram-se do método dos Quatro Passos de Charles Allen: As preocupações de Allen no que se referia ao melhor desempenho dos instrutores já tinham sido discutidas no Training Within Industry Report 1940-1945, onde a questão do “aprender fazendo” foi central. Nesse caso, estabeleceu-se que todo instrutor possuía cinco necessidades: 1) Conhecer o trabalho, 2) Ter conhecimento da responsabilidade, 3) Ter habilidade de instruir, 4) Habilidade em aperfeiçoar os métodos, e 5) Habilidade em liderar. As duas primeiras eram consideradas de responsabilidade da empresa no sentido de fornecer as condições necessárias para o desempenho da função em termos estruturais e de explicitar sua política interna e planejamento; e as três últimas eram providenciadas pelo TWI a partir de seus respectivos “Programas J” (Job Instruction, Job Methods, Job Relations) combinados ao método dos Quatro Passos de Allen. A Instrução de Trabalho (Job Instruction) era constituído de cinco sessões com duas horas de duração cada uma, sendo que as duas primeiras sessões tratavam exclusivamente da apresentação e discussão do método de instrução e as três últimas eram utilizadas para a aplicação prática das apresentações e discussões. O objetivo era que no decorrer das três últimas sessões os alunos-instrutores utilizassem um método de instrução aplicado junto aos funcionários de seu departamento e, a partir da aplicação deste, registrassem e discutissem a experiência com os participantes das sessões. Métodos de Trabalho (Job Methods): Conforme exposto por Allen (apud HUTZINGER, 2007, p. 15), o objetivo deste programa era “[...] ajudar os supervisores a produzirem maiores quantidades de produtos com qualidade em menos tempo, fazendo o melhor uso da mão-de-obra, máquinas e material disponível no momento”. Nesse caso, tornou-se imprescindível uma redefinição e realinhamento das características do trabalho do supervisor, quais fossem: sua missão, qualidades, problemas e objetivos (BRYAN, 2008). Convém destacar, a partir do objetivo exposto do programa “Métodos de Trabalho”, que no cerne do desenvolvimento do TWI e de seus métodos de cunho pragmático se encontra a essência da produção capitalista e, consequentemente, das tecnologias gerenciais, qual seja, a racionalização da produção e da organização da força de trabalho orientados à valorização do valor. A partir da análise dos procedimentos técnicos utilizados na produção de um determinado produto, era solicitado aos participantes do programa em questão que desenvolvessem um novo método mais eficiente e adequado às demandas atuais da empresa15. Há uma grande similaridade entre os procedimentos desenvolvidos no programa “Métodos de Trabalho” e o que ficou conhecido como Kaizen (melhoria contínua) no método de gerenciamento japonês. Relações de Trabalho (Job Relations): utilizando como matriz novamente o método dos Quatro Passos, esse programa estava fundamentado em desenvolver técnicas para melhoria das relações entre supervisores e subordinados, ou seja, as relações de trabalho deveriam ser orientadas para melhorias nas relações sociais no ambiente produtivo, tendo em vista que, segundo o programa em questão, um bom supervisor é aquele que consegue identificar pequenos problemas antes que se tornem maiores e prejudiciais à produção. O procedimento adotado consistia na apresentação de casos fictícios, envolvendo supervisores e operários e o manual orientava os supervisores quanto à resolução dos problemas apresentados, após o que estes deveriam aplicar em seus respectivos departamentos as lições obtidas para, posteriormente, apresentar os resultados para o grande grupo. De acordo com Bryan (2008, p.104), o programa “Relações de Trabalho” era “uma síntese das descobertas da psicossociologia do trabalho americana, desenvolvida com base na constatação da fragilidade dos pressupostos tayloristas quanto às motivações dos trabalhadores”. E, apesar 15 Essa é uma referência direta ao Sistema Toyota de Produção, particularmente por sua capacidade de captura do saber objetivo dos trabalhadores por intermédio de “sugestões espontâneas” feitas pelos mesmos no intuito de melhorar os processos produtivos do sistema. Para uma análise pormenorizada dessa questão, vide Bianchetti (2000) e Faria (1997; 2004). de outros teóricos terem desenvolvido pesquisas no campo organizacional, tendo a mesma preocupação e orientação do TWI, como Chester Barnard e Douglas McGregor, foi Elton Mayo quem mais contribuiu para o “Enfoque das Relações Humanas nas Organizações”: A Escola das Relações Humanas surge numa época em que se funda o sindicalismo vertical, por indústria, em substituição ao de ofícios. Cabe ao conselheiro das relações humanas [vide supervisor, gerente] a supressão das resistências informais às exigências administrativas. Enquanto a Escola Clássica pregava a “harmonia” pelo autoritarismo, Mayo procura-a pelo uso da Psicologia, convertendo a resistência em problema de inadaptação pela manipulação dos conflitos, por pessoal especializado em Psicologia social e Sociologia industrial, ou melhor, relações industriais (TRAGTENBERG, 1985, p. 83). 16 Como nos demais programas, para facilitar a aplicação e orientar os supervisores, desenvolveu-se um cartão para “Relações de Trabalho” como referência. DA MÁQUINA AO HOMEM: O DETOUR TECNOLÓGICO NAS ORGANIZAÇÕES VIA TECNOLOGIAS GERENCIAIS. No decorrer de nossa análise sobre a relação em termos de desenvolvimento histórico entre o programa Training Within Industry e o Sistema Toyota de Produção pôde-se verificar a importância que ambos atribuíram à formação do instrutor/supervisor numa perspectiva de ampliar a racionalização da produção (processos, operações, métodos e técnicas) a partir da organização e controle da produção e da força de trabalho, sendo que não necessariamente nesse percurso tenha sido dada a ênfase na tecnologia física como o taylorismo/fordismo dava a essa manifestação da tecnologia. Por sua vez, pode-se constatar que o Sistema Toyota de Produção, como um estágio mais aprimorado e avançado do programa TWI - em termos de abrangência produtiva -, se utilizou em grande parte para o seu próprio desenvolvimento, de tecnologias gerenciais ao desenvolver inovações organizacionais que atuassem diretamente sobre o controle da força de 16 De acordo com Francisco Filho (2006), o pragmatismo de John Dewey e a Psicologia Dinâmica de Kurt Lewin foram imprescindíveis para a afirmação das ideias de Mayo. trabalho e na potencialidade existente em termos de intensificação da produtividade. Os motivos pelos quais o referido sistema produtivo fez-se em suas especificidades técnicas, certamente, estão relacionados com as determinações históricas que o conduziram para sua perspectiva em termos de valorização do valor, como por exemplo: a condição econômica e social do Japão, após a Segunda Guerra, que motivou os países aliados, capitaneados pelos EUA, em transformar o referido país em um “laboratório” ou centro de pesquisas industriais; os seus limites geográficos que inviabilizavam a produção em larga escala a partir dos seus estoques tanto de matérias-primas como de produtos acabados; a constituição dos sindicatos “patronais” – por empresas - em substituição aos sindicatos classistas – por setores da economia - vinculados ao agora extinto, Partido Comunista; e, talvez, um dos fatores históricos determinantes, a condição econômica dos EUA e sua determinação sobre a produção, que não permitia vislumbrar, a curto e médio prazos, quaisquer modificações técnicas ou inovações organizacionais em sua planta industrial a qual, naquele momento, estava em plena ascensão. Tais fatores moldaram o sistema produtivo das indústrias japonesas naquele período histórico (o pós-guerra), o que, a posteriori, se concretizou como sendo o Sistema Toyota de Produção. Foi especificamente na referida empresa automotiva, que se constituía naquele momento de extrema escassez, que as inovações criadas por engenheiros americanos tiveram seu espaço criativo ilimitado e se conjugaram a ponto de se transformarem em um sistema produtivo orgânico. Tais inovações estavam embasadas na prerrogativa de que necessariamente deveriam estabelecer um ambiente que privilegiasse a racionalização da produção, porém não mais focado nas características propostas pelo sistema de produção tipicamente americano, taylorista/fordista), mas nas circunstâncias concretas que determinavam o Japão naquele momento: a completa escassez de recursos, matérias-primas e parques industriais. Ou seja, o foco deveria estar no desenvolvimento de métodos e técnicas, que restringissem a praticamente zero quaisquer possibilidades de permanência de elementos constituintes do processo produtivo que gerassem custos desnecessários.17 Nesse caso, para a efetivação de tal intento era necessária e fundamental a utilização dos conhecimentos provenientes da realidade empírica vivenciada pela força de trabalho no seio da produção e, consequentemente, do realinhamento de sua formação. Destarte, os maciços investimentos em treinamento teriam certamente que providenciar tal condição favorável ao sistema de produção em questão, o que automaticamente o retira da categoria “custos” para inseri-la em “investimentos”. Tal prerrogativa está em total consonância com a afirmação feita por Marx (1992, p.79) ao questionar: “Qual é o custo de produção da própria força de trabalho? É o custo necessário para conservar o operário como tal e educálo para este ofício” (grifo nosso). A partir desta citação podemos identificar dois fatores de real importância para o delineamento de nossa pesquisa: 1) para Marx, o adiantamento de capital com intuito de formar a força de trabalho é considerado como sendo “custo necessário”, ou seja, havia a “necessidade” de tal adiantamento como forma única de extrair mais-valor da mesma; 2) o sentido empregado por Marx para “educação” como um realinhamento dos conhecimentos técnicos provenientes de todos os componentes do trabalho na produção. Nesse caso, para Marx, esta era a significância que a educação deveria ter a partir de sua constituição no e pelo capitalismo. A redução do termo “educação” como “a formação da força de trabalho na produção” teve consequências fundamentais principalmente para o direcionamento das reformas educacionais propostas com maior intensidade a partir do século XXI, determinadas pelos ideais do capitalismo globalizado. Esta reflexão, aprofundada a seguir, enfatizará de que maneira esta perspectiva de educação serviu como pressuposto ideológico para o desenvolvimento das tecnologias gerenciais inerentes ao Sistema Toyota de Produção. Pois, conforme destaca Shiroma (1993), a formação de trabalhadores polivalentes no espaço de fábrica é a base do Modelo Japonês, sendo que essa formação exerce maior 17 Faz-se necessário aqui destacar que, a racionalização da produção e do trabalho não foi criação ou exclusividade do Sistema Toyota de Produção, pois, o controle em termos de detecção e extinção do que Tauile (2001) denomina como “porosidade do trabalho”, ou seja, o trabalho que não agrega valor direto ao produto já era motivo de preocupação tanto para os engenheiros industriais do século XIX, quanto para Taylor e Ford; porém a criação de novas tecnologias gerenciais que atuassem diretamente sobre a intensificação da força de trabalho concebendo índices de produtividade inalcançáveis pelo taylorismo/fordismo, certamente foi o grande diferencial do Sistema implementado na e pela Toyota Motors. influência e goza de maior prestígio frente à educação formal. A autora enfatizou também a importância dos funcionários recém-admitidos “passarem por programas consecutivos de indução e capacitação para serem moldados internamente à empresa, fazendo com que sejam vultuosos os investimentos de educação do trabalho” (1993, p.50): Durante o rápido desenvolvimento industrial do Japão nos anos [19]50 e [19]60, havia carência de mão de obra, e os formandos do secundário passaram a ser altamente cobiçados pela indústria que lhes forneceria uma educação complementar. O currículo consistia em 70% de treinamento prático sobre o ofício e 30% sobre cultura geral. Durante os 3 anos de curso eram ensinadas não apenas as habilidades mas também a cultura da empresa [...]. Recebiam formação geral exaustiva sobre a firma, sua história, os objetivos da direção e o comportamento exigido para o trabalho (SHIROMA, 1993, p.51). Ao destacarmos como o referido sistema de produção “inverteu” a ordem de importância dos recursos disponíveis ao colocar o trabalhador e sua relação com a administração a partir da ênfase na formação no e pelo trabalho produtivo, queremos enfocar também a importância das tecnologias gerenciais como forma de controle e de organização social da produção. Nesse caso, a reorientação funciona como sendo um desvio da “ordem natural” imposta pelo sistema de produção americano em termos de excessiva ênfase nas tecnologias físicas (rígidas ou flexíveis18) para atingirem altos níveis de extração de mais-valia. A utilização da própria capacidade inerente a todo ser social, a racionalidade, será direcionada para o desenvolvimento de métodos e técnicas de controle e organização da força de trabalho, alinhadas às necessidades atuais do padrão de acumulação vigente. Sendo assim, o Sistema Toyota de Produção extrapola os limites geográficos da planta industrial japonesa e passa a ser adotado não somente em filiais da mesma empresa em outros países, mas também por outras organizações ocidentais interessadas em atingir os índices de lucratividades decorrentes de sua 18 Conforme Tauile (2001, p.143) “o fordismo, que se apoiava na automação rígida, típica da produção em grande escala de produtos padronizados, começou a encontrar uma forte turbulência gerada pela instabilidade econômica da década de 1970. A difusão de equipamentos de automação flexível, que então começava a se acelerar, não conseguia superar as dificuldades colocadas pelos novos e instáveis padrões de demanda, pois ainda não se compreendia plenamente o que a nova base significava em termos das novas possibilidades de produção”. utilização, sendo que tais índices somente se efetivam quando se “desvia da ordem natural” do sistema de produção americano e implementam-se maciçamente tecnologias gerenciais relacionadas à produção. Isso, de maneira alguma, diminui a importância da racionalização da produção obtida através das tecnologias físicas, mas significa que as tecnologias gerenciais possibilitam níveis não atingíveis pela primeira no sentido de valorização do valor. Nesse caso, a ordem de importância em termos de priorização de utilização na produção capitalista sofre um detour tecnológico, onde as ciências exatas e naturais deixam de ser a base conceitual no que se refere à aplicação tecnológica da ciência, sendo superadas pelas ciências humanas e sociais em termos de controle do comportamento e alinhamento ideológico da força de trabalho aos preceitos do padrão de acumulação atual. De acordo com Tauile (2001, p.146): Nas economias ocidentais modernas, tornou-se progressivamente evidente que a utilização eficaz de novas tecnologias de automação flexível (TAF) dependia em grande parte da introdução de novos e adequados métodos gerenciais. No caso japonês, todavia, cabe ressaltar que as mudanças nas TOSP [Tecnologias de Organização Social da Produção]19 precederam à introdução de novas tecnologias de automação flexível. Foi a partir da década de 1960 que novas TOSP´s como o Just-in-Time e os Círculos de Controle de Qualidade (CCQ´s) ganharam amplitude nas plantas industriais japonesas, onde o seu sucesso [...] exigia um elevado grau de coordenação, precisão e qualidade das atividades executadas, tanto dentro da fábrica como no âmbito da articulação entre empresas, até porque, havendo uma dramática redução dos estoques intermediários, as ineficiências do processo tornavam-se incompatíveis com a estratégia produtiva (TAUILE, 2001, p. 149). As tecnologias gerenciais possibilitam índices de lucratividade não a partir da produção em larga escala, mas da redução de custos que podem advir de qualquer elemento da produção: estoques, processos, movimentação, transporte etc. É dessa forma que o conjunto de métodos e técnicas provenientes 19 das tecnologias gerenciais (Just-in-time e kanban) Tauile (2001) atribui às Tecnologias de Organização Social da Produção (TOSP) as mesmas características que atribuimos às Tecnologias Gerenciais. necessariamente extrapola os limites da própria empresa atingindo as empresas fornecedoras que devem equalizar sua produção à demanda da empresa cliente. A perspectiva que envolve as tecnologias gerenciais é a da lean production (produção enxuta), sendo que esta permeia todo o Sistema Toyota de Produção na medida em que se deve [...] racionalizar os fluxos de fabricação entre processos de forma contínua, otimizando e aproveitando os espaços disponíveis, a fim de minimizar a movimentação de pessoas, produtos, materiais e documentos. É necessário estabelecer um fluxo racional de trabalho. Quando são aprimorados os processos e elevados os níveis de capacitação e motivação dos empregados, os índices de desperdício caem naturalmente (JUSTA; BARREIROS, 2009, p.7, grifo nosso). O elemento que integra todo o Sistema Toyota de Produção é a forma como este utiliza as tecnologias gerenciais no sentido de racionalizar a produção ad aeternum - e não se pautando como elemento principal em tecnologias físicas que, além de gerarem custos de manutenção e depreciação como capital fixo, não possibilitam a melhoria contínua a partir de um processo de colaboração horizontal (o trabalho cooperado da força de trabalho) e vertical (o trabalho de controle, aprimoramento e treinamento garantido pelo gerente/instrutor/líder) dentro do Sistema Toyota de Produção. Um exemplo empírico de tal afirmação advém de uma citação de Chappel (apud BATTAGLIA, 2007, p.1) onde a autora, após visita a Toyota Motor Manufacturing North America situada em Erlanger, Kentucky, destaca que “em um mundo inundado pela logística computadorizada, a Toyota afirma que seus cartões coloridos – kanban – estão gerindo muito bem a cadeia de suprimentos. Além da mera utilização dos sentidos no intuito de detectar e corrigir possíveis erros é a capacidade de observar os processos, analisá-los e sugerir melhorias que é, sem dúvida, o maior diferencial dessa tecnologia. Ou seja, o nível de cooperação, nesse caso, extrapola a divisão imposta pelo sistema de produção americano que restringia o potencial inerente à força de trabalho produtiva, qual seja, uma formação profissional que privilegia a contribuição direta da força de trabalho como fonte de aprimoramento da racionalização da produção. O caráter “colaborativo” presente no Sistema Toyota de Produção manifesta-se concretamente por meio das sugestões propostas pela força de trabalho de implementar melhorias no processo produtivo. Contudo, a colaboração tem que ser assimilada por parte dos trabalhadores por meio de uma formação que privilegie essa característica da produção e, por serem os sistemas de produção flexíveis, a formação e o treinamento dos trabalhadores devem ser contínuas. Nesse caso, a formação da mão de obra no Sistema Toyota de Produção deve valorizar o desenvolvimento de competências e habilidades que irão propiciar a colaboração por parte dos trabalhadores e serem incentivadas pelos gerentes que, a partir de agora, são líderes que devem “orientar” seus subordinados a trabalharem por meio do trabalho cooperado e colaborativo. Necessariamente, as orientações formativas que se desenvolvem através do sistema de produção toyotista devem estar orientadas para suas características proeminentes: redução contínua de custos que não agregam valor; e habilidades que vão além da mera instrumentalização, característica do sistema de produção americano. O desenvolvimento histórico de uma “pedagogia toyotista” e suas raízes ideológicas será analisado a partir do próximo item. A EDUCAÇÃO NO E PARA O TRABALHO: RELACIONANDO A GESTÃO CAPITALISTA COM A FORMAÇÃO PROFISSIONAL É imperativo, no modo de produção capitalista, estruturar a constituição de relações sociais baseadas na relação econômica de custo e benefício. Como vimos no item anterior, para que se desenvolva no seio da produção capitalista programas de formação e treinamento, estes devem ser devidamente mensurados e passíveis de perpetuação pela sua capacidade de providenciar mais-valor em uma perspectiva de crescimento contínuo. Sendo assim, o vislumbre de possibilidades de intensificar a racionalização do trabalho via formação intra e extraorganizacional somente efetiva-se a partir da análise da relação custo-benefício em concomitância com a necessidade intrínseca do capital de valorizar todos os âmbitos da organização social. A intervenção direta de órgãos multilaterais que dão sustentação política e ideológica ao construto do capital no que se refere aos diversos loci relacionados à educação formal ou informal e à formação profissional20, faz com que os processos que se estabelecem por meio da relação entre ensino e aprendizagem devam ser orientados num sentido de mercantilização, limitando a educação, pois privilegia uma relação instrumental com o mercado. Os processos educativos, particularmente estabelecidos na década de 1950 no mundo, determinaram os caminhos percorridos pela educação, consolidados com maior efetividade na década de 1990, quando as teorias do capital humano e das competências entraram em consonância com o momento da economia ao final do século XX e já com vistas para o século XXI. Este momento de transição secular histórica marca também o desenvolvimento dialético no que concerne à superação incorporando pressupostos teóricos que determinam os parâmetros educacionais e de formação profissional onde a relação entre a educação formal e a organização do trabalho vem de longa data. Nesse sentido o documento publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em sua edição de 2009 que trata exclusivamente das perspectivas acerca da educação formal no mundo, destaca as seguintes questões: - a maneira como os sistemas de educação continuam a expandir-se, com um número de titulares de diplomas universitários quase duas vezes maior em 2007 do que em meados dos anos 1990. - Considerando o actual cenário de recessão econômica – caracterizado pela restrição dos recursos, mas também por uma elevada necessidade de investimentos em capital humano -, analisa os processos, o financiamento e os resultados do sector da educação como factores que determinam se os sistemas de educação oferecem uma boa relação custobenefício (OCDE, 2009, p.1, grifos nossos). Pode-se observar que, conforme a OCDE, apesar do momento econômico atual ser de crise, onde necessariamente a racionalização dos recursos deve ser priorizada, os investimentos em “capital humano” permanecem na agenda econômica mundial, observando-se também uma relação direta entre educação e formação de “capital humano”, o que consolida os dados “positivos” do referido documento num âmbito puramente quantitativo 20 Dentro dos quais, atualmente e como demonstramos aqui, o processo de nivelamento entre educação e formação é algo concreto em nossa sociedade nos últimos 30 anos. a partir de dados estatísticos. Em essência, o documento “Panoramas da Educação: Indicadores da OCDE” destaca a permanente relação entre educação e trabalho que, de acordo com a perspectiva do capital, deve ampliar-se em termos de os sistemas educacionais desenvolverem a formação necessária para abastecer uma suposta demanda do mercado mundial em suas diversas atividades profissionais. O construto teórico desenvolvido por Theodore Schultz e Gary Becker e que teve seu reconhecimento mundial, a partir da década de 1970 como um ideal a ser perseguido pelos sistemas educacionais, ainda orienta as perspectivas acerca da educação na primeira década do século XXI. As análises acerca dos sistemas educacionais e, especificamente, a gestão destes, enfatizam a forma como se estabelece a subsunção real do trabalho ao capital - e que, atualmente, não se dá prioritariamente por meio de tecnologia física, mas principalmente a partir da “captura da subjetividade” da força de trabalho (ALVES, 2007; FARIA, 2007) via tecnologias gerenciais, sendo que tais tecnologias desenvolveram-se - e consolidaram-se como instrumentos para tal “captura” com maior propriedade - no Sistema Toyota de Produção. Para que a relação custo-benefício existente entre a educação/formação e a produtividade se estabeleça concretamente no plano das relações sociais é necessário que esteja alinhada às necessidades advindas do âmbito da produção capitalista de maneira que os trabalhadores que atuam nesta relação sejam formados de acordo com os seus preceitos teórico-práticos para possibilitar a racionalização da produção e consequentemente, a valorização do valor. Da mesma forma, como no decorrer do século XX, foi necessário que os preceitos da Administração Científica de Taylor tivessem que ser assimilados pelo ambiente escolar em termos de uma “Administração Escolar” voltada à racionalização do plano produtivo, com maior ênfase no período após o evento da reestruturação produtiva exige-se dos sistemas escolares uma formação alinhada aos novos paradigmas impostos pelo sistema de produção que se constitui como “a ideologia orgânica da produção capitalista” (ALVES, 2007), qual seja, o Sistema Toyota de Produção. Nesse caso, torna-se necessário o alinhamento entre o sistema de produção e o sistema de educação, conforme previsto na análise de Gramsci sobre o sistema produtivo americano no século XX e o sistema de relações sociais constituintes da superestrutura. De acordo com Braga (2008, p. 25): Americanismo e fordismo representam as duas faces da mesma moeda, isto é, uma nova composição das forças produtivas do trabalho social por meio dos chamados processos de modernização conservadora: à racionalização da produção correspondia um novo ajuste entre estrutura e superestrutura, sempre no sentido de recompor a unidade entre relações sociais de produção e aparelhos de hegemonia. Pode-se estabelecer a mesma relação entre as relações sociais de produção orientadas pelo toyotismo e os aparelhos de hegemonia estabelecidos para além da organização, ou conforme Gramsci (2008, p. 68), há uma necessidade de “adequar os costumes às necessidades do trabalho”. A gestão dos sistemas escolares responsáveis pela formação do atual e futuro trabalhador deve estar em consonância com as necessidades psicofísicas impostas pelo sistema toyotista de produção, nesse caso, os princípios que norteiam o referido sistema de produção (redução de custos e formação polivalente) devem ser buscados e estabelecidos na prática pelos sistemas educacionais. Exemplo empírico de tal necessidade dá-se a partir do relato de Liker e Hoseus (2009, p.93) e que ilustra nossa reflexão: Mesmo o luxo de escolher a comunidade em que a nova fábrica será construída não é o suficiente para a Toyota. A empresa está acostumada a influenciar a força de trabalho desde antes de começar a contratar as pessoas. No Japão, a Toyota começa o processo de preparar os jovens para entrar em sua cultura por meio de colaboração com o sistema escolar local. Na cidade hoje conhecida como Toyota City, há um sistema de ensino médio da Toyota. Os interesses e aptidões dos alunos são avaliados durante os últimos anos do ensino fundamental, e os estudantes recebem escolhas e indicações que se adaptam às suas competências. Há três carreiras gerais dentro da Toyota: trabalho de produção, trabalho de manutenção especializada (solda, elétrica, programação de robôs, etc), engenharia. Com base nessas escolhas, é possível escolher três caminhos educacionais distintos. A maioria dos alunos que escolhe trabalhar para a Toyota quando se forma na escola local opta pelo caminho do trabalho de produção. Na Escola de Ensino Médio Toyota, eles vivem em dormitórios e aprendem, trabalham e se divertem juntos. É claro que continuam a aprender as matérias tradicionais, como japonês e aritmética, mas também são expostos ao Modelo Toyota, incluindo aspectos técnicos da construção de carros, os componentes do STP [Sistema Toyota de Produção] e os valores e componentes interpessoais do trabalho em equipe e da cultura Toyota. É a real orientação de um sistema escolar quase em sua plenitude pelo modelo de produção atual, sem qualquer possibilidade de concessão por parte do primeiro, conforme Liker e Hoseus (idem) “quando a Toyota começou sua fábrica no Kentucky, o desenvolvimento de seu próprio sistema escolar formador não era uma opção”. Tendo por base ainda a instalação da fábrica em Kentucky, a relação exemplificada anteriormente no Japão também foi posta em ação nos EUA: após um rigoroso processo de seleção de pessoas para trabalharem na filial, foi constatado que somente 5% das pessoas avaliadas possuíam as qualidades e habilidades necessárias correspondentes ao “padrão Toyota” de produção, pois “com o tempo a Toyota queria mais produtividade, e decidiu colaborar criativamente com a comunidade para aumentar a capacidade dos trabalhadores disponíveis para contratação, semelhante ao que a empresa faz no Japão” (LIKER; HOSEUS, 2009, p.94). Constata-se uma necessidade intrínseca ao sistema de produção em questão, de gerir e controlar a formação da força de trabalho e reduzir, por meio do “assalto” aos currículos escolares, os princípios inexoráveis da educação a meros instrumentos de incorporação dos ideais referentes ao seu modo de intensificação da racionalização produtiva. Assim como o próprio Sistema Toyota de Produção é uma síntese de múltiplas determinações historicamente constituídas, constituindo-se por meio de referenciais políticos e econômicos mundiais e de condições próprias da cultura japonesa, a relação entre esse sistema e os preceitos educacionais postos para o século XXI também sofre múltiplas influências, principalmente do plano organizacional orientado à valorização do valor via racionalização produtiva. Nesse sentido é preciso verificar até que ponto o programa de treinamento TWI, desenvolvido com base nas necessidades do complexo militar-industrial21, serve de base para a ideologia educacional conhecida como “os pilares” para a educação do século XXI e como o conteúdo de tal ideologia dá sustentação para a consolidação no plano organizacional e educacional das tecnologias gerenciais, tema de nosso próximo item. 21 Para mais informações ver o item 16.2 intitulado “O significado do complexo militarindustrial”, presente na obra de Mészarós (2002), Para além do Capital. As imbricações existentes entre os Quatro Passos (do TWI) e os “Quatro Pilares” (da educação) Pretendemos demonstrar nesse item as aproximações e similaridades existentes entre o método dos Quatro Passos de Charles Allen, (que serviu de base para o TWI, a base conceitual do Sistema Toyota de Produção) e o dos Quatro Pilares para a educação do século XXI, idealizados por Jacques Delors (que se constituem como a materialização no plano educacional dos ideais de formação da mão-de-obra no referido sistema produtivo). As duas propostas (os Quatro Passos e os Quatro Pilares) constituem-se projetos de introjeção dos ideais previstos para o novo padrão produtivo, que adquire uma abrangência global nos últimos 30 anos. Inerentemente, ambas são formas de implementação na produção da racionalidade do capital, que implicam necessariamente em mudanças e transformações na formação profissional da força de trabalho. Particularmente, as ideias previstas no conjunto dos programas aqui analisados, por si sós, não impõem uma intervenção direta na realidade, mas devem ser materializadas por intermédio de agentes “treinados” para tal intento, ou seja, a perspectiva de busca de uma racionalização na produção capitalista deve ser objetivada a partir da intervenção de seus executores que, no caso, podem ser desde gestores organizacionais até pessoas com cargos de comando e gestão na educação, como por exemplo, professores. Um dos primeiros itens que podemos constatar em termos de aproximação e similaridade fica por conta do item “Preparação” referente ao método dos Quatro Passos e o primeiro pilar “Aprender a conhecer” de Delors: a “preparação” tem em sua definição o fato de haver uma necessidade de sensibilizar o trabalhador em formação para o ato de aprender e que para tal intento, o conhecimento novo deve ser ancorado em um pré-existente, situação muito próxima em termos conceituais do que propõe o “aprender a conhecer”, que privilegia “o domínio dos próprios instrumentos do conhecimento” (DELORS, 2003, p. 90) ante a necessidade de saberes específicos. O pilar “Aprender a fazer” é a síntese do que é preconizado pelos “Programas J” do TWI e pelo item “Aplicação” dos Quatro Passos: a necessidade de desenvolver-se um conjunto de habilidades e competências, particularmente nos professores/instrutores, que supram as necessidades de um novo paradigma produtivo. Mesmo que os “Programas J” estivessem pautados em uma base taylorista/fordista, a racionalidade que permeia historicamente a relação entre ambos é a de obter-se um controle sobre a formação da mão-de-obra indispensável para a perpetuação de qualquer sistema produtivo, saindo dessa forma de um controle sobre tempos e movimentos, e passando para o controle de competências e habilidades que estimulam a utilização da subjetividade humana no ambiente produtivo. Necessariamente, Delors indica que há uma relação entre o pilar “aprender a fazer” com o sistema Toyota de produção ao afirmar que: O aumento de exigências em matéria de qualificação, em todos os níveis, tem várias origens. No que diz respeito ao pessoal de execução a justa posição de trabalhos prescritos e parcelados deu lugar à organização em “coletivos de trabalho” ou “grupos de projeto”, a exemplo do que se faz nas empresas japonesas: uma espécie de taylorismo ao contrário. (DELORS, 2003, p. 94). O “aprender a viver juntos” tem em sua concepção uma aproximação ao que foi proposto por um dos itens dos “Programas J” chamado “Relações de Trabalho”: a criação e implementação de um conjunto de técnicas e métodos que estimulem o convívio harmonioso entre e intra níveis hierárquicos, e o trabalho cooperado por meio de objetivos comuns previstos tanto para a produção como para a organização como um todo. O controle sobre as relações sociais no ambiente produtivo é uma condição fundamental e que foi pensada e viabilizada desde os Quatro Passos até os “Quatro Pilares” sendo que nestes, o objetivo econômico central foi mascarado por objetivos “humanizadores” previstos para a educação no século XXI. Este controle passa necessariamente pelo expurgo e anulação da produção de organismos incentivadores da não-conciliação dos objetivos da força de trabalho aos objetivos empresariais, como, por exemplo, os sindicatos e os partidos políticos, sendo o Japão pós-guerra, o caso primordial de tal condição22. Os itens “Teste” e “Aprender a ser” aproximam-se por tratar-se de sínteses dos 22 Para um maior aprofundamento dessa questão, ver Oliveira (2004). itens componentes de cada proposta de formação, previstas nos Quatro Passos e nos “Quatro Pilares” respectivamente. Analisando o encadeamento histórico dessas propostas constata-se que é dada à formação profissional e a educação, como fontes de desenvolvimento das capacidades físicas e cognitivas, poderes que ultrapassam as suas condições ontológicas no que se refere às possibilidades reais de estabelecer-se uma relação direta entre o aumento da qualificação profissional e o desenvolvimento econômico e social em uma perspectiva generalizante, enveredando dessa forma para um caminho contrário à lógica imposta pelo capital. Considerações finais. Conforme evidenciado em nosso estudo, as tecnologias gerenciais, enquanto uma manifestação da aplicação tecnológica das ciências, em especial das Ciências Humanas e Sociais, contribuem decisivamente para A unidade coletiva na cooperação, a combinação na divisão do trabalho, a utilização das forças naturais e das ciências, dos produtos do trabalho como maquinaria, tudo isto se contrapõe aos operários individuais, de forma autônoma, como um ser alheio, objetivo, que lhes préexiste, que está ali sem o seu concurso e amiúde contra o seu concurso, como meras formas de existência dos meios de trabalho que os dominam e são independentes deles, na medida em que essas formas (são) objetivas. (MARX, 1985, p.127) Torna-se importante realçar as características que indicam uma situação de continuidade e descontinuidade existente entre os sistemas de produção observando principalmente as aproximações pelo Enfoque das Relações Humanas sendo que, para tanto, este atuava diretamente no enfrentamento aos sindicatos e a necessária submissão dos mesmos aos ditames do capital, condição objetivada concretamente pelo Sistema Toyota de Produção em sua gênese no Japão pós-guerra. No que se refere à educação, o processo de continuidade e descontinuidade presente na relação existente entre o Sistema Taylorista/Fordista e o Sistema Toyota de Produção, pode ser observado a partir de nossa análise acerca do desenvolvimento histórico existente entre o método dos ‘Quatro Passos’ de Charles Allen, o Training Within Industry (TWI), o modelo de gerenciamento no Sistema Toyota de Produção e os princípios elencados pelos ‘Quatro Pilares para a Educação do século XXI’ de Jacques Delors. O fio condutor que interliga todos estes métodos e orientações é a racionalização necessária à valorização do valor, que necessita se apropriar dos nexos causais existentes na relação entre trabalho e educação, onde que a subsunção real do trabalhador não é suficiente para que os níveis de extração de sobrevalor se mantenham em um patamar aceitável, pois este vem se desenvolvendo para que haja a subsunção total do ser social ao capital. Para tanto, o controle deve se manifestar objetiva e subjetivamente tanto no espaço da fábrica quanto no espaço educacional (quando ambos não se encontram sobre o mesmo teto). Nesse caso torna-se imprescindível a utilização de métodos, técnicas e princípios orientadores que dão sustentação ideológica para o processo de subsunção total do ser ao capital, providenciando a relação direta entre trabalho e educação determinada pela valorização do valor. Historicamente essa relação evidencia-se a partir do Enfoque das Relações Humanas, onde a aplicação tecnológica das Ciências Humanas e Sociais tem uma contribuição determinante para a manipulação da força de trabalho através do controle não somente pautado na coerção, mas principalmente em elementos de persuasão, característica fundamental observada no desenvolvimento das tecnologias gerenciais. Sendo assim, independente da ‘forma’ na qual os preceitos da subsunção total do ser ao capital se manifestem – seja por meio dos ‘Quatro Passos’, do TWI, do gerenciamento toyotista ou através dos ‘Quatro Pilares para a Educação do Século XXI’ -, a essência permanece inalterada, onde o controle objetivo e subjetivo do trabalho cooperado inerente à relação entre trabalho e educação, materializa o processo de racionalização do capital e consequentemente da valorização do valor. Ambas as manifestações da subsunção total do ser ao capital, calcadas no pragmatismo inerente a racionalização do capital, atuam junto aos trabalhadores/alunos como princípios, ‘palavras de ordem’, que não sugerem dúvidas, mas sim certezas absolutas, processo que vai de encontro aos princípios da aplicação tecnológica da ciência voltada à emancipação e aos valores propostos pelo universo acadêmico-científico crítico pautado no questionamento e na incerteza no tocante à ‘verdades absolutas’. Destarte, os métodos e técnicas presentes na relação entre trabalho e educação, independente de sua forma assumida historicamente em comum acordo com o sistema de produção vigente, a essência dessa relação está pautada na racionalização do trabalho cooperado e no pragmatismo capitalista no que se refere à valorização do valor. Referências: ALVES, Giovanni. Dimensões da Reestruturação Produtiva: ensaios de sociologia do trabalho. 2. ed. Londrina: Praxis/Bauru: Canal 6, 2007. BIANCHETTI, Lucídio. 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Deichmann Santos Lima Resumo No contexto das transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho a partir dos anos 70 sob a perspectiva de novos paradigmas tecnológicos e organizacionais como a flexibilização da produção, dos processos e das relações contratuais, o trabalho informacional se destaca. Para se conhecer mais sobre como este se configura na realidade dos trabalhadores, analisaremos a situação dos egressos de cursos técnicos da rede federal de ensino profissional (2010 – 2014), especificamente do Instituto Federal do Paraná, ligados ao trabalho informacional. Buscaremos analisar como se dá a inserção desses egressos no mercado, o perfil desse trabalhador e, em especial, como ocorre a qualificação e atualização num setor de constante inovação. Acreditamos que esses egressos estão sujeitos às mais variadas condições e relações contratuais de trabalho, boa parte delas precárias, em relações de emprego disfarçadas pelo uso de “PJs”, apesar de serem trabalhadores qualificados. Como o presente trabalho se configura como um comunicado de pesquisa, análises preliminares indicam a valorização pelo mercado de certas habilidades subjetivas deste trabalhador. Apesar do nível de escolaridade ser um atributo importante, igualmente é a atualização “técnica” rotineira do profissional em programas, softwares, etc., sendo esta realizada por iniciativa do trabalhador, geralmente de maneira autodidata e virtualmente. Palavras-chave: qualificação, educação profissional, egressos da educação profissional, trabalho informacional, setor da informática no Paraná. INTRODUÇÃO O trabalho aqui apresentado está ligado à linha de pesquisa Trabalho, Inovações Organizacionais e Inclusão social do departamento de PósGraduação em Sociologia da Universidade Federal do Paraná. No âmbito do Grupo de Estudos Trabalho e Sociedade - GETS tem destaque a pesquisa realizada sobre as redes de empresas, trabalho e relações de trabalho no setor de informática no Paraná. Este, enquanto setor econômico, não é ainda tão expressivo no cenário brasileiro e paranaense se comparado a outros setores, mas é emblemático no sentido de ser uma fronteira no que se refere às modificações no mundo do trabalho. O presente trabalho se constitui numa aproximação inicial e numa reflexão acerca do seu objeto de estudo, quer seja, o trabalho informacional e o processo de qualificação dos trabalhadores deste setor.23 Mas, afinal, o que é esse trabalho dito “informacional”? No esteio das grandes transformações que vêm ocorrendo no mundo do trabalho, sob a perspectiva de novos paradigmas tecnológicos e organizacionais a partir dos anos 70, como a flexibilização do trabalho e das relações contratuais, informacional. tem destaque o desenvolvimento do trabalho Wolff (2009), ao discutir a reificação da informação sob os novos paradigmas organizacionais adotou esse conceito para designar o conjunto das atividades relacionadas com as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Para a autora a cognição vira matéria-prima tal qual um insumo na produção material, o que permite, portanto, ao capital explorar não só o trabalho dito material, como também o imaterial (idem, 2009). Essa visão se contrapõe à ideia de um trabalho imaterial emancipador, que toma o conhecimento e a técnica como uma nova forma de poder que não pode ser apreendida pelo capital. Autores como Gorz (2005), Negri (1991;1993) e Lazzarato (1993; 2001) acreditam que o conhecimento não pode ser considerado “mercadoria”, estando livre da proletarização que ocorre com o trabalho material. Amorim (2009), concordando com Wolff, combate a tese de que o trabalho imaterial está livre do controle capitalista: mesmo que a informação seja considerada um subproduto do trabalho imaterial, ainda sim ela é constituída por tempo de trabalho explorado e não pago. Nesta perspectiva, o trabalho informacional se submete à mesma lógica de acumulação capitalista taylorista-fordista sujeita a todo tipo de precarização e amarras que o controlam, fazendo-o ser como afirmou Braga (2009, p. 65), ao mesmo tempo “contemporâneo e retrógrado, oportuno e inoportuno...”, ou seja, o trabalho informacional está no centro das mudanças no sistema 23 Essa aproximação e reflexão acerca das configurações e especificidades do trabalho informacional servirão de base para o desenvolvimento e elaboração posterior de uma tese de doutoramento. capitalista contemporâneo, trazendo inovações em termos de produtos e serviços, bem como implicações para os trabalhadores de vários setores da economia. Ao capital interessaria, pelo uso das tecnologias da informação, diminuir o custo da força de trabalho, reduzindo o número de trabalhadores necessários para produzir e fazer circular a mesma quantidade de mercadorias. Pretende-se, assim, por meio da pesquisa empírica, contribuir com a Sociologia do Trabalho no sentido de conhecer mais sobre como o trabalho informacional se configura na realidade dos trabalhadores, em especial entender como se dá a qualificação do profissional num setor tão dinâmico e inovador como é o caso da informática. Para tanto, identificaremos a situação dos egressos de cursos técnicos da rede federal de ensino profissional ligados ao trabalho informacional. Serão analisadas as condições de inserção e de trabalho desses egressos formados entre os anos de 2010 e 2014 do Instituto Federal do Paraná nos vários campi da instituição espalhados pelo Estado. Isso permitirá verificar e comprovar, ou não, a hipótese de que esses egressos estão sujeitos às mais variadas relações contratuais, sendo boa parte delas precárias, com jornada de trabalho intensificada, sem carteira assinada, temporárias ou por projeto, muitas vezes em relações de emprego disfarçadas pelo uso de “PJs” (pessoas jurídicas) apesar de ser exercido por trabalhadores qualificados. Tal constatação poderá corroborar com a tese de autores como Amorim (2009) e Wolff (2009) de que o capitalismo continua, mesmo no trabalho informacional, se apropriando de trabalho explorado e não pago ao trabalhador e o submetendo à condições flexíveis e precárias de atuação para otimizar essa acumulação. Também será possível perceber e apreender as imbricações da situação do trabalho informacional com a educação profissional, uma vez que, segundo o PPA 2012-2015 (Brasil, 2011), esse egresso é fruto de uma política pública que pretende, pelo menos enquanto discurso, garantir a expansão qualitativa e quantitativa do número de profissionais que ainda é escasso se comparada com as necessidades do setor produtivo. Até que ponto essa política pública está conseguindo inserir seus alunos no mercado de trabalho? Eles estão encontrando um emprego e em que condições? Qual o padrão de contratação e o perfil desses egressos na área da informática no Paraná? Há alguma distinção em termos de região, gênero, idade ou atividades exercidas? Na primeira parte deste trabalho, que se constitui em uma comunicação de pesquisa, serão feitas considerações metodológicas acerca da pesquisa empírica e uma breve revisão da literatura. Em seguida, serão analisadas algumas informações preliminares obtidas nesta e em outras pesquisas em andamento, em especial as realizadas no GETS, e as perspectivas em termos de possíveis contribuições que a presente pesquisa poderá trazer para se conhecer um pouco mais sobre o trabalho informacional e suas configurações na realidade paranaense. 1. AS MODIFICAÇÕES NO MUNDO DO TRABALHO E O TRABALHO INFORMACIONAL Como mencionamos anteriormente, a pesquisa tem como objetivo central verificar como se dá a inserção do egresso de cursos técnicos ligados ao trabalho informacional, do IFPR, no mercado de trabalho em termos de qualificação, bem como levantar aspectos ligados à remuneração, regulamentação e condições de trabalho. Nesse sentido, para analisarmos o mundo do trabalho precisamos, como lembra Leite (2009), estar atentos ao contexto de mudanças econômicas, políticas e sociais que o tem atingido. Assim, é necessário entender os processos de globalização e reestruturação produtiva como um novo rearranjo social, e não somente como “uma acomodação do modelo de acumulação ao desenvolvimento tecnológico, ou uma adequação do mercado financeiro e produtivo ao caráter flexível das novas tecnologias” (LEITE, 2009, p. 68). Segundo Castel (1998), as mudanças são frutos de decisões políticas de setores da sociedade que resolveram romper o pacto entre capital e trabalho, bem como desmantelar conquistas conseguidas dentro da sociedade salarial. É nesse sentido que se pode entender a crise das políticas keynesianas do Estado de Bem-Estar Social, as mudanças no caráter do Estado e o advento das políticas neoliberais que terão um profundo impacto no trabalho (LEITE, 2009). Por isso o levantamento bibliográfico é necessário no sentido de se realizar uma discussão acerca dessas mudanças e dos seus impactos nos conceitos – como o de informalidade, precarização e trabalho atípico - formulados dentro da Sociologia do Trabalho e que tratam das novas configurações do trabalho. Estabelecer quais definições serão utilizadas para conceitos como esses é fundamental para se identificar a intensidade e as formas da flexibilização que se configura na realidade brasileira e paranaense. Como se conhece ainda muito pouco sobre isso, é igualmente importante verificar se muitos dos conceitos hoje utilizados pela Sociologia do Trabalho são suficientes ou válidos para analisar um setor relativamente novo, emblemático por nascer e se desenvolver dentro de um contexto econômico-social já flexível. Assim, a revolução tecnológica que vem ocorrendo a partir dos anos 70 no quadro da crise do modelo de produção taylorista-fordista e instaurando um novo modo de acumulação chamada de flexível (HARVEY, 1973), traz as tecnologias da informação, principalmente o computador, como centro do processo de organização, primeiramente do processo produtivo, para depois espraiar-se para todos os níveis da organização, uma vez que a transformação da informação em dados (ou softwares) permite a promoção de rápidas inovações tanto nos produtos quanto nos processos organizacionais (WOLFF, 2009). Além disso, essa flexibilização também incide sobre as relações de produção. Para Benko (1996), a crise do modelo fordista-taylorista significou uma ruptura - um momento histórico - e não uma lenta transformação ou refluxo de exploração do capital em relação à força de trabalho. A “era eletrônica” da acumulação capitalista passa pelo reexame do “compromisso” da relação salarial fordista, pela busca de novas fontes de produtividade, num cenário de acirramento e aumento da complexidade da concorrência intercapitalista. É o sistema produtivo que tem de se adaptar ao mercado e não o contrário. Ocorre também uma nova configuração internacional da divisão do trabalho com o deslocamento das unidades para locais de baixos salários, unidades menores de produção com processos mais flexíveis e aos mais baixos custos possíveis de produção. Mas isso não quer dizer que essa transição seja homogênea, pelo contrário, ela é híbrida: ocorre a coabitação entre as atividades nobres do pós-fordismo metropolitano e plantas industriais que mediante uma deslocalização delega processos de trabalhos “tradicionais” à locais com força de trabalho barata. O capital se serve desse período para se reorganizar, aproveitando as oportunidades geográficas e tecnológicas que lhes são oferecidas. Segundo Harvey (1993), a flexibilização pode se dar sob diversas formas: flexibilidade para contratar e demitir funcionários, flexibilidade na jornada de trabalho, flexibilização dos processos de trabalho e também do vínculo empregatício, o que tem levado, segundo Leite (2009), a um crescimento de formas de trabalho que, do ponto de vista da sociedade salarial (Castel, 1998), eram consideradas atípicas: o trabalho por conta própria - as “pessoas jurídicas” ou PJs -, ou seja, trabalhadores que têm de abrir uma empresa para poder prestar serviços; em tempo parcial; por prazo determinado; sem carteira assinada; cooperativado. Leite (2009) então questiona: como falar em trabalho atípico se este está se tornando cada vez mais comum? Nesse último caso, dos cooperativados, como lembra Druck e Franco (2009), as pesquisas têm indicado um grande número de cooperativas fraudulentas, bem como o fato destas terem se tornado o tipo de terceirização “mais perversa” que se difundiu nos últimos anos, pois “precarizam o trabalho de forma legal – cobertas pela legislação que também é flexível – e alimentam uma ilusão para aqueles trabalhadores que acreditam ser a cooperativa uma alternativa de autogestão e de um trabalho solidário, muito além de uma alternativa ao desemprego.” (idem, p. 239). Aliás, a terceirização é uma das principais opções para o capital em termos de flexibilidade, uma vez que os contratos de trabalho se ajustam às necessidades das empresas em relação à duração, jornada, produtividade, salários, jogando toda a responsabilidade pela gestão da mão de obra e dos custos trabalhistas para o terceiro. Em relação ao conceito de informalidade, trata-se, como adverte Leite (2009), de um conceito polissêmico à medida que pode ter vários significados e não há uma unanimidade sobre seu uso entre os autores24. O fato é que ele está intrinsecamente ligado à flexibilização e não pode mais deixar de ser considerado um trabalho produtivo e capitalista25. 24 Ver a discussão completa sobre o conceito de informalidade em Leite (2009). 3 Trabalho informal é aqui entendido como aquele exercido sem carteira assinada. Para Castel (1998) a desconstrução do Welfare State, ou da sociedade salarial constituída dentro do sistema taylorista-fordista de produção, significa a perda da relativa coesão social obtida arduamente no século XX, bem como o desmonte das conquistas sociais conseguidas pelos trabalhadores no Estado de Bem-estar social. Com o ressurgimento das idéias neoliberais no final dos anos 70 na Inglaterra, no governo Tatcher, e nos EUA, no início da década de 80, com Reagan, a flexibilidade se converte também na ideia de uma mínima interferência do Estado (Estado mínimo) em termos de geração de empregos, dando às empresas grande liberdade de gestão social e fiscal. Tal atitude favorece a economia informal com o aprofundamento da precarização das relações de trabalho (Benko, 1996)26. No Brasil, o ideário neoliberal se faz sentir a partir do final dos anos 80. Até então o mercado brasileiro era fechado e a indústria da informática, portanto, protegida. Com a abertura da economia, dentro da onda neoliberal que inunda o país, a indústria da informática teve que se ver às voltas com a competição internacional. Nesse sentido, foi sendo necessária uma capacitação técnica maior por parte dos trabalhadores, principalmente na produção de softwares e processamento (TAUILE, 2001). Em relação ao trabalho precário o que o caracteriza? Para se definir esse conceito é interessante levar em consideração a reflexão feita por Leite (2009) na qual, considerando as transformações recentes, o termo adquire novos conteúdos. Assim, consideramos trabalho precário aquele que é instável, inseguro, temporário e com pouca ou nenhuma proteção social. É importante mencionar que a precarização não fica apenas restrita à esfera do trabalho. Na maioria das vezes se espraia para a vida familiar empobrecendo famílias, atingindo a saúde do trabalhador, modificando as relações sociais (LEITE, 2009; DRUCK e FRANCO, 2009)27. Outra consequência da precarização é a fragmentação na organização sindical que dificulta a mobilização dos trabalhadores. Segundo Wolff (2009), 26 O Brasil nunca chegou a ter um Estado de Bem-estar social aos moldes dos países capitalistas centrais, mas mais próximo de um fordismo periférico. Sobre este conceito ver BENKO, 1996. 27 Vale ressaltar que o presente trabalho concorda com Leite (2009) que, a despeito do avanço da precarização, o trabalho continua sendo central na vida das pessoas para garantir a sua sobrevivência. Além disso, continua a ser referência para a formação das identidades sociais. no caso dos trabalhadores da área informacional, estes estão submetidos à mesma lógica de precarização que os demais trabalhadores: precarizados pelo desemprego, pela informalidade, pelas condições de trabalho, sugados no seu conhecimento28. Nesse sentido, Amorim (2009), contesta a ideia de que o trabalho imaterial é libertador, autônomo. Discordando de autores como André Gorz, Antonio Negri e Maurizio Lazzarato, afirma que o discurso do trabalhador emancipado, cognitivo, serve para dissolver a consciência de classe e não muda a relação de exploração da força de trabalho para a produção de maisvalia, seja no setor industrial, seja no de serviços. No que se refere à criatividade e à inovação presentes no trabalho imaterial, Wolff (2009) faz uma análise interessante ao afirmar que este não é a todo o momento qualificado e inovador. Para ela, o trabalhador vai alternando momentos de trabalho criativo com momentos de mera manutenção de sistemas que, com a automação, tornam o trabalho redundante, desqualificado. Véras (2006) também chama a atenção para outro aspecto importante que é o deslocamento da noção de qualificação para o de competência. Isso significa, ao mesmo tempo, um deslocamento do paradigma fordista de produção para um novo paradigma, o flexível, não sendo suficiente ao trabalhador apenas “saber fazer”, mas também “saber agir”, ser flexível, inovador, criativo, ou seja, ser competente. Parte-se da premissa que o trabalhador deve estar apto a enfrentar, juntamente com a empresa, a concorrência acirrada e competitiva presente no mercado. Portanto, dentro dessa ótica, não basta mais ao trabalhador apenas adquirir conhecimento: ele precisa desenvolver competências para torná-lo empregável, de forma a “ampliar” o seu valor no mercado de trabalho. A responsabilidade pelo sucesso 28 Alves e Rosenfield (2011), por exemplo, ao analisar o trabalho de teletrabalhadores, constatam que mesmo o trabalho informacional independente, sem subordinação, ou seja, por conta própria, acaba se subordinando, em maior ou menor grau, às imposições do mercado. Para elas, o trabalho imaterial, em especial o teletrabalho, é muito mais trabalho flexível do que autônomo. A autonomia verificada na pesquisa diz mais a respeito da autonomia de controlar a si mesmo, de controlar o tempo ou local de trabalho. Ademais, o trabalhador está sujeito à subordinação do mercado ou às empresas que lhe pagam o salário. ou fracasso da permanência e “atratividade” do trabalhador no mercado, passa, portanto, a ser dele. A preocupação com a qualificação enquanto política pública aparece na Europa pós-guerra e nos Estados Unidos na consolidação dos métodos tayloristas/fordistas de produção. É nessa época que os Estados desempenharam uma ação reguladora – e central - em países europeus e latino-americanos no que se refere aos acordos coletivos de trabalho juntamente com os sindicatos e empresas para apoiar e organizar sistemas nacionais de formação profissional inicial (tanto na formação escolar quanto contínua) no intuito de ampliar os lucros do capital e a renda dos trabalhadores. Nesse sentido, a educação e a qualificação profissional passam a ser vistas não apenas por seus aspectos econômicos, mas também sociais, pelo fato de possibilitarem ao trabalhador o pleno emprego. A certificação profissional passa a ser objeto de políticas públicas acordadas nas convenções trabalhistas (PRESTES; VÉRAS, 2009). No Brasil a preocupação com qualificação enquanto política pública é relativamente recente. A primeira política pública foi o Programa Intensivo de Preparação de Mão de Obra (PIPMO) de 196329. O Sistema Nacional de Emprego (SINE) surge apenas em 1975 como serviço de intermediação de mão de obra quando o Ministério do Trabalho também passou a gerir o PIPMO. Segundo Prestes e Véras (2009) foi somente nos anos 90 que o governo brasileiro, sob influência de organismos internacionais como a Organização Internacional do Trabalho – OIT, o Banco Interamericano de Desenvolvimento BID e o Banco Mundial, resolveu assumir a responsabilidade de implantar medidas articuladas para tratar da questão da qualificação. É nesse contexto que surge o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e o Conselho Deliberativo do FAT – CODEFAT. Em 1993 inicia-se a qualificação para beneficiários do seguro-desemprego e em 1995 o governo institui o Plano Nacional de Educação Profissional - PLANFOR, financiado pelo FAT, cujo objetivo era formar uma rede de educação profissional em todo o Brasil para qualificar, sobretudo os não escolarizados e os desempregados, e contou com ampla 29 É importante destacar que houve a criação do “Sistema S” a partir de 1940. participação do sistema S, bem como de organizações não governamentais ONGs, centrais sindicais, entre outros. À formação do “saber fazer”, dentro de uma ótica fordista de qualificação, somam-se novas competências: o “saber ser” e o “saber aprender” dentro de um paradigma flexível visando a empregabilidade do trabalhador. No entanto, o programa não alcançou os resultados esperados. Em 2003, já no governo Lula, o PLANFOR é substituído pelo Plano Nacional de Qualificação (PNQ). Segundo Prestes e Véras (2009) o PNQ contou com uma nova visão da qualificação, questionando a noção de empregabilidade, tratando-a como um direito social. Apesar dessa reorientação, as políticas de qualificação ficaram mais restritas ao Ministério do Trabalho e Emprego e a educação profissional, particularmente a de nível médio e superior, ao Ministério da Educação, tomando, assim, caminhos diferentes. No que se refere à educação profissional, a sua história no Brasil esteve ligada às camadas mais baixas da população que executavam as tarefas manuais e que, para tanto, precisavam do ensino profissional (AZEVEDO, 1996). A partir dos anos 30 e 40, com a industrialização, passa-se gradativamente a exigir que o ensino profissional prepare os trabalhadores para atuarem dentro dos princípios tayloristas-fordistas de produção. Em 1971, a lei 5.692 reformulou o ensino primário e secundário e estabeleceu a profissionalização como regra geral para o ensino médio. Em 1982, a lei 7.044 desfez a obrigatoriedade da habilitação profissional. Em 1997, durante o primeiro governo FHC (1995-1998), foi baixado o Decreto n. 2.208, o qual especificava como sendo três os níveis de educação profissional: o básico, o técnico e o tecnológico. O decreto também proibiu o ensino técnico integrado ao ensino médio. Nesse sentido, a educação volta a ser separada do ensino regular. Para Frigotto e Ciavatta (2006) há uma clara dissociação entre o agir e o pensar: “a dualidade do Ensino Médio e Técnico embasa-se numa concepção epistemológica e ontológica em que se supõe a possibilidade de separarem-se as dimensões gerais e específicas do conhecimento e os aspectos técnicos dos ideológicos e políticos” (IDEM, p. 359). No primeiro governo Lula (2003-2006) há a revogação do decreto 2.208/97 por meio do Decreto 5.154, de julho de 2004, que permitiu que o ensino médio voltasse a ocorrer de maneira integrada com a educação profissional. Em 2007, o governo federal lançou o programa Brasil Profissionalizado, o qual, por sua vez, visava fortalecer as redes estaduais de educação profissional e tecnológica, repassando recursos para que os estados investissem em suas escolas técnicas. Em 2008 são criados os Institutos Federais por meio da Lei 11.892 de 29 de dezembro de 2008. Segundo a lei, os Institutos Federais são instituições de educação superior, básica e profissional, especializados na oferta de educação profissional e tecnológica nas diferentes modalidades de ensino, conjugando conhecimentos técnicos e tecnológicos com suas práticas pedagógicas (BRASIL, 2008). Grande parte dos institutos nasce a partir dos Centros Federais de Educação Tecnológica, os CEFETs. No caso paranaense, como o CEFET havia se transformado em “universidade tecnológica”, o Instituto Federal do Paraná acaba surgindo a partir da Escola Técnica da Universidade Federal do Paraná. Atualmente o IFPR conta com 14 campi espalhados pelo Estado, além de outros 6 em fase de implantação, dentro da expansão da Rede Federal de Ensino profissional, Científica e Tecnológica. Em 2013 o IFPR conta com 7.944 alunos na modalidade presencial. A estimativa, segundo dados da instituição, é chegar a 20.000 alunos presenciais ao término da expansão da rede no Paraná (Instituto Federal do Paraná (IFPR), 2013). Ao todo são 76 cursos técnicos, 17 superiores e uma especialização na modalidade presencial no Paraná30. A educação profissional tem se constituído numa prioridade para o governo federal nos últimos mandatos (Lula e Dilma). Em comparação à previsão do Plano Plurianual - PPA 2008-2011, o PPA 2012-2015 demonstra 30 Para a criação de novos cursos, segundo norma interna da instituição, é necessário haver um debate com a comunidade baseando-se em indicadores econômicos, sociais e culturais da realidade regional que subsidiem a discussão e justifiquem a proposta de abertura de um novo curso. Essa proposta deve ser encaminhada à coletividade do campus e ao Conselho Diretor para aprovação e posterior elaboração de um Projeto político Pedagógico. Este será encaminhado para análise da Pró-reitoria de Ensino - PROENS, do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão - CONSEPE e o Conselho Superior – CONSUP (IFPR, 2011). um aumento de quatro pontos percentuais na participação da educação técnica e profissional no total de recursos orçamentários da União alocados aos programas geridos pelo Ministério da Educação - MEC (POLÍTICAS SOCIAIS, 2012). Além disso, outras políticas públicas vêm sendo adotadas pelo MEC em relação à educação profissional e tecnológica, particularmente com a expansão da rede federal e o acordo feito com o Sistema S, bem como o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – PRONATEC. O governo federal tem como meta atingir a marca de oito milhões de matrículas na educação profissional em nível técnico, ou seja, oito vezes mais do que as matrículas realizadas em 2010. O PPA 2012-2015 traz como meta a ser alcançada pela educação profissional e tecnológica o atendimento das necessidades do mercado de trabalho, mas também formar um profissional crítico, consciente e agente transformador para buscar a diminuição da desigualdade social no país. Em tese, o discurso se enquadra numa visão republicana, a qual, segundo Véras (2006), se constitui numa perspectiva dos direitos sociais, como um elemento articulado entre trabalho, emprego e renda, bem como entre formação propedêutica, técnico-profissional e cidadã, se contrapondo a visões liberais e clientelistas de qualificação. Constitui-se aí um campo em aberto para ser explorado por pesquisas empíricas que poderão nos dizer se as novas políticas públicas de educação e qualificação, notadamente a atuação dos Institutos Federais, constituem-se em políticas que realmente estão promovendo uma formação para a cidadania e se consolidando enquanto direito social. É importante lembrar que a entrada de novos alunos na instituição hoje é feita, na sua maioria, por meio de cotas sociais e raciais. Atualmente, no Brasil, aproximadamente 300 mil alunos estão matriculados em cursos de ensino médio integrado ao técnico, que é aquele em que o aluno cursa as disciplinas normais do ensino médio juntamente com as disciplinas técnicas e, ao final do curso, recebe o certificado de “Técnico”. O curso dura, em média, de 3 a 4 anos. Além desta modalidade há ainda a concomitante e a subsequente. A primeira se refere àqueles alunos que fazem o ensino médio em uma escola e poderão fazer o ensino técnico concomitantemente em outra que ofereça curso técnico. Já a modalidade subsequente é para aqueles alunos que já concluíram o ensino médio e desejam fazer apenas o curso técnico. Estes têm normalmente a duração de 18 a 24 meses, dependendo da área de concentração e da carga horária mínima estipulada pelo MEC. De acordo com o Censo Escolar Brasileiro da Educação Básica, somando-se os alunos matriculados nos três tipos de oferta de ensino técnico (integrado, concomitante e subsequente) é possível encontrar os números demonstrados na tabela a seguir. NÚMERO DE MATRICULAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL POR DEPENDÊNCIA ADMINISTRATIVA – BRASIL – ANO - 2007-2012 Ano Total Federal Estadual Municipal Privada 2007 780.162 109.777 253.194 30.037 387.154 2008 927.978 124.718 318.404 36.092 448.764 2009 1.036.945 147.947 355.688 34.016 499.294 2010 1.140.388 165.355 398.238 32.225 544.570 2011 1.250.900 189.988 447.463 32.310 581.139 2012 1.362.200 210.785 488.543 30.422 632.450 Fonte: tabela extraída de INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP) (2012). Nota: a tabela foi alterada pela autora para inclusão dos dados relativos a 2012 obtidos também a partir do INEP, na Sinopse Estatística da Educação Básica 2012, (?). Como vimos, são as escolas estaduais e as privadas que concentram o maior número de alunos matriculados. Tais números levantam indagações acerca da qualidade do ensino profissional ofertado no país, uma vez que todos sabemos das dificuldades enfrentadas pelas escolas públicas brasileiras como a falta de investimentos em infraestrutura física, o déficit de professores em função das precárias condições de trabalho e dos baixos salários, a falta de qualificação de muitos desses professores, entre outros problemas. No caso das particulares, há também que se fiscalizar e verificar a qualidade do ensino que está sendo ofertado. Em relação à rede federal, esta conta na sua maioria, especificamente os Institutos Federais, com uma boa infraestrutura, em alguns casos herdada dos antigos CEFETs e Escolas Técnicas, bem como possui em seus quadros professores mais qualificados, parte considerável com mestrado e doutorado. Por outro lado, é importante ressaltar que o número total de matrículas na educação profissional vem crescendo com o passar dos anos. Logo abaixo é possível observar outra tabela onde o número total de matrículas está distribuído de acordo com a modalidade de ensino. Há um número maior de alunos na modalidade Subsequente, o que evidencia maior oferta da rede pública e privada nesta modalidade, bem como demonstra a grande procura pelos trabalhadores que, já tendo o ensino médio, querem obter maior qualificação e uma melhor colocação no mercado com a obtenção de um diploma como “técnico”. NÚMERO DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO BRASIL EM 2012 POR MODALIDADE Total Federal 1.362.200 210.785 488.543 30.422 632.450 Concomitante 240.226 25.008 77.139 4.130 133.949 Subsequente 823.429 80.820 253.035 16.187 473.387 Integrado 298.545 104.957 158.369 10.105 25.114 Total Estadual Municipal Privada Fonte: dados extraídos de INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP), Sinopse Estatística da Educação Básica 2012, (?). Na tabela seguinte é possível visualizar o número de vagas nas três modalidades de ensino para o Estado do Paraná. Novamente, o maior número de matrículas é no Subsequente, ofertada pela rede estadual, seguida da rede privada e depois da federal. É válido mencionar que, dentre as várias área de conhecimento, dos 87.323 alunos matriculados na educação profissional no Paraná, 10.079 são da área de Informação e Comunicação - onde se encontram os cursos de Informática -, ou seja, 11,54% do total de matrículas. Esses números são confirmados na realidade do Instituto Federal do Paraná, pois dos 14 campi em funcionamento atualmente doze oferecem pelo menos um curso nessa área, demonstrando que a necessidade de profissionais nesse setor é percebida como relevante nas diversas regiões do Estado. As primeiras turmas tiveram formandos a partir de 2010, sendo que a maioria dos cursos é de Informática e alguns poucos em Informática para internet e Jogos Digitais. NÚMERO DE MATRÍCULAS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, NO PARANÁ, EM 2012, POR MODALIDADE Total Total Federal Estadual Municipal Privada 87.323 7.287 58.966 0 21.070 Concomitante 1.953 29 0 0 1.924 Subsequente 52.621 3.449 30.839 0 18.333 Integrado 32.749 3.809 28.127 0 813 Fonte: dados extraídos de INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP), Sinopse Estatística da Educação Básica 2012, (?). Constitui-se aí um universo importante para pesquisa, indicativo do papel central que a informática desempenha, não somente para a área em si, mas pela influência nas demais. Como lembra Dupas (1999), não são os fabricantes de “produtos” das novas tecnologias que lideram seus setores: são líderes aqueles que conseguem incorporar com mais eficácia essas inovações nos seus produtos, processos produtivos e de gerência. 2. O PERFIL DO TRABALHADOR INFORMACIONAL E AS NECESSIDADES DE QUALIFICAÇÃO NO SETOR DA INFORMÁTICA NO PARANÁ Nos anos 80 o Brasil possuía uma indústria nacional de hardware protegida que, com a abertura econômica nos anos 90, teve que se readequar para sobreviver e competir com as estrangeiras. Segundo Tauile (2001), muitas empresas passaram de fabricantes a montadoras diante da dificuldade em fazer pesquisa e desenvolvimento e da concorrência internacional. A maioria das empresas de hardware desapareceu e as poucas que restaram se dedicaram a serviços específicos. As empresas hoje existentes no mercado são montadoras ligadas a grandes redes de fornecedores nacionais e estrangeiros. É o caso, no Paraná, da empresa Positivo Informática, uma das maiores fabricantes de computadores da América Latina. Assim, grande parte dos negócios no setor da informática se direcionou para produção e desenvolvimento de softwares utilizados em vários tipos de negócios. Houve um grande crescimento nesse segmento no país em função de políticas nacionais e locais destinadas ao setor como a isenção fiscal para novos investimentos, redução de impostos e desenvolvimento de programas específicos como a criação de um Parque de Software, no Paraná, em 1996. Tais políticas contribuíram para que o Paraná passasse a ser, a partir de 2001, o segundo maior produtor de software do país (BRIDI; MOTIM, 2013)31. É dentro deste cenário expressivo que a presente pesquisa será desenvolvida, inserida como dissemos inicialmente, numa pesquisa mais ampla intitulada “Redes de empresas, trabalho e relações de trabalho no setor da informática no Paraná” que está em andamento no âmbito do GETS32. De acordo com Bridi e Motim (2013), em seu relatório parcial e preliminar baseado nesta pesquisa do GETS, em uma das “pontas” do trabalho informacional se encontram os trabalhadores que fabricam os computadores e seus componentes (hardware) e que no Paraná se caracterizam por ter, em geral, nível de escolaridade mais baixo se comparado ao segmento de software, principalmente daqueles trabalhadores que atuam na linha de produção. Analisando duas empresas – uma de pequeno e outra de grande porte -, as autoras verificaram que se tratam, em sua maioria, de trabalhadores com ensino médio, que exercem suas atividades na linha de produção - registrados como “auxiliares de produção” - e que para aprender o trabalho fazem um treinamento de um dia com outro trabalhador na linha. As atividades compreendem uma sequencia já estabelecida de tarefas, repetitivas, típicas do sistema taylorista-fordista de produção. Em 2011, o piso salarial girava em torno de R$ 742,00. Na pequena empresa, os únicos elementos flexíveis encontrados dizem respeito aos contratos de trabalho que são temporários, 31 Sobre o desenvolvimento do setor da informática no Paraná ver Bridi; Motim (2013). Tal pesquisa ocorre sob a coordenação de Maria Aparecida Bridi e vice-coordenação de Benilde Lenzi Motim, cujos resultados preliminares podem ser verificados em artigo recentemente publicado e em algumas dissertações produzidas por pesquisadoras do grupo como PEREIRA (2013) e BRAUNERT (2013). 32 pois a contratação é feita por uma terceirizada e somente depois de “aprovados”, e se houver interesse, são efetivados. Além disso, a produção funciona em lotes conforme a demanda e os estoques são reduzidos (IDEM, 103-104). Na grande empresa, tais aspectos em termos de flexibilidade de contratação são percebidos, bem como são encontrados outros traços de flexibilidade também no processo de produção como o funcionário polivalente que garante o funcionamento da linha no caso da falta de algum trabalhador, ou a existência de um funcionário responsável por várias operações numa célula de produção. Tal constatação confirma a convivência – já citada aqui em Benko (1996) - de padrões tayloristas-fordistas de produção com os flexíveis. É importante mencionar que as pesquisadoras também encontraram na grande empresa um quadro de 16 engenheiros que atuam no setor responsável pela produção de placas, onde a maioria dos auxiliares de produção são mulheres (a empresa alega que são mais detalhistas e cuidadosas). Tais engenheiros atuam em áreas técnicas e outros como gerentes e supervisores. Apenas um dos profissionais é mulher. Já os responsáveis pela manutenção e qualidade são técnicos de nível médio. Em relação à remuneração, esta varia de R$ 800,00, para cargos operacionais, e chega a salários superiores a R$ 4.500,00 para cargos de nível superior (IDEM, 107-108). Outro aspecto a ser ressaltado e que tem sido percebido no decorrer da pesquisa do GETS é que há uma pluralidade enorme de funções e áreas de atuação, bem como de qualificações e exigências para as ocupações dos cargos. Os salários também variam bastante em função da região do país e do contrato de trabalho acertado entre patrões e empregados, principalmente no desenvolvimento de software. Outra ocorrência frequente é o trabalho por projetos, onde os trabalhadores são contratados como pessoas jurídicas. Este é o caso, como afirmou Pereira (2013), do “trabalhador-empresa”, que muitas vezes presta serviços para uma única empresa - numa situação de vínculo empregatício “disfarçado” pela “pejotização” -, empresa esta que se apropria do conhecimento técnico e habilidades subjetivas do trabalhador. Na outra ponta do setor da informática - de software – na empresa analisada na pesquisa preliminar do GETS, os trabalhadores são na sua maioria do sexo masculino, jovens e solteiros, com curso superior completo ou incompleto, com cursos técnicos ou específicos na área de atuação (BRIDI; MOTIM, 2013). Na pesquisa realizada por PEREIRA (2013), as habilidades destacadas pelos trabalhadores no segmento de software são o interesse, a criatividade, a pró-atividade, uma visão holística dos processos, bem como a flexibilidade e disponibilidade para encarar novos projetos. Wolf (2009) já destacava tais aspectos: ao mesmo aperfeiçoamento de tempo softwares, se requer capacidade criatividade para para lidar criação com e situações imprevisíveis, visão sistêmica e capacidade de comunicação para trabalhar de forma a “potencializar a sistemática mercadológica planificada nas redes” (IDEM, 2009, p. 108). Bridi e Motim (2011), ao realizar entrevistas com profissionais do setor da informática, obtiveram como respostas mais frequentes sobre as habilidades e conhecimentos exigidos para alguns cargos a capacidade de concentração, precisão, paciência, comunicação, atenção aos detalhes, bem como conhecimentos de lógica, de hardware, de softwares, de sistemas operacionais e linguagem de programação. O relato completo acerca das habilidades e capacidades respondidas pelos entrevistados encontra-se no quadro abaixo. Habilidades conforme função (analista, programador, suporte técnico de software e manutenção de hardware e de servidores) Função/atividades Analista (Analista no suporte técnico de software; Analista e outro tipo; analista e programador; Analista, programador e suporte técnico de software). Programador (Programador e suporte Habilidades e conhecimentos exigidos - Conhecimento de ITIL (gerenciamento de incidentes; aplicativos web; banco de dados; inglês fluente - Inglês, lógica, orientação a objetos, design patterns - Lógica - Relacionamento interpessoal e conhecimento técnico - conhecimento infraestrutura em TI; linguagem SAS e VBA; análise códigos (programas) ligados a modelos estatística; análise de sistemas - Concentração; capacidade de aprender sozinho - Concentração; raciocínio lógico; relações interpessoais; comunicação - Conhecimento em lógica de programação e SAS - SQL; lógica, análise de sistemas, levantamento de requisitos - Análise e desenvolvimento com muita precisão e eficácia - Lógica de programação; conhec. técnico na área; boa fluência tratamento com clientes - Análise e programação - Lógica de programação; conhecimento em linguagens computacionais e em bancos de dados técnico de software; Programador, manutenção de hardware e suporte técnico de software). - Lógica, conhecimentos de hardware, software, sistemas operacionais e linguagem de programação - Conhecimento na área; concentração; vontade de aprender - Lógica; paciência; conhecimento da língua inglesa - Lógica de programação Suporte técnico de software - Conhecimentos na área de suporte em TI - Conhecimentos de hardware Manutenção de hardware e de servidores - Paciência e conhecimentos em manutenção de hardware - Pensamento rápido (Manutenção de hardware e suporte técnico de software; Manutenção de hardware). Outro tipo: (administrativo; Recursos Humanos; Fiscal). - Utilização de computadores, ordenação de arquivos; gestão documental; português; saber lidar com o público; flexibilidade; - Conhecimento de planilhas; internet/Windows; boa comunicação escrita Fonte: Questionário de pesquisa exploratória, Bridi e Motim, 2011. Nota: extraído de BRIDI; MOTIM (2011). Braunert (2013) também confirma em sua pesquisa a valorização das habilidades subjetivas do trabalhador informacional. Ao analisar os trabalhadores de software em empresas de Curitiba e região, obteve como características desejáveis a capacidade do profissional em ser dinâmico, responsável, comunicativo, ter bom relacionamento interpessoal para com os colegas e no contato com o cliente. (BRAUNERT, 2013, p. 71-72). Gutiérrez (2011), analisando os trabalhadores de software no México, traz o relato de habilidades subjetivas e conhecimentos semelhantes aos exigidos dos trabalhadores e que foram obtidos por Bridi e Motim (2011), Pereira (2013) e Braunert (2013). Gutiérrez (2011, p. 187), ao entrevistar programadores e empregadores, verifica que habilidades de raciocínio e solução de problemas, habilidades de comunicação oral e escrita, saber manejar base de dados estão entre os mais citados. Depois destes, aparecem como desejáveis saber analisar e desenhar projetos, conhecimento de matemática, de processos operacionais e industriais, entre outros. Como destaca Gutiérrez, o mais interessante é que as atividades mais citadas entre todas - habilidades de raciocínio e solução de problemas – se constituem em habilidades de... índole subjetivo, son destrezas individuales que tienen que ver com experiencias, hábitos, pericias cognitivas, aptitudes y actitudes frente a um problema y La posición e intereses, representaciones e intencionalidades que significan este tipo de cualidades. Mientras que el uso de sistemas operativos y bases de datos, implica uma constante actualización individual, uma persistente renovación em el saber-hacer personal, ya que dichos conocimientos se valoran por el predomínio de X sistema operativo ou Z base de datos que sea significativa em ese momento de la contractación (Gutiérrez, 2011, p. 187-188). Adiante, Gutiérrez ressalta o caráter autônomo da qualificação do profissional do segmento de software que, para saber operar ou configurar um sistema, trabalhar com certas linguagens, entre outros conhecimentos, deverá realizar uma capacitação contínua, de iniciativa pessoal, e que de preferência não custe nada à empresa (GUTIÉRREZ, 2011, p. 190). Braunert (2013, p. 72) também percebe, apesar de não ser a qualificação o foco de sua pesquisa, que o trabalhador informacional investe continuamente na própria formação, sendo autodidata depois que passa pela escolarização formal. Esse trabalhador qualifica-se para o mercado de trabalho na medida em que adquire formação profissional e dispõe de certificações técnicas que atestam seu conhecimento em linguagens específicas de programação. Tal constatação converge para o que a presente pesquisa percebeu em conversas iniciais, de aproximação com o objeto de estudo, com programadores de softwares. A formação obtida por meio do curso técnico e, em especial do superior, é um atributo importante para a empregabilidade desses trabalhadores, pois são encarados como relevantes pelo mercado no momento da seleção e contratação, mas a qualificação e atualização técnica para o exercício cotidiano da atividade profissional em atividades de análise e programação, desenvolvimento de aplicativos, conhecimento em linguagens computacionais e em bancos de dados, etc. se faz pela iniciativa individual do trabalhador. Além disso, não somente o trabalho é virtual, mas a própria qualificação também é, pois esta ocorre, na sua maioria, por meio da realização de cursos via internet como videoaulas, cursos para obtenção de certificações em certas linguagens, entre outros. CONSIDERAÇÕES FINAIS O trabalho informacional se constitui num campo de estudo que ainda carece de pesquisas empíricas que possam elucidar como ele se materializa na realidade, em que condições e quais as suas implicações aos trabalhadores. Em especial, são mais escassas ainda, as pesquisas que tratam do processo e das formas de qualificação desses trabalhadores. Trata-se, ainda, de identificar as especificidades dessa qualificação para um setor tão dinâmico em termos de inovação, bem como contribuir para, se possível, delinear um perfil do trabalhador da área informacional, no Paraná, em termos de idade, gênero, atividades desenvolvidas, habilidades e competências exigidas, entre outros aspectos. Pudemos perceber, como atestam os resultados preliminares da pesquisa do GETS, assim como os trabalhos de Pereira (2013) e Braunert (2013), que o trabalho emancipador, criativo, livre das amarras e controle capitalista, destacado por autores como Gorz (2005), Negri (1991;1993) e Lazzarato (1993; 2001), é algo que ainda precisa ser provado pelas pesquisas empíricas. As pesquisas também têm confirmado diferenças de gênero neste setor – se assemelhando à realidade de outros setores -, demonstrando que as mulheres ocupam menos posições de chefia do que os homens e são conduzidas para funções de menor qualificação, principalmente aquelas que as empresas acreditam ser mais adequadas para o sexo feminino, onde a atenção aos detalhes e o cuidado são aspectos considerados importantes. A responsabilidade pela qualificação na área informacional, especialmente daqueles profissionais que atuam no ramo de software, é atribuída, pelo mercado, ao trabalhador. Este deve se manter atualizado e buscar desenvolver habilidades que o tornem atrativo e útil para as organizações. À essas atualizações constantes, na maioria das vezes de maneira autodidata e realizadas virtualmente – e que são bem diferentes da forma taylorista-fordista de formação -, devem se somar habilidades de caráter subjetivo envolvendo capacidades gerenciais e visão sistêmica, principalmente para aqueles trabalhadores que desejam ocupar postos mais expressivos dentro das organizações. Isso não livra os trabalhadores, por mais qualificados que sejam, de conviver com condições precárias e flexíveis de trabalho em termos de contratação e remuneração, bem como de ter as suas habilidades cognitivas e o seu conhecimento apreendidos e submetidos à lógica capitalista de acumulação. REFERÊNCIAS AMORIM, H. Trabalho imaterial: Marx e o debate contemporâneo. São Paulo: Annablume, 2009. AZEVEDO, F. A Cultura Brasileira: introdução ao estudo da cultura do Brasil. 6. ed. 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GT 09 SESSÃO 3 30/10/2013 ID 449 (pôster) CONSIDERAÇÕES AVALIATIVAS SOBRE O PRONATEC NO IFSERTÃO PERNAMBUCANO Eliene Silva (PRONATEC) Fábio Soares Silva (IFRJ). INTRODUÇÃO O Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) foi instituído pelo Governo Federal em 2011, pela Lei 12.513, com o objetivo de ampliar a oferta de cursos de educação profissional e tecnológica. Tais cursos são destinados a trabalhadores desempregados, pessoas que recebem benefícios dos programas federais de transferência de renda ou que estejam cadastradas no CadÚnico, estudantes matriculados no Ensino Médio das escolas públicas, inclusive na Educação de Jovens e Adultos, dentre outros. No âmbito do IFSertão-PE, durante o ano de 2012, foram ofertados: 53 cursos na modalidade de formação inicial e continuada-FIC. OBJETIVO A presente pesquisa, recentemente iniciada, tem como objetivo mapear e discutir os resultados da implantação do PRONATEC no IFSERTÃO-PE, a partir do olhar dos gestores. METODOLOGIA Quanto à metodologia, este estudo é do tipo descritivo-exploratório e a coleta de dados se deu a partir da análise documental e da aplicação de questionário semiestruturado a cinco coordenadores do Programa. Nesse primeiro momento, priorizou-se os aspectos quantitativos, relacionados à oferta de vagas, permanência e evasão nos cursos FIC (Formação Inicial e Continuada). RESULTADOS/CONCLUSÕES Detalhamento de Dados por Campus Nome do Campus Quantida Vagas Matrícul Matríc Evasão Ofertad a Inicial ula de % Cursos as Final FIC Ofertado s OBS. Campus 1 Petrolina 18 397 397 261 34,2% Campus 2 Petrolina Z. Rural 12 415 347 116 66,5% 02 cursos em fase de conclusão Campus 3 Floresta 08 249 240 159 33,7% Campus 4 Ouricuri 04 76 76 25 67,1% 01 curso foi cancelado Campus 5 Salgueiro 11 224 222 150 32% 53 1361 1282 711 44,5% TOTAL - - A análise dos dados coletados permite afirmar que a falta de estrutura para realização das aulas (teóricas e práticas) e a liberação de recursos em tempo hábil afetou implantação do PRONATEC no IFSertão-PE durante o ano de 2012. A falta de informações precisas sobre o Programa, a greve dos professores, o atraso na contratação de professores e no pagamento da bolsa de assistência estudantil, a falta de laboratórios e insumos para as aulas práticas foram fatores apontados como responsáveis pelo alto índice de evasão. Ao todo 44,5% dos estudantes abandonaram os cursos, antes do término do curso oferecido. Por outro lado, destaca-se que o apoio institucional local foi determinante para tornar possível a realização das aulas. Tal contrapartida veio suprir a deficiência por parte do Programa, que não atendeu às necessidades dos cursos em tempo hábil. GT 09 SESSÃO 3 30/10/2013 ID 454 O MUNDO DO TRABALHO NAS ESCOLAS SENASIANAS DE CURITIBA: A FALA DOS APRENDIZES Desiré Luciane Dominschek Lima RESUMO Neste trabalho será apresentado o discurso da concepção de ensino das escolas senasianas para a formação de mão de obra. Roberto Mange idealizou os processos de ensino da instituição. Colocaremos a escola de Curitiba em destaque, visto a localização do periódico que constitui a fonte principal. Consta do acervo no Centro de Memória do SENAI-PR um boletim de publicação semestral, produzido pelos alunos do SENAI-PR um órgão informativo dos alunos. Em 1942 o SENAI estava organizado nacionalmente em dez regiões. O ensino industrial assumiu um papel relevante na formação da mão de obra, principalmente no contexto da industrialização do país. Tal foi sua importância que verificamos, a partir de 1942, tanto o Estado como a Confederação Nacional das Indústrias patrocinando esse ensino. A análise faz inferências de como Roberto Mange concebe os processos de ensino da instituição, Mange trouxe para o SENAI sua longa experiência como diretor do IDORT e como professor de engenharia mecânica na escola politécnica, e sua enorme bagagem intelectual, com teorias sobre métodos adequados para a formação e socialização dos industriários aprendizes As escolas do SENAI foram criadas pelo Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942. Desde então, o SENAI alinhou-se às políticas de desenvolvimento industrial, passando a desenvolver projetos de vertente tecnológica, gestão de recursos humanos, reconfiguração dos espaços físicos, gestão de qualidade e redefinição da filosofia da educação profissional. Nesse sentido propomos apresentar recortes da instalação das escolas do SENAI no Brasil focando o Estado Paraná frente à concepção de ensino orientada por Roberto Mange. Palavras-chave: Metodologia de ensino profissional; SENAI; Roberto Mange, Trabalho e Educação, aprendizes. Nesta comunicação, apresentamos o sistema de aprendizagem ministrado pelo SENAI, localizando-o em Curitiba (1943-1960), evidenciando a trajetória do ensino profissional no Paraná através do jornal ”O Escudo”, da Associação dos Alunos do SENAI de Curitiba. Para tanto, apresentamos uma breve análise sobre a proposta de ensino integral disseminada pelo SENAI e pensada por Roberto Mange. Foi em janeiro de 1942, sob o nome de Lei Orgânica do Ensino Industrial, que surgiu a tão esperada legislação que, pouco mais tarde, daria espaço à criação do SENAI — criado com o Decreto-lei nº. 4.048, de 22 de janeiro de 1942. O decreto nº. 6.029 de julho de 1940 não seria modificado; ele daria lugar, no entanto, já em 1942, a dois decretos quase simultâneos, um criava o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o SENAI, conforme as aspirações da indústria e do ministério do trabalho; e o outro que definia a Lei Orgânica do Ensino Industrial, oriundo das idéias e propósitos da área da Educação. A partir daí, os dois teriam que conviver. Na fórmula encontrada pelo ministro, o SENAI se encarregaria da “formação profissional dos aprendizes”, e seria tão somente uma peça, delegada a Federação Nacional das Indústrias, do amplo painel de ensino profissional estabelecido pela lei orgânica. Todavia, não deixa de ser sintomático que o projeto do SENAI, que só merece oito linhas na longa exposição de motivos de 5 de janeiro de 1942 com a qual Capanema encaminha a Lei Orgânica, termine sendo assinada em primeiro lugar.33 Em 1942 era criado o SENAI, sendo esta instituição organizada e mantida pela Confederação Nacional das Indústrias, ofertando diversos cursos de aprendizagem, aperfeiçoamento e especialização, além de possibilitar a reciclagem do profissional. Depois de verem concretizadas as primeiras medidas governamentais para a regulamentação do SENAI, cabia aos industriais montar o sistema que sustentaria a aprendizagem industrial em todo país, a fim de instalar os diversos Departamentos Regionais — células responsáveis pela implantação do sistema. Também foram criadas regiões administrativas, de acordo com as respectivas atividades industriais. Deste modo, em 1942, o SENAI estava organizado, nacionalmente, em dez regiões. Entendemos como Lombardi que (2010, p. 222): Como as observações de Marx e Engels sobre a educação, ensino e qualificação profissional foram construídas a partir da crítica das teorizações e práticas 33 SCHWARTZMAN, S. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000, p. 254-255. burguesas, como foi a crítica da economia política e, antes dela, da filosofia alemã e das várias matizes de socialismo, é no contexto do modo capitalista de produção que a problemática em questão deve ser colocada. Estaremos pensando os aspectos da organização das escolas do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) nesta perspectiva considerando o contexto histórico na estrutura da sociedade capitalista brasileira. Conforme destaca Lombardi (2010), diferente dos animais, os homens têm que produzir os meios necessários a sua existência. O modo de produção é, portanto, a categoria que expressa a própria materialidade ontológica da história dos homens. Pode-se referir a consciência, a religião e tudo o que se quiser como distinção entre os homens e os animais; porém, esta distinção só começa a existir quando os homens iniciam a produção dos seus meios de vida, passo em frente que é conseqüência da sua organização corporal. Ao produzirem os seus meios de existência, os homens produzem indiretamente a sua própria vida material. A forma como os homens produzem esses meios depende em primeiro lugar da natureza, isto é, dos meios de existência já elaborados e que lhes é necessário reproduzir; mas não deveremos considerar esse modo de produção deste único ponto de vista, isto é, enquanto mera reprodução da existência física dos indivíduos. Pelo contrario, já constitui um modo determinado de atividade de tais indivíduos, uma forma determinada de manifestar a sua vida, um modo de vida determinado. A forma como os indivíduos manifestam a sua vida reflete muito exatamente aquilo que são. O que são coincide, portanto, com a sua produção, isto é, tanto com aquilo que produzem como com a forma como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção. (Lombardi, 2010 Apud Marx e Engels, [s.d.], p. 18-19). A organização Racional do Trabalho, ainda que eficiente sob o ponto de vista da fábrica, não estava respondendo de forma satisfatória quando aplicada na escola, mas o importante era a formação do operário, mas de um operário inserido dentro de um contexto, o escolar. Para Mange, "[...] se conjugarmos o preceito de ordem educativa e social, que fundamenta parte da atividade do SENAI, com o aspecto técnico profissional da obra que compete promover, teremos realizado o que poderá ser denominado de educação integral [...]” 34. Mange questionava sobre a compatibilidade entre a formação técnica e a “Educação Integral do indivíduo”. Para ele, a técnica tinha um caráter utilitário, devido ao rigor da racionalidade e da rapidez, destoando do conceito espiritualista da “educação integral”. Desde que as primeiras indústrias começaram a instalar-se na Inglaterra, França e Alemanha, impôs-se uma necessidade básica: além de máquinas e edifícios, era preciso elaborar um novo tipo de trabalhador, adaptado ao universo social da indústria. Por herança, as pessoas recebem bens matérias ou características biológicas, mas habilidades adquiridas e padrões de comportamento não passam naturalmente de geração em geração. Na perspectiva de ensino do SENAI, é preciso ensinar sempre, sobretudo na formação de trabalhadores industriais. Eles devem ser reproduzidos em gerações sucessivas, mediante aprendizado constante, e este aprendizado inclui o desenvolvimento de habilidades, mas não pode prescindir da orientação de comportamentos e atitudes, o que buscava Mange em todas as escolas SENAI de aprendizagem, inclusive nas sediadas no Paraná. Abaixo, reproduzo uma parte da entrevista concedida por Roberto Mange a José Augusto Bezena. Nela Mange destaca o que considerava importante no processo de ensino nas escolas do SENAI: Mange: O Senhor conhece o torno? Bezena: Conheço torno de madeira. Isso eu sei, ou melhor, tenho mais ou menos uma idéia. Mange: Mas... e o torno mecânico? Bezena: Não, esse eu nunca vi. Mange: Olha o importante no torno é a ferramenta [...]. Agora tire a madeira e ponha o metal e essa ferramenta precisa ser afiada num ângulo determinado. Se isso não acontecer, ela se quebra, entendeu? Ela não dura. Então precisa saber bem qual é o ângulo certo. Se o rapaz não for educado, ele pode ser um excelente profissional, conhecer a máquina, ele pode saber fazer tudo. Mas se ele não for educado, às vezes, pode não entender o comportamento padrão, porque ele não tem a formação suficiente para isso. 34 DE HOMENS E MÁQUINAS, 1991, p. 137. Então, o que é que ele faz? Ele pode afiar aquela ferramenta de um ângulo errado, entendeu? Com raiva do patrão, ele vai quebrar a ferramenta, vai gastar a ferramenta. Então, o que nós queremos é que, quando for ao torno, ele seja uma pessoa educada. Isso faz parte da formação profissional. Porque nós formamos uma elite! E se nós formamos uma elite e dermos uma boa educação, além da profissão, eles vão adquirir a capacidade de comandar a indústria.35 Estas idéias e procedimentos buscavam a tão sonhada “educação integral”, almejada por Mange, para o futuro trabalhador. Nesse contexto, o objetivo maior era proporcionar ao aluno/aprendiz acesso a cidadania, o que seria plenamente alcançado a partir da formação de um cidadão trabalhador, física e psicologicamente capaz. Esta era a filosofia que estava instaurada por Mange nas escolas de ensino profissional do SENAI. E o lema que Mange defendeu desde a criação do SENAI foi: ”Antes do profissional, o cidadão [...]”36. Considerado o discurso dos aprendizes, em um primeiro momento podemos considerar que as escolas do SENAI-PR apreenderam a concepção tão exaustivamente difundida por Mange, pois os aprendizes da escola de Curitiba descreviam em “O Escudo” vários procedimentos e atitudes que deveriam assumir, fazendo-o com grande entusiasmo por representarem parte da instituição. Embora possamos questionar tamanho entusiasmo e se haveria censura dos textos dos alunos no momento da correção, o fato é que os artigos assinados pelos alunos demonstram adesão á concepção de ensino e do modo de operar da escola. E como descreve Arnaldo Joaquim, futuro aprendiz, que destacou suas aspirações futuras a respeito da escola de Curitiba, tal como ser útil e competente, intitulando o seu artigo como ”Uma boa Escola”: O SENAI é uma boa escola. Quero aprender aqui um ofício, e futuramente, ser uma pessoa útil e competente. Só serei um bom profissional, se tão cedo não deixar o SENAI. Estou no curso vocacional e já fiz diversas coisas que me prenderam a escola. Meus professores são para mim muito bons. Terminando peço a Deus que me ajude nos estudos, que são para meu bem. Desejo aos diretores, professores e professoras, muitas felicidades [...].37 35 DE HOMENS E MÁQUINAS. V. I, op. cit., p. 151. Id. 37 O ESCUDO, nov. 1951. 36 Pode-se notar também, em um artigo publicado em junho de 1951, o qual se destacava uma página para divulgar os aprendizes que receberam “Cartas de ofício” (em 16 de dezembro de 1950), que a formação integral e o trabalhador cidadão ali estavam representados. O depoimento ficou registrado sob a oratória do aprendiz Jorgi Aoto: [...] a fase que ora concluímos é fruto de esforço e de boa vontade de muitos, dedicação de outros, nossos professores, os quais com sua perseverança fizeram de nós pessoas aptas para enfrentar a vida em todas as suas modalidades. A escola tornou-se nosso segundo lar e os professores, reconhecemos, depois de nossos pais, são os que mais se empenham e se interessam pela nossa formação moral e intelectual. Enorme é o papel que a escola de aprendizagem do SENAI vem representando em nossa educação, na educação de todos os brasileiros, pois não são poucas as escolas que hoje, após oito anos de sua criação, florescem em todos os recantos do Brasil. Os cursos que estamos diplomando hoje: mecânica de rádio, eletro-mêcanica, serralheria, ajustagem, tornearia mecânica, motores de explosão, eletricista-instalador, construção civil, pedreiro e alfaiataria, são como podemos ver, profissões necessárias a um país novo como o nosso que está se desenvolvendo e quanto mais técnicos e artífices possuirmos, tanto maior será nosso progresso, podendo então, se ainda não o fizemos igualarmo-nos as maiores potencias da terra. È pelo estudar, pesquisar e praticar que iremos desenvolver nossas profissões. Retrocedendo aos primeiros dias que viemos a Escola veremos que éramos nulidades comparando com o adestramento que hoje possuímos [...], cumprindo sempre nosso dever para Deus, a pátria e os nossos semelhantes.38 FIGURA 13 – OFICINA DE TORNEARIA MECÂNICA – ESCOLA DE APRENDIZAGEM (EA) - CURITIBA – 1955 38 Ibid., jun. 1951. O aprendiz Antonio Lapikoski relembrou o quanto fora “malandro” e como isso havia prejudicado sua formação, chamando de fraquezas os seus percalços escolares: Logo que entrei no grupo, comecei a estudar com muita vontade, mas quando cheguei ao 2º ano fiquei preguiçoso. Isto durou pouco, porque fui descoberto pelos meus pais e então me deram várias surras, mas como sempre as surras de nada adiantaram, continuei a gazear para ir tomar banho nos rios e lagoas. Quando completei onze anos, percebi que minha malandragem não adiantou nada e que devia continuar a estudar [...] fiquei mais ou menos uns dois anos sem estudar até que resolvi continuar, então entrei para o SENAI, onde estou até hoje sem repetir um só termo. Estou próximo do fim e muito em breve, serei torneiro mecânico. Tenho bons colegas e ótimos professores. O diretor desta escola era um dos professores do Grupo Escolar “República do Uruguai”, onde eu estudei. Ele melhor do que eu poderá contar das minhas fraquezas, pois muitas vezes foi em minha procura no rio onde eu costumava com alguns colegas, tomar banho, gazeando as aulas.39 Edmar Friebe, aprendiz do SENAI, escola de Curitiba, narrou sobre a vadiagem que representaria o "atraso da vida", bem como uma "oposição ao estudo": 39 Ibid., maio 1952. A vadiagem é a responsável pelo atraso da vida, pois com ela nada se faz. Ela se opõe ao estudo e este é fator de vida. O homem sem estudo, depois de velho se arrepende e se arrepende tarde. Aproveitemos a mocidade, estudando com afinco, para podermos gozar de seus inúmeros benefícios. Para que a miséria não more conosco, devemos estudar e trabalhar sempre para sermos donos de nós mesmos. O SENAI é uma escola muito boa, pois se interessa grandemente por seus alunos. No entanto, como se isto não bastasse, muitos alunos freqüentam esta escola uns 15 dias, entrando depois a reclamar — reclamam para as mães que necessitam levantar muito cedo, para fazer o favor ao SENAI (grande favor). Mais tarde quando o arrependimento chegar, será tarde dizer: — Fomos ignorantes, devíamos ter aproveitado a mocidade! de nada mais poderá adiantar. 40 O sistema criado por Mange visava formar, acima de tudo, o caráter — assim dizia ele: “trabalho e dever; trabalho e honestidade, formação do caráter” 41 . E também fornecia apoio em diversos outros aspectos, como a assistência médica, dentária, social, juntamente com o desenvolvimento do espírito cívico, favorecendo, deste modo, a formação de um cidadão com capacidade técnica para ser útil à nação. Alguém que não esquece que tinha deveres para a comunidade que o ensinou, como descreveu o aprendiz formando Jorgi Aoto. A formação profissional não era só para proporcionar uma profissão, para ganhar dinheiro, para sobreviver, o aluno não poderia esquecer que estava em um contexto social, no qual tinha suas obrigações. Isso é o que Mange denominava de ensino integral, representado pela cultura humanística e pela filosofia institucional que ele almejava para o sistema de ensino SENAI e que os alunos dizem endossar. Esta cultura é aquela que trata não só da parte exclusivamente técnica, como as séries metódicas, mas considerava também o contexto social, a visão de uma educação para a vida em sociedade, o que entendiam os alunos vinha sendo realizado nas escolas de aprendizagem de Curitiba. Conforme registrou o aprendiz Arnaldo Kussek, unindo as duas aliadas — a técnica e a sociabilidade — o Paraná teria os maiores industriais para o Brasil: 40 41 Ibid., maio 1952. DE HOMENS E MÁQUINAS, op. cit., p. 152. Meus amigos! Para vencermos na vida não basta só conhecermos a técnica de nossa profissão, os por menores da mesma, todos os segredos que ela encerra profundamente. Não. É preciso algo mais. Precisamos fazer boas amizades no meio em que vivemos para que o nosso trabalho se torne conhecido. Para isso basta trabalhar corretamente, com cuidado, tratando com educação os que vivem conosco e assim não tardarão em avisar os companheiros e familiares que conhecem um ótimo oficial. As relações sociais nos permitem abrir uma oficina por conta própria, com o tempo aumentá-la, progredir e viver folgadamente os últimos anos de nossa vida. È assim que se formam os maiores industriais do Paraná, do Brasil e do mundo inteiro – unindo as nossas duas aliadas à 'técnica e a sociabilidade'.42 No discurso do aprendiz Kussek percebe-se as razões que moviam os aprendizes a buscar uma boa formação. Em primeiro lugar era considerado o homem, pelo menos essa era a intenção dos projetos de Mange. Pretendia-se formar um cidadão, uma personalidade com caráter, equilibrada, que pudesse vir a servir sua comunidade. Os primeiros cursos nas áreas ocupacionais de Mecânica e Desenho Técnico foram instalados pelo Delegado na Escola Técnica e Industrial de Curitiba, com a colaboração de seu Diretor, o Eng. Lauro Wilhem. A sede da Delegacia foi instalada no 1º andar do edifício Moreira Garcez, situado na Avenida João Pessoa, no centro de Curitiba. Os setores chamados burocráticos — secretaria, protocolo, contabilidade e almoxarifado — já se encontravam instalados desde 1º de setembro de 1943. O Delegado admitiu o professor Antonio Theolindo Trevizan, cuja experiência adquirida43 muito contribuiu para deslanchar os primeiros passos do SENAI nos estados do Paraná e Santa Catarina. Em 16 de março de 1944, o Delegado Regional Ivo Cauduro Picoli, deixou o seu cargo na 7ª Delegacia para assumir a Chefia de Divisão de Ensino do Departamento Nacional do SENAI. No entanto, este fato não alterou a dinâmica de desenvolvimento do SENAI-PR. Durante sua gestão, Picoli divulgou o SENAI nos dois Estados, admitindo pessoal técnico e burocrático, instalando a Delegacia e os primeiros 42 O ESCUDO, maio 1954. O professor Trevizan obteve suas experiências mais significativas na Escola Profissional Ferroviária Coronel Tibúrcio Cavalcanti, de Ponta Grossa; bem como foi capacitado no Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional, de São Paulo. 43 Cursos do SENAI em Curitiba, Ponta Grossa, Joinvile e Blumenau. Programou a construção de Escolas de aprendizagem em Curitiba, Londrina, Ponta Grossa, Florianópolis, Joinvile, Blumenau, Tubarão e Criciúma, cujas obras foram, mais tarde, todas executadas, exceto a de Florianópolis, que foi instalada em prédio adquirido e adaptado, e a de Criciúma, que foi transferida para Siderópolis, por melhor satisfazer as necessidades de treinamento de mineiros de carvão, em plena Segunda Guerra Mundial. Para a substituição de Picolo na 7ª Delegacia Regional, foi indicado e nomeado o Engº Flausino Mendes da Silva, que deu prosseguimento ao seu programa. O novo delegado transferiu os cursos que funcionavam na Academia de Comércio De Placido e Silva e da Escola Técnica de Curitiba para prédios locados: um na rua Riachuelo, onde funcionou a Oficina de Aprendizagem de Alfaiataria e eram ministradas aulas de cultura geral; e outro na Alameda Princesa D. Izabel, onde eram ministradas as práticas de oficinas e as aulas de cultura técnica. Em 1º de junho de 1944 juntaram-se ao professor Trevizan os professores Rubens de Assunção Miranda e Antonio Weinhardt, que muito contribuíram com a escola. Ambos possuíam capacidade e idealismo para traçar os rumos pedagógicos do SENAI-Pr. O professor Miranda demonstravase preocupado com a conquista da cidadania pelo educando; e o professor Weinhardt buscava o ajustamento social e contínuo do desenvolvimento da personalidade do educando. Após ter se especializado na França, Weinhardt dirigiu o setor de Orientação Profissional, implantando os cursos vocacionais para alunos de 12 a 13 anos de idade. Possuindo conhecimentos sobre as ferramentas e matérias primas, este procurava despertar o talento criativo e a vocação profissional nos jovens. Em 31 de dezembro de 1947, com a criação e o reconhecimento da Federação das Indústrias, a gestão da 7ª Delegacia Regional do Paraná e Santa Catarina encerrou seus trabalhos. A Delegacia então transforma-se em Departamento Regional do SENAI, Escola Profissional de Curitiba ,conforme previsto pelo Regimento do SENAI, aprovado pelo Decreto nº 10.009, de 16 de julho de 1942. Durante a gestão da 7ª Delegacia Regional no Paraná, foram implantados cursos de formação profissional em Curitiba e Ponta Grossa, bem como adquiridos terrenos para a construção de escolas de Aprendizes em Curitiba e Londrina. Foram ministrados cursos de ajustagem, tornearia mecânica, fundição, motor de explosão, eletricidade, solda, mecânica de rádio, tornearia de madeira e construção civil. Importante lembrar, ainda, que após os alunos concluírem as tarefas que compunham a respectiva “série metódica de oficina”, passavam a trabalhar em equipes multidisciplinares na construção de máquinas, aparelhos ou peças industriais: como caldeira a vapor, fogão de cozinha, portão de ferro e mobiliário, que eram trocados com outras peças industriais ou vendidas a alunos e servidores do SENAI. Já na aprendizagem de construção civil, os aprendizes atuavam na construção de muros e pequenas edificações.(DOMINSCHEK, 2008). FIGURA 5 - VISTA PARCIAL DA CONSTRUÇÃO DA ESCOLA SENAI-PR – LOCALIZADO NA RUA CHILE - CURITIBA - 1947 Fonte: Centro de Memória do Sistema FIEP Na figura 5, a pose para a foto que registra a construção da Escola SENAI-PR em 1947, localizada na Rua Chile, em Curitiba. No início da fase departamental, o SENAI-PR já se encontrava estruturado em duas divisões: a de contabilidade; e a de ensino, que ficou sob a chefia do professor Antonio Theolindo Trevizan e englobava as seções de seleção e orientação profissional. A seleção do pessoal para a administração e para as unidades operacionais ficou a cargo do professor Antonio Weinhardt; e a inspetoria de ensino sob a chefia do professor Lourival Sponholz. Essas duas divisões abrangiam todas as ações — meio e fim — do Departamento Regional. Nos Centros de Formação Profissional de Curitiba e Londrina eram ministrados cursos de alfaiate, marceneiro, pedreiro, compositor manual, mecanotipista, impressor, encanador, ajustador, serralheiro, mecânico de auto, torneiro mecânico, soldador, mecânico, eletricista, eletricista Instalador, mecânico de rádio, mestre de obras em construção civil, motor de explosão, afiador de serras e cursos preparatórios para jovens e adultos. Em 1949 possivelmente os cursos não preenchessem todas as vagas, pois em aviso publicado pelo no Escudo lia-se, Atenção: o SENAI está precisando de alunos e os meninos de 14 a 16 anos estão precisando de ofício, e o Brasil esta precisando de artífices. Se você quer ser pedreiro, marceneiro, mecânico, carpinteiro, gráfico, alfaiate, vá logo ao SENAI, à Rua Chile e depois de três anos você já será artífice. Meninas de 14 anos para cima também podem vir aprender costura no SENAI44. Os aprendizes do SENAI-PR, na escola de Curitiba, descreviam seus cursos nos artigos do “Escudo” da seguinte maneira: Minha Profissão - Colegas, a minha profissão é marceneiro. Entrei no SENAI e quando cheguei não sabia nem pegar uma ferramenta, mas agora já sei. Eu gosto muito da minha profissão. Os nossos mestres tudo fazem com satisfação. A Escola do SENAI está situada a rua Chile nº 1380. As ferramentas individuais do marceneiro são: a serra de volta, o esquadro, o rebote, a plaina, o martelo, o formão, a pua, os grampos, a groza etc [...]. A minha profissão é que faz objetos de madeira, como o guarda-roupa, a mesa a cadeira, etc [...].45 44 O ESCUDO, nov. 1949. 45 O ESCUDO, set. 1949. Convidando os alunos a cursar a escola do SENAI de Curitiba, o aprendiz Rodolfo Ratmann, enfatiza o valor de um curso no SENAI, e a sua inclinação desde pequeno para o ofício de marceneiro: O Meu ofício - Porque gosto do meu ofício? é uma pergunta que faço a mim mesmo. Acho que meu ofício é muito bom. Aprendo no SENAI o curso de marceneiro. Gosto dele porque a verdadeira marcenaria forma artistas. Desde pequenino apreciei o trabalho de madeira. Gostava de serrar e cortar tudo que encontrava com o formão que meu pai possuía. Vendo minha inclinação para o ramo, meu pai aprovou quando lhe disse desejar especializar-me em trabalhos de madeira. Convido pois a todos amigos que ingressem no SENAI. Para isso é só fazer a matrícula e dizer ao diretor a arte que pretende estudar. Vocês serão encaminhados a oficina e também a uma firma industrial a qual, por sinal, irá recebê-los com todo o prazer, pois sabem o valor do SENAI, no tocante ao dia de amanhã. Somos nós que vamos representar e mostrar que o que nos foi ensinado saberemos aproveitar. Viva o SENAI!46 A figura 6 mostra a oficina de marcenaria do SENAI –PR, em Curitiba. Percebese o seriedade do ambiente do curso, os alunos paramentados com avental, cada um em seu posto de oficio, os acompanham instrutores. FIGURA 6 – OFICINA DE MARCENARIA - SENAI-PR – CURITIBA - 1950 46 Id. Fonte: Centro de Memória do Sistema FIEP Iracílio da Luz Garcia, aprendiz no curso de pedreiro descreveu a sua profissão com detalhes: Um aprendiz de Pedreiro - Eu sou trabalhador e freqüento a Escola SENAI, onde estou matriculado no curso de pedreiros. Entendo bastante sobre o assentamento dos tijolos, pedras e já trabalho bem com a colher. Vou indo bem com meus trabalhos, meus estudos, pois a escola SENAI, como ninguém, sabe ministrá-los. A minha profissão é boa porque mais tarde será dela que irei tirar o dinheiro para meu sustento e poderei ganhá-lo como água. Enfim, trabalho com a colher, o esfregador, o prumo, o nível, a régua, o balde e a pá, sabendo também preparar a massa associada ao cimento.47 FIGURA 7 - 47 CURSO DE PEDREIROS, INSTRUTOR OSTROSKI - CURITIBA – 1955 O ESCUDO, jun. 1951. Fonte: Centro de Memória do Sistema FIEP Nesta figura 7, vemos novamente alunos paramentados em seus uniformes, supervisionados pelo instrutor do curso para pedreiros. Considerações Finais Estes artigos publicados no jornal “O Escudo”, deixam transparecer o orgulho e a satisfação pessoal do aprendiz em ser aluno de uma escola SENAI. Mais do que isso, os artigos assumem o papel de propaganda, tornam-se vitrines dos cursos ofertados, com requintes de detalhes, com forte exaltação à pátria e ao progresso. Neste sentido, o SENAI-PR veio se consolidando como escola exemplar, formando aprendizes para o trabalho e conformando homens para a vida, seguindo a doutrina pensada pelo idealizador do SENAI, Roberto Mange. Importante ressaltar nestas considerações finais que como outras fontes de pesquisa a fotografia permite analisar relações, podendo direcionar, enriquecer a variedade das fontes com as quais o historiador atua. Para Ciavatta (2002)48, Se a imagem acompanha a vida humana como representação da realidade ,como memória e expressão da cultura de um povo,de uma época,garantia de uma visão do passado, hoje com a comunicação informatizada,ela nos desafia a compreendê-la em novas temporalidades como mediação complexa dos processos. As fotografias, em grande maioria produzida por fotógrafos não identificados e/ou contratados pelo SENAI, apresentam momentos do processo de formação dos aprendizes na ótica institucional. A questão da vocação para o ofício, a organização dos cursos e do aprendizado, a responsabilidade representada pela disciplina na freqüência às aulas, bem como o cumprimento dos horários foram aspectos que se revelaram nos artigos e que refletem a organização das escolas do SENAI-PR, traduzindo uma cultura institucional que acompanharia o aprendiz em sua vida adulta e profissional. Este forte “conteúdo” ideológico elaborado nas escolas do SENAI nos remete a refletir e considerar as análises de Marx e Engels sobre trabalho e educação, relação que se articula no ensino profissional conforme aponta Lombardi, Marx e Engels insistiram, em praticamente todas as obras, quanto a necessária articulação entre trabalho produtivo e formação intelectual, entendendo que esta relação deveria ser aberta a todos os educandos, e não somente aos filhos dos trabalhadores. Não se tratava de um mero ensino técnico, da aprendizagem de um ofício, mas de uma concepção de educação fundada na articulação entre o ensino com o trabalho produtivo pago. A articulação entre trabalho e educação tem sido exaustivamente pesquisada e teoricamente debatida. Parece haver relativo consenso de que essa análise marxista expressa que ―trabalho e educação são atividades especificamente humanas [...].(2010,p.231) 48 CIAVATTA,Maria. O mundo do trabalho em imagens: a fotografia como fonte histórica ( Rio de Janeiro, 1900-1930).Rio de Janeiro : DP&A.2002. Todo conteúdo pedagógico e ideológico do curso de aprendizagem do SENAI propiciava ao aprendiz um sentimento de autoestima, de confiança e de auto realização, resultado de eficácia do ensino ministrado e da sintonia com o ambiente da empresa (este é o discurso da empresa/escola), concepção disseminada por Roberto Mange para a aprendizagem dos ofícios no SENAI. REFERÊNCIAS BOLOGNA, I. Roberto Mange e sua obra. [S.l.]: Unigraf, 1980. CIAVATTA,Maria. O mundo do trabalho em imagens: a fotografia como fonte histórica ( Rio de Janeiro, 1900-1930).Rio de Janeiro : DP&A.2002 CUNHA, L. A. O ensino industrial-manufatureiro no Brasil. In: Revista Brasileira de Educação. ANPED, n.14, maio/ago., 2000, p. 89-107. _____. O Ensino industrial-manufatureiro no Brasil: origem e desenvolvimento. Coleção Políticas Públicas de Trabalho, Emprego e Geração de Renda. Convênio: ABC/TEM/SEFOR- FLCSO/Brasil (1999-2000). SCHWARTZMAN, S, BOMENY,HELENA MARIA B., COSTA,VANDA MARIA R. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra, 2000. DE HOMENS E MÁQUINAS v.1 – Roberto Mange e a Formação Profissional. Acervo Roberto Mange: Inventario Analítico, 1991, SENAI-SP DOMINSCHEK,D.L.O Escudo : a alma do SENAI-PR 1949-1962. Dissertação de Mestrado – UFPR: 2008. LOMBARDI, José Claudinei. Reflexões sobre educação e ensino na obra de Marx e Engels – Campinas, SP: 2010. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SAÚDE. Oportunidades de preparação no ensino industrial. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, 1950. RAGAZZINI, D. Para quem e o que testemunham as fontes da História da Educação. Educar em Revista. Curitiba, PR: Editora da UFPR, nº 18, 2001. SENAI. Histórias e percursos: o departamento nacional do SENAI (1942-2002). Brasília, 2002. TREVIZAN, Antonio Theolinto. SENAI Paraná 50 anos. Curitiba: Champagnat, 1995. WEISTEIN, B. (Re) formação da classe trabalhadora no Brasil (1920-1964). São Paulo: Cortez, 2000. FONTES HISTÓRICAS O ESCUDO - Órgão oficial dos alunos do SENAI. Curitiba: Oficina de Artes Gráficas da Escola do SENAI, 1949-1962. GT 09 SESSÃO 3 30/10/2013 ID: 455 (Pôster) EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO : AVANÇOS E RETROCESSOS Sabrina Janaina dos Santos Aguiar (Prefeitura Municipal de Curitiba/UNINTER) Desiré Luciane Dominschek Lima (HISTEDBR- UNICAMP) RESUMO A educação brasileira ao longo de sua história vem admitindo a necessidade de se formar cidadãos críticos, mas em algum momento deste processo de formação o que foi almejado é impedido de se efetivar. A Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio através de suas políticas teria como objetivo criar mecanismos de superação da dualidade estrutural minimizando a dicotomia entre ensino profissionalizante e propedêutico, entendendo que esta educação deve transcender ao mais alto grau das possibilidades de atuação, tanto da escola como do docente. Este artigo objetiva uma primeira compreensão sobre o modo de organização da Sociedade Capitalista e suas implicações para a educação pública brasileira; busca estudar os aspectos históricos da educação profissional no Brasil, estabelecendo uma análise das Políticas Educacionais de ontem e hoje no que se refere aos aspectos da Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio como forma de superação da dualidade estrutural, pois devemos considerar os avanços e principalmente os retrocessos relacionados à educação principalmente o Ensino Médio que tem se constituído “como o nível de mais difícil enfrentamento, em termos de organização, em decorrência de sua própria natureza de mediação entre a educação fundamental e a formação stricto sensuO presente texto através de uma pesquisa bibliográfica dos trabalhos de: Kuenzer, Frigotto, Ciavatta e Manfredi busca compreender como a ideologia capitalista impede que a classe trabalhadora utilize a educação profissional como objeto de mobilização, onde o proletariado possui a oportunidade de receber uma educação capaz de retirar as vendas que o impede de atuar como cidadão participativo e não dominado pelos meios de produção. Palavras-Chave: Educação Profissional Integrada. Ensino Médio. Dualidade Estrutural. REFLEXÕES INICIAIS Vários estudos já apontaram os problemas sociais decorrentes da organização da sociedade Capitalista49, onde a burguesia explora o proletariado através da mais valia e as inversões dos objetivos educacionais advindos dos programas Internacionais de Educação vão ao encontro da manutenção da alienação que impede a mobilização da classe trabalhadora. A crescente necessidade de formar sujeitos de forma critica para que tenham condições de se mobilizar contra a classe que explora na luta por melhores condições de trabalho e salário digno é motivo de discussões nos bancos escolares. Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais, eles não podem fazer valer seus interesses, porque ficam desarmados contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais para legitimar e consolidar a sua dominação. (...) o dominado não se liberta se ele não vier a dominar o que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação (SAVIANI, 2007, p. 55). O ensino Técnico Integrado ao Ensino Médio se propõe ensinar os conteúdos culturalmente acumulados e a base profissional que capacita o jovem para ingressar no mercado de trabalho e dar prosseguimento aos estudos, desta forma “queremos que a educação geral se torne parte inseparável da educação profissional em todos os campos onde se dá a preparação para o trabalho: seja nos processos produtivos, seja nos processos educativos como formação inicial, como ensino técnico, tecnológico ou superior” (CIAVATTA in FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 84), podendo se libertar das amarras das correntes capitalistas. Para os filhos da classe trabalhadora, ter a oportunidade de cursar o Ensino Médio de forma Integrada à Educação Profissional e “exercer um trabalho digno será a única 49 Para um estudo mais aprofundado ver Saviani (2007). possibilidade de continuar seus estudos em nível superior” (KUENZER, 2000, p. 28). A Pedagogia como ciência da educação possui o compromisso de organizar os conteúdos científicos capazes de formar sujeitos críticos, por isso, é importante que a formação inicial ou continuada dos Pedagogos aborde assuntos políticos com o objetivo de compreender como a sociedade se organiza e quais são os resultados para a Educação, deixando o discurso da meritocracia de lado e procurando se organizar no interior das escolas objetivando um trabalho pedagógico de qualidade junto aos professores. Também entendendo que não é a escola que faz revolução, mas o sujeito que dela sai. Para melhor compreender o tema proposto apresentaremos um estudo histórico da Educação Profissional Brasileira: a chegada dos Portugueses e a colonização do Brasil; a Instituição dos Liceus de Ofícios; o período Republicano e a ruptura das ações sindicais em decorrência do Estado Novo e do Regime Militar; a Promulgação da primeira LDB – 4.024/61 – logo substituída pela polêmica Lei 5.692/71, chegando às políticas atuais para o Ensino Profissional e Médio Integrado. O decreto 2.208/97 – a legitimação da ação Neoliberal no país, sua discussão e extinção diante de um novo governo advindo da classe trabalhadora, ao mesmo tempo em que descrevemos as mudanças recentes no Ensino Médio com relação à Educação Profissional – decreto 5.154/04 e a Lei 11.741/08 – buscando uma análise dos aspectos da integração como forma de superação da dualidade estrutural procurando responder à pergunta: O Ensino Médio Integrado ao curso técnico é uma proposta capaz de superar a dualidade estrutural ou se torna a reafirmação da dicotomia entre ensino profissionalizante e propedêutico? A Educação Profissional Integrada ao Ensino Médio vem sendo estudada e discutida por vários pesquisadores brasileiros dentre eles: Kuenzer (2001), Frigotto e Ciavatta (2004) e Manfredi (2002). O período Republicano marcado por um salto industrial e de urbanização com construção das malhas ferroviárias, de indústrias e usinas e a modernização tecnológica, pedia também qualificação profissional. As chamadas escolas de ofícios cederam espaço para as redes de ensino profissional que deveriam atender aos futuros trabalhadores assalariados que não demoraram muito para se organizar e aderirem a movimentos grevistas. Em vista destes movimentos as classes dirigentes vêem na educação profissional um meio de atenuar “as idéias exóticas das lideranças anarcosindicalistas existentes no operariado brasileiro, o qual, na época, era majoritariamente formado por imigrantes estrangeiros” (MANFREDI, 2002, p. 82), como também forma de crescimento social, econômico e político. Mesmo o país ainda sendo de economia agrícola e as indústrias que aqui estavam se instalando preferirem a cidade de São Paulo o presidente Nilo Peçanha cria através do decreto 7.566 de 23 de setembro de 1909, 19 escolas gratuitas de aprendizes artífices com instrução primária e ensino profissional, uma em cada unidade da Federação, exceto no Rio Grande do Sul e Distrito Federal. Já que o decreto em seu art. 6º estabelecia que fossem “admitidos os individuos que o requererem dentro do prazo marcado para a matrícula e que possuirem as seguintes requisitos, preferidos os desfavorecidos da fortuna: a) idade de 10 annos no minimo e de 13 annos no Maximo” (BRASIL, 1909), a estes não restava nenhuma alternativa a não ser ingressar no mercado de trabalho no ofício ao qual se matriculara. As escolas de aprendizes artífices atenderam em seus 33 anos de funcionamento “141 mil alunos, uma média de 4.300 por ano. (...) Os ofícios oferecidos eram os de marcenaria, de alfaiataria e de sapataria, mais artesanais do que manufatureiros” (MANFREDI, 2002, p. 84), com exceção das escolas de São Paulo que devido às indústrias instaladas, se obrigaram a oferecer instrução de ordem fabril. Vale lembrar que os sindicatos (uniões) também incentivavam a educação dos trabalhadores e de seus familiares, entendendo que educar os trabalhadores consistia em um importante veículo de conscientização de ideais revolucionários. (MANFREDI, 2002, p. 91). Como podemos notar a educação profissional no Brasil na Primeira República se caracterizou como um período de grandes transformações e de grande ebulição social, no qual se gestaram novas práticas e concepções de Educação Profissional: ao lado da concepção católico-humanistica, orientada pelo trabalho com antídoto à preguiça, à vadiagem e às idéias revolucionárias, a concepção anarco-sindicalista de educação integral, finalmente, a visão de formação profissional para o mercado de trabalho – para o exercício de funções e atribuições dos postos de trabalho, segundo os padrões do regime fabril e do trabalho assalariado capitalista. (...) configurar-se-iam como matrizes político-pedagógicas de referência ao longo de todo século XX (MANFREDI, 2002, p. 94). A política do Estado Novo tratou de calar os movimentos sindicais e por consequência suas iniciativas de educação para revoluções idealistas. Com a criação do Ministério do Trabalho e ações como: instituição do “salário mínimo, as férias remuneradas, a limitação da jornada de trabalho, a limitação da força de trabalho feminina e infantil” (MANFREDI, 2002, p. 97), funcionaram como moeda de troca, o Estado fornece “boas” condições de trabalho e o trabalhador deixa de se mobilizar contra os ideais do Governo. Entre 1935 a 1942 foi constituído como um período de intensa repressão das vozes dos trabalhadores. O decreto n° 19.890 de 18 de abril de 1930, conhecido como a reforma Francisco Campos objetivava um currículo seriado em dois ciclos: um fundamental com duração de cinco anos e outro complementar com duração de dois anos, necessário para o ingresso ao ensino superior. Em vista da Lei Orgânica 4.073 de 30 de janeiro de 1942 que regulamentou a o Ensino Profissional, os Liceus de Artes e Ofícios passam a integrar a rede de escolas de formação profissional, como destaca o art. 67 “O ensino industrial das escolas de aprendizagem será organizado e funcionará, em todo o País” (BRASIL, 1942). O ano de 1942 também é marcado pela criação do SENAI e posteriormente em 1946 o SENAC, ambos de “iniciativa privada, como forma de atender às demandas de mão-de-obra qualificada” (KUENZER, 2001, p. 14). Podemos observar como o Estado mantém em seus documentos oficiais a obrigatoriedade da iniciativa Privada de também suprir a educação com ações próprias. A primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação decorreu da exigência do artigo 5º, XV, d, da Constituição Federal de 18 de setembro de 1946.(...) o ministro da Educação, Clemente Mariani, constituiu uma comissão composta por educadores de variadas tendências. A referida comissão foi instalada em 29 de abril de 1947 (SAVIANI, 2006, p. 31). Muito se foi discutido, o projeto arquivado e retomado, emendado e reformulado até que em 20 de dezembro de 1961, 15 anos depois das primeiras aspirações, a Lei 4024 é promulgada “o mais importante é que essa lei ganhou um caráter complementar à Constituição, de modo que todas as esferas administrativas ficaram a ela subordinadas” (CERVI, 2005 p. 61). Três anos depois o País seria cenário do golpe militar de 1964. Em 1971 a Lei 5692 entra em vigor para substituir a Lei 4024/61, e desta forma, completar “o ciclo de reformas educacionais destinadas a ajustar a educação brasileira à ruptura política perpetrada pelo golpe militar de 1964 (...) tal ruptura política constituíra uma exigência para a continuidade da ordem socioeconômica” (SAVIANI, 2006, p. 119). A lei deliberava sobre o ensino de 1º e 2º graus, numa visão de profissionalização universal. Manfredi (2002, p. 105) ressalta que “o País objetivava participar da economia internacional e, neste sentido delegou (entre outras coisas) ao sistema educacional a atribuição de preparar os recursos humanos para a absorção pelo mercado de trabalho”, que estava baseado no modelo de organização Taylorista50. 50 Cada trabalhador é sistematicamente treinado para alcançar o mais alto grau de eficiência e aprende a fazer espécie de trabalho superior, que não conseguia fazer sob os antigos sistemas de administração; ao mesmo tempo adquire atitude cordial para com seus patrões e condições A proposta previa superar a dualidade estrutural, onde todos passariam pelos mesmos cursos com o objetivo de se qualificar profissionalmente para o mercado de trabalho, estava dada a “obrigatoriedade da habilitação para todos os que cursassem o que passou a ser chamado de ensino de 2º grau” (KUENZER, 2001, p. 16), agora estava superada a dualidade do ensino prevista em lei. Na prática não representou um avanço para os filhos da classe trabalhadora, visto que os mais pobres não conseguiam atingir níveis altos de escolaridade. Em decorrência das pressões dos setores educacionais a Lei 5692/71 foi sofrendo, em um curto período de tempo, várias modificações, até se chegar em 1982, com a Lei 7.044 (...) a velha dualidade, que, na prática, não havia sido questionada, voltava, assim, a se manifestar, mas agora sem os constrangimentos legais (MANFREDI, 2002, p. 106-107). Oferecer cursos profissionalizantes para o ensino de 2º grau se torna optativo para as instituições causando uma reafirmação da “escola com o espaço para os já incluídos nos benefícios da produção e do consumo de bens materiais e culturais” (KUENZER, 2001, p. 25), ao buscar na educação superação da condição de classe trabalhadora e assalariada, estes que já são excluídos historicamente, mantêm suas condições, mesmo permanecendo na escola “posto que a “qualidade” desta escola, que era a qualidade do academicismo livresco e da competência no fragmento, não correspondia à “qualidade” necessária para superar a sociedade de classes que alimenta a acumulação capitalista” (KUENZER, 2001, p. 25). Com o enfraquecimento do regime Militar e as diversas mobilizações sociais que culminaram na Constituição Federal de 1988, havia a necessidade de também formular uma nova LDB. Como tudo no Brasil aconteça a passos lentos, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é votada e aprovada de trabalho, enquanto antes grande parte de seu tempo era gasto em crítica, vigilância e suspeita e, às vezes, franca hostilidade. Este benefício generalizado a todos os que trabalham sob o sistema é, sem duvida, o mais importante elemento na questão (TAYLOR, 1990, p. 103). após vários debates, emendas a favor do Estado e do Capital. Em 20 de dezembro de 1996 entra em vigor a Lei 9394. O texto previa a obrigatoriedade e gratuidade do ensino médio (que só veio a se concretizar pela Lei 12.061/2009 em seu art. 4º) e que a habilitação profissional poderia acontecer de forma cooperativa com Instituições Especializadas em educação profissional, o que possibilitou uma grande descentralização das ações do Estado diante da educação profissional levando os alunos para organizações privadas de Ensino Técnico Profissionalizante concebendo que organizações civis teriam maior competência de realizar esta educação (KUENZER, 2007, p. 1154). LIMITES E POSSIBILIDADES DE MOBILIZAÇÃO SOCIAL ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL INTEGRADA AO ENSINO MÉDIO Ao final do 1º mandato do Governo FHC (Fernando Henrique Cardoso) quando o Decreto nº 2.208/97 entrou em vigor. Foi estabelecido através deste que a educação profissional aconteceria de forma concomitante ou sequencial ao Ensino Médio o que ocasiou a separação da formação acadêmica da Educação Profissional, aproximandose muito mais dos interesses imediatos dos empresários e das recomendações dos órgãos internacionais do que das perspectivas democratizantes inerentes aos projetos defendidos pelas entidades da sociedade civil (MANFREDI, 2002, p. 119). Sabemos também que este período foi marcado pela inserção da corrente Neoliberal no país “que exige racionalização do uso de recursos finitos, redução da presença do Estado no financiamento das políticas sociais e aumento da flexibilidade, qualidade e produtividade no sistema produtivo” (KUENZER, 2001, p. 66). O Estado se torna mínimo por delegar suas responsabilidades para organizações privadas, como saúde, educação e segurança, crescendo com isso a prestação de serviços e a terceirização da mão de obra, “um sem-número de ocupações precárias que embora ainda sirvam à sobrevivência longe estão de permitir um mínimo de dignidade e cidadania” (KUENZER, 2000, p. 27). Se já existia a fragmentação do trabalho, com esta nova opção, as empresas de grande porte eximam-se da responsabilidade sobre estes trabalhadores, que recebem cada vez menos, e entendem pouco do processo que estão desenvolvendo. É o mercado quem define onde o estado deverá investir. Se há uma necessidade de mão de obra especializada na área técnica, o estado firmará programas de capacitação técnica, incentivando escolas e institutos a abrirem vagas de ensino nestas áreas, ele também oferta o ensino, com uma qualidade inferior, mas a vaga existe. O ensino sempre chega às famílias da classe popular, um exemplo são os Liceus de Ofícios da Prefeitura Municipal de Curitiba, instalados nas ruas da cidadania que passaram a oferecer cursos de qualificação e aperfeiçoamento não estando sujeito a organização curricular (decreto 2.208/97, art. 4º). Coincidentemente ou não com o período Imperial estes Liceus também oferecem cursos gratuitos para jovens a partir de 16 anos que se encontra em vulnerabilidade social. É o Estado servindo ao capitalismo, incentivando os filhos da classe trabalhadora a se inserir no mercado de trabalho como operador de tarefas. Quanto aos filhos da elite, a educação é diferenciada, são formados para o rol dos intelectuais da sociedade, pois o ensino superior não é para todos, mas sim para dirigentes e técnicos de alto nível, para o que se exige estudantes bem preparados pela educação primária e secundária, cujos egressos devem ser rigorosamente selecionados, premiando os que sejam realmente competentes (KUENZER, 2001, p. 68). Muito comum para uma sociedade fundada na meritocracia e “de maior desigualdade econômica, social, cultural e educacional do mundo, na qual se legalizam o privilegio e a própria desigualdade. Uma sociedade legalista, mas profundamente injusta e, portanto, de fraca legitimidade” (FRIGOTTO, 2004, p. 55), onde todos agem na normalidade frente às discrepâncias sociais, os 10% mais ricos ganham 39 vezes mais em comparação aos menos favorecidos. “Ou seja, um brasileiro que está na faixa mais pobre da população teria que reunir tudo o que ganha (R$ 137,06) durante três anos e três meses para chegar à renda média mensal de um integrante do grupo mais rico (R$ 5.345,22)” (GAZETA DO POVO, 16/11/2011), em outra matéria do mesmo jornal o Economista Marcio Pochmann51 admite que “existem ainda hoje, no país, cerca de 16,2 milhões de pessoas que vivem em situação de extrema pobreza – o que significa que elas vivem com apenas R$ 72 por mês, ou o equivalente a R$ 2 por dia” (GAZETA DO POVO, 01/05/2012). Para o Capital é extremamente necessário a hierarquização das classes sociais, e é absolutamente normal que altos cargos paguem a seus profissionais remunerações exorbitantes e para a base da pirâmide salários que não atendem as necessidades mínimas, quem dirá as descritas na Constituição Federal de 1988, quando ressalta em seu art. 7º que o IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim (BRASIL, 1988). Comparações como estas nos causam indignação, mas o que fazer? Em vista que “somos uma sociedade estigmatizada por uma formação social colonizadora e de marca escravocrata. Uma sociedade de pouca experiência democrática e de uma democracia formal e fraca”52 (FRIGOTTO, 2004, p. 53), o que impede qualquer forma de mobilização, já que aprendemos a nos manter numa zona de conforto e a delegar para o outro qualquer atitude de reivindicação. 51 Graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1984) e doutorado em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). Atualmente é Professor Livre Docente da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência na área de Economia , com ênfase em Políticas Sociais e do Trabalho. Atuando principalmente nos seguintes temas: políticas de trabalho. 52 Quando Frigotto afirma que nossa democracia é formal e fraca está nos apontando quanto a superficialidade que a sociedade brasileira trata o assunto. Num sistema democrático de governo o povo possui poder de decisão, escolhe por meio de voto quem deve lhe representar, e no caso brasileiro esta escolha nem sempre é critica. Durante a transição dos governos FHC para a gestão Petista de Lula, já havia a critica ao decreto 2.208/97 e uma crescente mobilização da comunidade escolar que observara com este Em 23 de julho de 2004 ocorre a promulgação do Decreto nº 5.154, e mais recentemente a Lei 11.741 de 16 de julho de 2008 que amplia o art. 36º da LDB 9394/96, incluindo a Educação Profissional à educação básica possibilitando a Integração desta formação ao Ensino Médio. Devemos salientar que a busca por uma educação emancipatória advém desde a promulgação da Constituição de 1988, e as primeiras discussão sobre uma LDB quando esta “sinalizava a formação profissional integrada à formação geral nos seus múltiplos aspectos humanisticos e cientifico-tecnológicos” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 25), objetivos minimizados pela Lei 9394/96 e silenciados pelo decreto 2.208/97. Podemos então considerar que “o ensino médio integrado ao ensino técnico, sob uma base unitária de formação geral, é uma condição necessária para se fazer a “travessia” para uma nova realidade” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 43), social que vem sendo almejada e impedida de se efetivar. Uma reflexão sobre o que seria uma formação integral neste momento se faz necessária. Ciavatta in Frigotto, Ciavatta e Ramos (2005, p. 85) nos relata uma ideia quanto a formação integrada que sugere superar o ser humano dividido historicamente pela divisão social do trabalho entre ação de executar e a ação de pensar, dirigir ou planejar. Trata-se de superar a redução da preparação para o trabalho ao seu aspecto operacional, simplificado, escoimado dos conhecimentos que estão na sua gênese cientifico-tecnológica e na sua apropriação históricosocial. Como formação humana, o que se busca é garantir ao adolescente, ao jovem, e ao adulto trabalhador o direito a uma formação completa para a leitura do mundo e para a atuação como cidadão pertencente a um país, integrado dignamente à sua sociedade política. Formação que, neste sentido, supõe a compreensão das relações sociais subjacentes a todos os fenômenos. A Diretriz Curricular para a Educação Profissional do Estado do Paraná, quando enfatiza que esta é “uma politica de Estado, comprometida com a emancipação da classe trabalhadora, na medida que pretende superar a dualidade educacional, potencializando a construção de uma sociedade justa” (PARANÁ, 2006, p. 9), aponta que o jovem terá a oportunidade de ter acesso ao ensino técnico e erudito superando a dualidade do ensino, entretanto propor a superação da dualidade estrutural sem que se supere o modo de organização social Capitalista seria muita ingenuidade, pois a superação da dualidade não é uma questão a ser resolvida através da educação, mediante novas formas de articulação entre o geral e o específico, entre teoria e prática, entre disciplinaridade e transdisciplinaridade; ou mediante uma nova concepção de competência que impacte as políticas e programas de formação de professores. A dualidade só será superada com a superação da contradição entre a propriedade dos meios de produção e a propriedade da força de trabalho (KUENZER, 2010, p. 862). Podemos observar que a educação integrada empregada em nossos bancos escolares visa à preparação para o mercado de trabalho e a possibilidade de acesso ao ensino superior, não se parte de uma contextualização das condições sociais causadas pela sociedade capitalista, e como a massa trabalhadora possui força de mobilização. Existe aqui uma enorme contradição do que deveria ser a Educação Integrada e o que ela realmente é. A educação não é redentora, não pode ser responsabilizada pelo caos social, “ela é um recurso relevante para a compreensão dos fundamentos da desigualdade” (CIAVATTA, 2005, p. 102). Segundo Kuenzer (2010, p. 854), para a maioria dos jovens a escola, em especial a pública, é o único espaço que lhes proporcionará acesso ao conhecimento erudito, desta forma é primordial que sua oferta seja democratizada – dada pela Lei 12.061/09 – e a permanência concretizada, é o que a ainda almejamos. Para que possamos alcançar um índice de escolaridade consideravelmente bom, com sujeitos participativos e críticos em todas as esferas, devemos desconstruir, primeiramente, do imaginário das classes populares, o entulho ideológico impostos pelas classes dominantes da teoria do capital, da pedagogia das competências, da empregabilidade, do empreendedorismo e da idéia que cursinhos curtos profissionalizantes, sem uma educação básica de qualidade, os introduzam rápido ao emprego (FRIGOTTO, 2005, p. 77). Devemos recordar que quando a burguesia almejou mudança social – em favor de seus ideais –, procurou-se através da escola, levar luz aos que estavam nas trevas, tirando-os da servidão aos feudos. Naquele momento “escolarizar todos os homens era condição para converter os servos em cidadãos, era condição para que esses cidadãos participassem do processo político” (SAVIANI, 2007, p. 40) e comungassem com as propostas contratuais burguesas. Portanto, para que haja mudança social conceitos errôneos quanto à condição social da maioria da população precisam ser desconstruídos com o propósito de revolução. O currículo integrado deveria ter a função de levar aos nossos jovens a “compreensão dos fundamentos técnicos, sociais, culturais e políticos do atual sistema produtivo” (FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p.15), e não somente a um conhecimento tácito – de saber fazer algo – de um lado e a possibilidade de prosseguimento dos estudos de outro, se tornaria ferramenta eficaz de mudança do sujeito, e este sim, mobilizador de consciências em busca de melhores condições trabalhistas com objetivo de minimizar as disparidades econômicas entre as classes sociais. Quando a escola entende que a integração é “a adição de um ano de estudos profissionais a três de ensino médio (a chamada estrutura 3 + 1)” (RAMOS in FRIGOTTO, CIAVATTA e RAMOS, 2005, p. 122), impede que a desconstrução de conceitos se realize e como conseqüência o jovem é privado de realmente ter uma formação integral. Não podemos deixar de lembrar que a atuação do professor, desempenha um papel importantíssimo na formação do aluno, desta forma, há a necessidade do profissional do magistério ter uma visão critica da sociedade – dada pela formação inicial ou continuada –, não estamos querendo dizer que a responsabilidade é toda do docente, mas quando este assume os objetivos descritos no PPP (Projeto Político Pedagógico)53, a probabilidade de o jovem desenvolver consciência critica aumenta. Muitos se desmotivam e acabam por incutir o discurso meritocrático e deixam de sonhar, não se permitem mais buscar uma ideologia de igualdade e passam a concordar que realmente precisamos da divisão social e do trabalho, e reproduzem dentro de sala de aula tal desigualdade, contudo, “sabemos que a desigualdade não é gerada na escola, mas na sociedade. A escola pode reforçá-la ou contribuir para a sua superação” (FRIGOTTO, 2004, p. 58). No que se refere à educação profissional na visão capitalista a “escola tem por missão impedir o desenvolvimento da ideologia do proletariado e a luta revolucionária” (SAVIANI, 2007, p. 27), com isso calar a voz da classe trabalhadora. Devemos ressaltar que antes de ser professor o sujeito é “reflexo da fração da sociedade civil da qual faz parte, ou seja, da totalidade das relações sociais que se dão na família, na sua vizinhança e na sua comunidade” (CORRÊA in FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005, p. 142), por isso integrar à educação básica mecanismos de superação deste círculo vicioso onde o conformismo advindo de sua experiência quanto cidadão, pode “influenciar os professores nas suas opções pela adoção de determinada teoria pedagógica, a didática, os currículos, a organização da escola como um todo, enquanto espaço de socialização” (CORRÊA in FRIGOTTO, CIAVATTA E RAMOS, 2005, p. 143), é urgente, se realmente almejamos mudança. 53 O projeto pedagógico é o projeto de cidadania da escola, define a intencionalidade e as estratégias da escola (BORDIGNON in FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 308). Superar a dualidade vai além de ensinar uma profissão num currículo integrado com a última etapa da educação básica – o ensino médio – ela diz respeito a uma formação que transcende tudo que conhecemos, é considerar o sujeito como um “homem completo, que trabalha não apenas com as mãos, mas também com o cérebro e que, consciente do processo que desenvolve, domina-o e não é por ele dominado” (MANACORDA, p. 95). É o homem quem deve decidir sobre seu trabalho54 e não a sua origem de classe, este quando consciente dominará os processos de produção, e não se deixará dominar, porque entende as entrelinhas do discurso neoliberal. Um país só pode crescer como nação através da formação de seu cidadão, um primeiro passo precisa ser dado, “o novo não surgirá do nada, de forma instantânea ou da cópia de outras sociedades” (FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 14) que pouco se assemelham histórica e culturalmente com o Brasil. O retrato da educação brasileira atualmente não condiz com o idealizado, pois para os filhos da burguesia e pequena burguesia, as escolas médias de educação geral ofertadas pela iniciativa privada atendem às suas demandas de acesso ao ensino superior; para os estratos médios e para parcela menos precarizada da classe trabalhadora, os cursos de educação profissional e tecnológica ofertados pelo setor público, embora de reduzida oferta, atendem à necessidade de inserção no mercado de trabalho, com o que viabilizam seu acesso ao ensino superior, na busca por ascensão social (KUENZER, 2010, p. 867). 54 Devemos aqui ressaltar o duplo sentido de trabalho: “a) ontológico, como práxis humana e, então, como forma pela qual o homem produz sua própria existência na relação com a natureza e com os outros homens e, assim, produz conhecimento; b) histórico, que no sistema capitalista se transforma em trabalho assalariado ou fator econômico, forma específica da produção da existência humana sob o capitalismo; portanto, como categoria econômica e práxis produtiva que, baseadas em conhecimentos existentes, produzem novos conhecimentos” (RAMOS in FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 46). E o que resta aos desvalidos55 da sorte? A estes a educação básica precisa perseguir “o desenvolvimento intelectual de seus alunos, de modo que possam se tornar dirigentes” (RAMOS in FRIGOTTO e CIAVATTA, 2004, p. 50). Sujeitos que possuem poder de decisão de seu próprio meio de subsistência e não adaptados e conformados ao meio, para isso a utopia precisa sim brotar e transcender ao mais alto nível da realidade, admitindo que os avanços e retocessos ainda estão presentes na educação brasileira e que o Ensino Profissional Integrado ao Ensino Médio pode ser objeto de mobilização social. CONSIDERAÇÕES FINAIS O período Republicano afamado pela modernização, pelo salto industrial, pelas construções de malhas ferroviárias institui a educação profissional para o atendimento das necessidades do progresso, entendendo que quanto mais o povo trabalha menos tempo possui para reinvindicação, não há espaço para pensamentos críticos. O Ministério do Trabalho instituído pelo Estado Novo cumpre bem este papel de repressão através de medidas de benefícios nunca antes disponibilizados para os trabalhadores: férias, diminuição da carga horária de trabalho, o afastamento da mão de obra infantil, dentre outras. O Sistema “S” também possui objetivos disciplinadores através do ensino profissionalizante. O militarismo que imperou nos pais por duas décadas impediu manifestações de qualquer ordem contra a exploração da mão de obra assalariada. Podemos observar que a cada momento histórico em que existe um clamor para olharmos as discrepâncias de redistribuição de renda há uma medida de contenção dos ânimos, admitida diversas vezes legalmente. Foi o que ocorreu com a promulgação do decreto 2.208/97, que ocasionou a separação da educação profissional da educação básica, impossibilitando que os filhos da classe trabalhadora tivessem acesso a uma 55 “os sujeitos a que nos referimos são predominantemente jovens e, em menor número, adultos, de classe popular, filhos de trabalhadores assalariados ou que produzem a vida de forma precária por conta própria, do campo e da cidade, de regiões diversas e com particularidades socioculturais e étnicas” (FRIGOTTO, 2004, p. 57). educação que os formasse para atuar como cidadãos conhecedores de seus direitos e que pudessem entender a importância de um povo atuante democraticamente nas decisões. Optou-se por retomar alguns aspectos históricos para que o leitor pudesse também refletir: o ensino técnico integrado ao ensino médio que hoje é oferecido nos bancos escolares públicos não se aproxima do que acabamos de ler? Várias vezes reafirmamos que a educação não é redentora, ela por si só não pode fazer revolução e que a desigualdade é produzida na sociedade. A escola pode contribuir para que o sujeito que dela sai seja capaz de mobilização em busca de minimização das ideologias dominantes, ou que seja por elas dominado. Devemos lembrar que o professor desempenha um papel importantíssimo neste processo. Ele também é fragmento da sociedade que temos, também é trabalhador e por muitas vezes acaba por refletir na escola em que atua a sua própria condição social e deixa o conformismo impedir que o círculo vicioso se quebre. A formação inicial e/ou continuada destes docentes precisa engrossar as honrosas exceções dos profissionais que não se conformam com os manuais práticos que ensinam a dar aula, pelo contrário, vão ao limite de suas possibilidades para assumir os objetivos descritos no Projeto Político Pedagógico da escola. REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto Nº 7.566, de 23 de Setembro de 1909. ______. 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